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Resumo
As complexas relações entre homem, natureza e cultura bem como entre tempo e espaço em um
cenário global de proteção e conservação ambiental e de respeito à cultura dos povos e suas minorias,
visando preservar o meio ambiente e valorizar o patrimônio e as culturas frente ao fenômeno da
globalização. Conflito social em Unidade de Conservação baseado em aparente dissonância legal.
1. Introdução
O objetivo do presente texto é abordar as relações entre homem, cultura e natureza, a partir da dimensão
espacial da cultura em suas manifestações material e imaterial, carregadas de memória e simbologia, no
contexto do mecanismo brasileiro de proteção ambiental denominado unidade de conservação.
Considerando a natureza o modelo de equilíbrio para o homem, a sua diversidade é o ponto de partida para
a construção do respeito à diversidade cultural e à proteção ambiental, pois ambas atendem às
necessidades materiais e imateriais do homem, com destaque para religião.
No Brasil é comum algumas religiões1 realizarem seus rituais e práticas em ambientes naturais como rios,
lagos, matas, cachoeiras, praias – geossímbolos2 –, podendo, ainda, depositar oferendas nesses espaços.
Tais oferendas podem alterar o espaço natural já sobrecarregado por outros fatores como a urbanização e
alta densidade demográfica, tornando-se foco de conflito.
1 Exemplos: indígenas, umbanda, candomblé, budismo, hinduísmo, wicca, celtas, cigana, cultos xamânicos e
neopentecostais.
2 Consoante Corrêa, A.M. (2004), o geossímbolo pode ser um acidente geográfico, vegetação, trajetos, significados
pelo grupo religioso emponderando-o em sua identidade religiosa. Para o grupo religioso de matriz africana, a
Natureza é o seu maior bem simbólico para efeito de seus rituais.
O espaço escolhido para tal problematização é o Parque Nacional da Tijuca indicado na figura 1 abaixo,
por ser familiar - carregado de memória -, por ser patrimônio nacional, por ser território santuário, e, por
ser palco da tensão social (proteção do parque x manifestações religiosas) que reflete em escala local, uma
questão nacional.
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PONTA DAS ANDORINHAS
Município do Rio de Janeiro Parque Nacional da Tijuca
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Figura: 1 Vegetação - MAPA GERAL
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Zona de Ocupação Temporária
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Escala 1:40.000 BASE CARTOGRÁFICA ORIGINAL - INSTITUTO PEREIRA PASSOS
0 245 490 980 MAPAS VETORIAIS 1:2000 DE 1997 E 2000 E 1:10000 DE 1999
ORTOFOTOS ESCALA ORIGINAL 1:10000 DE 1999 E 2004
600000 800000
Metros RESPONSÁVEL TÉCNICO: BERNARDO ISSA DE SOUZA
ANALISTA AMBIENTAL - PARNA TIJUCA - CREA-RJ157484/D
Toda atividade produz impacto na natureza, afetando o ambiente e seu funcionamento integrado e
sistêmico, em escalas local e global.
Em resposta aos incessantes estímulos, tais como a crescente exploração de recursos naturais, aceleração
tecnológica, pressão demográfica, urbanização e industrialização, são criadas cada vez mais normas legais
com o objetivo de proteger e conservar o meio ambiente das atividades do homem para as gerações atual e
futuras.
No Brasil, principalmente após a Constituição Federal de 1988, surgiram vários diplomas legais no âmbito
federal para cumprir o propósito acima citado, cujos mais relevantes aplicáveis ao Parque Nacional da
Tijuca encontram-se destacados na figura 2 abaixo. Dentre estes, a Lei 9.605/1998, que tipifica o crime de
poluição e a Lei 9.985/2000 que cria o SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação e
classifica as unidades de conservação, como o Parque Nacional da Tijuca – PARNA Tijuca.
Marcos da Legislação Federal T!
2012!
Lei 12.651–
Política de Resíduos Sólidos –!Lei 12.305 + Dec 7.404!
Código Florestal!
Regulamenta Lei Crimes "!Decreto 6.514! 2010!
Regulamenta Lei Mata Atlântica"!Decreto 6.660! 2008!
2006!
Lei 11.428 – Lei da Mata Atlântica!
Regulamenta Lei SNUC – Decreto 4.340 ! Decreto 5.758 – PNAP!
2002!
2000!
Lei 9.985 – SNUC !
1998!
Lei 9.605 – Lei de Crimes Ambientais!
Decreto 2.519 – CDB!
1988!
CONSTITUIÇÃO FEDERAL!
1979!
Decreto 84.017 – Plano de Manejo!
1961!
Decreto Federal 50.923 – criação do PARNA Tijuca - PNT!
J!
PARNA TIJUCA
O Brasil adotou modelo de proteção de suas áreas naturais mais expressivas, intocadas ou de grande
3
relevância ecológica e beleza cênica similar ao norte-americano (wilderness) com a criação de parques
(unidades de conservação de proteção integral), onde o homem é desconsiderado, sendo remanejado para
outro espaço, a despeito da sua identidade com o lugar, da memória coletiva e do sentido de pertencimento
desenvolvido ao longo do tempo.
Entende-se por unidade de conservação, de acordo com a Lei 9.985 de 18 de julho de 2000, o “espaço
territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais
relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos,
sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”.
No caso dos parques nacionais, a proteção se dá em caráter integral (restrição mais severa), tendo por
objetivo manter o ecossistema livre de alterações causadas por interferência humana. No entanto, é
permitido o uso indireto do atributos naturais dos parques para fins de (i) realização de pesquisas
científicas, (ii) desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, (iii) de recreação em
contato com a natureza e (iv) de turismo ecológico, desde que respeitadas as normas e restrições
estabelecidas no Plano de Manejo do respectivo parque.
Neste cenário de ambiente natural protegido legalmente e de natureza como local sagrado para a
realização de rituais religiosos se estabelece a tensão entre administradores públicos e religiosos, o
confronto4 entre a conservação ambiental e o respeito à diversidade cultural e sua livre manifestação.
A natureza decorre da nossa percepção, portanto, varia ao longo do tempo. Trata-se de uma idéia
construída pela cultura, aqui entendida como uma totalidade dos produtos humanos carregados de
memória, nos moldes da conceituação de Paul Claval como “a soma dos comportamentos, dos saberes, das
técnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas e, em uma
outra escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem parte. A cultura é herança transmitida de uma geração
a outra.”
O homem integra a natureza e utiliza-se de seus recursos para sua existência. Instala-se o paradoxo do
homem com relação à natureza, vez que precisa de um ambiente equilibrado para viver com dignidade,
mas, por outro lado, toda e qualquer atividade humana produz impacto no meio ambiente. O homem
tornou-se o seu maior degradador e também o seu defensor, ao criar mecanismos para evitar a sua
destruição (da natureza e da própria espécie).
Desse modo, a natureza enquanto fenômeno cultural não possui um direito em si mesma, ou seja, não cabe
falar em direitos que se afirmam em relação ao homem.
O homem tem direito ao meio ambiente protegido e conservado5 da mesma forma que possui o direito à
liberdade de religião e crença6 e à manifestação de sua cultura7 com o exercício de suas práticas religiosas
– direitos igualmente assegurados pela Constituição.
4
Os demais conflitos entre a sociedade e os religiosos e entre os fiéis praticantes de diferentes religiões não integram
a presente reflexão.
A Constituição brasileira encontra-se em consonância com os anseios da comunidade internacional que
em suas declarações e convenções tratam com igual importância o respeito ao meio ambiente e à cultura.
Entretanto, ainda há uma disparidade na realidade brasileira: a proteção legal ambiental caminhou a passos
mais largos que a proteção à cultura, que conta com diplomas legais mais recentes. Como agravante, há a
falta de respeito ao meio ambiente por boa parte da população e o preconceito com algumas religiões, em
especial, as afro-brasileiras, fazendo com que seus seguidores sintam-se perseguidos e intimidados.
Da visão da unidade de conservação enquanto espaço, passamos a Mata Atlântica, lugar que cria laços e
memórias afetivas não só junto aos povos e comunidades tradicionais como os candomblecistas mas
também junto aos habitantes da cidade transformando o Parque Nacional da Tijuca em lugar simbólico e
mítico.
Para a comunidade religiosa de matriz africana, a natureza é sagrada (“sem folha não há candomblé”), por
conseguinte, a vegetação do Parque, lugar tradicionalmente frequentado para suas práticas religiosas é
sagrada.
O Parque Nacional da Tijuda integra a sua identidade, adquire forma espacial simbólica e carregado de
geossímbolos torna-se território santuário. Na concepção de Aureanice de Mello Corrêa, pautada em
Bonnemaison, o território santuário “agrega um conjunto de signos e valores, assumindo, assim, a
condição de realizar a conservação cultural, no em que a sua semiografia é engendrada por geossímbolos
que são também territorialidades, posto que estes geossímbolos funcionam como estratégias que permitem
a constituição, controle e permanência desse território.”
Nesse contexto, seguindo a inspiração de Mike Crang, relacionamos o tempo (cronológico e kairológico)
com o espaço (chora e topos), e, entendemos o território santuário no Parque Nacional da Tijuca, mais
precisamente, na Curva do S (área estratégica externa), como uma relação topos-kairos por sua dimensão
afetiva de espaço experienciado e pela intersubjetividade e sacralidade do tempo.
5
CF, Art. 225. “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-
lo para as presentes e futuras gerações.” (…)
6
CF, Art. 5o. “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (…) VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”
7
CF, Art. 215. “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura
nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1o - O Estado protegerá as
manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo
civilizatório nacional.” (…)
Tempo
Chronos! Kairos!
5. Conclusão
6. Bibliografia
Claval, P.; Tradução de L.F.Pimenta e M.C.A.Pimenta. (2007). A geografia cultural. Florianópolis: Ed. da UFSC.
Corrêa, A.M. (2004). Irmandade da Boa Morte como manifestação cultural afro-brasileira: de cultura alternativa à
inserção global. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro.
______. (2013). Território santuário: uma via de operacionalização para a prática das religiões vinculadas à natureza.
In A. M. Corrêa e L.M. da Costa (Orgs.), A Floresta: educação, cultura e justiça ambiental (pp. 111-118). Rio de
Janeiro: Garamond.
Crang, M. (2005). Time: space. In P. Cloke & R. Johnston (Eds.), Sapces of geographical thought (pp. 199-220).
London: Sage publications.
8
Os meios de conscientização para proteção e conservação do meio ambiente não serão aqui discutidos.