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DO IMPÉRIO AO DESCASO: O DESMEMBRAMENTO DO ACERVO DA MATE

LEÃO JÚNIOR

Simpósio Temático 3 - Espaços públicos e cidades

DAMIANI, Daiana Marsal 1


PERAZZA, Gabriella2

RESUMO
As categorizações e qualificações socialmente construídas para o conceito e os significados de
"patrimônio" evoluíram e se adaptaram às mudanças culturais, sociais, econômicas e legais
que o cercam. O patrimônio industrial é uma categoria relativamente nova que atinge,
concomitantemente, a memória do trabalho, o estabelecimento e proteção de acervos e a
presença das edificações industriais no tecido urbano. Nosso foco se dá na cidade de
Curitiba/PR a partir do século XIX, uma vez que se desenvolveu economicamente através da
indústria ervateira, que propiciou mudanças estruturais que impactaram as dinâmicas
paranaenses em suas dimensões sociais e urbanas até os dias de hoje. Esta pesquisa versa a
partir de metodologia qualitativa exploratória do levantamento de acervos e dados biográficos
do MUPA sobre o fechamento da fábrica Mate Leão Júnior e o desmembramento do seu
acervo institucional. Na busca de analisar as problemáticas da repartição desse acervo em
instituições diferentes, salientamos a importância da sua conjuntura unitária para com a
pesquisa museológica e historiográfica sobre a histórica da cidade de Curitiba
Palavras-chave: Patrimônio; Erva-mate; Acervos; Mate Leão Júnior.

1. INTRODUÇÃO
Compreendidos como o (...) “conjunto de bens culturais, de caráter material ou
imaterial, móvel ou imóvel, que integram o campo documental de objetos/documentos que
correspondem ao interesse e objetivo de preservação, pesquisa e comunicação de um museu"
(...), (IBRAM, 2013, p. 5), os acervos configuram e desempenham um papel crucial na
preservação, disseminação e promoção do conhecimento, da cultura e da herança de uma

1
Discente de Museologia na Universidade Estadual do Paraná (Unespar), campus Curitiba I - Escola de Música
de Belas Artes do Paraná, daianamdamiani@hotmail.com
2
Discente de Museologia na Universidade Estadual do Paraná (Unespar), campus Curitiba I - Escola de Música
de Belas Artes do Paraná, gabriella.perazza.uni@gmail.com
sociedade. Dentro dos aspectos museais, os acervos desempenham um papel multifacetado e
essencial na preservação, promoção e pesquisa do patrimônio cultural.
Em primeiro plano, os acervos museológicos surgem da herança da prática
colecionista e passam, a partir do século XVIII, a desempenhar um papel vital na preservação
e divulgação dos patrimônios, atuando como defensores da memória, preservando a
integridade física e autenticidade de objetos, artefatos e existências ao longo do tempo. Essa
função, essencial para conservar a memória coletiva e as tradições culturais, por proporcionar
uma ligação tangível com o passado, passa a se expandir a partir das categorizações e
qualificações socialmente construídas para o conceito e os significados de "patrimônio", que
evoluíram e se adaptaram às mudanças culturais, sociais, econômicas e legais que o cercam,
levando a novas interpretações, tipologias e espaços de existência de patrimônios e os acervos
do quais estão inseridos.
Para Gonçalves (2002), o patrimônio não se trata de uma invenção moderna: no
mundo clássico e na Idade Média, a categoria patrimônio se faz presente, representando uma
classe de pensamento extremamente importante para a vida social e mental de qualquer
coletividade humana, consistindo em propriedades, bens e outros ativos valiosos que eram
passados de pais para filhos, visando preservar o legado familiar.
Diante do desenvolvimento das sociedades agrícolas e o surgimento de propriedades
territoriais, o patrimônio passou a se referir às terras, imóveis e recursos naturais que
pertenciam a indivíduos, famílias ou instituições que constituíam o entendimento de território
e comunidade. É a partir desse cenário que o patrimônio passa a ser compreendido no
Ocidente como uma construção social que surge no início da Modernidade, acompanhando o
processo de civilização produzida na configuração dos Estados Modernos, (...) “ao defender a
existência de uma herança pública a ser preservada para o futuro” (...) (ZANIRATO, 2018, p.
10).
Paralelamente, o entendimento sobre patrimônio se estendia para suas dimensões
sociais e comunitárias, compreendendo que grupos desempenham um papel essencial na
preservação e transmissão de tradições e práticas culturais, tornando-se parte integrante do
patrimônio, este agora interpretado através da (...) “apropriação do mundo pelas pessoas, uma
apropriação daquilo que as envolve, daquilo que elas valorizam e querem preservar e,
possivelmente, transmitir.” (...) (RAUTENBERG, 2015. p. 59).
É a partir da década de 1970 que o patrimônio industrial se torna uma pauta junto dos
debates em torno de uma ampliação conceitual. Tem suas raízes na Revolução Industrial dos
séculos XVIII e XIX, que trouxeram mudanças profundas na produção, transportes e demais
dinâmicas da sociedade: fábricas, minas, ferrovias e outros locais industriais começam a fazer
parte das paisagens e ações cotidianas, desempenhando um papel fundamental nesse
movimento e configurando um novo campo de investigação relacionado a memória do
trabalho, que, como comenta Meneguello (2011), se perfaz pelos dos processos de construção
de conhecimento mediante técnicas de produção, organização e sociabilidade dentro e fora
das indústrias. Entre discussões, define-se oficialmente uma categoria chamada de Patrimônio
Industrial que, segundo a Carta de Nizhny Tagil, compreende tais bens enquanto:

(…) vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social,
arquitetônico ou científico. Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria,
oficinas, fábricas, minas e locais de processamento e de refinação, entrepostos e
armazéns, centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de
transporte e todas as suas estruturas e infra-estruturas, assim como os locais onde se
desenvolveram atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como
habitações, locais de culto ou de educação. (TAGIL; NIZHNY, 2003).

O conceito emergiu, dessa maneira, como uma resposta à rápida industrialização e ao


desejo de preservar os marcos do passado industrial, reconhecendo sua importância histórica,
cultural e econômica. Além disso, ele é formado a partir da sua dimensão nas (...) “edificações
industriais na trama urbana” (...) (MENEGUELLO, 2011, p. 18-19), do seu valor imaterial
ligado à memória dos trabalhadores (as rotinas, os saberes, as práticas e movimentações
cotidianas) e acervos de tipologias variadas que os configuram. Dessa forma, esse patrimônio,
que inclui instalações industriais, arquitetura, maquinário e mobiliário fabril, não apenas
cumpre um papel educacional no contexto museológico, mas também se destaca como uma
representação ativa das interações culturais entre a tecnologia e a sociedade, em uma
perspectiva dinâmica e histórica (MANZING; PEREIRA, 2013).
Por abarcar diversos suportes, a preservação do patrimônio industrial em suas variadas
tipologias se torna uma tarefa complexa. Para que um bem seja devidamente compreendido e
reconhecido como parte do patrimônio industrial, é necessário que sua integridade seja
mantida. A integridade engloba a conservação não apenas dos aspectos físicos, mas também
dos elementos históricos e culturais que compõem esse patrimônio. Tal preservação visa
garantir que a essência e o significado subjacentes permaneçam intactos ao longo do tempo.
Isso implica na compreensão abrangente dos usos passados dos edifícios fabris, seus materiais
de trabalho e das atividades desenvolvidas neles, uma vez que a preservação exclusiva da
estrutura física sem considerar seu contexto histórico e funcional perde sua relevância e
propósito. Os bens integrantes de acervos industriais são, portanto, compreendidos como um
todo interligado a várias outras estruturas e etapas da produção (MENEGUELLO, 2011).
Devido a falta de critérios de valorização por parte dos órgãos oficiais de preservação,
que relutam em atribuir um valor a esse tipo de bem, é possível analisar que as problemáticas
permanecem as mesmas, alimentadas por um entendimento errôneo do patrimônio industrial
como algo sem valorização significativa e fugaz para as sociedades modernas. Outro ponto a
se considerar é que, dependendo da constituição social da região onde se encontra, ele terá
maior ou menor relevância, como o caso da cidade de Curitiba, onde não se dá tamanha
importância ao assunto decorrente da conjuntura da formação da cidade, realidade que
encontramos ao explorar o desenvolvimento e crescimento da capital do Paraná.

2. CURITIBA E A MATTE LEÃO JÚNIOR


Durante o século XVIII e XIX a cidade experimentou transformações notáveis
impulsionadas pelo movimento do tropeirismo. Curitiba desempenhava um papel essencial
como ponto de trânsito para as tropas de animais provenientes do Rio Grande do Sul em
direção a São Paulo, marcando assim uma influência significativa no desenvolvimento urbano
e na paisagem da cidade nesse período (PEREIRA, 2021, p. 26). Esse fluxo trouxe a
necessidade de acomodações e suprimentos para os viajantes, estimulando o surgimento de
pequenos comércios e hospedarias, o que por sua vez impulsionou o desenvolvimento da
cidade. Além do tropeirismo, outras atividades econômicas, como o extrativismo, a pecuária e
a agricultura de subsistência também desempenharam papéis importantes na região, porém
nenhuma alcançou a magnitude da produção de erva-mate.
Embora a cidade tenha servido como ponto de passagem para os tropeiros, seu
desenvolvimento foi limitado, já que estruturas essenciais, como bancos, cartórios e mercados
consumidores de gado ainda estavam concentradas em São Paulo. Ademais, o tropeirismo não
gerava muitos empregos, resultando em apenas uma parcela muito reduzida da população
envolvida nesse tipo de atividade (PEREIRA, 2021 p.27). Em contraste, a indústria ervateira
demandava extensivamente trabalhadores, criando uma cadeia econômica e acúmulo de
capital.
Por volta de 1830, a produção de erva-mate emergiu como atividade econômica mais
organizada e robusta. O crescimento do comércio da erva-mate possibilitou a ascensão de
uma elite econômica composta por exportadores (COSTA, 1995). Tais sujeitos
desempenharam um papel crucial na emancipação do estado em relação a São Paulo e
impulsionaram um crescimento econômico sem precedentes até então.
Os primeiros registros de engenhos de mate surgiram no litoral do estado, mais
precisamente em Paranaguá, na metade do século XIX, sendo estabelecidos e administrados
por Francisco Alzagaray3. Esses engenhos eram equipados com soques movidos por uma
espécie de moinho de água, o que ampliou o uso da tração hidráulica na produção do mate.
Embora não fosse uma inovação, pois esse sistema já era empregado em outras regiões do
Brasil para diferentes produções, no Paraná, houve uma peculiaridade em relação à utilização
desses processos de produção. Desde o início, optou-se pela utilização de mão de obra livre e
assalariada, o que marcou, de maneira primitiva, uma concepção inicial do funcionamento das
futuras fábricas (PEREIRA, 2021, p. 84).
Na segunda metade do século XIX, houve um aumento repentino e exponencial na
produção ervateira devido ao aumento das taxas de exportação, em autonomia política obtida
em 1853. Esse período também marcou o início da melhoria na comunicação entre a indústria
e os órgãos governamentais. Foi nessa época que começou a ser construída a Estrada da

3
Portenho, Francisco de Alzagaray se estabeleceu em Paranaguá e construiu um engenho de beneficiamento de
erva-mate para abastecer o mercado argentino.
Graciosa em 1873 e a Ferrovia Paranaguá – Curitiba, inaugurada em 1885. A abertura de
caminhos proporcionaram maior facilidade na importação e exportação de produtos,
contribuindo para o surgimento de novas atividades econômicas relacionadas à erva-mate.
Somado a isto, essa infraestrutura ferroviária foi crucial para impulsionar a industrialização da
cidade e a criação de instituições públicas e privadas de auxílio a essas necessidades, como
bancos (FLORENZANO, 2022).
Uma dessas indústrias foi a Mate Leão Jr, estabelecida em 1901 em Ponta Grossa,
inicialmente sob o nome de Fábrica Santo Agostinho por Ermelino Leão Júnior. Segundo o
resumo histórico da empresa Leão Júnior, pertencente ao Museu Paranaense, após um
incêndio devastador em 1912, a empresa mudou-se para Curitiba, ocupando o antigo engenho
Tibagi de Francisco Fontana4, localizado na região do bairro Batel. Devido ao contínuo
crescimento da produção, houve a necessidade de melhorar as instalações industriais. Com
isso, foi projetado um moderno e amplo edifício no bairro do Portão, cuja construção teve
início em 1923 e conclusão em 1926. Essa mudança resultou em um significativo aumento na
produção, levando a Matte Leão Jr. a liderar a produção mundial de erva-mate na década de
1920. Ainda no Portão, foi erguido um conjunto residencial operário, inicialmente composto
por 30 moradias, que recebeu o nome de "Vila Leão" pelos próprios trabalhadores.
Em 1930, um novo incêndio devastou completamente o moinho de mate, causado por
uma fagulha de uma locomotiva ferroviária (O DIA, 1930, p. 5). Como alternativa, a empresa
adquiriu dois moinhos semi paralisados na região do Rebouças. Estes moinhos estavam
localizados em uma pequena e precária instalação, onde existia um grande barracão. Apesar
das limitações, a área era conveniente, pois facilitava o acesso a um ramal ferroviário próprio.
No final da década de 1950, a Mate Leão Jr já havia se tornado um grande
conglomerado de várias indústrias. Além da própria ervateira, a empresa possuía fazendas
pecuárias, como a Curitibana, indústria madeireira, moinhos de trigo, como o Paranaense, um
dos primeiros do Paraná, e companhias de transporte fluvial e terrestre. Todas essas empresas

4
Imigrante italiano genovês que desembarcou em terras uruguaias com sua família,representava uma empresa
uruguaia, a Silva & Irmão.
estavam vinculadas à Mate Leão Jr, formando uma rede industrial de suporte para a produção
da erva-mate.
A partir de 1928, período até então que marcou o ápice das exportações de erva-mate,
a economia ervateira começou a encolher. Tamanho declínio foi impulsionado,
primeiramente, pelo aumento das taxas de impostos sobre o produto e, em segundo lugar, pela
redução das exportações do seu principal comprador, a Argentina. Isso ocorreu devido ao
sucesso do cultivo da erva na Argentina, que passou por tentativas de adaptação desde 1900
(COSTA, 1995, p. 30). Não apenas, os ervateiros enfrentaram dificuldades para encontrar
novos compradores para o produto, uma vez que este era praticamente considerado de
circulação interna sulamericana. Quando ambos os países começaram a investir no processo
industrial da erva, eles começaram a comprar somente a do tipo cancheada direto dos
produtores, o que fez com que, já em 1950, muitas fábricas do ramo começassem a declarar
falência (COSTA, 1995, p. 67).
Após 106 anos sob o comando da família Leão, a tradicional fábrica de mate encerrou
suas atividades. Em 2007, a marca foi adquirida pela Companhia Coca-Cola Ltda. e o futuro
do local ficou incerto, sem receber investimentos significativos ou novas diretrizes. Quando
em 2010, após extensas negociações, os herdeiros optaram por vender o complexo industrial,
que se localizava desde princípios do século passado num terreno de quadra inteira no bairro
Rebouças, em Curitiba/PR, ao lado da atual sede da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), já
deteriorado, para a organização religiosa Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
Ressaltamos aqui que o complexo fabril não possuía status de Unidade de Interesse de
Preservação5 (IUP) nem era considerado um patrimônio histórico tombado pela cidade de
Curitiba, apesar dos órgãos públicos, como o IPPUC6 e a FCC, reconhecerem sua relevância
histórica como um dos poucos remanescentes do ciclo do mate na região (GAZETA DO
POVO, 2011) .Em consequência disso, em 2011, o local foi demolido quase por completo,
restando apenas um anexo administrativo na quadra adjacente, do qual hoje funciona a sede
5
Fica instituída a Unidade de Interesse de Preservação, constituída por edificações que, de alguma forma,
apresentam interesse histórico, patrimonial e arquitetônico significativos para a manutenção da memória do
Município de Curitiba, mas não necessariamente serão preservados ou passaram por tombamento.
6
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba; uma autarquia municipal criada em 1965 com a
missão de acompanhar e orientar a implantação do Plano Diretor proposto.
administrativa da instituição religiosa, de acesso completamente restrito para a comunidade,
turistas e pesquisadores. A partir desse cenário, lançamos um olhar museológico sobre o
acervo industrial da Mate Leão Jr e sua relação de distanciamento para com a sociedade.

Figuras 1 - Instalações da fábrica Leão Júnior Figura 2 - Vista Parcial da IURD

Fonte: Acervo Humberto Mezzadri Fonte: As autoras, 2023.

3. PESQUISA DE CAMPO
A fim de construir uma percepção mais ampla acerca da realidade que permeia
atualmente as memórias patrimoniais relacionadas ao antigo complexo fabril, buscou-se,
através de um levantamento qualitativo exploratório, encontrar informações sobre as
condições e organizações museológicas oferecidas aos acervos da Mate Leão Jr. Efetuou-se,
em campo, o contato direto com o território do entorno da antiga fábrica, consultando os
resquícios das suas estruturas e maquinários, e, em laboratório, a verificação de dados
biográficos do MUPA sobre o fechamento da fábrica Mate Leão Jr e o desmembramento do
seu acervo institucional.
Após a demolição, por falta de interesse da família, o acervo da empresa foi disperso.
Uma parcela encontra-se atualmente na FCC, explorada pessoalmente pelas pesquisadoras,
porém, até recentemente, o acesso às informações sobre tal acervo estava integralmente
limitado devido à escassa disponibilidade online. Durante uma visita à sede da fundação, foi
possível observar quatro maquinários da fábrica “expostos” — em termos descritivos de
abandono — ao ar livre (Figuras 1 e 2) afetados pela ferrugem, apresentando graus
significativos de degradação e com pouca ou nenhuma sinalização, sem identificação
informativa sobre seus usos, origens, datas ou materiais.
Figuras 3 e 4 - Maquinários

Fonte: As autoras, 2023.

Outra parte do acervo permaneceu sob posse da família e foi doada ao MUPA no ano
de 2013. Além desse acervo, o Museu possui um comodato desde 2018 de parte do acervo
contábil da empresa: que não faz parte de sua coleção permanente e está, apesar de seguir
condicionado devidamente pela instituição em suas reservas técnicas (Figuras 5 e 6), à
procura de um novo destino. Avulta-se a hipótese que quando a fábrica foi adquirida no ano
de 2007, provavelmente, durante a mudança para o novo local, uma parte do acervo tenha
sido descartada, e os bens sobreviventes dentro do antigo complexo soterrados pela
demolição. Por consequência desse cenário, a incerteza sobre a localização do restante do
acervo se tornou um tópico instigante durante o seguimento da pesquisa.

Figuras 5 e 6 - Acervo Documental Acondicionado na Reserva Técnica do MUPA

Fonte: As autoras, 2023


Figuras 7 - Anexo administrativo da IUDR

Fonte: As autoras, 2023

Outro aspecto previamente mencionado diz respeito ao anexo localizado na quadra


adjacente à sede administrativa da Igreja Universal (Figura 7). Durante as investigações,
foram visitados locais que anteriormente abrigavam as fábricas. Tentou-se estabelecer contato
com a instituição religiosa a fim de compreender os processos e decisões relacionadas aos
acervos remanescentes, até mesmo o possível mantenimento de sua memória a partir de
quaisquer patrimônio materiais e imateriais preservados, porém, não recebemos respostas nem
autorização para acessar as instalações do prédio para pesquisa, essa de cunho integralmente
acadêmico. Causa de tamanha indignação, pois a antiga fachada do edifício foi
completamente restaurada em colaboração com a Prefeitura Municipal de Curitiba. Portanto,
mesmo que o prédio esteja sob domínio de uma instituição de propriedade privada,
informações sobre ele, uma vez que atualmente é considerado uma Unidade de Interesse de
Preservação da cidade de Curitiba, deveriam ser disponibilizadas ao público, considerando a
relação direta que se envolve com a comunidade e a luta contra a efetivação de uma história
que deixa de estar somente apagada, mas passa, portanto, a se tornar proibida.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto, o patrimônio industrial se constitui oficialmente quando está íntegro, pois
todos os seus componentes devem estar interligados para contar uma narrativa coesa. Quando
os acervos são descaracterizados e dispersos por diferentes espaços, dificulta-se a
compreensão das informações, causando lacunas na representação legítima do patrimônio
industrial. Tal cenário colabora para o apagamento da memória dos agentes que contribuíram
para a formação desse patrimônio, como os trabalhadores e a comunidade local, prejudicando
não apenas os bens e memórias da Mate Leão Jr em si, mas considera igualmente a região
onde está inserida, como é o caso da cidade de Curitiba/PR, onde uma parte significativa de
sua história é negada e esquecida.
É a partir do levantamento e efetivação dos processos da documentação museológica
— prática que abrange o gerenciamento de um conjunto de práticas e procedimentos técnicos
essenciais voltados para o controle amplo das informações e itens pertencentes aos espaços de
memória (IBRAM, 2013) — que patrimônios ganham a chance de serem preservados e
salvaguardados de forma digna e eficaz, cumprindo suas funções perante a sociedade. O
museu, como processo, considera o patrimônio não como fonte de coleção ou estudo apenas,
mas como um conjunto global, um recurso do território, ao mesmo tempo que natural, cultural
e humano, que pode ser utilizado de múltiplas maneiras. (VARINE, 2000). É por tanto que o
mapeamento dos registros de acervo desempenha um papel crucial na preservação da história
que permeia esses locais de natureza industrial. Com a fragmentação, as conexões entre os
acervos se dissipam, resultando em uma nova narrativa que nem sempre reflete os
acontecimentos. É fundamental levar em consideração que memórias se perdem e se
reconstroem por meio de novas narrativas, desde que permaneçam acessíveis à comunidade.

REFERÊNCIAS
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https://ticcih.org/wp-content/uploads/2013/04/NTagilPortuguese.pdf. Acesso em: 29 nov.
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https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2013/03/ComoCriarMuseu_Orientacoes.pdf
Acesso em: 12 dez. 2023.
FLORENZANO, Iaskara Souza. Rebouças: Um olhar sobre o patrimônio industrial do
Rebouças. Curitiba: [s. n.], 2022. 240 p.

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MANZING, Paulo César; PEREIRA, Juliana. Arqueologia Industrial na Paisagem Urbana


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VARINE, Hugues de. A Nova Museologia Ficção ou Realidade. Patrimônio e Cidadania., In:
Porto Alegre, Prefeitura Municipal De (org.). Museologia Social. Porta Alegre: [s. n.], 2000.
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PEREIRA , Magnus Roberto de Mello. Semeando Iras Rumo Ao Progresso: ordenamento


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RAUTENBERG, Michel. Patrimônio, Continuidade Ou Ruptura No Uso E Nas


Representações Dos Lugares. 2015.

Sem defesa, fábrica da Matte Leão começa a ser demolida. In: Gazeta Do Povo, [S. 1.] 6 abr.
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https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/sem-defesa-fabrica-da-matte-leao-comeca
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Termo de Doação Matte Leão - Acervo Institucional do Museu Paranaense, 2013.

ZANIRATO, Silvia Helena. Patrimônio e identidade: retórica e desafios nos processos de


ativação patrimonial. In: Revista CPC (USP), v. 13, n. jan/set. 2018, p. 07-33.

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