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Dessa maneira, o presente trabalho tem como objetivo fazer uma breve reflexão
sobre essa problemática, a partir da articulação entre a História Urbana e a metodologia
comparativa em história como ferramenta de análise, justificando o uso desse aparato
teórico/metodológico como recurso para a obtenção de algumas respostas que pretendem
ser respondidas ao longo das próximas páginas, a saber: Qual foi o papel do Porto do Rio
de Janeiro no contexto das reformas urbanas no início do século XX e XXI? Quais são os
aspectos similares e antagônicos dessas duas intervenções? Como se deu a imbricação do
poder público com outros setores para conceber e executar as intervenções no Porto?
A CIDADE DO RIO DE JANEIRO NO SÉCULO XIX E A REFORMA URBANA
RODRIGUES ALVES/ PEREIRA PASSOS NO INÍCIO DO SÉCULO XX: O
INTERESSE NO PORTO
A reforma urbana ocorrida na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX –
mais especificamente entre 1903/1906 – foi fruto de uma ação conjunta entre as esferas
de poder federal e municipal, que teve como principais responsáveis políticos o presidente
Francisco de Paula Rodrigues Alves e o prefeito Francisco Franco Pereira Passos. No
entanto, a força motriz dessa significativa intervenção urbana não se restringiu
inexoravelmente ao setor público, concatenando-se numa atuação conjunta com agentes
empreendedores do setor privado, alguns intelectuais da época e os componentes do
Clube de Engenharia que se fizeram presentes no decorrer da execução da maior reforma
urbana da história do Brasil naquele período. O cenário carioca ao final do século XIX
teve em sua composição diversos elementos que marcaram o momento da transição
econômica, social e política que o país vivenciava.
Desde 1874 já havia uma mobilização intelectual sobre a elaboração dos projetos
que conteriam as premissas a serem levadas a cabo na capital brasileira. Nesse ano, por
meio de uma comissão de melhoramentos composta por engenheiros, sendo um deles
Pereira Passos, elaborou-se um relatório que englobaria aspectos como saneamento e
salubridade, o modelo de ruas e avenidas largas e retificadas, sem deixar de fora a estética
da cidade. A organização espacial que permitia a proliferação de epidemias, o acúmulo
demográfico em moradias sem infraestrutura, a falta de saneamento básico e o aspecto
colonial deveriam ser superados. Porém, nesse instante os planos não se realizaram, mas
as principais ideias não foram descartadas e ressurgem no Congresso de Engenharia e
Indústria em 1901.
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Era o dono da Empresa Industrial de Melhoramentos do Brasil que foi a concessionária responsável pela
obra do porto da cidade carioca.
por obras que conferissem saneamento e salubridade a cidade se davam de maneira
indissociável a uma modernização do porto da capital. Pois:
No próprio Manifesto Inaugural emitido por Rodrigues Alves no dia de sua posse,
o presidente reafirma os compromissos propostos em sua campanha eleitoral com o
regime republicano e deixa claro as suas prioridades e ações políticas nos campos da
economia. Os elementos imigração, capital estrangeiro e reforma urbana com destaque
para a intervenção no porto são declaradas no documento:
A reforma urbana que durou de 1903 até 1906 foi dividida entre interesses
específicos do governo federal e do municipal, mesmo agindo conjuntamente, assim as
obras de saneamento e portuária – sua modernização e integração com outros pontos da
cidade – estavam ligadas ao âmbito federal ao passo que a de expansão do sistema viário
com a abertura de ruas, infraestrutura como canalização de rios/drenagem do solo/
implantação de sistema de esgoto, habitação e modificação arquitetônica foram
concernentes à esfera municipal. De toda forma, no centro desse emaranhado de
intervenções a modernização do porto era a menina dos olhos do governo federal por
conta do seu papel econômico agora também voltado para a importação decorrente dos
benefícios tributários a União contidos na Constituição de 1891:
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Essa articulação se dá sob a forma de parcerias público- privado (PPPs) regulamentada pela Lei
11.079/2004, que é caracterizado segundo o Art 2º como “o contrato administrativo de concessão, na
modalidade patrocinada ou administrativa”. As principais PPPs que estão em vigor no município do Rio de
Janeiro foram decorrentes das intervenções para os Megaeventos, dais quais se destacam a do Porto
Maravilha, do VLT e do Parque Olímpico.
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A realização desses grandes eventos internacionais não se restringiu apenas ao ramo esportivo, mas foi
nele que teve maior repercussão e concentração de ocorrência sobretudo nas duas primeiras décadas do
novo milênio. É importante dizer que desde o século XX a cidade vem recepcionando eventos de grande
porte que também modificaram o espaço da cidade, como a Exposição Nacional de 1908, a Exposição
Internacional Comemorativa do Centenário da Independência do Brasil em 1922, a Copa do Mundo – que
culminou na construção do Estádio do Maracanã – de 1950, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento (Eco- 92) em 1992. Já adentrando no século XXI há no ano de 2007 os Jogos
Pan-Americanos, os Jogos Mundiais Militares em 2011, o Rock in Rio que tem o seu retorno no ano de
2011 e passa a ter edições bienais, o Rio + 20 em 2012, a Jornada Mundial da Juventude em 2013, a Copa
das Confederações em 2013, a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos de Verão no ano
de 2016.
principalmente a partir desse plano estratégico empresarial voltado para o gerenciamento
urbano, da instauração e funcionamento do arquétipo cidade- empresa.
Os impactos na urbe para recepcionar esses jogos foram tão diversos que o próprio
poder municipal compara a reforma urbana feita no início do século XXI com a
promovida por Rodrigues Alves e Pereira Passos no século XX. No caso de Pereira
Passos, este engenheiro e prefeito, colocaria em prática as reformas exigidas pelo governo
federal. Já no século XXI com Eduardo Paes a frente da prefeitura, durante dois mandatos
consecutivos (2009- 2017) será a condução das obras voltadas para os megaeventos o
epicentro do seu projeto político. Na reforma empreendida no início do século XX que
contou com forte atuação dos intelectuais do Clube de Engenharia, dos médicos e dos
higienistas como pensadores do novo modelo de cidade, tendo desde o século XIX a
criação abstrata dos projetos que só alcançariam êxito com Rodrigues Alves/ Pereira
Passos. No século XXI a obra portuária, de expansão da malha viária e valorização
imobiliária já era pensada desde as últimas décadas do século XX em conjunto com o
poder estadual e federal. Conforme afirma a arquiteta e urbanista Paula De Paoli “Não
eram, pois, intenções novas, nem partidas do zero, em nenhum dos dois casos. Os
governantes responsáveis “apenas” assumiram a tarefa de consolidar- e sobretudo de
executar aqueles projetos” (2018: 58). Sobre o planejamento de revitalização da região
portuária nas últimas duas décadas do século XX é importante ressaltar que ocorria um
movimento que extrapolava a elaboração técnica do projeto. Esse movimento também se
refletiu na mutação da legislação municipal ao longo dos anos:
Com a lei 971/1987, a região ganha status patrimonial, dando origem à área de
proteção ambiental do SAGAS (região dos bairros Saúde, Gamboa e Santo
Cristo). Com o Plano Diretor (1992), estabeleceram‐se as bases para uma
política pública voltada para a proteção do patrimônio cultural e se instituíram
diferentes tipos de unidade de conservação, entre elas as Áreas de Proteção
Ambiental – APAs (área dotada de características ecológicas) – e as APACs
(área que apresenta interesse cultural relevante). Em 1993, um diagnóstico
socioeconômico foi elaborado para o estabelecimento da Área Especial de
Interesse Urbanístico no sentido de definir características de ocupação na
região do SAGAS. Em 2001, a Prefeitura da cidade definiu como prioridade
para a Secretaria de Urbanismo um programa de revitalização da área
portuária, desenvolvendo o “Porto do Rio – Plano de Recuperação e
Revitalização da Região Portuária do Rio de Janeiro” (RIO DE JANEIRO,
2001)” (AZEVEDO; PIO, 2016: 196).
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Site oficial do Porto Maravilha, disponível em: https://www.portomaravilha.com.br/portomaravilha .
Acesso em junho de 2019.
palpável e atacável. Isso tornava mais fácil a construção do imaginário da reforma
urbana” (DE PAOLI, op. cit.: 63). Além, dos aspectos propriamente materiais e físicos a
reforma portuária também agregou o apelo cultural e ao entretenimento com a criação do
boulevard olímpico, que contou com a reforma na Praça Mauá, o surgimento do AquaRio,
o Museu do Amanhã e do Museu de Arte do Rio (MAR), sem falar na arte urbana
contemporânea materializada nos grafites do muralista Eduardo Kobra. Dessa forma:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Maurício de Almeida. A evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
IPP, 2006.
ARAUJO, Viviane da Silva. Cidades fotografadas: Rio de Janeiro e Buenos Aires sob as
lentes de Augusto Malta e Harry Olds, 1900-1936, Nuevo Mundo-Mundos Nuevos, pp.
1-15, 2009.
AZEVEDO, André Nunes de. A Reforma urbana do Rio de Janeiro pelo Presidente
Rodrigues Alves: o progresso como forma de legitimação política. Anais do XXVI
Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho 2011.