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Centralidade e configuração espacial: uma análise do sistema

urbano Porto Belo/Itapema em Santa Catarina


Igor Tadeu Lombardi de Almeida
Universidade Federal de Santa Catarina, igor.lombardi@ufsc.br

Valério Augusto Soares de Medeiros


Universidade de Brasília/Câmara dos Deputados, valeriodemedeiros@gmail.com

Eixo Temático: Assentamentos humanos

Resumo. O artigo compreende uma análise configuracional diacrônica do sistema urbano Porto
Belo/Itapema (localizado no litoral de Santa Catarina), com o intuito de discutir o processo de expansão
urbana associado aos fenômenos de polinuclearização e turistificação. Quanto aos procedimentos
teóricos, metodológicos e ferramentais, são adotadas estratégias vinculadas à Sintaxe do Espaço (Teoria
da Lógica Social do Espaço). Para tanto, foram elaborados mapas de representação linear do sistema
urbano e discutidas suas características morfológicas ao longo do tempo. Os valores obtidos foram
associados, no cenário contemporâneo, a dados de usos do solo, o que permitiu explorar o processo de
espraiamento e formação de centralidades. Quanto aos valores sintáticos, medidas geométrica, de
centralidade e de legibilidade constituíram as principais meios de discussão, o que elucidou a
categorização dos centros identificados em morfológico, tradicional e subcentros.
Palavras-chave. Centro Morfológico, Centralidades, Urbanização Turística, Configuração Espacial,
Sintaxe do Espaço.

Centrality and spatial configuration: an analysis of the Porto Belo/Itapema urban


system in Santa Catarina
Abstract. The paper comprises a diachronic configurational analysis of the Porto Belo/Itapema (located
on the coast of Santa Catarina/Brazil) urban system, in order to discuss the urban expansion process
associated with polynuclearization and touristification phenomena. Regarding theoretical, methodological
and technical aspects, strategies related to Space Syntax (Theory of the Social Logic of Space) are adopted.
Linear representation maps of the urban system were elaborated and its morphological characteristics
were discussed over time. The obtained values were associated, in the contemporary scenario, with land
use data, which allowed exploring the process of spreading and emerging of centralities. As for the syntactic
values, geometric, centrality and legibility measures constituted the main means of discussion, which
clarified the categorization of the identified centers in morphological, traditional and subcenters.
Keywords. Morphological Center, Centralities, Touristic Urbanization, Spatial Configuration, Space
Syntax.

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1.Introdução
O artigo consiste em uma análise configuracional diacrônica para compreender o processo de
expansão urbana, associado ao fenômeno de polinuclearização (LEFEBVRE, 1999), em um
assentamento costeiro de relevância turística. Composto pelas cidades de Itapema e Porto Belo
(Santa Catarina), o estudo de caso tem presenciado rápido crescimento demográfico e intensa
turistificação nas últimas décadas (PINHO e REIS, 2010). A ampliação do sistema Itapema-Porto
Belo acentua os conflitos entre interesses imobiliários e preservação ambiental em um frágil
ecossistema (SUGAI, 2002): se por um lado a paisagem é a principal força motriz que fomenta a
ocupação urbana e o desenvolvimento econômico, por outro sofre com os efeitos do turismo
predatório, da especulação imobiliária e do decorrente espraiamento urbano.
As cidades de Porto Belo e Itapema (figura 1) estão 68km ao norte da capital Florianópolis.
Segundo estimativas para 2021, Itapema tem uma população de 69.323 pessoas e Porto Belo de
22.466 habitantes (IBGE, 2021), o que totaliza uma conurbação urbana de 91.789 habitantes. Esta
população aumenta consideravelmente nos períodos de verão. Segundo dados da Agência de
Desenvolvimento do Turismo de Santa Catarina (Santur), Itapema é um dos 5 destinos mais
procurados pelos turistas, recebendo mais de 500 mil visitantes durante a temporada.

Figura 1. Localização dos municípios de Itapema e Porto Belo em Santa Catarina (fonte:
elaborado pelos autores, 2022).
Atualmente, mais de um quarto da população brasileira vive no litoral. A urbanização datada do
período de colonização se desdobrou em inúmeros assentamentos costeiros, favorecendo uma
rede urbana de alta complexidade ao longo de mais de sete mil quilômetros de costa. O
crescimento da produtividade global, o grande volume de trabalho e as facilidades de
deslocamento têm fomentado um significativo desejo de lazer nas sociedades ocidentais,
promovendo a intensificação de atividades de veraneio ao longo século XX (MVRDV, 1998).
Consequentemente, estas atividades têm gerado altos fluxos econômicos e sociais em regiões de
forte apelo paisagístico. O processo de estruturação urbana voltado para atividades
essencialmente de turismo é denominado, por muitos autores, de “urbanização turística”.
A urbanização turística consiste na construção de cidades ou bairros voltados estritamente para o
consumo (MULLINS, 1991). Rubio (1986) assinala que a “lógica de centralidade” recorrente na
cidade convencional se volta em uma crescente valorização da fachada marítima nas cidades
costeiras. A paisagem, portanto, é fator primordial na estruturação das centralidades. Estas, por
sua vez, fundamentam-se em esquemas de implantação de caráter guetual, com dificuldades em
se integrar com os sistemas urbanos preexistentes, seja por questões urbanísticas ou de segregação
social (MVRDV, 1998). Como surgem sob forte influência da paisagem, as centralidades
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turísticas podem ocorrer independentemente das centralidades preexistentes, ainda que os dois
fenômenos eventualmente possam se sobrepor.
Com base nestas premissas, sob uma abordagem morfológica segundo a Teoria da Lógica Social
do Espaço ou Sintaxe do Espaço, pretende-se compreender de que maneira a expansão urbana,
por meio da perspectiva configuracional e estimulada pela turistificação, afetou a dinâmica das
centralidades existentes no assentamento objeto de estudo. Para tanto, são avaliadas as
centralidades em quatro níveis: a) centro ativo urbano/morfológico, b) centro tradicional, c)
subcentros e d) centros especializados. Para a identificação das centralidades, os dados
configuracionais são confrontados com levantamento de uso do solo, tomando por base as
denominadas Áreas de Interesse da plataforma Google Maps (2021), que correspondem às regiões
de maior concentração de lojas, bares, restaurantes, escritórios etc.
Em termos de organização do artigo, o texto está estruturado em 5 seções. A primeira dedica-se
à introdução, enquanto a segunda volta-se para a exposição dos conceitos relativos às
centralidades urbanas. A terceira parte diz respeito à metodologia, o que antecipa o trecho
dedicado aos resultados e à respectiva discussão. Por fim, são apresentadas as principais
conclusões.

2. Centralidades urbanas
Centralidades urbanas são compreendidas enquanto regiões de intensa atividade econômica e
social. A diversidade de usos, infraestrutura, elementos simbólicos e expressão identitária
afirmam seu protagonismo na organização espacial da cidade. Na sociedade pós-industrial,
caracterizada pela acentuada urbanização e pelo espraiamento do tecido urbano especialmente a
partir de meados do século XX, as centralidades se consolidam em diversas porções do território,
sendo recorrente o fenômeno da polinuclearização.
Castells (1983) define centralidade urbana como um conjunto de atividades espacialmente
diversificadas, que se contrapõe à ideia de subúrbio. Trata-se, portanto, de um importante lugar
de troca entre os processos de produção e de consumo, ou seja, entre a atividade econômica e a
organização social urbana.
A complexidade das atividades econômicas e da organização social faz com que centralidades se
manifestem nas mais variadas configurações. Independentemente da forma espacial na qual a
centralidade se apresenta, o centro tradicional se distingue. Enquanto o primeiro tente a se
constituir enquanto primeiras delimitações ou sítio do qual a cidade se originou, as novas
centralidades são conduzidas pelo fator deslocamento (VILLAÇA, 1998). Nesse processo, o
centro tradicional pode perder protagonismo, ao mesmo tempo em que o centro morfológico e os
subcentros ocupam esse papel. O centro morfológico pode ser compreendido, em termos
configuracionais, como o trecho do assentamento mais acessível a partir de todas as partes
integrantes do sistema urbano. Para Villaça (1998), os subcentros se definem como aglomerações
diversificadas e equilibradas de comércio e serviços, em tamanho menor se comparados ao centro
principal, com o qual concorrem em parte sem, entretanto, a ele se igualar.
Em relação ao processo de deslocamento das centralidades, fator inerente ao fenômeno da
polinuclearização, Villaça (1998) argumenta que os detentores do capital tendem a trazer o centro
para perto de si. Para o autor, o centro antigo [ou tradicional] pode se tornar uma centralidade
periférica, na qual comércio e serviços voltados para as camadas de alta renda são substituídos
pelo comércio de caráter mais popular. Logo, o espaço urbano abriga um movimento contraditório
de centralização e descentralização. Descobre-se “o essencial do fenômeno urbano na
centralidade. Mas na centralidade considerada com o movimento dialético ético que a constitui e
a destrói, que a cria ou a estilhaça” (LEFEBVRE, 1999, p. 110).
O “centro morfológico”, por sua vez, tende a apresentar intensa atividade comercial e de serviços,
coincidindo com o centro ativo urbano. Hillier (1996) relaciona padrões de deslocamento com a
forma do tecido urbano, ou seja, o movimento em uma rede de espaços públicos é determinado
pela sua estrutura configuracional. Logo, padrões de uso do solo como, por exemplo, centros
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comerciais, são influenciados pelo “movimento natural” de pessoas e veículos. Ademais, o centro
morfológico se estrutura, se desloca e se expande com base no padrão de crescimento da mancha
urbana e em função da reorganização dos fluxos potenciais oriundos da relação entre forma e
espaço; esta dinâmica também proporciona o surgimento de subcentros, os quais reproduzem as
atividades antes concentradas unicamente no centro tradicional.
Além desses centros, aquele de natureza “especializada” decorre do movimento econômico, no
qual a especialização de algumas áreas faz com que as atividades se localizem juntas, podendo,
em algumas situações, serem complementares (CORREA, 2004). São classificados de acordo
com sua função predominante: centros de negócios, centros comerciais, centros turísticos, centros
de entretenimento etc.
Holanda (2002) classifica as centralidades com base em seus atributos espaciais e funcionais. Para
o autor, há duas categorias predominantes de centralidades. A primeira delas – o centro funcional
– é definida pela região que concentra a maior parte do comércio e de serviços. Em geral, coincide
com o centro tradicional (o que deu origem à cidade); a segunda categoria – o centro morfológico
– consiste no ponto mais acessível geograficamente de todos os demais pontos do espaço urbano,
quando considerada a estrutura de sua rede urbana.
A partir da literatura citada, depreende-se que as centralidades são classificadas de diversas
maneiras pelos autores que estudam a temática. Com base em levantamento bibliográfico, quatro
denominações julgadas mais adequadas para esta pesquisa são adotadas no ensaio com o intuito
de auxiliar na compreensão e no levantamento das respectivas centralidades urbanas no sistema
investigado: centro tradicional, centro morfológico, subcentros e centros especializados.

2.1. Centro tradicional


O centro tradicional pode ser considerado o arcabouço do espaço urbano: está relacionado ao seu
marco inicial de desenvolvimento, atuando como cenário das decisões políticas e das trocas
comerciais. Para Fernandes (2011), outro tipo de centro já estava consolidado antes do centro
compreendido como o lugar mais acessível, de preço elevado do solo e de múltiplos usos: o centro
histórico [tradicional], aquele que concentra a maior carga simbólica e rememora o percurso de
desenvolvimento de uma cidade.
O centro tradicional, quando preservado, será dotado de relevância histórica, engendrando
formações antropológicas e identitárias. Tais peculiaridades são classificadas por Augé (1994)
como lugares de memória, os quais se diferem dos espaços produzidos pela supermodernidade –
os não-lugares – que não se definem como identitários, nem como relacionais, nem como
históricos. Uma vez resgatados, os lugares de memória são capazes de atrair pessoas, fomentando
atividades turísticas, serviços e dinâmicas que lhes dão o sentido de centralidade.
Em relação à forma urbana, cidades em que o sítio geográfico pouco influencia na sua expansão,
o crescimento tende a ser radial, motivo pelo qual o antigo centro histórico se mantém no núcleo
do assentamento. Uma vez que esta condição garante um alto valor de acessibilidade, o centro
histórico se desenvolverá, tornando-se simultaneamente centro morfológico. No entanto, cidades
nas quais o sítio geográfico implica uma direção preferencial de crescimento – caso, por exemplo,
de cidades à beira-mar – o centro morfológico tende a se deslocar. O antigo centro histórico
permanecerá como centro principal ou não, de acordo com a atuação dos agentes produtores do
espaço. Caso não haja interesse desses agentes – principalmente por parte do Estado – em mantê-
lo como centro principal, ocorrerá o esvaziamento e a redução da sua importância, de modo que
alguns centros tradicionais perderão o papel de centralidade.

2.2. Centro morfológico


O centro morfológico do espaço urbano, amparado pelas estratégias de representação da Sintaxe
do Espaço, é constituído pelo conjunto de 10% das linhas axiais (ou segmentos) mais acessíveis
do assentamento. Alguns valores sintáticos podem ser utilizados para este levantamento, cabendo
uma análise qualitativa em relação àqueles mais adequados. Krafta (2014) determina que as
medidas de integração, conhecidas também como assimetria relativa, constituem a forma mais
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elementar para o cálculo de centralidades. Uma vez que a cidade se expande, sua localização não
é estática. Em formas urbanas radiocêntricas, o centro morfológico se funde ao centro principal;
no entanto, em outros padrões de crescimento, o centro morfológico pode se deslocar conforme a
direção predominante do espraiamento da mancha urbana.
Uma vez que a integração global (ou integração normalizada, NAIN, para o mapa de segmentos)
está associada a um nível de acessibilidade por meio do deslocamento por automóvel, o centro
morfológico apresentará poucas condições de transitabilidade caso não possua simultaneamente
uma alta integração local (em raios métricos curtos, para interpretação angular de segmentos).
Esta conjuntura favorecerá a instalação de grandes estabelecimentos em eixos viários, tais como
shoppings centers, atacadistas, lojas de departamento etc., em vez de estabelecimentos de pequeno
porte (mais direcionados ao movimento do pedestre).

2.3. Subcentros
O surgimento de novas centralidades está associado a dois principais fatores: à saturação dos
centros principais e ao espraiamento do tecido urbano. Em relação ao espraiamento, pode suceder
que a cidade, durante seu crescimento, “tenha englobado pequenos centros semi-urbanos ou
antigos subúrbios, que se transformaram em centros secundários” (SANTOS, 1981, p. 182). Nas
palavras de Oliveira Jr. (2008, p. 01), os subcentros:
[...] expressam a saturação dos centros tradicionais para as necessidades impelidas pelas
novas formas contemporâneas de reprodução e acumulação do capital, além da imposição
de (novos) tempos hegemônicos. [...] Dessa forma, depreende-se que as alterações na
dinâmica econômica determinam que a cidade possua novas centralidades porque as
tradicionais não são mais funcionais à reprodução e acumulação do capital, bem como ao
acolhimento de novos capitais que se descentralizam para os espaços que
economicamente apresentam-se como mais propícios e rentáveis.

Sendo assim, os subcentros consistem em réplicas menores do centro principal. Atendem aos
mesmos requisitos de otimização de acesso apresentados para o centro principal, porém cumprem
estes requisitos para uma parte do sistema urbano, enquanto o centro principal cumpre-os para
toda a cidade (VILLAÇA, 2008). É essencial que sejam acessíveis a partir de um raio determinado
ou, em termos sintáticos, apresentem elevada integração local.

2.4 Centros especializados


De acordo com Correa (2004), a especialização de algumas áreas da cidade surge do processo de
coesão, ou seja, pelo movimento econômico que faz com que as atividades se localizem juntas,
podendo, em algumas situações, serem complementares. Além disso, os planos diretores e leis de
zoneamento contribuem para o fortalecimento de áreas especializadas no espaço urbano.
Enquanto as áreas especializadas “não tendem a constituir uma forma espacial expressiva”
(CORREA, 2004, p. 58), os centros especializados devem apresentar, em certo grau, alguns
aspectos configuracionais que caracterizem a centralidade, como, por exemplo, alto valor de
integração e/ou conectividade.
Os centros especializados podem ser classificados de acordo com sua função predominante:
centros de negócios, centros comerciais, centros turísticos, centros de entretenimento etc. Devido
às condições específicas de uso, a copresença, ou seja, pessoas circulando em um mesmo espaço,
mas com diferentes finalidades, será geralmente alta nos períodos de funcionamento da atividade
predominante e baixa nos demais períodos do dia.

3. Metodologia
Em termos teóricos, metodológicos e ferramentais, a pesquisa ampara-se na Teoria da Lógica
Social do Espaço (Sintaxe Espacial) ao assumir a cidade enquanto um sistema de
interdependências, de modo que alterações em partes implicarão alterações no todo. A estratégia
permite a compreensão do processo de expansão urbana com base na avaliação das novas relações
estabelecidas na medida em que o assentamento cresce. Deste modo, a abordagem fornece
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subsídios para o entendimento do fenômeno de deslocamento e expansão do centro morfológico,


com efeitos no centro tradicional, além de subsidiar o debate a respeito da polinuclearização.
No que diz respeito às modelagens configuracionais, para esta pesquisa foram construídos mapas
de representação linear do sistema urbano Porto Belo/Itapema para quatro momentos da história:
1940, 1960, 2004 e 2021. Os mapas foram produzidos no software de geoprocessamento QGIS e
para a identificação das manchas urbanas mais antigas foi utilizado acervo cartográfico e imagens
de satélites disponíveis, além de informações relacionadas às preexistências urbanas encontradas
em referencial bibliográfico. As manchas urbanas mais recentes (2004 e 2021) foram construídas
com base nas imagens de satélite fornecidas pelo Google Earth. As representações lineares foram
posteriormente processadas por meio do plug-in Depthmap (versão X[NET]), o que permitiu a
geração de mapas axiais e de segmentos e a obtenção de variáveis sintáticas, comparadas entre si
e com dados relacionados às cidades brasileiras (MEDEIROS, 2020).
As medidas analisadas, de natureza geométrica e topológica, foram: a) número de linhas/eixos,
b) comprimento médio das linhas/eixos em metros, c) número de segmentos, d) comprimento
médio de segmentos em metros, e) conectividade (número de médio de cruzamento dos eixos), f)
integração global (Rn) (medida de centralidade que mensura o grau de acessibilidade topológica
das vias diante das demais do sistema, em raio global), g) integração local (R3) (idem da medida
anterior, entretanto em raio local), h) sinergia (grau de associação entre as medidas de integração
global e de integração local que traduz o quanto as propriedades globais se reproduzem na escala
local), i) inteligibilidade (grau de associação entre as medidas de integração global e
conectividade que expressa o quanto há de correspondência entre maior acessibilidade topológica
e quantidade de cruzamentos das vias), j) NAIN (medida de integração normalizada, oriunda do
mapa de segmentos: aponta o centro morfológico) e k) NACH (medida de escolha normalizada,
obtida a partir do mapa de segmentos: expressa a hierarquia viária).
Segundo a Sintaxe do Espaço, as vias mais integradas conformam o núcleo de integração (“centro
morfológico”) e consistem nas áreas mais prováveis de corresponderem aos centros ativos
urbanos, isto é, aqueles para onde convergem, em quantidade e diversidade, fluxos e usos
distintos. Para a identificação das centralidades, os dados configuracionais foram confrontados
com levantamento de uso do solo, tomando por base as denominadas Áreas de Interesse
disponíveis na plataforma Google Maps (2021), que correspondem às regiões de maior
concentração de lojas, bares, restaurantes, escritórios etc.

4. Resultados e discussão
4.1. Uma leitura diacrônica
As primeiras ocupações da região onde se localizam os municípios de Porto Belo e Itapema datam
do século XVIII. Pertencente inicialmente à Tijucas (cidade localizada ao sul do assentamento),
Porto Belo se emancipou em 1925, sendo elevada à categoria de vila. Nesse período, Itapema
constituía um distrito da cidade. Foi somente em 1962 que se tornou um município independente.
A figura 2 contém a indicação de que a primeira estrutura de fato urbana data da década de 1930,
iniciando-se em Porto Belo. Antes desse período, o território apresentava feições essencialmente
rurais. Diferente da maioria das cidades brasileiras, nas quais o primeiro núcleo urbano é
consolidado no entorno da igreja matriz, o núcleo fundacional de Porto Belo é constituído de uma
pequena grelha a cerca de 1km da Igreja Bom Jesus dos Aflitos. Infere-se que a primeira estrutura,
denominada inicialmente de Colônia Nova Ericéia, desenvolveu-se distante do templo católico
devido às condições topográficas menos favoráveis. Segundo Kohl (1987), a aldeia de Garoupas,
onde se localizava a matriz, não possuía espaço físico para expansão, permanecendo como um
bairro da nova vila.
Até a década de 1950 a região apresentava baixos índices de crescimento urbano. As atividades
de subsistência relacionadas à pesca eram predominantes ao longo da costa, enquanto mais
adentro, nas planícies, o protagonismo estava na atividade agropecuária. Na década de 1960
surgiram os primeiros loteamentos originados do parcelamento das propriedades rurais, formando
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faixas perpendiculares ao mar, limítrofes ao rio Perequê e à BR-101 – em processo de construção


até 1971. Observa-se, nesse período, um maior investimento em infraestrutura urbana e o aumento
de residências unifamiliares já utilizadas para veraneio (PINHO e REIS, 2010).
A partir da representação linear da expansão urbana expressa na figura 3, é possível compreender
que na década de 1960 o núcleo urbano de Itapema, apesar de estar em processo de expansão,
ainda constituía um sistema independente do núcleo de Porto Belo. A conurbação só ocorrerá a
partir da inauguração da BR-101, impulsionada pela urbanização turística. Para Sugai (2002), a
consolidação dessa rodovia foi fundamental para a integração em âmbito regional e nacional, para
o processo de conurbação e para o incremento do turismo no litoral catarinense.

Figura 2. Núcleo fundacional de Porto Belo em 1938. O ponto amarelo indica a localização da
Igreja Matriz do Bom Jesus dos Aflitos e as linhas em vermelho o primeiro traçado urbano (fonte:
Neves, 2007, p. 32, com adaptações, 2022).

Figura 3. Expansão da mancha urbana de Porto Belo e Itapema entre os períodos de 1940 e 2021
(fonte: elaborado pelos autores, 2022).
Nota-se, a partir de fotografias históricas, que a urbanização do assentamento é regida,
majoritariamente, por uma lógica própria: em um primeiro momento se dá o parcelamento do
solo, posteriormente são erguidas as edificações e, por fim, é realizada a urbanização. Solà-
Morales (1997) define esse tipo de urbanização como “marginal”, pois comumente ocorre fora da
“legalidade”. No entanto, em Itapema e Porto Belo, a atuação de grupos imobiliários respaldados
pelo Estado foi crucial para a ocupação do território.
Se por um lado a mancha urbana se expandiu substancialmente entre as décadas de 1960 a 2000,
por outro lado permaneceu muito semelhante quando observados os mapas de 2004 a 2021 (figura
3). Merece atenção para o fato de que é no início do século XXI que a região vai vivenciar um
processo vertiginoso de crescimento demográfico. De acordo com os dados presentes na tabela 1,
a população do assentamento cresceu 151,12% entre 2000 a 2021, o que representa um dos
maiores índices do Brasil. Segundo o censo do IBGE para 2010, Itapema tornou-se o munícipio
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com a maior taxa de expansão em Santa Catarina, com índices de 5,88% ao ano entre 2000 a
2010.
Uma das características marcantes do rápido crescimento demográfico é a verticalização do
espaço urbano. Somekh (1997) destaca esse fenômeno relacionado ao intensivo aproveitamento
da terra urbana, em que há uma explícita relação entre verticalização e adensamento.
Primeiramente em Itapema e mais recentemente em Porto Belo, esse processo ocorre, segundo
Pinho e Reis (2010), sem obedecer a um plano diretor urbano de ocupação. As ruas e bairros, que
são frutos de loteamentos promovidos para abrigar o novo contingente populacional e,
principalmente, residências de veraneio, surgem de maneira dissociada da criação de
infraestrutura viária, saneamento básico e abastecimento de água. A ininterrupta urbanização
pode ser descrita como uma absoluta hegemonia sobre o entorno natural, debilitando sua própria
fonte de renda: a paisagem.
Tabela 1. Crescimento demográfico de Porto Belo e Itapema (Fonte: censos de 1980, 1991, 2000,
2010 e Estimativa Populacional de 2021 – IBGE).
Habitantes
Ano Porto Belo Itapema Total
1980 8.419 6.585 15.004
1991 11.689 12.176 23.865
2000 10.682 25.869 36.551
2010 16.083 45.797 61.880
2021 22.466 69.323 91.789
Obs. A população de Porto Belo diminui no censo de 2000, pois o distrito de Bombinhas se
emancipou em 1992, tornando-se um novo município.
Para cenário de 2021, o sistema urbano Porto Belo/Itapema (figura 4) apresenta um tecido urbano
contíguo, caracterizado pelo padrão em colcha de retalhos, típica estrutura das cidades brasileiras.
Esse padrão morfológico é composto por grelhas distintas pouco ou sem articulação entre si, que
se tornam um conjunto de partes quase independentes (MEDEIROS, 2013).
A partir dessa estrutura macro, quatro características físico-espaciais se destacam atualmente no
assentamento: a) o núcleo fundacional em grelha, localizado em Porto Belo, na porção leste do
território; b) a ocupação costeira, composta por um tecido urbano irregular, que se desenvolve
principalmente em regiões de topografia acidentada; c) os novos loteamentos urbanos em grelha,
advindos do antigo parcelamento de terras agrícolas (REIS, 2012), que se consolidaram a partir
da turistificação e da especulação imobiliária; e d) os assentamentos de baixa renda distantes da
costa, que também apresentam estrutura irregular, mas que não necessariamente são
condicionados pelo relevo, mas pela informalidade (no que se refere à legislação) do modo que
surgem e se expandem. Usualmente, em assentamentos informais as construções são construídas
primeiro, e as ruas, quadras e blocos surgem ao longo do tempo. Quanto aos seus cruzamentos,
possui equilibradamente interseções em “X” e em “T”, podendo ser classificado como misto, com
padrões irregulares e regulares recorrentes no tecido urbano. De acordo com esta classificação de
Medeiros (2013), enquanto malhas regulares tendem a apresentar conexões em “X”, pois as vias
se cruzam e há uma menor quantidade de eixos por área, nos sistemas com maior irregularidade
predomina a estrutura em “T”.
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Figura 4. Representação linear do sistema Porto Belo/Itapema (direita) em 2021, sobre


imagem da plataforma Google Satellite (esquerda) (fonte: elaborado pelos autores, 2022).

No que diz respeito a uma leitura comparada quantitativa, os dados diacrônicos obtidos para a
expansão urbana do sistema investigado constam na tabela 2. Para a verificação do quanto o
desempenho se aproxima ou se afasta das cidades brasileiras (dados fornecidos por Medeiros,
2020), os gráficos expressos na figura 5 auxiliam a análise.

Tabela 2. Dados configuracionais (sintáticos) comparados para a expansão urbana do sistema


Porto Belo/Itapema (Fonte: elaborado pelos autores, 2022).
Comp.Médio das Linhas/Eixos

Comp. Médio dos Segmentos


Número de Linhas/Eixos

Número de Segmentos

Int. Global (Rn)

Inteligibilidade
Int. Local (R3)
Conectividade

Sinergia

NACH
NAIN
Ano

1940 28 205,74 59 79,49 2,714 0,748 1,402 61,77% 46,67% 1,110 0,846
1960 233 218,00 518 87,62 1,755 0,665 1,962 53,13% 33,07% 1,216 0,892
2004 1550 257,74 3764 97,95 3,227 0,528 1,694 69,67% 20,81% 0,937 0,919
2021 1834 236,36 4234 95,21 3,112 0,513 1,619 68,98% 21,76% 0,920 0,913

Os resultados obtidos permitem perceber, num primeiro momento, os efeitos da geometria do


assentamento, entre polos de regularidade e irregularidade. Em termos de comprimento médio
dos eixos, que em alguma medida pode ser interpretado como o tamanho médio das ruas, o
sistema urbano originalmente apresentava uma dimensão reduzida, entretanto, ao longo do tempo,
se aproximou do cenário nacional. Significa que as ruas (lidas aqui pelas linhas da representação
linear) locais passaram progressivamente a ter comprimentos semelhantes aos das cidades
brasileiras. O dado do tamanho médio dos segmentos, que pode ser associado ao tamanho das
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faces dos quarteirões, dialoga com a interpretação anterior: os valores, diacronicamente, foram
sempre semelhantes aos nacionais. Mesmo quando as ruas eram “menores”, os quarteirões já
seguiam o padrão nacional.
Apesar da busca pela regularidade na medida em que o sistema se consolida, a estrutura urbana
de Porto Belo/Itapema mantém trechos de irregularidade ao longo do tempo. O produto é uma
conectividade média inferior aos valores nacionais para todo o período. Aos efeitos do sítio físico,
ao impedirem a estruturação de um mapa em tabuleiro de xadrez perfeito, pode ser atribuído o
desempenho. Paralelamente, e também em razão da menor conectividade, os valores de integração
global também são mais baixos do que as médias nacionais, embora nos dois casos (conectividade
e integração) seja evidente uma aproximação nos últimos recortes temporais. A despeito das
diferenças, o resultado parece dialogar com o entendimento de que, com o tempo, as cidades
brasileiras se aproximam cada vez mais, perdendo as diferenças topológicas (MEDEIROS, 2021).
As leituras associadas à legibilidade, que incluem as medidas de inteligibilidade e de sinergia, ao
mesmo tempo se aproximam e afastam do cenário nacional. Se a linha para inteligibilidade é
muito próxima àquela referente às cidades do país, o contexto de sinergia é inverso: começa
inferior, mas atualmente alcança uma performance superior. Acredita-se que isto tem relação com
a boa sincronia entre as escalas global e local que ocorre no sistema urbano, resultado da maneira
de estruturação do território com duas cidades que, originalmente separadas, agregaram-se em
efetiva conturbação, sendo difícil atualmente distinguir os limites entre ambas.
Os valores oriundos da análise angular de segmentos relativas às variáveis NAIN e NACH
reforçam a aproximação das médias nacionais, inclusive confundindo-se. A despeito dos eixos
motivadores vinculados à turistificação, o sistema investigado cada vez mais semelhante às
cidades nacionais. Ou seja, a independer da paisagem (ou de qualquer outro eixo motivador), a
estrutura das cidades se reproduz nacionalmente numa escala que aproxima sistemas urbanos de
matrizes absolutamente distintas, de assentamentos amazônicos a cidades costeiras no sul do
Brasil.

Mapa Axial (Comprimento de Eixos/Linhas) Mapa de Segmentos (Comprimento de Seg.)

Mapa Axial (Conectividade) Mapa Axial (Integração Global)


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11

Mapa Axial (Inteligibilidade) Mapa Axial (Sinergia)

Mapa de Segmentos (NAIN) Mapa de Segmentos (NACH)


Figura 5. Dados comparados para a expansão urbana entre as cidades brasileiras (MEDEIROS,
2020), em linha azul, e o sistema urbano Porto Belo/Itapema (fonte: elaborado pelos autores,
2022).

4.2. As centralidades contemporâneas


As análises sobre centralidade para o cenário contemporâneo de Porto Belo/Itapema indicam que
a primeira centralidade do sistema, aqui denominada centro tradicional, localiza-se na
extremidade leste do assentamento e é constituída por uma estrutura em grelha que também
determina seus limites. Nessa região, em Porto Belo, estão localizados grande parte dos edifícios
institucionais, tais como a Prefeitura Municipal, a Câmara dos Vereadores e a Delegacia de
Polícia.
A expansão da mancha urbana na região de Itapema fez com que o centro tradicional deixasse,
paulatinamente, de ser o centro morfológico do assentamento. Quando observada a integração
global na figura 6, ficam evidenciados os baixos valores sintáticos de integração do conjunto, que
variam entre 0,312 a 0,373. O deslocamento do centro morfológico ocasionou a perda de
protagonismo do centro tradicional quanto à concentração de atividades comerciais e de serviços.
Dadas as condições de baixa conectividade e integração, pode-se assegurar que estabelecimentos
institucionais são os maiores responsáveis pela conservação de algumas atividades comerciais na
região. Atualmente, esses estabelecimentos são, em sua maioria, de pequeno porte, voltados à
uma dinâmica estritamente local quando comparados ao conjunto existente ao longo da Avenida
Nereu Ramos.
Ainda que os valores sejam considerados baixos diante do assentamento como um todo, a Avenida
Governador Celso Ramos – localizada próxima a orla – possui a maior conectividade do recorte,
com valor 15: é ali onde estão os estabelecimentos comerciais e institucionais de maior relevância
do centro tradicional, representados pela Área de Interesse (plataforma Google Maps) da figura
6 (à direita).
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12

Figura 6. Mapa axial para a variável integração global do assentamento, à esquerda; e recorte do
centro tradicional para a mesma variável, com destaque para as Áreas de Interesse, à direita (fonte:
elaborado pelos autores, 2022).
Na tentativa de mitigar os impactos da polinuclearização e a consequente “perda de centralidade”,
o poder público tem investido no resgate e preservação do patrimônio material e imaterial do
local, por meio do restauro de edificações históricas ou pela valorização dos elementos da
paisagem. Projetos de qualificação urbana cresceram na última década. No entanto, ainda pouco
refletem uma maior copresença e o surgimento de novas dinâmicas econômicas e sociais.
Para o centro morfológico, os eixos mais integrados (em vermelho) do sistema urbano podem ser
identificadas na figura 7. Alcançam valores de integração global entre 0,740 e 0,802, enquanto as
regiões menos integradas (em azul escuro) atingem os níveis de 0,190 a 0,251. O eixo mais
integrado e de maior conectividade é a Avenida Nereu Ramos (0,802 e 116, respectivamente). O
núcleo integrador, isto é, o centro morfológico do sistema urbano, compreende o trecho que
comporta o cruzamento entre a BR-101 e a Avenida Nereu Ramos (Itapema), na porção central
do tecido urbano e paralelamente à praia mais extensa do território, denominada Meia Praia.
Enquanto as proximidades da orla representam as áreas de maior integração espacial, com uso do
solo diverso, intensa verticalização e terrenos mais valiosos, regiões com o sítio geográfico
acidentado e de menor valor de uso – localizadas nas bordas externas da BR-101 – foram ocupadas
pela população de baixa renda, sendo as atividades comerciais e de serviços pouco presentes. As
áreas costeiras com foco nas atividades da pesca e de subsistência – muito presentes no início da
urbanização – são, hoje em dia, praticamente inexistentes, uma vez que grande parte da orla,
inclusive em regiões de relevo acidentado, é ocupada por edifícios multifamiliares e residências
de alto padrão que se apropriam da paisagem. Em busca da melhor vista e da proximidade de
praias mais reclusas, essas edificações muitas vezes são construídas em Áreas de Proteção
Permanente.
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13

Figura 7. Mapa axial para a variável integração global, à esquerda, e o respectivo núcleo
integrador, à direita (fonte: elaborado pelos autores, 2022).
Quando levantadas as Áreas de Interesse, ou seja, regiões de intensa atividade comercial e de
serviços, e confrontadas com o mapa de conectividade (figura 8), é possível observar a
proeminência da Avenida Nereu Ramos: é ali onde se concentra a maioria dos estabelecimentos
comerciais do assentamento. Acredita-se que as razões para o desempenho se relacionam à
linearidade do eixo, à proximidade com a praia e por se tratar de uma via estruturante para o
sistema Porto Belo/Itapema. O cenário possivelmente viabilizou a criação de uma vasta rede
comercial ao longo dos seus mais de 6km de comprimento: para referência, o único shopping
center do assentamento (Andorinha Shopping) encontra-se nessa avenida, muito próximo ao
entroncamento com a BR-101.

Figura 8. Mapa axial para a variável conectividade, à esquerda, e centro morfológico e Áreas de
Interesse, à direita (fonte: elaborado pelos autores, 2022).
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14

Com base no levantamento das Áreas de Interesse, além do centro morfológico e do centro
tradicional, é possível identificar dois subcentros no assentamento. O primeiro deles, identificado
na figura 9 e denominado “Subcentro Itapema”, também se localiza na Avenida Nereu Ramos,
porém na porção norte do tecido urbano. Nessa região, a avenida apresenta índices menores de
integração global se comparados à centralidade morfológica, variando entre 3,114 a 3,185. No
entanto, quando analisados os valores das linhas do entorno, a avenida permanece como o eixo
de maior integração. A conectividade na avenida também é superior às ruas próximas, com valor
de 18.

Figura 9. Mapa axial para a variável integração global do assentamento, à esquerda; e o subcentro
de Itapema para a mesma variável, com destaque para as Áreas de Interesse, à direita (fonte:
elaborado pelos autores, 2022).
Em relação aos usos, é possível observar uma elevada concentração de edifícios institucionais
nessa porção do território, incluindo a Câmara dos Vereadores, a Prefeitura Municipal e a
Secretaria da Saúde de Itapema, de forma similar ao que ocorre no centro tradicional de Porto
Belo. Isso se dá uma vez que essa área compreende a região de urbanização mais antiga do
município, onde a necessidade da criação de instituições públicas ocorreu após a emancipação da
cidade. Em relação ao comércio e aos serviços, diferentemente do centro tradicional de Porto
Belo, os estabelecimentos são de pequeno, médio e grande porte, além de apresentarem
características que atendem tanto a escala local quanto as demandas turísticas. Ocorrem, todavia,
em menor quantidade se comparado ao centro morfológico.
O segundo subcentro, denominado “Subcentro Porto Belo”, está localizado entre o centro
morfológico e o centro tradicional. É estruturado pela mesma avenida do centro tradicional:
Governador Celso Ramos, também principal ligação entre os dois municípios. Trata-se de uma
centralidade ainda em formação. Quando levantados os usos indicados nas Áreas de Interesse
(figura 10), observa-se a existência de estabelecimentos comerciais de grande porte, como lojas
de departamento e mercado atacadista, o que denota uma predominância de atividades
compatíveis com a escala do automóvel.
Em relação às medidas de integração global, o eixo o qual se concentram as atividades comerciais
apresenta valor de 0,697, enquanto a conectividade alcança 28 cruzamentos. Se comparado aos
demais eixos do assentamento, pode-se considerar que esse trecho da Avenida Governador Celso
Ramos possui elevada integração global, compondo o conjunto dos eixos 20% mais integrados
de todo o sistema. No entanto, se comparado aos demais eixos do conjunto, esse trecho da avenida
apresenta baixa conectividade, ainda que seu valor seja superior à conectividade do entorno.
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15

Figura 10. Mapa axial para a variável integração global do assentamento, à esquerda; e o
subcentro de Porto Belo para a mesma variável, com destaque para a Área de Interesse, à direita
(fonte: elaborado pelos autores, 2022).
A partir das análises do uso do solo, não é possível afirmar que há especialização nas centralidades
urbanas do assentamento. Apesar do centro morfológico ser a centralidade que mais atende as
dinâmicas do turismo, observa-se uma diversidade de estabelecimentos comerciais, como lojas
de departamentos, restaurantes, farmácias etc., o que também é evidente nas demais áreas
investigadas. A falta de setores especializados parece dever-se ao médio porte do assentamento,
uma vez que não apresenta demanda suficiente para usos voltados essencialmente para um tipo
único de atividade.

5. Considerações finais
O presente artigo inicialmente levantou os principais conceitos de centralidade urbana. A
acessibilidade de um determinado lugar associada à diversidade de usos são características
inerentes às centralidades, ainda que em maior ou menor grau. Esta compreensão permite
correlacionar o processo de crescimento da mancha urbana e o fenômeno da polinuclearização.
Em relação ao assentamento de Itapema e Porto Belo, é notório que o surgimento de múltiplas
centralidades ocorre a partir da expansão urbana desenfreada, iniciada com a consolidação da BR-
101, um dos principais eixos viários do país, junto à simultânea turistificação do litoral brasileiro.
A criação de novas reservas de terra a partir da capitalização da paisagem é o principal
instrumento ideológico para o crescimento intensificado no final do século XX, levando a
transformações disruptivas do território. O que antes se caracterizava por uma população local,
tendo a pesca e a agricultura como base de subsistência, hoje se conforma um dos principais
destinos turísticos de Santa Catarina, com a maior taxa de crescimento demográfico do estado. A
despeito disso, o desempenho do sistema é muito similar ao das cidades brasileiras, especialmente
nas últimas décadas, o que fornece um indício de homogeneização dos assentamentos no país.
Os resultados obtidos permitem concluir que enquanto o município de Porto Belo apresenta
crescimento predominantemente ao longo da costa, com pouca relação com a BR-101, em
Itapema esse eixo viário é crucial para a estruturação urbana. A maior facilidade de acesso e um
sítio geográfico menos acidentado, quando comparado a Porto Belo, leva à índices de crescimento
expressivamente superiores assim que a rodovia é inaugurada. Essa interpretação é comprovada
com a construção e análise dos mapas da expansão da mancha urbana, que também permitiram
318
16

identificar uma mudança no protagonismo das duas localidades: Porto Belo foi o principal
município da região até meados do século XX, porém gradualmente perdeu importância, com
Itapema assumindo o protagonismo em aspectos demográficos e econômicos, tão logo a
conurbação urbana aconteceu.
Em relação às centralidades urbanas levantadas, os valores obtidos por meio dos procedimentos
metodológicos da Teoria da Lógica Social do Espaço foram determinantes para a identificação
do centro morfológico e das vias intraurbanas que estruturam o sistema. As avenidas Nereu
Ramos e Governador Celso Ramos são os principais eixos viários, onde se estabelecem múltiplas
atividades comerciais e de serviços. A primeira, via de maior concentração de comércio e
serviços, é também o eixo de maior integração global do sistema.
O centro tradicional de Porto Belo pode ser considerado a centralidade que mais foi afetada com
a expansão urbana em termos de acessibilidade. O crescimento linear associado ao deslocamento
do centro morfológico em direção à Itapema, somado a um relevo acidentado como um dos seus
limitantes, fragmentaram essa estrutura dos demais eixos do tecido urbano, fazendo com que
perdesse importância em termos econômicos. Seu fortalecimento e preservação, contudo, é
essencial para mitigar os impactos da desterritorialização e transformação monocultural,
consequências de um desenvolvimento territorial que prioriza o lucro em detrimento do
planejamento urbano e das políticas públicas de bem-estar social.

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