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Êxodo urbano e as segundas residências: uma análise do novo rural

Urban exodus and second homes: an analysis of the new rural

GRANDI, Leandro Teixeira


Arquiteto Urbanista, Planejamento Urbano e Arquitetura, FAMEESP – SP, leandroteixeira.arq@gmail.com

RESUMO
Quando há alguns anos o meio rural esteve em êxodo e era categorizado como agrícola e primário, hoje tem sua
função completamente alterada e sua definição complexa de delinear. Além disso, a busca por um ambiente
diferente do atual caos das cidades mira a população de volta ao rural, em um novo movimento de êxodo, mas,
dessa vez, urbano e pendular. O presente estudo buscou entender esse processo e utilizou como base a formação
de uma represa hidroelétrica: a UHE do Funil, localizada entre os municípios mineiros de Lavras, Perdões e Ijaci.
Foram realizados estudos de georreferenciados (SIG) e documentação fotográfica para entender como as
alterações morfológicas da paisagem ocasionaram alterações no uso e ocupação do solo ao longo das margens
do curso d’água. Assim, como objetivo final deste estudo, buscou-se entender as novas dinâmicas do rural e
como essas mudanças influenciam na paisagem.
PALAVRAS-CHAVE: Êxodo Urbano, ocupação rural, segundas residências, Represa do Funil.
LINK: https://linktr.ee/exodourbanosiaus

ABSTRACT (100 to 250 words)


When a few years ago the rural environment was in exodus and was categorized as agricultural and primary,
today its function has completely changed and its definition is complex to outline. In addition, the search for an
environment different from the current chaos of cities aims the population back to the rural, in a new movement
of exodus, but this time, urban and commuting. This study sought to understand this process and used as a basis
the formation of a hydroelectric dam: the Funil HPP, located between the municipalities of Lavras, Perdões and
Ijaci in Minas Gerais. Georeferenced studies (GIS) and photographic documentation were carried out to
understand how the morphological changes in the landscape caused changes in land use and occupation along
the banks of the watercourse. Thus, as the final objective of this study, we sought to understand the new rural
dynamics and how these changes influence the landscape.
KEY-WORDS: Urban Exodus, rural occupation, second homes, Funil Dam.
LINK: https://linktr.ee/exodourbanosiaus

1 URBANO, RURAL E O ÊXODO

Antes de iniciar este estudo, faz-se necessário o esclarecimento de terminologias que serão
empregadas. Ao tratar de êxodo urbano, têm-se três conceitos: o primeiro ao que se diz respeita o ato
de emigrar (êxodo), o segundo é referente ao que é urbano e, consequentemente, o terceiro refere-
se ao que é rural.
Êxodo (cuja origem no grego clássico é "saída" ou "partida") também é o nome dado ao segundo livro
da Torá e também da Bíblia hebraica. Os documentos utilizam essa palavra para denominar a fuga dos
israelitas do Egito em direção a Israel. Já segundo o dicionário Houaiss é emigração de todo um povo
ou saída de pessoas em massa (Houaiss, 2009). Percebe-se que em um contexto semântico, a palavra
êxodo remete simplesmente a uma ação coletiva de emigrar, porém, quando no sentido histórico,
entende-se que essa movimentação está relacionada à busca por melhorias, intricadamente ligada à
uma reprovação de seu local anterior.

Com relação ao urbano e ao rural, há uma discussão mais ampla. Para Weber (1922) o meio urbano
baseia-se em determinadas características cuja junção delineia a estrutura de uma cidade. Para o
economista, as condições básicas para existência de uma cidade são: densidade demográfica,
profissões, economia urbana permanente, relações com o meio rural, força militar e independência
política. Mesmo que Weber seja assertivo em sua definição, sua totalidade vale apenas para as antigas
cidades-estados. Com a evolução da urbanização e a territorialização de espaços, observa-se que não
mais se faz necessário que os núcleos urbanos tenham características urbanas individuais, mas que
essas existam em outros núcleos e sejam compartilhadas em um conjunto de polos urbanos que pode
ser denominado de rede (FILHO, 1968). Ou seja, pode-se admitir que aglomerados populacionais que
não tenham em sua estrutura alguns dos pontos citados por Weber sejam considerados urbanos
quando importam essas funções de outros núcleos. Portanto, a adjacência entre o urbano e o rural
cresce exponencialmente com a globalização, justamente por uma diminuição da significância das
distâncias, sendo atualmente difícil definir o que é urbano e o que é rural. Essa condição se agrava
quando analisada dentro do contexto do presente estudo, que tem como objeto agrupamentos e
ocupações com características urbanas em territórios (predominantemente) rurais.

Contudo, há uma forma de distinção entre a cidade e o campo a qual podemos utilizar: a paisagem.
Semanticamente a palavra “paisagem” tem significados meramente redundantes, lacônicos e muitas
vezes ligados à fotografia e a pintura. Isso acontece pois, durante muitos anos, o conceito de paisagem
foi definido por conceituações do âmbito meramente estético (SALGUEIRO, 2001). Porém, a partir do
século XX, vários autores explicitaram que a abordagem puramente visual da paisagem era relevante,
mas insuficiente. Em 1925, o artigo “A Morfologia da Paisagem” (The Morphology of Landscape),
escrito por Carl Ortwin Sauer, defende pela primeira vez do caráter científico da paisagem. Com a
evolução dos estudos de paisagem, houve um descolamento de conceitos, o que primariamente era
ligado ao ambiente natural, passou a agregar cultura e, consequentemente, intervenções humanas,
levando o termo paisagem a conceituar também as cidades e agrupamentos rurais.

Deu-se assim os primeiros passos para construção do que hoje pode-se chamar de paisagem cultural.
Estudos seguintes avançaram na busca por maneiras mais concisas de definir a paisagem. Milton
Santos, como geógrafo contemporâneo, coloca que “a paisagem é o conjunto de formas que, num
dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre
homem e natureza” (SANTOS, 2006 p. 66). Assim, percebe-se que podemos classificar a paisagem
como um ambiente modificado ou não pelo homem e, para este estudo, consideraremos a paisagem
rural como um espaço em que o homem criou para a satisfação de suas necessidades primárias. Essa
distinção entre urbano e rural viabiliza, metodologicamente, o estudo de fluxos urbano-rurais.

2 O ÊXODO URBANO

A cidade no Brasil começa no estado da Bahia, primeiramente sustentada por motivos de assegurar e
demarcar território luso e posteriormente para servir de sede de controle da colônia para a coroa
portuguesa. Tal condição fazia com que a realidade urbana inicial fosse peculiar. A dinâmica de
distribuição facilitada de terras (para colonos) induzia a um modelo de vida centrado no meio rural.

Nos primeiros séculos da invasão e com a fixação permanente da exploração colonial, o Brasil
encontrava-se em uma condição de retaguarda agrícola para a Europa. Exportava-se,
predominantemente, o açúcar produzido pelos senhores de engenho espalhados por todo vasto
território costeiro nordestino brasileiro. Com isso, boa parte da população habitava o campo. A cidade
simbolizava um polo centralizador, mas tal só se aplicava em princípios políticos e militares. Filho
(1968), coloca que de maneira prática, a cidades só eram utilizadas pela população em eventos sociais
(principalmente ligados à religião) ou por motivos políticos. Com exceção destes, a cidade permanecia
adormecida. Tal modelo permaneceu por anos, sendo modificado somente em princípios
quantitativos. Com a evolução econômica, estabelecimento do comércio e fixação de profissões
urbanas, as cidades brasileiras se desenvolveram e a urbanização se acentuou. As fazendas
diminuíram, mas ainda assim se mantiveram.

A partir do século XIX, dentro de um contexto mundial, inicia-se um processo de industrialização dos
meios de produção que posteriormente foi chamado de “Revolução Industrial”. Esse processo atingiu
diretamente as dinâmicas espaciais anteriores: “Do ponto de vista quantitativo, a revolução industrial
é quase imediatamente seguida por um impressionante crescimento demográfico das cidades”
(CHOAY, 1965, p. 3). A população campesina iniciou uma migração, primeiramente em massa, e
atualmente contínua, do campo para cidades. No Brasil, esse fenômeno aconteceu com maior
intensidade após o ano de 1930, sinalizado principalmente por reformas urbanas que buscavam
melhorias sanitárias e de infraestrutura1 (Villaça, 1999). A migração campo-cidade, denominada êxodo
rural, se estende até os dias atuais.

Contudo, atualmente foi possível observar, quantitativamente, um movimento similar (e não


contrário) ao êxodo rural: o crescimento das residências de uso ocasional2, também chamado de
“êxodo urbano”. Para Pretto (2018), o termo é descrito de várias maneiras pela literatura: “[...]
segunda residência, domicílio de uso ocasional, casa de veraneio, chácara, sítio, casa de campo,
vivenda secundária, vilegiatura [...]” (PRETTO, 2018, p. 15). A autora coloca que esse fenômeno é
antigo, mas a percepção dele em aspectos quantitativos é recente no Brasil devido à “falta de dados e
pela inexistência ou confusão que existia na contagem desses domicílios durante a realização de
levantamentos censitários” (PRETTO, 2018, p. 14).

Buscando dados expostos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) observa-se que eles
somente existem a partir dos anos 2000. As pesquisas revelam um crescimento no número dessa
modalidade de moradia de 830.105 em 2000 para 1.267.386 em 2010 (crescimento de
aproximadamente 52%) (IBGE, 2010). Estima-se que o crescimento se acentue ainda mais com os
próximos resultados.

Neste contexto, insere-se o presente trabalho que buscou compreender as novas características
(urbanas) do meio rural. As análises foram baseadas em um recorte geográfico no qual houve uma
perceptível modificação morfológica do território. O recorte, métodos e objetivos serão descritos a
seguir.

3 DE RIO GRANDE À REPRESA DO FUNIL

O milenar curso d’água conhecido como Rio Grande é, junto com os rios Paranaíba, Tietê,
Paranapanema, Iguaçu (e outros), parte da bacia do Rio Paraná, localizada na região sudeste e centro

1Diferente das reformas (anteriores a 1930) chamadas de “embelezamentos”.


2Nome dado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para residências particulares que servem como
moradia, para descanso, fins de semana e outros fins.
sul do Brasil. Ele tem como tributários os rios Aiuruoca, Lourenço Velho, das Mortes, Jacaré, Verde,
Sapucaí, Canoas, Pardo e Turvo. Sua principal característica sempre foi seu potencial como fonte de
energia, sendo que já na década de 50 existiam estudos para implantação de usinas. Uma das
barragens mais recentes está localizada na região do Funil, que abrange os municípios sul-mineiros de
Lavras, Perdões e Ijaci. Os estudos de engenharia para implantação de uma usina hidroelétrica nessa
região datam da década de 60 e se desenvolveram até a década de 90 (COELHO, 2008). Contudo, foi
só no ano 2000 que as obras, que mudaram o rio e a paisagem de forma definitiva, começaram. A
construção da barragem do Funil foi finalizada em 2002 e o trecho foi inundado, dando origem a Usina
Hidroelétrica Funil, administrada por um consórcio entre Vale (até 2007 Companhia Vale do Rio Doce
– CVRD) e Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG). No sentido nascente-foz, a Usina
Hidrelétrica do Funil se consolidou como a terceira, sendo as represas de Camargos e de Itutinga
antecessoras.

A criação do espelho d’água modificou a região não só morfologicamente, mas também suas
estruturas econômicas e sociais. O cenário primário composto por lavouras de café, pastagens,
fazendas e todos os tipos de aparatos rurais ficou, em sua maioria, submerso. O que restou nas áreas
mais elevadas foi lentamente diminuindo e pouco a pouco uma nova configuração se formou. A
ocupação da região por residências de uso ocasional se tornou evidente. Toda essa percepção se deu
a partir de uma observação continua do autor, desde o rio até o lago.

O presente trabalho concentra-se em uma análise quali-quantitativa das transformações da paisagem


às margens da represa do Funil, no sul de Minas Gerais. O recorte geográfico são as paisagens que
margeiam o perímetro do lago e o recorte cronológico o período de 2002, quando ocorreu o
alagamento, à 2021, que se caracteriza pela reformulação morfológica local. As etapas de elaboração
foram: documentação do estado atual de ocupações através de documentação fotográfica,
caracterização dos dados obtidos em parâmetros observáveis e levantamento macroespacial por
imagens georreferenciadas.

Entende-se que as mudanças de comportamento social, assim como a cultura, são líquidas e estão em
constante transformação. Quando há alguns anos o meio rural esteve em êxodo e era categorizado
como agrícola e primário, hoje tem sua função completamente alterada e sua definição complexa de
delinear. Assim, buscou-se como objetivo final deste estudo, contribuir com o entendimento das novas
dinâmicas do rural, principalmente com relação a seu uso e ocupação e como essas mudanças
influenciaram na paisagem rural do recorte delimitado.
4 MATERIAIS E MÉTODOS

O lago formado pela referida barragem tem como marco zero (último local onde pôde-se observar
corredeiras) a ponte sobre o rio Capivari, na divisa entre os municípios de Lavras e Itumirim (Minas
Gerais), formando um espelho d’água de 37,71 km² (COELHO, 2008). Para este estudo foi fixada a
porção do lago na qual as margens estão dentro dos limites municipais das cidades mineiras de
Perdões, Ijaci e Lavras. Isso se deu por ser a primeira porção do reservatório dentro de limites
municipais (no sentido barragem-nascente). O recorte tem área de espelho d’água de 21,08 km² e 51,5
km de margens analisadas. Outro fator metodológico é que o foco do estudo são ocupações
espontâneas, sendo assim, comunidades planejadas realocadas devido à inundação (como a
Comunidade do Funil) não foram incluídas nos levantamentos (Figura 1).

Figura 1: Recorte do estudo.


Fonte: Elaborado pelo autor, 2021.

Com o recorte definido, foi feito o levantamento fotográfico. Este foi realizado em 6 dias diferentes, 3
dias úteis e 3 domingos, a fim de diferenciar ocupações permanentes e ocasionais. As visitas ocorreram
dos dias 2, 3, 4, 5, 9 e 16 de maio de 2021, por água, margeando todo recorte. Ao todo foram
catalogadas 139 ocupações, algumas delas estão expostas na Figura 2.
Figura 2: Ocupações documentadas.
Fonte: Autor, 2021.

As fotografias produzidas durante o levantamento fotográfico foram classificadas seguindo padrões


observáveis. As ocupações foram divididas por tipologia, uso, implantação, arquitetura e contato com
o lago. Os critérios de caracterização estão dispostos na Tabela 1.

Critério Descrição Classificações


1
São dadas como primárias ocupações que visivelmente estão inseridas em
propriedades que apresentam estruturas de produção agropecuárias Primárias;
Tipologia
como plantações, currais, cultivos agroflorestais, apicultura, etc. Secundárias.
Quaisquer outras ocupações são dadas como secundárias.
Foram consideradas ocupações de uso permanente aquelas que
mantiveram visível presença humana em todas as visitas realizadas. Já as Permanente;
Uso
pendulares são aquelas que a presença só foi observada nos domingos Pendular.
(visitas do dia 2, 9 e 16 de maio de 2021)
Corresponde ao local de implantação da ocupação. Ocupações isoladas
são aquelas que não apresentam vizinhos próximos. Condomínios formais Isolada;
são aqueles que é possível observar ordenamento viário ou infraestrutura Condomínio
Implantação
urbanística (iluminação pública, calçamento, etc). Aglomeração é a formal;
classificação dada a ocupações situadas em vilas ou agrupamentos que Aglomeração.
não apresentam ordenamento viário ou presença de infraestrutura.
A classificação por arquitetura se baseia em ocupações que apresentam
características de construção tradicionais2 (telhas cerâmicas, áreas Tradicional;
Arquitetura
avarandadas, esquadrias de madeira, edificações térreas, etc). Quaisquer Não tradicional.
outras características definem a ocupação como não tradicional.
Grau de ligação com o lago. Ocupações diretamente ligadas com o lago
Anexas;
Contato são dadas como anexas. Já as visivelmente ligadas com o lago, porém por
Conectadas;
com o lago meio de estradas, trilhas, caminhos são dadas como conectadas. Todas as Desconectadas.
outras foram definidas como desconectadas.
Tabela 1: Método de caracterização das ocupações.

1 O Estatuto da Terra, art. 4º, inciso I: imóvel rural é "o prédio rústico [...] que se destina à exploração extrativa agrícola,
pecuária ou agro-industrial [...]” (BRASIL, 1964)
2 Características comuns descritas em Diniz (2008) e Siqueira (2013) (estudos pautados na preservação da arquitetura rural

no Brasil).
Após a aplicação dos referidos critérios, cada uma das 139 ocupações observadas recebeu cinco
classificações. Os dados coletados estão dispostos no gráfico 1.

Figura 3: Gráfico: dados do levantamento.


Fonte: Autor, 2021.

Com relação a tipologia pôde-se observar que grande parte (88%) é secundária, sendo que somente
16 de um total de 139 são primárias. Ao cruzar dados, também se observou que todas as ocupações
primárias têm arquitetura tradicional e são de uso permanente. Também é notável que a maior parte
das ocupações tem algum tipo de contato com o lago (70%). Contudo, o fator de maior assimetria é
com relação ao uso. As ocupações que só apresentaram presença humana aos domingos
correspondem a 88%. As visitas realizadas nos dias 3, 4 e 5 de maio (dias úteis) foram marcadas por
um baixíssimo grau de atividade, tanto na paisagem quanto em água, como pesca, esportes náuticos
e lazer. Com relação aos 12% de ocupações permanentes, observou-se que as estruturas agrícolas são
de escala familiar, não foram observadas grandes rebanhos e plantações. Cruzando dados de “contato
com o lago” com “tipologia” e “uso”, observou-se que a maior parte das ocupações que tem algum
tipo de contato com o lago (conectadas ou anexadas) são edificações secundárias e pendulares.
Contudo, o levantamento fotográfico evidencia uma paisagem formada por ocupações que estão
inseridas no meio rural, mas não para “satisfação de suas necessidades primárias”.

Por razões metodológicas, o levantamento fotográfico foi realizado anteriormente às análises


espaciais (por meio de imagens georreferenciadas). Isso se deu para que houvesse o reconhecimento
in loco do recorte e com isso uma maior precisão no mapeamento das ocupações. O mapeamento
traduz as informações coletadas no nível micro e expõe em um nível macro, além de possibilitar a
análise temporal.

Com a caracterização das ocupações realizada, parte-se para a criação de dados SIG, com objetivo não
só de ilustrar espacialmente o atual nível de alterações antropológicas na paisagem como para
entender quando isso aconteceu e com qual velocidade. Foram analisadas 5 imagens, datadas de
forma estratégica nos períodos expostos na Tabela 2.

Período Descrição Data


O período denominado como “Rio Grande” compreende como a última imagem
possível do Rio ainda natural. As informações adquiridas nesse período criam um
Rio Março de
marco zero para a análise, ou seja, todas as ocupações registradas nesse período não
Grande 2002
representam movimentos ocupatórios causados pela modificação da paisagem
ocasionada pela criação do espelho d’água.
O período “Inundação” representa o primeiro momento observável após a cheia do
Julho de
Inundação rio e implantação do lago. Com ele é possível visualizar possíveis realocações e
2003
também as comunidades planejadas, como a Comunidade do Funil.
O Estágio 1 compreende os sete primeiros anos após a inundação (2002 a 2008) e Julho de
Estágio 1
tem como objetivo mostrar as primeiras ações antropológicas observáveis no recorte. 2008

O Estágio 2 se ilustra o resultado dos quatorze primeiros anos após a inundação (2002 Dezembro
Estágio 2
a 2016). Seu objetivo é atuar como uma referência intermediária. de 2016

O Estágio 3 é a caracterização espacial final do recorte. Com ele é possível relacionar Março de
Estágio 3
passado e presente, além de estabelecer uma ligação com as análises in loco. 2021
Tabela 2: Recortes cronológicos estudados.

O primeiro período, devido sua data ser do ano de 2002, apresentou uma qualidade de imagem inferior
a ideal para um levantamento preciso (como foi o caso das imagens posteriores). Contudo, os
resultados encontrados, considerando que seu uso é como parâmetro inicial, se mostrou suficiente. A
Figura 4 demonstra o estado do rio e suas margens poucos meses antes do alagamento. Fica evidente
que as poucas ocupações identificadas são isoladas, muitas vezes cercadas de áreas de plantio e
compostas por construções múltiplas; conformações características de fazendas, sítios e chácaras.
Também é possível observar o início das obras para a Comunidade do Funil (realocação).
Figura 4: Período Rio Grande.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2021.

O período “Inundação” é marcado por um primeiro aumento no número de ocupações, mas, em sua
maioria, isoladas. Há sinalização de novas ocupações a serem estabelecidas (abertura de vias, lotes
vazios). O aspecto principal deste período é a minoritária presença de condomínios (Figura 5).

Figura 5: Período Inundação.


Fonte: Elaborado pelo autor, 2021.
Os estágios 1 e 2 são os que demonstraram a maior acentuação dos níveis de ocupação. Comparando
as imagens, é visível a intensidade das alterações. Observa-se que as maiores modificações são de
condomínios formais e informais e a busca pela proximidade com o lago (Figuras 6 e 7).

Figura 6: Estágio 1.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2021.

Figura 7: Estágio 2.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2021.
O último estágio não revela significativas mudanças em relação ao anterior, somente em princípios
quantitativos, contudo, o padrão de distribuição segue o mesmo. Porém, analisando além das
intervenções já estabelecidas no período, percebe-se uma grande movimentação de estruturas de
suporte. Essa característica acaba sendo similar ao observado no ano de 2003, no período
“inundação”. Sendo assim, projeta-se para anos futuros um novo período de acentuada ocupação
(Figura 8).

Figura 8: Estágio 3.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2021.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O rio Grande, assim como muitos cursos d’água no mundo todo, atraiu grupamentos humanos que
buscavam terras para cultivo. Com passar do tempo, esses grupamentos se tornam sítios e fazendas,
mas sua motivação para estar naquele local continuou a mesma. Com a inundação, causada pela
construção da barragem, as terras (agora submersas) servem a outros propósitos, no caso, geração de
energia. Com a modificação da paisagem (criação do espelho d’água), inicia-se um processo de
ocupação das margens e que são, em sua maioria, por motivos não primários. O que antes era lavoura
se tornou condomínio. As imagens coletadas em levantamentos fotográficos ilustram uma ocupação
distinta da originária e, pelos mapas e recortes cronológicos, percebe-se uma sinalização para novas
intensas modificações.
A busca (ou fuga?) por um local afastado dos grandes centros tem se tornado cada vez mais comum.
Fatores como acúmulo de capital (que permite a aquisição de uma segunda residência), condição
técnica do deslocamento (carro) e as dinâmicas que envolvem a difusão da internet (que agora é
facilitada em meios rurais) apontam para uma pergunta: se há suporte para o trabalho; se há conforto;
se há, da vista da janela, uma paisagem natural; qual é então o pressuposto para se manter em um
aglomerado urbano (que sofre com violência, poluição e pandemias)? São questões elucidadas pelos
dados contidos neste estudo. Há uma necessidade de entender com maior profundidade o “êxodo
urbano” e a fuga das cidades, seus motivos e principalmente suas consequências que, a longo prazo,
podem ir desde problemas ambientais até a gentrificação rural. Além disso, a investigação da ocupação
rural busca, também, um entendimento do urbano. Ao identificar os motivos que levam o crescimento
exponencial da procura por ambientes afastados das cidades, espera-se detectar os problemas
urbanos que motivam a migração.

Com relação à região do recorte, entende-se que os dados quali-quantitativos podem contribuir para
o entendimento mais aprofundado das novas dinâmicas observadas (principalmente após relatado
que o fenômeno existe). Partindo desses dados, também será possível identificar impactos e
problemas, principalmente ao analisar as leis urbanísticas vigentes que versam sobre as ocupações
estudadas. A pesquisa iniciou o preenchimento da lacuna existente sobre os quase vinte anos pós
represamento.

Por fim, se faz importante pontuar que o trabalho desenvolvido tem seu cerne no exercício da
observação que não só está presente como metodologia, como também faz parte das motivações. O
autor é parte da história do rio e presenciou a fazenda em que viveu sua infância ser tomada pelas
águas para se tornar lago. Essa posição possibilitou observar o fenômeno de dentro, com detalhes e
por um período cronológico completo.

5 AGRADECIMENTOS

Ao meu pai, por percorrer comigo, em um pequeno barco de motor de popa, quase 60 km de margens;

à Ana e Laís por ajudarem a remar de volta, quando o motor deu defeito;

ao Instituto Federal do Espírito Santo, em especial ao campus Colatina, por me apresentar a profissão
que tanto amo;

ao SIAUS pelo evento tão importante nos dias atuais.


6 REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei Nº 4.504 de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o estatuto da terra e dá outras providências.
CHOAY, Françoise. O Urbanismo. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1965. 350 p. Estudos N° 67.
COELHO, Silvério José. Transformações na Paisagem Decorrentes da Construção da Usina Hidrelétrica do Funil -
Uhe-funil e o Impacto no Município de Ijaci, MG. 2008. 172 f. Tese (Doutorado) - Curso de Pós Graduação em
Engenharia Florestal, Engenharia Florestal, Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2008. Disponível em:
http://repositorio.ufla.br/jspui/handle/1/3821. Acesso em: 31 ago. 2021.
DINIZ, Nathália Maria Montenegro. Velhas fazendas da Ribeira do Seridó. 2008. 205 p.: II. Dissertação
(Mestrado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, São Paulo, 2008.
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2009.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Banco de dados agregados. 2010. Disponível em:
https://sidra.ibge.gov.br/tabela/ 1310#resultado. Acesso em agosto de 2021.
PRETTO, Fabelis Manfron. Entre Cidade e Campo: as segundas residências no espaço rural. 2018. 376 f. Tese
(Doutorado) - Curso de Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Estadual de Ponta Grossa,
Ponta Grossa, 2018. Disponível em: https://tede2.uepg.br/jspui/handle/prefix/2711.
REIS FILHO, Nestor Goulart. A Evolução Urbana do Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1968. 235 p.
Ed. ilustrada.
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SANTOS, M. A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. 4. ed. 2. reimpressa. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 2006. - (Coleção Milton Santos; 1)
SILVEIRA, Aline Vargas da. Os "casarões de Ibatiba": um patrimônio vernáculo a ser preservado. Programa de
Pós-Graduação e Arte - Centro de Artes. Universidade Federal do Espírito Santo.
VILLAÇA, Flávio. Uma Contribuição para a História do Planejamento Urbano no Brasil. In: DEÁK, Csaba;
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WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Universidade de
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