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CAMPUS I CURITIBA
ESCOLA DE MÚSICA E BELAS ARTES DO PARANÁ
DAIANA MARSAL DAMIANI
CURITIBA
2023
DAIANA MARSAL DAMIANI
CURITIBA
2023
AGRADECIMENTOS
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................07
1.PATRIMÔNIO e PRESERVAÇÃO .........................................................................10
1.1 NOÇÕES PATRIMONIAIS.........................................................................10
1.2 PATRIMÔNIO INDUSTRIAL ......................................................................13
2. A CIDADE DE CURITIBA ......................................................................................18
2.1 A CIDADE INDUSTRIAL DE CURITIBA ....................................................27
3. ANACONDA MOINHO ...........................................................................................30
3.1 MEMÓRIAS DOS TRABALHADORES ......................................................32
CONCLUSÃO ............................................................................................................42
REFERÊNCIAS ...............................................................................................44
ANEXOS ..........................................................................................................47
ENTREVISTAS .....................................................................................47
ENTREVISTADO 1 ...............................................................................47
ENTREVISTADO 2 ..............................................................................51
FOTOS EXTRAS ANACONDA MOINHO .............................................55
7
INTRODUÇÃO
Essa definição ocorrida em 2003 com a Carta de Nizhny Tagil, mesmo que
tardia em comparação a outros patrimônios foi de extrema importância, pois
estabelece o que exatamente era o patrimônio industrial e a sua importância, dando
uma facilidade para o poder público identificar esses bens e preservá-los. Porém, a
falta de investimentos em leis e políticas públicas faz com que a grande maioria
delas desapareça.
Segundo o dicionário Aurélio Buarque de Holanda preservar é ((...))
“defender, proteger, resguardar, manter livre de perigo, dano e conservar.”
(FERREIRA, 2004). É através da preservação que se exerce a cidadania e ajuda a
manter a história de um povo ou cultura. Quando se preserva somente um tipo de
espaço relacionado a somente a um grupo de pessoas, pode-se construir uma
narrativa histórica que engloba somente uma visão da realidade, podendo assim
excluir indivíduos, tirando sua importância na construção da história.
8
1
“O tombamento é o instrumento de reconhecimento e proteção do patrimônio cultural mais
conhecido, e pode ser feito pela administração federal, estadual e municipal. Em âmbito federal, o
tombamento foi instituído pelo Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, o primeiro instrumento
legal de proteção do Patrimônio Cultural Brasileiro e o primeiro das Américas, e cujos preceitos
fundamentais se mantêm atuais e em uso até os nossos dias.”
2
https://www.patrimoniocultural.pr.gov.br/Curitiba
9
1. PATRIMÔNIO e PRESERVAÇÃO
aparece o debate por parte de acadêmicos argumentando que, mesmo que alguns
desses objetos representassem ou tivessem associações a nobreza, possuíam um
caráter maior do que sua representação, pois alguns contavam sobre a história da
França e de seu povo (CHOAY, 2001).
Mesmo com as transformações geradas pela Revolução Francesa sobre a
preservação de patrimônio, os processos de patrimonialização em sua maioria não
foram de comum acordo, o que resultou na construção de uma memória seletiva
sobre esses espaços institucionalizados, onde não englobava grupos excluídos
socialmente e menos privilegiados. Um exemplo disso foi o acontecimento da
Primeira Comissão de Monumentos Históricos na França em 1837, órgão
responsável por identificar possíveis bens patrimoniais, que privilegiavam bens
ligados a instâncias de poder, como palácios, catedrais e fortes, que possuíam
valores artísticos, históricos e técnicos específicos. Essa abordagem, embora com
boas intenções, mostrou-se imprecisa em relação ao verdadeiro entendimento do
que é patrimônio, deixando de considerar aspectos mais amplos e inclusivos.
Consequentemente, esse processo levou à “(...)elitização de bens conservados; de
um entendimento de identidade restritivo; do distanciamento da população em
relação às razões, normas e condições para a proteção do patrimônio.” (ZANIRATO,
2018, p. 15).
Conforme apontado pelo antropólogo Llorenç Prats, o processo pelo qual um
bem se torna patrimônio envolve uma dinâmica de "ativação", onde as instituições
de ordem social, como o Estado e a Sociedade, desempenham o papel de
ativadores. São essas instituições que estabelecem medidas de proteção e
institucionalizam o bem, retirando-o de seu contexto original e inserindo-o em outro
contexto, de acordo com seus interesses (PRATS, 1997). Esse processo de ativação
pode ser dividido em dois tipos principais: 1.Ativação estatal: nesse caso, o Estado,
junto com autoridades relevantes, institucionaliza o bem como patrimônio com base
em fatores históricos, artísticos e sociais. Um exemplo disso é o Palácio de
Versalhes, que foi tombado como patrimônio da humanidade pela UNESCO em
1979; 2.Ativação ligada à identidade: nesse cenário, a institucionalização do
patrimônio não necessariamente passa pelo Estado, mas é reivindicada por um
grupo com base em elementos de identidade. Um exemplo desse tipo de ativação foi
vista na cidade Saint-Étienne na França, no bairro Du Soleil, onde o grupo de
12
possui nenhum tipo de inventário ou órgão dedicado a essa finalidade. Essa lacuna
dificulta o monitoramento adequado desses bens e a falta de conhecimento sobre
esses espaços representa uma enorme perda para a nação, já que “(...)devemos
considerar que ela inclui o repertório tecnológico e as relações entre os homens e
seu ambiente, assim como o conhecimento compartilhado de processos industriais
que se concretizam em relações sociais” (CERDA; BONAFÉ, 1995) Influenciam nos
nossos comportamentos ainda hoje, ajudando a entender as dinâmicas e atividades
dos grupos ligados a esses bens.
No entanto, o Brasil se destacou como pioneiro no reconhecimento do
patrimônio industrial, em contraste com outros países da América Latina por meio do
SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), instituição criada em
1938 com o objetivo de identificar e preservar o patrimônio brasileiro. Em um ato
inovador, no mesmo ano de seu surgimento tombou a Fábrica de Ferro Patriótica de
São Julião, em Minas Gerais, antes mesmo da própria UNESCO reconhecer, em
1978,3 a "Wieliczka Salt Mine", na Polônia, como patrimônio industrial mundial. No
entanto, apesar desse pioneirismo, passaram-se mais de 30 anos até que outro
espaço fabril fosse tombado: a "Real Fábrica de Ferro São João de Ipanema", em
1968. Desde então, poucos espaços de cunho industrial foram devidamente
identificados e protegidos no Brasil. Dos 1187 bens patrimoniais tombados pelo
IPHAN4 (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), apenas 34 são
patrimônios industriais. Essa discrepância entre o número de bens patrimoniais
tombados e a representatividade dos espaços industriais evidencia a necessidade
de maior reconhecimento e valorização do patrimônio industrial brasileiro. Espaços
esses que são testemunhos valiosos da história da industrialização e do
desenvolvimento do país.
A definição e a importância do patrimônio industrial somente se consolidaram
em 2003 com a carta de Nizhny Tagil onde (...) “estabelecia a importância
fundamental de todos os edifícios e estruturas construídos para as atividades
industriais, os processos e as ferramentas utilizados e a paisagem em que se
inscrevem.” (CARTA DE NIZHNY TAGIL, 2003).
Essa carta reconheceu oficialmente a relevância histórica e cultural dos sítios
industriais, consolidando-os como elementos essenciais do patrimônio cultural da
3
Primeira fábrica tombada pela UNESCO.
4
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/126
15
tanto pelos arqueólogos quanto por acadêmicos de outras áreas. Seu papel no
estudo do patrimônio industrial é fundamental já que:
5
https://drive.google.com/file/d/13qrxpDMoqf9_3inHJEMbiAAYIQcyWAxz/view
6
https://ufmg.br/cursos/graduacao/2348/87378
7
https://www.museologia.ffch.ufba.br/sites/museologia.ffch.ufba.br/files/curriculo_do_curso_de_museo
logia_0.pdf
17
2. A CIDADE DE CURITIBA
Figura 7: Avenida Presidente Getúlio Vargas, entre as fábricas da Mate Leão Júnior e a Brahma, no
bairro Rebouças - 1949
A partir de 1940 a cidade teve que passar por uma nova remodelação
decorrente do aumento populacional que passava de 140 mil habitantes, que gerava
superlotação de algumas zonas. Assim sendo, em 1943 é instaurado o primeiro
plano diretor da cidade, o “Plano Agache" que organizava as funções e edificações
urbanas a fim de estimular o desenvolvimento da capital, categorizando as áreas por
centros setorizados. O plano, em suprassumo, oficializava alguns bairros como
centros industriais, como o caso do Rebouças que desde o século XIX vinha
abrigando as indústrias da cidade, mas propunha a saída de diversas fábricas do
local, pois eram incompatíveis com vizinhança (BARZ et al.,1997). A verdade é que
com o crescimento da elite curitibana, as fábricas foram vistas como empecilhos,
pois manchavam a imagem da cidade, com suas vilas operárias e chaminés. Desse
modo, muitas fábricas foram obrigadas a se retirarem por questões econômicas e
espaciais, o que iniciou o processo de desindustrialização da cidade, deixando
inúmeros estruturas abandonadas e trabalhadores desempregados.
Com o constante crescimento populacional e a necessidade de se criar novos
Planos Urbanísticos, iniciou-se em 1964, a criação do plano preliminar de urbanismo
pelo então órgão então criado em 1965 o IPPUC,8 que propunha melhor
estruturação das zonas e recomendava a transferência dos bairros industriais para o
sul da cidade, premeditando o surgimento da Cidade Industrial de Curitiba
(OLIVEIRA, 2001).
A região onde se compreende atualmente o CIC era uma zona rural com
poucos habitantes, espalhados por algumas colônias polonesas e inúmeras
chácaras. As únicas fábricas por ali ainda eram as barricadas de suporte ao mate.
Nos anos 60, a região ainda era um imenso vazio, porém já em 1962 a CODEPAR9
manifestava interesse em industrializar a área.
Como consequência do Plano Agache, muitas pessoas saíram da região
central, e foram morar nas redondezas, inclusive no CIC, que gerou a construção de
8
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, que cabe a ele orientar, fiscalizar e
implementar os planos diretores da cidade. https://ippuc.org.br/o-ippuc
9
A Companhia de Desenvolvimento do Paraná (CODEPAR) foi um organismo governamental criado
em 1962 com a finalidade de promover o desenvolvimento econômico do estado.
28
A ideia inicial era formar uma região onde pudessem agrupar e segregar
todas as indústrias da cidade e seus trabalhadores, fomentando o desenvolvimento
29
da mesma enquanto atraía novas fábricas para a região com o intuito de se fazer
gerar um polo industrial no estado do Paraná, ao mesmo tempo que transformava a
cidade de Curitiba em rota turística, jogando todos os problemas urbanos e
estruturais para as margens da cidade e região metropolitana. Porém, mesmo com
várias concessões fiscais e terrenos vendidos abaixo do valor de mercado, as
fábricas ficavam pouco tempos, decorrente de faltas de estruturas urbanas, o que
levou as dívidas fiscais exorbitantes pagas até hoje (OLIVEIRA, 2001).
Quando o país entra em crise em 1980, decorrente do aumento das taxas de
câmbio e endividamento externo e as empresas estrangeiras começam a comprar
as pequenas empresas nacionais instaladas na região, muitas fábricas são
abandonadas, levando a região a precarização, pois não havia lugares para se
trabalhar na região e as expectativas que no início do projeto eram gerar 30.000
empregos caem pela metade, fazendo com que a região tenha uma superpopulação,
tornando-se a região mais habitada de Curitiba e sem nenhuma estrutura urbana
para acomodar essas pessoas, fazendo com que hoje o CIC de uma grande
promessa vire uma das áreas mais pobres da cidade.
O processo de desindustrialização pode ser definido como sendo uma
redução persistente da participação do emprego industrial no emprego total de um
país ou região (Rowthorn e Ramaswany, 1999). Não causa somente uma perda
histórica para as cidades, mas afetam as relações e os ambientes em que as
pessoas transitam, principalmente para com a vida dos trabalhadores que
frequentam esses espaços, que são afetados de maneira econômica, social e
política, pois o espaço do trabalho também é um espaço de sociabilidade que evoca
sentimentos de memória e constroem identidades a partir dessas relações, desse
modo a perda desse patrimônio causa um apagamento de uma página da nossa
história, que gera danos irreversíveis (KÜHL, 2022).
Como se evidencia na análise, as fábricas e indústrias sempre
desempenharam um papel crucial na configuração da cidade. Contudo, com o atual
processo de transformação que vem desde do início do século XX, grande parte da
memória industrial de Curitiba está se dissipando, especialmente devido à ausência
de políticas efetivas de preservação desse patrimônio. Dada a relevância desse
contexto, especialmente nas investigações relacionadas ao Patrimônio Industrial,
propõe-se uma análise da fábrica Anaconda, com ênfase na preservação da
memória dos trabalhadores.
30
3. ANACONDA MOINHO
10
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-210-27-fevereiro-1967-375790-
publicacaooriginal-1-pe.html
31
por atacado na região de São Paulo e Paraná, já que não haviam mercados e
possuíam o sistema de atacado (COMENDADOR).
A Dias Martins no início tinha uma participação de 25% do capital total da
Anaconda e após algum tempo assumiu a administração, adquirindo toda a
participação, sendo proprietária de 100% do capital da "Anaconda Industrial e
Agrícola de Cereais S/A". Em 09 de fevereiro de 1959, o Sr. João Martins desliga-se
da sociedade e assume o Moinho de Trigo Anaconda, que tinha sido adquirido pela
"Dias Martins S/A" alguns anos antes.
Figura 10: Mapa da região onde se localiza a Anaconda Moinho, na imagem é possível visualizar
além da fábrica a rodoferroviária de Curitiba, 2023
(...) o pátio era tudo de areia e pedra, aqui onde é o salão de jogos era uma
cancha de vôlei, a gente jogava vôlei na hora do almoço, aí onde era a casa
de cola, tinha um espaço onde a gente jogava malha. Nessa época não tinha
almoço nem refeitório, trazia marmita, essas marmitas ficavam… tinha um
negócio com água, você trazia sua marmitinha e elas ficavam em banho
maria, as vezes você ia ver tinha roubado seu ovo, seu bife, porque o pessoal
roubava a carne do outro (Entrevistado 2, 2023)
12
Entendia como interações entre os grupos associados formais e informais que podem vir a criar
ligações associativas afetivas ou não, que transpassam espaço e tempo (DORÉ; RIBEIRO, 2019)
35
como sua segunda família. Esse ideia pode ser entendida dentro da fala do
entrevistado 1, quando menciona sobre sua família.
Minha família, se não fosse a empresa eu não teria a família que eu tenho
hoje, minha esposa eu conheci aqui, minha primeira esposa. Eu tenho uma
boa relação com a empresa sempre tive, com a 1 e 2 geração dos donos, a
primeira não tinha muito vínculo da segunda eu já tinha, a 3° eu não conheço
muito. A empresa faz parte da minha história de vida, eu já sai em revista
reportagem por causa da anaconda, você se sente parte da empresa, se eu
não gostasse do trabalho e não tivesse uma relação boa com as pessoas, eu
acho que não estaria pelo salário. O salário é ruim? não, o salário é bom, mas
não é o suficiente, o ambiente de trabalho, o relacionamento com as pessoas
acabava se tornando uma outra família. eu tenho uma relação muito boa com
a empresa e com minha equipe (...) (Entrevistado 1, 2023).
pela metade: dos 400 funcionários existentes no início da década de 90, restam
apenas 200, sobretudo do sexo masculino, para carga de descarga de farinha.
Processos que só permanecem na memória dos trabalhadores mais antigos, visto
que a empresa não tem registro dessas práticas.
As mulheres enfrentaram os impactos mais significativos durante o processo
de mecanização e desindustrialização na região. À medida que a empresa passou a
investir em maquinaria, as mulheres foram rapidamente excluídas. O processo de
automação não visava apenas reduzir os custos com mão de obra, mas também
garantir um maior controle sobre o produto final, pois os funcionários tinham contato
direto com o produto. É crucial observar que até o final da década de 90, não havia
fiscalização nas fábricas em relação ao trabalho de menores de idade. Como
resultado, as fábricas estavam repletas de meninas que trabalhavam por longas
horas, sem a proteção de normas e leis trabalhistas. A entrevistada 2 relata que,
com a automação, fez com que praticamente todas as mulheres fossem
dispensadas, e ela própria quase foi uma delas. Permaneceu apenas por possuir
conhecimento no sistema como explica no trecho:
(...) por exemplo, hoje tem uma balança que mede exatamente a quantidade
de trigo com o peso correto, antes não, tinha que ter uma menina que abria o
pacote. Imagina um tubo que caia do teto, daí tinha uma menina que ficava
na tua frente, uma abria o pacote, outra enchia outra pesava, daí tinha um
corredorzinho tipo vibratório, uma arrumava esse pacote no vibrador que ia
balançando até chegar na costura e a outra jogava na boca, tipo um
escorregador, que descia aqui pra baixo e caia nos vagões e caminhões, em
uma máquina tinha 10 meninas, devia ter umas 10 máquinas assim, era
assim que a gente trabalhava, na hora de colocar e pesar não tinha luva era
com a mão, a gente enfiava a mão no pacote. Aí pelos anos 2000 que
começaram a robotizar tudo, daí eles começaram a dispensar, foi por causa
da tecnologia a tecnologia tirou a mão de obra (ENTREVISTADA 2, 2023)
13
Nos registros da empresa (Fiat Lux) foram notificados, durante o período de
duas décadas, mais de quatrocentos casos de acidentes ocorridos dentro da
fábrica. No entanto, ao que parece, a freqüência dos mesmos era bem
maior.[(...)] Dentre os mais frequentes, são citados aqueles provocados pelas
máquinas automáticas que atingiam membros superiores (dedos, mãos e
braços) e abdômen. Aparecem muitos registros de queimaduras e ferimentos
nos dedos, principalmente o polegar e o indicador, muitas vezes com
esmagamento e perda de unha. Nos outros dedos e antebraço são comuns
os cortes com contusão (BOSCHILIA, 2010).
13
Fábrica de Fósforos localizada próximo a rodoferroviária de Curitiba.
41
CONCLUSÃO
(...) eu tenho 40 anos (empresa) mais sei que estou no final do meu
ciclo aqui dentro da Anaconda, começa e você não sabe quando vai
terminar, mais uma hora vai ter que terminar [(...)] pretendo trabalhar
mais uns dois anos, eu ia sair agora em 2023, mais como saiu nosso
gerente industrial, o diretor pediu pra mim ficar mais um pouco, dai eu
vou ficar mais uns 3 anos (ENTREVISTADO1, 2023).
Quando o ciclo desses funcionários antigos chegar ao fim, não restarão mais
registros desses processos e narrativas. Até mesmo os residentes do bairro já não
são os mesmos; a maioria se retirou. Atualmente, o que se observa são apenas
edifícios e terrenos vazios, testemunhando vestígios do que um dia foi uma das
áreas mais importantes da cidade. Esses locais carecem de pesquisa e estudos
para evitar que essas histórias sejam esquecidas, transformando-se apenas em
ruínas.
44
REFERÊNCIAS
Carta de Nizhny Tagil sobre o patrimônio industrial, TICCIH, 2003. Disponível em:
www.ticcih.org. Acesso em 24 de set. 2022.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: [s. n.], 1990. 189 p.
VARINE, Hugues de. Museologia Social. In: PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal
De (org.). Porto Alegre: [s.n.], 2000. 136 p.
CANDAU , Joël. Memória e Identidade. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2011. 224 p.
VICTOR, Nestor. A Terra do Futuro. 2. ed. atual. Curitiba: Farol do Saber, 1996.
308p.
NETO, Aroldo Antonio de Oliveira; SANTOS, Candice Mello Romero (org.). A cultura
do trigo. 1. ed. São Paulo: CONAB, 2017. 218 p. Disponível em:
https://www.conab.gov.br/uploads/arquivos/17_04_25_11_40_00_a_cultura_do_trigo
_versao_digital_final.pdf. Acesso em: 7 nov. 2023.
DORÉ, Andréa; RIBEIRO, Carlos (org.). O que é sociabilidade?. 1. ed. São Paulo:
Intermeios, 2019. 236 p.
ANEXOS
ENTREVISTAS
ENTREVISTADO 1
31/08/1983
Auxiliar de limpeza, limpava máquina, varria chão e daí foi indo, e o que eu sempre
falo quando a pessoa tem vontade e determinação as pessoas enxergam aí começa
a dar oportunidade, vira encarregado, auxiliar já com nível superior, aí tem os dois
lados, a empresa dá a oportunidade, em contra partida você tem que procurar
ualificação e assim vai indo. Quando eu entrei na Anaconda meu propósito era
trabalhar 2 no máximo 3 anos, esse era meu propósito, mais dai vai aparecendo as
oportunidades e você vai gostando do trabalho, criando vínculo, e isso vai te
segurando.
Quando você mudou pra cá tinham casas aqui na frente, o senhor chegou a
morar nelas?
Morei. Morei aqui na frente, aqui do lado, aqui antigamente era Capanema não era
Jardim Botânico morei 14 anos aqui na região.
Hoje você não mora mais aqui perto, você saiu contra a sua vontade? E qual a
sensação de ter morado aqui por 14 anos e ter sido removido?
Não. O ser humano tem que se adaptar a todas as situações, não era da minha
vontade mas você sabe que as coisas mudam, eu tenho 40 anos de empresa mais
sei que estou no final do meu ciclo aqui dentro da Anaconda. Começa e você não
sabe que vai terminar, mais uma hora vai ter que terminar, e a gente vai ter que
aprender a conviver com isso e faz parte da rotina. O fato de eu ter me mudado
daqui e ido para o Capão do Imbuia a princípio agora já estou em Colombo, a gente
se adapta, uma coisa que eu prego muito na minha equipe é você ser flexível, ser
adaptável, porque tudo se torna mais fácil, tudo mais resistente fica difícil, difícil de
trabalhar de comandar uma equipe, produzir o ser humano tem que estar se
moldando.
Uma parte sim a outra não, aquela época você tinha encarregado, mecânico e
eletricista que era prioridade de morar próximo a empresa, mas tinha muita gente
que era morador antigo (antes da fabrica abrir) mas não trabalhava no moinho.
Então antes você só atravessa a rua e vinha trabalhar, depois ficou muito
distante?
Não, to bem tranquilo. minha esposa fala assim que eu sou muito dado com todo
mundo, ”eu moro tanto tempo aqui, e não falo com ninguém, já você fala com todo
mundo”. Eu cumprimento todo mundo da rua, mesmo que eu não conheça eu dou
“Bom dia e Boa tarde” é normal é uma coisa minha.
Antigamente não se tinha a lei trabalhista de hoje, que não pode contratar menores
49
para trabalhar,então você tinha em torno de 280 meninas a mais velha tinha 15
anos, 13, 14 anos, aquele monte de molecada, como elas não tinham filhos o índice
de falta era menor, quase todas tinham seus namoradinhos aqui na fábrica. Era
bacana a fábrica exigia muita mão de obra das meninas.
Para envase. Você via no primeiro andar onde é o envase hoje, era fila de
empacotadora, cada boca tinha 10 meninas, uma vinha abrindo o pacote, outra
botava enchia outra direcionava para a esteira, outra vazia a dobra do pacote , outra
assava a fitinha, e outra vinha cortando e costurando, era muita menina.
Não, não me lembro, mas acho que foi em torno dos anos 90, 93 foi depois da
automatização, que acabou a mão de obra feminina. Diminui a mão de obra
feminina, aí automatizou foram compradas as máquinas Italianas, foi em torno de
96, eu fui pra Itália 99 eu tive na Itália visitando as fábricas da Technip, na época
estavam vindo duas maquinas para ser instalada. Eu fiz meu curso de moagem na
Itália.
Foi empresa, 90 dias na Itália, numa cidade chamada Clémont região da Lombardia,
entre Milão e Parma, 90 dias fazendo curso de moagem, e nos finais de semana eu
turistava.
Tem umas fotos que a gente achou lá no depósito, que era de futebol, lá tem
vários troféus, você lembra do que era mais ou menos?
A gente jogava muito bola, a gente fazia festival, tinha um cara que era o técnico da
Anaconda e era o chefe do empacotamento, ele fazia entrevista e perguntava “Você
joga bola? Jogo. Tá Bom então tá contratado” era assim. A gente era bom, abria
festival, às vezes fazia abertura e fechamento de festival, tinham festival de 8 á 10
times, aí eles falavam assim a gente dá o almoço pra vocês e o troféu se ganha o
jogo. Tinha um campo ali na entrada de Pontal do sul, hoje tem um condomínio, mas
antes era um campo de futebol, era um campo gigante, fizemos vários jogos lá, a
gente parou de jogar porque faleceu o dono do restaurante. A gente levava 2 ônibus,
50
um com jogador e o outro com a torcida, a torcida era o pessoal que trabalhava na
empresa e a família participava junto.
Eu acho que se o moinho não tivesse uma importância tão grande pra história da
cidade ele não tava aqui, porque se você for ver tem rua que não cruza de um lado
pro outro por causa da empresa,
Minha família, se não fosse a empresa eu não teria a família que eu tenho hoje,
minha esposa eu conheci aqui, minha primeira esposa, eu tenho uma boa relação
com a empresa sempre tive, com a 1 e 2 geração dos donos, a primeira não tinha
muito vínculo da segunda “filhos” eu já tinha, a 3° eu não conheço muito. A empresa
faz parte da minha história de vida, eu já sai em revista reportagem por causa da
Anaconda, você sente parte da empresa, se eu não gostasse do trabalho e não
tivesse uma relação boa com as pessoas, eu acho que não estaria pelo salário, o
salário é ruim/ não, o salário é bom, mas não é o suficiente, o ambiente de trabalho
o relacionamento com as pessoas acabava se tornando uma outra família. eu tenho
uma relação muito boa com a empresa e com minha equipe, e procuro sempre falar
com a minha equipe que não se pode entrar no âmbito da discussão para chegar
num ponto de atrito.
Querendo ou não todo mundo que tá nesse bairro, trabalhando ou não fez parte da
história da Anaconda, os campos de futebol, atrai filhos de pessoas que se juntava
com funcionários, tinha essa relação… acho que não consegui responder a sua
pergunta, mas sim.
Acho que a saída dos funcionários do entorno traz uma lacuna, a fábrica agora
ta isolada, se for pensar , as residências que tem aqui são muito pontuais,
você acha que essa história vai se perder?
Tinha que ter um estudo pra não deixar essas histórias se perder, porque se for
olhar, eu desde o tempo que eu estou na Anaconda, as empresas ao redor muitas
acabaram ou foram embora, Mate leão, Mate real, Fiat lux que é uma multinacional
que toca, não tem mais essa relação, são histórias que vão se perdendo se
perdendo e com o tempo ninguém fala mais. O problema é de se destruir um lugar, e
não se construir em outro lugar, por exemplo se a Anaconda fosse destruída, mas
não realocada em nenhum lugar, pra história da cidade isso seria uma perda, vai se
perder ninguém vai lembrar que tinha uma Anaconda aqui, que tinha um prédio
histórico um prédio velho, não a curto e médio prazo, mas a longo vai se perder.
ENTREVISTADO 2
25/10/1993, era tudo muito diferente, não existiam prédios, não tinham os barracões
de embalagens, aqui eram todas casas quem morava eram geralmente os
encarregados, moravam tudo em volta desse muro aqui, que a própria Anaconda
fornecida, eles nem pagavam aluguel, eram ruas de barro, não tinha asfalto, o pátio
era tudo de areia e pedra, aqui onde é o salão de jogos era uma cancha de vôlei, a
gente jogava vôlei na hora do almoço, aí onde era a casa de cola, tinha um espaço
onde a gente jogava malha. Nessa época não tinha almoço nem refeitório, trazia
marmita, essas marmitas ficavam… tinha um negócio com água, você trazia sua
52
marmitinha e elas ficavam em banho maria, as vezes você ia ver tinha roubado seu
ovo, seu bife, porque o pessoal roubava a carne do outro, ou às vezes porque
borbulhava muito, se você trouxesse num tupperware a tampa abria e você ia ver e
tua marmita tava cheia de água, a gente tinha uma hora e meia de almoço. Quando
eu entrei aqui, eu entrei trabalhando na produção, no empacotamento de 5 kilos,
trabalhei durante 6 meses, tinha mais de 200 mulheres naquele setor, tinha diversas
máquinas e era tudo manual, eu sou do tempo em que os pacotinhos não eram
colados, existia uma máquina de costura, com agulha e fio que passava, na ‘boca’
do fardinho e costurava, tem umas no mercado que você puxa e descostura eu sou
daquela época.
Não existia ISO nem DPF, não tinha nada, não tinha computador, quando entrei pra
trabalhar na época eu tinha curso de datilografia e curso de computador eu comecei
a fazer o MSDOS um cursinho, foi por isso que eles me deram a oportunidade de
trabalhar no administrativo. Eu trabalhei no faturamento durante 5 anos, não existia
Windows era o MSDOS tela verde e preta tudo por comando. As notas fiscais na
época não eram assim, não existia Danfe nem nada, era tudo nota de papel de via
carbonada, a gente colava num papel de formulário contínuo e colava na
impressora, passava o dia inteiro, um dia colando nota naquele papel e outro dia a
gente usava, era engraçado, acabou de faturar não tinha o que fazer, a gente ficava
colando nota no papel que no outro dia a gente tinha que usar ela. A mão da gente
ficava tudo cheio de carbono, boleto era de 5 vias tinha que fazer tudo na mão, era
bem trabalhoso, o gerente da época era o seu Costa era portugues, a gente quase
não entendia o que ele falava, era brabo, um dois anos depois ele saiu e entrou seu
Cravo, era português também ficou pouco tempo, depois entrou o Conrado, e o seu
Paulo e agora estamos com o Max. Eu já trabalhei em vários setores também,
empacotamento, faturamento, depois fui pro controle de embalagens, insumos fazia
todo o controle de estoque disso, depois fui pro setor de compras trabalhei 10 anos,
depois eu vim pro fiscal, depois contabilidade, ajudei a Dalete(antiga gerente
administrativa) uma época onde ela me ensinou algumas coisas. Daí surgiu uma
vaga nos contas a pagar que era o caixa da Anaconda, trabalhei uns 4, 5 anos e daí
surgiu uma vaga na central, mais eu já tinha trabalhado na central quando eles
compraram o SAP, é que antigamente era outro sistema o MICROSIGA, não existia
esse setor, “Central de recebimentos”, quem incluía as notas fiscais era o setor de
compras e tinha uma pessoa a Rosângela (antiga funcionária do financeiro) que
incluia o frete, não existia um setor que fazia toda a digitação, depois que eles
abriram esse setor que a gente começou a trabalhar, daí eu fui pro contas a pagar
porque o menino pediu a conta. Depois a Anaconda resolveu centralizar todos os
departamentos contábeis e financeiros lá em São Paulo, a parte financeira daqui
fechou, tanto é que todas as meninas que trabalhavam no setor financeiro foram
desligadas da empresa, quase que eu fui junto, eu só não fui porque na época
surgiu uma vaga que era o Fábio que trabalhava aqui como encarregado ele foi
desligado, e surgiu a oportunidade de eu entrar aqui pra trabalhar e eu estou nesse
setor desde 2015.
tubo que caia do teto, daí tinha uma menina que ficava na tua frente, uma abria o
pacote, outra enchia outra pesava, daí tinha um corredorzinho tipo vibratório, uma
arrumava esse pacote no vibrador que ia balançando até chegar na costura e a
outra jogava na boca, tipo um escorregador, que descia pra baixo e caia nos vagões
e caminhões, em uma máquina tinha 10 meninas, devia ter umas 10 máquinas
assim, era assim que a gente trabalhava, na hora de colocar e pesar não tinha luva
era com a mão, a gente enfiava a mão no pacote. Aí pelos anos 2000 que
começaram a robotizar tudo, daí eles começaram a dispensar, foi por causa da
tecnologia, a tecnologia tirou a mão de obra.
Em torno de uns 400, 300 eram mulheres, era muito mais mulher, tinha uma fila para
bater ponto, a fila dos homens era rapidinho a das mulheres era uma fila enorme
que dava lá embaixo. Cada um tinha um cartão de papel com seu nome e os dias,
daí a gente passava o cartão batia e carimbava, o ponto também era um lugar de
paquera, várias vezes você saia e tinha um bilhetinho com clipes grudado e bala, um
recadinho grudado no seu ponto, muitos casamentos aconteceram assim na
anaconda, teve muitos casamentos na Anaconda. A gente também dormia na
grama, na hora do almoço só via gente de macacão branco dormindo na grama.
As festas de final de ano eram bem legais, a gente vazia tudo aqui na Anaconda, e
tudo eram os funcionários que preparam, pegavam tijolos e faziam churrasqueira, ali
no carregamento. Comprava carne fazia churrasco, o pessoal da risotolândia fazia o
arroz a salada pão, daí a gente que decorava tudo, passava a sexta feira inteira
lavando pátio, lavando mesa, ai eles contratavam uma dupla sertaneja qualquer e
tocava e a gente dançava o dia inteiro, o forro era de baixo do carregamento, la
virava o salão de festa, e tinha Papai Noel.
Foi nos 2000, 2008 na realidade todos os prédios são novos tirando o moinho e a
casinha de madeira. E que antigamente era tudo por trem, então não tinha
caminhões, era tudo trem, ele passava dentro da Anaconda e descarregava o trigo e
era bastante nota, era uma nota por vagão a gente sofria, era bem trabalhoso.
Quando entrei aqui fazia fila de pessoas lá fora, porque ela só vendia no dinheiro na
época,então tinha o caixa, e fazia fila lá fora pra comprar farinha, tinha pegar e fazer
nota tudo na mão. agora diminui bastante o número de funcionário acho que tá nos
230. também não tinha fardo de farinha era só pacote de 1 e 5 kilos depois que eles
compraram a máquina de strass, mas antes só vendia por unidade.
Anaconda foi a única empresa em que trabalhei, meu primeiro emprego, estou lá a
30 anos. Todas as experiências profissionais adquiri nessa empresa, trabalhando
em diversos setores. E tudo que conquistei materialmente falando também foi
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através desse trabalho. Se ela sumisse, seria como uma grande parte do que vive
sumisse também . Ficaria em luto, entristecida.
Ter em uma empresa que produz produtos de alta qualidade, que atende as
necessidades do mercado, e por estar a tanto tempo, já se tornou uma referência,
faz parte da história. Além de oferecer emprego em diversas áreas.
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Título: Confraternização final de ano, distribuição de brinquedos filhos dos funcionários, 1994
Título: Área externa Fábrica Anaconda Moinho, trilhos do antigo trem que passava por
dentro da fábrica, 2023