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Gastão Cruls, Aparência do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1965, p. VIII e
IX (Coleção Rio 4 Séculos, 1).
Cortiço da rua do Senado. Foto Augusto Malta, 1906. Seleção executada pela
Fundação Casa de Rui Barbosa em pesquisa coordenada por Solange Zúñiga no
acervo do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro
Naquele tempo o Carnaval era feito pelos cordões de velhos, pelos zé-
pereiras e pelos dois cucumbis da rua João Caetano e o da rua do
Hospício (atual Buenos Aires). O Rei de Ouro, meu Vagalume*, quando
se apresentou com perfeita organização de rancho no Rio de Janeiro:
porta-bandeira, porta-machado, batedores etc. Perfeitamente
organizado, saímos licenciados pela polícia. Quem se interessou pela
nossa licença foi o velho Araújo, o escrivão da antiga Quarta Pretoria,
na praia de Santa Luzia, hoje ponta do Calabouço. Naquela pretoria
trabalhavam e eram nossos amigos os senhores Seraphim, Augusto e
Frederico Moss de Castro, Mauro de Almeida (o Peru dos Pés Frios)
hoje cronista carnavalesco d’A Batalha e d’A Esquerda. Era também
empregado da Pretoria Avelino Pedro de Alcântara, que foi eleito nosso
primeiro vice-presidente. Devo dizer que o Rei de Ouro foi um sucesso.
Era candomblé nagô. Na casa de meu pai enchia muito. Elas assim
que vinham da Bahia, vinham pra cá, era na casa de meu pai que a
baianada vinha. Porque lá, da Bahia, Costa da Mina, vinham barricas
de búzios, sabão da costa, obi, orobô, mel de abelha, azeite de dendê,
isso tudo vinha despachado pra lá, porque era a casa do Rio de
Janeiro forte no santo, a baianada toda se acoitava ali (Depoimento de
Carmem Teixeira da Conceição. Arquivo Corisco Filmes).
Praça Onze; lateral da rua Senador Eusébio para a rua Visconde de Itaúna, c.1920.
Arquivo Francisco Duarte/Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro.
Quando ela ia nessas festas usava saia de baiana, bata, xales, só pra
sair naqueles negócios de festas. Na cabeça, quando ela ia nessas
festas, minha mãe é quem penteava ela. Fazia aqueles penteados
assim. Ela não botava torso não. Só botava aquelas saias e aqueles
xales “de tuquim” que se chamavam. Mas ela acabava na beira do
fogão fazendo doces com empregados, ela mesma, quando tinha
encomenda na rua da Carioca. As pessoas diziam: “baiana, eu quero
um bolo de mandioca puba”. Ela apanhava aquelas coisas pra gente
fazer, lavar aquilo. Quando era pagode de são João tinha uma mesa,
tinha Alice “Cavalo de Pau”, era uma mulher que morava no
Maranguape que ia cantar lá. Era assim, ela era sócia do Tenentes
mas não era cantora, mas era uma mulher muito chique. Porque era
assim: o falecido Zuza pegava um prato, um pandeiro, ó, começava,
ora, já viu castanhola? Os ensaios para o Carnaval naquela época
eram com castanholas. Quando ela dava os pagodes em casa, tinha o
coronel Costa que mandava seis figuras. Quer dizer: ficava o baile na
frente e o samba lá nos fundos (Depoimento de Lili Jumbeba, ib.).
Com o comércio de
roupas, muita gente de
Botafogo vai até a casa de
Ciata. Se torna folclórico para
alguns assistir a um pagode
na casa da baiana, onde só se
entrava através de algum
“Cê besta, nêgo!” Desenho de Mendez. nos fundos com pés de mamão e de
In: Tipos e costumes do negro no Brasil, fumo. Havia fartura. A turma vinha
op. cit., s.n.p
da Bahia e ficava alojada até se
arrumar melhor. Seu Miguel era casado com Tia Amélia Kitundi. Ele era
escuro, mas Amélia era uma mulata muito bonita, não era brincadeira. Tão
boa que todo mundo olhava pra ela. Um espetáculo. A presença dela atraía
mais pessoas para a casa de Miguel Pequeno. Este, a exemplo do “Sereia”, do
“Dois de Ouro”, queria também fundar um rancho. Ele tinha tirado licença na
polícia, que era na rua do Lavradio, porque naquele tempo era preciso
legalizar-se para fundar um rancho. Hilário Jovino, depois de ter fundado o
“Dois de Ouro”, já estava sendo conversado pelo Miguel para participar de seu
rancho, pois ele precisava de muitos elementos bons e o Hilário era um sujeito
de um tirocínio tremendo, inteligente mesmo. O Hilário estava vai-não-vai.
Houve então uma espécie de cisão do “Dois de Ouro” que o Miguel queria
fundar. Mas o Miguel demorou muito e o Hilário nem chegou a ajudar.
Atrapalhou. Não sei o que a Tia Amélia viu no Hilário que acabou fugindo com
ele. Isso virou um caso. Tia Assiata já estava morando na casa de seu Miguel.
Com o acontecimento, seu Miguel, desgostoso, não quis mais saber do “Rosa
Branca”, o rancho que ia ser, e deu todos os papéis para tia Assiata. Hilário
passou então a odiar a tia Assiata e esta retribuía o ódio. Daí ela se organizou.
Mas houve outro caso que acentuou mais a divergência. O Hilário também
teve um negócio com a Marquita, filha da tia Assiata. Nesta altura mudou-se
para a rua dos Cajueiros. Desta rua é que ela passou para a Visconde de
Itaúna na praça Onze (Depoimento de Donga, em As vozes desassambradas
do museu, Museu da Imagem e do Som/RJ).
Ai, ai,
Me sinto mal
Depois do Carnaval
Rubras cascatas
Jorravam das costas dos santos
Entre cantos e chibatas
Inundando o coração
Do pessoal do porão,
Que a exemplo do feiticeiro
Gritava então:
Glória aos piratas
Às mulatas
Às baleias
Glória à farofa
À cachaça
Às sereias
Glória, a todas as lutas inglórias
Que através de nossa história
Não esquecemos jamais