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Unidade: Belle Époque e Cosmopolitismo: Cidades na Vitrine: Manaus, Rio De Janeiro e São Paulo nos Finais do Século XIX

e na Primeira Metade do Século XX

Contextualização

As mudanças no modo de produção capitalista, na economia e na sociedade, ocorridas nas


cidades de países europeus, como o caso de Paris, na França, e de Londres, na Inglaterra,
em outros lugares e espaços, a partir da metade do século XIX, inauguraram um período que
ficou conhecido como “Belle Époque”, que significa “bela época”, e representa um período de
cultura cosmopolita na história do espaço urbano europeu.
Diversas mudanças ocorreram, principalmente no que se refere às tecnologias, como a
iluminação das cidades com a luz elétrica, a invenção do telefone, do telégrafo sem fio, do
cinema, do automóvel, do avião, entre outros elementos, que ofereceram novas percepções
humanas da realidade.
O que também marcou o referido contexto histórico foram as intensas manifestações
culturais que demonstravam novas formas de pensar e viver nas cidades, por meio do modo
de vida burguês.
Novas formas de sociabilidades surgiram, as pessoas saíram às ruas para apreciar a
arquitetura das cidades remodeladas e passaram a frequentar os cafés, as livrarias, os teatros, os
cabarés, as praças, as exposições de arte, os parques e outras diversas formas de divertimentos
e expressões culturais, que foram consideradas elegantes e inovadoras.
Essas modificações foram inseridas na sociedade brasileira no final do segundo reinado no
governo de D. Pedro II (1840-1889) e se estenderam até às primeiras décadas do século XX,
quando já havia sido proclamada a República brasileira como forma de governo, em 1889.
Manaus, Rio de Janeiro e São Paulo foram cidades que passaram por esse processo e se
destacaram entre outras do período. O vídeo indicado no link a seguir elucida brevemente
o tema da presente unidade

Trabalho sobre La Belle Époque:


www.youtube.com/watch?v=Vuv85AP3-48

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Introdução

As mudanças no modo de produção capitalista, na economia e na sociedade ocorridas nas


cidades de países europeus, como o caso de Paris, na França, e de Londres, na Inglaterra, e
em outros lugares e espaços, a partir da metade do século XIX, inauguraram um período que
ficou conhecido como Belle Époque, que significa “bela época”, e representa um período de
cultura cosmopolita na história do espaço urbano europeu.
A estética neoclássica e o movimento artístico dos arquitetos revivalistas, também chamados
de historicistas, celebraram por meio das remodelações do espaço urbano e das edificações
arquitetônicas o Estado burguês europeu diante da sociedade, no auge do capitalismo, em sua
fase industrial e financeira, entre meados do século XIX e início do XX.
Diversas mudanças ocorreram mediante os projetos de higienização e sanitarismo urbano.
Outro aspecto bastante relevante foi a tecnologia aplicada ao cotidiano social, como a iluminação
das cidades com a luz elétrica, as redes de telefone, de telégrafo sem fio, o automóvel, o avião,
entre outros elementos, que ofereceram novas percepções humanas da realidade, como, por
exemplo, o cinema, que se tornou, a partir de 1895, uma atraente forma de diversão.
O que também marcou o referido contexto histórico foram as intensas manifestações
culturais expressas nos gestos, nos hábitos sociais, nas vestimentas de homens e mulheres, que
demonstravam novas formas de pensar e viver nas cidades por meio do modo de vida burguês.
O Brasil sofreu influência desse novo estilo, em que a beleza e a elegância fizeram parte
das normas sociais, que foram justificadas por discursos da hegemonia. Entre eles, estava
o discurso médico, que divulgava a estreita relação entre beleza e saúde.
As cidades de Manaus, Rio de Janeiro e São Paulo foram modelos expressivos da
Belle Époque no Brasil, entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX.

Saiba Mais
Os estilos arquitetônicos revivalistas e ou historicistas são expressos por meio da
arquitetura: Neogótica, Neomanuelina, Neo-renascentista, Neo-românica,
Neo-islâmica (neomourisco, neo-árabe), Neobizantina, Neobarroca, Neocolonial.
Sobre esse assunto, acesse:
http://arq-blogger.blogspot.com.br/2010/10/arquitetura-historicista.html.

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Unidade: Belle Époque e Cosmopolitismo: Cidades na Vitrine: Manaus, Rio De Janeiro e São Paulo nos Finais do Século XIX e na Primeira Metade do Século XX

Cidades belas e higienizadas: entre as formas de viver e exibir-se


como burguês e as mazelas sociais de manaus, Rio de Janeiro
e São Paulo no final do século XIX e início do XX
A beleza da arquitetura de estética neoclássica foi inserida no Brasil aos poucos, a partir da
fuga da família real, que desembarcou no Brasil em 1808.
Em 1816, chegou ao Brasil uma Missão Francesa, contratada para fundar e dirigir, no Rio
de Janeiro, a Escola Real de Artes e Oficios. O urbanismo e a urbanização brasileira foram
alicerçados cada vez mais nos modelos da arquitetura europeia.
A partir da segunda metade do século XIX, a Paris de Haussmann passou a ser um
referencial para as principais capitais como Manaus, Rio de Janeiro e São Paulo, além dos
desdobramentos da arquitetura expressa no ecletismo arquitetônico, como na beleza da Art
Déco e da Art Noveau, dos finais do século XIX e início do XX.
Para fazer uma cidade bela e saudável, muitas exclusões sociais ocorreram e demarcaram a
posição social de diversos grupos na cidade.
A Belle Époque brasileira teve seu início entre o final da década de 70 do século XIX e se
desenvolveu até a década de 20 do século XX, mas é importante pensar que não é possível
demarcar de forma tão rigorosa o período, vez que os aspectos culturais desse estilo de vida
podem ser encontrados em décadas posteriores à referida temporalidade.
Assim, na sociedade brasileira houve a europeização dos hábitos e dos costumes. As cidades
do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Manaus, como também de Belo Horizonte, de Belém,
de Fortaleza e de Santos, entre outras, foram intensamente marcadas por esse estilo europeu.
Vale ressaltar que, no início, foram os capitais dos modelos agroexportadores, como, por
exemplo, os da extração da borracha na região norte e da exportação do café na região
sudeste, que foram investidos na industrialização do país e, a partir daí, foram somados aos
lucros do desenvolvimento industrial. E assim foram financiadas as obras da engenharia e da
arquitetura no meio urbano.
A arquitetura e a engenharia dialogaram com o discurso médico, no qual o significado
do belo estava vinculado à ideia de saúde e vice-versa. Assim, caminhavam juntos esses dois
conceitos, no corpo citadino e no corpo humano e homens e mulheres deveriam cumprir os
rituais de toillete e aplicar em suas vidas os aconselhamentos da Medicina.
As intervenções urbanísticas nas referidas capitais: Manaus, Rio de Janeiro e São Paulo,
oferecem elementos para o conhecimento e o reconhecimento de cada espaço construído
ou demolido como o lugar determinado para ser fronteira de exclusão ou inclusão entre as
classes sociais.

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Os espaços de moradia, como os bairros, os espaços de lazer, como as confeitarias,
os parques, os teatros, entre outros, demarcaram os territórios de requinte, de refinamento,
de beleza e salubridade, ocupados e frequentados pela elite, em oposição àqueles considerados
deteriorados, feios e insalubres, como as moradias dos bairros operários, os cortiços,
os botequins e os portos, entre outros:

Durante o período de 1890 a 1910, fausto da econômica gomífera, a cidade passou


por um processo de modernização. Com a construção de diversos prédios, praças, ruas
e avenidas, houve a transformação da fisionomia da cidade, com o surgimento de um
grande centro comercial, área que nos dias atuais é o centro histórico da cidade. Nos
vários períodos de transformação pelo qual Manaus passou, um dos mais importantes
ocorreu de 1892 a 1896, no Governo de Eduardo Ribeiro. Pois, foi neste período, que
inaugurou-se ou construiu-se diversas obras de grande importância no centro antigo
de Manaus, algumas destas foi continuísmo de Governos anteriores ao de Eduardo
Ribeiro e novas construções de modernização para a cidade. Entre as principais obras
inauguradas ou construídas em seu governo, estão o Teatro Amazonas e o Palácio
da Justiça, sendo Eduardo Ribeiro o responsável pela ampliação e abertura de ruas e
avenidas, assim como a construção de jardins e praças. A área compreendida como
Centro Antigo de Manaus tem a maior parte dos casarios construídos no período
áureo da borracha. Tais casarios constituíram-se em importantes casas comerciais ou
residências de autoridades do setor público, de burgueses – os quais fizeram fortuna,
graças à goma elástica, ou de empresários estrangeiros que se instalaram na cidade
para acompanhar seus negócios.1

É importante ressaltar que a Belle Époque amazonense iniciou-se em 1871 devida


à extração e à exportação da borracha2 para os mercados industriais da recém criada indústria
de automóveis, que estava em plena expansão na Europa.
Assim, o Brasil passou a exportar toneladas do produto das seringueiras, principalmente
para as fábricas de automóveis europeias e estadunidenses. As principais regiões produtoras
de borracha eram os estados do Pará e do Amazonas, regiões de riquíssima flora, nas quais das
árvores extraia-se o látex que havia em abundância na região da floresta amazônica.

Explore a respeito da história da Indústria


Automobilística e como foi inventado o automóvel em:
http://mundoestranho.abril.com.br/materia/como-foi-inventado-o-automovel

1 BARROS, Frankimar de Souza; ALBUQUERQUE, Carlos Sandro Carvalho de. A eficácia dos programas “Manaus Belle époque e Monumenta”
para a preservação do patrimônio histórico edificado na cidade de Manaus, In: Revista Eletrônica Aboré - Publicação da Escola Superior de Artes e Turismo
Manaus - Edição 4 Dez/2010 ISSN 1980-6930. p.2 Disponível em: http://www.revistas.uea.edu.br/old/abore/artigos/artigos_4/01.pdf.
2 A borracha, catalogada como hervea brasilienis, extraída dos seringais amazônicos, foi primeiramente utilizada pela população nativa na produção de
utensílios domésticos, de uso pessoal e no revestimento de tecidos. Graças à sua impermeabilidade e elasticidade, após submeter-se a processos químicos, foi incorporada
à indústria com diversidade de aplicabilidade. Cf: MACHADO, Selma Suely Lopes. A Belle Époque Amazônica. Norte Ciência, vol. 2, n. 1, p.117. 2011.

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A cidade de Manaus foi marcada por intensiva modernização e, juntamente com Belém
do Pará, foram na época consideradas as cidades brasileiras mais desenvolvidas e das mais
prósperas do mundo.
Manaus ja possuía luz elétrica, bondes, sistema de água encanada e esgotos durante
o seu apogeu, entre os anos de 1890 a 1911, gozando de tecnologias que, no início, outras
cidades do sul e sudeste do Brasil ainda não possuíam, tais como bondes elétricos, avenidas
construídas sobre pântanos aterrados, além de edifícios imponentes e luxuosos, como
o requintado Teatro Amazonas, inaugurado em 1896, o Palácio Rio Negro, construído em
1903, o Palacete Provincial, inaugurado em 1875 e o Mercado Adolpho Lisboa, cujo edifício
principal foi inaugurado em 1883 e as construções finais ocorreram somente em 1908.

A firma construtora Bakus & Brisbin (de Belém) entregou provisoriamente


o prédio construído a 14.07.1883, constando de um pavilhão de ferro, com 45m
de comprimento por 42m de largura. Na realidade, o grande edifício de ferro não
passava de um simples galpão, em duas águas, sem nenhuma estética conforme
comprovam fotos e documentos da época. Quanto à data de sua inauguração,
existem divergências, pois alguns afirmam que ocorreu a 15 de julho de 1883,
enquanto outros, ter sido a 15 de agosto, desse mesmo ano, mas certo é que a renda
do Mercado foi transferida para o Município, no dia 4 de agosto, donde se conclui
que a data mais provável é a primeira. O grande edifício em ferro, com o “tecto
sustentado por 28 colunas desse metal”, onde se encontra gravado em seus fustes
(peça principal da coluna entre o capítel e a base) o nome de “Francisc Morton,
Engineers, Liverpool”, nos dão a certeza da sua origem inglesa. O calçamento do
pavimento é de laje de cantaria de forma retangular e a rua central é calcetada
com paralelepípedos. Fora as duas salas principais, foram construídos 20 stands
separados entre si por grades de ferro e guarnecidos de balcões de madeira com o
tampo superior em mármore, onde são dispostos os produtos para vendagem. A
fachada voltada para o Rio Negro era muito mais elaborada, com a finalidade de
impressionar, todos aqueles que chegavam a Manaus pela única via de acesso - o
rio, possuindo uma estrada e duas edificações em alvenaria de tijolos. No decorrer
de 1890, face ao crescimento da cidade, o Mercado sofreu ampliação com a
construção de dois galpões iguais e abertos, nas laterais, com estrutura de madeira
e recobertos com telhas de zinco. Poucos anos depois, 1897, o Mercado Público,
não mais dispunha das condições higiênicas necessárias a um estabelecimento dessa
natureza e o Sr. Intendente Municipal da Capital, determinou por ordem verbal ao
engenheiro municipal interino, Dr. João Carlos Antony, para que fizesse uma perícia
naquele estabelecimento (...) Para efetuar os trabalhos de reforma, foi contratado
o engenheiro Filintho Santoro, que deu início às obras, construindo a fachada da
Rua dos Barés em alvenaria de tijolos, no entanto estas melhorias só vieram a ser
concluídas pelo empreiteiro Affonso Campora, nos idos de 1906, ou seja, quase
no final do mandato de Adolpho Lisboa. Um ano antes de ser concluída a reforma,
1905, foi o Mercado arrendado para o cidadão Alfredo de Azevedo Alves, tendo
este fato sido motivo de ação judicial que se estendeu por mais de duas décadas e
graças a isso, foi possível resgatar muito da história sobre a construção desse prédio.
Após esses problemas, Alfredo de Azevedo Alves cedeu seus direitos à firma inglesa,
“The Manaos Markets and Slaughterhouse Limited” que teria a finalidade exclusiva
de fazer cumprir o contrato anterior, ou seja, reforma ou ampliação de acordo com
os projetos da Superintendência, além de construírem um matadouro e realizarem
melhoramentos na cidade, em troca receberiam o direito à exploração de Mercado,
pelo prazo de 50 anos.3

3 SOUZA, Arminda Mendonça de. Mercado Municipal Adolpho Lisboa.

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Mercado Adolpho Lisboa, em Manaus

Fonte: Lúcia Barreiros/Wikimedia Commons

O mercado Adolpho Lisboa foi inspirado no mercado parisiense Les Halles. Ambas as
construções utilizaram as modernas técnicas arquitetônicas do século XIX e foi comum o uso
do ferro revestido de vidro. O mercado brasileiro possui a estética eclética com o frontão
neogótico na edificação. Também podem ser encontrados elementos da Art Noveau.

A conclusão da obra do mercado municipal de Manaus ocorreu em 1906,


quando foi reinaugurado pelo então prefeito Adolpho Lisboa, após as novas
intervenções mediante as exigências sanitaristas. A administração política
decidiu colocar o nome do Prefeito na nova fachada. A partir desse fato,
o mercado passou a ostentar duas fachadas: uma para o rio Negro – onde havia
Você sabia? um embarcadouro para descarregar as mercadorias e a outra para a Rua dos
Barés. Cf: Mercado Afonso Lisboa. Manaus. Amazônia. Disponível em:
http://goo.gl/7z6WXb.

A cidade do Rio de Janeiro também teve destaque nas reformas urbanísticas do final do
século XIX e início do XX. Na época, era capital do Brasil. Com a Proclamação da República,
em 1889, os militares trouxeram a ideologia da ordem e do progresso mediante o atraso
decadente do Império, que já não conseguia manter a economia em alta e a sociedade dentro
das normatizações.
Foi bastante considerável a falta de infraestrutura sanitária que fez com que o Rio de Janeiro
se tornasse o foco de uma série de doenças, como a febre amarela, a varíola, o sarampo,
a disenteria, a difteria, a tuberculose, a morfeia e a peste bubônica, entre outras.
Isso se agravou com a imigração europeia e a migração de escravos recém-libertos.
A população crescia significativamente. De 1872 a 1890, a taxa de crescimento era de 95,8%;
entre 1890 e 1906, a população aumentou 56,3%.4 O fluxo de pessoas que circulavam na
cidade favorecia a disseminação de doenças, tornando a cidade insalubre.

4 AZEVEDO, André Nunes de. A reforma Pereira Passos: Uma tentativa de integração urbana. Revista Rio de Janeiro. Dossiês
nº. 10, Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro, 2003, p. 39-79.

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Assim, intensificou-se o desejo da elite de introduzir signos da simbologia europeia


somados aos ideais de salubridade nos projetos arquitetônicos que foram executados na cidade
do Rio de Janeiro.
O Estado republicano, aliado à elite, financiou obras nas quais os discursos médicos de
higienistas e sanitaristas estiveram aliados à engenharia e à arquitetura, inclusive na gestão
do engenheiro Francisco Pereira Passos, que foi prefeito da cidade do Rio de Janeiro entre
os anos de 1902-1906.
Sua gestão foi marcada pela expressão “bota abaixo”, que tem como significado combater
a insalubridade na cidade, ampliar e modernizar suas artérias e revigorar a zona portuária,
com objetivos econômicos de atrair a mão de obra estrangeira para atender à elite cafeeira e
facilitar o escoamento da produção:

Apoiada nas idéias de civilização e beleza, de regeneração física e moral, a reforma


urbana, tratada como questão nacional, sustentou-se no tripé: saneamento, abertura
de ruas e embelezamento, e objetivou a atração de capitais estrangeiros para
o país. Com a reforma, houve intensa valorização do solo urbano da área central,
determinante na expulsão da população de baixa renda ali concentrada. Cerca de
1.600 velhos prédios residenciais foram demolidos. Parte considerável da imensa
massa atingida pela remodelação permaneceu no centro, em suas franjas e fendas
deterioradas, pois a Zona Norte e os subúrbios, apesar do rápido crescimento,
não constituíam alternativa de moradia para os que sobreviviam de biscates ou
recebiam diárias irrisórias. Apenas os de remuneração estável e suficiente para
as despesas de transporte, aquisição de terreno, construção ou aluguel de uma
casa mudaram-se para a Zona Norte e os subúrbios. Desta forma, ao lado das
tradicionais habitações coletivas que se disseminaram nas áreas adjacentes ao Centro
(Saúde, Gamboa e Cidade Nova), surgiu nova modalidade de habitação popular:
a favela. As ações republicanas se pautavam no discurso sobre a necessidade de
sanear e higienizar a cidade, livrá-la das doenças, impor à população novos hábitos
e atitudes, condizentes com as descobertas recentes da biologia e da medicina,
ampliar espaços, ordená-los, embelezá-los, modernizá-los. É claro que, por trás
dessa ideologia, estava a consolidação, entre outros, dos interesses: da oligarquia
cafeeira, de escoamento de sua produção com ampliação das estradas de ferro e
do Porto do Rio; das construtoras francesas; das companhias inglesas de energia
e bondes; e da nascente indústria automobilística norte-americana.5

Aspectos da arquitetura colonial de estética barroca, como ruas de traçado estreito e


irregular, becos, casarios baixos entremeados de alguns sobrados, deveriam ser modificados.
Diante desse quadro, Pereira Passos iniciou, a partir de 1903, o programa de obras, com
autorização do Presidente da República Rodrigues Alves, para desenvolver um projeto que
desse uma imagem cosmopolita ao Rio de Janeiro, nos moldes neoclássicos parisienses.
O referido plano de reforma urbanística foi dividido em três empreitadas: a modernização do
porto, o saneamento da cidade e a reforma urbana.

5 PINHEIRO, Carlos Manuel; FIALHO JÚNIOR, Renato. Pereira Passos: Vida e obra. Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.
Secretaria Municipal de Urbanismo. Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos. Disponível em: www.armazemdedados.rio.rj.gov.br.

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Obras na cidade do Rio de Janeiro durante a gestão de Francisco Pereira Passos

Fonte: pre.univesp.br

Um grupo de profissionais com poderes ilimitados foi nomeado pelo Presidente da


República, como o engenheiro Lauro Müller, para a reforma do porto; o médico sanitarista
Oswaldo Cruz, para o saneamento e o engenheiro, urbanista e prefeito da cidade, Pereira
Passos, que havia acompanhado a reforma urbana de Paris sob o comando do barão de
Haussmann, para a reurbanização da cidade.
Assim, voltaram-se contra os casarões antigos da área central, porque cerceavam o acesso
ao porto, comprometiam a segurança sanitária e bloqueavam o livre fluxo indispensável para
a circulação de pessoas em uma cidade moderna. Iniciou-se, então, o referido “bota abaixo”,
ou seja, o processo de demolição das residências consideradas insalubres do centro da cidade.
Vale ressaltar que esta demolição e a expulsão das camadas populares sem nenhum plano
de apoio, seja por meio de indenizações em dinheiro ou da acomodação destes em habitações
populares, por exemplo, acabaram resultando no fortalecimento do processo de favelização
do Rio de Janeiro.

A origem do termo favela está relacionada a uma espécie de árvore


encontrada na região de Canudos, que era uma pequena aldeia que
Glossário surgiu durante o século XVIII às margens do rio Vaza-Barris. Com
a chegada de Antônio Conselheiro, em 1893, passou a crescer
vertiginosamente, em poucos anos, chegando a contar com cerca
de 25000 habitantes. Antônio Conselheiro rebatizou o local de
Belo Monte, apesar de estar situado num vale entre colinas, no
Estado da Bahia. Nesse território, ocorreu a Guerra de Canudos, de
1896 a 1897, que foi o confronto entre um movimento popular
de fundo sócio-religioso e o Exército da República.
Fonte: Revista da Bibloteca Nacional. Brasil de todas as drogas. Ano 10. Número 110. Novembro de 2014

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Enquanto isso, a cidade remodelada impunha os limites entre o belo e feio, o limpo
e o sujo, o salubre e o insalubre, entre outras adjetivações discriminatórias. A arquitetura dos
teatros, dos cafés e das confeitarias era imponente, como a construção do Teatro Municipal do
Rio de Janeiro, que foi inspirado no teatro francês Palais Garnier, também conhecido como
ópera de Paris.
É interessante notar que a presença de instituições culturais no final da Avenida
Central, como o Teatro Lírico, o Teatro Municipal, a Escola de Belas-Artes e o Palácio
Monroe, destinado a exposições, fez com que aquele espaço adquirisse uma forte
significação cultural. Este fato, possivelmente, influenciou o Governo Federal em
sua decisão de construir o novo prédio da Biblioteca Nacional no local poucos anos
depois, reforçando definitivamente uma tendência que a Prefeitura do Rio de Janeiro
estimulou com a decisão de construir o novo Teatro Municipal junto ao Teatro Lírico
e a Escola de Belas-Artes. Com efeito, o centro da cidade, sobretudo no trecho final
da Avenida Central, caracterizava-se como o centro “civilizador” do Rio de Janeiro.6

Teatro Municipal do Rio de Janeiro

Fonte: Haakon S. Krohn/Wikimedia Commons

A cidade de São Paulo também foi inserida no contexto da Belle Époque e já havia passado
por mudanças econômicas e sociais desde o final do século XIX, devido à expansão da lavoura
cafeeira em várias regiões paulistas.
O capital da exportação do café foi investido na construção da estrada de ferro
Santos-Jundiaí, conhecida como São Paulo Railway Company, inaugurada em 1867, como
também os investidores aplicaram o capital na industrialização.
O trabalho nas fábricas, bem como nas lavouras, foi feito pelos imigrantes europeus
que, após o fim do tráfico negreiro, em 1840/1850 e da abolição nacional da escravidão,
em 1888, chegaram em massa ao Brasil.

6 AZEVEDO, André Nunes de. A Reforma Pereira Passos: Uma tentativa de integração urbana. Op. cit., p.60.

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Esse fator, aliado ao êxodo rural, fez com que a população de São Paulo passasse de
130 mil habitantes, em 1895, para 240 mil, em 1900.7 A área urbana cresceu, rompendo
os limites do perímetro urbano conhecido como triângulo, formado pelas ruas Direita,
XV de Novembro e São Bento.
O parque industrial paulistano começou a se formar, transformando, por exemplo, o Brás e
a Lapa em bairros operários. As indústrias estavam localizadas próximas aos trilhos da estrada
de ferro inglesa. As várzeas alagadiças dos rios Tamanduateí e Tietê, entre outras regiões,
foram ocupadas por imigrantes. Entre eles estiveram os italianos, ao lado dos alemães e
portugueses, entre outras nacionalidades.
Devida à autorização do presidente da República Campos Salles, a Light, uma empresa
canadense, já atuava no Brasil desde 1889. Inclusive no estado de São Paulo, por
meio da construção da Usina Hidrelétrica Edgard de Sousa, em Santana de Parnaíba,
concluída em 1901.
No ano de 1905, são instaladas as primeiras lâmpadas elétricas da cidade de São Paulo,
na Rua Barão de Itapetininga. A empresa foi contratada como a The São Paulo Tramway,
Light and Power Company Ltda. Dois anos depois, foram iluminadas as ruas do triângulo,
com 50 lâmpadas de arco fechado. Também a partir de 1900 as primeiras linhas de bondes
elétricos começaram a circular.
Assim, a elite paulistana ganhava cada vez mais visibilidade social e investia da mesma
forma nas remodelações urbanísticas, como também em uma série de instituições educacionais
e culturais, como o Liceu de Artes e Ofícios, que já tinha sido fundado pela aristocracia
cafeeira, em 1873, e passou a fazer parte do conjunto arquitetônico da Pinacoteca, construção
oficialmente inaugurada em 1905.
Outro ícone da construção elitista foi o Teatro Municipal, inaugurado em 1911, em uma
estética derivada do neoclássico e do revivalismo europeu, que deram origem ao estilo eclético.
Naquele processo, o arquiteto Francisco Ramos de Azevedo e sua equipe tiveram uma
enorme visibilidade e construíram diversas obras espalhadas pela cidade. Mas também não
podemos esquecer o arquiteto Hipólito Gustavo Pujol Junior e sua equipe, que projetaram e
reformaram vários edifícios. Entre eles, o localizado na Rua Álvares Penteado, 112. Construído
em 1901, foi comprado pelo Banco do Brasil em 1923 e reformado pelo escritório do referido
arquiteto que, com muito capricho, aplicou a estética da arquitetura eclética e elementos da
Art Noveau e da Art Déco na decoração e no revestimento da obra, para ser uma agência
bancária a partir de 1927.

É importante salientar que adentrar nas ruas-salões e se embriagar com seu luxo e
aspecto impecável não era para todos (...) O acesso às passagens era rigidamente
monitorado por guardas para evitar a entrada dos pobres. Nessa fase média da história
das passagens, W. Benjamin destaca também autores para os quais nem tudo era
louvável no tocante a esses templos do comércio.8

7 Sobre esses dados, confira: http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/1900.php.


8 SOBRINHO NETO, Joachin de Melo Azevedo. Uma Outra Face da Belle Époque Carioca. O cotidiano nos subúrbios nas
crônicas de Lima Barreto. Campina Grande: Universidade Federal de Campina Grande, 2010, p.22.

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Unidade: Belle Époque e Cosmopolitismo: Cidades na Vitrine: Manaus, Rio De Janeiro e São Paulo nos Finais do Século XIX e na Primeira Metade do Século XX

Beleza e requinte eram sinônimos de saúde e bem estar para aqueles que podiam desfrutar
das benesses das cidades em exposição, nas quais as pessoas de posses financeiras saíam às
ruas de Manaus, do Rio de Janeiro e de São Paulo elegantemente vestidas para trocar olhares
entre si e olhar as vitrines, onde roupas, sapatos, chapéus, luvas, joias, tecidos, perfumes
e produtos de toillete eram expostos e desejados.
Nas vitrines também estavam os doces e os salgados dos cafés e das confeitarias. O café
com requinte era apreciado por aqueles que podiam pagar por ele, enquanto o café requentado
dos estabelecimentos mais humildes, como o das quitandeiras, foi fiscalizado e, por ordem do
serviço de sanitarização e higienização, muitos foram fechados:

Até metade do século XIX os cafés eram quase inexistentes. Entre 1850
e 1860 funcionou na Rua da Imperatriz, esquina com o Beco do Colégio, a
primeira cafeteria da cidade, instalada informalmente na casa de Dona Maria
Emilia Vieira, conhecida como Maria Punga. Usando toalha na cabeça, argola
de ouro e umas arrudas nas orelhas, ela atendia os estudantes, comerciantes e
negociantes. Além disso, ela mesma torrava e socava os grãos num pilão velho.9

Rua Santo Antônio, vista da Rua do Sal, em foto de Militão Augusto de Azevedo

Fonte: Imagem reproduzida no livro Santos e seus Arrabaldes - Álbum de Militão Augusto de Azevedo,
de Gino Caldatto Barbosa (org.), Magma Editora Cultural, São Paulo/SP, 2004

9 ALVES, Simone. Influência Francesa nas Cafeterias de Rua da São Paulo do Final do século XIX e Início do XX.
Centro Universitário Fundação Santo André. Relatório Final de Pesquisa para o Programa de Iniciação Científica da CUFSA, PIIC 2012.
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Curso de História. Santo André: 2012, p.12.

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Aconteceu que o café comandado por Maria Punga, uma mulata forra, não foi frequentado
pela elite paulistana. Afinal, os homens mais importantes da cidade não iriam a um lugar
deselegante, gerenciado por uma ex-escrava.
A paisagem do espaço urbano se tornava cada vez mais moderna e civilizada, porém
excludente e opressora, porque diante das aparências desveladas houve mazelas não reveladas.

Centro de São Paulo no Final do Século XIX e Início do XX

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