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PROJETOS DE REABILITAÇÂO DE CONJUNTOS INDUSTRIAIS HISTÓRICOS EM


CENTROS URBANOS PAULISTAS: USOS POSSÍVEIS NA CONTRA CORRENTE
DOS “CENTROS CULTURAIS” Projetos de reabilitacao de con...

Conference Paper · October 2013

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Regina Tirello
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP)
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2018 - Atual Project pratices for the preservation of architectural and urban preexistences in architecture courses View project

TEORIA E PRÁTICA NO ENSINO DE PROJETO DE RESTAURAÇÃO DE BENS CULTURAIS E ARQUITETÔNICOS (2014 – Atual) View project

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PROJETOS DE REABILITAÇÂO DE CONJUNTOS INDUSTRIAIS
HISTÓRICOS EM CENTROS URBANOS PAULISTAS: USOS POSSÍVEIS
NA CONTRA CORRENTE DOS “CENTROS CULTURAIS”

REHABILITACIÓN DE PROYECTOS INDUSTRIALES EN LAS CIUDADES HISTÓRICAS DE


SÃO PAULO: POSIBLE UTILIZA EN CONTRACORRIENTE DE CENTROS CULTURALES"

REHABILITATION PROJECTS OF HISTORICAL INDUSTRIAL BUILDINGS IN SÃO PAULO


STATE URBAN CENTERS: POSSIBLE USES TO AVOID "CULTURAL CENTERS"
TRANSFORMATION

eixo temático 1: planejamento, urbanismo e apropriação social na preservação do patrimônio

Regina A. Tirello, Maira Sfeir, Maira C. Barros


Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP)

Resumo
Apesar do recente reconhecimento e revalorização da arquitetura histórica industrial como depositária de
múltiplos valores culturais a serem tutelados e preservados, em muitas capitais e cidades brasileiras se
observa que significativos exemplares e conjuntos desta tipologia arquitetônica, com localização privilegiada
na malha urbana, vêm deixando mais e mais de serem incorporadas à vida das cidades. Trata-se de um
fenômeno que, para além das questões pertinentes a memória, em termos físicos, econômicos e sociais
tem significado um enorme desperdício de recursos.
Como artefatos abarcados pela ampliação do conceito de patrimônio cultural, edifícios e sítios industriais
nas ultimas décadas passaram a ser estudados e valorizados por seu caráter de conjunto. Eles conformam
paisagens culturais únicas, que articulam aspectos memoriais e afirmam espaços sociais relacionados a
determinadas atividades produtivas. Contudo, na prática, constata-se que quando são promovidas
intervenções de recuperação/restauro estas se voltam quase sempre para os edifícios isolados.
Neste artigo apresentam-se três estudos desenvolvidos em âmbito acadêmico na “Faculdade de Engenharia
Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas” (UNICAMP) que propõem a
reabilitação de grandes complexos históricos fabris das cidades de Sorocaba, Tatuí e Piracicaba,
importantes centros industriais do Estado de São Paulo, Brasil. Sem desassociar as diretrizes de
restauração física da manutenção do caráter industrial dos conjuntos fabris, nestes projetos foram
contempladas questões pertinentes à reusos compatíveis com a composição social da população que
habita ou frequenta a região em que tais conjuntos se inserem, buscando a máxima utilização das
estruturas existentes e sua readequação às necessidades atuais dessas cidades. Patrimonio arquitetônico
tem que ser cidade viva, objeto de apropiação e memória de todos.
Palavras-chave: Patrimônio histórico industrial paulista. Projeto de restauração arquitetônica. CIANÊ -
Companhia Nacional de Estamparia, Sorocaba. Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho, Tatuí.
Usina Monte Alegre, Piracicaba.

Resumen
A pesar del reciente reconocimiento y reaprecio de la arquitectura historica industrial como depositaria de
los múltiples valores culturales que deben ser protegidos y preservados, en muchas capitales y ciudades
brasileñas es posible señalar que significativos ejemplares y conjuntos dessa tipologia arquitectónica, con
localización privilegiada en la red urbana, están dejando más y más de ser incorporadas en la vida de las
ciudades. Se trata de un fenómeno que, además de las cuestiones relativas a la memoria, en términos de
importancia física, económica y social es un enorme desperdício de recursos.
Como artefactos abarcados por la ampliación del concepto de patrimonio cultural, edificios y instalaciones
industriales en las ultimas décadas empezaron a ser estudiados y valorados por su caracter de
conjunto.Ellos conforman paisajes culturales únicas, que articulan aspectos memoriales y consolidan
espacios sociales relacionados con determinadas actividades productivas. Sin embargo, en la práctica,
parece que cuando se promoven intervenciones de recuperación/restauración, éstas se vuelven casi
siempre a los edificios aislados.
En este artículo se presentan tres estudios desarrollados en el ámbito académico en la "Escola de
Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Campinas" (UNICAMP), que propone la
rehabilitación de grandes complejos históricos fabriles de las ciudades de Sorocaba, Tatuí y Piracicaba,
importantes centros industriales del Estado de São Paulo, Brazil. Sin desasociar las directrices de la
restauración física de lo mantenimiento del caracter industrial de los conjuntos fabriles, en estos proyectos
se abordaron cuestiones relativas a las reutilizaciones compatibles con la composición social de la población
que vive o frecuenta la zona donde tales conjuntos estan inseridos, buscando el máximo de
aprovechamiento de las estructuras existentes y su adecuación a las necesidades actuales de estas
ciudades.Patrimonio arquitectónico hay que ser ciudad viva, objeto de apropiación y memoria de todos.
Palabras clave: Patrimonio industrial paulista. Proyecto de restauración arquitectónica. CIANÊ - Companhia
Nacional de Estamparia, Sorocaba. Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho, Tatuí. Usina Monte Alegre,
Piracicaba.

Abstract
Despite the recent acknowledge and revalorization of the historical industrial architecture as depositary of
multiple cultural values to be tutored and preserved, it can be seen, in many Brazilian cities, that important
pieces and sets of this architectonical kind, located in privileged spots in the urban environment, are
becoming less and less incorporated in the life of the cities. This is a phenomenon which, in addition to the
issues concerning the memory, represents a great waste in terms of physical, economical and social
resources.
As artifacts which are covered by the broadening of the concept of “cultural heritage”, buildings and industrial
sites have been studied and valorized for the recent decades by its group specificity. They create unique
cultural landscapes that articulate memorial aspects and consolidate social spaces related to specific
productive activities. Nevertheless, in practice, it is seen that whenever actions are taken to restore or
recuperate these sites, these interventions are almost always directed to individual buildings. This article
presents three academic studies which were developed in the “Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de Campinas” (UNICAMP). They propose the rehabilitation of great historical
manufacturing complexes in Sorocaba, Tatuí and Piracicaba- three important industrial cities in the State of
São Paulo, Brazil.These projects join physical restoration guidelines with the industrial aspect of these
manufacturing complexes - they contemplate questions concerning reuses which are compatible with the
social composition of the population who live or use the regions where these complexes are located - this
way, they seek the best usages for the existing structures and their readaptation to the current needs of the
cities.
Architectonical heritages must be the living city, which is an object of everybody’s appropriation and memory.
Key words: Paulista industrial heritage. Architectural restoration Project. CIANÊ - Companhia Nacional de
Estamparia, Sorocaba. Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho, Tatuí. Usina Monte Alegre, Piracicaba.
PROJETOS DE REABILITAÇÂO DE CONJUNTOS INDUSTRIAIS
HISTÓRICOS EM CENTROS URBANOS PAULISTAS: USOS POSSÍVEIS
NA CONTRA CORRENTE DOS “CENTROS CULTURAIS”.

INTRODUÇÃO
Apesar do recente reconhecimento e revalorização da arquitetura histórica industrial como
depositária de múltiplos valores culturais a serem tutelados e preservados, observa-se que em
muitas capitais e cidades brasileiras edifícios e conjuntos significativos desta tipologia
arquitetônica, com localização privilegiada na malha urbana, vêm deixando mais e mais de serem
incorporados à vida das cidades; uma situação que tem contribuído para a crescente
depauperação de tecidos urbanos consolidados no final do século XIX e início do século XX e com
o desaparecimento de importantes testemunhos de nossa cultura material. Trata-se de um
fenômeno que, para além das questões pertinentes a memória, em termos físicos, econômicos e
sociais, tem significado enorme desperdício de recursos.
Como artefatos abarcados pela ampliação do conceito de patrimônio cultural, edifícios e sítios
industriais, a despeito de suas características estéticas e formais - nem sempre apreciadas pelo
senso comum - passaram a ser estudados e valorizados nas últimas décadas por seu caráter de
conjunto, capaz de conformar paisagens culturais únicas que articulam aspectos memoriais e
afirmam espaços sociais relacionados a determinadas atividades produtivas. Contudo, na prática,
verifica-se que quando são promovidas intervenções de recuperação/restauro neste tipo de
patrimônio elas costumam se voltar para edifícios isolados.
No âmbito especifico do restauro físico, nas “revitalizações” usualmente promovidas nas
construções industriais ainda persistem as reconstituições estéticas, de grande apelo turístico,
feitas à custa de renovações fantasiosas das fachadas e da substituição indiscriminada dos
materiais tradicionais; intervenções que terminam resultando na alteração, por vezes irreversível,
das valências históricas que teoricamente se desejariam ver preservadas nessas arquiteturas. A
elas somam-se outras tantas modalidades de ações afeitas ao projeto compositivo como fator
modernizador de edifícios pré-existentes, que oscilam entre a exagerada ênfase das
consolidações estruturais/substituições de equipamentos - feitas muitas vezes a revelia da
natureza formal e material do artefato histórico - e às ações pragmáticas, que visam rápidos
resultados econômicos e funcionais, nem sempre adequadas a sua vocação, programa e
volumetria característicos (TIRELLO, 2010).
Buscando suscitar discussões na contra corrente da destinação “turística- cultural espetacular”
que vem sendo dada às estruturas fabris no Brasil, neste trabalho apresentam-se três estudos
acadêmicos, desenvolvidos no âmbito de trabalhos finais de graduação em Arquitetura na
Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Campinas
(UNICAMP), que elegeram como tema a reabilitação de grandes e paradigmáticos complexos
histórico-industriais localizados em importantes e pioneiros centros fabris do Estado de São Paulo,
Brasil: Sorocaba, Tatuí e Piracicaba.
Sem desassociar as diretrizes de restauração física da manutenção do caráter industrial dos
conjuntos industriais - respeitando plenamente as características materiais e estéticas das
edificações históricas - nos três projetos apresentados neste texto foram contempladas questões
pertinentes a reusos compatíveis com a composição social da população que habita ou frequenta
a região em que tais conjuntos se inserem, buscando a máxima utilização das estruturas
existentes e sua readequação às necessidades atuais das cidades.
Em Sorocaba, cidade que hoje conta com cerca de 586.680 habitantes, e que no início do século
XX era conhecida com o epíteto “a Manchester Paulista”, estudaram-se as fábricas têxteis “Nossa
Senhora da Ponte” e “Santo Antônio” (1891-1991), que compõem atualmente o complexo
CIANÊ - Companhia Nacional de Estamparia. Na ocasião da realização deste estudo essas duas
antigas fábricas representavam-se por uma gigantesca estrutura abandonada1, com 34.000m² de
área construída, localizada no centro da cidade, próxima de um terminal de ônibus nodal.
Na perspectiva de reabilitação e restauro do complexo, entre os diversificados programas sociais
que o contexto urbano sugeria, buscou-se propor para o histórico conjunto fabril usos que
efetivamente pudessem facilitar e dinamizar a rotina das pessoas que circulam pelo centro e
viabilizar sua efetiva inserção na cidade contemporânea. Entre outros programas estimuladores
do uso cotidiano, previu-se, por exemplo, a criação da “Casa do Cidadão”, na qual foram
concentrados alguns serviços públicos, comércio e estruturas educacionais municipais em prol da
revalorização das qualidades urbanas do lugar e afirmação de pertença histórica. Propuseram-se
espaços vitais, com integrações e apropriações multiformes do pré-existente, atentando para a
manutenção máxima da identidade fabril do conjunto arquitetônico (SFEIR, 2009).
Na cidade paulista de Tatuí, o complexo industrial estudado corresponde a “Companhia de
Fiação e Tecelagem São Martinho”, fundada no ano de 1881 e hoje abandonada. Corresponde a
um imponente conjunto fabril, que ocupa uma área de aproximadamente 40.000m² localizada na
região central da cidade. Indissociável da paisagem urbana, o conjunto é composto por galpões
industriais, casas de administradores, casarão do proprietário, além de trinta e nove casas
operárias, que se distribuem em cinco quadras.
A proposta de reabilitação arquitetônica feita para a Companhia contemplou a instalação do
“Conservatório Musical Dramático Dr. Carlos de Campos”,instituição que notabiliza
internacionalmente a cidade no ensino da música, contando com cerca de 2.500 alunos de
diferentes nacionalidades. Para ocupação dos edifícios fabris e residenciais do conjunto fabril
foram previstas instalações de salas de conserto e de estudos, refeitórios, biblioteca, habitações
estudantis e jardins, reunindo assim todas as funções do tradicional conservatório que atualmente
funciona em prédios pequenos dispersos pela cidade, inadequados para o ensino da música
(BARROS, 2010).
O terceiro projeto se refere à proposição de novos usos para as antigas instalações da “Usina
Monte Alegre”, localizada em Piracicaba. Tratava-se de uma usina de açúcar e álcool fundada
em 1910 que contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento econômico da cidade até a década
de 1980, quando encerrou suas atividades. A Usina, distante 8 km do centro da cidade e
implantada as margens do Rio Piracicaba, além das grandes estruturas de produção fabril conta
com dezenas de outros edifícios construídos à época pelos proprietários para proporcionar
infraestrutura básica à vida cotidiana de seus operários: moradias, escola, biblioteca, ambulatório,
farmácia, armazém, clube, cinema, que terminaram resultando na formação de um bairro. O
‘Bairro Monte Alegre’ é hoje predominantemente residencial. Nele há um inteiro setor habitacional
ocupado que convive com belos conjuntos de casas abandonadas , a exemplo da “‘Vila Heloisa”(
3.188m²), outrora de habitação e serviços, com as ruínas das estruturas fabris (7.493,05m²) e com
grande área verde beira rio subutilizada.

1
Recentemente foi iniciado o “restauro” do conjunto Cianê.Corresponde a um radical processo de reforma das duas fábricas para
abrigar um shopping center (ver: http://www.patiociane.com.br/projeto. Acessado em 01 de março de 2013). O “restauro” em questão
desconsidera completamente plantas e arranjos internos das edificações, substituindo materiais e revestimentos antigos e as
características peculiares das edificações fabris. Estão sendo erguidas novas estruturas pré-moldadas. Em decorrência dessa obra,
em dezembro de 2012 ,uma parte do muro da “Fábrica Santo Antônio” desabou matando sete pessoas( http://g1.globo.com/sao-
paulo/sorocaba-jundiai/noticia/2012/12/muro-cai-e-mata-quatro-pessoas-na-regiao-central-de-sorocaba-sp.html. Acessado em 01 de
março de 2013).
A proposta de revitalização da Usina Monte Alegre (UMA) aponta para uma maior dinamização e
aproveitamento das estruturas ruinosas e das áreas verdes, que juntas compõem esplendida
paisagem cultural a ser integralmente preservada. Cuidando para minimizar impactos negativos
na rotina da população residente e, ao mesmo tempo, viabilizar um melhor aproveitamento
econômico da área, o projeto proposto contempla a implantação de um pequeno centro de
eventos empresariais composto por espaço coworking2, área para exposições, restaurantes,
jardins e áreas de contemplação visando à ampliação dos espaços de lazer de Piracicaba
(MARTINS, 2012).
Com a exposição parcial destes três projetos3 de revitalização de grandes complexos fabris,
considerados incontestáveis testemunhos da história arquitetônica, econômica e social do Estado
de São Paulo, visamos contribuir neste evento para suscitar reflexões e discussões acerca das
multiplas possibilidades de reinserção ativa de estruturas industriais abandonadas, ou
subutilizadas, nos centros urbanos contemporanêos. Patrimônio arquitetônico tem que ser cidade
viva, objeto de apropiação e memória de todos.

OS NOVOS USOS E O RISCO DE POR UM ELEFANTE NUM PIRES...


Projetos e execução de obras de restauração têm particularidades que os diferenciam
substancialmente das obras arquitetônicas ditas “comuns”; um pressuposto que se aplica tanto
para a determinação dos processos construtivos como para o desenvolvimento projetual,
especialmente no que se refere ao redesenho dos espaços. A menos que se fale em “ruínas
clássicas”, a reinserção de antigas construções na vida contemporânea por meio de sua
readequação a novos usos sempre irá requerer revisões programáticas, que, forçosamente,
implicarão em alterações de maior ou menor grau na matéria dos edifícios. Cuidar para que essas
intervenções sejam mínimas é prerrogativa do restauro conservativo em prol da manutenção dos
plenos valores históricos e documentais destes bens, preservando-os ao máximo para a fruição
da sociedade atual e futura.
A restauração é reconhecidamente um campo interdisciplinar, de modo que as normas e regras
conexas aos seus métodos de projeto se delineiam a partir de conjuntos de saberes oriundos da
história da arquitetura e do urbanismo, da história da técnica, das ciências aplicadas e de outros
campos de conhecimentos correlatos. Felizmente, hoje ao menos é consenso nos meios
especializados brasileiros que as diretrizes de intervenção física nos edifícios devem ser
precedidas de atentos estudos históricos e de diagnósticos acurados para identificar seu estado
de conservação estrutural e materiais constitutivos característicos. Também ganhou algum
destaque - no rol das exigências que os órgãos de preservação oficiais fazem para os
interessados em apresentar projetos de restauro para bens protegidos - a realização de análises
de cronologias construtivas para distinguir as partes originais daquelas espúrias nas construções
do passado. Esta última solicitação constitui-se em grande avanço de apropriação dos
documentos supranacionais e teorias clássicas da restauração do século XX, na medida em que
indica o tardio (mas sempre bem-vindo) reconhecimento de que as estruturas do passado são
estratificadas. Que não há um único tempo para o qual retroceder, mas muitos estratos temporais
a compatibilizar em um projeto de restauração.

2
Coworking é um conceito de escritórios empresariais compartilhados, que são alugados por tempo determinado e que,
geralmente, contam com serviços de apoio terceirizados. São espaços projetados que atendem às necessidades do
mundo corporativo que vêm sendo muito solicitados - e multiplicados - em razão de economia de custos operacionais e
das maiores possibilidades de troca de experiências entre profissionais (networking).
3
Os três trabalhos completos estão on line. Para adequada visualização dos desenhos, fotografias e pranchas de
projeto consultar arquivos disponibilizados no site do GCOR-Arquitetura da Unicamp, constantes na bibliografia deste
texto.Disponível em http://www.fec.unicamp.br/~gcor_arquitetura/?page_id=1397> Acessado em 15 fev.de 2013
À parte do esvaziamento que os meios acadêmicos vêm conferindo a expressão
“interdisciplinaridade”, deve-se ter presente que as desejáveis atuações/avaliações conjuntas (que
nem sempre se consubstanciam adequadamente), vão da engenharia civil à pedagogia e, em
consequência, impõem diferentes categorias de abordagem e análise de um mesmo objeto da
história. Idealmente estas colaborações devem culminar em uma síntese que, além dos meios e
métodos de instrumentação do restauro, sugira e aponte questões pertinentes à adequação do
novo uso proposto à estrutura física e linguagem formal do edifício/conjunto a ser recuperado.
Nessa perspectiva, recuperar significa dar efetivas condições de permanência aos objetos no
transcurso do tempo, mas significa também significá-los socialmente, sem o que não haverá
preservação plena.
Só a partir da compatibilização dos (muitos) dados e informações provindas de fontes tão diversas
é que se deveria passar ao projeto efetivo. Nessa direção, mais que conservar a matéria antiga, o
projeto de restauração aqui é entendido como planejamento, programação e controle das
intervenções necessárias para garantir efetiva compatibilização de novos espaços criados com a
estrutura, as superfícies e ambiências que se reconhecem como históricas.

Uso adequado é prerrogativa de tutela do patrimônio histórico arquitetônico


“As cidades não são concebidas de uma só vez e por um só autor, senão ao longo de
séculos e por múltiplos e sucessivos atores, que a cada geração se apropriam de elementos
antigos, descartam outros, criam novos e reinterpretam tudo, criando novos sentidos. Toda
cidade é, assim, ao mesmo tempo, histórica e contemporânea, uma obra aberta e
permanentemente em transformação ” (AZEVEDO: 2006,65).
À luz deste enunciado afirma-se que trazer antigas edificações abandonadas ou subutilizadas de
volta à vida das cidades implica em criar condições de uso para que a “memória física” expressa
nesses bens seja reconhecida e legitimada pelos fruidores contemporâneos, sem conotações
saudosistas.
Com efeito, centros culturais genéricos sem planos de gestão, museus sem acervo e funcionários,
memoriais longínquos e sem atividades públicas de interesse há muito se mostraram ineficientes
sob o ponto de vista operacional e conservativo; embora permaneçam como destinações caras
aos nossos órgãos públicos, que primeiro “restauram” os prédios para aplicar verbas liberadas
para só depois pensar no que vai ser posto dentro. Contudo, conforme postulam diversos
documentos preservacionistas, a adequação funcional de edificações pré-existentes para novos
usos não deve ser considerada um fim em sim, mas um meio de garantir sua manutenção no
tempo.
Estudos para proposição de adequações de novos usos para preexistências arquitetônicas
correspondem necessariamente a um percurso analítico que implica no estudo físico da
construção/conjuntos sob o ponto de vista de suas limitações/potencialidades estruturais e
espaciais, associadas às avaliações de prioridades sociais e culturais de contextos geográficos e
econômicos com os quais se relacionam. Parece óbvio, mas por que é tão difícil, e raro, ver essa
simples associação entre objeto - usuário contemplada nos planos de revitalização municipais ?
Assegurar o reconhecimento de construções históricas pela comunidade é parte integrante de
processos de preservação sustentáveis. É o acolhimento de um novo programa o que de fato
possibilita a valorização patrimonial e induz à conservação integrada dos artefatos históricos no
tecido urbano e território ao qual pertencem; é o que, efetivamente, poderá vir a garantir a
transmissão de legados históricos à posteridade. Não se conserva o que não se conhece, ou
melhor, o que não se reconhece. O constante desafio colocado para arquitetos e gestores
urbanos é como preservar, seja uma cidade, parte dela ou apenas um monumento isolado sem
engessá-los, sem alienar seus habitantes, os potenciais usuários.
Esta premissa não é uma novidade, absolutamente. Senão antes, em meados da década de 1970
documentos supranacionais preconizavam que “a conservação integrada é conseguida pela
aplicação de técnicas sensatas de restauro e pela correta escolha de funções apropriadas”4 e que
“a conservação do patrimônio cultural deve tornar-se parte integrante do planejamento urbano e
regional, em vez de ser tratada como um assunto secundário”. Rediscutidos, revistos e
aperfeiçoados por décadas, esses preceitos ainda encontram dificuldades de aplicação adequada
no Brasil.
O que ainda parece persistir nas políticas municipais de conservação e revitalização do patrimônio
arquitetônico é uma intensa mercantilização das cidades, que se notabiliza pela intenção de criar
valores excepcionais para presumidas especificidades locais, muitas vezes “inventadas”, que não
correspondem necessariamente à história do sítio e, geralmente, conduzem à descaracterização
completa de seus edifícios históricos. Nestes casos, o restauro tem correspondido à invenção de
formas supostamente antigas e ao uso de técnicas e materiais incompatíveis com a tipologia e
natureza constitutiva dos bens restaurados. A inserção de anacrônicos lampiões de latão nas
estações ferroviárias para dar “atmosfera de tempo antigo” ao espaço é apenas um dos
inumeráveis e horrendos recursos decorativos das recuperações prediais costumeiras - de grande
aceitação popular - que colabora para o esvaziamento dos significados históricos intrínsecos da
edificação histórica.
Essa história ‘atemporal’ e domesticada, que se apoia em adereços, contribui para aumentar
ainda mais os preconceitos em relação à restauração de edifícios também nos meios
profissionais, na medida em que colabora com a disseminação da falsa ideia - inclusive entre
arquitetos - que criatividade e inovação de linguagem e projeto de restauro arquitetônico são
excludentes. Associadas a óbvios interesses especulativos, nas “reservas” de grande parte dos
arquitetos com os projetos de restauração observa-se que ainda persiste o alinhamento com o
ideário moderno da “tabula rasa”; postura que se faz sentir na eleição de estratégicos ícones
históricos da cidade que valorizem, pelo contraste da inércia e apelo retórico, os arranjos prediais
contemporâneos do entorno imediato obtidos em prol da dinâmica urbana contemporânea com
demolições/reconstruções a qualquer custo. Nos atuais contextos urbanos - considerados
miticamente pulsantes e urgentes -, edifícios históricos mais singelos, talvez porque considerados
modestos espacialmente para arrojadas utilizações que se desejam contemporâneas, quando são
recuperados terminam se transformando em simples apêndices de grandes empreendimentos.
Edifício histórico não é portal!
Sob o ponto de vista do uso são consideráveis as desproporções e inadequações entre a escala e
perímetro de uma dada arquitetura preexistente e os programas usualmente indicados para
‘revitalizá-la’. Frágeis casas burguesas do século XIX que são transformadas em centros culturais
são bons exemplos. Em casos assim, para atender as demandas de público é necessário, no
mínimo, a construção de um auditório, de novas instalações sanitárias, guaritas etc., que ao final
resultam em uma infinidade de anexos que obstaculizam jardins e visadas do monumento. Para
adequar novos usos onde estes não cabem se constroem puxadinhos!
Entende-se que para atender as prerrogativas do restauro conservativo é fundamental identificar
destinações que tornem viáveis a efetiva compatibilização do programa espacial por elas
sugeridas com as características formais e dimensionais dos edifícios históricos. Isso não é
purismo tolo, é busca de adequação projetual. Um elefante não cabe num pires.
Que história física estamos preservando afinal? Se por um lado se constata que nas últimas duas
décadas as discussões sobre as premissas científicas do restauro no âmbito acadêmico forma

4
Carta Europeia do Patrimônio Arquitetônico, promulgada pelo Comitê de Ministros do Conselho da Europa no Congresso sobre o
Patrimônio Arquitetônico Europeu, reunido em Amsterdam entre 21 e 25 de Outubro de 1975. Declaração de Amsterdam, outubro de
1975. Disponível em http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=246 Acessado em 15 fevereiro 2013.
aprofundadas, por outro, as nossas práticas preservacionistas continuam, no mínimo, muito
atabalhoadas.
Se as recuperações de edifícios/sítios urbanos tendem à gentrificação5, para refletir sobre novos
usos e intervenções físicas pertinentes à espessura histórica dos edifícios do passado é oportuna
à colocação de Ulpiano Bezerra de Meneses sobre o apreço nacional aos chamados usos
“diferenciados” (no sentido de elegantes e exclusivos) para valorizar edifício antigos.
“(...) é como se as qualidades reconhecidas nesses edifícios não pudessem ser
contaminadas por usos “menos nobres” atribuídos ao trabalho e ao cotidiano (...) o caminho
mais seguro para criar no campo do patrimônio cultural, condições mais favoráveis para a
inclusão social é, sem qualquer dúvida, o reconhecimento da primazia do cotidiano e do
universo do trabalho nas políticas de identificação, proteção e valorização e,
consequentemente, de maximização do potencial funcional” (MENEZES, 2006, p.53).
É impossível estabelecer a priori destinações de usos para estruturas antigas. São elas que
devem sugerir um novo programa espacial, um novo uso, e não o contrário. Além da atenta
avaliação preliminar da materialidade dos prédios/conjuntos, para a realização de um bom
restauro a determinação das características de ocupação precisa se referenciar também em
análises dos contextos urbanísticos e econômicos com que os mesmos bens se relacionam,
considerando ainda os valores conexos às características das construções, aos custos, aos
valores simbólicos e as perspectivas de sustentabilidade social do empreendimento.
As excepcionais iniciativas de restauração arquitetônica que têm sido dirigidas aos grandes
edifícios e conjuntos fabris paulistas - a maioria em áreas centrais das cidades - geralmente
correspondem a reformas apressadas, improvisadas, para garantir o uso das estruturas como ato
emergencial antidemolição ou, no melhor dos casos, para instalar programas megalômanos de
centros comerciais de luxo6, ou mesmo de supermercados (uma tendência), são raras as
exceções. Ainda que a primeira vista estes usos comerciais pareçam ocupações adequadas para
grandes estruturas fabris, por legislação ou decoro, esses programas demandam revestimentos e
arranjos espaciais particulares que terminam descaracterizando o que este tipo de patrimônio tem
de inerente: pés diretos altos, estruturas de coberturas expostas, revestimentos e pavimentos
rústicos, entre outros atributos que lhes confere o status de “arquitetura industrial“.
Sob o ponto de vista urbanístico, a incúria das gestões municipais para com os importantes
complexos históricos fabris do interior do Estado de São Paulo - que estão (propositalmente?)
abandonados e em estado de conservação preocupante - tem contribuído para a formação de
áreas degradadas, ociosas e ermas nos centros urbanizados, induzindo os cidadãos a desejarem
sua completa demolição em nome da segurança ou do desejo de instalações prediais com alguma
utilidade. O que não é um completo absurdo diante do convívio cotidiano com sujas carcaças de
velhos edifícios que lhes é imposto. Contudo, as operações urbanas que conhecemos estão longe
de apresentar boas alternativas para a inserção ativa das preexistências nas cidades
contemporâneas. É com o aprofundamento do debate acerca dessas questões que o nosso
trabalho pretende contribuir.

PRESSUPOSTOS DO EXERCICIO PROJETUAL PARA RECUPERAÇÃO DE ESTRUTURAS


FABRIS.

5
“Gentrificação” é um termo recorrente no campo do patrimônio cultural. O uso pioneiro da expressão gentrification é atribuído a
socióloga inglesa Ruth Glass, que o empregou da década de 1960 para descrever o processo de ocupação de bairros antigos e
desvalorizados de Londres, por famílias de classe média (BIDOU-ZACHARIASEN, 2006). Esse termo posteriormente passou a ser
empregado para significar amplas reformulações econômicas, sociais e políticas do espaço urbano, um instrumento de estratégia da
globalização do capital. Seria o enobrecimento de locais anteriormente populares produzindo uma cidade desigual, expulsando a
população de baixa renda das áreas revitalizadas em benefício de interesses das elites.
6
Caso da das fábricas da CIANÊ em Sorocaba, onde será instalado um Shopping Center.
Os três projetos de reutilização e restauro de grandes conjuntos industriais paulistas que
apresentamos neste texto, além das dimensões grandiosas e importância histórica e cultural
regional, têm em comum o abandono ou a subutilização de suas edificações. Por estarem em
razoável estado de conservação fisica e terem proximidade ou inserção espacial importante em
centros urbanizados do Estado de São Paulo,os conjuntos em foco propiciaram interessantes
desafios projetuais que ultrapassam a escala da edificação. Ressalto que as três propostas de
projeto que trazemos não se configuram em trabalho profissional. São pesquisas de natureza
acadêmica; trabalhos de final de curso de graduação que refletem discussões que temos
sustentado nas disciplinas relacionadas à preservação arquitetônica ministradas no Curso de
Arquitetura da UNICAMP7.
Perfilando-se também com as pesquisas que vimos realizando sobre arquitetura histórica da
industrialização paulista no GCOR- Arquitetura (Grupo de Conservação e Restauro da Arquitetura
e Sítios Históricos)8 da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP,
esses trabalhos finais de graduação tiveram como objetivo discutir, avaliar e aplicar métodos
variados de análise de edificios históricos que dessem suporte para a proposição de intervenções
físicas de restauro, procurando aliar sugestões de adequação predial a novos programas que
causassem o mínimo impacto às preexistências e seu entorno. Para tanto, as propostas de
propostas de uso e de projeto arquitetônico dos tres exercicios projetuais se balisaram nas
carateristicas formais, volumétricas e perimetrais das edificações das quais trataram, sempre
levando em conta que usos contemporâneos demandam tecnologias e escolhas operacionais
atualizadas.
Destaca-se que apesar do emprego da metodologia de abordagem do objeto ser coincidente nos
três casos (análise histórica, levantamentos metricos e diagnósticos de conservação feitos in
situ),as soluçôes finais diferem na medida que cada projeto busca contemplar particulares
problemáticas urbanas impostas pelas características de implantação dos edifícios históricos e
paisagens culturais qie este contribuiem para configurar..
Nos três casos, as diretrizes de projeto de reabilitação foram antecedidas pelas seguintes etapas
de análise do objeto:
- Estudo das características histórico-construtivas. Avaliação das técnicas, dos materiais
construtivos e artísticos de interesse.
- Análise da quantidade e qualidade das alterações físicas e funcionais que o tempo impôs às
construções/conjuntos em estudo.
- Discussão crítica dos valores culturais reconhecidos oficialmente e daqueles atribuídos aos
mesmos bens pelos fruidores atuais.
- Delineamento dos critérios de intervenção material compatibilizando a preservação dos valores
destacados dos objetos e com novos usos.
Prevendo intervenções mínimas e indispensáveis para a recuperação dos conjuntos fabris, com
particular atenção à preservação da harmonia dos conjuntos com a paisagem natural ou
construída circundantes, abordagens variadas dos artefatos deram suporte à metodologia de
projeto. À saber:

1. Reconhecimento preliminar do objeto sob o ponto de vista técnico e formal


-Avaliação dos vínculos tipológicos/períodos construtivos com que o complexo se
identifica/expressa, tomando-se como referência a arquitetura industrial regional.

7
AU814:Técnicas Retrospectivas e AU200:Laboratório de restauro 1: A documentação do patrimônio arquitetônico:teoria
e prática.Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP.Docente responsável: Profa.Dra.Regina
Tirello.
8
Site do GCOR-Arquitetura /Unicamp: http://www.fec.unicamp.br/~gcor_arquitetura/?page_id=349. Acesso em 15
fevereiro 2013.
- Análise da tipologia formal e construtiva, individualizando a qualidade e quantidade de variantes
entendidas como: alterações planejadas ou eventuais havidas ao longo dos anos nas superfícies,
estruturas e perímetros das edificações. Trata-se de uma fase de avaliação de natureza
interdisciplinar que solicita estudos variados para a identificação da cronologia histórico
construtiva do bem, que nem sempre é evidente ou documentada (Figuras 3 e 11).
- Diagnóstico de conservação dos materiais e estruturas.

2. Avaliação de compatibilidade de uma estrutura existente com implantação de uma nova


destinação de uso.
- Determinação da destinação de uso do edifício/conjunto em acordo com sua localização
geográfica geral ou particular; do território ao tecido urbano específico.
- Avaliação do impacto que o novo programa proposto impõe, tendo em vista a máxima
manutenção dos materiais e espaços originais denotadores das funções primitivas/linguagem do
edifício/conjunto estudado.
- Verificação da adequação de determinadas destinações de uso escolhidas com as cargas,
esforços estruturais e alterações em vãos/superfície que um novo programa pode solicitar.
- Harmonização das relações “interno - externo” do projeto, levando-se em conta, entre outros
fatores, a comodulação e aberturas características da construção histórica.
- Avaliação do suporte físico original (edificação preexistente) e dos espaços e fluxos exigidos pelo
novo programa, dando especial atenção à manutenção de superfícies de valor artístico/cultural
(cores, texturizações, relevos, decorações etc).

SOROCABA: AS FÁBRICAS TÊXTEIS “NOSSA SENHORA DA PONTE E SANTO ANTÔNIO”


(1891-1991)9
Localizado no centro da cidade de Sorocaba - a “Manchester paulista’ - o conjunto arquitetônico
formado pelas antigas fábricas têxteis “Nossa Senhora da Ponte” e “Santo Antônio” é conhecido
atualmente como CIANÊ (Companhia Nacional de Estamparia).Constitui-se em um dos
exemplares de conjuntos fabris de tijolos à vista mais bem conservados da região, ao qual agrega-
se grande valor histórico, artístico e simbólico,posto que testemunha o inicio desenvolvimento
industrial e econômico da cidade.
As fábricas em questão têm características compositivas marcantes, semelhantes à tipologia das
fábricas inglesas do séc. XIX, não obstante tenham sofrido diversas modificações ao longo dos
anos para adequar suas instalações ao progresso e novas demandas de produção (Figuras 1).
Contudo, as muitas reformas internas, ampliações e alterações externas havidas ao longo de
décadas não significaram descaracterizações importantes para o complexo industrial.O conjunto
Cianê se conforma justamente pela união de vários edificios de tijolos aparentes erigidos em
épocas diversas. (Figuras 2 e 3).
Essa peculiaridade, somada a adoção de técnica construtiva similar em todos seus prédios - a
alvenaria de tijolos aparentes - confere unidade formal ao conjunto,cuja harmonia se traduz na
riqueza dos recortes e elementos de fachada, bem como nas marcas históricas testemunhadas
pela texturização e nuanças cromaticas dos panos de tijolos que constitui a superfície dos prédios.
Tratam-se de construções robustas, de grandes dimensões, na maioria térreas, com espaços

9
Trabalho final de graduação intitulado “Práticas do Cotidiano: Reabilitação e Restauração das Fábricas Têxteis Nossa Senhora da
Ponte e Santo Antônio”, desenvolvido pela autora Maíra Brançam Sfeir, em 2009. Orientadora: Prof. Dra. Regina Andrade Tirello;
Coorientadora: Prof. Dra. Ana Maria Reis de Góes Monteiro. Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp.
internos simples e desprovidos de adornos que não as próprias soluções construtivas. A maioria
dos pavilhões, apoiados em pilares e estrutruras metálicas aparentes, com entrada abundante de
luz natural e ventilação pelos sheds, conformam grandes áreas livres que eram ocupadas por
maquinário industrial (Figura 4).

Figura 1: Acima, a fábrica “Nossa Senhora da Ponte” na década de 1940. Abaixo, mosaico fotográfico de fachada de edifício
que exemplifica a tipologia arquitetônica do conjunto com as alterações atuais. Arquivo: Maira Sfeir, 2009.

Figura 2: O conjunto fabril CIANÊ em seu atual contexto urbano. Acervo GCOR-UNICAMP, 2009.

Esse complexo encontra-se em área de grande tráfego urbano (Figura 2).Está posicionado no
eixo de avenidas e serviços municipias responsáveis pela dinâmica e intenso movimento da área:
a Avenida Afonso Vergueiro,uma das mais movimentadas da cidade,que constitui o primeiro anel
viário de Sorocaba; o terminal de onibus Santo Antônio, utilizado diariamente por mais de 70 mil
pessoas; o centro comercial, que concentra diversos pequenos serviços e comércio popular
responsável por fluxo constante de pessoas e veículos; a Rua Álvaro Soares, uma das principais
vias de acesso ao centro.Encontra-se nas suas imediações também o Mercado Municipal,
construído em 1938 e tombado pelo patrimônio histórico do município, que mantém sua atividade
original.

A proposição de um novo programa para as estruturas fabris abandonadas considerou sua


particular inserção no centro urbano, uma área de intenso fluxo de pessoas.O projeto visou
possibilitar a apropriação dos edificios históricos por todas as camadas sociais e considerou, a
estrutura de serviços já existente no entorno do local, avaliando suas potencialidades e demandas
por melhoria. Usos relacionados ao cotidiano, qualificados pela cultura e lazer, podem criar
espaços vitais, com integrações e apropriações multiformes, enraizamento pessoal e comunitário.

Figura 3: Estudos da cronologia arquitetônica do complexo. A execução dos desenhos dos diversos estágios de integridade
arquitetônica)dos edifícios(de 1905 a 1954) apoiou-se em pesquisas históricas documentais e imagísticas, levantamentos
métricos e na análise /registro concomitante da “epigrafia”, entendidas como inscrições,marcas e ‘acidentes’ arquitetônicos
que indicam modificações não registradas. Autora: Maira Sfeir, 2009.

Figura 4: Exemplo de “Prancha Síntese” de estudos feitos sobre edificios da “Fábrica Santo Antônio”. A insenção de
imagens, desenhos e estudos de cronologia construtiva em uma mesma prancha é um recurso gráfico que visa explicitar
diferentes formas de observação e registro adotados na pesquisas e dar a conhecer, separadamente, os muitos estágios de
integridade física dos inúmeros prédos do grandioso conjunto (ver:SFEIR, 2009).Arquivo: Maira Sfeir,2009.

Entre outros programas relacionados a serviços e lazer foi proposta a “Casa do Cidadão”’ que
concentra alguns serviços públicos, comércio e estruturas educacionais municipais, em prol da
revalorização das qualidades urbanas do lugar e afirmação de pertença histórica.

Com objetivo de melhorar as visadas dos edificios históricos e ampliar espaços de


lazer,permanencia e circulação daquela região da cidade,foram realocados no interior das antigas
fabricas alguns estabelecimentos comerciais e camelôs instalados no seu intorno imediato.No
projeto,a conexão cidade- conjunto histórico se efetiva por meio da criação de um grande parque
que estabelece novos eixos de circulação e cria espaços dinâmicos, perspectivas visuais e
arborização propicia para o convivio e descanso:um parque entorno das fábricas.
Os grandes desníveis do terreno sugeriram a construção de platôs ajardinados que integram as
duas fabricas e acomodam restaurantes, lanchonetes, comércio e serviços além de um pequeno
estacionamento de veículos necessários para o funcionamento do conjunto (Figuras 5 e 6 ).

Figura 5: Implantação geral do novo parque do conjunto fabril e o novo terminal de ônibus urbano.Arquivo: Maíra Sfeir, 2009.

Figura 6: Cortes longitudinais: parque, fábricas e terminal de ônibus. À direita, imagens de projeto da área externa do
conjunto. Acervo: Maíra Sfeir, 2009.
TATUÍ: A COMPANHIA DE FIAÇÃO E TECELAGEM SÃO MARTINHO (1881-1980)10

Na cidade paulista de Tatuí, o complexo industrial estudado corresponde a “Companhia de Fiação


e Tecelagem São Martinho”, fundada no ano de 1881 e hoje abandonada (Figura 7).Constitui-se
em um imponente conjunto fabril que ocupa uma área de aproximadamente 40.000m² na região
central da cidade. Distribuída por cinco quadras, a Companhia é composta por diversos galpões
industriais, casa de administradores e de um vistoso casarão do proprietário, além de trinta e nove
casas operárias, tornando-se indissociável da paisagem urbana local (Figura 8).

Figura 7: Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho, 1910. Acervo pessoal Erasmo Peixoto (in memorian). Autor
desconhecido.

O desenvolvimento econômico da cidade de Tatuí coincide com a história da “Companhia”,


fundada por Martinho Guedes Pinto de Mello, o responsável pela introdução da cultura do algodão
herbáceo na cidade. O personagem tem importância local equiparada ao conjunto fabril.

Nascido em 1827 na Freguesia de Sobre-Tamega, Portugal, Pinto de Mello refugiou-se no Brasil


devido ao então conturbado quadro político de seu país. Instalou-se em Tatuí, cidade em que
iniciou o comércio de manufaturados. Na década de 1860, Pinto de Mello começou a importar as
primeiras sementes de algodão herbáceo, vindas dos Estados Unidos da América, distribuindo-as
entre os agricultores locais. Segundo relatos de historiadores locais, dava as sementes aos
agricultores, ensinava-lhes o plantio e dividia com eles os lucros da produção. Para facilitar o
manuseio da grande quantidade de algodão cultivado, Pinto de Mello mecanizou o beneficiamento

10
Projeto “Uma nova sede para o Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, Tatuí-SP:projetando
para a preservação do patrimônio industrial paulista” da autora Maira Camargo de Barros.Orientadora: Profa. Dra
Regina A Tirello.Campinas : Faculdade Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp. Campinas, 2010.
do algodão, produzindo maquinaria adequada para limpeza e pesagem. Era o início de seu projeto
de construção de uma fábrica de fios e tecidos em Tatuí.
Em poucos anos, a “Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho”, tornou-se uma das
maiores produtoras de algodão e seus derivados do sul do Brasil. Em consequência de suas
exigências funcionais, diretas e indiretas, proporcionou muitas benfeitorias para a cidade, entre as
quais a chegada da energia elétrica.
Entorno dos galpões fabris formou-se um importante conjunto arquitetônico, que como a fábrica,
desde o início da década de 1980, encontra-se abandonado e em franco processo de degradação,
com exceção das casas operárias que atualmente são locadas para moradia.
Desde 2007, todas as edificações do complexo fabril encontram-se salvaguardadas pelo órgão de
proteção estadual11.

Figura 8: No destaque, infográfico indicando a distribuição das construções nos lotes. Edificações que compõem o conjunto
fabril: (1) os galpões fabris e torreão principal, (2) o casarão do proprietário, (3) a casa do administrador, (4) um dos conjuntos
de casas operárias. Arquivo: Maira Barros, 2010.

11
Processo 31877/94. CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de
São Paulo).
A proposta de reabilitação arquitetônica do conjunto contemplou a instalação do “Conservatório
Musical Dr. Carlos de Campos”, que notabiliza a cidade no ensino da música, prevendo instalação
de teatro, salas de conserto e de estudos, refeitórios, habitações estudantis e jardins.
Visando determinar as diretrizes de projeto de restauração da “Companhia”, a elaboração do
programa de necessidades apoiou-se em visitas aos prédios do “Conservatório Dramático e
Musical Dr. Carlos de Campos” e entrevistas com professores e alunos dessa instituição para
melhor compreender suas atividades, dinâmicas e necessidades.
Já nas primeiras visitas identificaram-se demandas dos músicos por melhorias de espaço, entre
as quais a necessidade de maiores e melhores salas para ensino e prática musical, salas de
estudos mais numerosas, amplas e acusticamente tratadas. Grande parte dos alunos não reside
na cidade e passa o dia todo na escola, o que faz com que os esparsos e escassos espaços
atuais de convívio e administração sejam insatisfatórios. Salas de professores, praças para
ensaio, estudo e descanso, além de boas cantinas, eram reivindicações constantes e coincidentes
entre alunos, professores e funcionários.
Essas múltiplas atividades, inerentes a um conservatório musical, sugeriam o uso de todos os
edifícios e áreas verdes externas da “Companhia. Para tanto, foi proposta a seguinte setorização
de atividades: a) Casas operárias: residências estudantis; b) Casa do administrador: biblioteca e
salas de leitura; c) Casarão do proprietário: espaço de entretenimento e lazer, com adequação
para apresentações musicais de pequenos grupos; d) Galpões fabris principais: sede da escola de
música, com salas de aula, cabines de estudo individual (para atender cerca de 60 alunos),
almoxarifado, administração e espaços de convívio; e) Galpões fabris secundários (situados a
nordeste dos galpões principais): auditório de câmara e espaço para eventos; f) Estacionamento,
sala de aulas teóricas, refeitório: nova construção em terrenos da própria “Companhia”.
Sob o ponto de vista da recuperação física, nesse exercício projetual foram apontadas diretrizes
gerais para o tratamento de todos os edifícios relacionados à fábrica.Previram-se a recuperação
das antigas das fachadas dos galpões fabris e para readequação dos espaços internos da
tecelagem, que devido ao uso proposto implicaram na inserção de novos materiais e tecnologias
relacionadas a melhoria acústica dos espaços.
No edifício principal procurou-se tirar partido de suas qualidades arquitetônicas intrínsecas:
grandes espaços bem iluminados e com excelentes condições de ventilação. Considerando que a
construção atual resulta de diversas ampliações funcionais feitas em épocas diferentes, nem
sempre bem planejadas, os pavimentos irregulares gerados pela intersecção não linear das
estruturas internas - resultado de muitas ampliações funcionais feitas em épocas diferentes -
sugeriram a apropriação dos espaços por “níveis”. Essa diretriz beneficiou a hierarquização de
funções e setorização necessárias para locais de ensino musical, considerando o elevado
número de usuários, a movimentação cotidiana e os ruídos gerados pelos instrumentos. Deste
modo, estabeleceram-se os seguintes setores para o mencionado edifício (Figuras 9 e 10):
Nível 01: Área de menor dissipação sonora. Foram alocados nesse nível os instrumentos de peles
e as salas de ensaios, os maiores geradores de ruídos na escola,
Nível 02: Acesso principal do edifício. Zona de caráter mais público e, por conseguinte, ruidosa.
Neste piso alocaram-se: administração, secretaria escolar e suas dependências, praça interna,
espaço expositivo, recepção, loja de souvenires e depósito de instrumentos.
Nível 03: Com menor fluxo de pessoas, foi dedicado as atividades de estudo. Foram projetadas salas
de aula de estudo para pequenos grupos (tercetos, quartetos, quintetos), salas de estudo individuais
equipadas com piano vertical e uma grande sala de estudo coletivo, com capacidade para cerca de 60
pessoas (Figura 9).
Como os pés-direitos da edificação são modestos (não ultrapassam os 4 metros), em áreas em que
foram constatadas intervenções mais recentes, foram feitas algumas aberturas nas lajes para criar
novos eixos de circulação vertical para inserção de escadas e elevador panorâmico para acesso aos
três níveis da edificação.

Figura 9: Imagens internas dos galpões (1). Estudos de cronologia arquitetônica do edifício para identificação das etapas
construtivas; levantamento métrico arquitetônico e infográfico dos “níveis” da construção”do edifico fabril (2). Mosaico
fotográfico para avaliação de alterações e da cronologia construtiva da fachada e base desenho de reconstituição
reconstituição indicativa da volumetria e das envasaduras originais(3). Arquivo: Maíra C. Barros, 2010.

Figura 10: Acima, planta do nível de acesso principal à escola de música. Ao centro, o pátio dos galpões industriais: situação
atual e situação proposta. Abaixo, os diferentes níveis da construção. Autora: Maíra C. Barros, 2010
Figura 11: À esquerda, imagens de espaços internos do conjunto na situação atual. Ao centro, proposta de restauro
adequando os antigos espaços para área de convivio e sala de estudos da sede do conservatório. À direita, cabine acústica
desenvolvida para os estudos individuais.Arquivo: Maíra C. Barros, 2010.

. PIRACICABA: A USINA MONTE ALEGRE12

Figura 12: Conjunto fabril e vilas residenciais da Usina Monte Alegre na década de 1940. Arquivo: Wilson Guidotti Jr.

A “Usina Monte Alegre” (UMA), localizada em Piracicaba, é uma usina de açúcar e álcool fundada
em 1910 que contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento econômico da cidade até a década
de 1980, quando encerrou suas atividades (Figura 12). As edificações e ruínas fabris
remanescentes testemunham a modernização dos sistemas produtivos do século XX relacionados
à indústria açucareira e um tipo específico de bairro operário que, para além de sua própria

12
Projeto ”Um novo projeto para a histórica Usina Monte Alegre de Piracicaba, SP” desenvolvido por Sarah Viloud Martins, 2012.
Orientadora: Prof. Dra. Regina Andrade Tirello, Campinas :Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp.
expressão arquitetônica, dá a conhecer específicas formas de organização social relacionadas ao
processo de industrialização no Estado de São Paulo. A parte sua proteção oficial, dada pelo
tombamento municipal, o conjunto arquitetônico é legitimado como patrimônio histórico e cultural
pelos cidadãos piracicabanos.
Na “Fazenda Monte Alegre”, fundada pelo vigário de Piracicaba, Joaquim Amaral Gurgel, em
1804, cultivava-se a cana de açúcar e outras culturas. Nela foi construído um pequeno engenho.
Em 1824, da união das fazendas Monte Alegre e Taquaral, origina-se o “Engenho Monte Alegre”,
propriedade do político e jornalista José da Costa Carvalho – o Marquês de Monte Alegre. Após
sucessivas mudanças de proprietários e crescimento da produção, em 1888, Antônio Alvez
Carvalho funda o “Engenho Central de Monte Alegre”.
O substancial desenvolvimento físico e industrial da propriedade ocorreu em 1910, quando Pedro
Morganti e José Puglisi Carbone tornam-se seus proprietários, fundando dois anos mais tarde a
“Companhia União dos Refinadores”, transformando o engenho em uma grande usina de açúcar.
O álcool começou a ser produzido na UMA (Usina Monte Alegre) em 1917, com exponencial
aceleração da produção a partir de 1920.
Em 1940, a UMA era uma pequena cidade, com 3.076 alqueires e infraestrutura urbana para
cerca de 1500 funcionários. A Usina contava ainda com dezenas de outras edificações em apoio à
vida cotidiana dos funcionários: moradia, escola, biblioteca, ambulatório, farmácia, armazém,
clube, cinema, que terminaram resultando na formação de um bairro.
Distante 8 km do centro da cidade e implantada as margens do Rio Piracicaba, além das ruínas
das imponentes estruturas de produção fabril (Figura 13) significativa parcela do “Bairro Monte
Alegre” mantém o uso residencial de outrora. As vilas ainda ocupadas convivem com belos
conjuntos de casas abandonadas- a ‘Vila Heloisa”- (Figura 14), com 3.188m² e com 7.493,05m²
de ruínas das estruturas fabris e grande área verde beira rio subutilizada.

Figura 13: Conjunto fabril em estado de ruína. Vista para o conjunto completo e espaço interno de diferentes blocos que
abrigavam setores da produção como moendas, decantadores e oficina mecânica. A maior parte do maquinário foi saqueada.
Fotos: Sarah V.Martins, 2012.
Figura 14: A”Vila Heloisa”. A realização de mosaicos fotográficos integrou a metodologia de inventário e análise dos das seis
vilas da Usina .Apoiaram levantamentos métricos arquitetônicos e registro do estado de conservação das fachadas. Acervo:
Sarah V.Martins, 2012.

Figura 15: Acima, mosaico fotográfico das ruinas da Usina e desenho técnico de elevação. Abaixo, à esquerda, imagem de
nuvem de pontos no programa AutoCAD gerada por escaneamento 3D; sistema usado para correção métrica do levantamento
arquitetônico que possiblitou também a execução de maquete eletrônica do conjunto de edificios fabris da UMA. À direita,
maquete digital do conjunto já com assinalação das áreas de reintegração física parcial das estruturas ruinosas ara abrigar o
espaço coworking,mpresariais, área de exposições, restaurantes e jardins/áreas de contemplação. Arquivos: Marco Antônio
Guidotti (nuvem de pontos), 2012; Sarah V.Martins: fotografias e desenhos, 2012.

Considerando a paisagem cultural configurada pela UMA, a proposta de revitalização da Usina


previu o uso qualificado das estruturas ruinosas e/ou subutilizadas e das áreas verdes. Refletindo
demandas locais o projeto proposto orientou-se no sentido de possibilitar melhor aproveitamento
econômico do conjunto arquitetônico representado pelas ruínas fabris e edificações residenciais
abandonadas, associando às novas dinâmicas de uso a ocupação equilibrada das áreas beira-rio,
aumentando os espaços de lazer da cidade de Piracicaba. Leva em conta o potencial da
implantação estratégica da UMA em relação às vias local e considera escalas de ocupação
reduzida das preexistências, buscando assim evitar potenciais impactos negativos à vida da
população residente no bairro Monte Alegre (Figura 15).
O projeto contempla 3 (três) linhas de intervenção para recuperação do conjunto de edifícios e
áreas verdes:1) Implantação de um centro de eventos empresariais composto por espaço
coworking, área para exposições, restaurantes, jardins e áreas de contemplação nas ruínas
arquitetônicas (7.493,05m²) da Usina Monte Alegre..2) Implantação de parque e de pequenos
estabelecimentos de alimentação (bares e restaurantes) ao longo do Rio Piracicaba.3)
Implantação de comércio e serviços na Vila Heloísa (antiga vila residencial, de comércio e
serviços (3.188m²).
Figura 16:Exemplo de “Prancha Síntese” de estudos de edifícios que integram as ruinas da UMA:mosaicos fotográficos e
levantamentos métricos.Arquivo: Sarah V.Martins, 2012.

Orientando-se pela linha da mínima intervenção, a proposta de restauro físico sugerido para o
conjunto residencial “Vila Heloisa” (Figura 14) e ruínas arquitetônicas buscou contemplar
especificidades formais e conservativas das diferentes edificações do conjunto. Para a “Vila
Heloísa”, já muito alterada em seu interior,foram previstos reconstituição crítica das fachadas
apoiada por prospecções e documentação histórica: liberação de vãos entapumados, reposição
de trechos de alvenaria e rebocos faltantes, pintura com cores originais identificadas com
prospecção de superfície e refazimento de cobertura. No setor das ruínas fabris, na parte de
instalação do coworking, optou-se pela conservação integral dos paramentos murários externos
que, como uma pele, envolvem uma estrutura metálica independente13.As demais estruturas
ruinosas serão tratadas,consolidadas e integradas ao projeto de paisagismo (Figuras 19 e 20).
O “Coworking da Usina” ocupa 705,10m² dos edifícios principais ruinosos.Foi previsto para
atender uma lotação de 70 pessoas, em acordo as diretrizes gerais de possibilitar usos
permeáveis, econômica e culturalmente factíveis ao conjunto, que ao mesmo tempo garantissem
baixo impacto na rotina do bairro residencial.
Os quatro pavimentos do bloco principal do coworking são erigidos a partir de uma estrutura
metálica independente dos muros para abrigar escritórios de múltiplo uso e infraestrutura a eles
relacionados: recepção, sala de espera, área de convivência, área de alimentação, área
administrativa, serviço de cópias e impressão, banheiros, copa para clientes, depósito, área de

13
As paredes antigas são amarradas por engastes que partem das estruturas internas e independentes.
apoio e manutenção, salas para reuniões, saletas de estar, áreas coletivas de trabalho, salas de
pequenas apresentações e dinâmicas de equipe (Figura 17).

Figura17:Desenho esquemático da estrutura independente proposta para a implantação de um coworking em parte das
ruínas fabris.Arquivo: Sarah V.Martins, 2012.

Áreas de exposição de produtos e auditório para apresentações maiores estão previstas nas
estruturas contiguas ao bloco metálico principal do coworking ,interconectando-se a ele por praças
internas14 (Figura 19). Foram previstos ainda dois espaços de uso múltiplo e restaurantes: um
interno e dois externos.

Figura 18: Vista da área de exposição (à esquerda) que abriga eventos empresariais e restaurantes.As ruínas fabris integram
a paisagem.Acervo:Sarah Martins, 2012.

14
Os jardins internos utilizam antigas estruturas, como apoio para maquinário, como da linguagem paisagística. Concreto e aço são
materiais presentes no espaço externo.
Para a recuperação das supeficies externas de alvenaria de tijolos à vista foram previstas as
seguintes intervenções: limpeza controlada, hidrofugação e reparos pontuais nas superficies de
reboco/ alvenarias antigas e consolidação estrutural.Os tijolos à vista - que caraterizam a tipologia
do conjunto- serão mantidos e as superficies esternas terao seu reboco tratado ou substituido , a
depender do estado de conservação.Nas fachadas serão preservadas as aberturas atualmente
existentes, com pontuais alargamento de vãos. A maior parte dos blocos interconectados com o
coworking deve receber nova cobertura (Figura 16).

Figura 19: Jardim de conexão dos espaços de apoio ao coworking.O antigo maquinário e estruturas remanescentes são
incorporados no projeto de paisagismo.Arquivo: Sarah V.Martins, 2012.

No antigo conjunto fabril, áreas administrativas foram dispostas em pavimentos superiores para
que haja mais liberdade na circulação e flexibilidade de uso no pavimento térreo. Elevadores,
escadas, banheiros e áreas de apoio foram implantados em novos blocos internos que seguem o
gabarito das paredes originais.

Figura 20: Perspectiva do interior de um edificio fabril com proposta de intervenção.Arquivo:Sarah V.Martins, 2012.
CONCLUSÕES

Os exercícios projetuais expostos neste texto tiveram por objetivo discutir questões
pertinentes à conservação, gestão e valorização da arquiteura histórica industrial, indo ao
encontro dos debates e iniciativas que vêm ocorrendo no Brasil a respeito da reinserçâo
deste patrimônio na cidade contemporânea. Visou-se ao desenvolvimento de estratégias
de conhecimento, de inventário e conservação relacionados ao projeto arquitetônico e
urbano, que contribuem para revelar mas também valores culturais, econômicos e
empresariais.

No âmbito didático o intuito foi o de fornecer habilidades especializadas para estudantes,


futuros arquitetos, que no decurso do exercício profissional podem vir a ser solicitados
para desenvolvimento de projetos de reabiltação do patrimonio industrial, um acervo
arquitetônico significativo de nossas cidades, cada vez mais reconhecido no aspecto
simbólico, mas que ainda carece de estudos técnicos que subsidiem projetos de restauro
aquitetônico de cunho preservacionista.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Paulo O. “A cidade como obra aberta”. In: MORI, Victor H.; SOUZA, Marise C.; BASTOS,
Rossano L.; GALLO, Haroldo (org). Patrimônio: Atualizando o Debate. São Paulo: 9º SR/IPHAN, 2006. Pág.
65-69.

BARROS, M. C.”Uma nova sede para o Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, Tatuí-
SP: projetando para a preservação do patrimônio industrial paulista”. Trabalho Final de Graduação.
Faculdade Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp. Campinas, 2010, pp116.
Disponível em < http://www.fec.unicamp.br/~gcor_arquitetura/?page_id=1397> Acesso em:15 fevereiro 2013

MARTINS, S. V. ”Centro UMA. Um novo projeto para a histórica Usina Monte Alegre de Piracicaba,SP”.
Trabalho Final de Graduação. Faculdade Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp. Campinas,
2012.Disponível em < http://www.fec.unicamp.br/~gcor_arquitetura/?page_id=1397> Acesso em:15 fevereiro
2013

MENESES, Ulpiano. T. B.. “A Cidade como bem cultural”. In: MORI, V. H.; SOUZA, M. C.; BASTOS, R. L.;
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