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SÃO PAULO NA DÉCADA DE 1920: A CONSTRUÇÃO DE UMA

CIDADE PARA AS ELITES

Caio de Carvalho Proença1


Acadêmico do curso de História (PUCRS)
E-mail: caio.proenca@acad.pucrs.br

RESUMO: A presente apresentação procura refletir sobre algumas das modificações urbanas
ocorridas em São Paulo durante a década de 1920, complementando a pesquisa em andamento
sobre a “construção da imagem das elites e da modernidade urbana de São Paulo na revista
ilustrada A Cigarra nos anos 1920”.
Palavras-chave: Urbanização; Imagem; A Cigarra.

ABSTRACT: This presentation seeks to reflect on some of the changes occurring in urban
São Paulo during the 1920s, complementing the ongoing research about the construction of
image of the elites and the urban modernity in São Paulo in the illustrated magazine A Cigarra
in the 1920s.
KEY-WORDS: Urbanization; Image; A Cigarra.

Durante a década de 1920, a cidade de São Paulo passou por diversas modificações
urbanas. Muitas delas provocaram uma mudança no modo de vida das elites. Uma cidade
cosmopolita começava a formar-se. Alemães, italianos, franceses, portugueses, espanhóis e
muitas outras culturas dividiam os espaços urbanos da cidade de São Paulo, "a cidade tem
assim um arzinho de exposição internacional” (SEVCENKO, 2009). As elites na década de
1920 procuraram explorar ao máximo os locais de footing e de convívio social. As
modificações urbanas na cidade de São Paulo ajudaram a construir uma imagem das elites
para os espectadores deste palco urbano durante a Belle Époche brasileira.
Uma ornamentação paisagística europeia foi feita em vários bairros da cidade de São
Paulo durante os anos 1920. Impressionantes estruturas metálicas como a estação da Luz, o
viaduto do Chá e de Santa Efigênia – estes dois últimos importados diretamente da Alemanha

*
Bolsista de Iniciação Científica BPA-PUCRS, com pesquisa em andamento sobre História da Fotografia. Como
tema “A construção da imagem das elites e da modernidade urbana de São Paulo na revista ilustrada Cigarra nos
anos 1920”, orientada pelo Prof. Dr. Charles Monteiro.

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.


– moldam uma cidade que possui os olhos para fora, para a Europa e para os Estados Unidos.
O próprio Theatro Municipal, com sua arquitetura neo-renascença que se assemelha à Ópera
de Paris é um monumento espetacular, imponente que marca presença no centro de São Paulo
como símbolo da modernidade urbana neste período.
São Paulo cresce e moderniza-se com os olhos voltados para as elites, principalmente.
Bairros com decorações de tijolos à vista decoram as ruas da cidade, lembrando a cidade de
Londres. A estação da Luz pode-se comparar com a antiga estação Charing Cross, que
movimenta o coração urbano dos londrinos.
Existem em São Paulo, nesta década, vários pequenos bolsões urbanos que marcam
culturas europeias. Pequenas Itálias formam-se com casas de telhados vermelhos; o centro da
cidade, com a movimentação de bondes da companhia Light e dos automóveis – que marcam
a vida urbana moderna – é um espaço de footing para as moças das elites e de trabalho para os
homens e comerciantes. Uma imagem destas elites começa a moldar-se no âmbito Visual
pelas páginas das revistas ilustradas, onde os espaços de convívio na cidade de São Paulo
mostram como as elites deixam-se mostrar pelas fotografias e cartões postais.
A revista ilustrada A Cigarra irá demonstrar pelas suas fotografias algumas
representações destas elites que se movimentam e marcam presença em eventos públicos e
privados da cidade de São Paulo. Compreender quais espaços urbanos estas pessoas
utilizavam serve de ferramenta para compreender, finalmente, o maior objetivo da pesquisa:
qual a construção da imagem das elites e da modernidade urbana de São Paulo pelas
fotografias da revista A Cigarra nos anos 1920.
Nicolau Sevcenko auxilia esta compreensão quando trouxe em sua obra “Orfeu
Extático na Metrópole” alguns pontos de vistas sobre como a cidade de São Paulo era vista,
quais eram seus microcosmos e quais as suas diferentes culturas urbanas. Muitas vezes este
tipo de informação poderá auxiliar a pesquisa que procura identificar a construção da imagem
de certos indivíduos.
O testemunho de estrangeiros sobre a cidade de São Paulo é de alto valor para a
compreensão deste tipo de olhar. Muitos falaram sobre São Paulo, lembraram-se das suas
cidades natais e descreveram as modificações urbanas da capital paulista como uma cidade
que se desenvolvia com os olhos no externo, confundindo-se entre diferentes nacionalidades.
“A cidade de São Paulo é tão curiosamente francesa em certos aspectos que, ao longo
de toda uma semana, eu não me recordo de ter tido a sensação de que eu estava no exterior”
(SEVCENKO, 2009). Depoimentos como estes fizeram com que a reflexão sobre os espaços

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urbanos surgissem, e debruçar-se sobre estas falas é um dos objetivos da apresentação.
Demonstrar que a cidade de São Paulo modernizou-se e possuiu diferentes máscaras durante o
seu início de “carreira”. Esta cidade, que hoje também possui uma diversidade cultural
gigantesca, já foi um grande centro de estrangeiros imigrantes e é neste período de
modernização urbana que uma identidade urbana constrói-se.
São Paulo não era uma cidade nem de negros, nem de brancos e nem de
mestiços; nem de estrangeiros e nem de brasileiros; nem americana, nem
europeia, nem nativa; nem era industrial, apesar do volume crescente das
fábricas, nem entreposto agrícola, apesar da importância crucial do café; não
era tropical, nem subtropical; não era ainda moderna, mas já não tinha mais
passado. Essa cidade que brotou súbita e inexplicavelmente, como um
colossal cogumelo depois da chuva, era um enigma para seus próprios
habitantes, perplexos, tentando entendê-lo como podiam, enquanto lutavam
para não serem devorados. (SEVCENKO, 2009, p.31).

Vestígios de uma arquitetura colonial foram derrubados com pressa, a fim de dar lugar
a uma cidade diversificada e moderna. A divisão de espaços urbanos foi feita por diversos
grupos influentes. A Cia City of São Paulo foi uma delas, que comprou cerca de 40% do
território urbano da cidade. Graças às alianças políticas e com a companhia Light (de grande
influência na urbanização da cidade), moldar a cidade e dividir os espaços entre os grupos
sociais inicia-se.
Muitos argumentos sanitaristas fazem parte destas modificações urbanas nas capitais
brasileiras. A antiga Várzea do Carmo fora transformada no Parque D. Pedro II, ligando-se ao
Vale do Anhangabaú, tornando Parque do Anhangabaú. “O qual por sua vez se articulava com
o Vale do Piques, reformado no Parque do Obelisco” (SEVCENKO, 2009), fazendo com que
este antigo pântano virasse um formoso e decorado Jardim Público. A antiga população que
vivia na Várzea foi deslocada para as periferias da cidade, evitando assim a proliferação de
“doenças” que tanto o prefeito e as elites tinham medo. Obviamente, um argumento
preconceituoso e sanitarista, mas é válido compreender este tipo de atitude para entender de
onde vieram tais espaços que agora seriam ocupados pelas classes mais abastadas. As elites
paulistanas desejavam construir uma cidade tal e qual elas viam em suas viagens para a
Europa e América do Norte.
A construção das estradas de ferro também facilitaram os rumos desta expansão
urbana na capital paulista. Elas facilitaram as comunicações, quando se ligaram com a
ferrovia Central do Brasil e com a Sorocabana. A São Paulo Railway, que atravessava a
capital paulista, cortando o Rio Tietê e o Rio Tamanduateí atraíram para a capital as camadas
mais abastadas da população. “Com estradas de ferro puderam os fazendeiros, ao mesmo

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tempo em que se mantinham em contato estreito com suas propriedades, aproveitar a vida
mais confortável de um grande centro” (PRADO JR., 1983).
O manejo dos principais canais hidroviários da região metropolitana de São Paulo
tendeu a ser um tanto confuso e tumultuado. Questões políticas e comerciais envolveram este
palco de discussões. Desde as primeiras tentativas de Francisco Saturnino de Brito,
engenheiro sanitarista, em garantir a integridade do leito do Tietê até as tentativas de embate à
Saturnino de Brito feito por Francisco Prestes Maia com o Plano de Avenidas da Cidade de
São Paulo. Este último plano tinha como intuito privilegiar as transformações da capital
paulista de acordo com diversas capitais europeias. Servem de exemplo os sistemas de
comunicação dos planos radiais concêntricos da cidade de Moscou, Lyon, Viena e Paris. Estas
tentativas de modificação do plano urbano da cidade de São Paulo também são formas de
compreender quais tendências as elites paulistas tinham para assentarem-se e obterem
privilégios durante este contexto sanitarista.
A criação de bairros exclusivos para a elite dirigente, assim como avenidas com
iluminação elétrica e jardins para passeio público, são ideias que refletem a urbanização e
modernização ocorrida na Europa, durante a Belle Époche, e agora são colocadas em prática
na cidade de São Paulo. A Avenida Paulista, por exemplo, segue a arquitetura da Av.
Champs-Elysées, de Paris, onde a aprovação de uma lei pelo Joaquim Eugênio de Lima faz
com que todas as construções feitas na avenida tenham pelo menos 10m de distância em
relação à rua, bem como 2m de cada lado, a serem ocupados por jardins e árvores, seguindo o
modelo urbanístico parisiense.
A vinda de imigrantes de 1888 a 1900 influenciou diretamente nestas modificações
urbanas da cidade de São Paulo, “passaram quase 900 mil imigrantes, dos quais 70% eram
provenientes da Itália”. A quantidade de imigrantes chegando à cidade, de 1900 a 1930 foi
cerca de 1 milhão e 800 mil imigrantes. Somente na capital, de 250 mil habitantes em 1900,
150 mil eram imigrantes (ROLNIK, 2001). “Nesse quadro, estabelecido pela expansão
internacional da economia cafeicultora [...] esses homens e mulheres, das mais variadas
culturas e extrações sociais, buscariam em São Paulo uma válvula de escape [...], uma
segunda chance, na indústria ou nos serviços” (SEVCENKO, 2009).
O primeiro surto industrial do ABC paulista acompanhou o primeiro surto de
“urbanidade” da cidade de São Paulo. Serviços de água encanada, iluminação, transporte
público e pavimentação das vias iniciaram-se às pressas a fim de moldar a cidade para estes
novos habitantes.

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Os anos 1920 foram marcados por uma convulsão de derrubadas e construções de
novas vias, jardins, pontes, prédios públicos que representam a construção da imagem de uma
capital moderna, juntamente com a imagem das elites que vivem nesta cidade. Esta
representação é a síntese de acontecimentos políticos, culturais e sociais de um contexto
global em modificação. “Existe em São Paulo, nos altos e baixos das suas colinas, uma cidade
luminosa, com telhados vermelhos sobrepostos, nas encostas amontoadas vêm lembranças de
Verona e de outras cidades italianas”, “O centro da cidade e suas ruas estreitas, que os bondes
e automóveis atracavam, e suas pequenas casas, as lojas abertas, os claros armazéns, sugerem
certos aspectos de Londres”, “era uma cidade selvagem, como são todas as cidades
americanas. [...] São Paulo era, então, indômita” (SEVCENKO, 2009).
Esta cidade é o palco do espetáculo da modernidade e da urbanização durante os anos
1920. Este contexto de modificação física é o palco da visualidade que será vista pelas
fotografias nas páginas das revistas ilustradas. Para compreender este “palco” urbano, é
necessário identificar os sistemas de comunicação Visual, as condições técnicas, sociais e
culturais de produção, circulação, consumo e ação dos recursos e produtos sociais. Como já
apontado por Meneses, é necessário circunscrever o que vem sendo chamado de iconosfera,
isto é, o conjunto de imagens-guia de um grupo social ou de uma sociedade num dado
momento e com o qual ela interage (MENESES, 2005). Compreender como a imagem era
vista pelos grupos sociais presentes no tempo estudado pelo historiador é essencial, pois assim
poderei marcar o horizonte de expectativa criado por estes elementos. Também abrirá
caminho para compreender melhor quais experiências obtidas por estes indivíduos para
observar as diferenças e conseguir trazer o estudo para o nosso presente.

Compreender, portanto, as modificações urbanas e os locais de convívio destas elites


na cidade de São Paulo é um dos objetivos complementares da pesquisa maior. Para, assim,
compreender melhor como houve a construção da imagem das elites nestes locais de convívio
urbano nas fotografias da revista ilustrada A Cigarra.

Referências:

MENESES, Ulpiano T Bezerra de. Rumo a uma “História Visual”. In: MARTINS, J. S.;
ECKERT, C.; NOVAES, S. C. (orgs). O imaginário e o poético nas Ciências Sociais. p. 33-
56. Bauru, SP: EDUSC, 2005.

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PRADO JR., Caio. A cidade de São Paulo: Geografia e história. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1983.

ROLNIK, Raquel. São Paulo. PubliFolha: São Paulo, 2001.

SEVCENKO, Nicolau. O Orfeu Extático na Metrópole: São Paulo sociedade e cultura nos
frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

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