Você está na página 1de 15

DOCUMENTAÇÃO, CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO

A DESCARACTERIZAÇÃO E (DES) CONHECIMENTO DO


PATRIMÔNIO MODERNO PIAUIENSE: O caso do Terminal
Rodoviário de Teresina

BARBOSA, WANDERSON NASCIMENTO. (1); MARTINS, JULIANA OLIVEIRA DE.


(2); ANJOS, CLAUDIANA CRUZ DOS. (3)

1. Instituto Camillo Filho. Arquitetura


Rua Dez, 3104, São Sebastião, Teresina, Piauí
wanderson_nascimentobarbosa@hotmail.com

2. Instituto Camillo Filho. Arquitetura


Rua Odorico Rosa, 4451, Parque Jurema, Teresina, Piauí
jmojulianamartins@gmail.com

3. IPHAN
Rua Odete Soares Nunes, 3643, Jóquei, Teresina, Piauí
claudicruz06@hotmail.com

RESUMO
Considerando a produção arquitetônica do Movimento Moderno no Brasil como importante para a
formação da paisagem urbana do século XX, este artigo se propõe a ressaltar que essa produção
mais recente, por vezes mesclada às elaborações contemporâneas, carece ainda de maior
valorização e reconhecimento enquanto patrimônio cultural. Nessa perspectiva, a preservação da
produção modernista, que tanto se destacou em âmbito nacional e internacional por suas
peculiaridades, é uma preocupação. A partir da análise de intervenções promovidas em uma
edificação modernista localizada em Teresina, capital do estado do Piauí, este estudo busca elencar
como os elementos caracterizadores dessa arquitetura estão sendo alterados sem a observação de
critérios preservacionistas. Tem-se como objeto de estudo o Terminal Rodoviário Governador Lucídio
Portela (1983), que desde sua implantação vem sofrendo modificações, perpetuando a perda de
elementos importantes do estilo brutalista nele adotado. Assim, além de colaborar para identificar o
legado do Modernismo piauiense, registrando suas particularidades, aponta-se a necessidade de
aguçamento do senso crítico quanto à sua preservação, para tal patrimônio não se perca na história e
na memória e que as gerações futuras possam alcança-lo.

Palavras-chave: Arquitetura Moderna Brutalista, Intervenção. Preservação.

3º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil


Belo Horizonte/MG - de 08 a 10/05/2019
1. Introdução
Ao longo da história da Arquitetura e do Urbanismo, não raro, determinadas
produções arquitetônicas são legadas a um hiato histórico, representado pela
desvalorização ou não reconhecimento de estilos específicos ou pelo não entendimento da
importância da diversidade dessa produção ao longo do tempo como elementos que ajudam
a compor a paisagem das cidades. Em vista disso, esta pesquisa busca contribuir para o
conhecimento sobre a Arquitetura Moderna Piauiense por meio de um olhar crítico voltado
para as intervenções realizadas em um dos exemplares mais significativos dessa arquitetura
no estado. Trata-se do Terminal Rodoviário Governador Lucídio Portela, edificação com
predominância do estilo brutalista, projetada em 1983 pelo arquiteto piauiense Raimundo
Dias, cujas intervenções sofridas ao longo do tempo, têm levado a descaracterizações sem
que o mesmo receba o devido reconhecimento como parte do patrimônio cultural local.

A Arquitetura Moderna Piauiense, em especial a pertencente ao estilo brutalista, se


apresenta ainda como objeto recente na produção arquitetônica do Estado, o que também
contribui para o desconhecimento de sua importância patrimonial. Aspecto, reforçado pela
reduzida divulgação ou repercussão das ações de desvalorização desse acervo promovidas
por meio da alteração de suas características mais marcantes. A perda de elementos
importantes para o cenário da arquitetura teresinense, contudo, não é exclusividade da
arquitetura modernista, reiteradamente verifica-se uma significativa modificação da
paisagem urbana, gerando sentimento de ‘despertencimento’ pela população que a vivencia.

Teresina, capital do Piauí, situada entre os rios Poti e Parnaíba, foi fundada no ano
de 1852 após a transferência da sede do governo de Oeiras, sul da então Província, para
uma região mais centralizada do território piauiense. Cidade planejada e implantada em um
contexto arquitetônico de feições neoclássicas e ecléticas, sua expansão urbana
inicialmente manteve-se delimitada entre esses rios, mas a partir da década de 1950 o
processo de urbanização ultrapassou esses limites e recebeu as influências modernistas
correntes no país, desde o contexto sociocultural e político até arquitetônico, passando a
incorporar novas linguagens.

A edificação escolhida para o presente artigo se insere em um novo contexto


histórico, político e social, a mesma foi construída durante a ditadura militar no país, período
de rejeição política, mas que desde o início da década de 1970, também é marcado pelo

3º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil


Belo Horizonte/MG - de 08 a 10/05/2019
“milagre econômico”, época em que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu,
gerando milhões de empregos pelo país.

Consequentemente, o Brasil avançou e investiu em infraestrutura e em grandes


obras, como afirma Segawa (2002, p. 160), o país “[...] passaria por um processo de
modernização burocrática apoiado em intensa centralização administrativa e financeira na
esfera federal. A política das reformas pós-1964 voltava-se para a capacitação de seus
promotores”.

No Piauí esse conciliava a construção de grandes obras institucionais com um


intenso plano de marketing e publicidade. De acordo com Rodrigues e Praseres (2015), nas
décadas de 1970 e 1980, o Movimento Moderno foi impulsionado no Estado durante o
governo de Alberto Silva, em especial pelas obras brutalistas, utilizadas para demonstrar
ascendência política e, ao mesmo tempo, transparência devido o emprego dos materiais em
seu caráter ‘bruto’. Para estes autores (ibidem, p. 6), “Teresina se rendia ao
desenvolvimento e começava o processo de instalação e organização da infra-estrutura
administrativa dos governos locais”.

O exemplar moderno aqui apresentado pode ser considerado de grande valor


arquitetônico por ser uma obra que ajudou a transformar a paisagem urbana ao inserir um
novo estilo no Estado. Por suas características singulares, o Terminal Rodoviário apresenta
grande força emocional, visível principalmente pela austeridade aparente de seus materiais,
na qual Dias, em seu partido arquitetônico, utilizou o sentido da monumentalidade para criar
uma obra única e com personalidade.

Tendo como ponto de partida a produção modernista deste período, o objetivo geral
desse estudo é investigar as transformações arquitetônicas inferidas no Terminal Rodoviário
de Teresina, desde a década de 1980 até o ano de 2018, considerando-o como parte do
patrimônio histórico-cultural da cidade, ou seja, a partir de uma percepção patrimonial sobre
o mesmo. Os objetivos específicos são: identificar as características da obra em estudo que
contribuem para a formação da paisagem urbana de Teresina; pontuar as alterações
arquitetônicas sofridas ao longo dos anos e analisá-las, não apenas a partir dos elementos
que o caracterizam como modernista, mas também na perspectiva histórica, buscando
estabelecer eventuais conexões entre o contexto histórico, político, econômico e
sociocultural, e as intervenções e alterações ocorridas na edificação.

3º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil


Belo Horizonte/MG - de 08 a 10/05/2019
Para este estudo foram realizadas pesquisas bibliográficas em artigos, livros e
revistas sobre práticas e intervenções de conservação e preservação em obras modernas
brutalistas e a metodologia utilizada baseou-se em duas etapas, primeira a caracterização
das edificações, seguindo os parâmetros propostos por Bastos e Zein (2010) que, para
melhor visualizar os aspectos brutalistas numa obra, definiram cinco pontos a serem
observados: partido arquitetônico, composição, sistema construtivo, texturas e pretensões
simbólico-conceituais. Por fim, as intervenções sofridas ao longo dos anos, a fim de
observar os parâmetros adotados nessas modificações, visando resultados positivos e
negativos para servirem de suporte e justificativa para preservação do mesmo.

O estudo ora proposto oportuniza refletir sobre os conceitos de salvaguarda do


patrimônio arquitetônico moderno que, por sua vez, pode servir como instrumento para a
identificação da cultura urbana teresinense. O resultado esperado é compreender melhor o
a importância da edificação em questão como parte do acervo patrimonial de Teresina, e,
portanto, digna de preservação, e como as intervenções realizadas na mesma tem levado a
uma paulatina descaracterização.

Especificamente, o estudo busca analisar o contexto histórico e sociocultural em que


essa edificação se enquadra, tanto no período de implantação do projeto, quanto na
atualidade, destacando sua função primordial e as alterações sofridas ao longo do tempo.
Além de ressaltar também a importância da mesma para o patrimônio histórico e
arquitetônico da cidade, compreendendo o valor do edifício como parte fundamental da
memória coletiva, a fim de sinalizar para a preservação dessa e outras produções
arquitetônicas.

Essa pesquisa contribui, assim, para a preservação da paisagem urbana local ao


expor como os parâmetros utilizados nas intervenções, em geral, se dão em
desconformidade com o patrimônio moderno, sujeitando este a alterações não estudadas e
que levaram à perda de elementos marcantes desse momento da arquitetura brasileira e
piauiense, fato ainda mais grave pelo número reduzidos de exemplares existentes e pela
ausência de sua proteção como patrimônio cultural.

3º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil


Belo Horizonte/MG - de 08 a 10/05/2019
2. A Arquitetura Moderna e seu reconhecimento como
patrimônio cultural brasileiro
O estudo de obras arquitetônicas de um povo ajuda na definição do seu patrimônio
histórico cultural. Esta pesquisa enfatiza uma das edificações institucionais produzidas pelo
arquiteto Raimundo Dias entre as décadas de 1975 a 1985, o Terminal Rodoviário de
Teresina, construção expressiva tanto para inclusão do estilo moderno na cidade de
Teresina, mas também na formação sociocultural, por meio do caráter patrimonial.

A renovação da arquitetura brasileira não se deu de maneira inesperada, mas como


resultado do progresso de pensamento de alguns intelectuais brasileiros que impulsionaram
a busca por um sentimento de brasilidade, negando a estética historicista e procurando um
estilo adequado àquele tempo. A Semana de Arte Moderna em 1922 propiciou a aceitação
dessa corrente, mas foi através do manifesto “Acerca da Arquitetura Moderna” do russo
Warchavchik, publicado em 1925, que a influência desse movimento chegou diretamente à
arquitetura. Neste manifesto o arquiteto se opõe à linha revivalista que então se praticava.
Porém, será somente em 1927 que sua teoria se torna realidade com a realização do projeto
da sua casa, primeira edificação moderna (BRUAND, 1997).

Aos poucos o Modernismo ganha vez no meio nacional e internacional e torna-se


diferenciado devido, principalmente, à responsabilidade com o meio, desenvolvendo uma
arquitetura bioclimática, na qual o emprego de elementos como cobogós, brises e marquises
exemplificam esse cuidado de adequação ao local. Além dessas particularidades, nota-se a
influência de Le Corbusier, com o uso de pilotis – liberando o edifício do solo e permitindo a
circulação – planta e fachadas livres, uso de fitas de vidro e os tetos jardins.

Em paralelo e influenciado por essa arquitetura corbusiana surge o Brutalismo, onde


os arquitetos priorizaram os materiais aparentes e em seu estado bruto – dando ênfase ao
uso do concreto, a monumentalidade, modulação e plasticidade. Durante a década de 1950
as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro possuíam um grande destaque no meio político e
econômico, o que provoca o surgimento e desenvolvimento desse estilo, assim destacam-se
como pioneiros Vilanova Artigas e Lina Bo Bardi (BASTOS e ZEIN, 2010).

O surgimento do estilo brutalista no Brasil ocorre simultaneamente com o concurso e


a construção de Brasília, apesar de se tornar mais conhecido e se fortificar no âmbito
nacional somente na década de 1960. Em momento algum essa arquitetura torna-se
predominante, seja em São Paulo, Rio de Janeiro ou no Brasil como um todo, convivendo

3º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil


Belo Horizonte/MG - de 08 a 10/05/2019
sempre com outras vertentes, baseadas em novos sentidos, apesar de ambos serem
modernos, além do que, na maioria das vezes, existe uma heterogeneidade formal e dos
materiais utilizados nas obras brutalistas.

A escola carioca foi mundialmente reconhecida após a Segunda Guerra Mundial,


devido à peculiaridade das suas obras e a oportunidade de reconstruir os vazios deixados
pelo confronto. Com esse momento de transformações alguns arquitetos propõem
edificações com novos rumos, dando ênfase a volumetria mais singela e objetiva, além do
emprego de estruturas com materiais aparentes, principalmente o concreto, destaca-se o
trabalho do arquiteto Affonso Eduardo Reidy, que usou previamente essas características no
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1953 (ZEIN, 2005).

Já em São Paulo, essa arquitetura é marcada pela ênfase em técnicas construtivas


mais elaboradas, adotando o concreto protendido, além de propor uma continuidade
espacial assegurada pela utilização de rampa e iluminação zenital. A Escola Paulista
destacada principalmente pelas obras brutalistas de arquitetos como Vilanova Artigas, Lina
Bo Bardi e Paulo Mendes da Rocha não se resume apenas às produções práticas, mas
também pelas colocações políticas, nas quais a arquitetura deveria contribuir na
industrialização do país, de forma a superar o subdesenvolvimento (ENCICLOPÉDIA, 2017).

Além desses estados podem-se reconhecer práticas paralelas em outras regiões do


Brasil, tendo influência indireta com arquitetura carioca ou paulista, possuindo um diálogo
criativo. Segundo Feitosa e Santos (2009), no Piauí, o Brutalismo destacou-se a partir da
década de 1970 devido aos projetos desenvolvimentistas fundamentados pelo milagre
econômico.

No Piauí, durante o governo de Alberto Tavares Silva (1971 – 1975), foram


construídos os principais prédios institucionais de Teresina, como o Tribunal da Justiça
(1972) e a Assembleia Legislativa (1985) do arquiteto Acácio Gil Borsoi, a CEPISA –
Companhia Elétrica do Piauí S/A (1973) do arquiteto Antônio Luiz Dutra de Araújo, o Centro
Administrativo (1983) e o Terminal Rodoviário (1983) do arquiteto Raimundo Dias que
marcaram a modernização do espaço urbano da capital.

Por demonstrarem suas características singulares que relacionam o aspecto estético


ao técnico, buscando criar uma arquitetura atípica, os exemplares das obras brutalistas no
Piauí foram produzidos, principalmente, levando em conta os critérios climáticos rígidos. Na
qual as influências bioclimáticas da escola carioca foram adaptadas para o Nordeste
brasileiro, resultando em edificações que, além de contribuírem para a espacialidade formal,

3º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil


Belo Horizonte/MG - de 08 a 10/05/2019
desenvolveram importantes concepções construtivas por solucionar o problema das altas
temperaturas utilizando de materiais locais em seu estado natural.

Reconhecer algo como patrimônio cultural normalmente leva tempo. No caso da


Arquitetura Moderna a distância entre a produção e a busca pelo reconhecimento ainda é
pequena, tornando o julgamento mais difícil. Ainda que atualmente ao redor sejam, na
maioria, resultantes de obras modernas, a sociedade tem grande dificuldade em
compreender essa vertente, pois parece que estar julgando a si mesmo (JOKILEHTO,
2003).

Desse modo, é importante ressaltar o quanto o reconhecimento cultural das


edificações do Modernismo configura-se em um enorme desafio para sua preservação.
Pode-se pressupor que a falta de uma consciência patrimonial esteja interligada tanto à
ausência de conhecimento sobre os valores históricos, artísticos e culturais associados aos
bens, como também à carência de um sentimento de identidade e pertencimento da
sociedade em relação a eles. Para Lira (2012, p.35):

É necessário conscientizar a comunidade por meio de programas de


educação e de divulgação de suas características e de seus significados,
para tanto o especialista tem papel central. Apenas por meio dessa
mobilização é possível alcançar o apoio político necessário para se
proceder à sua conservação.

A preservação da Arquitetura Moderna tem se revelado um processo difícil, tanto


pela dificuldade de reconhecimento de seus valores como também pela experiência de
responder aos desafios exigidos pelas suas especificidades projetuais, relacionadas,
principalmente, aos materiais e técnicas utilizados. Entretanto, por ser uma arquitetura
recente, o processo projetual pode também possibilitar sua compreensão de modo mais
direto do que as técnicas projetuais tradicionais não mais utilizadas no presente.

Segundo Lira (2012), apesar das cartas patrimoniais serem antigas, elas são
capazes de dar respostas a problemas específicos da Arquitetura Moderna, visto que as
ações de conservação e restauro em edifícios ditos tradicionais são mais precisas, e que
nas obras modernas os conceitos ainda estão sendo formados. Portanto, as premissas
explicitadas nesses documentos possibilitam um direcionamento nas intervenções, mas
também estimulam a formação de novas cartas, voltadas nas instigações do Modernismo.

As referidas cartas patrimoniais são documentos orientativos voltados para a


definição de conceitos e medidas voltadas para a preservação através da documentação,
valorização e reconhecimento de bens patrimoniais. A primeira carta foi produzida no

3º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil


Belo Horizonte/MG - de 08 a 10/05/2019
Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM) em 1931, a Carta de Atenas, desde
então várias outras cartas foram sendo divulgadas e propostas, ao longo dos anos, por
organizações nacionais e internacionais que se reúnem para discutir a salvaguardar da
diversidade de bens que podem compor o patrimônio cultural das nações.

3. As intervenções no patrimônio moderno: Terminal Rodoviário


Governador Lucídio Portela

A recente tentativa de preservação do patrimônio moderno brasileiro é um fato que


deve ser continuamente evidenciado em prol da perpetuação deste patrimônio, de valor não
só arquitetônico como também simbólico e cultural presentes na mente da população, que
faz o uso de tais obras e que contemplam a paisagem urbana das cidades.

O caso do Terminal Rodoviário Governador Lucídio Portela (1983) é um exemplo


notório de descaso com o patrimônio moderno local, mais especificamente o produzido pela
Arquitetura Brutalista. Localizado na BR-343, zona sul de Teresina, a obra em questão é
assinada pelo arquiteto piauiense Raimundo Dias, que, juntamente com um conjunto de
outras obras do arquiteto, são de suma importância para o cenário arquitetônico
teresinense.

A partir da década de 1970, as produções arquitetônicas brutalistas se acentuam-se


ainda mais no Estado como forma de representação do progresso da época. Não diferente,
o Terminal Rodoviário se encontra como elemento característico deste estilo, se tornando
um grande marco no período do milagre econômico brasileiro.

Dessa forma, além das características históricas, torna-se necessário ressaltar os


elementos que transformam essa obra em um símbolo da produção arquitetônica local.
Como propriedades do brutalismo, o Terminal Rodoviário apresenta elementos marcantes e
únicos em sua composição, pois a edificação apresenta um padrão retilíneo, assim como
uso de pilotis em toda sua extensão e planta livre, características elementares da produção
moderna. Além dos atributos particulares do brutalismo que incluem o uso de seus materiais
em caráter ‘bruto’, com todo o concreto aparente, formando uma imensa volumetria de valor
plástico através da junção dos diversos blocos existentes.

Seguindo as características da arquitetura brutalista, Raimundo Dias adotou


em seu projeto o uso de linhas retas; o material utilizado no seu modo bruto,
sem tratamento algum; as instalações elétricas e hidráulicas executadas de
modo aparente; o traçado das esquadrias de forma sistemática; pé-direito

3º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil


Belo Horizonte/MG - de 08 a 10/05/2019
duplo e uso dos pilotis e modulação, o que proporciona uma planta livre de
obstáculos. Além da volumetria que se destaca pela escultórico e plástico. O
piso é de alta resistência tipo granilite, o que proporciona redução da
manutenção (RODRIGUES, PRASERES, 2015, p. 13).

Por suas características singulares, o prédio do Terminal Rodoviário apresenta


grande força emocional, visível principalmente pela austeridade demonstrada por seus
materiais. Dias, em seu partido arquitetônico, utilizou o sentido da monumentalidade para
criar uma obra única, com personalidade, de forma a deixar claro o poder requerido para a
implantação de um prédio de tamanha dimensão (Figura 01).

Fig. 01. Terminal Rodoviário Governador Lucídio Portela

Fonte: IBGE

Os elementos arquitetônicos e estruturais foram pensados em conjunto de forma a


dialogarem constantemente. A planta livre tendo sido modulada de forma limpa através de
pilares independentes, que na criação de um espaço interno flexível permitiu a modificação
do layout de acordo com as necessidades.

A estrutura aparente é a característica mais marcante da obra. Os pilares, vigas e


lajes construídos in loco em concreto ressaltam a preocupação do arquiteto em demonstrar
transparência, na qual tanto exterior quanto interior estão estreita interação através dos
grandes vãos vazados que, além da integração espacial, permitem a ventilação do prédio,

3º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil


Belo Horizonte/MG - de 08 a 10/05/2019
demonstrando a preocupação a nível projetual com o conforto térmico da edificação, além
dos fatores de adaptação à topografia do terreno, fazendo com que o projeto tenha sido
concebido em níveis diferentes.

3.1. As intervenções

No decorrer dos anos, a arquitetura do Terminal Rodoviário tem sido desafiada a


adequar-se a novos contextos, que exigem a atualização dos ambientes arquitetônicos,
imposto por diversos motivos, como: novas demandas de uso; avanços tecnológicos;
desgaste da própria edificação e de suas instalações e; adaptações para tornar o prédio
acessível. Desse modo, algumas adaptações acabaram por interferir no sistema construtivo
e nas relações funcionais e estéticas da obra.

A incorporação de novos elementos que obedecem as condições técnicas tais como


qualidade dos materiais, a solidez estrutural, as demandas de uso que dizem respeito à
adequação dos ambientes as novas funções e as qualidades estéticas que garantem a
clareza das formas do edifício, da textura e do acabamento das paredes, o jogo de luz e
sombra por meio das aberturas e as cores tornaram-se desvinculados de um preceito que
lhe permitia uma unidade arquitetônica reconhecida como elementos de representação
primordiais da intenção do projeto modernista.

Destaca-se que este processo de descaracterização insere-se no contexto de uma


instituição pública que convive com a necessidade de acomodar-se aos novos padrões de
embarque e desembarque de pessoas, sem muito aporte de recursos financeiros para
oferecer a estrutura física adequada às demandas da sociedade. Esta situação tem
provocado diversas ações de reformas sem padrões técnicos e conceituais adequados para
o contexto arquitetônico original. Assim, verificaram-se as transformações físicas ocorridas
no Terminal Rodoviário de Teresina por meio de registros fotográficos que embasaram a
concepção arquitetônica e as modificações nos sistemas da arquitetura original.

Na obra em questão, os pontos que envolvem as adaptações do uso em virtude de


atualizações no programa de serviços têm submetido a arquitetura as alterações que
prejudicam a sua integridade física original, descaracterizando os princípios formais
arquitetônicos e seu valor cultural, histórico e estético como patrimônio brutalista. Nota-se
que as intervenções ocorridas se caracterizam por um pragmatismo, reconhecidos no
atendimento a demandas imediatas, desconsiderando as relações de equilíbrio e harmonia,

3º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil


Belo Horizonte/MG - de 08 a 10/05/2019
previstas na concepção moderna brutalista, comprometendo os aspectos funcionais,
construtivos e, sobretudo, formais.

Pode-se constatar que toda edificação foi pintada com tinta lavável nas alvenarias
nas cores cinza e branca, desrespeitando o concreto no seu estado bruto, característica
essencial da corrente brutalista (Figura 02). Além disso, a área administrativa foi revestida
com pinturas diferentes da concepção original, configurando outra linguagem descontínua
em relação à existente, que por um lado marca e deixa claro o tempo como memória de
uma produção, mas por outro apresenta incompatibilidade com a arquitetura original.

Fig. 02. Pintura revestindo o concreto

Fonte: Acervo pessoal dos autores (2019)

Além disso, a linguagem estrutural dos quiosques das companhias dos ônibus é não
compatível com a original. Os revestimentos e soluções adotadas evidenciam as diferenças
de concepção arquitetônica, como o uso de estrutura metálica, vidro e placas de ACM com
diferentes tipos de iluminação de LED, que, também provocam poluição visual.

3º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil


Belo Horizonte/MG - de 08 a 10/05/2019
Fig. 04. Elevador Central

Fonte: Acervo pessoal dos autores (2019)

Dentre outras modificações, verificou-se a equivocada implantação dos


condensadores provocando alterações nas fachadas, o descaso nas instalações de
aparelhos tecnológicos (Centrais de TI) e boa parte da iluminação foi trocada por luminárias
de LED. Além da instalação de um elevador no meio do saguão principal, revestido de vidro
verde, que não evidencia que houve uma estratégica projetual de adaptação e
acessibilidade, valorizando o projeto original (Figura 4).

3º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil


Belo Horizonte/MG - de 08 a 10/05/2019
Fig. 05. Instalações

Fonte: Acervo pessoal dos autores (2019)

As ampliações não apresentam uniformidade e embora a flexibidade estrutural do


partido arquitetônica original viabilize acréscimos e reformas, as adaptações executadas
tenderam a transformar os “vazios e recortes volumétricos" característicos das situações
iniciais, empobrecendo a proposta original, levando à perda de elementos marcantes dessa
arquitetura piauiense (Figura 05). Diante disso, considera-se também de suma importância
que as alterações nesta edificação provocam nada menos que a modificação da paisagem
urbana local, gerando a perda do sentimento de pertencimento da população para com a
obra.

3º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil


Belo Horizonte/MG - de 08 a 10/05/2019
Considerações finais

A Brutalismo surgiu na década de 1950 como um dos estilos produzidos dentro da


Arquitetura Moderna e que se difundiu por todo o globo pelas inovações e possibilidades
plásticas que podia gerar. No Brasil, as primeiras obras brutalistas se iniciaram na década
de 1960, principalmente na região Sudeste e Centro-Oeste, com a Construção de Brasília.
Já no Piauí, o estilo citado começou seu desenvolvimento uma década mais tarde, a partir
de 1970 e teve seu auge no governo de Alberto Silva.

Dessa forma, ressalta-se a importância deste estilo como parte da história, tanto
nacional quanto local e que, devido a esta participação na produção modernista, merece ser
perpetuado na memória das gerações não apenas como o elemento físico, mas também
como parte de uma memória e paisagem urbana.

O Terminal Rodoviário Governador Lucídio Portela, obteve destaque por, entre


outros fatores, ser uma produção de um arquiteto local (Raimundo Dias) que, com base em
bastante estudo conseguiu adaptar as tendências arquitetônicas ao contexto local, de forma
a ter-se uma leitura uniforme da edificação, através do emprego dos materiais e diversas
soluções arquitetônicas, como adequação aos quesitos climáticos, obtendo uma obra única.

Com a análise das recentes intervenções realizadas nesta obra, é possível concluir
que existe a necessidade de um programa de proteção específico para o patrimônio
moderno e de ampliação do conhecimento sobre suas especificidades, a partir das quais
pode-se identificar e elencar valores históricos, arquitetônicos, culturais e sociais que o
distingue de uma obra arquitetônica comum.

Pode-se considerar que as alterações promovidas na edificação em estudo tem


levado a uma paulatina perda de seus elementos mais característicos, ou seja,
descaracterizações, grande parte, ainda reversíveis. A ausência de critérios de caráter
preservacionista se revela na ocupação dos espaços livres, na pintura, nas instalações
incompatíveis e, fundamentalmente, na pouca importância dada aos elementos que
configuram a linguagem modernista.

3º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil


Belo Horizonte/MG - de 08 a 10/05/2019
Referências

BASTOS, Maria Alice Junqueira; ZEIN, Ruth Verde. Brasil. Arquiteturas após 1950. São
Paulo, Perspectiva, 2010.

BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 1997.

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Unesp, 2011.

ESCOLA Paulista. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São
Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo8817/escola-paulista>. Acesso em: 15 set. 2018.

FEITOSA, Ana R. S. Negreiros; SANTOS, Lívia Maria Macêdo. Estádio Governador


Alberto Tavares Silva: patrimônio moderno dentro de um contexto urbanístico e
histórico na cidade contemporânea. In: 8 Seminário DOCOMOMO Brasil, 2009, Rio de
Janeiro- RJ. Cidade Moderna e Contemporânea: Síntese e Paradoxo das Artes. 2009.
Disponível em: <http://www.docomomo.org.br/seminario%208%20pdfs/106.pd>. Acesso em:
07 dez. 2018.

IBGE. Catálogo. [19--]. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-


catalogo?id=441816&view=detalhes>. Acesso em: 15 maio 2019.

LIRA, F. B. Por uma Agenda de Discussões sobre a Conservação da Arquitetura Moderna.


In: Seminário da Rede Conservação BR. Recife, 2012.

RODRIGUES, Isis; PRASERES, Rosyane. A Dimensão Brutalista de Raimundo Dias. (1975


a 1983). Anais... In: 4º Seminário Ibero-Americano. Arquitetura e Documentação, 2015, Belo
Horizonte – MG. Disponível em: <http://www.forumpatrimonio.com.br/arqdoc2015/
artigos/pdf/116.pdf>. Acesso em: 25 de ago. 2017.

SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. Editora da Universidade de São


Paulo, São Paulo. 2002.

ZEIN, Ruth Verde. A Arquitetura da Escola Paulista Brutalista, 1953-1973. 2005. 197 f.
Tese (Doutorado em Arquitetura) – PROPAR-UFRGS, Porto Alegre. Disponível em:
<http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/5452>. Acesso em: 01 mar. 2019.

3º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil


Belo Horizonte/MG - de 08 a 10/05/2019

Você também pode gostar