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CULTURAIS E MEIO-AMBIENTE
RESUMO
As discussões teóricas no estado da arte acerca do desenvolvimento local têm exposto o "patrimônio
territorial" como conceito e instrumento urbanístico, criado por Alberto Magnaghi e difundido pela
Escola Territorialista Italiana, desde a década de 1990. A então denominada abordagem territorialista
italiana propõe o “retorno ao lugar” por meio da representação e planejamento do território, este
definido como fruto do processo de coevolução e interação de longa duração de relações sociais e
ambientais indissociáveis. Já a problemática dicotômica atual do patrimônio, entre Natureza e Cultura,
se intensifica na estruturação das ações de conservação, baseadas em modelos de desenvolvimento
insustentáveis legadas da abordagem funcionalista-reducionista. Essa abordagem é fundada na
compreensão-produção parcial de representações cartográficas, que seleciona e exclui camadas do
território. Para compreender as abordagens desenvolvimentistas, apresenta-se uma reflexão de três
termos: “patrimônio territorial”, “recursos territoriais” e “capital territorial”, diferenciados em valor de
uso e de existência no território, ora prevalecendo um ora o outro. Assim, a compreensão do território
como patrimônio no planejamento se faz relevante, na tentativa de interromper a desterritorialização
estendida do ciclo de modelo de “desenvolvimento econômico". Objetiva-se, a elaboração de
procedimento metodológico qualitativo-descritivo de aproximação ao patrimônio territorial, articulado
às representações com tecnologia geoinformacional em subsídio ao planejamento local, e suas
adaptações ao contexto capixaba, especificamente à Vila de Itaúnas, no Espírito Santo. O conjunto
cartográfico conta com análise urbana interpretativa, das rupturas e permanências nas camadas
territoriais. Em adição, produz-se um mapeamento georreferenciado comparativo de dados de
representações normativas advindos de diferentes órgãos e instituições, responsáveis por diretrizes
de preservação e de desenvolvimento urbano da Vila de Itaúnas. Como resultado, delineia-se uma
reflexão crítica quanto à relação entre a insustentabilidade no território revelada pelo mapeamento de
suas camadas e a regulamentação da preservação-desenvolvimento do lugar, possibilitando uma
identificação de valores patrimoniais entre capital e recurso.
Palavras-chave: Patrimônio territorial, recurso territorial, capital territorial, representação
geoinformacional.
Poli (2015), ademais, ressalta “patrimônio territorial” como uma definição híbrida entre
terminologias do patrimônio (Choay, 1995), que são capital territorial (Oecd, 2001 apud Poli,
2015) e recursos territoriais (Corrado, 2005; Gumuchian, Pecquer, 2007, apud Poli, 2015). É
importante ressaltar que, inicialmente, a definição de “patrimônio” é ligada à propriedade; um
bem passado por lei entre familiares. Posteriormente, o termo é requalificado, atingindo
patamares como “genético”, “natural”, “histórico”, tornando-se um conceito “nômade”
(Choay, 1995, p.11).
Vale lembrar, o valor de existência do patrimônio está “no reconhecimento dos seus
invariantes estruturais e das regras que contém, resultado dos processos de
territorialização, desterritorialização e reterritorialização a longo prazo” (Poli, 2015). Em
contraposição, há, ainda, o valor de uso do patrimônio territorial, o qual se refere à prática
do patrimônio como mercadoria voltada a produção de riqueza.
Poli (2015), traz a definição dos termos: patrimônio territorial, recursos territoriais e capital
territorial. Como “patrimônio territorial”, Poli (2015) afirma ser o reconhecimento do conjunto
de camadas de longa duração produzidas entre o ambiente natural e processos de
assentamento da sociedade, que transformaram a natureza em território. Enquanto, de
“recursos territoriais”, entende-se como o “processo revelação o valor da matéria como
instrumento de desenvolvimento” (Andrade, 2017), porém ainda prevalecendo o valor de
uso. Por fim, “capital territorial”, refere-se à competitividade econômica, onde os valores de
uso dominam as atividades, que visam lucro, afastando-se dos valores de existência.
O mapa conceitual a seguir (Figura 1), denominado Ciclo TDR da Vila de Itaúnas, apresenta
uma análise da evolução histórica de sedimentos identitários no território reconhecido por
meio do ciclo territorialização-desterritorialização-reterritorialização (TDR). Com efeito, o
ciclo TDR compreende os sucessivos ciclos de transformação da natureza em território,
através de ações antrópicas territorializantes (Territorialização), e dos eventos e agentes
que causam rupturas e perturbações nos arranjos socioespaciais (Desterritorialização). Não
obstante, a desterritorialização em série produz sempre novas territorialidades e novos
territórios. (Saquet, 2009, p.82). Os processos de Territorialização são representados, no
mapa, como manchas em escalas de cinza, de acordo com sequência cronológica: da cor
mais clara (mais antigo) à mais escura (mais recente). Em contraposição, os processos de
Desterritorialização são representados por hachuras tracejadas com espaçamentos
distintos, conotando os diferentes acontecimentos e suas forças nas continuidades e
descontinuidades.
As riquezas das matas nativas também estimulam as concessões para corte de madeira. A
partir da década de 1930, há ampliação das atividades madeireiras na região, proveniente
da instalação da CIMBARRA - Cia Industrial de Madeira Conceição da Barra (Jorge, 1999).
“No auge de suas atividades, na década de 50, [a CIMBARRA] carregava de 10 a 15 navios
por quinzena, com 300 a 400m³ de madeira cada um” (Pontes, 2007, p.110). O norte do
Estado é propício à extração de madeira, devido ao transporte relativamente fácil através do
Rio Itaúnas. Paralelamente, o aumento da demanda por madeira a nível nacional para suprir
os setores agropecuário, cerâmico, residencial, siderúrgico e moveleiro, atinge seu auge na
década de 1960, tornando-se uma das principais atividades para geração de emprego no
Estado (Hacon, 2011, p. 92 apud Costa, 2016, p.54).
Muitos fogem para cidades circunvizinhas. Quanto aos moradores mais carentes, a opção é
evacuar e fixar-se no outro lado do rio Itaúnas, fundando o núcleo da atual vila
(Territorialização 2). A área é doada à prefeitura pelo Sr. Theófilo Cabral, constituída por
restinga e pasto. O loteamento é então definido em traçado xadrez, cujo marco central é a
Igreja Matriz de São Sebastião, e as primeiras habitações são construídas de taipa, cobertas
de tabuinhas ou telhas canal trazidas da vila soterrada (Jorge, 1999).
Além da consolidação da nova vila às margens do Rio Itaúnas, a década de 1970 é marcada
por um grande acréscimo populacional, impulsionado pelo aumento de investimentos de
empresas de grande porte. A decadência da indústria madeireira ainda na década de 1960,
somada à crise cafeeira no Espírito Santo, deu lugar à monocultura de eucalipto para
extração de carvão mineral, destinada ao abastecimento de siderúrgicas, e celulose. Vale
lembrar que, a prática da extração de carvão já era recorrente, quando então era utilizada
madeira de mata nativa como matéria-prima (Moreira; Perrone, 2007, p.159). Neste
Prevendo as ameaças a que estavam submetidas, tanto a vila quanto a paisagem natural,
frente ao descaso do poder público e da ação predatória humana, órgãos como o
ACAPEMA, juntamente com o apoio das camadas populares, reivindicam o processo de
tombamento da região pelo Conselho de Estadual de Cultura (CEC/SECULT-ES). Assim,
em 1986, são reconhecidos, através da Resolução nº 08, os valores paisagísticos, históricos
e arqueológicos da região, mediante o tombamento, a nível estadual, das Dunas de Itaúnas,
e suas áreas adjacentes, como bem natural, no dia de 10 de setembro pelo Conselho
Estadual de Cultura (Costa, 2016, p.70).
Em sua obra intitulada “Il progetto locale. Verso la coscienza di luogo” (“O Projeto Local. Por
uma consciência do lugar”, tradução nossa), de 2005, Alberto Magnaghi defende que, para a
elaboração de um “estatuto do lugar” em defesa de um desenvolvimento urbano sustentável,
é necessário a definição do conceito e da identidade. Isso demanda formas de descrição,
representação e interpretação (Magnaghi, 2005, p.91). A rica descrição do território pode ser
estabelecida através da elaboração de um atlas, de caráter multidisciplinar, de identificação
dos valores ambientais, territoriais-paisagísticos e socioculturais. Através da seleção e
descrição de mapas temáticos e setoriais, o atlas, então, torna-se um instrumento em
potencial para o planejamento e para a proposição de cenários (Magnaghi, 2005, p.99).
Com base em experimentos, Magnaghi (2005) propõe a construção do atlas a partir de três
fases analíticas: o patrimônio ambiental e territorial, em uma primeira camada; o patrimônio
socioeconômico cultural, na segunda; e as novas práticas sociais, na terceira (Magnaghi,
2005, p.99). Na primeira camada, dedica-se ao sistema ambiental, referindo-se à uma
característica específica na relação entre os assentamentos humanos e o ambiente. Na
segunda camada, dedica-se ao ambiente construído, descrevendo a construção histórica do
território e a formação de sua identidade, produzido por sucessivas civilizações. Neste
primeiro momento, a representação é cartográfica, realizada a partir de tecnologia de
geoprocessamento SIG, levando em consideração os processos de territorialização (ações e
ciclos), sedimentos (materiais e cognitivos) de longa duração, e valores territoriais.
Quanto aos Modelos Socioculturais (Figura 3), apresenta-se a permanência da rota de fuga
dos moradores, causada pelo marco histórico do avanço da areia, hoje conhecida como
Trilha do Tamandaré. Os 700 metros de extensão percorrem alagados, restingas e as
dunas, da praia até o atual núcleo. Porém, vale ressaltar, há um desvio em sua chegada,
ocasionada pela construção da nova ponte em 1991. A trilha recebe esse nome em
homenagem ao antigo morador, Carlos Bonelá, conhecido como Seu Tamandaré. A casa
em que viveu após deixar a Vila Soterrada, situa-se ao longo do caminho, e encontra-se em
estado de abandono. A edificação resiste, devido à proteção da mata nativa que a envolve
contra os avanços da movimentação de areia.
“O Ticumbi de Bongado, em Itaúnas, deve ser entendido mais do que como um simples
folclore, mas como uma instituição social – associação política, hierárquica que mantém um
forte traço da cultura afro e do catolicismo” (Costa, 2017, p.66): São Brás, santo negro, São
Benedito, também negro, e São Sebastião, santo branco, são os três santos venerados em
Itaúnas. A imagem de São Benedito e São Sebastião encontram-se na Capela e na Igreja,
respectivamente. A preparação para a festa de São Sebastião e São Benedito, quando
acontecem as apresentações do Ticumbi, acontece durante todo o ano, com confecções,
ensaios, rifas e atividades religiosas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
ANDRADE, Bruno Amaral de. Uma rota patrimonial para o rio Santa Maria da Vitória, como
instrumento de conservação, valorização, requalificação e/ou transformação do patrimônio
territorial. 2012. Monografia (Graduação em Arquitetura e Urbanismo). Departamento de
Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.
COSTA, Maísa Fávero. Paisagem Cultural em Itaúnas (ES): O lugar e sua dimensão
simbólica. 2017. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Programa de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.
ESPÍRITO SANTO (Estado). Decreto Estadual n°4.967-E, 1991. Cria o Parque Estadual de
Itaúnas. 1991.
JORGE, Liziane de Oliveira. Itaúnas: Diretrizes para o ordenamento da vila. 1999. Projeto de
Graduação (Graduação em Arquitetura e Urbanismo). Departamento de Arquitetura e
Urbanismo. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.
MAGNAGHI, Alberto. The Urban Village: A charter for democracy and sustainable
development in the city. Tradução para inglês de David Kerr. 1. ed. Londres: Zed, 2005.
SAQUET, Marcos Aurélio. Abordagens e concepções sobre território. São Paulo: Outras
Expressões, 2015.