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O porto do Rio de Janeiro no contexto das reformas urbanas

de fin du siècle (1850-1906)


Paulo Cesar dos Reis
“Raras vezes a creação de uma cidade é resultado de causas fortuitas.
Quer tenha sido rapida, quer lentamente desenvolvido, o grande centro de
população é quasi sempre consequencia de circumstancias locaes favoraveis
ao commercio, à industria, ou a uma e outra conjuntamente...”
Luiz Raphael Vieira Souto

Carregando um navio com café no Rio de Janeiro, gravura de Herbert Huntington Smith
Imagem divulgação [Imagem Arquivo Nacional /
www.exposicoesvirtuais.arquivonacional.gov.br]

Início este artigo com uma indagação: que tipo de cidade queremos para os
próximos anos, tendo em vista o processo histórico de constituição física,
social, política, econômica e cultural do Rio de Janeiro. As questões que hoje
movem os urbanistas, sociólogos, geógrafos, economistas e historiadores estão
contidas no tipo de cidade que temos e nos meios para superação dos problemas
que são recorrentes, como violência, mobilidade, educação, saúde, moradia,
esgotamento sanitário, lazer, cultura etc. Diante destas questões faz-se
necessário reflexões acerca do processo histórico de construção da Cidade Rio,
entendê-la sob o ponto de vista de sua totalidade é essencial para o debate
que se coloca hoje sobre a Cidade que temos e a Cidade que desejamos.

O porto e a cidade
A região portuária é de grande importância para as reflexões acerca da questão
da Cidade do Rio de Janeiro e seu processo histórico de
transformação/modernização (1850-1906). A cidade pensada, a partir da segunda
metade do século 19, tem na região portuária sua maior preocupação que se
revela no número de intervenções urbanísticas – o Bota Abaixo, reforma do
Porto, estruturação das linhas de bonde etc.

Foi uma região de grande densidade populacional e igualmente densa em volume


de mercadorias que transitavam por este Porto, principalmente a partir da
produção cafeeira do Vale do Paraíba, que em 1831 ultrapassou a produção do
complexo açucareiro nacional (1), representando assim 26% do total das
exportações do Brasil.

O complexo cafeeiro mudou a Cidade do Rio de Janeiro, assim como o complexo


açucareiro (1640-1690) e o complexo do ouro (1690-1790) igualmente mudaram a
Cidade e sua gente (2). Seja do ponto de vista político com a transferência da
capital de Salvador para a Cidade Rio (1763) ou do territorial com o
adensamento da população que traz reformas urbanísticas importantes com os
Vice-reis Marquês do Lavradio (1759-1779) e Conde de Figueiró (1779-1790).
Este último responsável pela grande reforma da Cidade capitaneada por Mestre
Valentim em 1787 (3).

A dita reforma de 1786/87 teve como foco a região central da Cidade. O


construtor/arquiteto Mestre Valentim foi escolhido para chefiar esta reforma,
que visou uma modernização da cidade Rio que consolidou-se como capital do
Vice-reino do Brasil. Havia pelo menos três preocupações que moveram esta
reforma: 1. adequação das casas e dos prédios públicos ao novo momento da
cidade, 2. solucionar o problema crônico de abastecimento de água através de
uma rede de chafarizes, e 3. embelezamento da cidade através, principalmente
da construção do Passeio Público.

1. A adequação das casas a nova proposta de cidade deu-se de maneira tímida,


com poucas casas privadas construidas ou reformadas dentro deste ideal de
arquitetura e sociedade. As construções públicas terão como referencia o
estilo Neoclássico através, principalmente do Mestre Valentim que
estabeleceu construções com referencial moderno europeu, contudo sem nunca
ter ido a Europa. O Paradigma continua sendo o classicismo recheado de
barroquismos próprios da socieade carioca que via a Europa de longe e com um
olhar pouco crítico, limitando-se a cópia do modo de vida no velho
continente.
2. A Cidade Rio tinha um problema crônico de falta de água limpa para consumo
humano. Desde o estabelecimento do primeiro sítio em 1565 a escacez de água
permeia a história desta cidade. Os chafarizes eram escassos e os aguadeiros
dominavam um mercado lucrativo de água limpa/potável. A reforma de Mestre
Valentim teve como ponto nevrálgico a cobertura de distribuição de fontes
públicas de água por toda cidade. A principal fonte era a da Carioca, que
através do aqueduto do mesmo nome trazia um volume grande de água do morro
de Santa Tereza até o coração da cidade e de lá, por uma rede de encanamento
chegava à Praça do Paço até o chafariz da piramide (Hoje Chafariz do Mestre
Valentim).
3. A questão do embelezamento da cidade envolveu mais do que a construção de
belos monumentos arquitetônicos ou de jardins deslumbrantes, havia a questão
da transformação urbanística da cidade que precisava superar o paradigma
barroco ao incorporar todo o ideal Neoclassicista de cidade. O programa
neoclássico não foi empregado em sua totalidade, neste momento, temos, de
fato, algumas construções públicas e privadas que utilizarão o programa
neoclassico, além do Passeio Público que foi o maior exemplo urbanistico
deste estilo de cosntrução e organização da sociedade. Cabe lembrar que os
ventos do iluminismo sopravam em Portugal e por conseguinte no Rio de
Janeiro, há um pensamento modernizador correndo pela Cidade que se reflete
um pouco nas construções deste período. Cabe ainda frisar que o Mestre
Valentim era perito no entalhe em madeira e no trabalho com ferro fundido,
sendo autodidata em ambas as técnicas.
Com a chegada da Família Real Portuguesa em 1808 a Cidade Rio experimentou
novos ventos no que pese a questão urbanística, deixando de ser uma cidade
mercantil para ser a nova sede do Império Luso-brasileiro (4). Prédios
públicos imponentes foram construídos, dezenas de ruas foram calçadas, novas
freguesias foram criadas ou transformadas em urbanas, enfim a elite brasílica
veio para a Cidade Rio e com ela uma Corte foi criada, para além da questão
urbanística as festas foram cruciais para a constituição de uma nobiliarquia
tropical (5). A região central e portuária foram as mais beneficiadas com esta
nova política de melhoria urbana e arquitetônica da Cidade e o Paço dos Vice-
reis, atual Paço Imperial foi a chave para a legitimação do poder da família
bragança no Brasil. O Passeio Público também teve sua importância nesta cidade
que se converteu em capital do Império Ultramarino Português.

Com o avançar dos anos a Cidade Rio foi se consolidando como capital e eixo
econômico e cultural do Império Luso-brasileiro. Podemos identificar dois
eixos de expansão da Cidade: a) São Cristóvão, Engenho Velho e Andaraí e b)
Glória, Flamengo, Catete e Botafogo.

Jaime Larry Benchimol, em obra clássica sobre a temática, constatou que na


segunda metade do século 19, o Porto do Rio de Janeiro já era um dos três mais
importantes da América e o mais importante do Brasil (6). Assim sendo, não é
por obra do acaso que a partir da década de 1840 houve um esforço por parte
das autoridades políticas brasileiras em modernizar o Porto e, por
conseguinte, a região do seu entorno, entendida como eixo dinâmico de expansão
da Cidade e do Império.

Desde, pelo menos, a chegada da Família Real Portuguesa os Negociantes de


Grosso Trato (7) estabeleceram-se na praça mercantil do Rio de Janeiro,
exercendo o controle do transporte de cabotagem, consolidando as ligações da
Cidade Rio com as praças/portos da região sul e da região norte em um sistema
agregador destes espaços. Soma-se ainda as tropas de mulas vindas de São
Paulo, Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais que fazem do Porto do Rio o ponto de
maior confluência de produtos do Império Português e portanto um importante
espaço de legitimação do projeto de modernização conservadora do Império
Brasileiro (8).

Cumpre exaltar que neste período há um processo de modernização da economia


brasileira, consoante ao movimento mundial do capitalismo no que se
convencionou chamar de 2ª Revolução Industrial. Podemos sintetizar esta
modernização conservadora pela aprovação do Código Comercial de 1850 e a
criação do segundo Banco do Brasil em 1853, tendo o empresário Irineu
Evangelista (Barão de Mauá) como principal articulador do novo Banco e um dos
grandes partícipes da construção do Código Comercial, junto com o ministro da
Justiça Eusébio de Queirós. Cabe ainda ressaltar a Lei que impôs o fim ao
trato negreiro em 1850, cujo autor é o mesmo Eusébio de Queirós. Com esta lei
abriu-se o caminho para a modernização da matriz de trabalho brasileira, pari
passo com o processo de transformações do modo de produção capitalista
industrial em curso nas regiões mais dinâmicas economicamente (Inglaterra,
França, EUA etc).

Com o fim do tráfico negreiro e a regulação comercial uma parte considerável


do capital mercantil foi liberada para outras finalidades (9), como
investimento em infraestrutura (logística para a produção e transporte do
café), crédito para a produção agrícola, fomento de novas indústrias etc. A
Lei de Terras de 1850 também contribuiu para esta segurança jurídica do
complexo produtivo brasileiro, garantindo o fluxo de crédito para a expansão
da produção cafeeira através de instituições bancárias nacionais e
internacionais, principalmente inglesas (10). É neste período que ocorre o
inicio da política de migração europeia com vistas a substituuição dos braços
para a lavoura de café e para os setores de serviço e da industria nascente,
principalmente nas cidade Rio e Santos.

Nas décadas de 1850 e 1860 a tônica será a modernização urbana da Cidade Rio,
com ênfase na região mais dinâmica economicamente: a zona central e portuária.
Contudo, somente a partir de 1871, os primeiros resultados dos debates acerca
da modernização da zona portuária saíram do papel com o lançamento da pedra
fundamental do Armazém Docas D. Pedro II. Seguidamente, temos a instalação da
Comissão de Melhoramentos em 1874 (11), que veio atender a demanda por obras
de modernização/adequação da cidade ao novo momento que se abriu. Havia
capital e havia pessoas qualificadas para pensar a cidade, neste contexto de
modernização.

Esta comissão foi formada sob os auspícios do ideal de higienização e limpeza


das cidades, em conformação com o discurso europeu de cidade asséptica,
racional, organizada, bonita, funcional e utópica (Hausmann). Esta visão
segundo Lucia Silva (12), foi reforçada pelo discurso dos médicos que atuavam
na cidade Rio. Estes médicos atribuíam ao clima úmido a proliferação de
diversas doenças. Para o bom combate as pestilências as autoridades deveriam
abrir a cidade para os bons ares, isto é, “arrasando” os morros do entorno da
malha urbana da cidade, abertura de ruas largas e construção de casas mais
arejadas (13). Este discurso é confirmado no Relatório da Junta de Higiene
para melhoramentos sanitários de 1878. Cabe ainda salientar que o primeiro
código de postura da cidade foi aprovado pela Câmara Municipal do Rio em 1830
(14), isto é, o discurso higienista, pela ordenação, limpeza da cidade está
presente há décadas, contudo ganhou força a partir dos anos de 1870.

A cidade e o café: notas expressas


Havia um clima para 'modernizações' em todos os sentidos, incluindo as
mudanças no campo urbanístico e logístico, que não previa apenas obras para o
embelezamento e limpeza da cidade. Havia toda uma concepção de utilização
racional dos espaços para incremento da economia, basilada então no complexo
cafeeiro do Vale do Paraíba, que não viu uma modernização das técnicas
produtivas (15), contudo a logística de transporte e acondicionamento foram
amplamente modificados e melhorados dentro das concepções tanto da Comissão de
Melhoramentos quanto da Junta de Higiene, que em conformação, formularam um
verdadeiro Plano Urbanístico (16).

Estas modificações ou modernizações contribuíram diretamente na cadeia


produtiva do café, resultando em mais rapidez, mais qualidade e mais
lucratividade do produto da origem ao consumidor final. O galpão construído
por André Rebouças para a Companhia Docas D. Pedro II, é revelador destas
novas técnicas de armazenagem importadas da Inglaterra. Até a inauguração
deste galpão as mercadorias ficavam espalhadas pelas ruas da região portuária
ou em pequenos galpões. Relatos de época apontam para grandes disperdícios de
mercadorias que ficavam expostas as intempéries, atraíndo insetos e pequenos
animais ditos pestilentos como ratos e morcegos (17).

A construção da malha ferroviária, ligando a região cafeicultora do Vale do


Paraíba ao Porto foi outro fator importante. Chegou-se a construir uma estação
de integração entre a ferrovia e o Porto, dita Estação da Gamboa, hoje abriga
parte da Vila Olímpica da Gamboa, com aproveitamento de parte do prédio da
estação que foi restaurado e requalificado.
Estação Marítima da Gamboa
Imagem divulgação [Website Associação Ferroviária Trilhos do Rio /
www.trilhosdorio.com.br]

Estação Marítima da Gamboa


Imagem divulgação [Website Centro Oeste Brasil / http://vfco.brazilia.jor.br>]

Cabe frisar que cerca de 20% da mão-de-obra escrava do complexo cafeeiro, era
comprometida com o transporte realizado por mulas que atravessavam o Vale do
Paraíba em direção a Baixada Fluminense tendo, entre outras paragens Iguaçu,
que era um importante empório e entreposto comercial. Com o advento da
ferrovia (1850/1860), este contingente de trabalhadores pôde ser deslocado
para a atividade-fim do complexo cafeeiro: a lavoura. Já Iguaçu entrou em
decadência, pois já não havia mais os tropeiros e com sua ausência o comércio
minguou, principalmente a venda de produtos de subsistência produzidos nos
arredores de Iguaçu.

A Cidade do Rio de Janeiro passou a se estruturar a partir do café, na


adequação/modernização da região portuária e central, além da ampliação dos
bairros nobres como Botafogo que abrigou dezenas de palacetes neoclássicos e
ecléticos dos barões do café. A nobiliarquia brasileira morava na capital,
assim como os grandes empresários que construíam casas suntuosas nas franjas
do poder.

As questões como habitação, trabalho, produção, administração pública,


cultura, lazer são colocadas à luz de um novo momento que se abre para o Rio
de Janeiro, uma 'janela de oportunidades' cujos pilotos do processo de
modernização da cidade são, em essência, engenheiros e médicos.

Corroborou com este clima uma série de intelectuais que refletiram sobre este
momento a partir do papel que a Cidade Rio-capital já exercia no contexto
nacional, integrando as regiões. No contexto internacional, como porto de
recepção e distribuição de mercadorias nacionais e estrangeiras, portanto era
preciso ampliar e modernizar o processo mediante a escala produtiva do novo
momento do capitalismo internacional.

Sérgio Lamarão resume bem a questão da dinâmica econômica do Rio de Janeiro


deste momento:

“Centro exportador e importador, o Rio torna-se também ponto quase


obrigatório de transferências e trânsito de mercadorias européias e norte-
americanas, alimentando um ativo comércio de cabotagem” (18).

Considero o engenheiro André Rebouças um destes intelectuais. Ele pensou de


maneira integrada o processo produtivo e a logística de transporte desta
produção, a partir de um sistema complexo que envolvia ferrovias e portos que
se voltavam para o Porto do Rio de Janeiro. Rebouças, dentre vários trabalhos
realizados, foi o responsável pela concepção e construção do armazém Docas D.
Pedro II (19), que seguiu o modelo inglês dos armazéns das Docas Príncipe
Albert construído em 1846, a qual conheceu in loquo em viagem realizada a
Londres.

O edifício era constituído de dois pavimentos, linhas simétricas que remetiam


ao classicismo da época, pé direito elevado, janelas largas para manter o
espaço arejado, os pavimentos tinham destinação diferenciada de tipos de
mercadorias. A fachada foi construída com tijolo maciço de alta resistência,
os frontões românicos se harmonizam com a simetria e a geometrização da
fachada em uma referência a arquitetura vitoriana.
Docas D. Pedro II inaugurada em 1850
Imagem divulgação [Blog do Rio antigo]

Docas Príncipe Albert inaugurada em 1846


Foto Emijrp [Wikimedia Commons]

Este modelo foi o precursor de um processo de modernização que envolveu a


construção de galpões grandes e arejados rentes ao mar e com um atracadouro
horizontal, que permitia a chegada de embarcações de grande calado. Foi
realizado também, o rebaixamento do calado do mar e criou-se um sistema de
guindastes movidos à vapor que substituíram o moroso processo de carga e
descarga através de chatas e saveiros (20).

Como já mencionado anteriormente, o sistema férreo foi integrado ao Porto para


facilitar o grande fluxo de mercadorias, assim como todo o complexo de
estaleiros (21) foi modernizado para atender a demanda crescente, na
fabricação de embarcações ou na manutenção das naves que aportavam. Neste
período (1850-1890) chegou-se a marca de 3 mil naves ao ano adentrando o Porto
do Rio, consolidando-o como o principal porto brasileiro (22). Assim sendo, o
complexo portuário não dava mais conta do volume de mercadoria, precisando de
uma intervenção modernizadora que alavanca-se o processo de transporte,
armazenagem, atracagem de naves maiores, carregamento das mercadorias,
desburocratização para o despacho, enfim toda dinâmica do Porto precisava ser
modernizada. O mundo estava acelerando, na medida em que a economia ganhava
uma escala jamais vista.

Além de Rebouças, cabe destaque para a Comissão de Melhoramentos da Cidade


instalada em 1874. Esta comissão propôs uma reforma urbanística a partir do
bairro Cidade Nova, tendo como base o Canal do Mangue, foco de diversos tipos
de pestilências e via de integração dos importantes bairros de São Cristóvão,
Engenho Velho e Andaraí, e da região portuária, que contava com uma população
proletária crescente e excluída. O Plano Urbanístico que resultou do trabalho
desta comissão previa o crescimento da cidade a partir de três grandes áreas:
1) Região Central e Portuária, 2) São Cristóvão, Andaraí e Engenho Velho, 3)
Glória, Catete, Botafogo e Flamengo.

Na década de 1870, o complexo cafeeiro já ultrapassava 50% das exportações


brasileiras, concomitantemente foi inaugurada uma linha permanente de paquetes
à vapor que fazia o trajeto Londres-Rio de Janeiro. Mais do que a
pontualidade, quase britânica, que os navios à vapor promoveram ao transporte,
esta 'nova' forma de geração de energia foi essencial em uma conjuntura de
escassez de mão de obra negra escravizada no Rio de Janeiro, lembrando que
além da cessação do trato africano em 1850, no ano de 1871 instituiu-se a Lei
do Ventre Livre. Os braços dos africanos, em essência, foram deslocados para a
produção cafeeira devido ao fim do tráfico negreiro e do real término da
escravidão africana reforçada pela Lei do Ventre Livre, um processo inexorável
em um mundo capitalista em desenvolvimento.

Portanto, era preciso adequar à nova realidade que se abrira em um Brasil


capitalista e com uma matriz de trabalho livre. Este processo de libertação
gradual dos africanos abriu uma questão importante, o fluxo de libertos para a
Cidade Rio, mais precisamente, para a região portuária aumentava
exponencialmente ano a ano. Redundando em uma concentração paulatina de
negros/pobres nesta região que adensou sua população rapidamente e de maneira
desordenada a margem de qualquer tipo de estrutura habitacional digna.

Já sobre o ponto de vista tecnológico a energia à vapor consolidou, assim, a


necessidade premente de modernização do processo de transporte de mercadorias
que não cabia a penas ao Porto e sim a toda logística que envolvia este
processo: estrada de ferro, galpões, maquinário, indústria naval etc.
Logística esta, essencialmente movida pelos braços de trabalhadores livres e
assalariados.

Já na virada do século 20 a energia elétrica provocou outro salto em termo de


desenvolvimento da região com a adoção da rede de bondes que consolidou os
vetores da expansão da cidade, além dos guindastes elétricos. Neste momento o
Rio de Janeiro não é mais a cidade do café, passa ser a cidade da indústria
têxtil por excelência, destacadamente a Fábrica Bangu é o grande exemplo deste
processo que contou com todo o aparato logístico do Porto que vem sendo
modernizado desde 1870 e teve seu ápice durante o governo de Pereira Passos
com a reforma de 1906 que transformou por completo o Porto e a Cidade.

Projeto de melhoramento do porto do Rio de Janeiro, armazéns de exportação tipo A,


Rio de Janeiro, 1863. Ministério da Viação e Obras Públicas
Imagem divulgação [Arquivo Nacional /
www.exposicoesvirtuais.arquivonacional.gov.br]

notas

1
Cabe lembrar que o Rio de Janeiro possuía uma quantidade significativa de engenhos
açucareiros, chegando a 3 posição na produção nacional, perdendo apenas para
Pernambuco e Bahia.

2
As três conjunturas apresentadas retratam três momentos distintos da Cidade Rio. 1.
Complexo açucareiro, em relação a estruturação física da cidade e do seu entorno
(Baixada da Guanabara ou Recôncavo da Guanabara – atualmente Região Metropolitana),
2. Complexo do Ouro das Minas Gerais, torna a cidade mais densa populacionalmente,
mais rica economicamente e mais complexa urbanisticamente, pois o ouro é escoado
para Europa, via Cidade do Rio através do Caminho Novo. 3. O Café sedimenta e
amplia a importância da Cidade Rio enquanto eixo logístico e econômico do Brasil.

3
Cf. CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da
cidade da invasão francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro, Jorge Zahar
Editor, 2004.

4
Idem, ibidem.

5
Jurandir Malerba trabalhou com a questão das festas, comemorações como meio de
legitimação do poder da família real portuguesa. Os laços de identidade com a elite
brasileira foram seladas a partir destes festejos que faziam parte do calendário
religioso. Carros alegóricos, pórticos, procissões, festas, bailes, entre diversas
outras formas de comemorações foram cruciais para a aproximação da família bragança
com os melhores da terra (comerciantes, fazendeiros e funcionários régios). Logo
uma multidão de possoas se deslocaram das principais cidades do Brasil para o Rio
de Janeiro, novas casas e novos bairros surgiram, assim como novas necessidades
urbanísticas foram colocadas. Cf. MALERBA, Jurandir. A Corte no exílio: civilização
e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808 à 1821). Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 2000.

6
Cabe frisar que a importância do Porto do Rio de Janeiro dar-se-á a partir da
conjuntura da ruptura de Portugal do Império Espanhol (1640-1650) constituindo-se
assim no eixo logístico do Brasil. Cf. FRANÇA, Eduardo D’Oliveira. Portugal na
época da Restauração. São Paulo, Hucitec, 1997; BOXER, Charles R. O império
marítimo português (1415-1825). Tradução Anna Olga de Barros Barreto. São Paulo,
Companhia das Letras, 2002.

7
Negociantes de Grosso Trato. Terminologia de época, para designar os comerciantes
atacadistas, isto é, que negociavam com todo tipo de mercadoria. Cf. FRAGOSO, João
L. R. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na Praça Mercantil do Rio
de Janeiro (1790-1830). 2a edição revisada. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1992.

8
O conceito “modernização conservadora” de Berrington Moore Jr. é utilizado aqui
para justificar a política de modernização econômica, social, cultural e
urbanística da Cidade do Rio de Janeiro que foi colocada como paradigma de cidade
'moderna' brasileira. O esforço do Imperador em 'modernizar' o Brasil teve como
síntese a Cidade Rio, isto é, o grande espelho do Brasil para a Europa. O Rio foi
um misto de Paris e Londres. Contudo esta modernização não significou mudanças na
esfera do exercício político, por este motivo conservadora no sentido de
conservação do status quo ante da política.

9
Cf. SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Tradução Jussara Simões.
Bauru, Edusc, 2001.

10
Com o registro de propriedade fundiária os agricultores passaram a ter condições
legais para contrair empréstimos a partir de um sistema de hipoteca, cuja garantia
era a terra e suas benfeitorias.

11
Fizeram parte desta Comissão de Melhoramentos os engenheiros Jerônimo Rodrigues de
Moraes Jardim, Marcelino Ramos da Silva e Francisco Pereira Passos.

12
SILVA, Lucia. Memórias do urbanismo na cidade do Rio de Janeiro (1778-1878):
Estado, administração e práticas de poder. Rio de Janeiro, E-Papers/Faperj, 2012.

13
A Companhia Evoneas Fluminense foi uma das responsáveis pela concepção de casas
populares que atendessem as recomendações sanitárias, pois a Cidade Rio era
conhecida como tumbeiro pelo número de doentes e pelo cheiro fétido de suas ruas.
Cabe ainda citar que o código de postura da cidade foi aprovado em 1830, contudo
foi de difícil execução.
14
Neste mesmo ano foi aprovado o Código Penal brasileiro, importante agente regulador
dos hábitos, da cultura e dos costumes sociais. É bastante claro que estas leis
tiveram um propósito disciplinador para a sociedade brasileira.

15
As técnicas de plantio, cuidado, colheita e beneficiamento dos grãos são mantidos,
assim como o trabalho escravo.

16
Lucia Silva traz esta discussão ao colocar que tanto o relatório da Comissão de
Melhoramentos quanto o relatório produzido pela Junta de Higiene, previam, em
conjunto, uma série de modificações urbanisticas nas regiões portuária e central da
cidade, além de apontarem os possíveis vetores de crescimento da cidade. Cf. SILVA,
Lucia. Op. cit., p. 131-151.

17
Cf. LAMARÃO. Sérgio T. N. Dos trapiches ao porto: um estudo sobre a área portuária
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Biblioteca Carioca, 2006.

18
Idem, ibidem, p. 55.

19
Inaugurado em 1871, foi o primeiro armazém do Porto construído para guardar grãos,
principalmente de café. Obra realizada totalmente com trabalho livre, algo raro
para época. Localizado enfrente ao cais do Valongo hoje abriga o Comitê Ação da
Cidadania. Fonte Site do Porto maravilha
<http://portomaravilha.com.br/materias/armazem-docas-pedro/a-d-p.aspx>.
20
As chatas, saveiros e outras embarcações de pequeno porte atracavam ao lado dos
grandes navios de carga para efetuar o traslado de mercadorias e passageiros, seja
para embarque ou desembarque. Os trapiches do porto do Rio de Janeiro não
permitiam que os navios de grande porte atracassem devido ao calado (profundidade).

21
Cabe frisar que neste período (1864-1870) o Brasil se envolveu em uma contenda
militar contra o Paraguai. Uma das consequências desta guerra foi a modernização da
marinha de guerra brasileira e da logística. Novos barcos à vapor foram construídos
sob encomenda aos estaleiros brasileiros, principalmente do Rio de Janeiro e de
cidades próximas como Niterói. Houve uma modernização radical no fabrico de navios
de grande porte, para combate ou para transporte.

22
Cf. BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passo: um Hausmann tropical. Rio de Janeiro,
Biblioteca Carioca, 1992.

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