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RESUMO
O projeto do complexo cultural Praça das Artes, localizado na cidade de São Paulo, foi concebido, a
partir de 2006, em razão da necessidade de ampliação dos espaços de ensaio vinculados ao Teatro
Municipal. O projeto é de autoria do escritório Brasil Arquitetura, liderado pelos arquitetos Marcelo
Ferraz e Francisco Fanucci, em parceria com Marcos Cartum, da Secretaria Municipal de Cultura. Em
razão de um programa funcional amplo e complexo, o projeto adota várias estratégias frente às
preexistências, que vão da preservação de edifícios históricos à demolição de construções existentes,
passando ainda por reformas com variados graus de modificação. O presente artigo tem por objetivo
refletir sobre a relação do projeto da Praça das Artes com as preexistências, sejam bens tombados ou
não, e com o sítio urbano em que está inserido. Além da questão dos edifícios preexistentes que
foram incorporados ao projeto, o artigo abordará também o descarte (demolição) de várias
edificações na região, eliminadas para a implantação da praça que constitui o acesso principal ao
complexo, entre elas um edifício de aproximadamente 10 pavimentos. Por fim, pretende-se abordar
como o conjunto se relaciona com o tecido urbano das quadras da região, mantendo uma
variabilidade tipológica e abrindo novas perspectivas de observação do entorno.
A Praça das Artes é um espaço cultural localizado no centro da cidade de São Paulo,
construído para funcionar como um anexo do Teatro Municipal, que se localiza nas
proximidades. Foi projetado a partir de 2006 pelo escritório Brasil Arquitetura, liderado pelos
arquitetos Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci, em parceria com Marcos Cartum, da
Secretaria Municipal de Cultura. O projeto foi analisado entre os anos de 2020 e 2021, no
bojo da pesquisa “Projeto e Patrimônio”, realizada pelo Grupo de Pesquisa “Projeto, Cidade
e Memória”, do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de
Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (PPG-AU/FAUFBA), sob a coordenação do
Prof. Nivaldo Vieira de Andrade Júnior. A pesquisa tem como objetivo analisar intervenções
projetuais contemporâneas sobre monumentos e sítios históricos tombados, a partir da obra
dos arquitetos Lina Bo Bardi e Paulo Ormindo de Azevedo e do escritório Brasil Arquitetura.
No ano em que o projeto da Praça das Artes teve início, o escritório Brasil Arquitetura já
contava com diversos projetos executados de intervenção no patrimônio, alguns, inclusive,
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premiados no Brasil e no exterior. Dentre as obras analisadas, destacam-se algumas. O
projeto elaborado pela Brasil Arquitetura em 1995 para a edificação eclética do Teatro
Polytheama, em Jundiaí, retoma um projeto elaborado em 1986 sob a coordenação de Lina
Bo Bardi, contando então com a colaboração de Ferraz e de André Vainer. O Conjunto
KKKK, na cidade de Registro, tombado pelo Governo do Estado de São Paulo em 1987,
cujo projeto data de 1996. A intervenção no conjunto de engenho e galpões remanescentes
da imigração japonesa no Vale do Ribeira, do início do século XX, visava viabilizar a
instalação de um Centro de Cultura e um Memorial da Imigração Japonesa. Para
viabilização do projeto foi preciso incorporar ao espaço um centro de formação de
professores que, por conta da extensão do programa, exigiu uma compartimentação do
espaço interno muito maior do que a previamente proposta. De forma geral, o projeto liberou
o conjunto de anexos que reduziam sua visibilidade e interferiam na sua legibilidade;
reforçou a relação do conjunto com a paisagem, em especial com o Rio Ribeira de Iguape;
modernizou suas instalações e recuperou alguns elementos perdidos que eram
fundamentais à compreensão do conjunto, como a marquise de conexão entre os galpões.
Reflexões sobre este projeto, realizadas a partir desta pesquisa, foram recentemente
publicadas por Andrade Junior, Pereira e Amaral (2021).
Por fim, cabe também destacar o projeto do Museu do Pão, de 2005, localizado na cidade
de Ilópolis, no Rio Grande do Sul. A intervenção contempla um museu sobre a história do
pão e uma escola de panificação. Para tanto, foi feita a restauração do Moinho Colognese,
construído em 1917, e foram propostos dois anexos em linguagem contemporânea, nos
quais foram utilizados concreto aparente, vidro e madeira. As edificações novas abrigam as
funções de museu, auditório e oficina de panificação, enquanto o moinho inclui uma bodega
para degustação e demonstração da atividade de moagem para produção de farinha.
FIGURA 01 – Planta de localização do projeto da Praça das Artes, destacando as edificações históricos
tombadas do entorno. Identificação das edificações numeradas: 1) Teatro Municipal; 2) CBI Esplanada; 3)
Palácio dos Correios; 4) Edifício Alexandre Mackenzie. Fonte: Acervo dos autores
O Centro da cidade de São Paulo é conhecido por sua pluralidade de usos e diversidade
tipológica. A região onde se insere o complexo é repleta de edificações relevantes que
refletem a história desta importante cidade brasileira, dentre as quais destacam-se alguns
bens tombados nas esferas municipal e estadual, como o Teatro Municipal, o edifício CBI
Esplanada, o Edifício Alexandre Mackenzie, o Edifício do antigo Banco de São Paulo, o
Palácio dos Correios e o Cine Marrocos.
Neste complexo contexto urbano, o programa funcional da Praça das Artes abriga espaços
de ensaio, apresentações e apoio de duas orquestras; duas escolas; dois corais; companhia
estável de balé e quarteto de cordas; além do centro de documentação artística. O projeto
tem uma área construída total de 28.500m² e ocupa uma parte considerável da quadra. A
intervenção, realizada em grande medida no miolo da quadra, se abre para a cidade em três
fachadas diferentes, em um conjunto densamente ocupado que foi parcialmente demolido
para o atendimento do programa. Algumas edificações foram mantidas, recebendo
intervenções de maior ou menor potencial transformador, incluindo edificações de valor
histórico cultural:
Ao fazer um corte no terreno, criando uma passarela aberta entre seus prédios, a
Praça quer ser continuação da cidade. Deixa o quarteirão respirar. Ela revela o
pulmão dessa área e permite uma proximidade íntima com os prédios. Algo raro na
São Paulo de hoje, mas com exemplos históricos e muito bem sucedidos, como o
Conjunto Nacional e o MASP, as duas praças efetivas da Avenida Paulista,
vibrantes, mesmo com décadas após sua construção. Sem falar das inúmeras
galerias que circundam a Praça das Artes, entre as quais, a mais popular,
movimentada e viva delas, conhecida como Galeria do Rock, dos arquitetos italianos
Hermano Siffredi e Maria Bardelli, responsáveis por outras galerias vizinhas na Rua
24 de Maio. (LORES, 2013, p. 29)
Além dessas edificações que compõem as três fachadas da Praça das Artes, existem mais
duas edificações que estão localizadas no miolo da quadra. A primeira é o anexo aos fundos
do Conservatório, uma edificação existente de 11 pavimentos que foi reformada e
incorporada ao projeto e exerce função de apoio à sala de concertos como camarim e
vestiários, e função administrativa. Pode ser acessada pelo Conservatório, pelo edifício da
Escola de Dança através de um corredor externo suspenso ou pela escada de planta
triangular que parte do miolo da Praça. A segunda é o edifício da Escola de Dança, que
conta com seis pavimentos e se conecta no primeiro pavimento com a edificação que dá
acesso à Praça pela Avenida São João. O edifício da Escola de Dança se conecta ao
Edifício Corpos Artísticos através de um corredor externo suspenso e ao edifício de Salas de
Ensaio Escola de Música.
É possível notar que, apesar do programa funcional ser extenso e haver uma setorização
das funções, o projeto estabelece relações espaciais fluidas. Isso se dá tanto pela presença
de conexões entre as edificações quanto pelo fato de os pavimentos térreos serem livres,
criando uma grande circulação longitudinal para os transeuntes e usuários. A tipologia do
Nosso projeto nasce de dentro para fora, das entranhas, e se conforma a partir
delas; se apresenta à cidade como uma denúncia da falência de um modelo urbano
que já não serve, já não funciona na escala da metrópole. [...]. Buscamos entender o
que estava obsoleto, sem uso ou função, o que tinha caducado desse velho
desenho urbano, e fazer disso nossa matéria-prima de projeto [...].
Por isso mesmo, como denúncia, os vazios no rés do chão não foram ocupados,
nem mesmo com colunas, criando uma grande passagem pública a céu aberto – um
espaço de encontros, a praça que dá nome ao conjunto. [...]
O que nos leva a uma escolha e decisão conceitual é, precisamente, a natureza do
lugar e sua compreensão enquanto espaço resultante de fatores sociopolíticos ao
longo de décadas – ou séculos – de formação da cidade. Compreender o lugar não
somente como objeto físico, mas como espaço de tensão, de conflitos de interesses,
de subutilização ou mesmo abandono, tudo importa. (BRASIL ARQUITETURA,
2021)
Outro aspecto fundamental para compreensão da relação do projeto com o conjunto urbano
se dá a partir das fachadas, que se articulam com o espaço de formas completamente
distintas. Há uma adequação à escala do conjunto e das vias, o que proporciona uma
interessante diversidade volumétrica, conectando quadras, abrindo o espaço para os
passantes, qualificando a região. A tomada de decisão sobre as intervenções e as relações
espaciais por elas estabelecidas passou também pelas decisões técnicas da equipe do
DPH. No processo de discussão do projeto, a arquiteta Lia Mayumi, da Seção Técnica de
Pelas informações repassadas aos pesquisadores por Lia Mayumi, foram vários os estudos
feitos para o projeto. Inicialmente, a área de intervenção era mais acanhada, principalmente
a fachada voltada ao Vale do Anhangabaú. O acesso mais generoso se dava pela Rua
Conselheiro Crispiniano, por meio de uma esplanada por onde também ocorria o acesso à
garagem subterrânea. Na Avenida São João, as dimensões do projeto eram similares à
executada, já incluindo o Conservatório. Na fachada voltada para a Rua Formosa (Vale do
Anhangabaú), apenas o antigo Cine Cairo e o Balé da Cidade eram contemplados.
FIGURA 02 - Croqui de estudo e fotomontagem do projeto da Praça das Artes. Fonte: DPH/ SMC, Prefeitura de
São Paulo.
O projeto foi aos poucos se ampliando e novas áreas, que iam sendo desapropriadas, eram
incorporadas a ele. Embora a proposta tenha se alterado radicalmente entre os primeiros
estudos e o projeto final, o rompimento do tecido urbano na Rua Conselheiro Crispiniano se
manteve. Neste sentido o projeto não recuperou a silhueta urbana, na qual Mayumi (2007)
identificava um “vazio” a ser preenchido. Na Avenida São João, a proposta final manteve a
ideia inicial de promover um acesso generoso na lateral do Conservatório, encimado por um
volume monolítico, que mantém a altura e o alinhamento do conservatório. No nível do
A maior ruptura com o conjunto é, sem dúvidas, aquela observada na fachada do Vale do
Anhangabaú. Da primeira proposta que incorporava apenas duas edificações de pequeno
porte, o projeto se amplia, avançando na direção norte até a esquina com a Avenida São
João. Essa fachada conta com uma edificação em altura localizada imediatamente ao lado
do edifício CBI Esplanada, que incorpora o espaço antes ocupado pelo Cine Cairo, além de
uma imensa praça que dá acesso ao miolo da quadra.
O que surpreende é descobrir que este amplo espaço, tão celebrado enquanto área pública,
deve-se à demolição de uma área densamente ocupada, não por pequenos edifícios que
poderiam ser considerados “obsoletos, sem uso ou função”, mas por um edifício de 10
pavimentos, que pertencia ao Sindicato dos Comerciários.
FIGURA 03 - Fachada original da Rua Formosa com as preexistências, estudos para a ocupação da frente da
quadra e feição final do projeto. Fonte: Lia Mayumi, 2021, DPH/ SMC, Prefeitura de São Paulo (1 e 2); acervo
dos autores (3).
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As demolições
Pelas informações levantadas pelos autores deste artigo, foram demolidas pelo menos dez
edificações mais baixas, a maioria com dois pavimentos, e pelo menos um edifício em
altura, antiga sede do Sindicato dos Comerciários, com dez pavimentos organizados em três
blocos. A conservação do acervo arquitetônico do conjunto urbano não se justificaria,
unicamente, sob o ponto de vista da preservação patrimonial, já que a região não conta com
um acautelamento enquanto conjunto urbano e os valores oficialmente reconhecidos se dão,
especialmente, sobre bens isolados. Contudo, há na Resolução 37/92 do Conselho
Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São
Paulo (CONPRESP), cujas considerações iniciais merecem nota, pois remetem ao “valor
histórico, social e urbanístico representado pelos vários modos de organização do espaço
urbano que compõem a área central da cidade, destacando-se o Vale do Anhangabaú”
(SÃO PAULO, 1992), mencionando ainda o “significado paisagístico e ambiental” da região
do Vale do Anhangabaú e o “valor histórico-arquitetônico, ambiental e afetivo de diversos
imóveis na região e vizinhas.” (SÃO PAULO, 1992). Há que se considerar, então, que os
tombamentos isolados efetivados pela Resolução são relevantes não apenas por seus
atributos "histórico-arquitetônicos'', mas também porque se inserem naquele determinado
contexto urbano e por comporem uma paisagem específica.
É fato que, inicialmente, o projeto não contemplava um programa tão extenso e uma área
tão ampla, os lotes foram sendo incorporados ao longo do processo e as demolições foram
dando mais espaço à intervenção, surgindo a proposta da grande praça, que não aparece
nos croquis iniciais. A amplitude da praça e a criação do acesso ao conjunto por esta face
parece ter invertido a relação frente-fundo da intervenção. O acesso pela Praça Conselheiro
Crispiniano, mais próximo ao Teatro Municipal, que nos primeiros croquis era o mais
Segundo comunicado da Prefeitura de São Paulo, publicado em abril de 2011 na sua página
na internet, o edifício do Sindicato dos Comerciários foi desapropriado para ser demolido e
dar lugar a “uma área de convivência totalmente ajardinada, que funcionará como acesso ao
conjunto da praça” (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2011). Outra motivação para a
demolição do edifício de dez pavimentos e três blocos teria sido, inacreditavelmente, facilitar
a restauração da fachada do Cine Cairo: “além de facilitar o acesso à Praça das Artes, a
demolição da antiga sede do Sindicato dos Comerciários beneficiará as obras de
restauração da fachada do local onde funcionava o Cine Cairo - edifício vizinho cuja
construção é colada ao prédio.” (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2011)
FIGURA 04 - Foto do conjunto urbano preexistente, do início da demolição do Sindicato dos Comerciários e do
projeto executado, vista do Vale do Anhangabaú. Fonte: (1) MAYUMI, 2021; (2) Divulgação da Prefeitura de SP -
foto de Fábio Arantes e (3) site Brasil Arquitetura.
O edifício localizado na Rua Formosa, 401, funcionava originalmente como Frontão Nacional
e abrigava uma quadra de pelota basca (NOSEK, 2013, p. 25). Depois, abrigou várias
funções até ser inaugurado o Cine Cairo, em 1952, cujo funcionamento se estendeu até
2009, quando foi fechado para dar lugar à Praça das Artes. A presença do Cine Cairo e Cine
Marrocos, na quadra 27, juntamente com o Cine Art Palácio, Cine Dom José, Cine Ritz e
Cine Olido, na quadra vizinha, demonstram a importância do cinema de rua a partir da
década de 1950 em São Paulo. Durante muitos anos, os cinemas de rua representavam
uma das principais formas de entretenimento da população. Estes equipamentos
começaram a perder espaço nas últimas décadas do século XX, com a popularização dos
cinemas construídos no interior de shoppings centers. Neste processo, a maioria dos
cinemas de rua entraram em decadência e não foi diferente com o Cine Cairo.
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Ao ser incorporado ao projeto, o Cine Cairo passou a compor o conjunto do Edifício Corpos
Artísticos, e, devido ao seu estado precário de conservação, era evidente a necessidade de
uma grande intervenção para a sua requalificação. Dentro da proposta de um espaço
cultural como a Praça das Artes, um cinema não seria de modo algum um uso exógeno,
pelo contrário, poderia ser uma atividade interessante e agregadora. No entanto, o edifício
do Cine Cairo foi integralmente demolido, sendo preservada apenas sua fachada, agora
acoplada a uma nova edificação que faceia, internamente, a fachada remanescente,
seguida de outro volume de altura superior à original, rompendo com a escala da
preexistência. O desaparecimento da edificação do Cine Cairo e da sua função reforça o
apagamento da cultura do cinema de rua, como também destrói valores espaciais daquela
tipologia arquitetônica. Os autores, ao se referirem ao projeto, destacam que o Cine Cairo
sempre como apenas uma fachada: “do extinto Cine Cairo, na Rua Formosa, permanece a
fachada, agora amalgamada ao novo edifício destinado aos corpos artísticos.” (FANUCCI,
FERRAZ E CARTUM, 2013 p. 36). Um leitor pouco atento poderia supor que o Cine Cairo
correspondia, quando do início do projeto da Praça das Artes, a tão somente uma ruína, de
uma fachada solta, quando, de fato, a sua demolição foi uma decisão tomada no
desenvolvimento do projeto.
E mesmo que se tratasse apenas de uma fachada remanescente, uma ruína por exemplo, a
questão da sua integração a novos projetos de arquitetura poderia ser tratada de forma a
recuperar a silhueta urbana e qualificar a paisagem. Um exemplo em que este tema foi
tratado de forma bastante sensível é o projeto desenvolvido pelo arquiteto Paulo Ormindo de
Azevedo para o Centro Cultural Dannemann, na cidade de São Félix, Recôncavo Baiano, no
final dos anos 1980: mesmo dispondo apenas da fachada frontal de um conjunto edificado,
Azevedo desenvolveu um projeto contemporâneo que qualificou de forma impactante a
realidade local:
Essa incoerência se torna mais evidente no caso do Cine Cairo por se tratar de programa
funcional compatível. A restauração da edificação, se feita preservando seus valores de
forma mais integral, contribuiria para a valorização do cinema de rua e da pluralidade
tipológica do Centro de São Paulo, agregando ainda mais diversidade ao complexo.
O atual Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, localizado na Avenida São João,
269, foi construído em 1896 para ser a loja do comerciante de pianos Friedrich Joachim.
Além do espaço para vendas, o edifício possuía um salão de concertos, o Salão Steinway, e
depois de uma reforma realizada em 1899, passou a funcionar como Hotel Joachim's. O
edifício foi transformado em Conservatório a partir de 1909, aproveitando o salão de
concertos e adaptando os quartos do hotel em salas de aula (NOSEK, 2013, p. 14). O
Conservatório foi a primeira escola superior de música e artes dramáticas de São Paulo,
representando um espaço muito importante para os artistas da época durante décadas. Por
questões políticas, uma parte considerável do corpo docente foi expulsa entre 1942 e 1943,
Ao ser incorporado à Praça das Artes, o Conservatório passou por reforma dos anexos e
restauração do prédio principal. Tanto as paredes internas e o forro, internamente, quanto a
fachada foram pintados de branco, postura costumeiramente adotada pelo escritório em
relação a edificações ecléticas: o mesmo tratamento, por exemplo, foi dado ao Teatro
Polytheama, em Jundiaí, em 1995, e à antiga residência do Comendador Bernardo Martins
Catharino, atual Museu Rodin, em Salvador, em 2002, aparentemente ignorando o valor do
bem, que, segundo Nahas (2008, p. 266), era “[...] um dos últimos exemplares da arquitetura
eclética baiana, sendo o primeiro edifício no estilo tombado pelo IPAC, órgão de
preservação do patrimônio do Estado, na década de 1980.”
A partir da fala do arquiteto sobre o Conservatório percebe-se que há, realmente, uma total
falta de reconhecimento dos valores estéticos ligados à arquitetura eclética incorporada ao
projeto.
Considerações Finais
O projeto da Brasil Arquitetura para a Praça das Artes possui inúmeras qualidades, da
capacidade de reinterpretar criticamente a paisagem urbana heterogênea do centro de São
Paulo de forma criativa, criando novos marcos arquitetônicos, à generosidade na criação de
amplos espaços públicos no miolo da quadra e em sua articulação com os logradouros que
a limitam. A solução adotada para o acesso ao conjunto pela Avenida São João é
particularmente bem-sucedida, ao adotar a mesma linguagem do restante do complexo, em
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concreto aparente pigmentado, porém em um volume que respeita a escala dos imóveis
vizinhos.
ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. A Questão da Ocupação dos Vazios em Conjuntos
Históricos: da reconstrução literal ao contraste radical. In: Anais do IX Seminário de História
da Cidade e do Urbanismo. São Paulo: FAU-USP/ FAU-Mackenzie, 2006.
FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo; CARTUM, Marcos. A Praça das Artes. In: NOSEK,
Victor (org.). Praça das Artes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013.
LORES, Raul Juste. A Praça das Artes e os quarteirões doentes. In: NOSEK, Victor (org.).
Praça das Artes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013.
NOSEK, Victor. A quadra da Praça das Artes e a cidade. In: NOSEK, Victor (org.). Praça das
Artes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013.
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Teatro Municipal de São Paulo. Disponível em:
<https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/obras/sp_obras/noticias/?p=22764>.
acesso em 15 de setembro de 2021.
WAINWRIGHT, Oliver. ‘Sometimes the answer is to do nothing’: unflashy French duo take
architecture’s top prize. The Guardian, 16 March 2021. Disponível em:
<https://www.theguardian.com/artanddesign/2021/mar/16/lacaton-vassal-unflashy-french-
architectures-pritzker-prize>. Acesso em 16 out. 2021.