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INTERVENÇÃO DA ANTIGA INDÚSTRIAS REUNIDAS FRANCISCO

MATARAZZO: IDENTIFICAÇÃO E RECONHECIMENTO DO PATRIMÔNIO


INDUSTRIAL DE PRESIDENTE PRUDENTE

INTERVENCIÓN DAS ANTIGAS INDÚSTRIAS REUNIDAS FRANCISCO MATARAZZO:


IDENTIFICACIÓN E RECONOCIMIENTO DO PATRIMONIO INDUSTRIAL DE PRESIDENTE
PRUDENTE

INTERVENTION OF THE FORMER INDÚSTRIAS REUNIDAS FRANCISCO MATARAZZO,


IDENTIFICATION AND RECOGNITION OF THE INDUSTRIAL HERITAGE OF PRESIDENTE
PRUDENTE

comunicação

Camila Akiko Nabeta Takara


Graduanda, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
camilaakiko@hotmail.com

Hélio Hirao
Doutor, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
hirao@fct.unesp.br

Resumo:
A restauração, assim como qualquer ação intervencionista, deve buscar preservar o objeto de modo a
manter seu caráter histórico. Estas alterações na matéria construída devem ser estudadas cuidadosamente,
analisando sua relevância quanto a preservação dos monumentos. Neste contexto, este estudo analisará a
adequação das intervenções realizadas nas antigas Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, situada em
Presidente Prudente, São Paulo, e que agora atua como o Centro Cultural da cidade. Com base na Teoria
da Restauração e nas Cartas Patrimoniais, uma análise da obra foi realizada, buscando verificar a
relevância das modificações sofridas pelo conjunto. O conjunto, constituído por um edifício principal, uma
escola de música e um teatro, manteve-se semelhante ao original, entretanto, observou-se inúmeras
pontualidades projetuais que poderiam ser repensadas, como a lavagem das paredes e telhas dos edifícios,
o que resultou na remoção da pátina; a homogeneização das ambiências internas; o fechamento de
aberturas sem a distinção de materialidade; demolição de um dos galpões, cuja estrutura encontrava-se
comprometida, e sua substituição por um edifício que assemelha-se ao restante do conjunto, com exceção
de seu revestimento. Estes aspectos constituem uma perda do registro histórico do conjunto, o que
compromete o reconhecimento dos edifícios como um patrimônio urbano e histórico da cidade.
Palavras-chave: Centro Cultural Matarazzo, Matarazzo, Restauração, Intervenção, Patrimônio Industrial.

Resumen:
La restauración, así como cualquier otra intervención, debe buscar preservar el objeto de manera que
mantenga su carácter histórico. Estos cambios en lo construido deben ser estudiados cuidadosamente,
analizando su importancia en cuanto a la preservación de los monumentos. En este caso, este estudio
analizará la adecuación de las intervenciones realizadas en las antiguas Industrias Reunidas Francisco
Matarazzo, localizada en Presidente Prudente, São Paulo, que actualmente es el Centro Cultural de la
ciudad. Con base en la Teoría de la Restauración y en las Cartas Patrimoniales, fue realizado un análisis de
la obra, con el fin de verificar la importancia de las modificaciones que se llevaron a cabo en el conjunto. El
conjunto, constituido por un edificio principal, una escuela de música y un teatro, se mantuvo semejante al
original, sin embargo, se observaron innúmeras decisiones de proyecto que podrían ser repensadas, como
el lavado de las paredes y tejas de los edificios, lo que resulto en una modificación del aspecto original; la
homogenización de los ambientes internos; el cierre de aberturas sin distinción de material; demolición de
uno de los galpones, cuya estructura se encontraba comprometida, y su sustitución por un edificio que se
parece al resto del conjunto, con excepción de su revestimiento. Estos aspectos constituyen la pérdida del
registro histórico del conjunto, que compromete el reconocimiento de los edificios como un patrimonio
urbano e histórico de la ciudad.
Palabras-clave: Centro Cultural Matarazzo, Matarazzo, Restauración, Intervención, patrimônio industrial.

Abstract:
The restoration, as any other intervention, must preserve the object by maintaining its historical character.
These changes on the built matter must be studied carefully, analyzing its relevance on the preservation of
monuments. On this context, this study will analyze the interventions made on the former Indústrias
Reunidas Francisco Matarazzo, in Presidente Prudente, São Paulo, that now is a Cultural Centre. Based on
the Restoration Theories and Patrimonial Charters, an analysis was performed to verify the relevance of the
modifications made on the set. The set, constituted by a main building, a music school and a theatre, kept
itself similar to the original building. However, there are a series of punctualities that could be rethought: the
washed wall and roof of all the buildings of the set, which resulted in the removal of the patina, the
homogenization of the internal ambiences, the closing of windows and doors without the differentiating the
materials used for the intervention, the demolition of sheds, which structures were compromised, and its
replacement for a building similar to the set, except by its coating. These aspects constitute the lost of the
historical record of the set, which could compromise the recognition of the buildings as an urban and
historical heritage of the city.
Keywords: Matarazzo Cultural Centre, Matarazzo, Restoration, Intervention, Industrial Heritage.
INTERVENÇÃO DA ANTIGA INDUSTRIAS REUNIDAS FRANCISCO
MATARAZZO: IDENTIFICAÇÃO E RECONHECIMENTO DO PATRIMÔNIO
INDUSTRIAL DE PRESIDENTE PRUDENTE

INTRODUÇÃO

A discussão sobre a preservação e restauração do patrimônio urbano e arquitetônico ganha cada


vez mais relevância no contexto das cidades brasileiras. A preexistência edificada é alvo de
práticas de conservação, preservação, manutenção, adição, adaptação e reconstrução que visam
pelo bem do patrimônio arquitetônico, ou seja, pela conservação de seus monumentos.

Entretanto, estas práticas devem ser executadas com cautela para que, de fato, resultem na
preservação do monumento. Devido a isto, é importante analisar e questionar as intervenções
realizadas, de modo a zelar pelos bens históricos e compreender como estes podem ser
conservados. Desta forma, todo projeto de intervenção de um monumento deve ser realizado
visando a preservação dos aspectos essenciais que o caracterizam, evitando-se a perda de
registros históricos da matéria original e conservando-o para futuras gerações.

O patrimônio industrial reveste um valor social como parte do registro de


vida dos homens e mulheres comuns, e como tal, confere-lhes um
importante sentimento identitário. [...] Estes valores são intrínsecos aos
próprios sítios industriais, às suas estruturas, aos seus elementos
constitutivos, à sua maquinaria, à sua paisagem industrial, à sua
documentação e também aos registros intangíveis contidos na memória dos
homens e das suas tradições (Carta de Nizhny Tagil, 2003, p.4).

Tendo isto em vista, este trabalho tem como objeto de estudo o Centro Cultural Matarazzo
(Figuras 1 e 2), localizado em Presidente Prudente, interior de São Paulo, requalificado em 2008 a
partir das antigas Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, que se encontrava abandonada e em
estado de deterioração.

Figura 1: Fachada principal do Centro Cultural Matarazzo


Foto: NePP, 2017.
Figura 2: Vista de uma das entradas do Centro Cultural Matarazzo.
Foto realizada pela autora, 2017.

Este trabalho busca realizar uma análise da intervenção sofrida pela antiga indústria. Busca-se
verificar a relevância das modificações feitas sobre a matéria original do conjunto de edifícios,
listando as pontualidades da construção e comparando a validade destas com base nos teóricos
da restauração.

Realizou-se uma revisão bibliográfica destes teóricos: John Ruskin (2008), Eugene Viollet-le-Duc
(2007), Camillo Boito (2008), Alois Riegl (2008), Max Dvorak (2008), Gustavo Giovannoni (2013) e
Cesare Brandi (2008), também das Cartas Patrimoniais de Atenas (1931), Veneza (1964) e
Nizhny Tagil (2003). Cada teórico foi estudado cuidadosamente, discutindo-se suas perspectivas
sobre o patrimônio histórico, buscando traçar paralelos entre suas linhas teóricas e obras
construídas mais recentes. Portanto, mesmo sendo referentes a outros contextos e tempos, estes
estudos buscam servir de referência para uma análise do espaço construído do atual Centro
Cultural Matarazzo.

CONTEXTUALIZAÇÃO URBANA E HISTÓRICA

Evolução urbana de Presidente Prudente

Presidente Prudente, assim como muitas das cidades paulistas do interior, originou-se a partir da
expansão da linha férrea proveniente do crescimento da produção de café a oeste do estado de
São Paulo (Figura 3). A implantação das ferrovias paulistas proporcionou a apropriação de novas
terras, além da valorização das terras já consolidadas, a redução dos custos da produção cafeeira
e o aumento de sua produtividade. Dessa forma, a ampliação da ferrovia até a extremidade do
Oeste Paulista contribuiu para a ocupação do território estadual e para o desenvolvimento
industrial nestas novas áreas ocupadas.
Figura 3: Localização de Presidente Prudente no estado de São Paulo.
Produzido pela autora.

A chegada dos trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana representou o estopim para a fundação de
diversos municípios por onde passou. Sendo assim, em 14 de setembro de 1917, a cidade de
Presidente Prudente foi fundada quando o coronel Francisco de Paula Goulart iniciou a derrubada
de mato em frente a futura estação de trem da Companhia Sorocabana e regulamentada em 28
de setembro de 1921, pela Lei n° 1.798.

Presidente Prudente formou-se e cresceu devido a ação dos homens que investiram no
desenvolvimento da cidade, apesar de objetivarem mais intensamente seu próprio lucro, e não o
crescimento econômico da cidade. Os líderes na época, os coronéis Francisco de Paula Goulart e
José Soares Marcondes, executaram papéis estruturadores nesse processo.

O coronel Goulart montou seu próprio acampamento as margens do córrego do Veado em 1917.
Por iniciativa própria e empreendedora, procurou o engenheiro encarregado da construção da
estação de trem da Companhia Sorocabana com o objetivo de descobrir onde esta seria
implantada. Coronel Goulart possuía planos de montar uma fazenda e um pequeno núcleo urbano
próximos a futura estação, para isso o engenheiro Dr. José Carlos Fairbanks dividiu o espaço à
frente a construção para que metade do terreno se destinasse a fazenda e a outra metade ao
núcleo urbano, criando assim o desenho da atual Avenida Washington Luís, que atua como
estruturadora para a estruturação da cidade. Dessa forma, Presidente Prudente foi aberta por um
dos importantes vendedores de terra, tornando-se rapidamente um centro comercial para uma
região extensa.

Em seguida, Coronel Goulart contratou o agrimensor Cássio Rawlston da Fonseca para que este
desenhasse a planta de seu núcleo urbano. As terras foram delimitadas por 4 avenidas e o centro
entre elas foi dividido entre 25 quarteirões de 88 metros por 88 metros. Criou-se, então, em 1918,
a Vila Goulart. Atualmente, essa delimitação de terra original constitui a área central e de comércio
de Presidente Prudente, que se expandiu muito além destes limites.

Por outro lado, o coronel José Soares Marcondes, em 1920, fundou a Companhia Marcondes de
Colonização, Indústria e Comércio. Com a inauguração de sua companhia, o fluxo de
compradores e vendedores aumentou consideravelmente, assim Marcondes comprou terras
próximas a estação. Desta forma, criou-se outro núcleo urbano, em sentido oposto ao existente, a
Vila Marcondes.

Ao realizar a fusão destes dois núcleos, estruturou-se Presidente Prudente (Figura 4). A partir
deste momento, a cidade foi rapidamente povoada, devido à concorrência entre os núcleos e seus
coronéis e pela autonomia político-administrativa atribuída a eles.
Figura 4: Composição inicial da malha urbana de Presidente Prudente.
Produzido pela autora.

Em 1925, uma lei municipal promulgada proibia que instalações de máquinas de beneficiamento
fossem localizadas ao lado de acesso da estação, determinando o estabelecimento das fábricas à
leste da estação, ou seja, na Vila Marcondes. Além disso, a topografia mais plana da zona oeste
favoreceu a fácil implantação dos novos moradores, sendo esta mais rapidamente ocupada. A
ferrovia, apesar de seu papel criador nos núcleos urbanos, agiu como uma barreira
segregacionista entre as vilas, fator visível até os dias de hoje quando observamos a formação da
cidade entre as diferentes zonas.

O desenvolvimento econômico da região foi alcançado pela expansão da agricultura e da


pecuária, além do próprio desenvolvimento industrial que alavancava o crescimento da cidade
(Figura 5).

Figura 5: O crescimento urbano de Presidente Prudente.


Produzido pela autora, com base no livro “Cidades do Interior Paulista” (p. 43).

O surgimento destas indústrias ocorreu pelo processo da produção agrícola, desde a sua
plantação até o beneficiamento. Um fator influenciador a estas indústrias de beneficiamento foi a
proximidade que estas estavam das matérias-primas necessárias para seu funcionamento,
consequentemente diminuindo os custos da produção.

Esta industrialização proporcionou a construção de diversos edifícios para a instalação destas


fábricas, que ainda hoje, configuram a paisagem urbana de Presidente Prudente. Entretanto, com
o declínio da economia cafeeira e das outras culturas subsequentes a esta, as indústrias fecharam
suas portas, deixando suas antigas instalações abandonadas e algumas foram até demolidas com
o decorrer dos anos, apesar da importância destes edifícios como testemunho histórico e registro
material da memória industrial local (Figura 6).

Figura 6: Linha do tempo da cidade de Presidente Prudente.


Produzido pela autora.

Uma das fábricas instaladas em Presidente Prudente, e uma das mais relevantes para a cidade,
foi as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, que compõem o pequeno complexo industrial
ainda persistente, sendo um registro material do patrimônio industrial da cidade (Figura 7).

Figura 7: Localização das I.R.F. Matarazzo na malha urbana de Presidente Prudente.


Produzido pela autora.

Instalação das I.R.F. Matarazzo em Presidente Prudente

Conde Francesco Matarazzo, imigrante italiano, desembarcou no Brasil em 1881. Com a pequena
quantia em dinheiro que possuía, mudou-se para Sorocaba onde possuía conhecidos e trabalhou
como ambulante por um curto período de tempo até conseguir recursos financeiros para abrir um
pequeno armazém de secos e molhados. Em 1883, Matarazzo criou sua primeira fábrica, onde
produzia banha de porco. Apesar da economia estar no auge do ciclo cafeeiro, Matarazzo optou
por outros produtos essenciais para a vida brasileira, direcionando sua produção para o mercado
interno e para importação. Seu sucesso financeiro iniciou-se quando Matarazzo começou a
comercializar banha de porco enlatada, produto inédito no Brasil.

Uma das principais características empreendedoras do Conde era a verticalização na produção,


diminuindo os custos e aumentando seus lucros, de forma que suas indústrias dominaram a
cadeia produtiva de suas mercadorias, pois suas fábricas produziam as latas, as embalagens, o
transporte a comercialização final dos artefatos que manufaturava.
O Conde Matarazzo mudou-se para São Paulo em 1890, criando a Companhia Matarazzo S.A. no
ano seguinte, cuja principal atividade era a importação de farinha de trigo e algodão dos Estados
Unidos. Entretanto, os EUA entravam em um período de crise devido a guerra que travavam com
a Espanha. As importações de Matarazzo abalam-se, de modo que o Conde é obrigado a procurar
outras fontes de matéria-prima. O empresário decide, então, produzi-la no Brasil.

Em 1911, o Conde funda as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, expandindo seu império
comercial, contando com mais de 200 fábricas e mais de 30 mil funcionários em diversos ramos
de produção. Entre a produção das Indústrias haviam: tecelagens, farinha de trigo, metalurgia,
fabricação de sal, refinarias de açúcar, fábricas de óleo e gordura, frigoríficos, fábricas de velas,
sabonete e sabão, dentre tantas outras mais.

Após a crise de 1929, o ciclo do café chega ao seu fim, sendo, aos poucos, substituído pela
cultura do algodão, tornando-se o principal produto agrícola da região, devido a sua alta procura
no exterior e a fácil adequação da cultura ao solo. Neste mesmo período, Presidente Prudente
consolida-se como centro regional de comércios e serviços, atingindo sua independência político-
administrativa.

A produção de algodão promoveu na região o desenvolvimento de atividades paralelas de


beneficiamento do algodão, tanto da fibra como do caroço, atraindo diversas fábricas destinadas
ao processamento da produção algodoeira a instalar-se na cidade. Uma destas fábricas era as
Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo.

A I.R.F. Matarazzo foi inaugurada em 1937 em um dos antigos galpões da Companhia Marcondes
de Colonização, Indústria e Comércio, adaptada arquitetonicamente para adequar-se aos padrões
estabelecidos pelas Indústrias Matarazzo. A implantação da fábrica era parte da expansão dos
negócios de Matarazzo para além da capital do estado e pela busca da diversificação na produção
das mercadorias.

A unidade de Presidente Prudente era voltada para a produção de tecidos e óleo vegetal pelo
processamento do algodão. A fábrica atendia duas épocas de safra ao ano, em 24 horas de
funcionamento das máquinas nestes períodos. Sua produtividade era tão elevada que Presidente
Prudente foi o 4° maior produtor de algodão do estado no ano de 1940. A indústria era, então, a
principal responsável pelo fluxo de pessoas que crescia na cidade, assim como o aumento do
número de comércios e serviços que eram disponibilizados próximos a fábrica, voltados aos
sitiantes que vinham a cidade para trabalhar e precisavam de um local para repousar (Figura 8).
Tamanho fluxo atribuiu a Rua Quintino Bocaiúva, onde se localiza as I.R.F. Matarazzo, uma das
vias mais importantes na época e uma das primeiras a ser asfaltada na cidade.

Figura 8: As antigas I.R.F. Matarazzo


Fonte: Museu e Arquivo Histórico Municipal.
Em 1943, em um período entre safras, um incêndio iniciou-se no primeiro prédio, onde eram
estocadas as mercadorias, sendo ele totalmente destruído. As instalações eram preparadas para
tal evento, com um poço artesiano dentro dos perímetros da fábrica, evitando que o fogo se
espalhasse para toda a edificação, embora a presença de óleo do algodão tenha contribuído para
o alastramento das chamas. As partes das instalações atingidas pelo fogo foram reconstruídas no
ano seguinte, em 1944, sendo erguida uma edificação para a fábrica, uma residência e uma vila
de funcionários.

Apesar deste pequeno obstáculo, as Indústrias continuaram a prosperar. Entretanto, a produção


de algodão começa a declinar devido as condições climáticas, a falta ou excesso de chuvas no
período de plantio, a perda de fertilidade do solo, o que provocou oscilações na produção. Além
destes fatores, a concorrência das fibras sintéticas e do mercado internacional, o aumento do
preço das terras, e a diminuição da demanda devido a Segunda Guerra Mundial diminuíram o
preço do produto.

Dessa forma, por volta da década de 1950 e 1960, incentivou-se a produção de amendoim para
suprir as fábricas instaladas na região, pois as funções de descaroçamento do algodão foram
substituídas pela extração de óleo do amendoim. A I.R.F. Matarazzo passa a trabalhar com a
nova produção de amendoim, além da mamona e do milho na fabricação de óleos comestíveis e
lubrificantes.

A fábrica atuou até a década de 1970, quando o complexo industrial Matarazzo entrou em declínio
em todo o estado. As instalações pertencentes à família foram vendidas ou hipotecas.

Abandono e restauro

O fechamento oficial das I.R.F. Matarazzoocorreu no ano de 1976. Os galpões da fábrica foram
hipotecados para o Banco Residência de Investimentos S/A e, em 1982, passaram para o
patrimônio do IAPAS, Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social,
que controlava as finanças do Instituto Nacional de Seguro Social, o INSS, como pagamento de
uma dívida com a Previdência Federal.

A partir de 1982, iniciou-se uma luta da comunidade local e cultural para tombar as instalações e
revitalizá-las em um Centro Cultural. O movimento organizado pedindo pelo tombamento, liderado
pela CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e
Turístico – mobilizou toda a comunidade, incluindo entidades culturais e religiosas, escolas, clubes
de serviço, universidade e diversos órgãos públicos, como a Delegacia Regional de Cultura, a
Delegacia de Ensino, o Departamento Regional de Saúde de Presidente Prudente (DERSA), a
Divisão Regional da Secretária da Promoção Social do Estado, a Delegacia Regional de Esportes
e Turismo e a Câmara Municipal.

Sendo assim, em 1984, foi concedido o tombamento provisório do imóvel pelo Decreto Municipal
n° 5.435/84. O tombamento definitivo foi concedido em pouco tempo, em 1987, pelo Decreto do
Executivo Municipal n° 6.128/87.

Entretanto, após o tombamento das instalações, a requisitada revitalização do conjunto não foi
realizada de imediato. Primeiramente, firmou-se um Contrato de Comodato por 20 anos entre o
INSS e a Prefeitura Municipal, com vistas de um amplo projeto para adaptar o imóvel para um
Centro Cultural. A restauração teve início, algumas fachadas foram recuperadas, assim como
esquadrias, telhas e as reformas internas, mas as obras foram interrompidas quando o Contrato
de Comodato foi cancelado e o complexo permaneceu nas mãos do INSS no início da década de
1990.

A partir desta data, as edificações foram abandonadas e atingiram um grave estado de


deterioração, danificando estruturalmente algumas seções das edificações de modo irreversível.
Em 1999, um leilão para arrematar o imóvel foi realizado, mas seu resultado foi cancelado pelo
INSS, uma vez que a Prefeitura Municipal, a arrematadora, não cumpriu com o pagamento
proposto pois não possuía autorização da Câmara Municipal para realização da compra. Somente
em agosto de 2002 que a administração municipal, na época sob o comando do Prefeito Agripino
Lima de Oliveira Filho, iniciou novamente as negociações para a posse das instalações do
Matarazzo. Destas negociações um projeto de lei foi gerado e aprovado pela Câmara Municipal e
pela Diretoria Colegiada do INSS. A posse do imóvel foi adquirida pela Prefeitura Municipal
oficialmente em 11 de setembro de 2003, de acordo com a documentação da Escritura de Venda
e compra firmada no Livro 452, fls 175/178, do 1° Tabelião de Notas da Comarca de Presidente
Prudente.

Após a oficialização da Prefeitura, o projeto de revitalização das instalações foi retomado. O


projeto foi executado pela arquiteta responsável Iara Valim, enquanto a empresa contratada para
encarregar-se das obras foi a Etama. Não há registros de um inventário físico e documental do
processo de restauração. O Centro Cultural Matarazzo teve sua pré-inauguração no dia 28 de
junho de 2008. Hoje o Centro Cultural é equipado com 52 salada de aula de música, destinadas
ao Projeto Guri e a Escola de Artes Jupyra Cunha Marcondes, uma galeria de arte, dois ateliês,
sala de exposição, cinema, auditório, sala multiuso, espaço de convivência e um restaurante,
assim como o Teatro Paulo Roberto Lisboa, a Biblioteca Municipal Dr. Abelardo de Cerqueira
César e a Secretária Municipal de Cultura (Figura 9).

Figura 9: Linha do Tempo das I.R.F. Matarazzo.


Produzido pela autora.

O PROCESSO DE INTERVENÇÃO

O Centro Cultural Matarazzo, localizado entre as Ruas Quintino Bocaiúva e Marechal Floriano
Peixoto, é o único centro cultural de Presidente Prudente, representando um polo de cultura para
toda a região (Figura 10). Apesar de seu projeto de restauração ter sido concluído em 2008, suas
instalações são constantemente submetidas a modificações para adequação aos novos usos
solicitados.
Figura 10: Localização do atual Centro Cultural Matarazzo.
Foto retirado do Google Earth, 2016, editada pelo autor.

A Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo era especializada no descaroçamento de algodão,


amendoim e também na produção de óleos vegetais. Sua localização ao lado da linha férrea
facilitava a rápida carga e descarga de matéria-prima dos galpões aos trens de carga, enquanto
sua entrada pela rua Quintino Bocaiúva contribuiu para a importância atribuída a esta rua durante
os anos de atividade da indústria.

Durante seu processo de intervenção, a rua Marechal Floriano Peixoto foi aberta com o intuito de
criar outras conexões ao Centro Cultural e também de servir de estacionamento para os usuários
desta nova utilização do espaço, separando, dessa forma, a conexão direta das antigas indústrias
com a linha férrea.

Provindo de um projeto idealizado pela Secretária de Cultura, o Centro Cultural foi uma resposta à
demanda cultural: a escola de música do município encontrava-se em localização instável, a
crescente necessidade de um teatro adicional a cidade, a necessidade de converter as atividades
complementares oferecidas em apenas um local, além de uma sede própria para a Secretária de
Cultura. Sendo assim, praticamente todos os ambientes industriais da I.R.F. Matarazzo foram
modificados, e, dessa forma, também todas as funções dos edifícios.

As instalações originais possuíam pilares modulados de 10 em 10 metros. No processo de


intervenção, escolheu-se manter esta modulação, adicionando pilares em pontos críticos. O
conjunto era constituído por um armazém de sementes (nesta análise, denominado de bloco A) - o
maior bloco - dois armazéns de algodão localizados em lados opostos (bloco B e bloco C, um
deles voltado a Rua Quintino Bocaiúva e o outro voltado para a linha férrea) e separados por um
bloco destinado as tulhas de algodão, grandes cavidades onde a matéria-prima era armazenada
após sua secagem (bloco D), um bloco destinado ao escritório administrativo (bloco E) e, ao fundo
da fábrica, um bloco independente ocupado por três residências, onde moravam famílias de 3
funcionários da indústria (bloco F). Além dos edifícios, havia também blocos destinados ao
reservatório de água e para a casa de bombas (blocos G e H, respectivamente) (Figura 11).
Figura 11: Planta geral das instalações originais.
Produzido pela autora, com base nas plantas cedidas pela arquiteta responsável.

O atual bloco A é destinado a secretária e múltiplas atividades; o bloco B é onde são ministradas
aulas de dança; o bloco C é a atual Escola de Música Jupyra Cunha Marcondes; o bloco D, o
Teatro Paulo Roberto Lisboa; os blocos E e F continuam destinando-se as suas funções
anteriores, um escritório para os funcionários e residências, de acordo com o planejamento
original do projeto de requalificação, assim como os blocos G e H destinados a manutenção.
Houve a adição de um terceiro bloco para a manutenção dos edifícios, localizado entre os blocos
A e F, ao fundo do lote. Houve no projeto um tratamento do espaço exterior aos edifícios,
adicionando um pergolado e um quiosque, assim como diversos bancos de concreto e luminárias.
Na parte exterior, implantou-se um deck na saída das salas de dança do bloco B, à frente da Rua
Marechal Floriano Peixoto, destinado a permanência. Foi instalado também um coreto na parte
externa do conjunto, desconectado de acesso direto pelas demais instalações (Figura 12).

Figura 12: Planta geral das instalações após a restauração.


Produzido pela autora, com base nas plantas cedidas pela arquiteta responsável.

O bloco A, destinado como armazém de sementes, não era inteiramente utilizado para esta
função, embora fosse o maior dentre os edifícios do conjunto (Figura 13). Nele, haviam um
pequeno escritório com um almoxarifado, um depósito de B.H.C. (tipo de inseticida), um pequeno
refeitório, um armazém de prensas e uma base para seu uso, um depósito de fardos de algodão
e, finalmente, diversos armazéns destinados a sementes. Este bloco também possuía um
mezanino, localizado acima da base das prensas, entretanto sua utilização aparente era a
observação dos acontecimentos do andar inferior. Com acesso independente ao bloco, havia uma
pequena portaria e, acima desta, um depósito de material de limpeza.
Figura 13: Fachada principal do bloco A (anterior a restauração)
Fonte: Museu e Arquivo Histórico Municipal.

O atual bloco A se destina a secretária e as múltiplas atividades, como ateliês de arte, um


auditório, uma sala de cinema, salas de exposições, uma sala equipada com computadores para
promover a inclusão cibernética e uma biblioteca, assim como um restaurante com acesso distinto
dos outros ambientes (Figura 14). A biblioteca não fazia parte do programa estipulado
originalmente, sendo em sua implantação atual planejado uma cozinha piloto, que proporcionaria
um espaço de aulas de culinária para a comunidade. Entretanto, devido a necessidade de um
novo prédio para a biblioteca, esta instalou-se no Centro Cultural, excluindo a cozinha do
programa final do projeto. Também foi adicionado uma pequena pinacoteca em um dos espaços
destinados a administração no pavimento inferior, enquanto esta passou a ocupar apenas parte
do pavimento térreo e todo o pavimento superior (Figura 15).

Figura 14: Fachada principal do bloco A (atualmente).


Foto realizada pela autora, 2017.

Figura 15: Plantas do bloco A (original e restaurada, respectivamente).


Produzido pela autora, com base nas plantas cedidas pela arquiteta responsável.
De sua configuração original, não houve alterações radicais em relação a organização espacial,
as áreas dos ambientes destinado ao público permaneceram semelhantes as originais, entretanto
levantou-se diversas paredes para divisão de ambientes, como no restaurante na parte privada do
edifício, acessível apenas por funcionários, assim como um segundo pavimento destinado apenas
a parte administrativa da Secretária de Cultura. Este pavimento foi criado em projeto, portanto,
não é originário da indústria. Haviam, também, dois grandes oráculos que amenizavam a
transição entre ambientes (Figura 16). No projeto, escolheu-se manter estes elementos.

Figura 16: Oráculos atualmente.


Foto: NePP, 2017.

A homogeneização dos ambientes por paredes completamente brancas resulta na perca do


registro histórico interno do funcionamento da fábrica, assim como a substituição do piso de
madeira original pelo piso frio. A implantação de divisórias de ambientes também contribuiu para a
fragmentação da ambiência industrial remanescente. De fato, o único elemento que aparenta ser
de cunho industrial é a estrutura da cobertura em madeira, deixada exposta e tratada com
respeito, já que as novas paredes se mantem em um pé-direito relativamente menor a esta
estrutura.

Já os blocos B e C, ambos armazéns de algodão, eram inteiramente destinados a esta utilização,


não possuindo nenhuma parede interna que servisse como divisória de ambientes. Os blocos
eram apenas dois grandes galpões em planta livre. Entre eles, haviam dois edifícios, um deles,
destinado a passagem de circulação, era implantado entre o bloco B (voltado para a linha férrea) e
o bloco D. Este último era constituído de tulhas de algodão e um armazém. As tulhas eram
enormes cavidades no chão, cujo objetivo era armazenar o algodão depois de seco. Cada tulha
era destinada a um tipo de algodão, sendo os caroços deixados nas tulhas sugados por uma
máquina para não interferirem no processo de secagem (Figura 17)

Figura 17: Plantas do bloco B (original e restaurada, respectivamente).


Produzido pela autora, com base nas plantas cedidas pela arquiteta responsável.
O bloco B foi transformado em salas de dança com aberturas diretas para a Rua Marechal
Floriano Peixoto e a um deck de concreto provido de um espaço de permanência, embora este
seja pouco aproveitado pelos usuários devido a orientação solar e a utilização seletiva das salas
que ele está próximo (Figura 18). Todas as divisórias internas feitas para criar os ambientes das
salas foram executadas de acordo com o projeto de requalificação, alterando completamente o
ambiente industrial. Houve a abertura de portas, assim como a troca dos pisos para pisos
apropriados para dança. Estas salas encontram-se fechadas ao público, sendo utilizadas apenas
pelos alunos e professores de dança.

Figura 18: Deck de concreto externo ao bloco B.


Foto realizada pela autora, 2017.

O bloco C foi adequado a utilização da Escola de Música. Seu ambiente interno foi completamente
descaracterizado pela implantação de inúmeras paredes para realizar a divisão do ambiente em
salas de música individuais (Figura 19). O pé-direito elevado do galpão original foi dividido para
acomodar dois pavimentos. O bloco original não possuía sua parede externa inteiramente
fechada, o que mudou no projeto de restauração: a nova parede implantada foi pintada da cor
amarela, entretanto as janelas e portas foram colocadas no mesmo padrão da parede original,
caracterizando uma imitação da matéria original (Figura 20).

Figura 19: Plantas do bloco C (original e restaurada).


Produzido pela autora, com base nas plantas cedidas pela arquiteta responsável.
Figura 20: Parede construída durante o processo de restauração.
Foto realizada pela autora, 2017.

O ambiente interno da escola é bastante semelhante ao do bloco A, com paredes brancas e


homogeneizadas que não tocam as tesouras da cobertura, além do mesmo piso frio. As tesouras
são visivelmente diferentes das pertencentes ao bloco A, sendo parte do reforço estrutural
necessário para a escola, e, portanto, são novas. Sua materialidade, contudo, segue o mesmo
padrão das tesouras originais do bloco A.

O bloco D, antigo depósito das tulhas, deu espaço ao teatro. Entretanto, as estruturas deste bloco
eram de madeira e estavam extremamente precárias e comprometidas, o que resultou na
demolição completa do edifício, resultando na construção de um prédio novo no mesmo local do
antigo, com suas mesmas marcações de implantação (Figura 21). A única modificação externa
executada foi a cor do edifício, adotando-se o mesmo amarelo utilizado para construir a parede
adicional do bloco C, assim como os mesmos detalhamentos de portas e janelas. O desnível
utilizado para as antigas tulhas foi aproveitado para realizar o declive da sala de teatro (Figura 22).
Entretanto, esta foi o único aspecto minimamente aproveitado do edifício original, alterando-se
completamente o espaço interno do antigo galpão, criando um novo espaço.

Figura 21: Plantas do bloco C (original e restaurada).


Produzido pela autora, com base nas plantas cedidas pela arquiteta responsável.
Figura 22: Tulhas.
Fonte: Museu e Arquivo Histórico Municipal.

O bloco E era destinado ao escritório administrativo da fábrica (Figura 23). Além de um espaço
conjunto para o escritório, havia uma sala utilizada pelo gerente e sanitários. Em um acesso
independente no mesmo bloco, havia um único dormitório com sanitários, possivelmente para
estes empregados repousarem durante o período de produção de safra das Indústrias. A estrutura
do bloco também passou por mudanças internas. Apesar da entrada principal ao bloco ter sido
mantida, as divisões internas alteraram-se, adicionando um ambiente a mais destinado a uma
cozinha para os funcionários do Centro Cultural, e sanitários com acesso externo ao bloco.

Figura 23: Plantas do bloco E (original e restaurada).


Produzido pela autora, com base nas plantas cedidas pela arquiteta responsável.

O bloco F era ao fundo do lote, mais distante do movimento da fábrica. Neste bloco haviam três
residências geminadas, todas com plantas distintas (Figura 24). A residência F1, mais próxima a
ferrovia, possuía três dormitórios, uma sala, cozinha, sanitário e lavanderia. A residência F2,
residência localizada no meio, possuía dois dormitórios, uma sala, cozinha, lavanderia e sanitário.
A residência F3 possuía acesso direto pela rua Quintino Bocaiúva, com isso possuía uma
garagem, três dormitórios, sanitário e cozinha. Todas as residências possuíam um pequeno
quintal.

Figura 24: Plantas do bloco E (original e restaurada).


Produzido pela autora, com base nas plantas cedidas pela arquiteta responsável.
As três residências abrigaram três famílias de funcionários da fábrica. Otávio Mestrinelli,
balanceiro das Indústrias, morou na residência com a esposa e seus 14 filhos. Parte de sua
família permaneceu nas instalações até 1982, quando a posse do Matarazzo se tornou alvo de
conflitos entre instituições. Outra família instalada nas residências eram os Penha, família de Artur
Penha, gerente das I.R.F. Matarazzo. A terceira família que morava nas residências era a de
Paulo Victor, ensacador das Indústrias.Após as reformas de restauração a estrutura interna das
residências não foi alterada, de acordo com as plantas oficiais do projeto. Entretanto, não há
registros que as residências estejam sendo habitadas.

Os blocos G e H (Figura 25), destinados a manutenção das instalações, eram implantados


distantes da movimentação da fábrica, em uma das extremidades do lote. No processo de
restauração, estes blocos foram mantidos, assim como um bloco adicional destinado a
manutenção dos edifícios foi instalado próximo ao bloco F, das residências.

Figura 25: Bloco de manutenção atualmente.


Foto realizada pela autora, 2017.

O pátio entre os blocos de produção possuía duas balanças e uma cabine, possivelmente para a
manutenção destes equipamentos. Hoje, este espaço é marcado por um quiosque, um pergolado
e diversos bancos de concreto espalhados pelo pátio aleatoriamente (Figuras 26 e 27). Embora
este espaço interno seja um diferencial para a utilização do Centro Cultural, as características do
pátio industrial foram completamente abandonadas. De fato, o único elemento remanescente do
pátio original é o piso feito de paralelepípedos. Entretanto, durante a execução do projeto, todos
eles foram retirados e lavados, buscando a preservação dos elementos já que o canteiro de obras
estava sendo realizado no pátio interno do conjunto. As luminárias implantadas no pátio central
possuem o objetivo, segundo a arquiteta responsável, de remeter os visitantes a época em que a
Indústria era ativa. Entretanto, não há registros da existência de luminárias no pátio.

Figura 26: Pátio interno.


Foto realizada pela autora, 2017.
Figura 27: Uma das entradas para o pátio interno.
Foto realizada pela autora, 2017.

Também havia a presença de árvores de grande porte, que foram retiradas. A proposta inicial do
projeto era replantá-las próximas a linha férrea, mas isso nunca ocorreu.

Os prédios possuíam vidraças quebradas, buracos em seus tijolos, partes da cobertura haviam
cedido, as telhas e tijolos foram dados como sujos, embora na realidade, estavam cobertos de
pátina. Além disso, as estruturas dos edifícios estavam severamente comprometidas.

Inicialmente, retirou-se todas as telhas dos edifícios para que fossem lavadas e, após este
processo, reaproveitadas. O mesmo procedimento de limpeza foi executado em relação os tijolos
das paredes. Como já explicitado, estes elementos foram dados como sujos, embora estivessem
cobertos de pátina, que representava a ação do tempo nas superfícies externas destas estruturas.
Com a lavagem destes elementos, foi constatado que haviam seis tipos distintos de telhas
francesas utilizadas no projeto original das instalações, o que dificultou a reconstituição da
cobertura após a lavagem, sendo muitas destas telhas substituídas apenas por esta dificuldade,
embora ainda estivessem estruturalmente estáveis. Estes atos que visavam a preservação dos
elementos, aparentemente desgastados e deteriorados, são condenados. “Historicamente, a
pátina documenta a própria passagem da obra de arte no tempo e portanto deve ser conservada”
(BRANDI, 2008. p.85), sua retirada resulta na construção de um falso histórico, devido à perda do
valor histórico atribuído aos monumentos, e também em um falso estético, pois sua materialidade
é alterada, o que altera, por consequência, a imagem do monumento.

Na área externa das paredes dos edifícios, foi constatado que muitos dos tijolos continham
buracos. Como solução, fez-se uma massa corrida a partir dos tijolos soltos que haviam no pátio
para fechar estes buracos. Os chamados buracos apontados no projeto eram o que os teóricos
restauradores denominam de lacunas. Segundo a Carta de Veneza (1964, p.3), “os elementos
destinados a substituir as partes faltantes devem [...] distinguir-se, todavia, das partes originais a
fim de que a restauração não falsifique o documento de arte e de história”. Dessa forma, as dadas
lacunas dos edifícios deveriam ser preenchidas por materiais diferentes, tornando a
distinguibilidade entre a matéria original e a intervenção clara. O mesmo pode ser apontado nas
paredes externas de todo o conjunto, pois o projeto fechou diversas portas e janelas originais com
a mesma materialidade das paredes, impossibilitando a diferenciação entre o antigo e o novo
(Figuras 28 e 29).
Figura 28: Abertura fechada sem diferenciação da materialidade.
Foto realizada pela autora, 2017.

Figura 29: Lacuna preenchida com massa corrida.


Foto realizada pela autora, 2017.

A pequena praça instalada fora dos perímetros do conjunto é composta por um coreto e um
pergolado (Figura 30), possuindo acesso separado em relação ao resto do conjunto. O coreto é
proveniente da Igreja Nossa Senhora Aparecida da cidade de Presidente Prudente. Este elemento
encontrava-se no Museu local após ser retirado da utilização pública da Igreja, sendo instalado no
Centro Cultural em um contexto deslocado de seu próprio.

Figura 30: Coreto e pergolado externo.


Foto realizada pela autora, 2017.
A imagem geral que o conjunto possui não se alterou radicalmente. A estética dos tijolinhos
aparentes continua marcante nos edifícios e o projeto de restauração foi, em suma, respeitoso
com muitos aspectos, embora muitos outros, cruciais para o reconhecimento do patrimônio
industrial, foram excluídos do projeto. De fato, o único elemento que permaneceu intacto pelas
reformas foi a placa na fachada principal do conjunto que leva o nome “S/A IRF Matarazzo”
(Figura 31).

Figura 31: Placa em uma das entradas do Centro Cultural.


Foto: NePP, 2017.

ANÁLISES E REFLEXÕES

O projeto culminou de duas oportunidades: o tombamento das I.R.F. Matarazzo e a sua


necessidade de intervenção e o valor reduzido que o imóvel se encontrava no momento,
desvalorizado por seu estado de deterioração.

Questões como a pátina, importante registro histórico removido do conjunto, a não utilização da
distinguibilidade, o que resultou na homogeneização dos edifícios, e também a criação de um
falso histórico pela implantação de alguns elementos não originários das Indústrias apenas pela
sua semelhança física e estética com a atmosfera que se queria criar para as ambiências do
conjunto devem ser questionadas. Os teóricos e as cartas patrimoniais devem se fazer presentes
para que se tenha noção de alguns conceitos, como os listados. Por fim, cada caso é um caso, ou
seja, as decisões projetuais executadas em um edifício não podem ser transcritas sobre outro
edifício, pois seu contexto é outro, assim como suas necessidades históricas, estruturais e
estéticas também são outras. Sendo assim, cada edifício exige um estudo preliminar, que busca
compreender sua composição, para que se possa intervir de forma correta e respeitosa.

O caráter adotado para a intervenção do Centro Cultural foi oposto a atmosfera industrial
remanescente em suas instalações. Os pisos foram trocados e muitas paredes foram colocadas
para dividir ambientes. Isto resultou na fragmentação dos espaços, antes grandes galpões, em
pequenas salas.

Nota-se, portanto, que a intervenção realizada se assemelha mais a uma reforma do que de fato
um restauro, pois buscou adequar o espaço as inúmeras atividades que estavam no programa do
projeto com pouca preocupação em manter o caráter industrial que estava presente nos
ambientes. Ou seja, preferiu-se criar um novo espaço inovador, contemporâneo.

A conservação do patrimônio industrial depende da preservação da sua


integridade, e as intervenções realizadas num sítio industrial devem, tanto
quanto possível, visar a manutenção desta integridade. O valor e a
autenticidade de um sítio industrial podem ser fortemente reduzidos se a
maquinaria ou componentes essenciais forem retirados, ou se os elementos
secundários que fazem parte do conjunto forem destruídos (Carta de Nizhny
Tagil, 2003, p. 10).
Apesar destas pontualidades projetuais, o projeto é bem-sucedido entre a comunidade, sendo
bastante utilizado pela população prudentina. Entretanto, lembra-se que, mesmo que o edifício
seja bem utilizado, os aspectos destacados não podem ser descartados, pois resultaram em uma
perda do registro histórico do monumento e também da cidade. A perda destes elementos pode
vir a comprometer o reconhecimento do patrimônio. Devido a isto, seria ideal que a população
conhecesse a valorização histórica destes edifícios e, com isso, ajudassem a preservar os
monumentos.

O interesse e a dedicação do público pelo patrimônio industrial e a


apreciação do seu valor constituem os meios mais seguros para assegurar
a sua preservação. As autoridades públicas devem explicar ativamente o
significado e o valor dos sítios industriais através de publicações,
exposições, programas de televisão, internet e outros meios de
comunicação, proporcionando o acesso permanente aos sítios importantes
e promovendo o turismo nas regiões industriais. (Carta de Nizhny Tagil,
2003, p. 13).
REFERÊNCIAS
Andrade, F.R. 2014. Bens Tombados de Presidente Prudente – SP: Destaque para o Centro Cultural
Matarazzo. Londrina: Trabalho para a disciplina – Tópicos Especiais: Preservação do Patrimônio Edificado
no Brasil. Mestrado em Metodologia de Projeto. Universidade Estadual de Londrina.

Baron, C.M.P.; Paiva, S.C.F. 2015. “Complexo industrial e patrimônio urbano em Presidente Prudente”
InCidades do Interior Paulista: Patrimônio urbano e arquitetônico. Jundiaí: Paco Editorial. São Paulo: Cultura
Acadêmica.

Boito, Camilo. 2008.Os restauradores. São Paulo: Ateliê Editorial.

Brandi, Cesare. 2008. Teoria da Restauração. São Paulo: Ateliê Editorial.

Dvorak, Max. 2008.Catecismo da preservação de Monumentos. São Paulo: Ateliê Editorial.

Giovannoni, Gustavo. 2013. Gustavo Giovannoni – Textos Escolhidos. São Paulo: Ateliê Editorial.

Kuhl, Beatriz Mugayar. 2009. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização. São Paulo:
Ateliê Editorial.

Mancuzo, Roberto. 2008. “A História de um Patrimônio” Revista Videre. Ano 1. N° 1. Dezembro de 2008.
https://tvfacopp.unoeste.br/tvfacopp/online/medias/arquivos/t532008-12-1919-33-21][REVISTA_VIDERE.pdf

Ruskin, John. 2008. A lâmpada da Memória. São Paulo: Ateliê Editorial.

Viollet-le-Duc, Eugène. 2007.Restauração. São Paulo: Ateliê Editorial.

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