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RESUMO
Este artigo possui como objetivo discutir a importância da preservação de alguns exemplares
arquitetônicos da época da construção da Cidade de Volta Redonda, localizada no Estado do Rio de
Janeiro, como testemunhos de sua memória social. Contando com um projeto urbanístico de autoria
de Attílio Corrêa Lima, realizado no início dos anos 1940, sua construção foi um instrumento utilizado
para a implantação da indústria de base, no Brasil, durante o primeiro período de Governo de Getúlio
Vargas. Seu projeto está diretamente ligado à construção da Companhia Siderúrgica Nacional que,
na época, foi a maior unidade industrial do País. A cidade é constituída por estruturas simbólicas de
uma Cidade Moderna, contando com uma forma de ocupação racionalista, hierarquização viária e
infraestrutura projetada, representando um novo padrão de vida brasileiro e uma nova mentalidade.
Dentre as primeiras edificações construídas dentro deste plano de urbanização estão os “Hotéis de
Solteiros”, projetados para abrigar os funcionários que se mudavam para a cidade com a finalidade de
trabalhar nos diversos setores da indústria siderúrgica. Os referidos hotéis, localizados em um dos
principais eixos viários da Cidade, são um importante testemunho da memória social local, apesar de
vários exemplares remanescentes sofrerem significativas modificações ou, até mesmo, demolições
para darem espaço a edifícios de maior gabarito. Pelo fato de Volta Redonda ser uma cidade
relativamente recente, o imaginário coletivo ainda apresenta enorme dificuldade em assimilar tais
edificações como patrimônio histórico, o que torna necessária uma maior discussão sobre a
importância destes elementos, até então, não protegidos em nenhuma esfera, como símbolos da
identidade e memória local. Como metodologia utilizada, após a apresentação de um breve histórico
sobre a formação da cidade e suas características, serão discutidas a importância da preservação de
exemplares arquitetônicos e de sua ambiência como narrativa de um período histórico, como
formadores de uma memória social e elemento auxiliador na formação da identidade de um lugar. Por
fim, procura-se encontrar meios efetivos de conscientização e valorização do patrimônio pela
população local, sem que estes meios encontrados sejam considerados empecilhos ao
desenvolvimento da Cidade.
De maneira diferente à que ocorre na maior parte das cidades de todo o mundo, a Cidade
de Volta Redonda não foi constituída pela expressão da cultura de um local, mas sim pelo
desejo de expressão de um modo de vida idealizado. Durante o regime político do Estado
Novo (1937-1946), Getúlio Vargas desejava provocar um grande impacto com a construção
de uma usina siderúrgica (ACKEL, 2007, p. 176), marcando o início do rompimento de um
Brasil de características agrária e rural, rumo a tornar-se um País industrializado. Neste
período as instituições componentes do Governo foram reestruturadas, permitindo que os
mais diversos setores da sociedade desenvolvessem novos sistemas de relações, num
processo de mobilização econômica (instaurando uma nova ordem podutiva) e
desmobilização política (ASSIS, 2013, p. 17). Implantar uma indústria de base naquele
momento era essencial para iniciar o processo de desenvolvimento econômico e social do
País, pois a partir de tais indústrias, eram criadas condições para que os demais setores
industriais também fossem desenvolvidos. Portanto, a industrialização era vista como “fator
de independência e soberania nacional” (ASSIS, 2013, p. 21).
Com a criação da CSN, ainda era necessário decidir o local ideal para a implantação do
projeto, que deveria obedecer a certos aspectos de ordem técnica, climáticos e de ordem
militar. A localização deveria ser estratégica, centralizada em relação às fontes fornecedoras
de matérias-primas para a produção siderúrgica (o carvão utilizado seria proveniente de
Santa Catarina e o minério de ferro seria extraído do sul de Minas Gerais), proximidade em
relação aos dois maiores centros consumidores brasileiros (Rio de Janeiro e São Paulo),
abundância de água doce para realização do processo industrial e resfriamento de alto-
forno, contar com um fornecimento de energia eficiente, possuir potencial de abastecimento
agropecuário, existência de meios de transporte eficientes para o transporte de carga e
localização geográfica segura, longe do alcance da artilharia naval, conforme relata Ackel
Os estudos que levaram à decisão pela implantação no Sul do Estado do Rio de Janeiro
envolveram tanto técnicos nacionais quanto alemães e americanos. Vargas conseguiu
auxílio de técnicos destas duas nacionalidades por procurar manter o Brasil em posição de
neutralidade em relação à Segunda Guerra, visando à obtenção de vantagens econômicas
com a situação. Por fim, decidiu, em 1941, apoiar os Aliados, conseguindo dos americanos
boa parte do financiamento para a construção da Usina de Volta Redonda. Em troca, além
do Brasil oferecer a eles estabelecimento em bases militares no Nordeste, comprometeu-se
também a fornecer borracha e minério de ferro aos Estados Unidos, União Soviética e Reino
Unido (ASSIS, 2013, p. 18-19).
Metodologia
Primeiramente serão abordados alguns conceitos e critérios adotados por Corrêa Lima para
o plano de construção da referida Vila Operária. A partir disso, será discutida a função da
arquitetura como elemento conformador de memória social e identidade. Como recorte para
a realização desta análise foram selecionados os hotéis de solteiros da Rua 33 (também
denominada Alberto Pasqualine), uma das vias mais representativas deste projeto e período
histórico, devido ao grande número de hotéis remanescentes ou adaptados às necessidades
atuais. Por fim, serão apresentadas algumas considerações para a preservação e
valorização deste patrimônio arquitetônico e urbano que vem sobrevivendo às mudanças
sociais.
Elaborado entre os meses de junho e dezembro de 1941, o Plano da Vila Operária (Figura
1) foi inspirado no modelo da Cité Industrielle de Tony Garnier, este considerado por Choay
(1965, p. 163) como o primeiro manifesto do urbanismo progressista. A escolha deste
modelo foi justificada pela natureza da cidade e ao programa que deveria ser desenvolvido
(ACKEL, 2007, p. 178), apesar de ser considerado bastante utópico pelo próprio Garnier.
Moreira (2002, p. 54) cita que também há influências das Garden Cities de Howard e das
experiências de cidades soviéticas que à época estavam se desenvolvendo em torno da
atividade de produção. De acordo com Lopes (1993, p. 83 apud MOREIRA, 2002, p. 54), a
principal diferença era que “enquanto o modelo de Garnier concebia uma cidade
administrativamente autônoma, com terra socializada, a Vila Operária de Volta Redonda
pertencia à empresa”.
Figura 1 - Plano de Attilio Corrêa Lima, 1941. Fonte: MOREIRA, 2014, p. 21.
O projeto da Usina, elaborado pela empresa americana Arthur G. McKee & Co (1941),
influenciou na elaboração do traçado adotado por Attilio. O plano viário não apresentava
nenhuma escala de monumentalidade, mas seu traçado em linhas retas permitia a criação
de perspectivas de eixos importantes, facilitava os fluxos viários e deslocamentos à pé
(ACKEL, 2007, p. 178). O Centro Comercial foi localizado entre a Usina e o Bairro Santa
Cecília, área residencial destinada aos técnicos e operários especializados. O desenho
urbano adotado, que permitia um fácil acesso de todos os bairros à indústria, facilitava um
rígido controle sobre a vida de todos os agentes formadores desta nova sociedade,
reforçado pela proximidade dos locais de residência com o local de trabalho. Como
característica evidente influenciada pelo Plano de Tony Garnier estavam os recuos
ajardinados de dez metros das fachadas frontais em relação às vias, característica que
facilitava o cumprimento de regras higienistas, ausência de muros, portões ou qualquer tipo
de barreiras e a integração com as áreas verdes da cidade.
A Vila Operária (Figura 2) compreendia a criação de três bairros (Santa Cecília, Conforto e
Laranjal), diferenciados entre si por apresentarem distintas áreas dos lotes, diferentes taxas
de ocupação e tipologias habitacionais (ASSIS, 2013, p. 44), revelando a existência de uma
nítida estratificação social. O Bairro Conforto foi destinado à habitação de operários não
especializados e o Bairro Laranjal aos engenheiros e administradores. As diferentes
tipologias, localização e comodidades que as habitações apresentavam eram variáveis de
acordo com a função e faixa salarial dos funcionários que ali residiriam. É importante
ressaltar que Attílio “foi responsável apenas pelo plano urbanístico (...) e pela concepção
geral dos principais volumes e disposições dos edifícios. Os projetos de arquitetura foram
desenvolvidos por vários outros profissionais da equipe permanente ou contratados”,
segundo Lopes (2003, p.77 apud ACKEL, 2007, p. 182).
Todas as residências em todos os bairros que foram parte do projeto inicial da Vila Operária
foram construídos pela Companhia Siderúrgica Nacional e cedidas a seus funcionários,
independentemente do extrato social ao qual pertenciam (apesar de serem alocados de
acordo com o nível de renda e instrução), conforme relatado por Ackel (2007, p. 183),
excetuando-se esta situação na região conhecida como “Volta Redonda Velha”, núcleo
inicial de povoamento do distrito. A empresa também era responsável pela manutenção das
residências que havia construído, atividade que pode ser interpretada como uma forma de
controle e subordinação sobre seus funcionários.
Figura 3 – Hotéis destinados aos funcionários solteiros ao longo da Rua 33. Fonte: IPPU/VR, 1946.
Figura 4 – Levantamento da compartimentação dos antigos hotéis de solteiros com varanda. Fonte:
ZAMBELLI, Ian. Volta Redonda – A Vila como Patrimônio. Trabalho Final de Graduação. Curso de
Arquitetura e Urbanismo do UGB, 2016. (4 Pranchas)
Figura 5 – Hotel remanescente sem uso atual definido. O edifício alto ao lado afeta todo o cuidado
com as questões de ventilação e iluminação adequadas das construções, além de contrastar com a
escala original. Foto: SOARES, F. M. C.. Junho/2019.
Por tratar-se de uma cidade de construção relativamente recente, é possível considerar que
grande parte da população local de Volta Redonda não veja as edificações remanescentes
do período de sua construção como bens com valor patrimonial e dignos para serem objetos
protegidos e preservados. A natureza acelerada da vida cotidiana e o gosto pela inovação,
muito presente na sociedade atual, fomentado também pela propaganda dos especuladores
imobiliários, faz com que, aos poucos, as transformações e permanências se revelem de
forma rápida, e com que a história tanto do lugar quanto do Brasil se percam. A falta de
conhecimento do Plano original, bastante modificado ao longo do processo construtivo e da
relevância deste para a história, é um fator fatores que reforça, ainda mais, o descaso com
as edificações citadas ao longo desta reflexão.
Diante dos entraves produzidos pela CSN e da falta de ação da Municipalidade, que permite
que tais construções permaneçam ociosas e se deteriorem em área urbana dotada de
excelente infraestrutura (Figura 7), torna-se necessária a realização de um intenso trabalho
de conscientização da população sobre o valor do patrimônio que possuem.
Figura 7 – Sinais de deterioração e abandono em antigo hotel de solteiros. . Foto: SOARES, F. M. C..
Junho/2019.
Apesar da pouca visitação que o Clube Foto Filatélico recebe, uma estratégia adotada na
atualidade e bastante eficiente para aproximação da população com a história e memória
social local foi a divulgação do acervo através das redes sociais. Através da divulgação de
fotos antigas e ações de interação com o público, cresce o interesse pela preservação da
memória até mesmo pela população leiga, em quem é despertada a relação de
pertencimento, de identidade e a curiosidade sobre a história. Jogos de descobertas de
quem são as pessoas nas imagens, tentativas de localização dos sítios de edificações que
já não existem mais e comparações entre fotos antigas e recentes com seus marcos na
paisagem são algumas estratégias eficientes de preservação da memória e valorização do
patrimônio, despertando o interesse dos mais velhos e das novas gerações. De acordo com
Silva (2016, p. 309 - 310), “o artefato fotográfico, com o seu caráter de testemunho, tem
contribuído com o campo de investigação da memória, e para que esta tenha um certo
poder de reconhecimento social e coletivo”, constituindo-se como um documento imagético.
Os registros fotográficos constituem-se, portanto, como narrativas não verbais de
identificação de experiências e memórias.
Considerações finais
Bibliografia
ACKEL, Luiz Gonzaga Martans. Attílio Corrêa Lima: Uma trajetória para a modernidade.
2007. 342 p. Dissertação (Doutorado em Projeto de Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
COSTA, Alkindar. Volta Redonda ontem e hoje. Volta Redonda: Prefeitura, 1992.
MOREIRA, Andréa Auad. Barra Mansa: Imagens e Identidades Urbanas. 2002. 185 p.
Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.
PINHEIRO, Vasco Maria Tavela de Sousa Santos. Reterritorialização dos núcleos urbanos
históricos. In: GAZZANEO, Luiz Manoel (Org.). Artes & Território no mundo lusófono e
hispânico. Rio Books, 2014. P. 224-236.
SILVA, Sérgio Luiz Pereira da. Desafios metodológicos em memória e fotografia. In:
DODEBEI, Vera; FARIAS, Francisco Ramos de; GONDAR, Jô. Revista Morpheus (Número
especial: Por que memória social?). Revista Morpheus - Estudos Interdisciplinares em
Memória Social, [S.l.], v. 9, n. 15, mar. 2016. ISSN 1676-2924. Disponível em:
<http://www.seer.unirio.br/index.php/morpheus/article/view/5475>. Acesso em: 21 junho
2019.