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Carregando um navio com café no Rio de Janeiro, gravura de Herbert Huntington Smith
Imagem divulgação [Imagem Arquivo Nacional /
www.exposicoesvirtuais.arquivonacional.gov.br]
Início este artigo com uma indagação: que tipo de cidade queremos para os
próximos anos, tendo em vista o processo histórico de constituição física,
social, política, econômica e cultural do Rio de Janeiro. As questões que hoje
movem os urbanistas, sociólogos, geógrafos, economistas e historiadores estão
contidas no tipo de cidade que temos e nos meios para superação dos problemas
que são recorrentes, como violência, mobilidade, educação, saúde, moradia,
esgotamento sanitário, lazer, cultura etc. Diante destas questões faz-se
necessário reflexões acerca do processo histórico de construção da Cidade Rio,
entendê-la sob o ponto de vista de sua totalidade é essencial para o debate
que se coloca hoje sobre a Cidade que temos e a Cidade que desejamos.
O porto e a cidade
A região portuária é de grande importância para as reflexões acerca da questão
da Cidade do Rio de Janeiro e seu processo histórico de
transformação/modernização (1850-1906). A cidade pensada, a partir da segunda
metade do século 19, tem na região portuária sua maior preocupação que se
revela no número de intervenções urbanísticas – o Bota Abaixo, reforma do
Porto, estruturação das linhas de bonde etc.
Com o avançar dos anos a Cidade Rio foi se consolidando como capital e eixo
econômico e cultural do Império Luso-brasileiro. Podemos identificar dois
eixos de expansão da Cidade: a) São Cristóvão, Engenho Velho e Andaraí e b)
Glória, Flamengo, Catete e Botafogo.
Nas décadas de 1850 e 1860 a tônica será a modernização urbana da Cidade Rio,
com ênfase na região mais dinâmica economicamente: a zona central e portuária.
Contudo, somente a partir de 1871, os primeiros resultados dos debates acerca
da modernização da zona portuária saíram do papel com o lançamento da pedra
fundamental do Armazém Docas D. Pedro II. Seguidamente, temos a instalação da
Comissão de Melhoramentos em 1874 (11), que veio atender a demanda por obras
de modernização/adequação da cidade ao novo momento que se abriu. Havia
capital e havia pessoas qualificadas para pensar a cidade, neste contexto de
modernização.
Cabe frisar que cerca de 20% da mão-de-obra escrava do complexo cafeeiro, era
comprometida com o transporte realizado por mulas que atravessavam o Vale do
Paraíba em direção a Baixada Fluminense tendo, entre outras paragens Iguaçu,
que era um importante empório e entreposto comercial. Com o advento da
ferrovia (1850/1860), este contingente de trabalhadores pôde ser deslocado
para a atividade-fim do complexo cafeeiro: a lavoura. Já Iguaçu entrou em
decadência, pois já não havia mais os tropeiros e com sua ausência o comércio
minguou, principalmente a venda de produtos de subsistência produzidos nos
arredores de Iguaçu.
Corroborou com este clima uma série de intelectuais que refletiram sobre este
momento a partir do papel que a Cidade Rio-capital já exercia no contexto
nacional, integrando as regiões. No contexto internacional, como porto de
recepção e distribuição de mercadorias nacionais e estrangeiras, portanto era
preciso ampliar e modernizar o processo mediante a escala produtiva do novo
momento do capitalismo internacional.
notas
1
Cabe lembrar que o Rio de Janeiro possuía uma quantidade significativa de engenhos
açucareiros, chegando a 3 posição na produção nacional, perdendo apenas para
Pernambuco e Bahia.
2
As três conjunturas apresentadas retratam três momentos distintos da Cidade Rio. 1.
Complexo açucareiro, em relação a estruturação física da cidade e do seu entorno
(Baixada da Guanabara ou Recôncavo da Guanabara – atualmente Região Metropolitana),
2. Complexo do Ouro das Minas Gerais, torna a cidade mais densa populacionalmente,
mais rica economicamente e mais complexa urbanisticamente, pois o ouro é escoado
para Europa, via Cidade do Rio através do Caminho Novo. 3. O Café sedimenta e
amplia a importância da Cidade Rio enquanto eixo logístico e econômico do Brasil.
3
Cf. CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da
cidade da invasão francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro, Jorge Zahar
Editor, 2004.
4
Idem, ibidem.
5
Jurandir Malerba trabalhou com a questão das festas, comemorações como meio de
legitimação do poder da família real portuguesa. Os laços de identidade com a elite
brasileira foram seladas a partir destes festejos que faziam parte do calendário
religioso. Carros alegóricos, pórticos, procissões, festas, bailes, entre diversas
outras formas de comemorações foram cruciais para a aproximação da família bragança
com os melhores da terra (comerciantes, fazendeiros e funcionários régios). Logo
uma multidão de possoas se deslocaram das principais cidades do Brasil para o Rio
de Janeiro, novas casas e novos bairros surgiram, assim como novas necessidades
urbanísticas foram colocadas. Cf. MALERBA, Jurandir. A Corte no exílio: civilização
e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808 à 1821). Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 2000.
6
Cabe frisar que a importância do Porto do Rio de Janeiro dar-se-á a partir da
conjuntura da ruptura de Portugal do Império Espanhol (1640-1650) constituindo-se
assim no eixo logístico do Brasil. Cf. FRANÇA, Eduardo D’Oliveira. Portugal na
época da Restauração. São Paulo, Hucitec, 1997; BOXER, Charles R. O império
marítimo português (1415-1825). Tradução Anna Olga de Barros Barreto. São Paulo,
Companhia das Letras, 2002.
7
Negociantes de Grosso Trato. Terminologia de época, para designar os comerciantes
atacadistas, isto é, que negociavam com todo tipo de mercadoria. Cf. FRAGOSO, João
L. R. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na Praça Mercantil do Rio
de Janeiro (1790-1830). 2a edição revisada. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1992.
8
O conceito “modernização conservadora” de Berrington Moore Jr. é utilizado aqui
para justificar a política de modernização econômica, social, cultural e
urbanística da Cidade do Rio de Janeiro que foi colocada como paradigma de cidade
'moderna' brasileira. O esforço do Imperador em 'modernizar' o Brasil teve como
síntese a Cidade Rio, isto é, o grande espelho do Brasil para a Europa. O Rio foi
um misto de Paris e Londres. Contudo esta modernização não significou mudanças na
esfera do exercício político, por este motivo conservadora no sentido de
conservação do status quo ante da política.
9
Cf. SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Tradução Jussara Simões.
Bauru, Edusc, 2001.
10
Com o registro de propriedade fundiária os agricultores passaram a ter condições
legais para contrair empréstimos a partir de um sistema de hipoteca, cuja garantia
era a terra e suas benfeitorias.
11
Fizeram parte desta Comissão de Melhoramentos os engenheiros Jerônimo Rodrigues de
Moraes Jardim, Marcelino Ramos da Silva e Francisco Pereira Passos.
12
SILVA, Lucia. Memórias do urbanismo na cidade do Rio de Janeiro (1778-1878):
Estado, administração e práticas de poder. Rio de Janeiro, E-Papers/Faperj, 2012.
13
A Companhia Evoneas Fluminense foi uma das responsáveis pela concepção de casas
populares que atendessem as recomendações sanitárias, pois a Cidade Rio era
conhecida como tumbeiro pelo número de doentes e pelo cheiro fétido de suas ruas.
Cabe ainda citar que o código de postura da cidade foi aprovado em 1830, contudo
foi de difícil execução.
14
Neste mesmo ano foi aprovado o Código Penal brasileiro, importante agente regulador
dos hábitos, da cultura e dos costumes sociais. É bastante claro que estas leis
tiveram um propósito disciplinador para a sociedade brasileira.
15
As técnicas de plantio, cuidado, colheita e beneficiamento dos grãos são mantidos,
assim como o trabalho escravo.
16
Lucia Silva traz esta discussão ao colocar que tanto o relatório da Comissão de
Melhoramentos quanto o relatório produzido pela Junta de Higiene, previam, em
conjunto, uma série de modificações urbanisticas nas regiões portuária e central da
cidade, além de apontarem os possíveis vetores de crescimento da cidade. Cf. SILVA,
Lucia. Op. cit., p. 131-151.
17
Cf. LAMARÃO. Sérgio T. N. Dos trapiches ao porto: um estudo sobre a área portuária
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Biblioteca Carioca, 2006.
18
Idem, ibidem, p. 55.
19
Inaugurado em 1871, foi o primeiro armazém do Porto construído para guardar grãos,
principalmente de café. Obra realizada totalmente com trabalho livre, algo raro
para época. Localizado enfrente ao cais do Valongo hoje abriga o Comitê Ação da
Cidadania. Fonte Site do Porto maravilha
<http://portomaravilha.com.br/materias/armazem-docas-pedro/a-d-p.aspx>.
20
As chatas, saveiros e outras embarcações de pequeno porte atracavam ao lado dos
grandes navios de carga para efetuar o traslado de mercadorias e passageiros, seja
para embarque ou desembarque. Os trapiches do porto do Rio de Janeiro não
permitiam que os navios de grande porte atracassem devido ao calado (profundidade).
21
Cabe frisar que neste período (1864-1870) o Brasil se envolveu em uma contenda
militar contra o Paraguai. Uma das consequências desta guerra foi a modernização da
marinha de guerra brasileira e da logística. Novos barcos à vapor foram construídos
sob encomenda aos estaleiros brasileiros, principalmente do Rio de Janeiro e de
cidades próximas como Niterói. Houve uma modernização radical no fabrico de navios
de grande porte, para combate ou para transporte.
22
Cf. BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passo: um Hausmann tropical. Rio de Janeiro,
Biblioteca Carioca, 1992.