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TERRITÓRIOS

ORGANIZAÇÃO
PATRÍCIA FREIRE DE ALMEIDA

DE URURAY
TERRITÓRIOS DE URURAY
Copyright © 2016 by Movimento Cultural Penha

Organização Patrícia Freire de Almeida

Danilo da Costa Morcelli


Lucas Florêncio Costa
Pesquisadores
Mauricio Dias Duarte
GRUPO URURAY
Monica Mantovani Goulart
Patrimônio Cultural
Neide Aparecida de Freitas
Patrícia Freire de Almeida

Pesquisadora convidada Alessandra Blengini Mastrocinque Martins

Projeto gráfico Andreia Freire


Tratamento de imagem Bibiana Gil
Revisão Neide Aparecida de Freitas
Fotos Douglas de Campos
Vanderson Satiro de Assis

Copatrocínio e Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo


Realização Movimento Cultural Penha

São Paulo
1º Edição 2016

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Territórios de Ururay / [organização Patrícia Freire de Almeida].


– São Paulo : Movimento Cultural Penha, 2016

Bibliografia.

1. Grupo Ururay – Patrimônio Cultural


2. Locais históricos
3. Monumentos nacionais
4. Paisagens – Proteção – Zona Leste – São Paulo
5. Patrimônio cultural – Preservação
6. Patrimônio cultural – Proteção
7. Preservação histórica I. Almeida, Patrícia Freire de.

16-08610CDD-363.6909

Índices para catálogo sistemático


1. Território cultural e histórico : Memória
e preservação : História 363.6909
7 PREFÁCIO

10 SOBRE A CIDADE, SOBRE ITAQUERA,


SOBRE PATRIMÔNIO...
LUCAS FLORÊNCIO COSTA

25 SÃO MIGUEL PAULISTA E SEU PATRIMÔNIO:


CAMINHOS PARA O USO SOCIAL
DANILO DA COSTA MORCELLI

30 COLINA, PATRIMÔNIOS E HISTÓRIAS


MONICA MANTOVANI GOULART

100 AS TRANSFORMAÇÕES DA CIDADE


E O DISTANCIAMENTO DE SEU PASSADO:
O CASO DA SUB-REGIÃO DA MOOCA
MAURICIO DIAS DUARTE

140 TURISMO, CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO


E GERAÇÃO DE OPORTUNIDADES PARA
COMUNIDADES DA ZONA LESTE DA CIDADE
DE SÃO PAULO
ALESSANDRA BLENGINI MASTROCINQUE MARTINS

150 FICHA TÉCNICA DOS PATRIMÔNIOS PESQUISADOS

160 NOTAS

155 PESQUISADORES
PREFÁCIO

EM UM ARTIGO DO PROFESSOR ANTONIO AUGUSTO ARANTES


de 2006 intitulado “O patrimônio e seus usos: a dimensão
urbana”, o antropólogo fala do número crescente de profis-
sionais na área das ciências sociais em comparação com a
década de 1980 que vem se interessando pelas políticas de
preservação do patrimônio cultural em apoio às “populações
tradicionais na defesa de direitos de posse e uso dos recursos
patrimoniais”. Entretanto, observa-se nesses últimos 10 anos
que a esse crescente interesse se soma o surgimento também
de pesquisadores, de diversas áreas da produção científica e
cultural, oriundos de comunidades tradicionais, urbanas
e periféricas atraídos pelo debate em torno da cidade e de
seus territórios e lugares de conflito, memória e identidade.
São produções reflexivas de processos artísticos, históricos e
culturais elaboradas por quem vivencia ou vivenciou o ter-
ritório, agregando o ponto de vista de quem conforma e se
apropria da linguagem cientifica, temperando-a com a fome
de quem adentra novos espaços como os da esfera das políti-
cas públicas e de gestão.
A experiência com o Grupo Ururay – Patrimônio Cultural
perpassa por essas questões, pois é um polo de convergência

7
de pesquisadores, articuladores, artistas, produtores da região
leste de São Paulo acerca do patrimônio ambiental urbano, tor-
nando o coletivo uma referência importante para discussões
antes apenas limitadas a região central da cidade, o que cul-
minou na proposta de discutir o patrimônio em interface com
outros setores da sociedade como educação, turismo, empreen-
dedorismo, entre outros.
O livro Territórios de Ururay é parte do projeto homônimo
que objetiva olhar as “fissuras” dos territórios despedaçados
da complexa zona leste da cidade de São Paulo. Resultado de
quase um ano de levantamento sobre 13 patrimônios cultu-
rais tombados presentes em 4 das 11 subprefeituras que com-
põe a região. A pesquisa gerou além da presente publicação
a produção de um documentário e um projeto expográfico
montado no Centro Cultural Penha, além da produção de ro-
teiros de visita aos patrimônios e de um evento de lançamen-
to com a professora, arquiteta e urbanista da Universidade
Federal de São Paulo Sra. Manoela Rossinetti Rufinoni.
As pesquisas aqui apresentadas são esforços para além do
mero levantamento histórico narrativo, buscando reunir in-
formações ora bastante dispersas, contraditórias ou pratica-

8
mente inexistentes sobre os patrimônios, necessitando de um
trabalho de contextualização desses espaços, reconectando-
-os com elementos resistentes e permanentes das localidades
onde estão inseridos.
Na cidade de São Paulo, onde a terra possui um valor de
troca para especulação em detrimento do valor de uso e de
construção simbólica, o patrimônio cultural vivo subverte a
noção de propriedade em favor do seu valor social, material
e ambiental. O resultado dessa tensão é quase sempre a si-
tuação de obscuridade, isolamento, descaso e/ou negligência
na qual encontramos esses bens. Nessa perspectiva os textos
que seguem podem evidenciar ou contribuir com a constru-
ção de ações no campo do turismo de base comunitária, da
educação para o patrimônio e da gestão sociocultural, fun-
cionando como cartas de princípios para democratização das
diversas cidades da cidade.

Boa leitura!
Patrícia Freire de Almeida
Grupo Ururay – Patrimônio Cultural

9
10
SOBRE A CIDADE, SOBRE ITAQUERA,
SOBRE PATRIMÔNIO...
LUCAS FLORÊNCIO COSTA

NUMA ÉPOCA SATURADA DE IMAGENS E PALAVRAS, CONDUZIR


ao respiro da reflexão, de modo a dar às coisas uma atenção
maior, parece ser o ato de extrema sensibilidade que nos falta.
Paulo Leminski poetizando sobre a sublime força de não se
render à louca fugacidade de nosso mundo, escrevera: “Quem
está com pressa, não tem tempo para ver a paisagem (...)”. Esta
percepção, que Leminski expressa em verso, ecoa não somen-
te neste texto, mas também no todo do qual ele faz parte, o
projeto “Territórios de Ururay”.
E é bom, desde já, anunciar ao(à) possível leitor(a) de que
o que se acha sintetizado neste breve texto é o apanhado de
um trabalho de pesquisa individual e coletivo, iniciado há al-
guns anos e aprofundado nos últimos meses.

DE QUE CIDADE FALAMOS?


O texto/documento “Recomendações de São Paulo”, resultan-
te da Semana do Patrimônio de São Paulo de 2016, trouxe
inúmeras contribuições significativas para o campo do pa-
trimônio nesta cidade. Muitas dessas recomendações nos en-
caminham a renovações conceituais importantes, o que faz
com que o documento todo seja um proveitoso referencial

11
para nossa reflexão. Mas quero aqui me atentar a um dos tó-
picos que me chama especial atenção: o ponto que se discute
o conceito tão difundido entre nós de “cidades históricas”. Ar-
gumentando que “Não há cidades que possam ser intituladas
de ‘históricas’, porque todas elas o são” o documento nos abre
possibilidades diversas para rompermos com concepções tão
frágeis e tão presentes em nosso vocabulário patrimonialista
quanto a sobredita.
Desse modo, insinuada a perspicaz reflexão, temos a pos-
sibilidade (e talvez o dever) de, a partir dela, indagar certas
ideias densamente presentes no debate sobre patrimônio.
Nesse sentido, quero me atentar à ideia de “centro histórico”.
De início quero notar o quanto a ideia de “centro histórico”
possui fragilidades tão próximas quanto a de “cidades históri-
cas”. Ora, ao se supor a delimitação da história a determinada
área, conformamos o processo histórico como algo medido e
apreensível em formas, quando na verdade, sabemos ser este
fluído, diverso e inapreensível por materialidades; o ponto
focal é a percepção da história a partir de seu complexo pro-
cesso.1 A ideia de um lugar delimitado que abarque e expresse
(sozinho) os desvãos da história, as passagens do que se suce-
deu à uma sociedade me é estranha. Há sempre o conflito que
se deu e ninguém escreveu sobre, rotas e caminhos não calcu-
lados, evasões e diálogos humanos que (ainda) não receberam
o predicado “histórico”, e tudo isso, evidentemente, impede o
cálculo que confina a história à uma reclusa área.2 É preciso
assim, repensar os lugares dotados de importância histórica,
tendo em vista o aprofundamento da reflexão não somente
sobre o patrimônio, mas sobre a própria cidade, de modo a
começar, ainda que timidamente, a descortinar a admirável
diversidade e complexidade histórica desta. No nosso caso, é

12
preciso um reposicionamento da reflexão sobre patrimônio
em São Paulo, de modo a nos possibilitar a composição de um
quadro mais amplo e minucioso da questão, nos aproximan-
do da complexidade que é inerente à própria cidade.3 Alme-
jamos, ao fim, aproximar-nos da plenitude da cidade! Essa é,
em minha opinião, uma das ideias essenciais que este vasto
projeto vem cultivando, de modo a fomentar a reflexão sobre
a própria cidade.
Uma vez colocada esta questão, passo agora a repensar Ita-
quera, partindo de vértices da discussão do patrimônio.

ITAQUERA? ITAQUERA!
Lugarejo bucólico, quase indocumentado, a região correspon-
dente à Itaquera fora, com provável acerto, outro ponto de para-
gem para tropeiros no período colonial. Dessa forma, a região
guardará fortes relações com outras áreas, sobretudo, Penha
e São Miguel – também pontos de pouso e passagem de via-
jantes. Trajeto estratégico no caminho para o Rio de Janeiro
e também para as Minas Gerais, toda a região Leste guardará
com zelo tal característica em sua história.4 O deságue para
importantes regiões do estado e do país forçará a constante
aparição de todo o lado Leste da cidade na história desta. Dessa
maneira, a importância de se pensar, historicamente, a rela-
ção do bairro de Itaquera com alguns bairros circunvizinhos
(principalmente São Miguel, Guaianases, Artur Alvim, Cida-
de Tiradentes e São Mateus) e com cidades pertencentes à área
leste da macrorregião Metropolitana de São Paulo (Guarulhos,
Arujá, Itaquaquecetuba, Poá, Ferraz de Vasconcelos e Mauá)
deve ser aspecto presente em nosso esforço. Tais inter-relações
(geográficas e culturais) conformadas ao longo do tempo ex-
plicam, em muito, os contornos da urbanização dessas áreas e

13
demarcam diálogos muito pertinentes para se entender o que
veio a se constituir toda essa macro área.
Por conta dessa condição, de entremeio de pontos conexos
da economia colonial e, posteriormente imperial, em 1875
instala-se na região do atual bairro o ramal de São Paulo da
Estrada de Ferro do Norte (posteriormente denominada E. F.
Croquis da Zona Central do Brasil).
entre São Paulo e
Mogy das Cruzes,
com indicação dos
pontos existentes
sobre o Tietê (1904)
Arquivo do Estado de
São Paulo

14
O surgimento da estação no bairro marca definitivamente
a paisagem deste: é a partir dela que se consolida uma urbani-
zação mais notável, de um perímetro que congregara diversos
empreendimentos comerciais e um numeroso casario, expres-
sando a relativa autonomia desse território, assim como sua
considerável dinâmica social. Cinema, empreendimentos co-
merciais, igrejas e moradias se desenvolveram ao redor da Es-
tação de Itaquera, demarcando uma urbanização incipiente.5

Esboço das
estradas entre
Arujá-Penha e Poá
(1906)
Arquivo do Estado de
São Paulo

15
Dessa condicionante histórico-arquitetônica podemos perce-
ber o reflexo nos atentando à localização de pelo menos três dos
quatro bens tratados neste projeto correspondentes à subpre-
feitura em questão. O espaço denominado “Casa do Chefe da
Estação” (onde, em 2014 inaugurou-se o Centro Cultural Casa da
Memória) é o único remanescente físico da estação ferroviária de
Itaquera,6 sendo assim o único dado paisagístico que nos infor-
ma dessa preexistência no bairro. Nunca houve nenhum estudo
pormenorizado sobre o bem, o que impossibilita traçarmos co-
mentários mais profundos sobre ele – situação que o aproxima
da antiga sede da fazenda da família Morganti. Do ponto de vis-
ta arquitetônico, pode-se dizer que manifesta-se ali o ecletismo
como forma de representação. De tal forma, em sua constituição
é possível notar a presença de alguns elementos que fazem men-
ção à tradição clássica, como a presença de um embasamento
marcante, que eleva a casa do nível da rua, e um coroamento
onde há um frontão triangular com discreta ornamentação.
Além destes, a presença de uma cornija, pilastras laterais, e en-
trada principal centralizada também remetem à esta tradição.
Entretanto, nota-se a presença de uma varanda lateral, elemento
que já não faz parte da tradição clássica, daí considerar o eclético
como explicação formal. Sobre a varanda, cabe ainda pontuar
a presença de pilares de ferro, denotando o momento em que a
casa fora construída, ligado a industrialização e a implantação
das ferrovias na cidade.7 Podemos ainda sinalizar a aparição de
óculos no embasamento, distribuídos por todas as quatro faces
da edificação, denotando a existência de um porão, em uma cla-
ra correspondência com as prescrições higienistas nos Códigos
(de Posturas e Sanitário) então vigentes.8

16
Centro Cultural
Casa da Memória
ou Casa do Chefe
(2016)
Douglas Campos

Outro fator preponderante na história do bairro é o ele-


mento agrícola-rural somado a um considerável e peculiar
povoamento, contexto que lhe traçará os contornos mais evi-
dentes de sua urbanização inicial. De acordo com Aroldo de
Azevedo é aqui, nessas áreas correspondentes à Itaquera, que
se iniciava “a verdadeira zona rural dos subúrbios paulista-
nos, com seus grandes espaços sem nenhum sinal da presen-
ça do homem, pleno domínio da natureza”.9
Dessa Itaquera de aspectos semi rurais, resta-nos poucos
remanescentes arquitetônicos. Muito por conta disso, a op-
ção por tratar a antiga sede da fazenda da família Morganti
nos soou pertinente. O casario que, instalado numa antiga
encosta de vale (do rio Jacú) e que hoje sedia a Casa de Cul-
tura Raul Seixas (equipamento vinculado ao organograma
da Secretaria Municipal de Cultura da cidade de São Paulo), é
uma das poucas remanescências que sobreviveram às várias
reformulações pelas quais o bairro passou. Todo o entorno
da casa foi modificado, sobretudo, a partir da instalação dos

17
conjuntos habitacionais pela Companhia Metropolitana de
Habitação entre as décadas de 1970 e 80, que originaram o
Conjunto José Bonifácio (denominado também como Cohab
II). Enorme parcela da propriedade da família Morganti10 foi
desmembrada, dando espaço ao surgimento de uma nova pai-
sagem (demarcada por conjuntos habitacionais, escolas, ruas,
vielas e afins); este processo fez com que a capela original-
mente pertencente à fazenda perdesse seu diálogo com esta,
estando hoje apartada do Parque Municipal Raul Seixas – es-
trutura onde se localiza a antiga sede da família Morganti.
Ainda assim, a edificação sede da fazenda teve seu processo
de tombamento aberto pelo Conpresp (Conselho Municipal
de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambien-
tal da Cidade de São Paulo), pois considerou-se

a ocupação do território da cidade de São Paulo desde o pe-


ríodo colonial à leste do núcleo da Vila de Piratininga, para a
catequização dos índios, a busca de pedras preciosas e poste-
riormente com a instalação da ferrovia.

A capela de Santa
Terezinha, ainda
preservada e em
uso, sob custódia
da Paróquia Santo
Agostinho. Não
houve nenhuma
menção a este
templo religioso
no processo de
tombamento da
fazenda (2016)
Douglas Campos

18
E ainda,

a relevância ambiental desta área, o interesse arquitetônico


histórico-cultural de salvaguardar estas obras para transmi-
ti-las como herança às sociedades futuras, que abriga o Par-
que e a Casa de Cultura Raul Seixas11.

Outro bem a ser mencionado é o casarão de Sabbado D’An-


gelo. Edificação de veraneio construída pelo industrial ítalo-
-brasileiro, Sabbado Umberto D’Angelo (1879-1938), o casarão
foi cenário para encenação de inúmeras ações do industrial:
desde festas para grupos sociais abastados à almoços benefi-
centes e religiosos. Em profundo diálogo com um numeroso
casario do bairro (constituído por chalés, casarões e sobrados
que expressam o ecletismo e o neocolonial como programa
arquitetônico e que se encontram espalhados por todo o distri-
to)12 o casarão de Sabbado D’Angelo nos informa de um aspecto
essencial sobre a história desta parcela da cidade: a presença
considerável de uma elite social nas décadas de 1920 e 30.13
Dessa forma, o casarão de Sabbado D’Angelo, por detrás
dos muros que o cercam desde que foi sede, durante anos,
da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição Família e Pro-
priedade (denominada popularmente como TFP)14 resguarda
aspectos interessantes para a história da região, assim como
evidencia a problemática que envolve a discussão sobre pre-
servação cultural na contemporaneidade.
Com variados usos em sua trajetória o casarão repercute
uma nebulosa situação em sua materialidade: a edificação é,
na maioria das vezes, significada a partir de uma reformu-
lação da memória sobre a TFP naquele espaço; este aspecto
se evidencia num singelo, mas profundo ato cotidiano: um

19
enorme número de moradores do bairro ao passarem de-
fronte o casarão gesticulam o sinal da cruz, benzendo-se, ex-
pressando o entendimento de que aquele espaço (o casarão)
é dotado de religiosidade, de uma carga sacra, seja qual for
esta. Assim, estando a edificação desocupada e sem uso,15 é a
memória da presença da TFP e, de modo bastante peculiar, a
fachada do muro principal da propriedade que parecem in-
formar a narrativa pela qual a comunidade “se apropria” do
bem. Em 2015, tanto o Condephaat (Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico)
quanto o Conpresp sinalizaram ao tombamento do casarão.
O Condephaat, através de seu “egrégio colegiado deliberou
acatar, o parecer de vistas do Conselheiro Relator, favorável
ao tombamento da Chácara Sabbado D’Ângelo situada na Rua
Sabbado D’Ângelo 657, nesta Capital;”16 o órgão municipal por
sua vez resolveu por abrir o processo de tombamento por con-
siderar, dentre outras coisas

o valor cultural do imóvel, um casarão com cerca de 100 anos,


erguido em área do primeiro “loteamento” ocorrido na região
de Itaquera, a partir da Fazenda Caaguassu, que dividiu os lo-
tes com 10 mil metros quadrados cada um, sendo comerciali-
zado para casa de veraneio e chácaras17.

Diferente situação temos ao considerar a Igreja de Nossa


Senhora do Carmo, atual matriz de Itaquera. Inaugurada em
1928 ainda inacabada, é em 1930 que o templo religioso tem
sua construção finalizada recebendo acabamento e a instala-
ção de materiais e peças decorativas importadas; esta última
parte da construção foi custeada por D’Angelo.18

20
A igreja, que desde sua ereção tornou-se a matriz da região,
passou também a ser um marco da paisagem do bairro, de-
marcando a projeção do arruamento de seus arredores, a par-
tir de seu largo. Interessante registrar que a igreja vem tendo
grande atenção por conta da atuação de seu atual pároco, Pe.
Paulo Sérgio Bezerra, notadamente, por conta da postura, di-
gamos, mais progressista deste. Pe. Bezerra tem proposto refle-
xões importantes sobre e a partir do evangelho, repercutindo,
em muito, o ímpeto do jesuíta Papa Francisco. Esta atuação,
marcada pelo combate aos diversos tipos de discriminação e
pelo diálogo com outras expressões da religião, acaba por in-
fluenciar a forma como a igreja é vivenciada: aberta e refle-
xiva, o marco na paisagem é, acima de tudo, vivenciado pela
comunidade que o toma, o ocupa, o vivencia. A isto conjuga-se
ainda a atuante presença de algumas pessoas interessadas na
preservação da edificação religiosa, fato que se expressa pela
condução de medidas de reparo e conservação, notadamente,
na fachada da edificação. Dessa forma, pela resolução n° 22 de
2015 do Conpresp,19 incide sob a igreja dispositivo de proteção.
Vista lateral da
Igreja Nossa
Senhora do Carmo
(2016)
Douglas Campos

21
(RE) PENSANDO O PATRIMÔNIO

O patrimônio, enquanto recurso, deve servir concretamente


a todos e ao conjunto das dimensões do desenvolvimento,
isto é, não apenas à cultura e ao turismo, mas também a so-
ciedade em seu todo, à economia, à educação [...].20

Aqui, a esta altura, podemos voltar nossos olhos à uma mar-


ca que se põe por sob a pauta patrimonial em Itaquera: o fato de
que os bens situados no bairro reconhecidos como patrimônio21
pelos órgãos de preservação são, em sua maioria, vestígios ma-
teriais resultantes da atuação de uma elite social local: a igreja
e as autoridades religiosas ou católicas; o variado casario de ve-
raneio ou de fazenda das famílias proprietárias da região, o que
significa dizer que a preservação cultural em Itaquera, parece
estar em certo diálogo com a monumentalidade e exuberância
arquitetônica desses vestígios edificados, apontando à uma nar-
rativa histórica excludente (cuja primazia está sob as mãos de
determinado estrato social) e que não dá conta da própria com-
plexidade da trajetória do bairro.22 Assim, a adoção de uma ação
preservacionista orientada por uma única narrativa sobre o
passado23 parece afastar ainda mais as comunidades do processo
de valoração do patrimônio, o que inviabiliza o surgimento de
qualquer tipo de pertencimento em relação ao que é considera-
do patrimônio. Na maioria dos casos alijada de representação no
processo de preservação (da solicitação de tombamento aos estu-
dos e outras ações), a população em geral, não desenvolve qual-
quer tipo de apreço em relação a esses espaços, o que faz com que
a preservação desses sequer seja considerada como pauta a ser
discutida, ficando a questão à espera de grupos de moradores
organizados para ser vivenciada – como é o caso também da Co-
missão do Rosário, atuante na Penha.

22
Dito isto, ressalto que é a partir da atuação de alguns mo-
radores interessados na discussão sobre a história do bairro
que algumas ações vêm sendo realizadas, no sentido de for-
talecer em Itaquera o debate sobre história, memória e pre-
servação. O escritor e historiador Escobar Franelas que em
2014 lançou o livro “Itaquera – uma breve introdução”, em
que faz uma explanação mais geral sobre a história do bair-
ro; o pesquisador Filipe Oliveira que pesquisou em seu Mes-
trado as transformações paisagísticas no bairro a partir da
“elaboração de grandes projetos urbanos” e da construção da
Arena Corinthians, para a realização da Copa do Mundo Fifa
(2014),24 os já citados João Luís Brito Neto e Ana Alexandria
que vem contribuindo há anos em diversas iniciativas cul-
turais do bairro.25 Destaco também Marcello Nascimento de
Jesus, militante social, integrante do “Coletivo ALMA” e que
desde meados de 2015 vem atuando como coordenador da
Casa de Cultura Raul Seixas, articulando uma série de ações
culturais como também viabilizando a realização de discus-
sões sobre o bairro, a partir de diferentes temas e por fim, Ser-
gio Toccacelli, zelador da Igreja N. Senhora do Carmo, e que,
por exercer essa função, vem realizando diversas pesquisas
sobre o bairro; Toccacelli conseguiu organizar um razoável
e riquíssimo acervo de documentos textuais/fotográficos so-
bre a história de Itaquera. São esses moradores entre outros
(e nestes o autor deste texto), que vem conduzindo algumas
ações culturais que discutem a memória do bairro, com vis-
tas à valorização da própria história e cultura da região. As
reflexões sobre preservação cultural vêm nessa trilha.
Há pelo menos 15 anos algumas solicitações de tomba-
mento foram encaminhadas ao Conpresp e ao Condephaat
pela comunidade e por representantes desta, direcionando-se

23
a diferentes edificações do bairro. Ações esparsas e descone-
xas, tais solicitações não se encaminharam como os solici-
tantes esperavam, ficando durante muitos anos sem serem
apreciadas pelos respectivos órgãos. Nos últimos anos, devi-
do a articulação do grupo de moradores mencionados acima
conjugada à uma série de outros fatores, esses processos foram
retomados, tendo encaminhamentos bastante importantes,
expressando um novo momento do debate preservacionista
no bairro.
Assim, é preciso apontar que foi no ano de 2015 que o deba-
te sobre preservação se fortaleceu em Itaquera. Tal mudança
se explica, em primeiro lugar, como ressonância das articu-
lações realizadas no bairro da Penha, expressadas pelos três
Seminários sobre Patrimônio Histórico-Cultural da Zona
Leste, realizados em março, agosto e dezembro de 2014 (todos
os três ocorridos no Centro Cultural da Penha). Em segundo
lugar, cabe sinalizar a influência das diversas reformulações
urbanísticas pelas quais o bairro passou entre 2010 e 2014 (por
conta da realização da Copa do Mundo de Futebol naquele ano)
enquanto fator de estímulo ao resgate da história/memória do
bairro. Tais reformas transformaram boa parte da paisagem do
território e com isto a iminência da perda, da transformação
abrupta de outros espaços (notadamente casarões antigos) e a
sensação de ruptura com o passado (supostamente constante
e linear) modificaram a forma como os próprios moradores
enxergavam e se relacionavam com o bairro, refletindo, em
certa medida, no debate sobre a história de Itaquera, e como
que por consequência, na pauta de preservação.26 Cabe apontar
a influência, ainda que discreta, dos ventos vindos da gestão
municipal (2013-2016) que, possuiu entre seus mais evidentes
louros, a busca por repensar a cidade de São Paulo.

24
Foi nessa peculiar conjuntura que os pedidos de tomba-
mento 2003-0.071.077-8 (esse reestruturado pelo Departa-
mento do Patrimônio Histórico/DPH, que visa a “Abertura
de Processo de Tombamento de um Conjunto de Edificações
em Itaquera” – sendo elas a já mencionada Casa do Chefe da
Estação à Rua Antônio Carlos Oliveira Cesar, 97; a edificação
que abriga, atualmente, a Biblioteca Sérgio Buarque de Ho-
landa, na Rua Victório Santim, 44 e o imóvel da Rua Victó-
rio Santim, 60)27, 1996-0.032.864-1, de autoria de Manoel Luis
Lima (processo iniciado em 1996, a respeito da “Abertura
de Processo de Tombamento da Antiga Sede da Fazenda da
Família Morganti, situada à Rua Murmúrios da Tarde, 211)
e 2012-0.063.190-7 (originário na Câmara Municipal, a res-
peito da “Abertura de Processo de Tombamento do Casarão
em Itaquera” o Casarão de Sabbado D’Angelo, à Rua Sabbado
D’Angelo, 657)28 passaram a ser acompanhados de fato. E foi,
sem dúvidas, a partir da somatória desses fatores que alguns
encaminhamentos surgiram: o casarão de Sabbado D’Ange-
lo e a Antiga sede da fazenda da família Morganti tiveram
seus estudos de tombamento abertos, pelas resoluções 32/
Conpresp/2015 e 33/Conpresp/2015, respectivamente. Episó-
dio peculiar, essencial para se pensar o quanto a memória e a
preservação cultural no bairro estão em disputa, é a ocorrên-
cia de um questionamento do tombamento deste bem em es-
fera estadual, por parte da proprietária do casarão de Sabbado
D’Angelo (a Associação Aliança de Fátima). Aqui, uma perti-
nente questão se apresenta: a posse privada de bens culturais.
Aqui, a falta de um amplo debate patrimonial que conjugue
planejamento urbano, o currículo educacional e políticas es-
tratégicas de cultura faz-se sentir. Pois, parece que ainda não
conseguimos discutir, verdadeiramente, as possibilidades da

25
preservação cultural defronte à posse privada (e não mais o
interesse privado) embora seja esta uma pauta essencial, haja
vista ser a preservação um processo de interesse público, ao
mesmo tempo que o “bem cultural não é público, nem parti-
cular, é bem de interesse difuso, dado que são titulares pes-
soas indeterminadas”.29
Um caso particular, a ser assinalado como resultado di-
reto desta conjuntura especulativa no bairro é a abertura,
em 2014, do Centro Cultural Casa da Memória, como já dito,
sediado na sobredita “Casa do Chefe da Estação”, sendo este
um equipamento que, em tese, deveria promover ações rela-
cionadas à preservação da memória do distrito, como exposi-
ções, seminários e oficinas. Muito adequado é ressaltar que o
surgimento da Casa da Memória é muito mais resultado da
extensa mobilização dos moradores de Itaquera do que qual-
quer outro fator, o que extenua o argumento de que a popula-
ção num geral pouco se interessa por seu passado. Aqui, cabe
apontar que para a instalação do Centro Cultural Casa da
Memória, a edificação passou por obras de recuperação que,
grosso modo, não se conformaram num adequado restauro
de sua estrutura, uma vez que se constata desde já a desconsi-
deração de características construtivas e artísticas do imóvel,
como por exemplo, os elementos decorativos internos, repre-
sentados por pinturas artísticas, existentes em, pelo menos,
um dos cômodos. Ao que parece o processo de recuperação da
edificação não investigou, de forma diligente os diversos atri-
butos constituintes desta. De tal modo, o valor conservativo
das intervenções já se mostra discutível; uma visita ao bem
nos evidencia o aparecimento de diversos desgastes na pintu-
ra interna, evidenciando o emprego de materiais não adequa-
dos, que demonstram que a consolidação do imóvel não está

26
de fato assegurada.30 31Junte a isso a sucessão de gestões que
não possuem nenhuma intimidade com o debate sobre pre-
servação e que por isso, projetam ao Centro Cultural Casa da
Memória as mais inconsistentes ideias de cultura e memória,
e teremos a atual feição deste espaço.
A partir do que vimos, podemos dizer que temos então,
uma situação bastante peculiar: de um lado um ímpeto pre-
servacionista (nos últimos anos) num território que, tradi-
cionalmente, não foi visualizado enquanto detentor de bens
culturais pelos órgãos responsáveis pela preservação e do ou-
tro, a indicação à uma preservação que parece não dialogar
com a política urbanística e que, por isso, não considera as
inter-relações entre tais bens e o contexto urbano e ambiental
do território.
Aqui, chegamos a um importante ponto de inflexão de
nosso debate. Poderíamos indagar em que medida, o cará-
ter cognitivo32 atribuído ao patrimônio é realmente efetivo
em áreas marcadas pelo desigual crescimento da cidade ou
pela desigualdade social (que tem no campo da cultura uma
drástica expressão). Que importância tem o “histórico”, o “ar-
tístico”33 para comunidades que experienciam diariamente
problemas crônicos de mobilidade urbana? Para que tipo de
cidade o patrimônio histórico-cultural foi pensado? Onde
o patrimônio preservado está inserido no cotidiano das co-
munidades e grupos relacionados a ele? É bem certo que as
respostas seriam diversas, pois a cada contexto uma nova
nuance viria a se exibir, mas também é correto afirmar que a
tendência é que a questão patrimonial não integre os debates
sobre desenvolvimento urbano, produzindo um nítido iso-
lamento dos espaços considerados patrimônio com as áreas
nas quais estão localizados. É essencial que o debate sobre

27
preservação cultural adentre as reuniões de desenvolvimen-
to urbano e também econômico, de gestão e habitação, do ver-
de e meio ambiente, de infraestrutura urbana e obras, como
também da educação.
É preciso pensar a figuração desses bens no presente, isto é,
é necessário indagar como esses espaços irão interagir com a
cidade na atualidade, de que forma eles irão compor os arran-
jos urbanos e culturais contemporâneos e em que medida esses
usos estarão em diálogo com os contextos locais.
Imaginar o desenvolvimento local a partir de atividades
econômicas compatíveis com as características do território,
dialogando de forma contextualizada com a preservação cul-
tural parece ser a postura a ser tomada – tal pressuposto não
deve figurar somente na atuação das instituições e órgãos tra-
dicionalmente vinculados a preservação cultural, mas deve
estar na concepção das ações dos agentes locais, sejam eles
lojistas, agentes comunitários, militantes ou gestores da cul-
tura e demais moradores.
Nesse sentido, a partir de dois espaços elencados neste pro-
jeto localizados na Subprefeitura de Itaquera, podemos traçar
algumas questões sugestivas à esse debate, apontando ideias
e ações que expressem essa necessária postura contemporâ-
nea do Patrimônio.
Aliás, a convivência com essas reminiscências arquitetôni-
cas deve se pautar pelo entendimento de que estas são dotadas
de valor cultural, ao mesmo tempo que apresentam, cada uma
à sua maneira, condições reais de serem inseridas nos planos
estratégicos, projetos econômicos locais e ações sociais de
valoração do território; essa acepção permite conjugar a pre-
servação ao desenvolvimento planejado dessas localidades,
possibilitando uma participação efetiva do patrimônio nos

28
arranjos locais de desenvolvimento. A Carta de Nairobi (1976)
já indicara a necessidade de se pensar o patrimônio a partir
dessas questões, o que evidencia que a problemática não recai
sobre nós há pouco tempo.

Constatando que em muitos países falta uma legislação suficien-


temente eficaz e flexível que diga respeito ao patrimônio arqui-
tetônico e a suas relações com o planejamento físico-territorial34.

De tal forma, como conjugar tais questões numa área como


Itaquera, detentora de histórico tão peculiar ao mesmo tempo
em que se faz necessária uma meditação sobre a produção de pa-
trimônio?35 Pensar nessas “possibilidades” nos auxilia a planejar
ações, demonstrando notável sensatez no debate proposto.
A Casa da Memória estando subordinada à estrutura da
subprefeitura de Itaquera teria justificada sua preservação se
sua transformação em espaço de custódia da memória do bair-
ro se concretizasse de fato, dando sentido à sua denominação.
O fato é que não há nenhum trabalho sendo conduzido nesse
sentido naquele espaço, estando assim o “Centro Cultural Casa
da Memória” à espera de uma gestão que repense a dinâmica
do bem a partir de sua caracterização em espaço de memó-
ria. Poderíamos também pensar sobre outras possibilidades
de orientação do uso deste patrimônio (já que sua efetivação
em espaço de custódia e preservação da história e memória do
bairro não se concretiza), considerando aqui seu próprio histó-
rico. Assim, a vinculação deste espaço com a gestão urbana do
bairro, tão em voga por conta do Plano Diretor Estratégico que,
através do Decreto nº 56.161 de 1 de junho de 2015, formalizou
o “Eixo de Estruturação da Transformação Urbana definido
pelo Corredor de Ônibus Leste-Itaquera” nos pareceria acerta-

29
da. Nesse exercício imaginativo (que tem óbvias limitações),
o casarão de Sabbado D’Angelo não teria sobre si somente a
proposição de instalação de um equipamento cultural,36 mas
também a consideração sobre sua figuração enquanto espaço
de “referência jurídica aos trabalhadores”, vinculando-o dessa
forma à memória de seu proprietário original – um enrique-
cido industrial, indivíduo que tanto enriqueceu pela força de
seus empregados – pois se a preservação de um bem é a repro-
dução de uma narrativa37 a projeção de seu uso também é.
A Casa Raul Seixas e a Igreja do Carmo demonstram o
quanto a presença de uma “gestão”, “liderança” que busca dia-
logar com sua comunidade é proveitosa para a preservação
cultural: ambos espaços estão inseridos no cotidiano de mi-
lhares de pessoas do bairro, integrando não somente itinerá-
rios, mas acima de tudo, afetividades e imaginários.
Enquanto escrevia este texto, no dia 30 de setembro (ante
sala das Eleições Municipais de 2016) o Monumento às Ban-
deiras, um dos principais símbolos de São Paulo, convertido
em cartão-postal da cidade, amanheceu pichado, coberto por
manchas de tinta azul, amarela e rosa. Neste mesmo dia, a es-
tátua do Borba Gato, em Santo Amaro, amanheceu da mesma
maneira. Logo uma saraivada de comentários em defesa do pa-
trimônio se fez ouvir. Advogava-se pelo indiscutível respeito
que o patrimônio histórico da cidade merece. Triste situação!
Sem nos fazerem lembrar e refletir, de forma crítica e lúcida,
sobre os absurdos de nossa história tais monumentos nos con-
duzem, esquizofrenicamente, para a glorificação de atos inde-
fensáveis de nosso passado. É essencial que o patrimônio não
seja este incontestável “cortejo do triunfo”, mas sim parte inte-
grante de nossas vidas, de nossas ações culturais e por isso, de
nossa imaginação.

30
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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31
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Santa Catarina, Florianópolis, 2007.

32
SÃO MIGUEL PAULISTA E SEU PATRIMÔNIO:
CAMINHOS PARA O USO SOCIAL
DANILO DA COSTA MORCELLI

SÃO MIGUEL VAI MUITO ALÉM DE SEU PASSADO INDUSTRIAL.


Estão em São Miguel três dos bens mais antigos da cidade de
São Paulo sendo que um deles é um dos primeiros bens tom-
bados no Brasil e todos eles receberam a atenção dos órgãos de
preservação desde a criação do instrumento no país. São eles,
as ruínas da casa sede do Sítio Mirim, de meados do século
XVI, a Capela de São Miguel – tombada em 1938 – e a Fazenda
da Biacica, ambas do século XVII.
Esses bens resistiram à quatro séculos de intensas modifi-
cações na paisagem da cidade desde a colonização do Planalto
Paulista, coexistindo com construções mais recentes e vestí-
gios do período industrial que se seguiu, sobretudo no início do
século XX. Porém em décadas recentes alguns deles entraram
em estágio ruinoso. Isso demonstra a necessidade da discussão
sobre o Patrimônio, rediscutindo os instrumentos vigentes e
considerando o bem integrado às dinâmicas territoriais.
Presentes nos extremos da cidade, esses bens, cercados por
habitações precárias, apresentam potencialidades que vão mui-
to além de sua historicidade. Possuem funções sociais e ambien-
tais importantes, de manutenção da memória e possibilitam o
acesso de comunidades marginalizadas. Permitem uma série

33
de narrativas, que podem inclusive refletir o passado e projetar
um futuro das plurais comunidades que os circundam.

A FUNDAÇÃO DE SÃO MIGUEL DE URURAY


Esses testemunhos citados remetem à dinâmicas ocorridas
na época colonial e às origens da cidade de São Paulo, quando
foi fundada a Vila de São Paulo de Piratininga, originada do
pequeno povoado criado em 1554 que acabou por se transfor-
mar, em 1560, em Vila e a formação do Aldeamento de São
Miguel do Ururay, marco da ocupação da região oriental de
São Paulo, hoje considerada a Zona Leste da cidade.
O Aldeamento de São Miguel foi formado em virtude da
dissidência de um grupo dos Guaianá do primitivo povoado
em torno do colégio, motivada pela transferência de Santo
André da Borda do Campo e seu pelourinho em 1560 para
junto daquele primitivo núcleo. O afluxo de novos moradores
para a região acabou criando animosidades entre os Guaianá
e os demais habitantes.
Parte dos dissidentes encontraram abrigo na antiga região
conhecida como Ururay, às margens do rio Tietê, na desem-
bocadura do ribeirão Baquirivu. Não demorou para que estes
retomassem os antigos hábitos e investissem em conflitos ar-
mados contra a vila. Para apartá-los dos antigos costumes, os
jesuítas realizaram esforços na região, com o erguimento de
uma capela e com a formação do aldeamento de São Miguel
do Ururay, em sesmaria que foi doada para os índios em 1580.
Era uma sesmaria de seis léguas, que abrangia toda a margem
esquerda do Tietê, com a presença de seus numerosos afluen-
tes, como os rios Itaquera, Jacuí e Aricanduva.
Tais medidas, além de estabilizar os índios no território,
encontravam também outras razões, pois por diversas vezes

34
os colonos se lançavam aos aldeamentos, à procura de terras,
já que as existentes nas proximidades ao Colégio estavam to-
das ocupadas com lavouras e pastos. Os colonos, que já cria-
vam objeções à tarefa dos padres, ameaçavam as lavouras dos
índios e seus meios de subsistência.
Ururay era também um ponto estratégico de defesa, situa-
va-se entre a vila e o sertão do Paraíba, onde se encontravam
índios considerados hostis. Os jesuítas, ora pelo rio em toscas
embarcações, ora embrenhando-se na mata, percorriam esses
primitivos caminhos, formando novos aldeamentos e trazen-
do novos índios para os aldeamentos já existentes. Paralela-
mente à catequese, ocorria o aprisionamento dos nativos e a
busca por ouro e pedras preciosas, que tiveram seu grande
impulso nos idos do século XVI e prosseguiram até a metade
do século XVII, quando os colonos começaram a fixar-se em
grandes sesmarias, muitas delas de terras apropriadas do al-
deamento, debulhando as terras dos índios.
Com o passar do tempo essas propriedades foram dividi-
das e loteadas, adquiridas no início do século XX pela linha
férrea e pelas indústrias, que mudaram significativamente
as feições da região. Grandes lotes deram origem à inúmeros
bairros operários. Na década de 1970 com o advento das ondas
migratórias, a grande demanda por trabalho, o adensamento
urbano e o descompasso das políticas públicas, diversos ter-
renos, sobretudo aqueles às margens do rio Tietê, abrigaram
inúmeras ocupações precárias.

A CAPELA DE SÃO MIGUEL


No movimentado largo de São Miguel Paulista, conhecido
popularmente como Praça do Forró, está a Capela de São Mi-
guel, marco da fundação do aldeamento de São Miguel de

35
Ururay e da colonização de uma São Paulo indígena.
Situada em uma colina próxima ao rio Tietê, com ampla
visão da várzea foi construída no ponto central do aldeamen-
to no século XVI – cerca de 1580. Administrada pelos jesuítas
nos séculos XVI e XVII, e pelos franciscanos a partir do fim
do século XVII, a capela possui inúmeros vestígios da presença
dessas ordens religiosas.
Reconstruída e reinaugurada em 1622 – data que figura na
verga principal – possui características seiscentistas: um edi-
fício alpendrado, em nave única, capela-mor e teto de telha vã
com madeiramento aparente, cobertura em duas águas; pare-
des em taipa de pilão, e acréscimos de adobe, usual no século
XVIII para reformas.
É o único exemplar de igreja alpendrada que restou das
que existiam em São Paulo nos primeiros séculos de coloni-
zação. Em seu interior encontram-se peças em jacarandá, en-
tre as quais sobressai a bancada de comunhão, o escoramento
de madeira, o arcaz, dois pequenos oratórios da sacristia, o
púlpito e a pia batismal.
Em 1691, por determinação do conselheiro Diogo Barbosa
Rego, a igreja sofreu reparos. No século XVIII, sob a orientação
dos franciscanos por Frei Mariano da Conceição Veloso, utili-
zando-se da alvenaria de adobe, o pé-direito da capela elevou-
-se de 4 para 6 metros, ficando a cobertura da varanda lateral
em nível inferior, o que possibilitou o surgimento das janelas
do coro, ocorrendo também a construção da capela lateral.
A capela foi tombada pelo Iphan em 1938, incluindo todo
o seu acervo – um dos primeiros bens tombados no Estado de
São Paulo e no país. Também foi tombada pelo Condephaat em
1974 e em 1991 pelo Conpresp. Foi restaurada entre 1939-1941
e novamente em 1959-1960. Recebeu a partir de 1959 obras de

36
organização de seu entorno, executadas pela Prefeitura Muni-
cipal de São Paulo. Passou por nova restauração em 2006-2010
e, atualmente abriga um museu aberto à visitação pública e
cumpre as funções religiosas.
Antes da última reforma, em 2004, uma reportagem do Jor-
nal da Tarde evidenciou a degradação da capela e seu entorno.
A capela estava com uma infestação de cupins, as paredes ra-
chadas, diversos problemas na fiação elétrica, o intenso trânsi-
to de veículos em seu entorno, depredadores e pichadores eram
ameaças constantes à integridade do bem. Um segurança era
pago por uma universidade da região para a proteção do local.
A reportagem mencionava ainda o projeto de restauro da ca-
pela por iniciativa de seu pároco, Padre Geraldo Rodrigues em
conjunto com um grupo da comunidade.
A reportagem ressaltou ainda fatos ocorridos em décadas
anteriores: em 1952, oito imagens da capela, do século XVII e
XVIII foram atiradas ao chão por um depredador e, em 1999,
quando o telhado foi destruído durante um show comercial
ocorrido na praça. Boa parte dos participantes assistiam ao
show de cima do telhado da capela, em virtude da superlotação.
No último século, a capela teve diversos usos. O hospício
franciscano instalado junto à capela em meados de 1730, com
quartos, refeitórios e oficinas, serviu na década de 1930 como
pensão para os trabalhadores da construção da Cia. Nitro-Quí-
mica – o prédio do hospício existiu até meados do século XX.
No fim do século XIX e início do XX, uma escola primária
funcionava no alpendre lateral – conforme relatos de morado-
res na década de 1940. Nas décadas de 1950 e 1990, moradores
de rua foram abrigados dentro do templo. No fim da década de
1970 o Movimento Popular de Arte – movimento proveniente
da comunidade local – realizou diversas atividades culturais

37
na igreja e na praça. Na década de 1980, a capela também abri-
gou escritórios de Direitos Humanos, do Menor e da Pastoral
Operária e uma biblioteca.
Em 1950, no auge da industrialização na região, dá se iní-
cio à construção da nova matriz, a Catedral de São Miguel
Arcanjo, nas imediações da capela. Teve sua inauguração ofi-
cial em 22 de agosto de 1965. Em seu interior encontram-se
painéis que retratam a história do cristianismo na América e
passagens bíblicas do Novo Testamento, elaboradas por Cláu-
dio Pastro, na década de 1990.
O terreiro frontal da Capela, em meados do século XIX, era
conhecido como Pátio da Matriz. Nele se encontrava o Cruzei-
ro de São Miguel, do qual restou apenas a cruz, removida para
o cimo da torre da nova igreja. Ao redor do pátio estabelece-
ram-se algumas casas de negócio, tavernas e residências. Ali
se realizavam as festas e procissões e era o local onde se enter-
ravam os mortos, de acordo com a informação do fiscal João
Duarte de Godói à Câmara em 1838. Também nesse pátio, em
diversas ocasiões, ocorriam arruaças e tropelias, assim como
corridas de cavalo.
Ao longo do século XX, o local foi palco de manifestações
populares, de movimentos sociais e cerimônias religiosas de
diferentes segmentos. Em 1992 o terreiro frontal da igreja pas-
sou por uma reforma por parte da administração municipal,
ganhou um palco em formato de chapéu de couro e recebeu
a denominação de Praça do Forró em homenagem à comuni-
dade nordestina, expressiva na região, e aos encontros de san-
foneiros que ocorriam no local desde a década de 1960. Com
o restauro da capela em 2006, o palco foi demolido, e o nome
que se firmou foi Praça Padre Aleixo Monteiro Mafra, onde
hoje ocorrem cerimônias religiosas.

38
As obras ocasionaram significativas mudanças no traçado
urbano da região, atraindo uma nova estação de trem para o
local, inaugurada no ano de 2013, legando a antiga estação ao
abandono.
Nas diversas construções e reformas que ocorreram no
local ao longo do século XX nas proximidades da capela, con-
forme relatam moradores antigos, foram encontrados vasos
e cacos de cerâmicas, assim como vestígios de ossadas. Esses
locais foram terraplanados e não foi encontrado nenhum re-
gistro desses materiais. Sondagens arqueológicas, realizadas
em virtude do restauro indicam a existência de sítios arqueo-
lógicos no interior da capela – com a presença de sepultamen-
tos – e nas imediações da construção.
Hoje, a praça e a Capela em nada lembram o ponto de en-
contro de nordestinos, um símbolo da chegada daqueles que
desembarcavam dos paus-de-arara na metrópole e encontra-
vam os mais diversos agenciadores, as feiras do rolo, cigana-
das, ambulantes e marreteiros.
Ainda que bem preservada, a capela, e o roteiro de visita-
ção, privilegiam apenas a memória religiosa em detrimento
das memórias dos diversos outros grupos que tem sua histó-
ria e suas memórias relacionadas com o bem; vide o apaga-
mento dos diversos vestígios do entorno do bem.

A FAZENDA DA BIACICA
Situada às margens do rio Tietê, no atual Jardim Helena, a
fazenda da Biacica era mantida pelos Frades Carmelitas e re-
monta às terras que eram pertencentes a Domingos de Góes,
que recebeu duas sesmarias, uma em 1610 e outra em 1611,
passadas então a Lôpo Dias, que as legou, em 1621, à Provín-
cia Carmelitana do Rio de Janeiro. Desde a apropriação da

39
sesmaria, a Fazenda da Biacica foi limite entre São Miguel e
Mogi das Cruzes.
Nessas terras, no século XVII, foi construída uma capela
de taipa com características luso-brasileiras, sob a invocação
de Nossa Senhora da Estrela de Biacica. Nela os carmelitas de-
senvolveram lavouras empregando a mão de obra indígena.
Nas primeiras décadas do século XIX a fazenda deixou de
ser produtiva e entrou em decadência, vindo os proprietários
a arrendar grande parte de suas terras.
Na década de 1930, Levén Vampré, então proprietário da
chácara, aproveitou a construção da antiga capela como parte
central de uma casa de linhas neocoloniais para uso de vera-
neio, acrescentando compartimentos laterais, uma varanda
central e outros edifícios à propriedade.
Entre 1944 e 1978, a família Fontoura foi proprietária do
imóvel e ali residiu, associando seu nome à chácara.
Em 1994, já bastante ameaçada pelos loteamentos, o aden-
samento urbano e as ocupações do entorno, a chácara foi
tombada pelo Conpresp e em 2004 foi incluída como Zona
Especial de Preservação Cultural (Zepec) no Plano Regional
Estratégico das Subprefeituras, incluindo sua área verde de
porte arbóreo, os ajardinamentos, a residência-sede e seus
pertences (bancos neocoloniais, painéis de azulejos, relevos
de bronze da varanda, móveis, talhas e quadros existentes na
área da antiga Capela), a escultura “Bartira”, de João Batista
Ferri, e eventuais sítios arqueológicos; assim como a estrada
de acesso à chácara que é adornada por uma via que possui
um conjunto de árvores e palmeiras imperiais.
Bastante degradada, em 2011, de acordo com notícia pu-
blicada no O Estado de S. Paulo a construção seria demolida
para a implantação do Parque Linear Várzeas do Tietê, com

40
projeto arquitetônico assinado por Ruy Ohtake, destinando
a área para recuperação da várzea, porém isso não aconteceu
e resolveu-se integrar a chácara ao parque, conforme as obras
que ocorrem atualmente.
De acordo com a fala do engenheiro Maximiliano de Aguiar
coordenador da Unidade de Gerenciamento do Projeto Tietê do
Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado (Daee),
presente na reportagem, “A previsão inicial era derrubar o
imóvel para recuperar a área. Agora, vamos trabalhar para pre-
servá-lo e fazer o parque nascer já com esse lado histórico”.
Na porta de aproximadamente três metros, é possível ver
a data de “1682” gravada no arco superior, data presumida da
construção da antiga capela. Nela se vê um alpendre frontal
que protege as paredes e dois painéis de azulejos portugueses,
feitos por Mancini em 1952, que figuram dois momentos da
história do Brasil: na direita de quem olha a casa de frente
está representada a chegada dos portugueses em São Paulo
em 1532, e na parede esquerda, os índios sendo catequizados
pelos jesuítas em 1554.
Além da residência-sede, existe no local outras edificações
em estilo neocolonial e outras estruturas, ainda que de tem-
pos relativamente recentes.
No fim da década de 1990 a construção foi depredada e al-
gumas peças furtadas. Foram perdidos elementos como a es-
cultura da índia Bartira, torneiras, pias e as placas de bronze
que adornavam os painéis frontais de azulejo: uma ao lado
direito da porta que figurava de um bandeirante, com a ins-
crição “21-6-1611” e “Domingos de Góes”, referente à data de
concessão da segunda sesmaria por Gaspar Conqueiro e, do
outro lado, uma placa que figurava um padre com um índio,
com a legenda “1621 – província carmelitana”, em referência

41
ao ano em que os frades tomaram posse das terras, recebidas
de Lopo Dias e antes pertencentes a Domingos de Góes.

SÍTIO MIRIM
As ruínas de taipa presentes no terreno às margens da movi-
mentada Avenida Doutor Assis Ribeiro pouco lembram que
ali existia uma imponente casa. Essas ruínas em adiantado
estado de degradação nas proximidades do Jardim União de
Vila Nova, às margens do rio Tietê e da linha férrea, em uma
colina com vistas para a planície de inundação e a cidade de
Guarulhos, são os vestígios da casa sede do Sítio Mirim – ou
Sítio Comboratybi ou Corumbataí, como em algumas fontes.
Construída com mão de obra indígena no século XVII, em
taipa de pilão, o Sítio Mirim foi um antigo ponto de paragem,
venda e hospedaria que servia aos tropeiros que rumavam
para o Vale do Paraíba e também ponto importante de apoio
para os exploradores de ouro e para aqueles que navegavam o
Tietê. É um importante marco da transformação da São Paulo
indígena em uma São Paulo cercada por fazendas coloniais,
fruto da apropriação dos aldeamentos, e testemunho de uma
outra transformação que seguiu adiante com a chegada da
linha férrea e da industrialização na região, no século XX,
culminando com o loteamento do Sítio Mirim, que foi dando
origem a diversos bairros.
As informações mais antigas sobre a construção remon-
tam a 1750, quando nela residiu o guarda-mor Francisco de
Godoy Preto. As atividades do sítio incluíam criação de gado,
produção de aguardente e culturas de subsistência. Desde
1750 até meados do século XX, diversos documentos foram
lavrados transmitindo a posse do Sítio Mirim para diferentes
proprietários e herdeiros.

42
De acordo com trecho do inventário de Maria Pires de Ca-
margo, de 1782, presente em um artigo da Revista do Arquivo
Municipal de São Paulo:

“Por hum citio no bayrro de Sam Miguel com cazas de três


lansos parede de taipa de pillam cubertas de telhas com qua-
tro camarinhas e fora também dois lansos divididos de pare-
des de taipa de pillam Cubertas de telhas com caibros de paus
Roliços e Ripas de mais Repartimentos e Senzalas fora com
seu muro ao redor da caza”

Não se sabe ao certo a data da construção da casa sede do


sítio, que se constituía um exemplar único no conjunto das
casas bandeiristas por apresentar diferente disposição de
planta e de soluções construtivas.
A casa foi construída em taipa de pilão em paredes rela-
tivamente delgadas e telhado em duas águas. Apresentava
uma área interna dividida em pequenos ambientes, diferente
do padrão típico da época – que era o grande salão central
para o qual se voltavam cômodos localizados em suas laterais
– uma varanda em forma de “L”, ao longo de duas fachadas
consecutivas – com uma parede de taipa que a envolvia em
determinados trechos, visto que uma coluna não ofereceria
estruturação capaz de resistir aos esforços do telhado. Sua
planta é praticamente retangular, não fosse o cômodo situa-
do fora dele em uma de suas laterais, em sua fachada Oeste,
que rompia com a regularidade do perímetro retangular das
construções do período.
Na década de 1940 a casa, apesar de habitada, encontrava-
-se mal conservada. Em 1964 foi realizado um levantamen-
to sobre o local e feitas as primeiras intervenções no imóvel

43
visando sua proteção e restauração, cintas e colunas de con-
creto foram introduzidas nas paredes que ameaçavam ruir.
A construção, bastante degradada, e uma área no entorno
foram tombadas pelo Iphan em 1973; em 1975, em decisão
pouco comum, o imóvel foi desapropriado pela prefeitura.
Em 1982 foi tombado ex-officio pelo Condephaat e em 1991,
pelo Conpresp. Na década de 1980 foi realizado um estudo ar-
queológico coordenado por Margarida Andreatta, do Museu
Paulista da Universidade de São Paulo com a participação do
Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo (DPH).
Dessa escavação ainda são esperados os resultados e uma
análise dos objetos escavados. No ano de 2015 foram realiza-
dos novos trabalhos arqueológicos envolvendo o cercamento
do terreno, reivindicado por parte da comunidade.
Em 1973, uma reportagem da Folha de S. Paulo denuncia-
va o abandono e o interesse pelo terreno por parte de uma
construtora que atuava na linha férrea, assim como as ma-
nifestações contrárias por parte de Luís Saia, então diretor
regional do Departamento do Patrimônio Histórico Artísti-
co Nacional (Dphan). A construção quase foi demolida e seu
terreno invadido e terraplanado, apesar do tombamento pelo
Iphan. No decorrer da década de 1970, quando a construção
ainda estava de pé, foram retiradas telhas, janelas e madeira-
mentos da casa do sítio, que foram aproveitados pelos mora-
dores para a construção de moradias precárias que rodeavam
o local, iniciando seu estado ruinoso.
Suas ruínas, sem proteção efetiva, estão ameaçadas de de-
saparecer, e com elas as memórias desse sítio. A degradação
dos vestígios avança consideravelmente. Aos poucos os de-
predadores, as formigas e as águas vão dissolvendo os resquí-
cios das paredes de taipa.

44
Desde as primeiras iniciativas de proteção a esse rema-
nescente, na década de 1960, sua conservação é um dilema
e divide interesses. As ruínas, sem proteção alguma, estão
ameaçadas de desaparecerem, e com elas, as memórias
desse sítio. Por vezes, movimentos da comunidade reivin-
dicaram algum tipo de ação imediata ou até mesmo a re-
construção da casa. Outras vezes, alegando o abandono do
espaço, a população pleiteou o terreno para a construção de
moradias populares, assim como para a construção de uma
estação de trem.
Sua proteção pelas três esferas de poder parece garantir
sua conservação, mas não é o que ocorre na prática, dado que
essa proteção nunca se efetivou.
Esse não é o único local protegido legalmente na região,
que se transformou em ruínas. Nas proximidades do Sítio
Mirim estava o Engenho do Sítio Piraquara, outro testemu-
nho significativo do passado brasileiro. Também fruto da
apropriação do aldeamento, suas terras ao longo dos séculos
foram loteadas e deram origem a diversos bairros.
O engenho, de acordo com Luís Saia (1967), construído no
século XVI em taipa, com mão de obra indígena, era um im-
portante testemunho do ciclo do açúcar na cidade. A degrada-
ção do engenho ocorreu entre 1960 e 1980, culminando com
seu arruinamento em função do abandono e da depredação.
Em 1976 foi tema de uma reportagem do Jornal da Tarde
quando parte da construção já havia desabado. Restavam pe-
daços das paredes de taipa, uma janela original e seus baten-
tes. Havia peças de engenho e moagem de cana, alambique,
pilões para moer grãos e outros objetos e mobiliário antigo,
assim como uma capela em homenagem a Bom Jesus de Pira-
pora, com uma reforma datada de 18549.

45
Na década de 1940 ocorreram estudos para seu tombamento
em âmbito federal. Bastante degradado, em 1984 houve o tom-
bamento em instância estadual. Em 1991 houve o tombamento
ex-officio em âmbito municipal, sendo revogado em 1992 diante
do desaparecimento da construção. Em 1997 foi revogado o tom-
bamento em âmbito estadual. Em 2003, o governo estadual des-
tinou o terreno para implantação de um programa habitacional.
No Sítio Mirim, existe desde 2007 um projeto de proteção
das ruínas e um centro de convivência no local elaborado para
o DPH pelo escritório do Apiacás Arquitetos.
Se há pouca receptividade para os visitantes das ruínas,
o contrário podemos dizer das mulheres do Viveiro Escola
da União de Vila Nova. Nesse espaço comunitário elas prati-
cam agricultura, jardinagem, fazem produtos naturais e cozi-
nham com ervas tradicionais. A comunidade guarda em sua
memória tradições que o Mirim guarda em suas ruínas. Em
sua maioria nordestinos, taipeiros e filhos de taipeiros.

CONSIDERAÇÕES
A Zona Leste da cidade de São Paulo, de uma maneira geral,
possui um patrimônio altamente significativo, de grande
amplitude temporal e fortemente ameaçado, sobretudo por
conta da multiplicidade de interesses e da falta de preocupa-
ção em conservar o passado.
Apesar dos bens citados aqui permitirem a construção de
uma narrativa que os favoreça e favoreça as diversas comuni-
dades presentes em seus entornos, estes não dialogam entre
si e a participação comunitária é pouco considerada nos pro-
cessos decisórios.
A experiência tem demonstrado que a participação social é
fundamental para a manutenção do patrimônio vivo, seja ele

46
material ou imaterial, como forma de romper paradigmas,
estigmas e discursos que priorizam narrativas hegemônicas
que suprimem a pluralidade das visões, abarcando dessa for-
ma diferentes memórias e manifestações, para que as comu-
nidades se reconheçam e reconheçam o patrimônio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOMTEMPI, Sylvio. O bairro de São Miguel Paulista. São Paulo: Secretaria de


Educação e Cultura; Prefeitura do Município de São Paulo, 1970.
BRITO, Paulo Vinício. Capela de São Miguel Arcanjo. São Paulo: Laborgraf, 2008.
MORCELLI, Danilo da Costa. Paisagens paulistanas, memória e patrimônio
às margens do Rio Tietê. 2013. 123 f. Dissertação (Mestrado em Ciências)
– Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política,
Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2013.
NASCIMENTO, Silvia Haskel Pereira do. Sítio Mirim: algumas considerações
sobre sua história. Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, São Paulo,
v.197, 1986.
STELLA, Roseli Santaella. Fundação de São Miguel e atuação dos padres
jesuítas e frades franciscanos. In: SEMANA DE TEOLOGIA DAS COMUNIDADES
DO SETOR PASTORAL DE ERMELINO MATARAZZO, 2., 2008, São Paulo. Anais...
p.1-7. [No prelo].

REFERÊNCIAS JORNALÍSTICAS

BALOGH, Giovanna. A capela mais velha da cidade de São Paulo corre perigo.
Jornal da Tarde, São Paulo, 30 jun. 2004. Caderno Cidade (Caderno A3).
LIMA, Nelio. Sítio Mirim é patrimônio histórico, mas pode desaparecer.
Folha de S. Paulo, São Paulo, 1973.
MAZITELLI, Fábio. Imóvel tombado muda plano de parque. O Estado de
S.Paulo. São Paulo, 14 jul. 2011.
VENTURA, Cássio. Memória: engenho foi demolido nos anos 70. Jornal da
Tarde, São Paulo, 1976. Seu Bairro.

47
LEIS, DECRETOS, DELIBERAÇÕES E INFORMAÇÕES ON-LINE

IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL.


Arquivo Noronha Santos. Disponível em: <http://www.iphan.gov.br/ans/>.
Acesso em: 2011
CONDEPHAAT – CONSELHO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO,
ARQUEOLÓGICO, ARTÍSTICO E TURÍSTICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
Listagem de bens tombados. Disponível em: <http://www.cultura.sp.gov.br/>.
Acesso em: 2011.
DPH – DEPARTAMENTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO. A capela da Biacica e a
chácara dos Fontouras. Disponível em: <http://portal.prefeitura.sp.gov.br/>.
Acesso em: 2007.

48
COLINA, PATRIMÔNIOS E HISTÓRIAS
MONICA MANTOVANI GOULART

Igreja do Rosário
Ilustração Natália
Espada

AO PENSARMOS UM POUCO SOBRE O BAIRRO DA PENHA EM


São Paulo e sobre alguns de seus patrimônios essas palavras
podem ecoar em nossas mentes: pessoas, histórias, cotidiano,
diversidade, religiosidade e memórias. Sabemos que a região
da Penha na Zona Leste da capital paulista foi ocupada, inicial-
mente, por populações humanas muito tempo antes da chega-
da dos colonizadores europeus, daí deriva o nome Ururay, dado
por estes povos para este território. O nosso foco neste traba-
lho é abordar a história deste território após o século XVI, não
desvalorizando as ocupações anteriores, mas somente por que
esse recorte irá nos explicar, de forma mais “direta”, sobre a ori-
gem de alguns dos atuais patrimônios materiais do local que
são reconhecidos pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Pa-
trimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) e pelo
Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio
Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo).

49
O que é patrimônio material? Para nós ele é algo vivo e
dinâmico, é o resultado das ações humanas no território, é
o resultado da cultura, nossos hábitos, nossa língua e nossas
crenças. É a relação do patrimônio material com a pessoas
que nos interessa aqui.
A atual Subprefeitura da Penha na cidade de São Paulo, en-
globa os bairros da Penha, Artur Alvin, Cangaíba, e Vila Ma-
tilde. A denominação Penha foi dada pelos colonizadores
europeus que identificaram o penhasco, grande elevação
geográfica, que se destaca no relevo local. De acordo com o
senso realizado em 2010 a população desta região é de 474.659
pessoas. Projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
tística indicam que a população da região deverá diminuir
nos próximos anos, resultando em um total de 400.283 mora-
dores em 2040, uma redução de cerca de 25%.

POPULAÇÃO E PROJEÇÕES POPULACIONAIS*


SUBPREFEITURA DE PENHA

2010 2015 2017 2020 2040

TOTAL 474.659 465.189 461.090 454.602 400.283

ARTHUR
ALVIM
105.918 100.468 98.524 95.587 75.443

CANGAÍBA 136.794 133.620 132.325 130.278 113.393

(*) IBGE – Censos


Demográficos PENHA 127.820 127.152 126.777 126.095 117.467
– Smdu/Dipro –
Retroestimativas VILA
MATILDE
104.947 103.949 103.464 102.641 93.981
e Projeções

50
A data oficial de fundação da Penha é 8 de setembro de
1667, tendo recém completado 349 anos. O ano de 1667 é a re-
ferência do nascimento do bairro, pois este seria o período da
provável fundação da capela (dita ermida) que deu origem à
antiga Igreja Matriz da Penha, atualmente denominada San-
tuário da Penha.
Segundo Leonardo Arroyo38, Mateus Nunes de Siqueira,
filho e neto de colonizadores portugueses, pediu ao então ca-
pitão-mor responsável, uma carta de sesmaria para oficiali-
zar a sua estada na região. As sesmarias eram lotes de terras
cedidos pela coroa portuguesa aos colonizadores, também de
origem europeia, que se comprometiam a cultivar a terra e
produzir nela. Para Arroyo, Matheus de Siqueira teria funda-
do a Igreja de Nossa Senhora da Penha e Jacinto Nunes seria o
primeiro padre responsável por esse templo religioso. Alguns
estudiosos indicam Jacinto como irmão de Matheus e outros
indicam Jacinto como filho de Matheus. Segundo Silvio Bom-
tempi39 “Dos sesmeiros estabelecidos ao redor e no alto da co-
lina, distinguem-se o Licenciado Mateus Nunes de Siqueira e
o seu irmão Padre Jacinto Nunes de Siqueira, ambos de entra-
nhada formação bandeirante”.
É interessante notar que Arroyo cita em seus estudos um
registro do Livro de Tombo da Sé de fevereiro de 1684 que des-
creve alguns bens da Igreja da Penha neste período como “um
negro por nome Fellipe e sua mulher faustina para o serviço da Igre-
ja”, “dois negros e hu rapaz os quoais foram dados de esmolla a Vir-
gem” e “cento e sincoenta mil réis (...).” 40 Verificamos, assim, que
além de bens materiais, a Igreja da Penha possuía também
escravizados ao seu dispor. Leonardo Arroyo também indica
que a Igreja de Nossa Senhora da Penha é anterior a 1667, pois
registros mais antigos citam uma capela na região.

51
A Penha é identificada por vários estudos como local de
pouso de viajantes e tropeiros que vinham e iam, principal-
mente, em direção ao Rio de Janeiro, e região de Minas Ge-
rais, do século XVI ao XIX, além disso, antes da chegada dos
europeus acreditamos que essa região também fazia parte de
antigos caminhos indígenas.
Por ser um lugar de parada obrigatório desde o século XVI
é que surgiu na Penha a lenda do viajante francês, que teria
originado a devoção à Nossa Senhora da Penha de França.
O pesquisador Arroyo41 também ressalta que não é possível
precisar a data da lenda da Virgem da Penha, mas suas pes-
quisas localizam uma narrativa de tradição popular que fala
de um devoto francês que viajava de São Paulo para o Rio de
Janeiro e que na região da Penha teria parado para pernoitar.
Ele levava consigo uma imagem da Virgem Maria originária
de sua pátria, e no dia seguinte ao pouso continuou viagem
até perceber que a imagem da Virgem não estava com seus
pertences, retornando à colina da Penha localizou a imagem
no mesmo ponto de seu pouso. A narrativa indica que esse
fato ocorreu novamente, depois que o viajante retomou, pela
segunda vez, o seu caminho, desta forma o francês entendeu
que “a imagem escolheu” a colina da Penha como seu local de
morada e assim construiu-se uma capela para a sua devoção.
Sabendo da ocupação do território por colonos desde o
século XVII e XVIII, quais atividades eram desenvolvidas na
região além das atividades de subsistência? No século XVIII,
segundo Mafalda Zemella42, a região da atual cidade de São
Paulo e adjacências fornecia gêneros alimentícios e utensí-
lios para várias cidades ou povoados de Minas Gerais, pois as
pessoas que viviam na região se dedicavam basicamente às
atividades da mineração e não se ocupavam com atividades

52
ligadas a agricultura, a criação de animais ou a produção de
utensílios artesanais. Mafalda nos explica a ligação da Penha
com o chamado Caminho Velho, trilhado com frequência por
mercadores, tropeiros e boiadeiros que iam e vinham de São
Paulo a região as Minas. O Caminho Velho saia da região do
atual centro de São Paulo, passava pela Penha, Mogi das Cru-
zes, Jacareí, Taubaté, Guaratinguetá, atravessava a região do
atual município de Lorena, vencia a serra e chegava a região
de Ribeirão do Carmo e Ouro Preto com diversos produtos.
Assim, identificamos a Penha como importante local de flu-
xo destas mercadorias e de pessoas ligadas ao seu transporte.
Além disso, acreditamos que a própria área da Penha, possi-
velmente produzia alguns gêneros alimentícios ou outros
produtos excedentes que eram encaminhados pelas tropas
para comercialização.
Sabemos que este território era ocupado por chácaras e
sítios do século XVII até o início dos anos 1900. Um mapa
localizado no Arquivo do Estado de São Paulo identifica, por
exemplo, uma propriedade da região pertencente ao Coronel
Rodovalho e a Chácara de Melo Franco, entre outras, confor-
me mapa abaixo:
Mapa de São Paulo
– Chácaras, Sítio e
Fazendas ao redor
do Centro (sem
data)
Acervo do Arquivo do
Estado de São Paulo

53
Daí vem uma questão, quem eram as pessoas que viviam
nestas propriedades e trabalhavam na região da atual Penha?
De acordo com documentos localizados no Arquivo do Es-
tado de São Paulo na Penha conviviam populações livres e
escravizadas anos 1854, 1856, 1871. A imagem abaixo é o qua-
dro da movimentação da população da Paróquia da Penha de
França registrada em dezembro de 1854, ele indica nascimen-
tos, abandonos, óbitos e casamentos da população Livre, “Cap-
tiva”(escravizada), Branca e De Côr. Os números nos mostram
que os escravizados representavam cerca de 11% a 18% da
população local.

Quadro de
Movimento da
População da
Freguesia da
Penha enviado em
dezembro de 1854
ao Presidente da
Província
Arquivo do Estado de
São Paulo – Ofícios
Diversos

54
Outro quadro do movimento da população registrado em
dezembro de 1856 pelo vigário Antônio Benedito aponta que
entre os nascimentos e óbitos na Freguezia da Penha havia
uma população escravizada que representava algo entre 8%
a 12% do total local.
Quadro do
movimento da
população da
Freguezia da
Penha de França
(1856)
Arquivo do Estado de
São Paulo – Ofícios
Diversos

Os dados acima são referências para pensarmos na po-


pulação que viviam na região. Pesquisadores comumente
sinalizam que a região de São Paulo não possuía uma gran-
de população de escravizados no século XIX devido ao cus-
to elevado para se comprar e manter esses trabalhadores.
Entendemos também que os nascimentos entre as pessoas
escravizadas eram baixos devido as péssimas condições de
vida desta parcela da população, além disso, muitos óbitos de
pessoas escravizadas não eram registrados e muitas vezes os
corpos destas pessoas não recebiam um enterro digno.
Qual é a relação destas informações sobre a população com
os patrimônios edificados da região? A relação é direta, pois a

55
Igreja Matriz da Penha nos séculos XVI ao XIX não aceitava a
população negra e escravizada em suas principais atividades
religiosas ou, se os recebia, estes eram colocados em condição
inferior a população branca e livre que frequentava o templo,
esse fato acontecia em muitos templos católicas presentes no
Brasil deste período. A localização geográfica da Igreja da Pe-
nha indica que a construção foi feita em reverência a Igreja
da Sé, no centro de São Paulo, templo a qual ela é subjuga-
da. No século XVIII, parte da população de origem africana,
escravizada e livre da região da Penha se associara em uma
irmandade negra religiosa, a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário dos Homens Pretos de Penha de França, esta associa-
ção construiu a sua própria capela, como veremos a seguir.
Havia no Brasil do século XVII e XVIII várias irmandades
religiosas, em relação a sua origem a pesquisadora Antônia
Quintão (2002) no explica que, no período colonial Portugal
trouxe para o Brasil algumas confrarias religiosas, uma vez
que esses grupos eram comuns na Península Ibérica, atual
região de Portugal e Espanha.

A origem destas associações nos remete ao período medie-


val, onde era comum verificar as chamadas “corporações de
ofício”, criadas para dar assistência mútua entre seus mem-
bros, além de defender os interesses profissionais de seus
integrantes.43

No Brasil, seguindo uma tradição que vinha da Península


Ibérica, muitas irmandades religiosas restringiam a associa-
ção de seus membros de acordo com a sua cor e classe social.
Desta forma, era comum encontrarmos irmandades de ho-
mens brancos, livres, partos, pardos libertos ou pretos.

56
De acordo com Moreira44 as irmandades eram espaços
onde os africanos e afrodescendentes podiam reconstruir as
suas identidades, alianças e sociabilidades. Apesar da pressão
social para que todos praticassem a religião católica presente
no novo continente, parte da população tida como branca não
aceitava a presença dos africanos e afrodescendentes escravi-
zados ou libertos nas igrejas e cerimônias religiosas frequen-
tadas pelos senhores. Este foi um dos importantes fatores que
contribuiu para a formação das chamadas irmandades dos
homens pretos, pardos ou exclusivas de africanos.
Muitas das irmandades religiosas existentes nestes perío-
dos eram chamadas de leigas, pois elas não eram diretamente
organizadas por um sacerdote ordenado pela Igreja Católica,
havia poucos religiosos ordenados em território brasilei-
ro e estes não conseguiam atuar em todas as comunidades
religiosas. A Coroa Portuguesa investiu poucos recursos na
construção de igrejas nos séculos XVI a XVIII, desta forma
as irmandades assumiam várias responsabilidades religiosas
nas colônias, como atividades ligadas ao culto de santos e a
construção de igrejas.
Segundo Marina Souza (2002) na América Portuguesa os
africanos, os afrodescendentes e os colonizadores portugue-
ses se integravam mesclando aspectos africanos e europeus:

A integração ao Novo Mundo exigia o desenvolvimento de


relações com companheiros na mesma condição, africanos
ou crioulos e com os senhores que exploravam o seu trabalho
e aos quais deviam submissão (...). Assim, imersas em múlti-
plos conflitos elaboraram formas de organização social que
incorporaram contribuições africanas e influência dos se-
nhores de origem europeia.45

57
As irmandades negras presentes no Brasil desenvolviam
atividades religiosas, políticas e sociais. As atividades reli-
giosas eram as festas, procissões, coroações de reis e rainhas
negros, a realização de cerimônias fúnebres, que procuravam
proporcionar uma “morte digna” aos seus irmãos e a constru-
ção de igrejas próprias, como Igrejas de Nossa Senhora do Ro-
sário dos Homens Pretos.
Segundo Elizabeth Kiddy (2012), as irmandades negras lei-
gas e a eleição de reis do Congo em suas práticas representa-
vam uma luta contínua de preservar a ligação destas pessoas
com a África e não o triunfo da cultura europeia sobre este
povo, uma vez que os povos da África Central já possuíam
essa prática antes de serem trazidos para o Brasil. “Os reis do
Congo simbolicamente ligam afro-brasileiros às estruturas
políticas africanas e aos seus antepassados africanos (...)”.46
Na questão social e política, as irmandades procuravam
ajudar os seus associados necessitados, assistiam aos irmãos
doentes, visitavam os prisioneiros, procuravam proteger os
seus irmãos de maus tratos de “senhores”, lhes proporciona-
vam um enterro digno e arrecadavam fundos para comprar
cartas de alforria e libertar seus membros.
O ingresso de um escravizado ou de um negro forro nes-
tas irmandades ocorria, normalmente, através do pagamento
de uma taxa utilizada para custear os gastos da associação.
Toda irmandade possuía um compromisso, ou seja, uma série
de regras e premissas que os associados deveriam respeitar
e praticar. A obrigação da caridade com os irmãos presos e
doentes era um princípio, frequentemente registrado nos
compromissos. Os dirigentes máximos da instituição eram
os ocupantes do cargo de Juízes, em geral um homem e uma
mulher indicados pela comunidade que ajudavam a pagar os

58
custos das atividades da associação e, periodicamente eram
substituídos entre os membros do grupo.
Segundo a pesquisadora Antônia Quintão:

No Brasil os negros tinham como patronos Santa Efigênia,


São Benedito, Santo Antônio de Categerona, São Gonçalo e
Santo Onofre, todos considerados santos negros e que, por
isso, gozavam de grande popularidade.
São Benedito é o mais familiar entre os santos negros (...).
No entanto a devoção a Nossa Senhora do Rosário supera to-
das as demais. Seu culto foi divulgado pelos dominicanos,
que também popularizaram a recitação do terço. (...) A reali-
zação de festas religiosas traduzia a preocupação da Igreja em
atrair os africanos e seus descendentes. Por isso aceitavam os
seus costumes desde que pudessem adaptar-se ao catolicismo,
recebendo uma nova interpretação ou significado. É o caso da
tradição africana da sucessão hereditária dos reis, substituída
nas irmandades pelo sistema eletivo47.

Marina Souza ressalta que há várias razões para explicar


por que os africanos escravizados optaram pelo culto a Nossa
Senhora do Rosário. Alguns estudiosos indicam que a seme-
lhança entre o rosário cristão e o rosário de ifá, instrumen-
to de leitura de mensagem enviada pelos deuses, poderia ser
uma explicação para o culto48.

A IGREJA E O LARGO DO ROSÁRIO


Com relação à Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha,
documentos localizados no Arquivo da Cúria Metropolitana
de São Paulo, nos informam que os membros da Irmandade
do Rosário solicitaram à Câmara Episcopal da cidade de São
Paulo a autorização para ereger uma capela para melhor exer-

59
citarem os seus louvores à Nossa Senhora. A autorização foi
concedida em 16 de junho de 1802 conforme os autos de ere-
ção da capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos49. Esse
documento pode assim ser entendido como uma certidão de
nascimento da Igreja do Rosário da Penha50.
A Igreja da Irmandade dos Homens Pretos da Penha de Fran-
ça foi construída em taipa de pilão no início do século XIX e
ainda preserva muitas de suas características originais, apesar
de ter sofrido algumas reformas que alteraram o seu frontão
e a sua torre, que mudou do lado esquerdo para o lado direito.

Termo de abertura
dos autos de
ereção da capela
de Nossa Senhora
do Rosário dos
Homens Pretos
Requerimento
da Irmandade de
Nossa Senhora
do Rosário dos
Homens Pretos
para a ereção de
uma capela
Livro 1-2-3, folha
213 e 214, Arquivo da
Cúria Metropolitana
de São Paulo

60
Um ponto curioso que não podemos deixar de citar é o fato
da Igreja do Rosário ter sido construída voltada para o leste e
não para a Igreja da Sé, como era o costume nas construções de
templos na época. Esse acontecimento pode nos informar um
pouco sobre a postura das pessoas que constituíam a Irman-
dade do Rosário no século XVIII perante a sociedade da época.
Acreditamos que as populações negras, escravizadas ou livres
possuíam certo grau de autonomia nesta comunidade, uma
vez que, esta construção pode ter representado um pouco da
insubordinação destes aos outros membros da sociedade na
época. Ao ser construída com sua frente voltada para a região
leste da cidade, as pessoas que a construíram, Irmandade do
Rosário, consideraram também os seus conhecimentos sobre
a natureza, pois a leste nasce o sol e as construções voltadas
para este ponto recebem mais luminosidade e calor na parte
da manhã, o que é considerado o ideal por muitos arquitetos.
Outro aspecto a ser levantado é que o templo está voltado para
a região da Capela de São Miguel Paulista, o que pode indicar
alguma ligação com este território.
Com relação à fundação da Irmandade do Rosário da Pe-
nha, de acordo com o Livro de Assento da Irmandade do Ro-
sário de Penha de França51, a associação já atuava desde 1755,
pois é deste ano o registro mais antigo encontrado no livro.
Este registro se refere ao irmão Antônio Jaques que, segundo
consta, entrou para esta irmandade em 07 de junho de 1755.
Antônio contribuiu para a irmandade de 1755 até 1808, de-
pois desta data o livro registra a inscrição Faleçeo, indican-
do a morte deste membro. No documento também consta
que o referido irmão pagou para ser Juiz da Irmandade em
1800, e a quantia despendida por ele foi cerca de cinco vezes
maior que o valor pago nos anos anteriores, demonstrando

61
que para ocupar essa função, o associado teria que dispor de
uma quantia significativa em valores. Antônio participou da
Irmandade por 53 anos, sendo esse um tempo considerável se
lembrarmos da baixa expectativa de vida de uma pessoa ne-
gra na sociedade da época. Outro ponto que gostaríamos de
destacar é o fato deste irmão ter, muito provavelmente, parti-
cipado da organização e construção da Igreja do Rosário dos
Homens Pretos da Penha autorizada em 1802.
Abaixo, um trecho do documento que cita o irmão Antô-
nio Jaques:

Recorte do Assento
da Irmandade dos
Homens Pretos da
Penha referente
ao Irmão Antonio
Jaques
Livro SM0701,
página 10, Arquivo
Diocesano de São
Miguel Paulista

O livro destinado ao Assento dos Irmãos do Rosário possui


175 folhas onde estão registradas as inscrições dos irmãos na
confraria. Uma análise preliminar do documento indica que
cerca de 260 pessoas se associaram à irmandade de 1755 a 1880,
o livro contém majoritariamente o nome dos associados ou ir-
mãos, anos e valores das contribuições à associação. Do total
de membros menos de 5% foram identificados como brancos,
nos levando a concluir que os demais seriam pretos ou não bran-
cos. A presença de pessoas brancas em Irmandades de Homens
Pretos é entendida por pesquisadores dentro de várias possibi-

62
lidades: pessoas brancas alfabetizadas eram convidadas para
participar das irmandades para que pudessem registrar por es-
crito as atividades do grupo uma vez que poucas pessoas eram
alfabetizadas no período; pessoas brancas empobrecidas se
interessavam em participar das irmandades atraídas por suas
festas, cerimônias em geral e para ter um enterramento digno
conforme os ritos da irmandade; pessoas brancas participavam
das irmandades negras para “vigiar” as suas atividades e evitar
que os seus encontros se tornassem momentos de organização
de revoltas, planejamento de fugas e greves, além de observar
se essas reuniões serviam de fachada para que seus membros
pudessem praticar ritos religiosos de origem africana.
As irmandades tiveram seu apogeu no período colonial e
ainda se destacavam no período imperial. Porém, na segunda
metade do século XIX e sob influência do catolicismo roma-
nizado, este tipo de associação será marginalizada e muitas
delas desaparecem. O chamado catolicismo romanizado foi
um processo de europeização da vida religiosa, o polo irradia-
dor de ordens e sacramentos deveria ser Roma, em detrimen-
to dos conhecimentos e do catolicismo popular, por isso, de
acordo com Marcelo Tabraj:

As crenças, os ídolos, os deuses nacionais e os costumes re-


ligiosos do povo gradativamente são substituídos por outros
inventados pela Santa Sé e na Europa. As antigas irmandades
e confrarias são substituídas por associações paroquiais, as
antigas associações leigas são submetidas ao poder clerical.52

Não conseguimos localizar registros sobre o encerra-


mento das atividades da Irmandade do Rosário dos Homens
Pretos da Penha de França, mas tudo indica que, assim como

63
outras associações, esta Irmandade tenha finalizado as suas
operações entre o final do século XIX e o início do século XX.
Nos anos 1930 a 1960 a igreja do Rosário acolheu outra
associação característica da comunidade afro-brasileira, a Ir-
mandade de São Benedito, por isso, muitos moradores antigos
da região até hoje identificam o local como a Igreja ou Capela
de São Benedito.
Com relação a Irmandade de São Benedito foram locali-
zadas algumas fotos de antigos moradores da região e alguns
documentos no Arquivo da Cúria de São Miguel Paulista53
que registram algumas atividades deste grupo.
Abaixo está uma fotografia da Igreja do Rosário dos Ho-
mens Pretos, anos 1940, onde membros da Irmandade de São
Benedito realizam uma atividade no Largo do Rosário que
aparenta ser uma procissão com a imagem de Nossa Senhora
do Rosário.
Irmandade de
São Benedito em
atividade no Largo
do Rosário na
Penha (sem data)
Acervo do Movimento
Cultural Penha

64
Atividade da
Irmandade de São
Benedito no Largo
do Rosário (sem
data)
Acervo do Movimento
Cultural Penha

De acordo com o Livro do Tombo da Paróquia de Nossa


Senhora da Penha,54 em julho de 1938, houve na Igreja do
Rosário a Festa de São Benedito que segundo consta neste
registro foi concorrida a festa e houve procissão. Essa passagem
nos indica que mesmo sob pressão da igreja romanizada, a
população afro-brasileira da região da Penha, através da Ir-
mandade de São Benedito, procurava resistir e desenvolver
suas atividades. Outra passagem do mesmo documento55 re-
lata uma romaria à Guarulhos promovida pela Irmandade de
São Benedito em julho de 1940, segundo consta, da romaria
participaram cerca de 200 pessoas e no mesmo período foi
realizada na Penha a Festa de São Benedito.
A Irmandade de São Benedito da Penha funcionou sob a
vigilância e intervenção direta da Igreja Católica, podemos
verificar esse fato em outros registros do Livro de Tombo da
Paróquia da Penha.56 Em 18 de setembro de 1939 a diretoria da
Irmandade de São Benedito foi declarada dissolvida pelo vi-
gário por motivo de desobediência e resistência. O livro registra

65
adiante, que no dia 06 de novembro do mesmo ano, uma nova
diretoria foi nomeada para a Irmandade e a mesma voltou a
funcionar normalmente. Esse documento evidência a ausência
ou a pouca autonomia presente nas decisões da Irmandade
neste período.
Nos primeiros anos da década de 1950, Leonardo Arroyo
nos informa que a Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Pe-
nha era uma espécie de “filial” da Igreja de Nossa Senhora da
Penha, e nela eram depositados os ex-votos dos fiéis da Igreja
de N. S. da Penha.57 Por esta razão, muito moradores antigos do
bairro também conhecem esse templo pelo nome de “Igreja
dos Milagres”.
Ex-votos na Igreja
do Rosário dos
Homens Pretos na
Penha
ARROYO, Leonardo,
1954, p.186

66
Segundo pesquisas de Carlos Santos (2011)58 a Irmanda-
de de São Benedito esteve em atividade pelas ruas da Penha
até os anos 1960, período em que as festas e procissões foram
proibidas e a irmandade foi extinta.
A Igreja de N. S. do Rosário dos Homens Pretos da Penha
de França foi tombada pelo Condephaat em 04/05/198259. Ao
analisar o processo de tombamento registrado pelo órgão
de proteção é interessante verificar que os técnicos do Con-
selho estiveram na região da Penha em 1973 para verificar
sobre o possível tombamento da Igreja de Nossa Senhora da
Penha, atual Santuário, mas, segundo o relatório assinado
pelo arquiteto Carlos Lemos, a Igreja já teria sofrido diversas
reformas e estaria descaracterizada. Neste mesmo processo,
Lemos aponta que ao redor da Igreja da Penha há um modesto
templo que mereceria atenção por estar praticamente conser-
vado e ter sido construído em 1802, Lemos refere-se aí, à Igre-
ja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Naquele
período (1973), de acordo com esse relatório, a Igreja do Rosá-
rio guardava os ex-votos dos milagres feitos por Nossa Senho-
ra da Penha e era praticamente um museu. Esta observação
de Carlos Lemos no relatório é o que dá início ao processo de
tombamento da Igreja do Rosário. O processo de estudo para
o tombamento deste bem durou anos e em 1982, com o pro-
cesso finalizado, o bem foi inscrito no Livro de Tombo His-
tórico do Estado de São Paulo, de acordo com publicação do
Diário Oficial do Estado em 07 de maio de 1982.

67
Trechos do
processo de
Tombamento da
Igreja de N. S.
do Rosário dos
Homens Pretos da
Penha produzido
de Condephaat

A Igreja do Rosário, apesar de tombada nos anos 1980 pelo


Condephaat e nos anos 1990 pelo Conpresp – Conselho Mu-
nicipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e
Ambiental da Cidade de São Paulo60, foi negligenciada pelas
administrações governamentais. Na década de 1990 morado-
res e frequentadores do bairro encontravam a Igreja e o seu
entorno deteriorados, o Largo do Rosário não recebia cuida-
dos e acumulava sujeira. Diante deste quadro o Sr. José Mo-
relli, morador do bairro, junto com o Movimento Cultural

68
Penha, coletivo que atuava na região desenvolvendo ativida-
des culturais, começaram a realizar ações para sensibilizar a
população para a recuperação da Igreja do Rosário. Em 2000
essa articulação conseguiu realizar apresentações artísticas
e a celebração de uma missa afro no Largo do Rosário. Essas
ações chamaram a atenção da população para a situação da
Igreja e para a sua história e desencadearam o surgimento
da Comissão do Rosário que vem realizando, desde junho de
2002, ano do bicentenário da Igreja, a Festa do Rosário61.
A Festa consiste em um conjunto de atividades cultu-
rais realizadas no mês de junho, em referência a construção
da Igreja, 16 de junho de 1802, e reúne grupos populares de
congadas e moçambiques, entre outros, para a celebração
afro-brasileira com a coroação anual de um casal para Reis
de Festa. As atividades da Comissão do Rosário têm crescido
desde 2002 e vem atraindo mais e mais pessoas para o Largo
do Rosário na Penha a cada ano. A Comissão do Rosário tem
realizado atividades artísticas e de reflexão ligadas a história
e cultura da população afro-brasileira e aos territórios negros
em São Paulo de forma geral. Essa iniciativa de retomar as fes-
tas e realizar atividades ligadas a história da igreja partiu da
sociedade civil e hoje é reconhecida pelos órgãos de preserva-
ção e pela sociedade no geral, como um exemplo de ação onde
a comunidade local se apropria de sua história e da história
do seu patrimônio de forma ativa, contribuindo para manter
o patrimônio como parte da vida cotidiana da população.
O Largo do Rosário da Penha é um importante território da
cidade por estar ligado à história da população afro-brasileira,
e é considerado um espaço de resistência em vários sentidos. A
resistência deste espaço na cidade é simbólica e é física, pois,
atualmente, ele é o único Largo do Rosário presente na cidade.

69
A capital paulista já possuiu outro Largo do Rosário na re-
gião central da cidade, espaço de convivência da comunidade
afro-brasileira até o início do século XX, nele estava localiza-
da outra Igreja da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos,
também do século XVIII. Importante espaço da comunidade
negra do período, a Igreja e o Largo do Rosário foram desapro-
priados por volta de 1903 e uma nova Igreja do Rosário dos
Homens Pretos foi construída no atual Largo do Paissandu.
Hoje, este espaço esta incorporado ao centro da cidade, mas
no início do século passado esta área do Largo do Paissandu
era considerada desvalorizada na capital. O antigo Largo do
Rosário, depois da demolição da Igreja, foi rebatizado de Pra-
ça Antônio Prado e não há no local, referências sobre a Igreja
que lá existiu. Antônio Prado foi prefeito da capital paulis-
ta no início do século XX, membro da aristocracia e um dos
principais responsáveis pela desapropriação da Igreja do Ro-
sário do seu local original62.

Feira Cultural
Pueblo Andino no
Largo do Rosário
(2016)
Douglas de Campos

70
O Largo do Rosário na Penha representa a memória e a
história da comunidade afro-brasileira de forma geral, mas
assim como a cidade, o Largo é dinâmico e vem sendo apro-
priado e resignificado por outras pessoas. Um exemplo disso
é a existência da Feira Cultural Pueblo Andino que ocorre
neste espaço, aos domingos, desde 2012.
A Feira Cultural Pueblo Andino reúne pessoas de vários
países da América Latina falantes da língua hispânica e conta
com cerca de quinze barracas que comercializam alimentos
típicos destes países, além de artesanato e peças de vestuário.
A Feira foi oficializada pela Prefeitura da cidade em 2014 e a
maior parte dos seus frequentadores são pessoas de origem
boliviana63. Segundo Sidney Silva (2012), a cidade de São Pau-
lo recebe um grande fluxo de imigrantes bolivianos, pois a
capital representa para eles uma possibilidade de inserção no
mercado de trabalho e de mobilidade social, tanto dos imi-
grantes mais qualificados quanto dos menos qualificados.
Estes imigrantes estão presentes quase todas as regiões da
cidade, porém a região central e a Zona Leste recebem uma
quantidade mais significativa desta população64.
Desta maneira, o Largo do Rosário se apresenta como um
espaço dinâmico que vai adquirindo novos significados atra-
vés de uma parcela da população da cidade, que, assim como
os afro-brasileiros do século XVIII, guardadas as devidas di-
ferenças, buscam um espaço onde sua cultura e seus hábitos
possam ser vividos.

ESCOLAS COMO PATRIMÔNIO


Outros dois bens tombados pelos Condephaat e pelo Conpresp
na Penha e que podem nos informar um pouco sobre a histó-
ria da região e de seus patrimônios são a Escola Estadual San-

71
tos Dumont65 e Escola Estadual Nossa Senhora da Penha.66
Estas duas instituições de ensino da Penha representam dois
momentos de políticas educacionais em nosso país que se
materializaram através de sua arquitetura.
A Escola Estadual Santos Dumont inaugurada em 1913 foi
construída como parte das intervenções do Governo Fede-
ral na Educação durante o período denominado de Primeira
República (1989-1930). Já a escola a Escola Estadual Nossa Se-
nhora da Penha é fruto das intervenções do governo estadual
e municipal na educação na década de 1940.
A atual Escola Estadual Santos Dumont esta localizada
em uma área central do bairro, Praça 8 de Setembro, e em
1913 era denominada Grupo Escolar da Penha. Seu tomba-
mento pelo Condephaat se deu em 2010, depois de um proces-
so que levou anos de estudos e tombou mais de 100 escolas
construídas na Primeira República no Estado de São Paulo.
Seu projeto é de 1911 e foi elaborado pelo arquiteto Hércules
Beccari como parte de um programa de construção de escolas
públicas primárias após a Proclamação da República (1889).
Antes desta iniciativa do governo, havia poucos espaços
especificamente voltados para a educação pública, os locais
destinados à educação, no país de forma geral e também na
Penha, eram precários e improvisados, muitas dessas insti-
tuições usualmente funcionavam na casa do professor ou em
uma sala alugada.
Na Penha no início dos anos 1900, segundo o morador do
bairro e memorialista Hedemir Linguitte,67 existiam escolas
públicas isoladas específicas para meninos e meninas de res-
ponsabilidade de um professor. A construção do Grupo Esco-
lar da Penha, em 1913, absorveu estudantes e docentes destas
antigas organizações.

72
Os habitantes da cidade de São Paulo e da Penha aumenta-
ram no início do século XX e a população ansiava pela constru-
ção de estabelecimentos de ensino. A capital paulista possuía
em 1900 um total de 239.820 habitantes, mas em 1920 a cidade
contava com 579.033 moradores68, ou seja, a população dobrou
de tamanho em um período de vinte anos. A cidade de São Pau-
lo vivia um momento de intenso crescimento populacional e
de urbanização, impulsionado pela vinda de imigrantes euro-
peus, e pelo processo de industrialização da cidade.

Excerto de Mapa
da Cidade de
São Paulo com
destaque para a
região da Penha
(1916)
Site da Prefeitura de
São Paulo

O Grupo Escolar da Penha, hoje E. E. Santos Dumont, foi


criado juntamente com outras 126 escolas construídas pelo Go-
verno do Estado de São Paulo sob orientação do recém-estabele-
cido Governo Republicano, que em seu ideário, via a educação
como um caminho para a solução de vários problemas do país.
No entanto, a proposta educacional era oferecer o Ensino
Básico gratuito, o nível seguinte de educação (Educação Se-
cundária), ficaria a cargo das instituições privadas de ensino,
uma vez que esse grau de instrução era destinado às elites.
Esses grupos escolares eram geralmente construídos em re-

73
giões urbanas mais centrais e os profissionais que concebiam
e geriam a construção dos mesmos eram de origem europeia,
principalmente italiana. O modelo arquitetônico e o modelo
educacional empregado nestas instituições também seguiam
o padrão europeu. Os projetos das escolas obedeciam normas,
uma das regras básicas era a separação dos alunos entre me-
ninos e meninas e assim os edifícios eram divididos em duas
alas simétricas. Como a demanda de escolas era grande e o
custo deveria ser baixo, os projetos seguiam um modelo co-
mum e a principal característica de cada um era a fachada,
de forma que o arquiteto considerado o autor do projeto era
o responsável pela fachada do prédio. Os projetos com dois
pavimentos foram criticados pelos custos elevados de cons-
trução, assim surgiram projetos com o formato de U, que é o
caso do Grupo Escolar da Penha, pois essa estrutura permitia
uma futura ampliação do prédio, que no caso da unidade da
Penha não veio a ocorrer. Outra característica destes edifícios
escolares foi a ausência de espaços para a prática esportiva,
caraterística também presente na escola da Penha.69

Planta do segundo
pavimento da E.E.
Santos Dumont
Processo de
Tombamento da E.E.
Santos Dumont -
Condephaat

74
Em 1933 a o Grupo Escolar da Penha passou a se chamar
Grupo Escolar Santos Dumont em homenagem ao aviador
brasileiro recém-falecido, e até a década de 1950 a escola pos-
suía turmas diferentes para meninos e para meninas.
Fachada da Escola
Santos Dumont
(1935)
Acervo da E.E.
Santos Dumont

Em conversa com a atual diretora da Escola, Monica Isa-


bel, em 11 de agosto de 2016, ela nos informou sobre algumas
características do prédio centenário que precisam se adequar
para uma instituição de ensino com necessidades atuais
como a ausência de um local adequado para as práticas espor-
tivas, uma vez que no projeto original não projetou uma área
para a prática esportiva e não há verba suficiente para a cons-
trução de uma quadra na área autorizada. A diretora também
aponta problemas de acessibilidade ao prédio escolar, pois ele
não possui elevadores ou rampas de acesso para cadeirantes.
Monica Isabel explicou que a última grande reforma da escola

75
foi feita no final dos anos 1990 e que apesar do tombamento e
da idade do imóvel a escola não recebe verba adicional para a
sua manutenção. A diretora também ressaltou que a escola é
tradicional na região e muito procurada por pais para matri-
cular os seus filhos, mas a instituição não consegue atender
toda a demanda. Ela nos falou sobre as Festas Juninas realiza-
das na escola anualmente no mês de junho, neste momento a
escola fica aberta para toda a comunidade e muitos alunos e
ex-alunos participam da festa com seus familiares.
Turma de meninos
da Escola Estadual
Santos Dumont
(1954)
Acervo da E. E.
Santos Dumont

Outra instituição de ensino pesquisada por nós é a Escola


Estadual Nossa Senhora da Penha, ou E.E.N.S. da Penha, ela é
uma instituição de ensino público estadual que está presente
no bairro desde 1952. Localizada na rua Padre Benedito de Ca-
margo, n. 762. Esta escola é fruto da segunda fase de um proje-
to denominado Convênio Escolar que foi uma parceria realizada
entre o Governo do Estado de São Paulo e a Prefeitura da ca-
pital entre as décadas de 1940 e 1950 para construir unidades
escolares e diminuir o defict de salas de aula na capital.

76
Escola Estadual
Nossa Senhora da
Penha (1950)70

Vários profissionais foram contratados para conceber e de-


senvolver os projetos deste convênio, entre eles Eduardo Coro-
na, então professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo, adepto da chamada Arquitetura
Moderna e responsável pelo projeto da E.E.N. S. da Penha.
O Convênio Escolar ocorreu em três fases: o 1º Convênio
(1943 a 1948) resultou na construção de três unidades escola-
res, o 2º Convênio (1949-1953) construiu 52 edifícios na capi-
tal, e o último, o 3º C0onvênio (1954-1959) construiu pouco
mais de 15 unidades escolares71.
A necessidade de construir tantos equipamentos escolares
veio do acelerado processo de crescimento da cidade naquele
período. De acordo com dados da Prefeitura de São Paulo, na
década de 1940 a cidade atingiu 1.326.261 habitantes, mas na
década seguinte esse número quase dobrou e a cidade possuía
cerca de 2.198.096 habitantes. Esse crescimento também foi
verificado na região da atual subprefeitura da Penha (Artur
Alvin, Cangaíba, Vila Matilde e Penha) e nos anos 1950 mora-
vam cerca de 105.000 pessoas nesta área e deste total cerca de
55.000 moravam na Penha72.

77
Escola Estadual
Nossa Senhora
da Penha, andar
térreo (2016)
Douglas de Campos

O 2º Convênio Escolar, responsável pela construção da


E.E.N.S. da Penha, foi coordenado pelo arquiteto Hélio Duar-
te, e inaugura o movimento da arquitetura moderna nos
edifícios institucionais da cidade. A Arquitetura Moderna, ba-
seada com preocupações sociais, fazia oposição à arquitetura
eclética e neoclássica totalmente inspirada na arquitetura
europeia e que marcou muitas construções das primeiras dé-
cadas do século XX na cidade e no país.
Com relação aos princípios da Arquitetura Moderna, segundo
Ivanir Abreu:

A autêntica arquitetura moderna, (...) revela-se na preocu-


pação social da produção da arquitetura (...) na produção de
edifícios públicos para o atendimento aos programas arqui-
tetônicos para a saúde, para a cultura, para a educação e para
o transporte, enfim, no atendimento de todas as melhorias
urbanas que a convivência social, nas modernas cidades in-
dustriais, pode oferecer 73.

78
A arquitetura neste período era vista por muitos profissio-
nais como uma ferramenta para se dedicar as causas sociais e
construir uma sociedade melhor. As premissas do 2º Convênio
Escolar representam de forma clara esses princípios, pois este
projeto considerava a escola como um equipamento urbano,
como um local de encontro da população do entorno. Hélio
Duarte, coordenador geral do 2º Convênio Escolar, se coloca da
seguinte forma em matéria da Revista Habitat de 1951:

Por que não considerar em cada bairro – escola, o grupo esco-


lar, como fonte de energia educacional, como ponto de reu-
nião social, como sede das sociedades de ‘amigos do bairro’
como ponto focal da convergência dos interesses que mais de
perto dizem da vida laboriosa de suas populações?74

Escola Estadual
Nossa Senhora da
Penha, área interna
(2016)
Douglas de Campos

79
Ainda sobre a relação da escola com o seu entorno Ivanir
Abreu (2007), analisou os projetos desenvolvidos neste Convê-
nio e verificou que a existência de espaços mais vazio e abertos
nos prédios foram pensados de forma proposital para garantir
o contato dos estudantes com a natureza e com a vida do bairro.
A integração do bairro com a escola era algo primordial a
ser considerado nos projetos do convênio escolar, a estrutura
das escolas foi pensada para atender a comunidade onde as
unidades seriam implantadas, daí a construção da escola com
Teatro da Escola outros equipamentos culturais como os teatros e bibliotecas
Estadual Nossa que deveriam ser usufruídos por toda a comunidade local.
Senhora da Penha
(2016) A E. E. da Penha possui um teatro que foi restaurado há pou-
Douglas de Campos cos anos e agora, depois de alguns últimos reparos, está sendo

80
novamente utilizado pela escola. O prédio da escola representa
bem os princípios pensados na origem do Convênio Escolar.
Para entender melhor como está a escola hoje, nós, do Ururay,
realizamos uma visita técnica as instalações na unidade escolar
em agosto de 2016 e entrevistamos a atual diretora da institui-
ção, profa. Jocely Leite, em setembro de 2016. A profa. Jocely nos
informou que atualmente a escola possui cerca de 3.000 alunos
entre os cursos de Ensino Médio e alunos do Centro de Estudo
de Línguas da instituição. A diretora assumiu a gestão da esco-
la em 2002 e, de acordo com ela, nesta época o teatro estava em
condições precárias, um de seus objetivos foi então o de restau-
rar o mesmo. Jocely sabia que somente através de uma parceria
esse projeto seria possível e por meio das redes sociais a escola
divulgou essa informação, um ex-aluno, presidente de um ban-
co, contactou a escola e demonstrou interesse em ajudar neste
projeto. Foi feita assim uma parceria entre o Banco e a escola,
dando origem ao pedido de tombamento do edifício e ao projeto
de restauro de toda a escola. Este processo durou alguns anos, o
tombamento do prédio ocorreu em 2009 pelo Condephaat e o
restauro do teatro se concretizou, mas o ex-aluno se aposentou e
a parceria acabou antes do restauro das demais áreas da escola,
que não possui condições financeiras para continuar o projeto.
Sobre a utilização da escola como espaço de referência
para outras ações da comunidade de forma geral, a diretora
nos informou que boa parte dos alunos matriculados na esco-
la não pertencem ao bairro, eles vêm de bairros vizinhos e até
de regiões mais distantes para estudar lá. Segundo Jocely Lei-
te, a instituição é considerada uma escola de passagem e desta
forma deixar a escola aberta para atividades da comunidade
local não teria sentido, mas ela informa que quando a escola
promove eventos ela fica aberta para a comunidade.

81
CONSIDERAÇÕES
O patrimônio material é algo vivo e socialmente construído,
ele pode adquirir novos significados e funções ao longo do
tempo, pode perder a sua função original, pode agregar ou-
tros significados e usos e pode ser destruído.
Os três patrimônios tombados pelos órgãos de preserva-
ção presentes na região da Penha possuem histórias e signi-
ficados diferentes, mas todos eles podem e devem ser vistos e
vivenciados como espaços dinâmicos.
A Igreja do Rosário foi construída ainda no período colo-
nial por uma iniciativa popular e por uma camada da popu-
lação que era desfavorecida, e em geral, relegada aos espaços
tidos como de “menor valor” pela sociedade da época. Este pa-
trimônio resistiu em seu território original por várias razões,
sendo, uma delas, o fato de estar localizado em uma área con-
siderada periférica em relação ao centro da metrópole e as-
sim não tão cobiçada pela especulação imobiliária. O poder
público, verificando a singularidade e o estado de conserva-
ção do bem iniciou o processo para a sua preservação legal, o
tombamento foi concretizado mas novamente foram as atitu-
des da comunidade local que trouxeram uma nova vida para
esse espaço que esteve tão abandonado nos anos 1990. Hoje
a comunidade, através da Comissão do Rosário e de outras
iniciativas, realiza várias atividades neste local divulgando e
vivenciando esse território com antigos e novos significados.
Acreditamos que é importante manter viva as histórias e
memórias destes nossos antepassados e que o Largo do Ro-
sário e a Igreja dos Homens Pretos poderia ter um espaço per-
manente onde pudéssemos registrar a história deste bem, a
história das Irmandades do Rosário na cidade de São Paulo
e a história da população afro brasileira de forma geral. Além

82
Cartaz da Festa da
Igreja do Rosário
(2016)
Acervo do Movimento
Cultural Penha

83
disso, acreditamos que o Largo do Rosário é um espaço propício
para receber atividades culturais e mesmo comerciais ligados
a essa temática. Porém a atual ocupação deste território pela
comunidade latino americana aos domingos nos mostra que
este espaço não pode e não deve ser limitado a utilização pela
ligação que ele possuí com a história afro-brasileira. O Largo
do Rosário pertence a cidade de São Paulo, a cada dia novas
pessoas chegam a nossa cidade, acreditamos que o Largo deve
permanecer como um local público e democrático que reflete a
dinâmica da cidade e que acolhe todas as pessoas que dela qui-
serem se apropriar, sem esquecer a sua história e o seu passado.
As escolas Santos Dumont e N. S. da Penha possuem uma
origem diversa da Igreja do Rosário, pois elas são o resultado
da ação do poder público no território em diferentes períodos,
década de 1910 e década de 1940, respectivamente. Elas são
instituições públicas de ensino que mantem a sua função ori-
ginal e que hoje trabalham sob o mesmo projeto de educação
dirigido pelo governo do Estado de São Paulo, porém é impor-
tante ressaltar que estas escolas representam, em sua arqui-
tetura, dois projetos de educação distintos. O prédio da E.E.
Santos Dumont representa um projeto de educação focada
na vigilância e na disciplina dos educandos, pois a estrutura
da construção possui o formato de U e suas salas de aula são
voltado para o pátio interno. O objetivo destas características
era manter os alunos sob vigilância, cerceando sua liberdade
e o contato dos mesmos com o entorno da escola. Este modelo
arquitetônico e estes princípios na educação são uma cópia
do modelo europeu vigente no início do século XX.
Por outro lado, a Escola Estadual N. S. da Penha é um pro-
duto da chamada Arquitetura Moderna. Este “movimento” da
arquitetura foi uma reação de profissionais da arquitetura

84
nacional que procuraram desenvolver ideias próprias e inde-
pendentes do estilo europeu, tão presente no Brasil no início
do século XX. Mais do que isso, a Arquitetura Moderna repre-
sentou, na construção da escola, uma linha da educação ba-
seada no diálogo, na convivência, e na integração do espaço
educativo com a comunidade, isso pode ser observado no pro-
jeto original da escola que possui espaços comuns amplos e
abertos para o seu entorno. O nome da dissertação de mestra-
do do arquiteto Ivanir Abreu, Convênio escolar: utopia construí-
da, bem representa esse ideário, pois essa era e acreditamos
que ainda é, uma utopia para a educação.
Desta forma, a presença destas duas escolas na Penha, em
localizações tão próximas e com arquiteturas tão representa-
tivas, formam um importante cenário para discussões e re-
flexões sobre a educação e sobre a interação das instituições
públicas de ensino com a comunidade. Deixamos aqui duas
questões: como as escolas podem recuperar, ou desenvolver,
relações mais estreitas com os territórios em que elas estão
inseridas? Como estas escolas tombadas e reconhecidas como
patrimônio, podem ser bens a serviço da comunidade em as-
pectos outros que não “somente” o de oferecer o Ensino For-
mal ou eventos pontuais com a participação da comunidade?
Sabemos da complexidade que envolvem essas questões e
não temos aqui uma fórmula para resolver esse impasse, mas
acreditamos que ela deve ser amplamente debatida e que a
apropriação destes equipamentos públicos pela comunidade
deva ser algo enriquecedor para toda a sociedade.

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87
88
AS TRANSFORMAÇÕES DA CIDADE
E O DISTANCIAMENTO DE SEU PASSADO:
O CASO DA SUB-REGIÃO DA MOOCA
MAURICIO DIAS DUARTE

PARA AQUELES QUE CONHECEM A CIDADE DE SÃO PAULO SABEM


o quão comum é associar a zona leste ao seu passado recen-
te industrial. Sede de grandes fábricas no passado, sobretu-
do onde hoje se encontra a sub-região da Mooca, carrega na
paisagem diversos galpões, antigas fábricas (em um número
expressivamente menor em atividade) e ainda boa parte das
memórias da imigração de diversas partes da Europa.
Alvo de constantes investidas de órgãos públicos de pre-
servação do patrimônio, a opção pelo tombamento e as nar-
rativas preservadas dentro desse passado não tão distante
(onde maior parte dos bens tombados é dos últimos 100 anos),
levaram também a preservação de alguns dos poucos rema-
nescentes de um passado anterior, de igual relevância para
a história da região, mas associado ao que se convencionou
chamar de “memória bandeirista”, relacionado às primeiras
ocupações em São Paulo.
Foco da pesquisa nessa região, destacaremos a Casa do
Tatuapé, a casa da antiga sede do Sítio Capão, ambos ligados
a memória bandeirista, e a vila operária Maria Zélia, outro
bem mais próximo do passado fabril, em uma abordagem
alinhada com a perspectiva do Grupo Ururay, destacando

89
não só as histórias deste patrimônio engessadas ao passado,
mas como bens que um dia tiveram um enorme sentido de
uso e ocupação, passaram, paulatinamente, a ser estranhos
dentro da atual realidade. Também pretendemos propor uma
retomada de conexão a esses espaços, seja pelo ponto de vista
histórico, seja o reconhecimento desses enquanto potenciais
espaços educativos, culturais, de geração de renda ou de ações
ambientais futuras.

O PATRIMÔNIO HISTÓRICO HOJE, ONTEM E AMANHÃ


Na cidade de São Paulo não é incomum termos dificuldade de
encontrar na paisagem sinais de tempos mais longínquos. A
promoção de medidas preservacionistas ao patrimônio edi-
ficado, ainda que muitas vezes passe por escolhas em maior
ou menor grau de arbitrariedade dos órgãos de preservação e
da sociedade civil, tem necessidades urgentes, como a ameaça
de desmantelamento, demolição ou ruína de um espaço que
sobreviveu às transformações urbanas e informa sobre o pas-
sado da região.
No que trata especificamente da região adjacente ao Brás,
Mooca, Belém e Tatuapé, é inevitável falar que as vertigino-
sas transformações prometidas pelo “progresso” tiveram im-
pacto determinante sobre o que é a atual paisagem do bairro.
É um desafio imaginar uma cidade como São Paulo, hoje
tomada por completo pela verticalização e inchasso urbanos,
dentro de uma paisagem que beira a ruralidade, mas essa era
a São Paulo até a metade do século XIX.
Ambiente voltado inicialmente a grandes chácaras e fa-
zendas, com interesses voltados a pequena produção a fim
de alimentar as “missões bandeiristas”, por se tratar de uma
região de várzea demorou-se a se desenvolver, uma vez que

90
as diversas enchentes muitas vezes tiravam a atratividade do
local. Ainda assim, esses territórios que serviam como espaço
de moradia ou descanso para expedições, como propriedades
de latifundiários ou para pequenas olárias, fábricas de chá,
entre tantas outras espalhadas por toda zona leste. Mesmo

Desenvolvimento
da Cidade de São
Paulo
Acervo Cartográfico
do Arquivo Público
do Estado de São
Paulo

91
assim, essa produção “Não se pode qualificar como industria
fábril”. Segundo o cronista José Joaquim Machado d’Oliveira,
em 1856, diversas caracteristicas inibiam produção em gran-
de escala, apontando que “essas pequenas fábricas de cha-
péus, charutos, licôres, etc., algumas das quais duram pouco
ou são como apêndice de casas comerciais”75.
Em um plano de cidade, talvez o grande atrativo que o bair-
ro passara a ter para abrigar tantas fábricas num segundo mo-
mento, foi justamente a expansão cafeeira no Estado. Iniciado
no Vale do Paraíba, antes de 1950, e depois em direção ao Oes-
te Paulista, pode-se dizer que o café já havia ocupado grande
parte do território paulista, virando carro chefe da economia,
tornando-se, inclusive, simbolo do brasão paulista.
Embora a economia cafeeira tenha vindo a desenvolver
muito o interior paulista, as atividades na capital também
se modificaram, mudando de vez a economia paulistana. No
final do século XIX, já se notara não só uma expressiva diver-
sificação da produção agrícola, com produtos destinados ao
mercado interno, como também outras atividades de natu-
reza urbana e de infraestrutura, como bancos, grandes casas
comerciais de importação e exportação, empresas de serviço
públicos urbanos (transporte, água e esgoto, energia elética,
gás, telefone) e as primeiras fábricas, uma vez que os lucros
das plantações fossem reinvestidos na indústria e começara a
criar mercados consumidores cada vez maiores com o ingres-
so de imigrantes e a transição do trabalho escravo para o livre
(assalariado)76. Como afirma Borges:

92
A implementação das estradas de ferro no Brasil significou
mais que uma simples inovação nos meios de transportes e
comunicação; foi, na realidade, o marco de uma grande mu-
dança na organização da produção do café, na passagem do
sistema mercantil-escravista para a organização capitalista
de produção. A nova tecnologia de transporte proporcionaria
a inclusão de novos agentes produtivos e novas relações de
produção no campo77.

Nos bairros do Brás, Moóca, Belém, Tatuapé e outros rumo


ao leste, as transformações dessa economia transformaria a
região pouco habitada devido suas caracteristicas geográfi-
cas, em um espaço de interesse, já que passa a ser contempla-
do não só pelas linhas da São Paulo Highway, mas também
por outras linhas férreas como a Estrada de Ferro Central do
Brasil, que facilitavam o escoamento de pessoas e mercado-
rias, futuramente servindo de atrativo para industriais na-
cionais e estrangeiros, dentro de um esforço modernizante,
caracteristico do período da Primeira República.
Do ponto de vista populacional, ainda dentro dessa asso-
ciação temos alguns levantamentos interessantes sobre as
intensas mudanças e o crescimento populacional. Primeira-
mente a nível Estadual, podemos observar uma relação que
se retroalimenta, entre o crescimento das ferrovias, a faci-
lidade de ingresso e escoamento de população advindas de
políticas públicas como fundação de colônias de imigrantes,
sobretudo no interior de São Paulo, e o aumento de produção
que igualmente tinha maior facilidade de transporte interno
para portos e outros centros de distribuição ao mercado ex-
terno e também um consumo interno.

93
ANO FERROVIAS (KM) POPULAÇÃO CAFÉ (ARROBAS)

1886 1.640 1.221.380 12.371.613

1905 3.843 2.279.608 35.819.079

1920 6.616 4.592.188 20.243.948

Fonte: SAES,
2010, p.17 1940 7.540 7.180.316 60.985.487

Na zona leste, a urbanização brusca e a mudança de carac-


terística de comunidade agrária à metrópole, teve como cara-
ter a permanencia de uma população proletária, próximo das
industrias ou até mesmo junto delas por meio das vilas, mui-
tas vezes encortiçadas ou fixadas em casebres, contrastando
com alguns casarões, como os da Rua Herval e da Av. Celso
Garcia, ambos no Belenzinho. No gráfico, destaque ao distrito
do Brás (que englobava a subregião da Mooca como é hoje),
que teve a segunda maior variação entre 1872 à 1893.

DISTRITOS 1872 1886 1890 1893

SÉ 9.213 12.821 16.395 29.518

STA. EFIGÊNIA 4.459 11.909 14.025 42.715

CONSOLAÇÃO 3.357 8.269 13.337 21.311

BRÁS 2.308 5.998 16.807 32.387

PENHA 1.883 2.750 2.161 2.350

N. SRA. DO Ó 2.023 2.750 2.161 2.350

Fonte: TORRES, SÃO PAULO 23.243 44.030 64.934 129.409


1985, p.112.

94
Nos anos seguintes, o crescimento seguiu como tendên-
cia. Segundo levantamento de Nicolau Sevcenko, o indicie
demográfico da cidade em 1908 atinge uma taxa de cresci-
mento de 415,8% em relação a 1890. Uma vez mudadas as
características econômicas e os modos de viver a cidade, alte-
ra-se também a paisagem urbara que praticamente suplanta
uma cidade para implementação de outra.

Desencadeiam-se assim as séries de “derrubadas”, celebri-


zadas pelas crônicas, tanto dos antigos edificios públicos,
quanto das velhas edificações religiosas coloniais, feitas de
material pouco duráveis e já em lastimáveis condições, quan-
to da arquitetura paulista dos períodos colonial e monárqui-
co eram demolidos às pressas, para dar lugar a uma cidade de
perfil nitidamente diverso78.

Como podemos ver hoje, aquilo que pode ser lido na pai-
sagem como “antigo” costumam levar como principais traços
as técnicas empregas pelos seus construtores, em sua maio-
ria imigrantes italianos, espanhois, portugueses e alemães,
refletidos nos casarios, padarias e pequenos comércios. Meio
a esses, prédios modernos, condomínios verticalizados, sho-
ppings e mercados com uma arquitetura que por pouco não
extingue novamente da paisagem as mudanças da cidade. En-
tre os edificios associados a essas outras técnicas construti-
vas e outros usos, sua sobrevivência se deu normalmente via
a reutilização para fins modernos, como a Casa do Tatuapé,
foco de investigação nossa.

95
Casa do Tatuapé
(2016).
Douglas de Campos

Dentro da gama de bens da zona leste de São Paulo, a Casa


do Tatuapé é destaque por ser alvo de um bom número inves-
tigações acerca do bem, tanto de ordem arqueológica como
também de forma textual. Aqui não caberia listar os diversos
trabalhos feitos individualmente, porém entre a lista de visi-
tantes e a produção jornalistica e acadêmica sobre a proprie-
dade, podemos perceber que as pesquisas mais recentes são
realizados em maior medida por arquitetos, profissionais da
área de preservação, historiadores, arqueólogos ou por fun-
cionários dos órgãos de preservação.

96
Como bibliografia “oficial”, ou seja, aquelas produzidas a
fim de atrair olhares para o bem inscrito numa história que
busca ser muito mais informativa do que problematizadora,
destacamos o livro de Vilma Gagliardi, A casa grande do Ta-
tuapé, públicado em 1983, e os primeiros trabalhos arqueo-
lógicos nos anos 80, em um convênio entre Departamento
Histórico de São Paulo (DPH/SEC/PMSP) e o Museu Paulis-
ta da Universidade de São Paulo (MP/USP). Para além desse
histórico, cabe também destaque aos próprios processos de
tombamento, sendo este, junto ao Sitio Mirim e a Capela São
Miguel, os únicos bens tombados em três instâncias, em am-
bito Federal (Phan, 1951), Estadual (Condephaat, 1973) e Mu-
nicipal (Conpresp, 1991).
Muito embora os primeiros relatos históricos da região
onde hoje se situa a Casa do Tatuapé sejam do ano de 1611, na
cédula de testamento de Lourenço Gomes Ruxaque, o docu-
mento ainda é pouco informativo para afirmar a existência
da casa hoje tombada, muito embora certifique da existência
da propriedade. No documento, fica explicito o carater de uso
rural, uma vez que no inventário consta “uma villa adonde
chamam Tatuapé”, listando ferramentas, animais domésticos,
produtos agricolas, além de “gente de serviço” (ou escravos) e
“casas na vila”.
A propriedade seguiu sob herança de sua esposa, Isabel
Rodrigues e continuou nas mãos da família até 1664, agre-
gando em outros testamentos outras informações a respeito
da tamanho da propriedade e suas demarcações. Neste referi-
do ano, porém, devido um não cumprimento de testamento
por parte de uma das filhas da familia, Antônia, principal-
mente no que concernia a celebração de missas em memória
de sua mãe, a propriedade não só foi notificada pelo Ouvidor

97
da Vara, o padre Matheus Nunes de Siqueira, como também
culminou no processo que confiscou metade dos bens herda-
dos, destacando-se as terras do Tatuapé, Mogi e Aricanduva.79
A propriedade então fica em direito da família do padre
Matheus, reconhecido em quase toda bibliografia como im-
portante articulador da região desta sesmaria. Embora a
documentação possua lacunas nesse período, sabemos que
em 1668 foi novamente o padre que efetuou uma petição de
sesmaria da propriedade, que durante parte desse vácuo tem-
poral esteve na nas mãos de Francisco Jorge, seu primo legi-
timo. A concessão da sesmaria tinha como objetivo “maior
augmento da capella”, ou seja, fazer-se cumprir as obrigações
religiosas como a realização de um determinado número de
missas, vinculado a pessoa falecida.80
Com o falecimento do padre Mateus Siqueira, na década
de 1680, a administração da capela passou à ser exercida por
Mathias Rodrigues, esposo de Catharina D’Orta. Foi no in-
ventário de Catharina que o “sitio na roça com casa de taipa
de pilão coberta de telhas de três lanços com seus corredo-
res todo cercado de vallos...” surge pela primeira vez em do-
cumentação, sendo esta, dentro da hipoteses consagradas, a
descrição que corresponde a aparição da casa no cenário pau-
lista, sendo sua construção estimada entre 1668 e 1698. Tal
hipotese também é defendida por arqueólogos, como Marga-
rida Andreatta, que estimam as datas prováveis de constru-
ção da casa no mesmo período.
Em maior ou menor grau, os testamentos seguintes ao
de Catharina D’Orta indicam o continuo de atividades na
região, ainda que nem sempre mencionem a casa. Porém, é
importante destacar que já em 1805, no testamento de José
Manuel de Sá, há referências a uma “chácara na paragem de-

98
nominada Tatuapé”, com presença de uma casa de taipa de
pilão, cujo interior possuia maquinário e demais equipamen-
tos de produção de farinha de mandioca, indicando uma
mudança de contexto de utilização.
Acompanhando as transformações da cidade, o prédio
que tinha seu uso original como propriedade residencial e
ligado a atividades rurais, sofreu também a influência das
transformações urbanas provenientes do crescimento da
industrialização na região. A casa, que em 1822 foi vendida
a João José de Alvarenga e Anna Francisca da Annunciação,
inicia um processo de abandono do ponto de vista estrutural,
ora mantida fechada, ora alugada. Sinal disso é a falta de mó-
veis ou utensílios domésticos no testamento de João de Alva-
renga (1836). Toda forma, é mais do que importante destacar
que, pela primeira vez, a propriedade passara a função oleira.
Em 1836 a casa conseguiu ser vendida por um preço infe-
rior ao valor de venda, devido ao seu estado de abandono, pas-
sando os seguintes anos por diversas funções não muito bem
definidas, além de disputas em partilhas de bens, penhora do
terreno e a degradação decorrente da falta de um uso perma-
nente do bem. Como bem descrito no inventário de José Al-
ves de Siqueira, em 1846, o terreno se caracterizava por “valos
e casas danificados e o terreno coberto de matas e capões”. Outros
inventários reforçam o estado de abandono, descrevendo-a
como uma casa “muito velha e deteriorada” (1885), ou como “um
prédio antigo, construído de taipas e revestido de tijolos, em
parte, coberto de telhas, em máu estado de conservação, com
séte comodos acimentados, sem forro” (1944), no testamento
de Elias Quartim de Albuquerque, ainda que tanto na chá-
cara, quanto em propriedades vizinhas tivesse um aumento
significativo de atividade de olarias, comumente associadas a

99
imigração italiana na região.

Casa do Tatuapé:
Elias Quartim
de Albuquerque,
familiares e oleiros
(1916)
Acervo DPH/STLP

A chácara passará por seu ultimo dono em abril de 1945, à


Tecelagem Textília S/A. Para se der ideia, no processo de com-
pra o terreno (com a casa inclusa) possuía ainda 32 mil m2, nú-
mero absolutamente discrepante comparado ao resultado final
pós-loteamento da região, que desde 1979 está em tímidos 919
m2, mesmo após tombamento por parte do Phan81 em 1951.
No mesmo ano em que a Tecelagem assume a proprieda-
de, a Casa atrai interesse do PHAN, que notifica os proprie-
tários a respeito do interesse de tombar o imóvel, sem obter,
em primeiro momento, consentimento dos proprietários. Tal
processo, que demorou seis anos para se concretizar, pode ser
acompanhado no próprio processo do Phan, em caráter de
tombamento voluntário.
Decorrente do processo de loteamento da chácara, a Tecela-
gem manifesta, enfim, a sua intenção de doar a casa à Prefeitura
em 1950, o que não se concretizou e passou como uma questão
esquecida por 19 anos, enquanto se esperou por pronunciamen-
to definitivo da Prefeitura, uma vez que a empresa vinha sendo
cobrada pela Secretaria de Obras a realizar medidas de conser-
vação do imóvel. Foi somente com a desistência da doação, em

100
1969, alegando uma mudança de interesse em que o terreno ago-
ra seria destinado a expansão da empresa. Por fim, após negação
do uso da propriedade para devidos fins pelo Phan, finalmente a
propriedade foi declarada de utilidade pública e desapropriada
mediante ao pagamento de indenização aos proprietários, en-
cerrando-se somente em 1981 esse longo processo.
Tal displicência da Prefeitura em relação ao imóvel com-
prometeu muito as características da ocupação territorial,
acompanhado de outros ataques sistemáticos de ordem eco-
nômica e especulativa. Curioso pensar que, mesmo em todo
período de degradação e abandono, foi no período mais re-
cente que a propriedade sofre seus maiores golpes no que diz
respeito à preservação.
Como é sabido, a relação entre crescimento populacional
e ocupação do espaço urbano, longe de ser um efeito orgâni-
co nas cidades, ocorre também por força de diversos agentes
políticos, ora atrelados a especulação imobiliária e a projetos
urbanistas ligados a interesses financeiros e políticos, ora a
interesses das elites econômicas dentro de cada contexto. A
respeito da própria Lei de Terras de 1850, considerada a pri-
meira tentativa de regulamentação e organização da pro-
priedade privada no Brasil, muitas vezes, como aponta Odair
Paiva, a relação entre agentes do Estado e detentores dos
poderes econônicos, como no caso dos latifundiários, “con-
formou-se historicamente, um corpus coeso de complentari-
dade de interesses na medida em que o primeiro representa e
é constituído pelos segundos.” 82
Mais tarde, como também já visto, tanto as terras onde
passavam estradas férreas, a determinação de áreas voltadas a
especulação imobiliária, como a própria Penha e a região do
bairro Gomes Cardim, Vila Prudente, entre outros, era levado

101
a cabo por grupos políticos dos mais diversos interesses finan-
ceiros, industriais, urbanistas e outros indivíduos que tinham
participação ativa na tomada de decisão do Estado. Para além
dos particulares, outra boa parte da cidade se viu na mão de in-
vestidores, tendo aqui na cidade, como maior exemplo, as obras
empregadas pela Cia. City, grupo de investidores que chegou a
ter em 1912 mais de 37% da área urbana na cidade. Seu poder
de decisão variava entre aproximar uma linha férrea ou asfal-
tamento à indústrias, até a construção de vilas completas, com
os mais variados recortes sociais para especulação imobiliária.

Edificações e áreas
protegidas da Casa
do Tatuapé (2013)
infopatrimonio.org

102
Tal fenômeno trás consigo também, dentro de um qua-
dro complexo, um maior jogo de interesses e interessados na
propriedade que seguiu anos abandonada. No caso da Casa
do Tatuapé, o loteamento da chácara foi executado nos anos
1950. O longo processo de loteamento é muito bem detalhado
na tese de dourado da arquiteta Lia Mayumi, que resultou no
livro Taipa, canela-preta e concreto, de 2008. Acompanhando o
processo, é possível observar que a decisão por lotear a pro-
priedade, seguido pela falta de fiscalização e comunicação
com o PHAN, ou seja, a margem de seu conhecimento, resul-
tou no afogamento da propriedade em relação ao seu entorno.

C. Tatuapé Croqui
Uma das propostas
de desapropriação
de lotes vizinhos,
em linhas
pontilhadas, 1975
Acervo DPH/STPRC

103
Ainda que o prejuízo do loteamento, nos anos 70, tivesse
alavancado um processo de reversão do processo irregular do
loteamento, a viabilidade se mostrou irreversível. É possível
observar em diversos croquis não só o projeto aprovado pela
prefeitura, como também os projetos para recuperação da
paisagem da frente da casa. Em modo de resistência a uma
possível ação política de desapropriação, a propriedade não
só enfrentou ataques de vizinhos, como a retirada de telhas
para acelerar a deterioração da propriedade, como também
ações por parte de políticos, como a do vereador Samir Achoa,
que declarará ao jornal Folha de S.Paulo que faria “todos os
esforços para não permitir a aprovação de um projeto que
envolva desapropriações”, aliado a 25 proprietários, com a
retórica de que “Se a casa vira monumento (...), os vizinhos
nunca mais vão ter sossego. Por exemplo, não terão lugar para
estacionar seus carros.”, apontando a possível presença de um
monumento como algo que “só iria conturbar a área”83.
Coube daí em diante somente obras de emergência para a
salvaguarda do patrimônio, intensificadas após 1978, quan-
do a casa viu o desabamento parcial de uma das suas paredes
internas, concretizando a desocupação somente da casa, em
um terreno afogado na quadra, aliado a desistência de pros-
seguir com processos de desapropriação no entorno. Uma vez
da Prefeitura, a propriedade passou por uma extensa pesqui-
sa histórica e arqueológica, em uma pareceria entre o DPH e
o Museu Paulista, que foram a base de investigação, até hoje,
em respeito da propriedade e que também impulsionaram
o restauro da casa entre 1979-80, inaugurando como espaço
museu em 1981, com uma exposição.
As intervenções no restauro tinham como intuito princi-
pal reviver uma estrutura mais próxima do original possível.

104
Encontrado em diversos patrimônios históricos, o fetiche
por parte dos órgãos de proteção pela “originalidade”, no caso
da Casa, acabou comprometendo a possibilidade de observar
as mudanças que a casa passou ao longo dos anos uma vez
que é composta por vários elementos de intervenção contem-
porânea que simulam o que seria a obra no passado, sendo
praticamente impossível distinguir as partes originais das
partes recompostas.84
Cabe também enfatizar que a proposta de preservar a
casa, remetendo a um passado único ligado aos bandeirantes,
não traz consigo uma função de uso específico. Ainda que os
processos insistam em apontar no interesse do tombamento
a fim de preservar o “acervo cultural paulista”85, não pode-
mos falar propriamente que o tombamento e a desapropria-
ção tinham uma finalidade específica no que diz respeito ao
futuro uso da casa e suas potencialidades. Pelo contrário, a
casa segue características gerais dos órgãos de patrimônio na
época, caracterizado pela ênfase na importância arquitetôni-
ca e nos aspectos construtivos, não sendo nem ao menos in-
dividualizada no processo, enquadrando-se apenas em uma
noção de conjunto da história de São Paulo, enquanto a casa
que “completa a série de casas bandeiristas”86 ou como mero
exemplo de “identidade de época”.87
Muitas vezes reduzida a categoria de objeto estanque, não
só pelos grupos gestores do bem, hoje sob tutela do Museu da
Cidade, como no próprio olhar dos órgãos de tombamento em
seu momento inicial, podemos perceber enorme dificuldade
de o patrimônio voltar a ter uma ocupação constante dentro
de sua territorialidade, dentro de seus diferentes potenciais e
da valorização histórica ao bairro, tal como a promoção cultu-
ral – atividade que, em tese, é o uso a que o espaço se destina.

105
Felizmente, existe um esforço conjunto por parte de edu-
cadores que conseguiu reverter e repensar a noção da casa en-
quanto monumento “bandeirante”, pensada até 2015 dentro
de seus princípios originais, seus valores arquitetônicos, seu
passado heroico e o valor das suas técnicas construtivas. Ain-
da assim, administrativamente, existem leituras divergentes
sobre o uso dos espaços, algumas vezes na prerrogativa que
a própria existência da casa já contém uma história em si e
seria esse motivo suficiente para pertencimento e atração de
público, é um outro grande entrave.
Desarticulada com a comunidade local e carente de ati-
vidades que acabem por convidar a população a reconhecer
aquele espaço, acaba justamente afastando a comunidade
local, sendo a não apropriação do espaço pelos próprios ocu-
pantes da territorialidade um grande entrave para sua pre-
servação real e a plenitude de suas funções, em uma relação
que desde o processo de tombamento não vem sendo vista de
forma harmônica. Os patrimônios devem ser compreendidos
tais como as narrativas históricas que ele busca representar:
complexos, dinâmicos e simbólicos. Como aponta Maria Si-
mão: “Reduzi-los a objetos estanques, a “obras de arte” consti-
tui, hoje, um equívoco que pode acabar por matar os próprios
valores a serem preservados.”88
Observando as dificuldades enfrentadas por esse bem, al-
gumas iniciativas podem ser pensadas como parcerias a esses
órgãos que, ainda que possuam diversas dificuldades do pon-
to de vista financeiro para gerencia de um grande número de
espaços, como por exemplo, fomentar um possível circuito
entre as casas bandeiristas ou a atração de grupos de inter-
venção artística, teatro, ou até mesmo um espaço para que
organizações comunitárias, escolas, e coletivos possam ver

106
na Casa uma possibilidade de sede para a realização de seus
trabalhos com o apoio dos grupos gestores.
Curiosamente, ou não, dentro do plano das políticas de
patrimônio da cidade de São Paulo, outro prédio de diversos
usos acabou tombado pelo mesmo princípio do “uso origi-
nal”, da arquitetura bandeirante, argumento que deve ser,
hoje, questionado, pois nem sempre de apresenta a totalidade
do patrimônio, como visto anteriormente. Além disso, o con-
flito entre especulação imobiliária e passado novamente vem
à tona, uma vez que o Sítio do Capão, que teve seu processo
de tombamento efetivado em âmbito estadual e municipal,
vive hoje no bairro de maior valorização imobiliária da Zona
Leste, o jardim Anália Franco89.

S. Capão Hoje
Sede do Sítio
Capão (2016)
Douglas de Campos

Vale destacar, antes de tudo, os motivos do tombamento


do edifício nos anos 1980, posteriores a maior parte das ca-
sas bandeiristas tombados em conjunto pelo DPH e a Pmsp,

107
tendo seu processo de tombamento somente em 1984 (Con-
dephaat), e posteriormente em âmbito municipal em 1991
(Conpresp). O processo de tombamento no contexto dos 80 se
deu não tanto na busca de uma pesquisa avançada a respeito
da memória paulistana e nacional, marco da maior parte das
casas bandeiristas, mas sim dentro da lógica jurídica e preser-
vacionista. Como aponta Zanettini:

Tendo em vista a qualidade de bem tombado e a realidade fí-


sica onde ele está inserido – o jardim Anália Franco, bairro da
Zona Leste de São Paulo extremamente valorizado onde sur-
gem empreendimentos imobiliários de alto padrão -, a justiça
determinou que o proprietário (privado) restaurasse o bem,
e que se verificasse em que medida a sub superfície em seu
entorno apresentaria materiais interessantes. O conflito ine-
vitável entre o velho obsoleto e a especulação imobiliária foi
o que determinou, em última instância, uma medida jurídica
fundada em parecer dos profissionais do DPH/Pmsp90.

Sendo um bem privado, não seria necessário dizer que o


acesso à residência é bastante restrito, ainda que exista um
Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, firma-
do em julho de 2000, promovido pela Promotoria da Justiça
do Meio Ambiente de São Paulo junto aos proprietários, Par-
solo, DPH, Condephaat e o Ministério Público Estadual. Esse
termo garantiu não só o restauro por parte do proprietário,
mas teve como contrapartida o ajustamento de construções
no entorno e o desmembramento de parte da gleba do Sítio,
como a instalação da Unicsul e mais recentemente a constru-
ção de um hipermercado e uma academia. Em teoria, além
da salvaguarda da edificação que vem sendo feita de maneira

108
competente, bem verdade, garantia também uso público ad
perpetuam do imóvel tombado, segundo a realizadora da obra,
“fazendo-se implementar em seu interior, um museu, que
conta com a administração e manutenção do acervo, exclu-
sivamente sob responsabilidade dos proprietários.”91, que na
prática acabou não sendo levado a cabo, embora a casa possua
painéis informativos em relação ao restauro.
A propriedade que hoje é administrada pela empresa
Anália Franco Imóveis, ligada ao ramo imobiliário e parcei-
ro direto de inúmeras construtoras na região, disponibiliza
o acesso à propriedade para grupos de segunda a sábado,
mediante agendamento. Porém, em nossa investida para co-
nhecer o bem, enfrentamos inúmeras dificuldades até desco-
brirmos um contato direto, o que justifica a pouca frequência
de grupos na casa, a pequena circulação de informações e
fotografias recentes da propriedade, inclusive por jornais de
bairro que constantemente remetem à propriedade como ele-
mento de valorização da região, porém não aberta a visitas.
O prédio, ainda que no processo de tombamento siga con-
siderado novamente através das técnicas construtivas, pare-
cendo “filiar-se ao partido conhecido como bandeirista”92 é
lembrado por todas as fontes com enorme destaque a mora-
dores ilustres do bairro, como o padre Antônio Diogo Feijó,
ou Regente Feijó, que tem uma extensa biografia um tanto
quanto romântica sobre sua imagem, ou a Associação Femi-
nina Beneficiente Instrutiva – Lar Anália Franco, apontando
diferentes fases de ocupação da região e do próprio sítio.
Mais do que a Casa do Tatuapé, a região do Anália Franco
e seu patrimônio histórico carece ainda mais de pesquisas do
ponto de vista histórico e de ocupação da região, possuindo
pouca bibliografia e seguindo quase esquecida (ou escondida)

109
tanto na paisagem quanto nos livros sobre bens históricos da
cidade. Para se ter ideia, o Sitio não aparece nem mesmo no
guia desenvolvido pela Prefeitura de São Paulo, através da São
Paulo Turismo, direcionado à Zona Leste de São Paulo.93
Mesmo com grandes defasagens em sua história, o terreno
é pela primeira vez noticiado em 1698, no documento de venda
da propriedade de Pedro Ayres e D. Catharina Lemos ao padre
André Baruel, pela quantia de 25$000. Depois de um longo
lapso temporal, ressurge a documentação em 1774, novamente
marcado por uma venda por arremate, ao capitão Domingos
Lopes Azevedo. A casa sede, alvo da restauração e principal ob-
jeto de tombamento, tem sua primeira referência em 1800, em
documento de doação de D.ª Ignes Corrêa Bueno, em decorrên-
cia do falecimento de seu esposo, Antônio Fernandes Barroso.
O aparecimento de fontes mais precisas e detalhadas mar-
cam a partir de 1829, quando foi comprada pela figura ilustre
do padre Antônio Diogo Feijó, que batiza o terreno como “Chá-
cara Paraíso”, tendo sua caracterização ao longo do século XIX
modificado para utilização em um sobrado, do tipo Chalé, ade-
quando-se as transformações sociais de São Paulo no advento
do Império. Em 1840, a propriedade é vendida para Francisco
Leandart por alguns anos, retornando as mãos da família por
meio da irmã de Feijó, D. Maria Justina de Camargo e reconhe-
cida no testamento de 1835 como herdeira da propriedade devi-
do à falta de pagamento dos antigos contratantes.
O entorno da casa sede modifica-se com advento de mora-
dias de trabalhadores, currais, estruturas destinadas a arma-
zenamento, apontadas em inventários, além de informações
sobre uma senzala, casa para fábrica de chá, terras para planta-
ção e pasto, continuando por uma longa linha sucessória entre
as compras de barões e outras famílias de forte poder aquisitivo.

110
Por fim, a última atividade registrada em processo, atre-
lado a mais um comprador ilustre, foi quando a chácara se
torna propriedade da Associação Feminina Beneficente e Ins-
trutiva – Lar Anália Franco, (1911) neste momento contando
com 75 alqueires (equivalente a aproximadamente 1815m2).
Sobre a própria Associação Feminina, é possível localizar o
estatuto de criação, delegação de funções administrativas,
entre outros no Arquivo Público do Estado de São Paulo, mui-
to embora os documentos datem alguns anos antes da aqui-
sição da casa pelo grupo (1903). Vemos como os dois pontos
principais de ação a pretensão de atender “mulheres desvir-
tuadas” e exercer funções de orfanato.
Do ponto de vista estrutural, podemos afirmar que o edi-
fício passa por uma mudança de uso definitiva, não mais
exercendo função primordial de unidade rural produtiva,
submetendo-se a uma série de intervenções físicas, passando
pela criação de anexos, inclusive no entorno imediato, além
de aplicação de técnicas de alvenaria de tijolos, que podem ser
observados no projeto de restauro do imóvel assinado pelo ar-
quiteto Samuel Kruchin (2001)
Após esse período, acompanhando o loteamento da região
iniciado nos primórdios do século XX, impulsionada pela atua-
ção do Banco Evolucionista, a região nos limites da Vila Gomes
Cardim sofreu nos anos 30 e 40, sucessíveis parcelamentos nas
mãos de vários investidores que visavam não só a construção
de casas para venda, como também de aluguel. A própria Asso-
ciação demorou para entrar na venda especulativa. Ainda que
fosse uma grande proprietária de terras, foi somente na década
de 1970 que decidiu-se pela venda de parte de suas proprieda-
des devido a valorização dos mesmos. Um desses terrenos des-
membrados transformou-se no Centro Educativo, Recreativo e

111
Esportivo do trabalhador, inaugurado em 1974, adquirido pelo
Governo Estadual e alavanca para a ocupação na região e a va-
lorização do bairro.94
No entorno da fazenda, que antes era marcado por casas
térreas, podemos observar que pouco dessas residências so-
brevivem ao tempo, servindo majoritariamente como espa-
ços de serviços ou encontram-se à venda. Além disso, os anos
1980 impulsionaram um boom em relação a verticalização,
fomentada pelo surgimento de construtoras como a Porte
Construtora Ltda (1982), Lucio Engenharia (1981), A. Abreu
Comercial e Construtora Ltda (1982), Construtora Hernandez
Ltda (1984), entre outras (Barril, Joman, Cammarota), expli-
cando também o surgimento de mais de 53 edifícios no bair-
ro entre 1981-1986.95

S. Capão
Infopatrimônio
Mapa Entorno
Edificações e áreas
protegidas da Sede
do Sítio Capão,
(2013)
Site: infopatrimonio.
org

112
A propriedade, que durante o loteamento e a venda defini-
tiva de terrenos por parte da Associação Feminina Beneficen-
te Instrutiva, passou por um processo de disputa jurídica que
é, inclusive, citado no processo de tombamento:
Ação Judicial
Processo de
tombamento.
Condephaat:
Tombamento
NR.2071/78

Uma vez resolvida essa questão, a propriedade, mesmo


tombada, foi alvo de denúncia na Câmara Municipal pela
ex-vereadora Aldaíza Sposati em 1994, pois estava a sofrer
“agressões em sua estrutura arquitetônica, descaracterizan-
do-se assim, como patrimônio histórico e cultural”, solicitan-
do urgentes providências, sanados com os acordos do Tcac,
mas demonstrando a relação de bastante desgaste entre os
agentes econômicos e os órgãos de preservação.
S. Capão
Verticalização
Entrada
Entrada do Sítio
Capão ofuscada
pela verticalização.
Acervo pessoal.
Mauricio Dias

113
No mesmo dilema da Casa do Tatuapé, o abandono do pa-
trimônio ou a maneira de como ele passa despercebido tanto
da paisagem quanto dos olhares de quem observa, apesar do
enorme contraste com a paisagem urbana, colabora com seu
esquecimento e, mais do que isso, afasta o reconhecimento
do seu passado e de ocupações que poderiam vir a servir a co-
munidade, a geração de rendas, a grupos educativos e escolas
e a demais interessados.
Nesse jogo de poderes entre o Estado interventor e preser-
vacionista dos bens históricos e os interesses hegemônicos do
setor privado, embora venham bem ou mal sendo os mante-
nedores do bem histórico, ambos parecem por desconhecer
as vantagens da ocupação do espaço. Como aponta Simão,
grupos da sociedade civil, dentro desse processo, acabam por
vezes desconhecendo o valor dos bens que compõem sua pró-
pria territorialidade, ainda que muitas vezes tenham como
demanda novos espaços como bibliotecas, parques, centros
culturais e espaços para realizar atividades de lazer, além de
não compreender as possibilidades que a ocupação desses es-
paços possa oferecer. Em sua crítica, a autora aponta que:

O Poder Público Municipal, por sua vez, não cumpre o seu papel
de capitanear os processos que ocorrem internamente às suas
cidades, entendendo que àqueles diretamente interessados ca-
bem as decisões e as atitudes tomadas. O empresariado, pouco
unido e pouco esclarecido, trabalha sob parâmetros pessoais e
individualizados, com uma visão restrita de futuro e de opor-
tunidades. O rompimento desse ciclo, de fundamental impor-
tância, vem normalmente ocorrendo através de intervenções
de instituições e/ou pessoas externas à comunidade: cursos
propostos e ministrados pelo Governo Federal, programas
promovidos por instituições de apoio e prestação de serviços

114
como Sesc, Sebrae, Senac e empresários externos. Entretanto, a
ruptura por agentes externos pode gerar conflitos e, por desco-
nhecimento das especificidades locais, descaracterizar o que é,
na verdade, o maior potencial da cidade – sua própria cultura96.

Esse dilema em relação ao patrimônio do Sitio Capão, as-


sim como facilmente se aplica a outros na sub-região, uma
das demandas observadas pelo Grupo é a ênfase na educação
patrimonial e o fomento por discussões de ocupação da ci-
dade pela população do bairro que, naturalmente, tem uma
percepção diferente dos processos que vive sua vizinhança.
Para isso, é importante a articulação com coletivos, grupos ci-
vis organizados, grupos artísticos e demais interessados para
buscar novos caminhos para romper com o ciclo imposto de
ocupação, ou não ocupação, de determinados espaços.
Da mesma forma que a Casa do Tatuapé, a ocupação desses
espaços podem ser geridas por demandas atreladas à própria
comunidade do entorno, como grupos escolares e na execu-
ção de atividades de lazer, ou associado a políticas públicas,
como a implementação de atividades ligadas a Secretaria do
Verde e do Meio Ambiente, com agricultura urbana ou até
mesmo atividades de consumo, como espaços gastronômicos
e feiras orgânicas, hoje bastante disseminadas pela cidade e
que encontrariam público naquela região, além de possivel-
mente ajudar outras comunidades na complementação de
renda, trazendo uma contrapartida para a iniciativa privada.
A ocupação do espaço não só fomentaria um forte debate a
respeito da preservação da cidade e ocupação de espaços ocio-
sos, como também informaria a respeito da história e do pas-
sado, uma vez que o sítio é um elemento assustadoramente
contrastante com o bairro tomado pela verticalização e pelo
asfalto nas ruas adjacentes ao bem.

115
Esse formato de hegemonia da especulação imobiliária é
bastante difundido na região da subprefeitura da Mooca. Um
grande estudo a respeito da questão é o realizado por Ivan
Fortunato, no seu trabalho intitulado Mooca, ou como a ver-
ticalização devora a paisagem e a memória de um bairro. Nes-
se trabalho, o autor aponta alguns outros casos onde a criação
de novos espaços, cultuados pelo vislumbre econômico que
proporciona, abriga também algumas contradições que não
só afetam os patrimônios, mas também põe em risco os mo-
dos de viver a cidade, a capacidade de suporte do meio e, con-
sequentemente, afeta o reconhecimento de um passado que
atribui sentido a existência do bairro e parte das dificuldades
vividas até hoje pela população.
Sobretudo na região da Mooca, podemos indicar inúme-
ros prédios históricos, tombados ou em processo de estudo
de tombamento, e exemplos mais ou menos bem sucedidos.
Tomando como bons exemplos da continuação de uso de es-
paços e o aproveitamento das estruturas, ainda que não seja
imunes a críticas, temos a antiga fábrica Alpagartas, reutili-
zada como Universidade (Anhembi Morumbi) e mantendo
parte de sua estrutura bem conservada, assim como o antigo
cotonifício Crespi. O espaço “Nos trilhos”, “Clube Juventus”,
o extinto “Moinho” e, de alguma forma, o Sesc Belenzinho,
Hospedaria do Imigrante e a própria Unicsul (Anália Franco)
mantiveram uma valorização de seus espaços pela sua arqui-
tetura ligada a um passado recente da cidade de São Paulo,
alimentando o pertencimento com o espaço e reconhecendo
a importância histórica desses espaços.
Por outro lado, a derrota do braço de ferro entre os patri-
mônios edificados e outros interesses privados, temos a falsa
salvaguarda da fábrica da União, golpeada até a morte para

116
dar espaço a um condomínio de prédios residenciais, fazendo
uma pseudo salvaguarda da memória, mantendo a chami-
né da firma completamente descontextualizada de seu todo,
assim como outros residenciais que também mantiveram
fachadas degradadas de galpões, mas de toda forma conse-
guindo impor a criação de novos espaços em uma área que
já beira o limite de sua capacidade de circulação de carros,
lixo, escoamento de água, entre outros. Seria inútil apontar
nesse quadro as casas térreas desocupadas para a criação de
prédios, assim como as inúmeras vilas operárias construídas
no começo da industrialização do bairro.97

Maria Zélia
Infopatrimônio
Mapa Entorno
Edificações e
áreas protegidas
da Vila Maria
Zélia, 2013. Site:
infopatrimonio.org

117
Entre as vilas operárias, talvez poucas territorialidades
manifestem melhor a relação da especulação, a questão pa-
trimonial e as dificuldades entre as políticas de salvaguar-
da, quanto a Vila Maria Zélia. Originalmente pensada como
uma vila a fim de atender o complexo da indústria Compa-
nhia Nacional de Tecidos da Juta e chegando a ter mais de
4500 empregados, a fábrica idealizada pelo industrial Jorge
Street segue hoje como uma das poucas áreas de São Paulo
com uma preservação da paisagem mantida relativamente
longe da verticalização, como pode ser visto na área envoltó-
ria da vila, em relação aos demais bens.
Ainda assim, isso não impede conflitos internos e em
relação a políticas públicas, que interferem no que diz res-
peito a preservação e conservação das propriedades inseridas
no próprio perímetro. O pedido de tombamento da Vila leva
em suas primeiras páginas o carater de urgência na preser-
vação, pela ameaça de demolição de edificios dentro da Vila
devido o estado de abandono em que se encontram. Anos
mais tarde, inclusive após processos de estudo e o tombamen-
to, a Vila viveu outras tantas intervenções pelos proprietári-
os (fora dos padrões estipulados pelos orgãos de proteção)
de descaracterização (sobretudo nas casas) sob a principal
alegação da completa falta de esclarecimento a respeito das
normas de manutenção das residências após o tombamento
por parte dos órgãos de proteção, presentes nos autos de 1990,
ainda que o processo tenha se iniciado cinco anos antes pelo
Condephaat. De maneira verticalizada, as mudanças resul-
taram em autuações e multa aos proprietários. Das 198 casas
que a Vila tinha em seu plano original, apenas quatro delas
mantem a sua fachada original e entre os prédios históricos,
somente cinco, estando em estado de abandono.98

118
A Vila, pensada inicialmente como espaço de moradia,
tem o início de sua história em 1912, quando os primeiros
planejamentos da fábrica em conjunto a uma vila operária
foi encomendada pelo médico sanitarista e industrial Jorge
Street e projetado pelo arquiteto frances Paul Pedaurrieux,
com a pretensão de se tornar uma espécie de minicidade para
os trabalhadores da tecelagem, contando com oferta de ati-
vidades religiosas, recreativas, sociais, assistenciais e educa-
cionais, entre outros atrativos que praticamente permitia o
isolamento da Vila da realidade da cidade externa ao ambiên-
te de trabalho. O processo de construção, iniciado em 1912
durou até aproximadamente 1916, sendo inaugurada no ano
seguinte para ocupação.
A respeito dessa problemática, uma longa bibliografia so-
bre vilas operárias, incluindo obras dedicadas diretamente à
Vila Maria Zélia tendem a problematizar a questão, muitas
vezes colocando a biografia do industrial de forma dúbia a
respeito de suas intenções, uma vez que, de um lado, ofere-
cia uma série de benefícios, de outro alimentava o nível de
dominação sob o empregado, como o controle de horários
de entrada e saída da vila, coerção de protestos por parte dos
funcionários e controle de práticas do ambito privado.
Muito embora reconhecida com o nome de Vila Maria
Zélia, nome que homenageava a filha do industrial, a fábrica
da Cia Nacional de Tecidos da Juta permaneceu por somen-
te seis anos nas mãos da família. Decorrente de dificuldades
financeiras e no interesse de desativar a fábrica na unidade
São Paulo, uma vez que se mantinha a sede da Companhia no
Rio de Janeiro, os acionistas da indústria a vendem, em 1924,
para outro industrial, Francisco Scarpa, que rebatiza a vila
para Vila Scarpa. Realocando os moradores a novas funções,

119
a sobrevivência no negócio durou por um período ainda mais
curto, até 1929, quando devido ao crash da Bolsa de Nova York,
viu-se novamente a necessidade de venda da Vila, agora para
o grupo Guinle, que restabelece o nome original.
Nos anos 30, devido a débitos fiscais com o Governo Fede-
ral, a Vila e a fábrica são confiscadas pelo Instituto de Aposen-
tadoria e Pensões dos Industriários (hoje atende pelo nome de
Instituto Nacional do Seguro Social – Inss). Em 1931, a fábrica
é desativada e reaberta somente em 1939, com a compra pela
Goodyear, responsável pela demolição da creche, coreto e de-
zoito casas, incorporando-os à fábrica no ano de 1939. Nesse
meio tempo, os moradores poderam continuar morando na
vila, mas sem pagar aluguel, uma vez que o Governo Federal
ainda não sabia o que fazer com as casas.99
Toda forma, foi também nesse intervalo de tempo, mais
precisamente em 1936 (Era Vargas), que a fábrica funcionou
como presídio político. O espaço servia sobretudo para sindi-
calistas e pessoas ligadas ao Partido Comunista, além de abri-
gar intelectuais que se opunham ao presidente, destacando o
historiador Caio Prado Junior e o cineastra Paulo Emílio Sales
Lopes, associados à série de revoltas do “Levante Comunis-
ta”, ocorridas em 1935 e organizadas pela Aliança Nacional
Libertadora100. Durante o período ouve produções de jornais,
leituras coletivas, organização de pequenas bibliotecas, entre
outras atividades pensadas coletivamente pelos presos, tema
que ainda é pouco explorado pela bibliografia.
Finalmente, em 1969, as propriedades foram vendidas
através do sistema financeiro de habitação, deixando de ser
uma vila particular para virar um logradouro público, incor-
porando os complexos dilemas a respeito de sua preservação,
sendo tombada em nível estadual e municipal, em 1992.

120
Hoje, o uso do espaço enfrenta conflitos de interesse pelos
próprios responsáveis pelo zelo da Vila: há os que desejam a
reforma pura e simples das moradias, há os que não tem rela-
ção com o patrimônio histórico, porém valorizam o aspécto
de vila privada, acompanhado do arruamento largo e loca-
lização geográfica, assim como os que tem um olhar da vila
enquanto monumento histórico. Até mesmo a preservação
arquitetônica é uma questão que divide opniões, uma vez que
a estética da ruína se tornou um aspecto de atração, onde é
comum a locação de espaços para gravação de video-clipes,
novelas, filmes, ensaios fotográficos entre outros trabalhos.
Assim, a questão se torna bastante complexa já que o deba-
te ainda se pauta na busca de uma suposta “vocação” da Vila
Maria Zélia, dúvida que permea moradores e poder público.
Enquanto o espaço permanece como ambiente de disputa
no campo ideológico, a presença de moradores e circulação
de público, assim como a existência de grupos de ação como
o Grupo de Teatro XIX atuante há mais de 15 anos no espaço,
a realização de festas e outros eventos de arrecadação de ver-
bas, alimenta não só relações de pertencimento e pequenas
intervenções de preservação, como também pensa a Vila não
como objeto estanque do passado, mas com prospecções de
novas histórias e de um futuro.
Diferente dos outros bens, esse, embora tenha uma maior
circulação e seja notóriamente mais visitado e reconhecido
por guias culturais da cidade, por roteiros turisticos entre ou-
tros, a Vila enfrenta o pior estado de preservação em relação
aos demais bens, quase entrando em estado de ruína. Nem
as intervenções mínimas para assegurar sua sobrevivência
vem sendo desempenhadas pelos poderes públicos. Ainda
assim, existe um fomento, por parte do poder público, para

121
a realização de pesquisas, projetos e outros materiais no inte-
rior da vila, o que transmite um carater bastante particular e
dúbio, onde o passado parece ser uma preocupação constante
de uma comunidade acadêmica, porém passa despercebido às
políticas de obras públicas.
Apesar disso, podemos destacar as diversas atividades de
memória feitas por agentes internos e externos, extremamen-
te positivas, trazendo público variado para estas iniciativas.
Chama atenção a resistência nesse território para que ele seja
notado e protegido diante de sua relevancia histórica.

Ocupação do
Espaço
Sede do Grupo
de Teatro XIX e
da Associação
Cultural Vila Maria
Zélia, que em
esforço conjunto
ocupam um dos
prédios do INSS,
garantindo sua
salvaguarda (2016).
Douglas de Campos

122
COMENTÁRIOS FINAIS
Essa longa prospecção sobre os bens localizados na região da
subprefeitura da Mooca, indus a questionamentos a respei-
to dos agentes conflituosos e de como o futuro deve ser pla-
nejado a partir das reocupações dos espaços públicos, onde
o conhecimento da história e do passado é importante, mas
novos olhares, contemporâneos, são necessários para a sobre-
vivência desses espaços frente às forças presentes em cada ter-
ritorialidade, assim como a urgência da ocupação de espaços
de uso público, muitas vezes desconhecidos ou escondidos da
própria população que os rodeia.
Cabe também reconhecer que esse é um texto datado:
escrito no segundo semestre de 2016, onde o direito à cidade
e a ocupação dos espaços públicos vive em pleno debate e
efervecência. A força e a intensificação da luta de diversos
movimentos como o Movimento por Moradia, por Parques,
Mobilidade Urbana, Direitos Humanos, entre outros, vem
por reinvidicar poder de configurador nesse processo de ur-
banização e, de outro lado, o fortalecimento do projeto neoli-
beral, a desvalorização de áreas ligadas a cultura e educação e
o controle dos espaços de decisão voltados a noção de cidade
tradicional, pouco atenta as consequências sociais, ambien-
tais ou políticas. Certamente configura um quadro de dispu-
ta que será decisivo na sobrevivência desses patrimônios e
sua reaproximação da população local, ou seu esquecimento
na paisagem urbana.

123
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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de casas bandeiristas em São Paulo. 2006. Tese (Doutorado em Estruturas
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125
126
TURISMO, CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO
E GERAÇÃO DE OPORTUNIDADES PARA
COMUNIDADES DA ZONA LESTE DA CIDADE
DE SÃO PAULO
ALESSANDRA BLENGINI MASTROCINQUE MARTINS

O TURISMO É CONSIDERADO UM FENÔMENO SOCIAL CONTEM-


porâneo, pois relaciona-se à necessidade de descanso e fuga
do cotidiano e ao interesse de conhecer lugares diferentes do
local de moradia. É considerado ainda um promotor de inte-
ração e relações entre pessoas, seja entre os que viajam, no
caso os próprios turistas, ou entre comunidade receptora e
visitantes. Também é um fenômeno cultural, pois amplia o
conhecimento e o entendimento dos viajantes com relação às
diversas culturas, permitindo tanto a valorização bem como
o respeito entre culturas diferentes. Além disso, é uma ati-
vidade econômica que apresenta um potencial expressivo
de geração de trabalho e renda a partir do envolvimento e
da utilização de uma grande quantidade de bens e serviços
(transporte, hospedagem, alimentação, entretenimento, en-
tre outros) voltados para o consumo e a satisfação das dife-
rentes necessidades dos turistas, com uma considerável força
de distribuição de recursos financeiros e uma demanda de
investimento menor que outras atividades econômicas.
Neste sentido, o turismo tem sido apontado por muitos
organismos públicos e entidades privadas como uma impor-
tante alternativa para a geração de renda e fator de desen-

127
volvimento local em regiões com a presença significativa
de áreas naturais e/ou bens culturais e históricos tombados
como patrimônio. É apontado ainda como um caminho para
a sensibilização da população com relação à importância da
conservação e da valorização do patrimônio, uma vez que
permite o contato das pessoas com esta temática bem como
necessita da conservação destes bens para a viabilização da
atividade. Como expõe Simão “O turismo é proposto, assim,
como uma atividade econômica possível de ser desenvolvida
nos núcleos urbanos preservados, compatível com a proteção
do patrimônio cultural e indutor de melhores condições de
vida para a população local” (p. 19, 2013).
Desta forma, esse artigo pretende discutir a possível con-
tribuição do turismo para a aproximação e/ou o estreitamen-
to do vínculo entre moradores do entorno e um bem imóvel
tombado em área urbana. Considerando o que afirma Simão
“pesquisar sobre a preservação cultural e compreendê-la im-
plica em desvendar não somente as características culturais,
mas sobretudo, em avaliar possibilidades de ampliar o leque
de atividades econômicas dos núcleos urbanos possuidores
de acervo cultural” (p. 23, 2013), pretende ainda discutir o
potencial desta atividade para a construção de alternativas
econômicas vinculadas ao patrimônio histórico.
Entretanto, apesar do entendimento pleno e contumaz do tu-
rismo como um aliado da conservação do patrimônio, também
é sabido os prejuízos muitas vezes causados pelo desenvolvi-
mento desordenado desta atividade, resultando em degradação
ambiental bem como marginalização e exclusão social. Diante
deste ponto de vista, cabe analisar como esta atividade, essen-
cialmente capitalista na sua forma de organização e distribui-
ção, portanto pautada na competição, na concentração de renda,

128
na propriedade privada e na acumulação de lucros, é capaz de
beneficiar, de fato, moradores do entorno de um bem tombado e
contribuir para o desenvolvimento local.
Para tanto, parece ser fundamental apresentar referên-
cias de turismo que contraponham o modelo hegemônico
da atividade, e que sejam capazes de construir pontes entre
o turismo e as demandas sociais, culturais, ambientais e eco-
nômicas da região onde se desenvolve.
Nesta perspectiva, cabe destacar a existência no Brasil e
em outros países da América Latina, África e Ásia, experiên-
cias em que o turismo, aliado às iniciativas de organização
social, tem contribuído para a melhoria da vida e para fixação
das pessoas no território. Essas iniciativas, que incluem pen-
sar e agir em prol de um turismo mais inclusivo, são protago-
nizadas por indivíduos, famílias, grupos e comunidades que
vivem em áreas naturais e rurais, ou mesmo moradores de
favelas e periferias das grandes cidades. Com ou sem o apoio
de instituições governamentais ou não governamentais, es-
ses grupos resistem no seu território e apresentam iniciativas
de turismo com uma grande diversidade de formatos, possi-
bilidades e oferta de atividades, bem como diferentes graus de
organização e empoderamento da comunidade. Utilizam-se
do turismo para valorizar e mostrar a sua história, divulgar
a sua luta, promover encontros, trocas e parcerias e construir
oportunidades para a permanência e perspectivas futuras na
localidade; neste sentido, descobrem, cada vez mais, como fa-
zer um turismo que vai muito além da geração de renda.
Essas iniciativas têm sido entendidas como experiências
de turismo de base local, turismo de base comunitária, tu-
rismo comunitário ou mesmo turismo solidário, como será
discutido a seguir.

129
No turismo de base comunitária101, os empreendedores, os
gestores e os maiores beneficiários da atividade são os mem-
bros da comunidade102 que, organizados de forma coletiva ou
em núcleos familiares, prestam na localidade onde vivem
diferentes serviços aos visitantes. Mais do que um segmento
do turismo no qual a motivação do visitante está no conheci-
mento e na vivência das práticas cotidianas da comunidade
local, é uma forma de gestão coletiva da atividade turística
em um determinado território. Portanto, pode-se afirmar que
essa atividade se relaciona diretamente com a capacidade e a
autonomia das comunidades na gestão dos espaços onde vi-
vem ou convivem.
Para Coriolano (2006), a autonomia das comunidades e a
posse do território também estão associadas ao turismo co-
munitário, entendido pela autora como “aquele em que as
comunidades de forma associativa organizam arranjos pro-
dutivos locais, possuindo o controle efetivo das terras e das
atividades econômicas associadas a exploração do turismo”
(2006, p. 201).
Já para Mendonça (apud MARTINS, 2015):

o turismo de base comunitária também se constitui como


um movimento político-social na medida em que vincula-se
e até mesmo se constrói a partir de lutas sócio-territoriais de
grupos que almejam permanecer em suas terras e assegurar
seus direitos sociais e econômicos (MARTINS, 2015, p. 66).

Assim, o turismo de base comunitária apresenta algumas


características fundamentais e particulares que precisam ser
esclarecidas para a compreensão do fenômeno. A participação,
a solidariedade e a cooperação constituem o alicerce dessa ati-

130
vidade. Trata-se, portanto, de uma iniciativa inclusiva promo-
tora de oportunidades para as diversas pessoas interessadas e
que se apresenta como um espaço para a integração dos mora-
dores, tanto na organização da atividade quanto na prestação
de serviços turísticos. Essa forma de trabalho permite a auto-
gestão, que pressupõe, além da gestão coletiva, a transparência
e a distribuição dos recursos financeiros gerados.
Irving (2009) enfatiza o protagonismo dos moradores e o
saber endógeno como fundamentais para o desenvolvimento
do turismo em âmbito local. Diante disso, a implementação
da atividade deve acontecer não somente a partir do interesse
e o envolvimento das pessoas do lugar, mas também a par-
tir do conhecimento que essas pessoas têm sobre o seu local.
Nessa perspectiva, se insere também o domínio das relações
sociais e das práticas e códigos culturais, o que permite cons-
truir propostas muito afinadas com a realidade da localidade.
Sobre este aspecto cabe ainda citar a compreensão e a
valorização da cultura e do modo de vida local como essen-
ciais para o desenvolvimento da atividade, na medida em
que influenciam tanto a forma como o turismo será gerido
localmente, considerando o histórico de organização e re-
lações dos moradores, bem como a definição das atividades
que serão compartilhadas e/ou oferecidas aos visitantes. No
âmbito do turismo, isso resulta em diversificadas e riquíssi-
mas possibilidades de atividades para serem pensadas para
os visitantes e que agregam, na sua execução, um alto grau de
particularidade, de especificidade e de conhecimento.
Exige dos envolvidos, portanto, o conhecimento e o re-
conhecimento do passado, da história da comunidade como
sua história e a identificação desta perante outros grupos. De-
manda, também, um sentido de unidade, de pertencimento,

131
uma identidade individual e coletiva que permite a projeção
de um futuro a ser partilhado.
Ainda, de acordo com Irving (2009), para contribuir com o
desenvolvimento da comunidade, o turismo deve estar asso-
ciado às diferentes potencialidades locais. Desta forma, deve
ser pensado a partir de uma visão estratégica do destino tu-
rístico, que considere outras alternativas econômicas, recur-
sos e demandas locais.
Demanda, também, certo grau de organização da comuni-
dade, pois pressupõe a participação e o envolvimento dos mo-
radores – pelo menos de parte dos membros da comunidade
– primeiramente, para a compreensão da atividade e definição
dessa como uma possibilidade real para o desenvolvimento lo-
cal e, posteriormente, para as decisões sobre as ações, sobre a
forma de trabalho e sobre a aplicação dos recursos financeiros.
Também requer, por parte dos envolvidos, um entendi-
mento sobre o funcionamento do mercado turístico, a com-
preensão dessa atividade que é multifacetada, que possui
características próprias e que geralmente se desenvolve em
longo prazo. O conhecimento sobre o mercado turístico é
fundamental, inclusive para o questionamento e para a pro-
posição de formas diferenciadas de se produzir o turismo.
O turismo de base comunitária demanda, ainda, uma vi-
são e ação econômica com foco no desenvolvimento do ser
humano e na melhoria da qualidade de vida das pessoas e não
na acumulação de lucros. Entretanto, isso não suprime a ne-
cessidade da apropriação pela comunidade de instrumentos
de gestão de negócios e formalização dos empreendimentos.
Deste ponto de vista, a capacitação, a organização comunitá-
ria e a gestão coletiva são aspectos fundamentais para dese-
nhar a forma de administração do turismo na localidade.

132
Entre os públicos que buscam conhecer destinos de turis-
mo de base comunitária estão viajantes independentes e gru-
pos organizados por meio de agências de turismo ou mesmo
de organizações não governamentais que aspiram ao inter-
câmbio cultural bem como vivenciar o cotidiano das pessoas
da localidade. Também é crescente o número de escolas par-
ticulares que procuram oferecer experiências pedagógicas
interdisciplinares conectadas com diferentes realidades.
Cabe ressaltar que no contato estabelecido entre anfi-
triões e visitantes os envolvidos se transformam de alguma
maneira. O visitante interage e vivencia, por um período, um
ambiente diverso, incomum e até mesmo excêntrico do dele.
Quem o recepciona, compartilha a sua realidade, mas tam-
bém recebe um pouco do mundo que o visitante traz consi-
go, ainda que exista um esforço, por parte de quem chega, de
deixar esta realidade para trás, pelo menos por alguns dias.
Dessa forma, a questão da alteridade se estabelece como es-
sencial na prática do turismo que, independente do nome e
da motivação, se propõe a trocas. Cabe dizer que a alteridade é
uma experiência de mão dupla, portanto no caso do turismo,
visitantes se colocam diante do diferente, mas isso também
ocorre com os anfitriões.
Nessa convivência, é possível, a partir da visão das pes-
soas do lugar, a compreensão do ambiente, seja ele natural,
rural ou urbano, do cotidiano, das conquistas e dos desafios
vivenciados diariamente. Sob a perspectiva das pessoas que
vivem em locais diferentes, o turismo consiste em um cami-
nho para apresentar e confrontar realidades distintas, muitas
vezes conflitantes; ou ainda apresentar realidades camufla-
das e mesmo segregadas no Brasil, como a questão do racismo
e das desigualdades sociais.

133
Desta forma, sob a ótica das informações apresentadas re-
toma-se a discussão sobre o potencial do turismo como ferra-
menta de aproximação entre o patrimônio histórico-cultural
tombado e os moradores do entorno, em especial em áreas ur-
banas de grande concentração populacional como é o caso da
Zona Leste da cidade de São Paulo. Cabe dizer que, neste caso,
entende-se por aproximação a possibilidade da realização,
por parte da população local, de diferentes usos do patrimô-
nio, seja para a visita, para a mobilização, para a conservação,
para a intervenção na gestão ou mesmo para a geração de ren-
da a partir do local.
Na Zona Leste de São Paulo ainda hoje é possível encon-
trar fragmentos remanescentes do processo de ocupação da
cidade que resistem e apresentam elementos da história vi-
vida nestes locais. São estes ruínas, residências, capelas, igre-
jas, fábricas e olarias que nos rementem à história da região,
desde o período colonial, no século XVII até o início século
XX (MORCELLI, 2013). Esses bens possuem diferentes carac-
terísticas com relação à propriedade, forma de gestão, grau de
proteção, estágio de conservação, intensidade de uso e apro-
priação pelos moradores do entorno.
Vale ressaltar que, no contexto do turismo, os patrimônios
tombados são considerados recursos turísticos que por seus
atributos históricos, culturais, paisagísticos e suas especifi-
cidades são capazes de atrair visitantes, portanto, também
entendidos como indutores de fluxo.
Entretanto, cabe pontuar que o fluxo turístico para a
Zona Leste ainda é incipiente, mesmo após a Copa do Mundo
de 2014 que teve a Arena Corinthians como local-sede dos
jogos na cidade de São Paulo. Ainda são tímidas as iniciati-
vas de promoção do turismo na região, a São Paulo Turismo

134
(SPTuris)103 elaborou um guia turístico da Zona Leste104
que divulga os atrativos mais conhecidos e alguns serviços
locais. O Departamento do Patrimônio Histórico da pre-
feitura municipal também apresenta em seu blog roteiros
culturais como o do bairro da Penha105. É possível afirmar
que a região ainda está para ser descoberta tanto pelos tu-
ristas que visitam a cidade como pelos próprios moradores
de São Paulo, aliás, estes últimos representam um número
considerável, uma vez que a cidade é tida como o maior polo
emissor de turistas do Brasil.
Como aponta Simão “as duas empreitadas – preservar o pa-
trimônio e introduzir o turismo de forma adequada num lo-
cal – são garantidas pela gestão local compartilhada” (p. 106,
2013), portanto requer interesse e esforço por parte dos envolvi-
dos, seja o poder público, as instituições católicas, as organiza-
ções não governamentais e os moradores. Deste modo, parece
fundamental olhar para as pessoas, grupos e instituições que
estão no entorno destes locais e identificar como ocorre (ou
não ocorre) a relação entre estes e o bem histórico.
Com o objetivo de realizar este exercício, a seguir serão
abordados dois bens tombados objetos de estudo no projeto
“Territórios de Ururay”. São estes a Igreja Nossa Senhora do
Rosário dos Homens Pretos da Penha, localizada no bairro
da Penha e as ruínas do Sítio Mirim, situado no bairro de
São Miguel Paulista. Serão discorridas algumas impressões
referentes à relação entre os moradores locais e esses dois
patrimônios, considerando as possibilidades da atividade
turística de base local. Não se pretende realizar uma análise
comparativa, mas sim apresentar a diversidade de contextos
socioculturais nos quais os patrimônios tombados da Zona
Leste se inserem.

135
Com relação à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos
Homens Pretos da Penha, diferentes grupos utilizam o local
para atividades religiosas. Entretanto, cabe destacar o traba-
lho da Comissão do Rosário dos Homens Pretos da Penha de
França responsáveis pela organização da Festa do Rosário dos
Homens Pretos da Penha de França, realizada anualmente em
junho, que, em 2016, teve sua 15ª edição. Verifica-se neste gru-
po um trabalho robusto, comprometido com o patrimônio,
que articula diferentes estratégias que incorporam elementos
da cultura afro-brasileira, ressignificam o espaço, bem como
promovem o uso e a valorização da Igreja pela comunidade
local e também por públicos externos à comunidade. Nota-se
que o grupo se identifica bastante com este local, quer pela
história da família, quer pela devoção religiosa e/ou mesmo
pela satisfação com o trabalho desenvolvido coletivamente.
Diante disso, vem se apropriando, cada vez mais, do patrimô-
nio, mesmo este sendo de propriedade da igreja católica.

Colocar 2 ou 3 Fotos de Patrícia Freire

Além da Festa, são realizadas outras ações como a Celebra-


ção Afro-Brasileira de Rosário da Penha que acontece sempre
no primeiro domingo do mês, e a Roda de Samba do Largo do
Rosário que ocorre no último sábado de cada mês. Roteiros de
visitação temáticos também são desenvolvidos com frequên-
cia crescente; estes incluem outros patrimônios do bairro ou
mesmo enfatizam a relação da religião e da cultura afro-bra-
sileira na cidade de São Paulo. São importantes iniciativas
que ativam a história, a memória e a cultura das pessoas e do
local, bem como promovem a aproximação, a atração para o
contato junto ao patrimônio.

136
Cabe ressaltar que estas ações são idealizadas e geridas
de forma coletiva, tanto no que refere-se as decisões sobre as
atividades a serem desenvolvidas como também a gestão dos
recursos financeiros viabilizados por meio destas atividades
e, desta forma, também contribuem para a manutenção do
patrimônio. Vale complementar que muitas das ações citadas
contam com o apoio do poder público, mas partem de inicia-
tivas autônomas e têm sustentação local.
Ao analisar essas iniciativas sob a ótica do turismo de base
comunitária, evidenciam-se diversos elementos que aproxi-
mam a experiência desenvolvida pela Comissão do Rosário
dos Homens Pretos da Penha de França ao turismo gerido
pela comunidade local. Neste contexto, verifica-se o turismo
certamente como um instrumento de aproximação, muito fa-
cilitado pela relação estabelecida de enraizamento, memória
e identificação deste grupo com o patrimônio tombado.
As ruínas do Sítio Mirim apresentam características bem
diferentes, localizam-se em uma praça na altura 9500 da
avenida Assis Ribeiro, ladeadas pelo trilho do trem da Cptm
(Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e pelo córrego
Guanambi, próximo ao rio Tietê. A iniciativa de instalação
da praça, bem como de cercamento do entorno tiveram como
objetivo salvaguardar o local, principalmente das ocupações
para moradias, prática bem presente na região. Entretanto,
percebe-se claramente a vulnerabilidade das ruínas, envoltas
pelo caos urbano; estas encontram-se em estágio avançado
de deterioração, principalmente devido à infiltração de água
da chuva, mas também pelo vandalismo e pela manutenção
deficiente da área da praça. A principal função do local é a de
passagem de pedestres que vem do bairro de União de Vila
Nova e seguem para a avenida Assis Ribeiro. O local é tam-

137
bém utilizado para o lazer, principalmente, por crianças e jo-
vens que empinam pipas na praça; é ainda frequentado para o
consumo de produtos ilícitos, o que afasta as pessoas da área.
Nota-se pouca relação dos moradores com a história e a
geografia do local. Observa-se que não existe, na verdade,
uma compreensão sobre a própria história, seja da família ou
da formação do bairro, e isso se estende com relação à impor-
tância histórica e arqueológica dessas ruínas e do local, o que
dificulta o envolvimento e a mobilização para a preservação
do patrimônio. Cabe dizer que a maior parte da população do
entorno é de migrantes nordestinos e que os bairros foram
formados principalmente a partir das ocupações das áreas de
várzea do rio Tietê.
Algumas ações pontuais de educação patrimonial já fo-
ram realizadas junto às escolas e instituições do entorno106.
Além disso, organizações sociais que atuam na região procu-
ram apresentar a temática para o público que atende, tentan-
do sensibilizar as crianças, adolescentes e jovens e seus pais,
entretanto são poucas as informações e materiais disponíveis
para a realização deste trabalho.
Existem também algumas importantes iniciativas de mo-
radores e pesquisadores da região, vinculados a movimentos
de valorização do patrimônio como o Grupo de Memória da
Zona Leste e o grupo Ururay Patrimônio Cultural, que se
mobilizam e desenvolvem atividades no local. Entre as ativi-
dades realizadas estão: pesquisas sobre as ruínas, eventos na
praça e também roteiros temáticos com grupos organizados.
Geralmente estes roteiros combinam visitas a outros locais
de importância histórica como a Capela de São Miguel Ar-
canjo, no centro de São Miguel Paulista e são desenvolvidos
em parceria com o programa de turismo social do Sesc/SP

138
(Serviço Social do Comércio do estado de São Paulo) e/ou por
meio da Jornada do Patrimônio da prefeitura municipal.
No bairro de União de Vila Nova, próximo ao Sítio Mirim,
existe o Grupo de Agricultura Urbana – Quebrada Sustentá-
vel107 que atua junto ao Viveiro-Escola do bairro; já ocorreram
algumas iniciativas de realização de roteiros com a inserção
da visita a este Viveiro, inclusive com a oferta de café no local.
Essas ações promovem a aproximação entre patrimônio e mo-
radores do entorno, podendo ser um caminho para o compar-
tilhamento da responsabilidade para a conservação do local.

Colocar 2 ou 3 Fotos Viveiro do Vanderson Satir

Cabe destacar aqui também a iniciativa do Sarau Urutu108,


que ocorre na rua Urutu, na lateral ao Sítio Mirim, criado
como um sarau de resistência diante da possibilidade de de-
sapropriação dos moradores para a construção de uma nova
estação de trem no local.
A aproximação desses tipos de coletivos das questões rela-
cionadas à conservação de bens históricos tombados pode ser
uma estratégia interessante para a ocupação e a apropriação
do patrimônio pela comunidade local. Sob esta perspectiva,
o turismo surge como uma forma de geração de renda para
esses grupos, a partir de atividades de guiamento, apresenta-
ções culturais ou mesmo da comercialização de alimentos,
artesanatos e outros produtos. Além disso, pode se tornar
também uma ferramenta para comunicar e discutir com gru-
pos externos as pautas destes coletivos, no caso do Sarau Uru-
tu, a resistência no local.
Por fim, cabe dizer que o turismo é capaz sim de contribuir
para a integração entre patrimônio e comunidades locais em

139
áreas urbanas, ainda que em situações diversas e complexas
como no caso dos diferentes bens tombados da Zona Leste de
São Paulo. Entretanto, dificilmente isso ocorre de forma es-
pontânea. A possibilidade real de desenvolvimento de ações
que articulem turismo, conservação do patrimônio e geração
de oportunidades para as comunidades locais dependerá do
contexto de cada localidade. O desafio está em concretizar
isso de acordo com o histórico, as relações sociais e as forças
estabelecidas em cada local. Diante disso, é necessária a pro-
moção da atividade de forma articulada com a realidade dos
moradores do entorno, de maneira a considerar as demandas
de conservação do patrimônio e os anseios e as necessidades
destas comunidades. Neste sentido, cabe destacar a importân-
cia de se propor ações e projetos que valorizem e dialoguem
com o conhecimento das populações locais, contribuam para
o enfretamento dos desafios atuais vividos por estas comu-
nidades, permitam o fortalecimento do trabalho coletivo e
ampliem as possibilidades para os moradores.
Ações que podem contribuir para o protagonismo das co-
munidades locais no desenvolvimento do turismo, a partir
dos patrimônios culturais:
• Mapeamento de grupos e coletivos que atuam no entorno
dos patrimônios, e também de como se dá a relação ou não
com o bem histórico.
• Planejamento de ações de educação patrimonial que apresen-
tem o local como um patrimônio vivo e disponível para o uso.
• Identificação de negócios já empreendidos por moradores
do entorno que podem ser trabalhados junto ao turismo
promovido no local.
• Mobilização dos moradores e comerciantes locais para a
participação das atividades vinculadas ao turismo, apresen-

140
tando esta atividade como mais uma alternativa para o es-
coamento dos produtos e para a complementação de renda.
• Promoção de conexões e articulações com as políticas pú-
blicas existentes, como, por exemplo, os Pontos de Cultura,
ou mesmo outras relacionadas ao desenvolvimento local.
• Desenvolvimento de roteiros que sempre combinem visitas
aos patrimônios e serviços oferecidos por moradores locais.
• Elaboração de roteiros voltados para instituições de ensi-
no públicas e privadas que abordem além das questões dos
patrimônios, as pautas das comunidades locais.
• Parceria com a SP Turis para a promoção da região da Zona
Leste como um destino turístico histórico-cultural da ci-
dade de São Paulo.

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Horizonte: Autêntica, 2013.

141
142
FICHA TÉCNICA DOS PATRIMÔNIOS
PESQUISADOS

CASA SEDE DO SÍTIO MIRIM


LOCALIZAÇÃO Rua Urutu, s/nº – Vila Jacuí – São Paulo/SP.
USO ORIGINAL Moradia, comércio e pousada.
USOS AO LONGO DO TEMPO Moradia, comércio, pousada e monu-
mento.
USO ATUAL Praça pública.
GESTOR Subprefeitura de São Miguel Paulista e Departamento
do Patrimônio Histórico de São Paulo – DPH.
UNIDADE DE CONSERVAÇÃO Lindeira à Área de Proteção Ambien-
tal (APA) da Várzea do rio Tietê – situada na Zona de Amor-
tecimento – criada pela Lei Estadual nº 5598, de 06 de janeiro
de 1987, e regulamentada pelo Decreto Estadual nº 42.837, de
03 de fevereiro de 1998, que estabeleceu o zoneamento am-
biental, as diretrizes para uso dos recursos naturais da área
e o Conselho Gestor da APA Várzea do Rio Tietê. Tal unidade
foi criada com o objetivo de proteger as várzeas e as planícies
aluvionares do Rio Tietê.

CAPELA DE SÃO MIGUEL


LOCALIZAÇÃO Praça Pe. Aleixo Monteiro Mafra – São Miguel
Paulista – São Paulo/SP.
USO ORIGINAL Capela.

143
USOS AO LONGO DO TEMPO Capela, abrigo, espaço cultural, mu-
seu e monumento.
USO ATUAL Capela e museu.
GESTOR Associação Cultural Beato José de Anchieta (ACBJA).
UNIDADE DE CONSERVAÇÃO Lindeira à Área de Proteção Ambien-
tal (APA) da Várzea do rio Tietê – situada na Zona de Amor-
tecimento – criada pela Lei Estadual nº 5598, de 06 de janeiro
de 1987, e regulamentada pelo Decreto Estadual nº 42.837, de
03 de fevereiro de 1998, que estabeleceu o zoneamento am-
biental, as diretrizes para uso dos recursos naturais da área
e o Conselho Gestor da APA Várzea do Rio Tietê. Tal unidade
foi criada com o objetivo de proteger as várzeas e as planícies
aluvionares do Rio Tietê.

CHÁCARA DA BIACICA
LOCALIZAÇÃO Estrada da Biacica, s/nº – Itaim Paulista – São
Paulo/SP.
PROTEÇÃO INCIDENTE tombada pelo Conpresp em 1994 (resolu-
ção nº 16/1994) e em 2004 incluída como Zona Especial de
Preservação Cultural (Zepec) no Plano Regional Estratégico
das Subprefeituras, incluindo sua área verde, a residência-se-
de e seus pertences.
PROJETO E CONSTRUÇÃO construída no século XVII com carac-
terísticas luso-brasileiras e adaptada na década de 1930, por
Levén Vampré, como residência de linhas neocoloniais para
uso de veraneio, acrescentando compartimentos laterais e
uma varanda central.
USO ORIGINAL Capela.
USOS AO LONGO DO TEMPO Sesmaria, fazenda, chácara de vera-
neio, capela e moradia
USO ATUAL em reformas; parque.

144
GESTOR Departamento de Águas e Energia Elétrica – DAEE.
UNIDADE DE CONSERVAÇÃO Situada na Área de Proteção Ambien-
tal (APA) da Várzea do rio Tietê, criada pela Lei Estadual nº
5598, de 06 de janeiro de 1987, e regulamentada pelo Decreto
Estadual nº 42.837, de 03 de fevereiro de 1998, que estabeleceu
o zoneamento ambiental, as diretrizes para uso dos recursos
naturais da área e o Conselho Gestor da APA Várzea do Rio
Tietê. Tal unidade foi criada com o objetivo de proteger as
várzeas e as planícies aluvionares do Rio Tietê. Situada tam-
bém no Parque Linear Várzeas do Tietê, núcleo Itaim Biacica,
implantado ao longo do rio Tietê, unindo o Parque Ecológico
do Tietê (localizado na Penha) e o Parque Nascentes do Tie-
tê (localizado em Salesópolis), o projeto foi apresentado pelo
DAEE em 20 de julho de 2010 e teve início em 2011. Para a
sustentabilidade ambiental e econômica do parque, serão
criadas unidades de conservação e desenvolvidas ações edu-
cativas. 

CASA DO CHEFE DA ESTAÇÃO (1930?)


LOCALIZAÇÃO Rua Antônio Carlos de Oliveira César, n° 97 – Ita-
quera – São Paulo/SP.
JUSTIFICATIVA único remanescente físico da estação ferroviá-
ria de Itaquera. Guarda semelhanças com o patrimônio ferro-
viário de outras cidades e constitui espaço importante para a
memória do bairro. Sedia atualmente a ‘Casa da Memória de
Itaquera’.
CATEGORIA patrimônio edificado/arquitetônico.
INFORMAÇÕES possui pedido de tombamento em esfera Muni-
cipal (Conpresp/Processo: 2003-0.071.077-8); este processo diz
respeito à um conjunto de três edificações do bairro.

145
CASARÃO SABBADO D’ANGELO
LOCALIZAÇÃO Rua Sabbado D’Angelo, n° 657 – Itaquera – São
Paulo/SP.
JUSTIFICATIVA Casarão que pertenceu ao industrial ítalo-pau-
lista Sabbado D’Angelo (dono da empresa Sudan, do ramo do
tabaco), importante indivíduo para a história do bairro e da
cidade de S. Paulo. Foi ocupado pela TFP durante anos, estan-
do atualmente desocupado.
CATEGORIA Patrimônio edificado/arquitetônico.
INFORMAÇÕES tombamento deferido em esfera estadual em
2015; posteriormente, neste mesmo ano a proprietária do
imóvel contestou o tombamento (Condephaat/Processo:
66563/2012). Possui pedido de tombamento aberto em esfera
municipal. (Conpresp/Processo: 2012-0.063.190-7).

ANTIGA SEDE DA FAZENDA FAMÍLIA MORGANTI OU CASA RAUL


SEIXAS

LOCALIZAÇÃO Rua Murmúrios da Tarde, n° 211 – Itaquera – São


Paulo/SP.
JUSTIFICATIVA instalada na área de uma antiga Fazenda, a edi-
ficação, que hoje abriga a Casa de Cultura Raul Seixas, é uma
das poucas lembranças referentes à condição rural do bairro.
Além disso, a Casa é hoje um dos destinos mais importantes
para o lazer do bairro.
CATEGORIA patrimônio edificado/arquitetônico.
INFORMAÇÕES processo de tombamento aberto em esfera muni-
cipal (Conpresp/Processo: 1996-0.032.864-1).

PARÓQUIA NOSSA SENHORA DO CARMO (1928)


LOCALIZAÇÃO Rua Flores do Piauí, n° 170 – Itaquera – São Paulo/
SP.

146
JUSTIFICATIVAUma das igrejas católicas do bairro com maior
atividade nos dias atuais. Sua inauguração tem grande im-
portância para um momento da história de Itaquera, pois
explica a consolidação de processos sociais e urbanos que
consolidaram a paisagem do bairro.
CATEGORIA Patrimônio edificado/arquitetônico – Não tombado.
INFORMAÇÕES por ser enquadrada como uma ZEPEC (Zona Es-
pecial de Preservação Cultural) no Plano Diretor foi aberto
processo de tombamento em esfera municipal (Conpresp/
Processo: 2015-0.243.300-8).

IGREJA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS DE


PENHA DE FRANÇA

LOCALIZAÇÃO Largo do Rosário, s/nº – Penha – São Paulo/SP.


PROTEÇÃO INCIDENTE Estadual – Condephaat de 1982 (Resolução
de tombamento: 23 de 4/5/82, Nº do Processo: 20776/79) e Mu-
nicipal – Conpresp de 1991 (tombamento “ex-offício” – Reso-
lução nº. 05/91).
CONSTRUÇÃO Pedido de ereção de 1802.
USO ORIGINAL Templo religioso da Irmandade do Rosário dos
Homens Pretos de Penha de França.
USO ATUAL Templo religioso da Diocese de São Miguel Paulista.
GESTOR Diocese de São Miguel Paulista – Cúria Metropolitana
de São Paulo.

ESCOLA ESTADUAL SANTOS DUMONT


LOCALIZAÇÃO Praça 8 de Setembro, nº 73 – Penha – São Paulo/SP.
PROTEÇÃO INCIDENTE Estadual – Condephaat em 2010 (Reso-
lução de tombamento: 60 de 21/07/2010, Nº do Processo:
24929/86) e Municipal – Conpresp em 2014 (tombamento “ex-
-offício” – Resolução Nº 29/Conpresp/2014).

147
CONSTRUÇÃO Inaugurada em 1913.
USO ORIGINAL Escola Pública Estadual.
USO ATUAL Escola Pública Estadual.
GESTOR Governo do Estado de São Paulo.

ESCOLA ESTADUAL NOSSA SENHORA DA PENHA


LOCALIZAÇÃO Rua Padre Benedito de Camargo, nº 762 – Penha
– São Paulo/SP.
PROTEÇÃO INCIDENTE Estadual – Condephaat em 2009 (Reso-
lução de tombamento: SC16, de 23.03.2009, Nº do Processo:
53412/06) e Municipal – Conpresp em 2015 (tombamento “ex-
-offício” – Resolução Nº 11/Conpresp/2015).
CONSTRUÇÃO Inaugurada em 1952.
USO ORIGINAL Escola Pública Estadual.
USO ATUAL Escola Pública Estadual e Centro de Estudo de Línguas.
GESTOR Governo do Estado de São Paulo.

VILA MARIA ZÉLIA


LOCALIZAÇÃO Rua Cachoeira, s/n. (Há registros como Rua dos
Prazeres, 326 (15/05/1917)) – Belenzinho – São Paulo/SP.
PROTEÇÃO INCIDENTE Municipal (Resolução no. 39/92 – Prefei-
tura de São Paulo).
Estadual (Processo: 24268/85).
PROJETO Paul Pedaurrieux (Posse de Jorge Street).
CONSTRUÇÃO 1912-1916 – Inaugurado em 1917.
USO ORIGINAL Residencial / Comercial / Serviço.
USOS AO LONGO DO TEMPO Residencial / Comercial / Serviços Pú-
blicos / Fábrica / Presídio.
USO ATUAL Residencial / Ocupação cultural.
GESTOR Particulares / Governo Federal (prédios do INSS – doa-
dos à Prefeitura).

148
CASA DO SÍTIO TATUAPÉ
LOCALIZAÇÃO Rua Guabiju, nº 65 – Tatuapé – São Paulo/SP.
PROTEÇÃO INCIDENTE Municipal (Resolução no. 22/04) / Esta-
dual (Processo: 00367/73) / Federal Tomb.: Iphan em 22/10/51.
Projeto: Não consta (Primeiro documento: Inventário de Ca-
tharina D’Orta).
CONSTRUÇÃO Segunda metade do século XVII (primeira refe-
rência 1698).
USO ORIGINAL Residencial / Propriedade agrícola.
USOS AO LONGO DO TEMPO Residencial / Propriedade agrícola /
Olaria / Tecelagem / Espaço cultural.
USO ATUAL Cultural.
GESTOR Museu da Cidade.

SEDE DO SÍTIO CAPÃO


LOCALIZAÇÃO Av. Regente Feijó, nº 1295 – Jardim Anália Franco
– São Paulo/SP.
PROTEÇÃO INCIDENTE Municipal (Resolução 5/91) / estadual
(Processo: 2071/78).
PROJETO Não localizado.
CONSTRUÇÃO Segunda metade do Século XVII (primeira refe-
rência 1698).
USO ORIGINAL Residencial / Propriedade agrícola.
USOS AO LONGO DO TEMPO Residencial / Propriedade agrícola /
educacional / Sítio arqueológico.
USO ATUAL Propriedade privada aberta a visitações mediante
agendamento.
GESTOR Particular.

149
150
NOTAS

1  Parece ser essa ideia articulada por Pierre Nora em seu texto sobre os
“lugares de memória”. NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática
dos lugares. Tradução: Yara Aun Khoury. Projeto História/Revista do Programa
de estudos pós-graduados em História. São Paulo: PUC, 1993, p. 7-28.

2  O que de modo algum, significa esvaziar o sentido histórico atrelado ao


que chamamos de “centro histórico”, muito menos anular a ideia de que ali
houve história. O ímpeto é outro! É, pois, buscar a complexidade e amplitude
da história de São Paulo, afastando-se do quadro que argumenta que aqui
houve história e acolá não.

3  E aqui estamos cientes das numerosas considerações pertinentes a serem


feitas. Nesta meditação cabe pontuarmos que não podemos responder a tais
inquietações com uma sanha por tombamentos (até porque passamos pela
densa leitura de François Hartog), é preciso repensar como esse passado,
que se expressa por tais vestígios, estará incorporado na contemporaneidade.
Para uma pertinente reflexão sobre o debate entre patrimonialização e usos
do passado, ver: SIQUEIRA, Lucília. A construção da memória, a ideia de
patrimônio histórico e o ofício do historiador. In: LEAL, Elisabete; PAIVA, Odair
da Cruz. (Orgs.) Patrimônio e história. Londrina: Unifil, 2014, p. 63-71.

Outra pertinente leitura sobre esta questão: MENESES, Ulpiano Toledo B.


de. A crise da memória, história e documento: reflexões para um tempo de
transformações. In: SILVA, Zélia Lopes da (Org.) Arquivos, patrimônio e memória:
trajetórias e perspectivas. São Paulo: Unesp; Fapesp, 1999.

4  AZEVEDO, Aroldo Edgar de. Subúrbios orientais de São Paulo. 1945. Tese
(Doutorado em Geografia do Brasil)-Universidade de São Paulo, São Paulo,
1945. p. 57.

5  É oportuno pontuar que somente em 27 de dezembro de 1920, Itaquera


é alçada à condição de distrito pela Lei Estadual N°1756. Com isso, a área
deixava de integrar a denominada “zona rural” de São Paulo, como figura em
alguns documentos.

151
6  A demolição da estação ocorreu em 2004, devido às obras para a
ampliação da via Radial Leste. O desaparecimento físico da edificação foi
documentada pelo fotógrafo e cineasta João Luiz de Brito, que a partir daí
produziu o peculiar curta “Trilhos da Memória”. Disponível em: <https://youtu.
be/RsOeQ4Bw7E0>. Acesso em: 20 set. 2016.

7  Sobre isso ver: KÜHL, Beatriz M. Arquitetura do ferro e arquitetura


ferroviária em São Paulo: reflexões sobre a sua preservação. São Paulo: Ateliê
Editorial/Fapesp/Secretaria da Cultura, 1998.

8  PATTO, Maria Helena Souza. Estado, ciência e política na Primeira


República: a desqualificação dos pobres. Estudos Avançados [online]. v.
13, n.35, p.167-98. 1999. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-
40141999000100017>. Acesso em: 20 set. 2016.

9  AZEVEDO, Aroldo Edgar de. Op. cit., p.97.

10  Aroldo de Azevedo nos fala de uma “bela propriedade agrícola – a


Fazenda da Refinadora Paulista, S.A., pertencente à família Morganti, com culturas
variadas (frutas, cana, milho) e nada menos de um milhão de eucaliptos” – sendo, muito
provavelmente, uma referência do geógrafo à área em que hoje está instalado
o parque. AZEVEDO, Aroldo Edgar de. Op. cit., p.115.

11  Conpresp. Resolução n°33. São Paulo: Conselho Municipal de


Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São
Paulo; Secretaria Municipal de Cultura, 2015.

12  O acervo fotográfico arrolado por João Luiz Brito Neto e Ana Alexandria
(moradores do bairro) ao longo de anos, documenta essa dispersão na
paisagem de Itaquera.

13  Para uma discussão mais focalizada na trajetória de D’Angelo


considerando sua inter-relação com a cidade de São Paulo (sobretudo
Itaquera e região) ver o segundo capítulo de meu Trabalho de Conclusão de
Curso. In: COSTA, Lucas Florêncio. Um Sabbado em Itaquera: a trajetória do
industrial Sabbado D’Angelo e sua relação com a cidade de São Paulo. 2015.
Monografia (Graduação em História)-Escola de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos.

14  Sobre a TFP, indica-se: ZANOTTO, Gizele. Tradição, família e propriedade


(TFP): as idiossincrasias de um movimento católico (1960-1995). 2007. Tese
(Doutorado em História Cultural)-Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007.

15  Pelo que se conseguiu averiguar, atualmente o casarão está sob posse da
Associação Aliança de Fátima, denominação do grupo religioso fundado por
João Scognamiglio. Esta associação denomina-se também como “Arautos do

152
Evangelho” ou “Arautos do III milênio” e resulta-se de uma dissidência da TFP.

16  Condephaat, Comunicado. Diário Oficial do Estado, 26 de agosto de 2015,


p. 44.

17  Conpresp. Resolução n°32. São Paulo: Conselho Municipal de


Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São
Paulo; Secretaria Municipal de Cultura, 2015.

18  Livro de despesas – Igreja Nossa Senhora do Carmo, L.1, p.12, 1930.

19  Esta resolução visa “adotar medidas de proteção provisória, por


intermédio da abertura de processo de tombamento, para os imóveis
propostos para enquadramento como Zonas Especiais de Preservação
Cultural (ZEPEC), de que trata o Projeto de Lei de Zoneamento (PL 272/2015)”
uma vez que se parte da consideração de que “os imóveis indicados são
reconhecidos como portadores de valor histórico, simbólico ou cultural
pelas comunidades locais.” Conpresp. Resolução n°22 São Paulo: Conselho
Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da
Cidade de São Paulo; Secretaria Municipal de Cultura, 2015.

20  VARINE, Hugues de. As raízes do futuro: o patrimônio a serviço do


desenvolvimento local. Tradução de Maria de Lourdes Parreiras Horta. Porto
Alegre: Medianiz, 2012.

21  Os bens referidos possuem estudo de tombamento em processo junto


ao Conpresp; e mesmo com o pedido de tombamento inconcluso, julgo que
esta condição já demonstra a indicação de certa importância cultural dos
bens, uma vez que expressa o reconhecimento da importância cultural, ainda
que relativa, destes pela sociedade – e mesmo porque essa condição (do
estudo de tombamento em processo) já estabelece uma ressalva a qualquer
intervenção na edificação.

22  Até porque a preservação de um bem sempre está a beijar as mãos de


uma mentalidade, de uma específica narrativa. GARCIA CANCLINI, Néstor. O
porvir do passado. In: _____. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair
da modernidade. 4. ed. São Paulo: Edusp, 2008, p. 165-70.

23  Maria Londres Fonseca conduz uma discussão essencial sobre as


relações entre o conceito de patrimônio e a ação preservacionista, apontando
posturas e reflexões essenciais para o aprofundamento da preservação
cultural. FONSECA, Maria Cecília Londres. Para além da pedra e cal: por
uma concepção ampla de patrimônio. In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mário
(Orgs.) Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lamparina, 2009. p. 59-79.

24  OLIVEIRA, Filipe Vieira de. Itaquera para quem? Projetos urbanos e

153
mudanças socioespaciais na periferia de São Paulo. 2015. Dissertação
(Mestrado em Mudança Social e Participação Política) – Escola de Artes,
Ciências e Humanidades – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.

25  Destaco a produção de dois curtas metragens sobre Itaquera, intitulados


“Pedra Velha” e “Trilhos da Memória”, ambos disponíveis online (este segundo
já referenciado).

26  A relação entre ação preservacionista e o espreitar da perda material de


um patrimônio influenciou diversos encaminhamentos de tombamento. Um
caso realmente expressivo disso é o do tombamento do Vale do Anhangabaú,
1992, pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico,
Cultural e Ambiental – Conpresp. Aqui, indica-se a leitura da dissertação de
Mestrado de Luís Gustavo Ferreira, sobretudo os capítulos II e III. FERREIRA,
Luís Gustavo Pereira. Emoldurando o cartão postal através do qual se conhece São
Paulo: poder, hegemonia e conflito no tombamento do Vale do Anhangabaú
(1990-2000). 2015. Dissertação (Mestrado em História) -Escola de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos,
2015.

27  Curiosamente, este pedido de tombamento se referia, inicialmente, à


estação ferroviária de Itaquera, existente à época de autuação do processo,
abril de 2003. Como já exposto a estação foi demolida no ano seguinte.

28  Atas das 621° e 622° reuniões do Conpresp, ocorridas em 24 de


novembro e 8 de dezembro de 2015.

29  Uma discussão essencial a respeito de um dos instrumentos mais


difundidos da ação preservacionista, o tombamento, e sua dimensão
jurídica está em: MATEUS, Eliane Elias. A proteção do patrimônio cultural
e o tombamento. Leopoldianum: Revista de Estudos e Comunicações da
Universidade Católica de Santos, Santos, n. 93, jan.-ago. 2008, p.117-34.

30  Embora não seja objetivo deste texto aprofundar-se na discussão sobre
restauro indica-se a leitura: KÜHL, Beatriz Mugayar. Restauração: Eugène
Emmanuel Viollet-le-Duc. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000.

31  As intervenções físicas no bem, assim como sua gestão partem de um


acordo entre a Subprefeitura de Itaquera com a Universidade Camilo Castelo
Branco (Unicastelo), instalada no bairro desde junho de 1989. Cf Unicastelo.
Plano pedagógico de Curso – História. São Paulo: Universidade Camilo Castelo
Branco, 2014.

32  O surgimento da ideia contemporânea de patrimônio na França pós-


revolucionária, consagrava ao patrimônio nacional uma função educacional,
de instrução da sociedade. Com o passar do tempo e o avanço da discussão
patrimonial esta concepção se modificou de forma evidente. Contudo,

154
ainda hoje, muitas vezes, essa primordial acepção figura como argumento
único para a salvaguarda do Patrimônio. Cf. CHOAY, Françoise. A alegoria do
patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.

33  FONSECA, Maria Cecília Londres. Op. cit., p.63-5.

34  As cartas patrimoniais estão disponíveis ao acesso na página do Instituto


do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan).

35  FONSECA, Maria Cecília Londres. Op. cit., p.65-66.

36  O projeto de Lei 17, de proposição do então vereador, Toninho Vespoli,


propunha “a declaração de utilidade pública (d)o imóvel localizado na Rua
Sabbado D’Angelo, nº 657, distrito de Itaquera (o casarão) para construção de
equipamento cultural.” O PL foi protocolado em fevereiro de 2015, criando o
processo 01-17/2015.

37  GARCIA CANCLINI, Néstor. Op. cit., p. 165-70.

38  ARROYO, Leonardo. Igrejas de São Paulo. Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio, 1954. p. 171. (Coleção Documentos Brasileiros, 81).

39  BOMTEMPI, Sylvio. O bairro da Penha: Penha de França – sesmaria de


Nossa Senhora. São Paulo: Prefeitura do Município de São Paulo, Secretaria
de Educação Cultura, 1969. p. 31.

40  ARROYO, op. cit., p.174.

41  Ibidem, p.176

42  ZEMELLA, Mafalda P. O abastecimento da capitania de Minas Gerais no século


XVIII. 2. ed. São Paulo: Hucitec, Ed. da Universidade de São Paulo, 1990. p. 113.

43  QUINTÃO, Antônia Aparecida. As irmandades negras: outro espaço de luta e


resistência – São Paulo (1870-1890). São Paulo: Annablume, FAPESP, 2002. p.
73.

44  MOREIRA, Carlos Eduardo et. al. Cidades negras: africanos, crioulos e
espaços urbanos no Brasil do século XIX. São Paulo: Alameda, 2006. p. 104-6.

45  SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista: história da Festa
de Coroação do Rei do Congo. Belo Horizonte: UFMG, 2002. p. 149.

46  KIDDY, Elizabeth. Quem é o Rei do Congo? Um novo olhar sobre os reis
africanos e afro-brasileiros no Brasil. In: HEYWOOD, Linda. (Org.). Diáspora
africana no Brasil. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2012. p. 165.

47  QUINTÃO (2002, p. 39).

155
48  SOUZA (2002, p. 163).

49  Auttos de Capella de Nossa Senhora do Rozario a favor dos Pretos Irmãos da mesma
Senhora na Freguesia da Penha de França.

50  Termo de abertura dos autos de ereção da capela de Nossa Senhora do Rosário dos
Pretos, pelo escrivão Padre Antonio [Paes] de Camargo, na câmara episcopal da cidade de
São Paulo, 16/06/1802. (Livro 1-2-3, folha 213, Arquivo da Cúria Metropolitana de
São Paulo) – Segue trecho do documento transcrito por Judie Abrahim:

“Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil oitocentos, e dois


aos dezeseis dias do mez de Junho do ditto an no nesta Cidade de Sam Paulo
em o Cartorio da Camera Episcopal della, onde eu Escrevente juramentado
ao diante nomeado me achava, e Sendo ahy por parte doz Supplicantes
Supra me foi apresentada huma petição com o Despacho de Sua Excellencia
Reverendissima: em cuja observancia, por bem do meo officio tomei, preparei,
auttuei, e aqui [ajuntei] e tudo hé o que se segue: de que fiz este termo. E eu o
Padre Antonio [Paes] de Camargo o escrevy”.

Requerimento da irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos para ereção de uma
capela na forma do estilo, na Freguesia da Penha, com despacho dado no Paço Episcopal
de 15/06/1802. (Livro 1-2-3, folha 2014, Arquivo da Cúria Metropolitana de São
Paulo). Segue trecho do documento transcrito por Judie Abrahim:

“Dizem os prettos Irmãons da Irmandade da Senhora do Rozario Citta na


nova Freguesia da Senhora da Penha deste Bispado, que elles Supplicantes
dezejão Erigir, e fundar huma Cappella para nella melhor exercitarem os [lou]
vores da May de Deus; e feita que Seja a dita Cappella, Constituirem-lhe o
Patrimonio do estillo Suficientemente para a Conservação da mesma Cappella
com a decençia devida, o que não podem os Supplicantes ComSeguir Sem
o beneplacito de Vossa Excelencia Reverendíssima mandando-lhe passar
a Provisam de Erecção na forma do estillo para a vista della Se examinar,
e eleger com aSistencia do Reverendo Parocho daquella Freguesia o lugar
Comodo, e Suficiente, na forma da Ley para nelle Se fundar a Cappella para
tanto”.

51  Livro de Assento da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos de Penha


de França. Arquivo Diocesano de São Miguel Paulista, (SM0701).

52  TABRAJ, Marcelo Barzola. A romanização da igreja católica no Brasil. In:


SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTÓRIA, SOCIEDADE E
EDUCAÇÃO NO BRASIL, 4., 1997, Campinas, SP. Anais... Campinas: [s.i.], 1997.
p. 582.

53  Livro de Tombo da Paróquia de Nossa Senhora da Penha. Arquivo


Diocesano de São Miguel Paulista, Livro SM0695.

156
54  Idem, folha 04.

55  Idem, folha 14 (verso).

56  Idem, folha 10 (verso) e folha 11.

57  ARROYO, op. cit., p. 374.

58  SANTOS, Carlos José Ferreira. Igreja e Largo do Rosário dos Homens
Pretos da Penha: história e cultura de resistência. In: Recados: memória das
relações entre a comunidade e o patrimônio. São Paulo: Movimento Cultural
Penha, 2011. p. 33.

59  Condephaat – Número do Processo: 20776/79; Resolução de


Tombamento: 23 de 4/5/82.

60  Conpresp – Tombamento “ex-0fficio” – Resolução nº. 05/91.

61  ALMEIDA, Patrícia Freire de; MARCELINO, Júlio César José. Recados:
memórias das relações entre a comunidade e o patrimônio. In: RECADOS:
memórias das relações entre a comunidade e o patrimônio. São Paulo:
Movimento Cultural Penha, 2011, p.41-49.

62  SANTOS, Carlos José Ferreira dos. Nem tudo era italiano: São Paulo e
pobreza. São Paulo: Annablume, 1998. p. 126.

63  COSTA, Jéssica; FIALHO, Rafael. Feira Cultural Pueblo Andino: espaço de
convivência e resgate cultural, 2015, p.21. Programa Jovem Monitor/a Cultural.

64  SILVA, Sidney A. da. Bolivianos em São Paulo: dinâmica cultural e


processos identitários. In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração boliviana no
Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População-Nepo/Unicamp; Fapesp;
CNPq; Unfpa, 2012.

65  Condephaat – Número do Processo: 24929/86, Resolução do


Tombamento: 60 de 21/07/2010. Conpresp – tombamento “ex-officio” –
Resolução Nº29/Conpresp/2014.

66  Condephaat – Número do Processo : 53412/06, Resolução de


Tombamento: SC 16, de 23.03.2009. Conpresp – tombamento “ex-officio” –
Resolução Nº11/Conpresp/2015.

67  LINGUITTI, Hedemir. Penha de ontem e de hoje. [São Paulo]: do autor, 1970. p.
445. (material datilografado). Acervo do Movimento Cultural Penha.

68  HISTÓRIA Demográfica do Município de São Paulo. Tabelas: População


nos anos de Levantamento Censitário. Disponível em: <http://smdu.prefeitura.
sp.gov.br/historico_demografico/tabelas/pop_brasil.php>. Acesso em: 05 out.

157
2016.

69  CARVALHO, Telma Cristina Pichioli de. Arquitetura escolar inclusiva:


construindo espaços para a educação infantil. 2008. Tese (Doutorado em
Arquitetura, Urbanismo e Tecnologia)-Escola de Engenharia de São Carlos,
Universidade de São Paulo, São Carlos, 2008. p. 41-8.

70  ABREU, Ivanir Reis Neves. Convênio escolar: utopia construída. 2007.
Dissertação (Mestrado em Projeto de Arquitetura)-Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. p. 202.

71  ABREU, 2007, p.64.

72  HISTÓRIA Demográfica do Município de São Paulo. Tabelas: População


nos anos de Levantamento Censitário. Disponível em: <http://smdu.prefeitura.
sp.gov.br/historico_demografico/tabelas/pop_dist.php>. Acesso em: 27 set.
2016.

73  ABREU, 2007, p.117.

74  DUARTE, Hélio. O problema escolar e a arquitetura. Revista Habitat, São


Paulo, v. 4, 1951, p. 5.

75  O depoimento, que carece de referências exatas, se encontra em


TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. História dos bairros de São Paulo: o
bairro do Brás. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1985. p.106.

76  SAES, Flávio Azevedo Marques de Oliveira. O estado de São Paulo no


século XX: café, indústria e finanças na dinâmica da economia paulista. In:
ODALIA, Nilo; CALDEIRA, João Ricardo de Castro (Orgs.). História do estado de
São Paulo: a formação da unidade paulista. São Paulo: Unesp; Imprensa Oficial;
Arquivo Público do Estado, 2010. p. 20.

77  BORGES, Barsanufo Gomides. Ferrovia e modernidade. Revista UFG,


Goiânia, ano XIII, n. 11, 2011, p. 31. Disponível em: <http://www.proec.ufg.br/
revista_ufg/dezembro2011/arquivos_pdf/dossie_ferrovia.pdf>. Acesso em: 17
out. 2016.

78  SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo – sociedade e


cultura nos fermentes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 118.

79  ZANNETINI, Paulo Eduardo. Maloqueiros e seus palácios de barro: o cotidiano


doméstico na casa bandeirista, 2005. Tese (Doutorado em Arqueologia) –
Museu de Arqueologia e Etnografia, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2006. p.103.

80  GAGLIARDI, V. L. A casa grande do Tatuapé. São Paulo: Secretaria Municipal


de Cultura, 1983. p.15.

158
81  Para efeito de leitura, será empregada a sigla Phan para representar a
instância federal de tombamento, uma vez que, em diferentes fases, esta foi
apresentada em diferentes nominações.

82  PAIVA, Odair da Cruz. Políticas de colonização em São Paulo (1890-1945).


Núcleos coloniais e áreas de colonização: subsídios à grande propriedade. In:
ODALIA, Nilo; CALDEIRA, João Ricardo de Castro (Orgs.). História do estado de
São Paulo: a formação da unidade paulista. São Paulo: Unesp; Imprensa Oficial;
Arquivo Público do Estado, 2010. p. 104.

83  Em defesa da casa dos bandeirantes. Folha de S. Paulo, São Paulo, 22 jun.
1977.

84  MAYUMI, Lia. Taipa, canela preta e concreto: um estudo sobre a restauração
de casas bandeiristas em São Paulo. 2006. Tese (Doutorado em Estruturas
Ambientais Urbanas)-Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2006. p. 229.

85  Iphan: Tombamento em 22/10/51.

86  Condephaat: Tombamento nr. 00367/73.

87  Iphan: Tombamento em 22/10/51.

88  SIMÃO, Maria Cristina Rocha. Preservação do patrimônio cultural em cidades.


Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 69.

89  Dados divulgados pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas (Fipe)


em parceria com Zap Imóveis, março/2013. Disponível em: <https://www.
terra.com.br/economia/infograficos/preco-metro-quadrado-sp/>. Acesso em:
17 out. 2016.

90  ZANNETINI, Paulo Eduardo. Maloqueiros e seus palácios de barro: o cotidiano


doméstico na casa bandeirista, 2005. Tese (Doutorado em Arqueologia)–
Museu de Arqueologia e Etnografia, Universidade de São Paulo. São Paulo,
2006. p. 93.

91  PEDRO, A.; et al. O uso eficiente do Termo de Ajustamento de Conduta para solução
de conflitos ambientais: análise de casos concretos. Disponível em: <http://www.
ambientelegal.com.br/resolucao-de-conflitos-ambientais/>. Acesso em: 17
out. 2016.

92  Condephaat: Tombamento nr. 2071/78.

93  Importante fazer justiça ao documento por ser a primeira iniciativa que
propunha roteiros voltados ao bairro, sendo amplamente distribuído nas
Centrais de Informações Turísticas da Prefeitura.

159
94  Caderno Metrópole, São Paulo, n.6, p. 91.

95  ZICHELLE, Rodrigo. Estudo da verticalização no bairro Jardim Anália Franco


no município de São Paulo: o uso do SIG como apoio a análise espacial. 2010.
Dissertação (Mestrado em Geografia Humana)-Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. p. 126.

96  SIMÃO, Maria Cristina Rocha. Preservação do patrimônio cultural em cidades.


Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 80.

97  Parte dessa investida do mercado imobiliário é acentuada por fatores


facilitadores, como a possibilidade de compra de terrenos industriais de
grande porte e normalmente pertencente a um único dono, ou diante das
impossibilidades de adequação dos patrimônios residenciais para, por
exemplo, a instalação de garagens, uma vez que a dependência do modal
se faz muito presente na região, dando abrigo a grandes condomínios
residenciais.

98  MARCOS Eduardo da Rocha; SQUARIZI, Luciana. Vila Maria Zélia: o


processo de deteriorização do patrimônio histórico de uma das principais
vilas operárias do país. Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 48, 2015.

99  VIEIRA, Ronaldo da Mota. A Vila Maria Zélia: interesses, interessados e


ponto de vista divergentes sobre sua conservação. Educação, Gestão e Sociedade:
revista da Faculdade Eça de Queirós, Jandira, ano 4, n. 13, p. 2, fev. 2014.

100  CADERNO Vila Maria Zélia. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado,
2015. p. 12. Disponível em:http://www.cultura.sp.gov.br/StaticFiles/SEC/
Condephaat/Bens%20Tombados/CadernoVilaMariaZelia.pdf. Acesso em: 17
out. 2016.

101  Conceito adotado pela autora.

102  Sobre o conceito de comunidade cabe citar Mocellim: “a palavra


comunidade sugere uma forma de relacionamento caracterizada por altos
graus de intimidade, vínculos emocionais, comprometimento moral e coesão
social; e não se trata apenas de um vínculo passageiro”. (2011, p. 106). O
autor apresenta ainda a importância do tempo e espaço no entendimento do
conceito: “As relações caracterizadas como comunidade têm sua continuidade
no tempo. O espaço também é importante na caracterização da comunidade,
pois esta é localizada e envolve vínculos de proximidade espacial, tanto quanto
de proximidade emocional” (MOCELLIM, 2011, p. 106).

103  A São Paulo Turismo (SPTuris) é a empresa oficial de turismo e eventos


da cidade de São Paulo. Sua missão é posicionar e promover a cidade como
a capital dos negócios, conhecimento e entretenimento da América Latina,
destacando seu caráter vanguardista e cultural. Disponível em: <http://www.

160
spturis.com/v7/quemsomos.php>. Acesso em: 10 out. 2016.

104  Disponível em: <http://www.cidadedesaopaulo.com/sp/br/o-que-visitar/


roteiros/roteiros-tematicos/zona-leste>. Acesso em: 10 out. 2016.

105  Disponível em: <http://patrimoniohistorico.prefeitura.sp.gov.br/


conheca-o-patrimonio-historico-da-penha-uma-das-primeiras-freguesias-
da-cidade/>. Acesso em: 8 jul. 2016.

106  Projeto Sítio Arqueológico Mirim, desenvolvido, em 2015, pelo


Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura Municipal de São Paulo.

107  Formado por moradores do bairro e região, principalmente por


mulheres.

108  O Sarau Urutu é um sarau de resistência. Realizado em rua homônima


localizada à margem da linha safira da Cptm, surge no momento em que os
moradores – migrantes nordestinos que ocuparam aquelas terras e ergueram
suas casas às próprias custas – recebem a notícia de desapropriação para a
construção de uma nova estação de trem. O Sarau Urutu existe como forma
de assembleia poética, trazendo reflexões de ordem pública ao cotidiano
daquele beco periférico na cidade. Disponível em: <https://www.facebook.
com/events/577205079107419/>. Acesso em: 10 out. 2016.

161
162
PESQUISADORES

PATRÍCIA FREIRE DE ALMEIDA


Formada em História pela Universidade Cruzeiro do Sul.
Atualmente é pesquisadora e agente cultural do Movimento
Cultural Penha, ONG pela qual é coautora dos livros: Recados
– Memória das relações entre a Comunidade e o Patrimônio
e Movimentações pela Cultura, painel dos movimentos de
cultura da zona leste 1980-1990. Atua como cenógrafa, figu-
rinista, produtora e pesquisadora. Desde 2005 integra a Co-
missão do Rosário dos Homens Pretos da Penha. É membro
do Angana – Núcleo de Pesquisas e Educação Patrimonial em
Territórios Negros em São Paulo e do Grupo Ururay – Patri-
mônio Cultural.

MONICA MANTOVANI GOULART


Historiadora, graduada pela Universidade de São Paulo e
Guia de Turismo credenciada pelo Ministério do Turismo. Na
área de Educação Formal já atuou como professora de Histó-
ria efetiva da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo,
e Coordenadora Pedagógica na Rede Municipal de Ensino de
Taboão da Serra. Na área de Educação não-formal foi Educa-
dora do Catavento Cultural e Educacional da Secretaria do
Estado da Cultura, e Assessora Técnica Cultural da Fundação

163
Butantã em São Paulo. Atualmente cursa pós-graduação Lato
Sensu em História, Sociedade e Cultura na Pontifícia Univer-
sidade Católica de São Paulo; é membro do Angana – Núcleo
de Pesquisas e Educação Patrimonial em Territórios Negros
em São Paulo e do Grupo Ururay – Patrimônio Cultural.

LUCAS FLORÊNCIO COSTA


Graduando em História pela Universidade Federal de São
Paulo, já participou de alguns projetos expográficos (na con-
cepção e pesquisa das exposições); trabalhou como mediador/
educador patrimonial em Museu e desde 2014 vem partici-
pando de alguns projetos vinculados à questão patrimonial,
realizando levantamento histórico, pesquisas e outras ações.
É membro do Grupo Ururay – Patrimônio Cultural.

DANILO DA COSTA MORCELLI


Danilo é pesquisador, bacharel em Gestão Ambiental (2010)
pela Escola de Artes Ciências e Humanidades da Univer-
sidade de São Paulo (Each-USP) e Mestre em Ciências, pelo
programa de Mudança Social e Participação Política (2013)
da Each-USP. Desenvolve uma série de trabalhos na Zona Les-
te de São Paulo, atuando em diversos grupos da região. Tem
especial interesse na inter-relação dos temas relacionados à
Paisagem, Patrimônio e Memória. Atua desde 2012 no Grupo
de Memória da Zona Leste de São Paulo e desde 2014 participa
do Grupo Ururay – Patrimônio Cultural.

MAURICIO DIAS DUARTE


Historiador formado pela Universidade Federal de São Paulo,
já atuou na área de pesquisa junto ao Programa de Educação
Tutorial (PET) tendo desenvolvido projetos junto a institui-

164
ções públicas e particulares na modalidade extensão. Na área
de preservação documental, realizou projetos junto à Funda-
ção de Energia e Saneamento para trato e desenvolvimento
de ferramentas de pesquisa no Acervo Histórico da Sabesp. É
membro do Grupo Ururay – Patrimônio Cultural.

NEIDE APARECIDA DE FREITAS


Bacharel em Biblioteconomia pelo Centro Universitário As-
sunção – Unifai desde 2011 tem trabalhado com acervos par-
ticulares e centros de documentação de diversos assuntos.
Atualmente dedica-se a trabalhar pela preservação da memó-
ria na região leste da capital junto do Grupo Ururay – Patri-
mônio Cultural.

ALESSANDRA BLENGINI MASTROCINQUE MARTINS


Bacharel em Turismo pela Pontifícia Universidade Católica
de Campinas e mestre em Ciências pelo Programa de Mu-
dança Social e Participação Política da Universidade de São
Paulo. Atua, desde 2005, como educadora da área de Turismo
e Hospitalidade, vinculada ao Centro Paula Souza (Governo
do Estado de São Paulo). Atualmente integra a equipe técnica
do Instituto Nova União da Arte e desenvolve trabalhos jun-
to a jovens da região de São Miguel Paulista, Zona Leste de
São Paulo. Possui experiência em gestão de projetos turísticos
com foco socioambiental, tendo participado dos seguintes
trabalhos: Experiências de Turismo de Base Comunitária do
Vale do Ribeira/SP, Promoção de Direitos de Crianças e Ado-
lescentes em Comunidades Turísticas, Programa de Capaci-
tação de Monitores Ambientais e Ecoturismo nas Reservas
Extrativistas do Vale do Guaporé/RO.

165
166
COPATROCÍNIO E REALIZAÇÃO

Prefeitura de São Paulo


Prefeito Fernando Haddad

Secretaria Municipal de Cultura


Secretária Maria do Rosário Ramalho
Secretário-adjunto Maurício Dantas
Chefe de Gabinete Rossella Rossetto

Movimento Cultural Penha


Rua Pio X, 15, Penha de França
CEP 03632-070 São Paulo – SP
movimentoculturalpenha@gmail.com
Tel (55 11) 2306-3369

Diretor Executivo Altair dos Santos Francisco


Diretor de Finança Margareth Rodrigues Cardozo
Diretor Administrativo Neuza de Lima
Diretor de Projetos Sônia Maria Bonici

Grupo Ururay – Patrimônio Cultural


ururay.patrimonioleste@gmail.com
http://ururaypatrimoniocultural.blogspot.com.br

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AGRADECIMENTO AOS COLABORADORES E
ENTREVISTADOS

AEP
Ana Alexandria
Antonio Luiz Cardoso
Aparício Rosário de Oliveira
Comissão da Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha de França
Diego Monteiro
Diógenes Rodrigues de Sousa
Dóris, da Associação Cultural Vila Maria Zélia
Educativo do Museu da Cidade de São Paulo
Eliton J. dos Santos, zelador da Igreja do Rosário da Penha
Eloisio Assis de Sousa “Toninho”
Emanuel (Manulo) da Silva Reis
Equipe da Capela de São Miguel Paulista
Equipe do Arquivo Diocesano de São Miguel Paulista
Filipe Vieira de Oliveira
Francisco Ferreira Menezes
Funcionários do Departamento do Patrimônio Histórico
Funcionários e Diretor Marcelo Antônio Chaves do Centro de Difusão e Apoio à
Pesquisa do Arquivo do Estado de São Paulo
Gabriel Silva, Coordenador pedagógico da E.E.N.S. da Penha
Grupo XIX de Teatro
Instituto Memórias do Brasil
João Luiz de Brito
Jocely Leite, Diretora da E.E.N.S. da Penha
José Artur da Silva Emim, Coordenador do Curso de Graduação em Farmácia da
Unicsul-Anália Franco
Judie K. Pimenta Abrahim (paleógrafa)
Julio Cesar J. Marcelino, Diretor do Centro Cultural da Penha
Louise L. Ferreira da Silva
Lucia Cardoso Juliani
Luiz Fernando Marques
Manoela Rossinetti Rufinoni
Marcello Nascimento de Jesus

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Márcio Pozzer
Mariana de Oliveira Silva
Marta Maria Alcione Pereira, Coordenadora da UGP-Várzeas, DAEE
Mônica Isabel de S. Oliveira, Diretora da E.E. Santos Dumont
Nabil Bonduki
Nádia Somekh, Diretora do Departamento do Patrimônio Histórico e Presidente do
Conpresp
Nara Catarina Netto Silva
Nova União da Arte – NUA
Paulo Zanettini
Ruy Barbosa Silva
Sergio Toccacelli
Thabata Lima Arruda
Viveiro-Escola de União de Vila Nova
Yasmin Darviche
Zilton Michiles, Ornatos N. S. da Penha

O COPATROCÍNIO JUNTO A SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA


PARA VIABILIZAÇÃO DO LIVRO FOI POSSÍVEL POR MEIO DA EMENDA
PARLAMENTAR DE 2015 DO VEREADOR NABIL BONDUKI.

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