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A discussão sobre a relação entre cidade preexistente e preservação aparece desde os primeiros textos
sobre valor histórico e cultural de bens materiais, tendo recebido diferentes enfoques de acordo com
sua trajetória conceitual. Entre as abordagens há a figura do “entorno” ou “vizinhança” como um
instrumento de restrição de uso para a preservação de bens tombados. Ampliaram-se significativamente
as potencialidades e significações do entorno como instrumento de preservação urbana, ganhando
jurisprudência e importância nas políticas empreendidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico
Nacional (Iphan). Este artigo tem como objetivo refletir sobre a história das políticas de entorno de bens
tombados pelo Iphan junto à história das cidades brasileiras e suas relações na atualidade. Pretende-se
contribuir ao entendimento da política de patrimônio brasileira nas cidades como parte da política
urbana.
PALAVRAS-CHAVE: Entorno de bens tombados. urbanismo. lphan.
ABSTRACT
The discussion about the relation between the preexisting city and conservation appears since the early
writings of the historical and cultural value of buildings, with different foci according to its conceptual
trajectory. Among the usual approaches, there is the figure of the "surroundings", "neighborhood" or
"buffer zone" as an instrument of usage restriction for the preservation of listed buildings and spaces.
The potentialities and meanings of the surroundings widened significantly as an instrument of urban
preservation, gaining jurisprudence and importance in policies enacted by the Institute of Historic and
Artistic Heritage (Iphan). This paper aims to reflect on the history of policies surroundings of listed
buildings by Iphan along with the history of brazilian cities and their relations today. We aim to
contribute to the understanding of brazillian heritage policy in cities as part of urban policy.
RESUMEN
La discusión sobre la relación entre la ciudad preexistente y la preservación aparece desde los primeros
textos sobre el valor histórico y cultural de los bienes materiales, habiendo recibido diferentes enfoques
según su trayectoria conceptual. Las potencialidades y significados del entorno se han ampliado
significativamente como un instrumento de preservación urbana, ganando jurisprudencia e importancia
en las políticas emprendidas por el Instituto Nacional del Patrimonio Histórico y Artístico (Iphan). Este
artículo tiene como objetivo reflexionar sobre la historia de las políticas que rodean los bienes
enumerados por Iphan junto con la historia de las ciudades brasileñas y sus relaciones actuales. Su
objetivo es contribuir a la comprensión de la política patrimonial brasileña en las ciudades como parte de
la política urbana.
PALABRAS-CLAVE: Entorno de los bienes inmuebles de interes cultural. urbanismo. Iphan. Brasil.
Discussões sobre a proteção às áreas urbanas estiveram presentes no Brasil mesmo antes do
início das políticas de preservação do patrimônio, no final dos anos 1930. Entorno, vizinhança,
área envoltória ou de tutela são algumas das denominações empregadas por órgãos de
preservação, legislações e cartas patrimoniais para formular um conceito que se refere à área
que circunda o bem tombado, sujeita a restrições de uso e ocupação, efetivando a
conservação pela relação do bem com seu espaço imediato. A menção ao entorno já estava
presente nas propostas que antecederam o Decreto-Lei nº25/1937, que cria o instituto do
tombamento e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), sendo, por fim,
incorporado pelo Artigo 18 desta lei. Codificada legalmente como área de possível perturbação
de visibilidade do patrimônio, significados e valores do entorno variaram ao longo do tempo e
da jurisprudência adquirida, passando a ser conceituado como área na qual a ambiência deve
ser mantida. Apesar de definido na legislação desde 1937 e do desenvolvimento conceitual
existente, o entorno é um assunto que não está plenamente resolvido nos órgãos de
preservação, pois não há consenso quanto à sua interpretação, à forma de demarcação de
perímetro e, ainda, às normas incidentes (Motta; Thompson, 2010; Meneses, 2006; Nito,
2015).
Renata Cabral (2013) destaca que as contribuições teóricas e empíricas de Giovannoni sobre a
noção de ambiente foram fundamentais ao entendimento da relação entre desenho,
planejamento e conservação urbana. Os discursos desenvolvidos não se relacionavam
diretamente a preservação de determinado tecido urbano, mas estavam preocupados com
questões políticas muito mais amplas, como outro tipo de vida e outro modo de produção
urbana contrária aos urbanistas e higienistas do século XIX (Choay, 2001).
Segundo 1965 a 1980 Preservação como política Relação gestão urbana e qualidade de
urbana vida
Quadro 1: Periodização do entorno no Iphan com base nos estudos de Motta e Thompson (2010).
Caso emblemático do primeiro período do Quadro 1 foi o entorno do Outeiro da Glória no Rio
de Janeiro/RJ que se prolongou de 1949 a 1965, acumulando processos judiciais, com sentença
final favorável ao Iphan. Um dos processos resultou na demolição de quatro andares de um
edifício que comprometeria a apreensão topográfica da área, baseado no conceito de
visibilidade não limitada a relação física (Motta; Thompson, 2010). Para Nascimento, não
conseguindo impedir as modificações urbanas e a verticalização, o patrimônio tornou-se fonte
de acordos na cidade, tendo o Iphan como “ente de negociação entre os vestígios do Rio de
Janeiro colonial e imperial e a transformação da cidade no século XX” (2018a, p. 304).
Nas décadas de 1960 a 1980, as práticas de preservação por meio do entorno se relacionaram
com o alargamento do conceito de patrimônio, devido ao “monumento ser inseparável da
história e do meio em que se situa”, como postulado na Carta de Veneza, de 1964 do Icomos.
A preocupação com a proteção por meio de outros critérios para além da monumentalidade
era evidente. Essa perspectiva foi potencializada no Brasil ao se agravarem as críticas sobre os
efeitos do tombamento aplicado a conjuntos urbanos (Sant’Anna, 2015. p. 288). Dessa forma o
Iphan, mesmo não sistematicamente, procurou articular suas políticas de preservação com as
novas questões urbanas e os desafios que as cidades impõem ao patrimônio.
O entorno foi tratado como “uma proposta de preservação sem tombamento” (Arnaut, 1984),
ou seja, houve uma preferência pela utilização do entorno para a proteção de áreas urbanas
sem o uso do tombamento para toda a região. Como exemplos, temos os processos de
1
Entre 1960 e 1970, houve a construção de vários planos urbanos, em sua maioria financiados pelo Serviço Federal
de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) (Cymbalista; Santoro, 2009). Feldman (2005) questiona os tratamentos
simplistas geralmente atribuído a esses planos e instrumentos apontados como tecnocráticos. A autora revela que
eles precisam ser mais estudados, como exemplo, Nascimento (2018b) destaca como o Plano Urbanístico Básico da
Cidade do Rio de Janeiro de 1976 era sensível às preexistências urbanas da cidade e seu valor a qualidade urbana.
O terceiro período estabelecido por Motta e Thompson (2010) esteve marcado por
investimentos internos do Iphan na reflexão sobre os processos feitos até então. Houve a
discussão teórica por meio de dois seminários internos e da formulação de um método para
atuação em 1983, e a criação de procedimentos administrativos específicos (Portarias nº 10 e
11, de 1986) para tornar os processos mais claros e transparentes, apropriados ao momento
de redemocratização do país. As discussões institucionais se apressaram e intensificaram
devido ao processo de redemocratização, principalmente, para debater “a extensão do poder
discricionário da SPHAN e sua competência legal para intervir no controle do uso do solo
urbano” (Sant’Anna, 2015, p.293).
Devido à extensão burocrática, além de terem sido pouco utilizados, os processos específicos
para as áreas entorno caíram em desuso, sendo o entorno regulamentado de outras formas de
acordo com a necessidade de cada região. Uma maior concentração de estudos de entorno se
deu no Rio de Janeiro, local que concentrava o grupo de técnicos defensores de sua utilização.
Tais ações de preservação e discussões normativas demonstram a preocupação dos técnicos e
dirigentes do Iphan em regulamentar os procedimentos sobre as áreas de entorno na década
de 1980. A regulamentação do entorno contribuiu para manter a relevância do Artigo 18 do
Decreto-Lei nº27/1937. Para Sant’Anna (2015, p. 294 e 295), isso corroborou com o poder
discricionário de atuação do Iphan, que manteve sua atuação em áreas urbanas.
Segundo Carina Mendes Melo (2016), a partir de 2007 o Iphan ressaltou a importância de
regulamentação das áreas tuteladas, em especial as áreas de entorno, sendo criado um
caderno de orientações e diretrizes aos estudos (Iphan, 2010). A preocupação do Iphan
decorreu do grande passivo de bens protegidos para os quais as áreas de entorno nunca foram
oficializadas. As problemáticas também são evidentes em artigos produzidos por técnicos do
Iphan que apresentam reflexões sobre a prática de preservação (Leal e Freitas, 2008;
Balthazar, Nito e Oliveira, 2015; Nascimento et al., 2013; Melo, 2016). A importância do
instrumento também é visível pela demanda de estudos sobre entorno feitas nas
superintendências estaduais como atividade a ser desenvolvida pelos bolsistas do Mestrado
Profissional do Iphan3.
2
A Declaração de Xi’An é elaborada a partir de discussões as transformações urbanas ocorridas em cidades de
países em desenvolvimento, em particular no continente Asiático (Icomos, 2005).
3
Existem 8 dissertações de mestrado desenvolvidas sobre a temática de entorno que estão disponíveis
online pelo site do mestrado do Iphan: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/308. Acesso em: fev.
2020.
O patrimônio tombado dos exemplos citados possuem localizações estratégicas de acesso aos
centros urbanos, onde o zoneamento incentiva a verticalização da área, sem apresentar
diálogo com os bens tombados e ignorando suas áreas de entorno como parte da historicidade
desses. Para Meneses (2006, p. 41), se por um lado é constatada a dificuldade de incorporar as
dimensões sociais da cidade nas práticas de preservação, por outro, políticas urbanas se
distanciam de questões patrimoniais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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