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ESTUDO

DA CIDADE

Vanessa Guerini Scopell


Estudo das formas
urbanas: Revolução
Industrial e século XIX
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer a cidade da Revolução Industrial.


 Identificar as grandes reformas do século XIX.
 Demonstrar as críticas ao modelo higienista.

Introdução
As cidades foram evoluindo com o passar dos anos e conforme as con-
tribuições de cada civilização em seu momento da história. Assim, os
espaços urbanos adquiriram importância e se tornaram grandes núcleos
estruturadores dos avanços e das tecnologias. A Revolução Industrial foi
um marco para a história do mundo e das cidades em seus mais diversos
aspectos, e as transformações desse momento resultaram em muitos
problemas urbanos pelo fato de que as cidades não estavam preparadas
para todos esses avanços.
Neste capítulo, você compreenderá o que foi a Revolução Industrial e
como esse momento da história influenciou a vida das cidades. Também
identificará as mudanças ocasionadas pelo industrialismo e as grandes re-
formas que surgiram nesse período com o intuito de melhorar as cidades.
Além disso, entenderá o urbanismo higienista e as críticas a esse pensamento.

1 Cidade da Revolução Industrial


O processo de urbanização das cidades acompanhou a própria evolução da
sociedade, crescendo junto com as civilizações em cada um dos seus momentos.
Cada comunidade, ao longo dos anos, a partir de suas necessidades de criar e
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organizar espaços adequados para as suas funções de descanso, alimentação


e higiene, foi percebendo e aprimorando técnicas construtivas e ideias que
resultaram em diversos tipos e estilos de cidades. Todas as cidades e modelos
de urbanização sempre estiveram diretamente ligadas ao contexto histórico
de cada momento.
Assim, o urbanismo foi se desenvolvendo por meio da ordenação das
cidades, dos sistemas de esgoto e abastecimento de água, da organização das
quadras e da delimitação das vias de circulação. Desde o período neolítico,
de quando datam as primeiras aglomerações que se assemelham às atuais
cidades, as comunidades se organizavam com o objetivo comercial e também
para se protegerem contra os inimigos.
As primeiras civilizações que evoluíram o conceito de cidade, organizando
esses espaços como os centros da vida política, social e econômica, foram a
grega e a romana. Os gregos, por meio de suas cidades-estados, possuíam uma
organização própria, além de uma independência nos aspectos social, político
e econômico. Já os romanos eram mais práticos e técnicos, e suas cidades já
apresentavam sistemas de abastecimento de água e de esgoto (ALBUQUER-
QUE, 2017). Além disso, suas cidades eram planejadas de forma ortogonal,
ligadas às vias pavimentadas.
Com o passar dos anos, as cidades medievais, desenvolvidas entre os séculos
V e XV, destacaram-se na evolução do urbanismo. Segundo Silva (c2020),
essas cidades surgiram em virtude da fragmentação do Império Romano no
Ocidente, passando por um longo período de invasões e destruições. Por conta
disso, muitas pessoas se abrigaram nas zonas rurais. Aos poucos, os espaços
foram se reconstituindo e se desenvolvendo. Somente a partir do século XI
que surgiram inovações técnicas, como a adoção do arado animal e a rota-
ção das colheitas, que permitiram o desenvolvimento agrário e o aumento
populacional. Esse aumento da população ocorreu pelo fortalecimento das
produções e também das trocas, melhorando a economia.
Para Araújo (c2020), com o renascimento das cidades e as relações de
comércio estabelecidas, o feudalismo (sistema de comércio controlado pelo
Estado e por alguns nobres) passou a ser substituído pelo capitalismo (sistema
econômico que se caracteriza pela propriedade privada dos meios de produção
e pela liberdade de iniciativa dos próprios cidadãos), provocando grandes
mudanças na sociedade e nas cidades. A Revolução Industrial foi um dos
marcos do urbanismo, pois, por meio dela, a população das cidades aumentou
consideravelmente, resultando em diversos problemas urbanos.
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A maioria das cidades do mundo, após a ascensão do feudalismo, eram pe-


quenas em termos de população, sendo que em 1500, existiam somente apro-
ximadamente duas dúzias de cidades com mais do que cem mil habitantes.
Em 1700, este número era pouco menor do que quarenta, um número que
pularia para 300 em 1900, graças à Revolução Industrial (ARAÚJO, c2020,
documento on-line).

A Revolução Industrial, ao final do século XVIII, ocasionou mudanças na


Europa e depois em cidades de outras regiões do mundo. As cidades passaram
a concentrar as atividades econômicas, voltadas para a acumulação de capital,
buscando o lucro. Nesse período, surgiram as máquinas a vapor e os teares
mecânicos, impulsionando a vinda da população do campo para a cidade em
busca do emprego assalariado.
Entre os principais aspectos da cidade da Revolução Industrial (Figura 1),
pode-se citar o aumento da população, que passou a se espalhar pela área da
cidade, redistribuindo os habitantes no território urbano, a ampliação da oferta
de bens e serviços, o desenvolvimento dos meios de comunicação, além da
rapidez com relação às transformações da paisagem urbana. Nesse período,
houve uma tendência para o pensamento político ligado ao desenvolvimento
do liberalismo econômico e, conforme Choay (1965, p. 4), “[...] uma nova
ordem é criada, segundo o processo tradicional de adaptação da cidade à
sociedade que nela habita”.

Figura 1. Paisagem da cidade industrial.


Fonte: Benevolo (1983, p. 553).
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Benevolo (1983) ressalta que, nesse período, houve a ruptura da morfolo-


gia da cidade tradicional através de uma nova estrutura urbana que passou
a dividir o núcleo central da cidade e a periferia. As classes mais abastadas
passaram a ocupar as periferias da cidade, onde tinham um território livre,
enquanto os mais pobres foram morar no centro, em edificações mais velhas.
Diante dessa nova realidade, a homogeneidade social e arquitetônica presente
na cidade antiga foi se perdendo.
Com o avanço da indústria e diante da pouca infraestrutura das cidades,
que não estavam preparadas para receber tantos moradores, diversos outros
problemas foram surgindo (Figura 2). De acordo com Benevolo (1983), os
bairros mais pobres começaram a surgir em locais inadequados, e as casas dos
operários das fábricas não tinham condições e qualidade de habitabilidade.
Com isso, a cidade desse momento era caracterizada por um espaço bastante
desordenado e insalubre, propagando doenças e epidemias que atingiam todos
os grupos sociais da época.

Figura 2. Gravura representando a desordem da cidade industrial.


Fonte: Benevolo (1983, p. 554).
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Este processo de crescimento transforma os núcleos estabelecidos das cidades


existentes num novo organismo e cria, consequentemente, em redor deste nú-
cleo central, uma nova faixa construída: a periferia. Sendo que o núcleo central
das cidades já tem uma estrutura formada, não se torna possível albergar um
aglomerado humano muito maior: as ruas são demasiado estreitas para conter
o trânsito em aumento, as casas são demasiado pequenas e compactas para
hospedar sem inconvenientes uma população mais densa. Assim, as classes
privilegiadas estabelecem-se gradualmente nestas periferias, longe das zonas
comerciais e industriais, do caos das fábricas e das condições miseráveis
vividas pelo resto da população (FONSECA, 2010, p. 35).

Engels (1979) descreve que as cidades desse momento baseavam-se em ruas


estreitas e tortuosas, as casas eram velhas, situadas em locais com pouca higiene,
além de as circulações serem estreitas para se chegar a vielas e pátios. As casas
e demais edificações eram locadas de forma amontoada, sem áreas livres, com
pouca ventilação e iluminação natural e desprovidas de rede de esgoto.
A partir desse momento, ocorreram diversas inovações nas cidades, que
precisaram se adequar para atender às grandes populações. Com isso, começou
a se pensar sobre urbanismo e planejamento das cidades, a fim de estudar e
melhorar os centros urbanos para que pudessem atender com qualidade os
habitantes. Além disso, a fim de melhorar as cidades, surgiram diversos planos
urbanísticos, que acreditavam que serviriam como referência para uma cidade
ideal. Nenhum deles, naquele momento, consolidou-se como a solução para
todos os problemas, mas eles serviram para demonstrar como o urbanismo
era importante para o desenvolvimento das cidades.

O início da Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra, no século XVIII — apelidado


como Século das Luzes por surgirem ideias iluministas e a primeira máquina a vapor.
A Revolução se expandiu e ganhou força no século XIX, apresentando não apenas um
caráter comercial, mas também influenciando a agricultura, as ideias sociais e econômicas
e os meios de transporte e comunicação. Nesse momento, nasceram doutrinas que
constituíram a base ideológica desse movimento, com o intuito de um desenvolvimento
industrial e capitalista e de uma subdivisão do trabalho. Pode-se afirmar que a Revolução
Industrial foi um conjunto de transformações em todos os setores da economia que
firmaram o sistema capitalista, tornando-o dominante (FONSECA, 2010).
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2 Grandes reformas do século XIX


A Revolução Industrial mexeu com todos os sistemas das cidades, ocasio-
nando rápidas transformações, sem o cuidado e a organização adequados.
Não somente as edificações sofreram com essas mudanças, mas o sistema
de transporte também demandava reformas. A industrialização, segundo
Fonseca (2010), dependia do transporte das mercadorias tanto para a aquisição
de matéria-prima, como para a distribuição do produto final. Assim, o desen-
volvimento dos meios de transporte também ditou a organização territorial e
a dimensão do industrialismo.
Diante da nova realidade ocasionada pela Revolução Industrial, surgiu
a necessidade de estudar as cidades e pensá-las de forma organizada por
meio do planejamento urbano. De acordo com Fonseca (2010, p. 23), “[...] o
planejamento das cidades começou assim por ser um conjunto de experiências
urbanísticas e medidas interventivas que trouxessem alguma ordem ao caos
instaurado nos núcleos industriais formados nas grandes cidades”. O planeja-
mento urbano é um instrumento de organização das cidades, seja no âmbito
físico-territorial, social, ambiental ou habitacional. Tem sua preocupação em
analisar, sob diversos aspectos, a realidade das cidades a fim de melhorar o
seu funcionamento.
Diante dessa realidade e da preocupação em melhorar as cidades, surgiram
algumas ideias, já em meados do século XIX, para torná-las mais salubres, que
incluíam um trabalho de demolições e obras de saneamento básico. Conforme
destaca Fonseca (2010), além das reinvindicações dos sindicatos, surgiram
algumas iniciativas privadas para o melhoramento das cidades. Entre os
pensamentos para a reforma dos centros urbanos, algumas ideias de urbanismo
tiveram destaque, como as descritas a seguir.

Urbanismo culturalista: a partir das cidades-jardim de Ebenezer Howard


(Figura 3), baseava-se em uma forma urbana diferenciada, rompendo a concep-
ção urbana existente. Esse modelo consistia em unidades urbanas autônomas,
com atividades econômicas e equipamentos coletivos, mas com um número
limitado de área e de habitantes. Tinha em sua forma o objetivo de estabelecer
uma relação entre campo e cidade, aproveitando as vantagens de cada um e
excluindo suas desvantagens. O modelo integrava:
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[…] núcleos de seis cidades-jardim ligadas entre si e à cidade central. O seu


conjunto formaria a chamada ‘Cidade Social’. O esquema feito para a cidade
assume uma estrutura radial, sendo composto por seis grandes boulevards
que cruzam a estrutura territorial desde o centro até a periferia, dividindo-a
em seis partes iguais (FONSECA, 2010, p. 41).

Essa porção era dividida em setores, interligados por vias.

Figura 3. Esquema da cidade-jardim.


Fonte: Fonseca (2010, p. 41).

Urbanismo progressista: seus representantes tinham como base a crença


do progresso e a busca absoluta pelo comportamento racional. Seu modelo
referia-se ao urbanismo com espaços abertos e grandes áreas livres, a fim de
melhorar a higiene do local. O espaço urbano era traçado conforme setores
e funções, de forma organizada e regular. Esse modelo recusa qualquer he-
rança artística, desconsiderando a parte existente das cidades e sua história,
submetendo-se a leis geométricas e edificações definidas e padronizadas.
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Urbanismo higienista: baseava-se em ações sanitárias para combater as


epidemias, tratar os aspectos de pobreza e levar a limpeza para as cidades, por
meio de um desejo utópico de progresso. Com isso, defendiam um modelo de
cidade que nega sua identidade e sua beleza, privilegiando-se de formas que
escondem a realidade social.
Das grandes reformas ocorridas no século XIX, duas cidades são bons
exemplos de um pensamento higienista: Barcelona, na Espanha, e Paris, no
território francês. Em Paris, capital da França, o projeto urbanístico para
melhorar a salubridade do espaço urbano contou, segundo Oliveira Sobrinho
(2013), com a ideia de modernidade vinculada à modificação da paisagem
urbana existente. A reforma de Paris teve como base a “[…] negação dos pobres,
a higienização dos espaços públicos e o sonho de limpeza e disciplinamento
das condições de vida dos mais pobres” (OLIVEIRA SOBRINHO, 2013,
p. 217). Esse projeto deu-se em uma concepção da burguesia, apoiada nos ideais
de ordem e progresso, a partir da proposta de Georges Eugène Haussmann,
prefeito da cidade na época.
Segundo Rouanet (1992), a proposta tinha como ponto primordial a
disseminação de largas perspectivas através das avenidas, a fim de não só
melhorar a ventilação e a iluminação como também facilitar a movimen-
tação das tropas, dificultando a construção de barricadas em virtude do
alargamento das vias. As vias deviam ser pensadas também do ponto de
vista paisagístico (Figura 4), o que representou, na época, uma inovação
urbana e um ponto de partida para a modernidade. Para Oliveira Sobrinho
(2013), essa invenção possibilitou a desarticulação da rua como espaço de
organização dos trabalhadores, significando novas maneiras de estabelecer
o poder e demarcação do território.

Os bulevares representam apenas uma parte do amplo sistema de planejamento


urbano, que incluía mercados centrais, pontes, esgotos, fornecimento de água,
a Ópera e outros monumentos culturais, uma grande rede de parques […].
Os bulevares de Napoleão e Haussmann criaram novas bases – econômicas,
sociais, estéticas – para reunir um enorme contingente de pessoas. No nível
da rua, eles se enfileiravam em frente a pequenos negócios e lojas de todos
os tipos e, em cada esquina, restaurantes com terraços e cafés nas calçadas
[…] (BERMAN, 2007, p. 180–181).
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Figura 4. Bulevares de Paris.


Fonte: jplenio/Pixabay.com.

Em Barcelona, diante do crescimento demográfico, no ano de 1840, tiveram


início as renovações urbanas, começando pela demolição das muralhas da
cidade antiga. Com seu núcleo histórico sendo estendido e com a ocupação
gradual do seu território, conforme Debrassi (2006), houve a escassez do solo na
área intramuros e viu-se a necessidade de incorporar um novo bairro à cidade.
Apesar disso, a urbanização na porção antiga foi intensificada, aumentando
as alturas e as densidades das edificações.
Mesmo com reformas pontuais, foi somente no ano de 1854, diante de
demandas políticas e econômicas e do grande crescimento da população — que
passou de 150 mil no ano de 1850 para 600 mil em 1900 —, que autorizaram
a demolição das fortificações para que fosse elaborado um plano geral de
desenvolvimento. Esse plano foi realizado por Ildefonso Cerdá “[…] e consistia
na combinação do planejamento radial e reticular da cidade antiga medieval
com o novo traçado proposto para sua expansão” (DEBRASSI, 2006, p. 76).
O projeto de Cerdá tinha como base uma proposta ideal da cidade, através de
uma projeção perfeita (Figura 5) e de um conceito higienista. A ideia era que o
espaço urbano se tornasse um meio terapêutico contra os males da sociedade,
com um valor curativo.
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Nele, a urbanização perfeita seria o resultado da junção ideal da natureza humana


e do progresso técnico e científico. Sua cidade deve assegurar um máximo de
higiene pública preservando a independência da moradia; deve facilitar as relações
sociais graças a um sistema eficaz de comunicações (BRESCIANI, 1998, p. 6).

Cerdá estabeleceu uma estrutura de quadrícula dez vezes a superfície que


Barcelona tinha naquela época e criou um sistema de coleta de água. Além
disso, abriu ruas, exigiu zonas verdes dentro das quadras, definiu alturas
máximas, assegurou equipamentos comunitários a certas distâncias e zonas
industriais mais afastadas (LÓPEZ DE ABERASTURI, 1979).

Figura 5. Projeto de Cerdá para Barcelona.


Fonte: López de Aberasturi (1979, p. 20).

Ildefonso Cerdá determinou características para as vias públicas: primei-


ramente, definiu as quadras e, depois, suas combinações, para então começar
a delimitar os bairros. Ele deixou evidente a estrutura viária do conjunto,
prevendo quatro vias de comunicação, além de uma grande rede de saneamento
(LÓPEZ DE ABERASTURI, 1979).
Tanto a reformulação de Paris quanto a de Barcelona tinham como base a
abertura de vias, a implantação de sistemas de esgoto e de água, a priorização
de iluminação e ventilação, além da implantação de vegetações nos espaços
públicos. Essas transformações, com o intuito de melhorar a salubridade e
a higiene das cidades, foram um marco para esse momento do urbanismo.
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3 Críticas ao modelo higienista


O modelo de urbanismo higienista surgiu no século XIX buscando modificar
e prover melhoramentos nas condições urbanas, além de terminar com as
epidemias e doenças ocasionadas pela falta de saneamento básico, vegetações,
iluminação e ventilação nas edificações. Para isso, seus planos de reformulação
das cidades incluíam a criação de sistemas de esgoto e o alargamento das vias,
além da busca pelo melhoramento estético das paisagens.
O viés estético sempre foi muito criticado por pesquisadores e historiadores
porque, segundo Oliveira Sobrinho (2013), esse desejo era algo almejado pela
burguesia da época, que tinha por intuito romper com o espaço público utili-
zado pelos pobres e para manifestações. Nesse sentido, melhorar a aparência
das ruas criando bulevares tornaria o espaço público mais privado, ou seja,
um lugar de socialização para a classe burguesa. Oliveira Sobrinho (2013,
p. 219) afirma ainda que “[...] assim, separam-se os sujeitos desprovidos das
qualidades burguesas necessárias ao uso e ocupação do espaço, pelas rupturas
como demolições, novas construções e contrastes entre riqueza e pobreza.
Observa-se o espetáculo da miséria no centro”.
O alargamento das vias e a criação de artérias de circulação eram ideias
modernas para a época, algo inimaginável até o momento. Para buscar essas
transformações, houve a eliminação de algumas habitações miseráveis para
abrir espaços, deixando-os livres. Essa reforma possibilitaria a expansão de
negócios locais que ajudavam a custear as mudanças e empregariam dezenas de
trabalhadores (OLIVEIRA SOBRINHO, 2013). Outro objetivo do alargamento
era evitar manifestações das classes mais pobres, facilitando o deslocamento
das tropas, o que excluía ainda mais essa porção da população. De certa forma,
os objetivos por trás das reformas eram alimentar os ideais burgueses e manter
as outras classes distantes e escondidas.
O planejamento urbanístico explorou as contradições da modernidade.
Foi um projeto burguês que visou mascarar os conflitos de classes, as lutas e
reivindicações sociais das ruas, ou seja, acalmar o povo. Tirando as multidões
das ruas, procurando manter as mentes distantes e camuflando as desigual-
dades sociais, introduziu o modo de vida burguesa, ainda que pelo desejo de
ser burguês (OLIVEIRA SOBRINHO, 2013).
O urbanismo higienista demonstrava ser para todos e com o objetivo maior
de melhorar as cidades, porém, tinha suas preferências. O trânsito nas vias
alargadas era permitido, contudo, vigiado, e muitos moradores das cidades
não tinham condições aos bens e serviços. As classes mais baixas eram loca-
das longe do centro, justamente para não influenciar a área nova da cidade.
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Oliveira Sobrinho (2013, p. 221) salienta que “[...] essa foi a grande lição da
revolução urbanística: explorar os espaços por meio das pessoas, do sentimento
e desejo individual de ser burguês. Inaugurou uma nova maneira de vida em
sociedade”. Esse modo de reforma gerou novos tipos de relações tanto políticas
e econômicas quanto urbanísticas e sociais, configurando o mundo burguês
como um sistema fechado.

A modernidade, concebida como espaço de aglutinação com as tradições,


especialmente no campo ideológico, mistura o antigo com o novo, já que o
processo de construção humana é dialético. Nos padrões da modernidade
e suas contradições, brutal violência, desigualdade e intolerância, também
existe uma ordem, tanto do ponto de vista econômico, social, como político.
É a ordem burguesa em formação e o incipiente capitalismo industrial e
financeiro. Esses valores e tradições, “modernos” na forma, mas “antigos”
em conteúdo, podem ser estabelecidos numa estética, mas adaptados às con-
dições concretas do tempo e espaço de cada país e cultura no Ocidente. Um
processo massivo, de vigilância constante do modo de vida dos trabalhadores
(OLIVEIRA SOBRINHO, 2013, p. 222).

Diante dessa explanação, é possível perceber que, por trás do desejo de


melhoramento das cidades, oferecendo a elas uma infraestrutura urbana melhor,
gerando uma paisagem mais bonita e acolhedora, existiam também interesses
de classes que influenciavam esse tipo de urbanismo e suas políticas, como
uma ideologia de progresso, mas que acabavam beneficiando apenas alguns
privilegiados da sociedade.
De qualquer forma, foi nesse período que os sistemas políticos e econômicos
avançaram, gerando mudanças muito profundas nas estruturas das sociedades,
incrementando hábitos, incorporando necessidades e mudando a forma de
viver nos centros urbanos. A paisagem urbana foi outro aspecto que mudou
consideravelmente, incorporando circulações, vias para diferentes tipos de
transporte, além das grandes fábricas até então inexistentes.
Além disso, os aspectos sociais entre as classes foram elementos que
trouxeram muitos debates relacionados ao urbanismo, principalmente, pela
expulsão das classes mais baixas das áreas centrais, gerando espaços ainda
menos planejados, distantes, com nenhuma infraestrutura e organização.
Esse contexto influenciou o desenho urbano, trazendo mais debates sobre a
necessidade de interligação de áreas e do acesso igual a todos, evidenciado o
urbanismo no século XX.
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ALBUQUERQUE, M. Roma: cidades e fundamentos urbanos. 2017. Disponível em: https://


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