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RESUMO
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OS VAZIOS URBANOS CENTRAIS
No decorrer dos percursos diários realizados nas cidades, é comum nos depararmos com
espaços silenciosos. Esses espaços quietos que se encontram vazios, seja porque não
possuem nenhuma construção edificada ou porque apresentam edificações num estado de
obsolescência e abandono, são chamados de vazios urbanos. Os vazios urbanos destoam
da malha urbana pelas suas condições de uso e ocupação (BORDE, 2006) e são produtos
de uma série de fatores que tiveram papeis decisivos ao longo da formação das cidades
contemporâneas, que adotaram o modelo desenvolvimentista da lógica capitalista do valor
do solo urbano.
Os primeiros casos de análise desse fenômeno urbano têm origem na Europa, na década
de 1970, quando o advento da pós-industrialização resultou na migração de parques fabris
europeus para países subdesenvolvidos, terceirizando a produção. Esse movimento de
desfuncionalização industrial acarretou no abando de edifícios e zonas industriais. Tais
espaços fomentaram os primeiros estudos sobre os vazios urbanos. Embora os vazios
urbanos sejam um fenômeno urbano comum a qualquer cidade como apontado por Rosa
(2008), o contexto nacional de formação dos vazios urbanos difere do que é visto na
Europa, ao passo que esse processo acontece juntamente com a industrialização das
cidades brasileiras.
É necessário destacar aqui, que embora haja vazios urbanos em diversas localidades da
cidade, esse estudo evidenciará os vazios urbanos centrais. Para tanto, adota-se o conceito
de Fausto e Rábalo (2001) e Borde (2006) de vazios urbanos como espaços remanescentes
na dinâmica urbana, sendo aquelas terras urbanas que permaneceram vazias ou
subutilizadas, atendidas diretamente ou muito próximo à infraestrutura urbana já instalada, e
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que devido seu estado de falta de uso contraria o princípio da função social da propriedade,
podendo variar entre a porção fundiária do lote e a edificação que se encontra vazia, sem
uso.
Embora a capital paraibana tenha sua data de fundação em 1585, sendo a terceira cidade
mais antiga do Brasil, o seu processo de desenvolvimento foi lento e moroso ao longo dos
anos (figura 01). Foi somente nas derradeiras décadas do século XVIII, que a primeira
expressão de aumento da malha urbana se consolidou, resultando posteriormente nos
bairros de Trincheiras e Tambiá (figura 02). O processo de expansão urbana visto ao longo
do século XX mostra como, em um curto período de tempo, a influência de agentes como
capital financeiro e o Estado podem mudar, drasticamente, o desenho e a escala da cidade
(figura 03).
Figura 01: “Frederica Civitas”, mapa da cidade de João Pessoa, a época Frederica, em 1647. Fonte:
<http://www.sudoestesp.com.br>, acesso em 27/010/2019 – Edição da autora. | Figura 02: Mapa da
cidade da João Pessoa, a época, Parahyba em 1855. Fonte: OLIVEIRA, 2006.
Entretanto, Corrêa (2011) aponta que a produção do espaço não pode ser exclusivamente
creditada ao capital e ao Estado, sendo também consequência da ação de agentes sociais
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concretos, históricos, que possuem interesses, estratégias e práticas espaciais próprias,
portadores de contradições e geradores de conflitos entre eles mesmos e outros segmentos
da sociedade.
Figura 03: A expansão urbana de João Pessoa, vista no espraiamento da cidade nos anos
de 1923 (A), 1930 (B) e 1970 (C). Fonte: OLIVEIRA, 2006.
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OS AGENTES DO VAZIO URBANO
O surgimento dos vazios urbanos é, de uma forma mais pontual, o resultado da atividade do
mercado imobiliário, que figura como um dos principais articuladores do espaço urbano
contemporâneo, o mesmo também é denominado de “mercados de terras” por Clichevsky
(2000), a autora explica que esse mercado é regido por agentes de diferentes domínios, os
privados e os públicos, assim como diferentes escalas de atuação.
Ebner (1997) afirma que talvez a única forma de se explicar os vazios urbanos seja devido a
especulação imobiliária promovida pelo mercado imobiliário, uma vez que essa estratégia
motiva a manutenção de áreas passíveis de ocupação vazias, em ritmo de espera, visando
a valorização da terra urbana e dessa forma o aumento de seu valor capital. Por
conseguinte, quando Villaça (1998, p.48) afirma que “o espaço urbano é produzido, não é
um dom gratuito da natureza, é um trabalho social (...), assim o espaço gerado tem valor, e
seu preço, assim como o preço dos produtos em geral, é a expressão monetária”, entende-
se que a terra urbana deixa de ser algo imaterial e passa, através da especulação de
agentes públicos e privados, para algo valorável e de interesse do capital, que a enxerga
como alternativa de produção imobiliária, de acumulação e de investimento (CORRÊA,
2011).
Em seu estudo, Fausto e Rábago (2001) caracterizam os agentes que atuam sobre o
espaço urbano contemporâneo como formais e informais, ilustrando-os através da
disparidade do poder econômico dos diferentes grupos sociais que atuam no meio urbano,
provocando, consequentemente, a polarização do espaço. Mas então quem seriam os
agentes, formais e informais, privados e públicos, que atuam na conformação da produção
dos espaços em que vivem a maioria da população mundial? Esse questionamento é
abordado por Corrêa (2011, p. 44) que sintetiza os atores do meio urbano contemporâneo
como agentes sociais da produção do espaço, sendo esses os “proprietários dos meios de
produção, os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos
sociais excluídos. A partir de sua ação, o espaço é produzido”.
É possível enxergar, através da observação da dinâmica espacial urbana vista nas cidades,
o papel que cada um dos agentes sociais da produção do espaço desempenha na
promoção e consolidação dos vazios urbanos centrais. Os proprietários dos meios de
produção são detentores da maior parte do capital flutuante e são quem assinala onde os
investimentos privados, e até mesmo os públicos, serão dispostos na cidade. Em sua
maioria, as ações de investimento se concentram nas localidades mais abastadas da
cidade, onde a concentração de capital, bem como de bens e serviços, é mais
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predominante. Tal processo desencadeia, ainda mais, o relego das áreas centrais, que
sofrem com a falta de investimentos. A informalidade do comércio e serviço, a subutilização
do espaço e a vitalidade vista apenas durante o horário comercial, são fatores que tornam
as áreas centrais da cidade marginalizada, causando o estranhamento dessas áreas em
parte da população, o que acarreta em negligência do espaço e, assim, nos vazios urbanos.
A relação dos grupos sociais excluídos com os vazios é, talvez, a mais pessoal pois é uma
relação de sobrevivência. O déficit habitacional nacional é de aproximadamente 6,18
milhões de habitações segundo o último censo do IBGE (2014), esse mesmo levantamento
apontou também a existência de cerca de 6,07 milhões de domicílios vacantes no país – o
que equivalia a aproximadamente 98,2% do déficit habitacional do país. Atualmente estima-
se que o número de domicílios vacantes no Brasil tenha superado o número do déficit
habitacional, ou seja, no país existe mais casa sem gente do que gente sem casa. Ocupar
as edificações vazias do centro é uma das principais alternativas adota por quem sofre
desse problema social, isso se dá devido ao fato de que o centro possuí inúmeras
qualidades de habitabilidade atrativas, a exemplo da proximidade de locais de trabalho, boa
conectividade do sistema viário e acesso a infraestrutura urbana. É importante destacar que
os vazios urbanos não desempenham a função social da propriedade, prevista nos artigos
182 e 183 da Constituição Brasileira de 1988 (BORDE, 2006), sendo assim, a ocupação
desses espaços, ainda que ilegal, é de certa forma legítima pois os confere um direito
constitucional (CLICHEVSKY, 2000). Para Corrêa (2011, p.47)
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Por fim, o Estado, agente que desempenha múltiplos papeis na dinâmica da produção do
espaço urbano. Essa multiplicidade comportamental é proveniente do fato de que o Estado
atua como um palco onde diversos interesses que entram em conflito entre si (CORRÊA,
2011). É inerente ao Estado o poder da implementação de políticas públicas que deveriam
atuar em benefício da população geral, entretanto essa participação se mostra cada vez
mais errática e decrescente, ao passo que o Estado vai perdendo sua autoridade quanto a
regulamentação da ocupação do espaço urbano, cada vez mais regulado pelo mercado
imobiliário (FAUSTO E RÁBAGO, 2001). Isso promove um descontrole com relação a
problemas urbanos, a exemplo dos vazios urbanos, já que, conforme aponta Samson (1980,
apud CORREA, 2011), é dever do Estado controlar o mercado fundiário, e até mesmo se
tornar promotor imobiliário através da aquisição de glebas urbanas, quando o tratamento
social igualitário da terra urbana não está sendo devidamente aplicado por promotores
particulares.
Dessa forma, o Estado, que tem a função de produzir imóveis urbanos para aqueles que
necessitam, poderia adotar nos vazios urbanos centrais a política de equidade da terra
urbana, passando a modificar a gestão desses vazios segundo os objetivos políticos e
participativos da população necessitada. Isso demanda um planejamento urbano voltado
para identificar as problemáticas e potencialidades da utilização, e reinserção, dos vazios
urbanos centrais na malha urbana. Sobre os benefícios da aplicação dessa política,
Clichevsky (2000, p.02) aponta que:
Ademais a tudo que foi explanado, indaga-se se devido a consolidação da ocorrência dos
vazios urbanos em áreas centrais da cidade e os impactos que essa problemática acarreta
na dinâmica urbana como um indicador negativo de urbanidade, os próprios vazios talvez
tenham se tornados agentes na produção de novos vazios urbanos, como um processo
cíclico. O vazio urbano seria então um agente espacial na produção de novos vazios
urbanos ao passo que, ainda que em sua imobilidade de ações diretas sobre a malha
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urbana diferente dos outros agentes citados anteriormente, os vazios urbanos compõem um
visual de abandono e degradação, que provoca sentimento de insegurança e marginalidade
em quem frequenta aquele espaço, por consequência, a população remanescente iria
perdendo continuamente o sentindo de pertencimento daquele local, visto as condições de
urbanidade apresentadas. Esse processo desencadearia na busca por habitação em outras
localidades resultando, mais uma vez, no enjeitamento de um imóvel central que virá a se
tornar um vazio urbano.
A semântica da palavra vazio é heterogênea. Derivada do latim vagus, tem como significado
o que não contém nada ou em que não há ocupantes ou frequentadores, vazio também
pode ser cavidade, cavo, oco. Ao nos referirmos ao urbano, vazio é sinônimo de
desocupado, abandonado, ocioso, despovoado, desabitado, vago, devoluto, vacante, baldio
ou subutilizado. Expressões que conotam um ar negativo e adverso para o lugar que se
apresente nesse estado.
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Na ambiguidade defendida pelo autor, terrain vague faz referência ao tempo histórico e é
resultante do encontro entre o passado e o presente, bem como da identidade e da memória
local (ROSA, 2008). Fialová (1996) compactua com o exposto por Solà-Morales e afirma
que os vazios urbanos são um fenômeno urbano que evidenciam a multiplicidade e
diversidade de um espaço então, para se entender o vazio é preciso entender o lugar onde
esse se encontra, sua especificidade cultural e sua história. A autora acrescenta ainda que
os vazios urbanos são resultantes do encontro entre o passado e o presente, assim como
da identidade e da memória local.
O lugar dos vazios urbanos em estudo é o Centro antigo da cidade de João Pessoa – PB,
esse centro, que não é o geográfico, é o local onde a cidade nasceu, se formou e
permaneceu por quase três séculos. A cidade se expandiu após uma série de reformas
urbanas que possibilitaram essa ocorrência, visto que a forma urbana possui caráter
acumulativo, ao passo que a cidade ia crescendo, foram surgindo novas centralidades.
“Essas centralidades são resultado de um processo lento e cotidiano de apropriação
espacial e se traduzem em formas urbanas com forte identificação com os habitantes dos
bairros populares” (SERPA 2011, p.103).
Serpa aponta que, embora novas centralidades possam surgir ao longo da cidade, é
importante que analisemos os espaços ocultos e residuais, quando afirma que “ é preciso,
pois, debruçar-se sobre essas centralidades nos espaços urbanos residuais e intersticiais,
nas ‘sobras’ e nos ‘restos’ de cidade não ‘aproveitados’ pelas estratégias dos agentes
hegemônicos de produção do espaço” (SERPA 2011, p.104).
Essa afirmação nos remonta, mais uma vez, ao conceito de terrian vague, o vazio urbano
como lugar do possível, lugar de encontro entre presente e passado, lugar capaz de
modificar e reurbanizar o espaço intraurbano consolidado. A abordagem de forma positiva
dessa problemática urbana possibilita a construção de um pensamento diferente do que é
observado nos agentes sociais que atuam na malha urbana. Os terrian vague, ou vazios
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urbanos, passam de aspectos negativos de urbanidade para espaços com potencial de
reurbanização e de desenvolvimento urbano sustentável.
A respeito disso, Paiva (2011) afirma que o pensamento pelo desenvolvimento urbano
sustentável nasceu com a Carta de Aalborg (1994), que incentivava a urbanidade pela
interação de usos e pela valorização do patrimônio construído já existente, mas em desuso.
Segundo a autora, essa abordagem de desenvolvimento urbano deve ser a utilizada pelo
urbanismo contemporâneo, já que não se pode, nem se deve desperdiçar toda uma rede de
infraestrutura urbana já consolidada. É necessário que haja uma conscientização de um
novo modelo de produção urbana e o pensamento do novo através do reuso.
“Na discussão acerca da dispersão urbana, pergunta-se por que estender e construir a
cidade em locais fora dela se existem vazios, ruínas e imóveis subutilizados nos centros. ”
(MASCARÓ, 2001 apud PAIVA 2011, p.6). Os vazios urbanos centrais se encaixam
perfeitamente nessa condição de desenvolvimento urbano sustentável por serem um
estoque de glebas que não desempenham função social, mas que ficam se localizam em
áreas que já possuem uma forte infraestrutura urbana e conectividade viária. É de suma
importância destacar que as áreas centrais urbanas são localidades complexas e requerem
intervenções com abordagens específicas e respeitosas. Todavia, é inegável considerar a
pertinência e a necessidade de repensar os vazios urbanos como lugar do possível, levando
em consideração que a reutilização de espaços do tecido urbano é a suma interpretação de
uma cidade mais igualitária e sustentável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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O papel de regulador desse direito é do Estado e uma forma de regular é através da
intervenção nos vazios urbanos centrais, pois visto que os mesmos possuem o potencial de
desempenhar inúmeros usos na malha urbana, garantindo o acesso, igualitária, da terra
urbana a todos. Desse modo, áreas obsoletas da cidade poderão ser reabilitadas a partir de
seus vazios, não só devido ao fato de que desses serem espaços residuais, mas porque são
espaços qualificados para fazê-lo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Urbanismo n 2, Vazios e o planejamento das cidades, 2000. Disponível
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