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- 2011 -
CORAG – Companhia Rio-grandense de Artes Gráficas
Diretor-presidente:
Homero Alves Paim
Diretor Administrativo-financeiro:
Dorvalino Santana Alvarez
Diretor Industrial:
Antônio Alexis Trescastro da Silva
Revisão:
Greice Zenker Peixoto
Diagramação:
Lilian Lopes Martins - Corag
Dados Técnicos:
Maria Helena Bueno Gargioni
Impressão:
CORAG - Companhia Rio-grandense de Artes Gráficas
Tiragem: 1000 exemplares
2011
CDU 94(816.5)
Governador do Estado do Rio Grande do Sul
Tarso Genro
Secretário de Estado da Cultura
Luiz Antonio de Assis Brasil
Presidente da Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore
Rodi Pedro Borghetti
Diretor da Faculdade Porto-Alegrense (FAPA)
Darci Sanfelici
Organizadores
Sandra da Silva Careli
Luiz Claudio Knierim
Autores
Ana Regina Falkembach Simão
Arthur Lima de Avila
Edison Bisso Cruxen
Jorge Euzébio Assumpção
Luís Fernando da Silva Laroque
Marcia Eckert Miranda
Paulo Roberto de Fraga Cirne
Raul Rebello Vital Junior
René E. Gertz
Ricardo Arthur Fitz
Sérgio Roberto Rocha da Silva
Véra Lucia Maciel Barroso
APRESENTAÇÃO
Claudio Knierim
Sandra da Silva Careli
SUMÁRIO
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representavam os interesses das famílias dos nativos.1 Nos as-
pectos relacionados a situações envolvendo distintos grupos
étnicos, bem como alianças, guerra e reatualizações culturais,
tem-se os estudos de Barth ([1969] 2000), Clastres (1987),
Sahlins (1990) Vainfas (1995) e Viveiros de Castro (2002).
O presente capítulo procura considerar as categorias ter-
ritoriais que faziam parte da historicidade geográfica dos Char-
rua/Minuano, Guarani e Kaingang, os quais respectivamente
envolvem territórios mesopotâmios, guarás e bacias hidrográfi-
cas. Fundamentação para isto são os trabalhos de Seeger e Cas-
tro (1979) e Ramos (1988). Este autor enfatiza que a concepção
de limite territorial não é estranha às sociedades nativas, mas
sim “o sentido de exclusividade e de policiamento de um ter-
ritório” nos moldes concebidos pela Sociedade Colonial e Na-
cional brasileira (RAMOS, 1988, p.14). Frente a isso, situações
envolvendo territorialidades das populações indígenas, por um
lado, extrapolam ao longe a geografia do Rio Grande do Sul e,
por outro, suas concepções de fronteiras eram bastante fluidas,
porque, embora guerreando entre si, esses grupos conviveram
em um mesmo território antes mesmo da chegada dos ibéricos.
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Tradição Arqueológica Vieira, construtora dos “cerritos”. Per-
tenciam a um mesmo tronco linguístico, mas não está claro se
falavam a mesma língua ou dialetos diferentes.
Nas primeiras décadas do século XVI, as expedições
sobre os territórios Charrua/Minuano foram esporádicas.
Entretanto, a partir de meados deste mesmo século e primei-
ras décadas do século XVII, os interesses das Coroas Ibéricas
crescem na região e alianças com lideranças Charrua, como
Zapicán, Miní, Guaytán, e lideranças Minuanas, como Cloyan
e Lumillan, passam a ser efetivadas. Possivelmente pela lógica
nativa, essas alianças possibilitaram vantagens das parcialida-
des lideradas por estes caciques para lutarem contra os grupos
indígenas inimigos que também ocupavam o território.
No que se refere à utilização da aliança e à guerra nas
sociedades nativas, Pierre Clastres, no trabalho Investigaciones
em antropología política, enfatiza:
Ya hemos indicado que, por la voluntad de indepen-
dencia política y el dominio exclusivo de su territorio
manifestado por cada comunidad, la posibilidad de la
guerra está inmediatamente inscrito en el funciona-
miento de estas sociedades: la sociedad primitiva es el
lugar del estado de guerra permanente. Vemos aho-
ra que la búsqueda de alianzas depende de la guerra
efectiva, que hay una prioridad sociológica de la guer-
ra sobre la alianza. Aquí se anuda la verdadera relaci-
ón entre el intercambio y la guerra. (...) Precisamente
a los grupos implicados en las redes de alianza, los so-
cios del intercambio son los aliados, la esfera del inter-
cambio recubre exactamente la de la alianza. Esto no
significa, claro está, que de no haber alianza no habría
intercambio: éste se encontraría circunscrito al espa-
cio de la comunidad en el seno de la cual no deja de
operar nunca, sería estrictamente intra-comunitario.
(CLASTRES, 1987, p.207, grifos do autor)
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As cidades multiplicaram-se e a exploração econômica,
produzindo carne e couro para o mercado interno e europeu,
aumentou significativamente.
Neste contexto, é possível apontar o protagonismo Char-
rua/Minuano a partir das lógicas nativas, como é o exemplo da
atuação de lideranças Naigualvé, Gleubilbé e Doimalnaejé, lu-
tando ao lado de Don Francisco de Vera Mujica em territórios
próximos a Santa Fé contra indígenas inimigos (BECKER, 1991).
Por outro lado, quando os interesses nativos não mais estavam
sendo atendidos, rompiam as alianças e recorriam à guerra, con-
forme ilustra a situação envolvendo o cacique Campusano.
Este cacique Charrua entrerriano, pasado el pri-
mer Tércio del siglo XVIII tênia sus tolderías em lãs
márgenes del arroyo Feliciciano. Presume A. y Lara
que es el mismo Campusano que, a fines de abril
de 1749, com um grupo de índios hurtó caballadas
de lãs estâncias del Pueblo Reducción de Santo Do-
mingo Soriano. Habiendo salido en su persecución
el Teniente de Dragones Francisco Bruno de Zava-
la con un escuadrón en un potrero del Queguay.
(BARRIOS PINTOS, 1981, p.87-88)
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O guará, segundo a definição de Montoya, significa
tudo aquilo que está contido dentro de uma região qualquer.
Francisco Noelli (1983), utilizando-se de estudos de Branis-
lava Susnik, informa que, para esta autora, o guará é enten-
dido como um conceito sociopolítico que determinava o do-
mínio exclusivo de uma região pelos seus habitantes, onde
lhes era assegurado o pleno direito da roça, caça e pesca para
sua subsistência.
De acordo com informes de vários jesuítas do Guairá,
Itatim, Tape e Uruguai, o guará estaria sob a liderança de uma
pessoa de grande prestígio político e espiritual, ressaltando
também que “alguns guará seriam compostos por até 40 al-
deias unidas por laços de parentesco e reciprocidade, com vida
material e simbólica comum” (NOELLI, 1993, p.248-249).
O guará, por sua vez, seria subdividido em unidades ter-
ritoriais socioeconômicas denominadas de tekohá, onde esta-
riam os sítios arqueológicos e as aldeias históricas. O tekohá
dividia-se em três níveis integrados: físico-geográfico, econô-
mico e simbólico. Sua área estava geralmente bem-definida
por colinas, arroios ou rios, onde estranhos só poderiam en-
trar com permissão.
Era o espaço onde se produziam as relações econô-
micas, sociais e político-religiosas essenciais a vida
Guarani [...]. Por fim, como dizem os Guarani, se
tekó era o modo de ser, o sistema, a cultura, a lei
e os costumes, o tekohá era o lugar, o meio em que
se davam as condições que possibilitavam a subsis-
tência e o modo de ser dos Guarani. (MELIÁ apud
NOELLI, 1993, p.249-250)
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cercam a época dos ritos de passagem, da menstruação, da
gravidez, dos jejuns ligados à prática religiosa individual ou
coletiva e os gostos pessoais, os Guarani comiam todos os se-
res vertebrados e muitos invertebrados.
As frentes de expansão ibéricas, no decorrer do sécu-
lo XVI, a fundação de cidades espanholas e, posteriormente,
lusitanas, nos tradicionais territórios Guarani, e a exploração
econômica, serão responsáveis por um violento decréscimo
populacional desses nativos e um acirramento de conflitos bé-
licos entre os Guarani e os não índios pela América do Sul.
No início do século XVII, os administradores espanhóis
resolveram chamar primeiramente os franciscanos e depois os
padres da Companhia de Jesus para que, por meio do aten-
dimento religioso, pudessem acalmar os indígenas encomen-
dados ou não. Os jesuítas, em um primeiro momento, opuse-
ram-se, mas acabaram por obedecer as orientações da Coroa
espanhola. Inicialmente trabalharam junto ao Guarambaré,
Ipané e Guayrá, onde perceberam a inadequação do modelo
missionário até então empregado.
Em contraposição, os padres jesuítas propuseram o sis-
tema de Missão/Redução, no qual os índios a serem catequi-
zados deveriam ser organizados em povoações concentradas,
livres dos fazendeiros espanhóis, e que só dependessem do
Rei. Nasciam, assim, as cinco Frentes Missionárias da Anti-
ga Província Jesuítica do Paraguai, denominadas de Guayrá
(Paraná), Paraguay (Paraguai), Itatim (Mato Grosso do Sul),
Uruguay (Brasil-Uruguai) e Tape (Rio Grande do Sul), sob a
responsabilidade geral do Padre Juan Ruiz de Montoya.
Como o recorte espacial deste capítulo se atém princi-
palmente a territórios do Rio Grande do Sul, serão tratados
aqui, especificamente, alguns aspectos da Frente Missionária
do Tape, mas que não se diferenciou muito das outras quatro.
A Frente Missionária do Tape localizava-se na região
Centro-oeste do Rio Grande do Sul. Iniciou em 1626, quan-
do o Pe. Roque González, em decorrência de alianças que o
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orquestravam os eventos por sua própria lógica, bem como
a obra de Viveiro de Castro, A incostância da alma selvagem
(2002), é possível constatar que os indígenas, frente aos pro-
pósitos das missões, comportavam-se como estátuas de murta
e não de pedra. Ou seja, reatualizavam algumas ações, mas
os significados continuavam sendo nativos, portanto quando
não mais era de seu interesse, o que provavelmente também
deve ter ocorrido com os teiî (famílias), que o cacique Arazay
representava, tanto em termos de alianças como de prática de
batismo ou adoção ao Cristianismo.
Neste contexto, onde os espanhóis avançavam com sua
frente expansionista missionária, os portugueses, em contra-
partida, faziam o mesmo, mas com a frente expansionista ban-
deirante e passavam a invadir as missões localizadas mais a
Leste do território em busca de mão de obra indígena Guarani
para o trabalho escravo nas lavouras de cana-de-açúcar. No
período compreendido entre 1612 e 1638, foram capturados
aproximadamente 300.000 índios, dos quais mais da metade
morreram no caminho para o cativeiro, por doenças ou re-
pressão às fugas.
Especificamente no Tape, os ataques mais intensos ocor-
reram entre 1635 e 1639, quando os bandeirantes Antônio Ra-
poso Tavares e Fernão Dias Paes destruíram várias das redu-
ções. Os milhares de índios que restaram tiveram, mesmo com
relutância, de abandonar suas terras e migrar para a margem
direita do Rio Uruguai. Em consequência disso, o gado trazido
pelos jesuítas ficou solto, passando a viver e a procriar-se livre-
mente pelos campos da Depressão Central e da Campanha.
Desta forma, os povoados missioneiros, denominados
muitas vezes de Trinta Povos Jesuítico-Guarani, tiveram uma
controvertida experiência histórica, na Bacia do Rio da Prata
e na fronteira móvel existente entre os impérios português e
espanhol. Quando os jesuítas voltaram à região, meio século
depois, encontraram grande quantidade de animais vivendo
de modo selvagem na Vacaria del Mar.
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neiro do romance, O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo”. É
possível, ainda, mesmo que não se tenha conhecimento sobre
fontes documentais, que os Guarani tenham continuado a cir-
cular pelo território. Neste sentido, somente a partir de mea-
dos do século XX as fontes passam novamente a dar visibili-
dade à presença Guarani no Rio Grande do Sul denominados
então de Mbyá Guarani, os quais retornaram para seus tradi-
cionais territórios em busca do Yrovaigua (Terra sem Males).
5
Durante os séculos XVI, XVII e XVIII, estes nativos tinham a denominação geral de “Guayná”. Na maior
parte do século XIX, foram conhecidos pelo nome de “coroado”. Entretanto, no século XX, convencionou-se
chamá-los de “Kaingang” (SCHMITZ apud BECKER, 1976, p. 7).
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Frente a essa situação, os alemães, para chegarem e/ou
ocuparem muitos dos lotes distribuídos, precisavam enfrentar
a reação nativa, o que gerava, consequentemente, uma situação
bastante tensa entre ambas as etnias “porque enquanto os colo-
nos tentavam se estabelecer nas terras que lhes cabiam por de-
terminação imperial, o Kaingang via a penetração efetiva nas
terras onde havia nascido” (BECKER, 1991, p.138).
A título de ilustração destas reações Kaingang, que,
possivelmente, foram realizadas sob o comando de lideran-
ças como Braga, Yotoahê (Doble), Nicué, Condurá, entre ou-
tras, tem-se os ataques à localidade de Dois Irmãos, em 26 de
fevereiro de 1829, nos quais foram assassinados dois colonos
alemães e um foi ferido, e, em 08 de abril de 1831, o ataque
à família Harras, quando foram vitimados três colonos, dos
quais dois ficaram feridos e uma criança foi raptada (F.W.,
1913, p.87-88; PETRY, 1931, p.3; BECKER, 1976a, p.67,70).
O governo provincial, aproveitando-se da passagem dos
jesuítas espanhóis pelo Sul do Brasil,6 recorreu, a partir de
1845, ao Projeto de Catequese Kaingang. Entretanto, para a
mentalidade da época, a “catequese” e a “civilização” dos nati-
vos significavam a sua redução em aldeamentos. O Pe. Antônio
de Almeida Leite Penteado é quem, inicialmente, se ofereceu
para levar as primeiras luzes do Cristianismo aos Kaingang nas
imediações de Passo Fundo. Posteriormente, sob o comando
do superior distrital Pe. Bernardo Parés, estabeleceram-se em
Guarita os jesuítas Aloysio Cots e Ignacio Gurri; em Nonoai,
Luís Santiago Villarrubia e Juliano Solanellas; e no Campo do
Meio, os Pes. Pedro Saderra e Miguel Cabeza. Essa ação mis-
sionária, por sua vez, não conseguiu reduzir os Kaingang nos
moldes feitos com os Guarani. Neste sentido, o Pe. Villarrubia
6
Os jesuítas, depois da expulsão pombalina de 1759, tiveram uma passagem pelo Brasil durante o período
de 1842 a 1867. O contexto desta nova fase em que atuaram principalmente nas Províncias de São Pedro do
Rio Grande do Sul e de Santa Catarina ocorreu em decorrência de sua expulsão da Argentina pelo ditador
Rosas (AZEVEDO, 1984).
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S. Leopoldo, levando para as matas a família do
mesmo colono, composta de mulher e filhos. (RE-
LATÓRIO de 13/04/1868, p.30)
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Nas florestas do Norte do Estado existem ainda
algumas tribos dos grupos que ocupavam o Brasil
quando de sua descoberta. Um dos nossos missio-
nários, Frei Alfredo de Saint Jean-d’Arves, numa
de suas inúmeras excursões apostólicas, havia
conseguido chegar até esses infelizes. Em vista do
relatório que me apresentou, resolvi visitá-los eu
mesmo com o objetivo de verificar se haveria pos-
sibilidade de empreender algo para lhes proporcio-
nar os benefícios da civilização. [...]. Para chegar a
seus toldos é preciso viajar vários dias pela flores-
ta, transpor árvores arrancadas, atravessar a vau
cursos d’água, que se tornam instransponíveis à
menor chuva; cavalgar por atalhos obstruídos, por
banhados, barrancos, etc. Conversei com os chefes,
falei com as autoridades civis e ficou estabelecido
que se tentaria junto ao Governo do Rio Grande do
Sul obter uma área de terreno, no município de La-
goa Vermelha, às margens do Rio Forquilha, para
aí reunir os diversos toldos e que, em seguida, um
missionário, ou dois, ocupar-se-iam de sua instru-
ção religiosa e civil. (GILLONNAY apud COSTA E
DE BONI, 1996, p. 355-357)
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Releituras da História do Rio Grande do Sul
Legenda
1. Mangueirinha
2. Palma
3. Chapecó
4. Inhacorá
5. Guarita
6. Pary
7. Nonoai
8. Serrinha
9. Votouro
10. Erechim
11. Ventarra
12. Ligeiro
13. Carreteiro
14. Faxinal
15. Cacique Doble
16. Caseiros
17. Lagoão
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A título de ilustração dessa questão, tem-se o caso da
Área Indígena de Serrinha, que, pelo Decreto nº 658, de 10 de
março de 1949, Walter Jobim reduziu o território Kaingang
para criação de uma reserva florestal. O argumento utiliza-
do, segundo José Antônio Nascimento (2001, p.56), era o de
evitar que os funcionários do Serviço de Proteção aos Índios
devastassem a área. Entretanto, o governo não fez nada “para
criar áreas de preservação ambiental em áreas não indígenas,
como, por exemplo, em propriedades particulares com vasta
extensão devoluta, expondo, com isso, o caráter protetor das
elites, que o Estado brasileiro sempre teve”.
4 Conclusão
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Releituras da História do Rio Grande do Sul
Referências
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BARRIOS PINTOS, Aníbal. Caciques charruas en Territorio Oriental. Alma-
naque de Seguros del Estado: 86 a 89. Montevideo, Uruguai. 1981. p.87-88.
BECKER, Ítala Irene Basile. O índio Kaingáng no Rio Grande do Sul. Pes-
quisas, Antropologia 29. São Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesqui-
sas, 1976. 264 p.
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Releituras da História do Rio Grande do Sul
NASCIMENTO, José Antônio Moraes. Muita terra para pouco índio: ocu-
pação e apropriação dos territórios Kaingang da Serrinha. Porto Alegre,
2001. 191 f. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
39
NOELLI, Francisco Silva. Sem tekohá não há tekó. Em busca de um mo-
delo etnoarqueológico da aldeia e da subsistência Guarani e sua aplicação
a uma área de domínio no Delta do Rio Jacuí/RS. Porto Alegre: PUCRS.
1993. 381 p. v. 1. Dissertação (Mestrado em História Íbero-Americana).
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Cató-
lica do Rio Grande do Sul, 1993.
RELATÓRIO de 13 abr. 1868. Relatório com que o Exmo. Sr. Dr. Fran-
cisco I. Marcondes Homem de Mello passou a administração d’esta
Província ao Excelentíssimo Senhor Doutor Joaquim Vieira da Cunha,
1º Vice-Presidente. Porto Alegre: Typographia do Jornal do Commercio,
1868. p.30.
RELATÓRIO de 15 abr. 1880. Relatório com que o Exm. Sr. Dr. Carlos
Thompson Flores passou a administração da Província de S. Pedro do Rio
Grande do Sul ao 3º Vice-presidente Exm. Sr. Dr. Antônio Corrêa de Oli-
veira este ao Exm. Sr. Dr. Henrique D’Avila a 19 do mesmo mês e Fala com
que o ultimo abriu a 2ª Sessão da 18ª Legislatura d’Assembleia Provincial
no dia 1º de maio de 1880. Porto Alegre: Typ. A Reforma, 1880. p. 39-40.
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Releituras da História do Rio Grande do Sul
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W., F. von. Bilder aus dem leben der ersten Ansiedler in Rio Grande do
Sul. Familienfreund. Porto Alegre: Druck u. Verlag: Hugo Metzler &
Comp. 1913. p.86-90 (Trad. Pe. Antônio Steffen. São Leopoldo, Instituto
Anchietano de Pesquisas, 1969).
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Releituras da História do Rio Grande do Sul
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surgimento de um conceito dinâmico de homem – em opo-
sição a um conceito estático dominante na Antiguidade –, se-
gundo o qual o mesmo homem passa a ter uma história de
desenvolvimento pessoal e a sociedade também adquire seu
sentido de desenvolvimento (HELLER, 1982).
Heller comenta que, durante a Antiguidade, prevale-
ceu um conceito estático de homem, cujas potencialidades
eram limitadas. Tais limites acabaram sendo dissolvidos pela
ideologia cristã medieval na medida em que tanto a perfec-
tibilidade quanto a perversão podem constituir um processo
ilimitado. Ainda assim, limites se impunham, determinados
pela transcendência do início e do fim: o pecado original e o
Juízo Final.
Portanto, ao passo que o comportamento intelectual do
homem medieval era orientado fundamentalmente pela exe-
gese da revelação – tanto das autoridades religiosas, quanto
das autoridades da Antiguidade – o comportamento intelec-
tual do homem do Renascimento, influenciado pelo Huma-
nismo, voltava-se para suas próprias potencialidades e pos-
sibilidades.
De outro lado, a expansão das atividades comerciais de-
finiu a superação das estruturas feudais nos níveis econômico
e socioculturais. Decorre disso uma profunda mudança nas
consciências acerca de tempo e de espaço.
No que se refere ao tempo, Agnes Heller afirma que:
Surgia com a dissolução do quadro limitado das or-
dens sociais feudais, a possibilidade de o indivíduo
‘subir’ ou ‘descer’, ‘aderir’ ao dinamismo objetivo da
sociedade; devia ‘aprender-se’ o ‘momento certo’, de
tal modo que o indivíduo pudesse movimentar-se
juntamente com a corrente histórica. O ‘ritmo’ e
o ‘momento’ tornaram-se essenciais e totalmente
compreensíveis no interior do ‘processo’. (HELLER,
1982, p. 143)
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Releituras da História do Rio Grande do Sul
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Na medida em que as navegações atlânticas se desenvol-
veram, novas fantasias destruíram parcialmente o imaginário
medieval. Este processo de transição “volatizou muitas das
certezas do homem e o capacitou para dominar o mundo e
devassar os mistérios da Natureza.” (DECKMAN, 1991, p. 1).
Os reflexos de tal atitude se fazem sentir em todas as
esferas da vida europeia. Assim é na arte, na cultura, no pen-
samento e na religião. Os movimentos reformistas da religião
são parte integrante deste contexto, criando-se um profundo
abismo na cristandade. Os reformadores protestantes têm
como alvo principal a teologia escolástica.
Evidentemente, esta ruptura não significava um rompi-
mento completo com os princípios determinantes da fase an-
terior. Esses princípios vinham, agora, orientados em direção
à nova realidade dada. Assim, esta dinamicidade do homem se
refletia, também, nas concepções religiosas que vão se definin-
do no período. Lutero – sem dúvida um dos marcos mais sig-
nificativos desta ruptura – proclamava que “a fé está sempre,
e incessantemente em acção; caso contrário não é fé.” (apud
DICKENS, 1971, p.89). A fé não é passiva, é ativa. Esta postu-
ra radical, inclinadamente moderna, subordina a condição de
existência da fé à dinamicidade própria da época.
É significativo o fato de que o centro de educação teo-
lógica da Igreja Católica Romana deixava de ser Paris; outros
centros, como Salamanca e Coimbra, menos atingidos pelas
novas correntes de pensamento, tomaram seu lugar.
É dentro desse contexto que é convocado o Concílio de
Trento (1545-1563) e surge a Companhia de Jesus – além do
reavivamento da Inquisição. A Companhia, aprovada pela bula
Regimini Militantis Ecclesiae do papa Paulo III, cinco anos an-
tes da convocação do Concílio, incorpora, todavia, o espírito
tridentino no que se refere ao combate às heresias e aos movi-
mentos reformistas. Contudo, nenhuma outra ordem religio-
sa foi mais receptiva ao humanismo, em particular ao estudo
renovado do Aristotelismo, que a Companhia de Jesus, esta-
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Releituras da História do Rio Grande do Sul
1
Ao utilizar as expressões “alunos de Santa Bárbara”, o autor está se referindo a Inácio de Loyola, que
havia estudado no Colégio de Santa Bárbara, em Paris; ao se referir” aos “sete pais fundadores”, tratados
primeiros seguidores de Inácio.
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2 Os jesuítas e sua relação com o Estado espanhol
2
A este respeito, veja-se o interessante trabalho de Marcos del Roio: O Império Universal e seus antípodas.
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Releituras da História do Rio Grande do Sul
3
Francisco de Borja, neto do papa Alexandre VI (Rodrigo Borgia), era o Duque de Gandia, influente nobre
espanhol. Na ocasião, era o superior da Companhia de Jesus.
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chamados “Sete Povos das Missões”, no Rio Grande do Sul,
corresponde a uma parte do território sob jurisdição da Pro-
víncia Jesuítica do Paraguai.
Cumpre lembrar que a atividade jesuítica se encontra
subordinada a toda uma legislação, já existente por ocasião
da fundação da Companhia de Jesus, promulgada pela Co-
roa hispânica ao longo do século XVI, as Leyes de Índias. “Os
missionários tinham a obrigação de observá-las, sob pena de
não poderem trabalhar no meio indígena. E eles não apenas
zelavam por sua fiel observância, mas procuravam, por meios
legais, aperfeiçoá-las em muitos pontos.” (BRUXEL, 1978, p.
19-20). Portanto, sua atuação não era completamente autôno-
ma e se vinculava às formas de relação política da Igreja com
o Estado espanhol.
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Releituras da História do Rio Grande do Sul
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Os jesuítas tiveram a clareza necessária para perceber
que a vida e a atitude cristãs não estão identificadas com o
isolamento e o afastamento do mundo. Compreenderam que
o combate por Cristo implicava uma atividade plena. Assim,
a obra evangelizadora dos padres da Companhia de Jesus as-
sumiu um sentido prático: vinha acompanhada de preocupa-
ções de se fazer presente na vida e no cotidiano das pessoas.
A atitude contemplativa é substituída [ou acompanhada de]
intervenções concretas no mundo secular.
No caso das reduções americanas, não se tratava de, ex-
clusivamente, converter os indígenas ao Cristianismo, ainda
que fosse o fim a ser alcançado. Compreendiam os jesuítas que
a conversão só seria possível na medida em que a ação evan-
gelizadora viesse acompanhada de ações que representassem
concretamente mudanças radicais, ou, ao menos, significati-
vas, no modo de vida dos futuros catecúmenos.
Ficava claro para os padres que a nova religião a ser
trazida para os índios somente vingaria caso o modo de vida
dos mesmos sofresse radical transformação. O Cristianismo é
também um modo de vida. Isso significa a exigência de certos
tipos de comportamento que não eram observados entre os
indígenas. Isto é particularmente verdadeiro no que se refere
a certas formas de comportamento presentes nas tradições in-
dígenas que contrariavam frontalmente os princípios do Cris-
tianismo. Áreas particularmente sensíveis são a poligamia e a
antropofagia.
O sucesso da doutrinação religiosa só poderia ocorrer se
simultaneamente à evangelização fosse desarticulado o modo
de vida tradicional dos indígenas. Neste sentido, segundo
Kern (1994, p.17), “a atuação dos jesuítas junto aos guaranis é
francamente modernizadora e tem como objetivo a mudança
em todos os sentidos: transformar os guaranis em homens po-
líticos que ultrapassem o estágio selvagem e se transformem
em habitantes da Polis”.
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Releituras da História do Rio Grande do Sul
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Masseta organizam os indígenas nos povoados missioneiros
de Nossa Senhora de Loreto e Santo Inácio Mini. Em 1626, o
padre Roque Gonzalez de Santa Cruz funda São Nicolau, ini-
ciando o processo em territórios do atual Rio Grande do Sul.
Conforme o Padre Arnaldo Bruxel (1978, p. 22), “em menos de
25 anos foram fundadas mais de 30 reduções”. É por essa época
que começam a aparecer as primeiras cabeças de gado: “desde
1628, há referências sobre gado nas reduções, em pequeno nú-
mero e destinado à alimentação do padre e de doentes.
Em 1634, os Padres Pedro Romero, superior das missões,
e Cristóvão de Mendoza compraram 1.500 vacas ao português
Manoel Cabral Alpoim” (FLORES, 1986, p.12). Esse gado vai
alcançar, a partir de 1637, a chamada Vacaria do Mar.
O período vai assistir às incursões dos bandeirantes
paulistas à região em busca de mão de obra escrava. Segundo
Bruxel (1978, p 25), “foram cativados mais de 300.000 índios,
entre 1612 e 1638, sendo vendidos em mercado brasileiro uns
60.000 escravos indígenas, entre 1628 e 1631”. As frequen-
tes incursões dos paulistas levaram os padres a transladar as
missões para a outra margem do rio Uruguai, retornando em
1687. Das antigas reduções, muitas se extinguiram, umas so-
breviveram parcialmente e outras foram, com o decorrer do
tempo, reocupadas. Novas reduções também surgiram. Com
a fundação de Santo Ângelo, em 1707, completava-se o ciclo
de fundações de povos missioneiros que agora contava com 30
reduções, sendo que 7 delas no atual território gaúcho.
54
Releituras da História do Rio Grande do Sul
55
erva-mate. Mais do que isto, a erva-mate tornou-se o princi-
pal produto de exportação das reduções e sua principal fonte
de recursos.
Os jesuítas instituíram um sistema caracterizado por um
acentuado dirigismo econômico. Este modelo condizia com
o que se poderia considerar uma síntese entre as concepções
europeia, orientada por uma perspectiva jesuítica, e indígena,
esta última, que vinha sofrendo brutais transformações com a
chegada dos europeus. Imbuídos, do ponto de vista econômi-
co, de uma lógica mercantilista, os jesuítas procuram integrar
os indígenas em um novo contexto produtivo. Assim, os indí-
genas são submetidos a uma nova realidade econômica. Seu
modo de vida tradicional é quebrado; as formas e os processos
produtivos e os tempos necessários para garantir a sobrevi-
vência são profundamente alterados.
Godelier (1988, p.78), ao se referir a sociedades coleto-
ras/caçadoras, comenta que:
Constatou-se, por meio de observações quantitati-
vas precisas e prolongadas em sociedades de caça-
dores e de colectores, que aos membros produtores
dessas sociedades bastavam pouco mais ou menos
quatro horas de trabalho por dia para cobrirem to-
das as necessidades de pequenos grupos humanos
e, mesmo perante estes factos, cai rapidamente por
terra a visão dos primitivos esmagados pela natu-
reza e vivendo exclusivamente para subsistir. Mui-
to pelo contrário, parece que o desenvolvimento da
agricultura resultou no alongamento do dia de tra-
balho e quantidade de trabalho anual necessário à
produção e à reprodução das condições materiais
da sociedade.
56
Releituras da História do Rio Grande do Sul
57
Neumann (1996, p. 61) comenta, a esse propósito, que
nas oficinas das reduções
A organização do trabalho (...) guarda grande
semelhança com a organização das similares no
medievo europeu, apresentando uma estrutura
hierárquica de aprendizes, oficiais e mestres (al-
caide), e a propriedade comunal das ferramentas
de trabalho. A transposição do modelo europeu re-
sulta do fato de que a estruturação do modelo de
trabalho nas reduções é fruto de uma sociedade de
contato e fortemente influenciado pelo sistema de
trabalho mais organizado. No entanto, mesmo as-
sim criavam-se moldes de trabalho próprio, corres-
pondendo a outras estruturas sociais provenientes
da experiência guarani.
58
Releituras da História do Rio Grande do Sul
59
6 A Guerra Guaranítica e a decadência das reduções
60
Releituras da História do Rio Grande do Sul
7 Conclusão
61
As relações familiares também se alteraram à medida
que novos padrões de casamento e organização familiar fo-
ram instituídos nas reduções. Da mesma forma, diversos ou-
tros padrões culturais e, naturalmente, religiosos presentes na
sociedade Guarani foram alterados ou simplesmente extintos.
As populações indígenas missioneiras, que haviam sido
preparadas pelos jesuítas para viver nas reduções segundo os
padrões cristãos europeus, viram-se após a Guerra Guaraníti-
ca em uma situação peculiar. Oscilando entre os interesses es-
panhóis e portugueses, os Guarani não chegaram a constituir
uma força suficientemente capaz de se impor de forma autô-
noma. E não poderia ser de outra forma. As reduções foram
constituídas no sentido de enquadrar-se no projeto coloniza-
dor europeu. A autonomia missioneira tinha limitações e a ca-
pacidade de se diferenciar dos estados colonizadores também.
A derrota na guerra guaranítica é a comprovação disso.
Retirados de seu hábitat original, com seu sistema so-
ciocultural e econômico desorganizado para que pudessem
viver uma nova vida nas reduções, os indígenas viram tam-
bém estas serem destruídas. O resultado é que acabaram por
ser relegados a segundo plano tanto por espanhóis quanto por
portugueses. Após a derrota na guerra, impossibilitados de
uma atuação autônoma e sem apoio dos jesuítas após a expul-
são destes do território colonial, os indígenas passam a viver à
margem da sociedade colonial e pós-colonial.
Referências
62
Releituras da História do Rio Grande do Sul
KERN. Arno Alvarez. Missões: uma utopia política. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1982.
63
MONTOYA, Pe. Antonio Ruiz de. Conquista espiritual feita pelos religio-
sos da Companhia de Jesus nas Províncias do Paraguai, Paraná, Uruguai
e Tape. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1997.
64
Releituras da História do Rio Grande do Sul
1 Introdução
65
Embora essas fronteiras jamais tenham se configura-
do enquanto limes1 ostensivo e intransponível, configurando
muito mais um dinâmico espaço de contato, troca e intera-
ção, durante séculos Portugal e Espanha disputaram, através
da diplomacia e das armas, o território que viria a constituir
o atual estado do Rio Grande do Sul. A complexa contradição
do funcionamento da região fronteiriça rio-grandense, o pro-
cesso de ocupação do território e a constituição dos primeiros
assentamentos, que viriam a dar origem aos futuros núcleos
urbanos, na região então conhecida como “Continente de Rio
Grande”, será revisitada neste capítulo.
2 A fronteira
1
Conforme Nunes (2005, p.140-141), pode-se definir como limes “... um sistema que consistia em construir
uma estrada estratégica ao longo da fronteira ou da linha a defender, apoiada, espaçadamente, por fortes,
muralhas e campos fortificados. Destinava-se a constituir uma barreira à entrada das forças inimigas numa
vasta região ou país, em conjugação com o dispositivo e atuação das tropas amigas. O conceito de limes
foi utilizado em Portugal nos primórdios da nacionalidade, quando a defesa do território se fez, de norte
para sul, apoiada nos rios, ou, posteriormente, em concentrações de fortificações ao longo da fronteira, que
passou a constituir uma linha fortificada”.
66
Releituras da História do Rio Grande do Sul
67
constante de espanhóis e hispano-americanos no Continente2
(REICHEL, 2006, p.61).
Em entrevista a uma escritora nordestina, que conside-
rava os gaúchos acastelhanados, o romancista Erico Verissimo
definiu, de forma pungente, dentro dos cânones tradicionais, a
situação da fronteira e o processo de ocupação do território do
Rio Grande do Sul, confirmando a “raiz lusitana” e a inegável
“nacionalidade brasileira” da região desde tempos imemoráveis.
Somos uma fronteira. No século XVIII, quando sol-
dados de Portugal e Espanha disputavam a posse
definitiva deste então “imenso deserto”, tivemos
de fazer nossa opção: ficar com os portugueses ou
com os castelhanos. Pagamos um pesado tributo
de sofrimento e sangue para continuar deste lado
da fronteira meridional do Brasil. Como pode você
acusar-nos de espanholismo? Fomos desde os tem-
pos coloniais até o fim do século um território cro-
nicamente conflagrado. (VERISSIMO apud OLI-
VEN, 2006, p. 63-64)
2
“A expressão Continente ou Continente de Rio Grande referia-se, segundo Guilherme Cesar, a uma vasta
porção de terra contínua situada entre a capitania de Pero Lopes de Sousa (que abrangia o território cata-
rinense até a altura de Laguna) e o estuário do Prata.” (KÜHN, 2007, p.50)
68
Releituras da História do Rio Grande do Sul
69
objetiva, não pode ser utilizado quando se trata de fronteiras,
as quais devem ser compreendidas como faixas (ou zonas),
em um determinado território. A linha divisória, formulada
e prevista em mapas e acordos diplomáticos, estaria inserida
nessa zona de difícil precisão (GOLIN, 2002, p.14).
Os riscos de viver nessa instável região eram compen-
sados com as possibilidades de acesso a terras, cargos e negó-
cios. Possivelmente, as pessoas que habitavam a divisa entre o
Rio Grande do Sul, o Uruguai e a Argentina, durante o perío-
do colonial, percebiam a fronteira enquanto “linha divisória”,
zona de aproximação e alternativa de sustento e prosperidade.
A primeira constatação que aparece relacionada
com a definição das fronteiras no interior da Re-
gião Platina é a de que, ali, os conflitos foram uma
constante durante quase todo o período colonial.
Entretanto, os avanços e recuos dos limites divisó-
rios dos Impérios português e espanhol na América
meridional afetaram os seus habitantes não só em
tempo de guerra, mas nos de paz. A indefinição das
linhas demarcatórias levava-os a perceber a fron-
teira como uma possibilidade de estabelecer redes
de trocas, contatos, de concretizar desejos, de reagir
a dificuldades. Com isso, a fronteira atuava não só
como uma linha que define até onde um território
se estende e outro inicia, mas como uma zona de
intercâmbios, em que predominam interações entre
grupos sociais. (REICHEL, 2006, p. 48)
70
Releituras da História do Rio Grande do Sul
71
do uti possidetis, que postulava ações concretas na ocupação
de terras, criando direitos sobre as mesmas. No caso do Rio
Grande do Sul, a fronteira foi um produto desse princípio, um
processo paulatino de conquista e ocupação, transcendendo o
estipulado pelo direito natural e pelos tratados diplomáticos.
A raia rio-grandense foi fruto da “criação humana, interven-
ção do Estado e grupos regionais” durante o período colonial
e imperial (GOLIN, 2002, p. 50).
Conforme Rui Cunha Martins (2000), “a fronteira é
um espaço em incorporação ao espaço global que é o espaço
urbanizado, e sua incorporação se efetua através do núcleo
urbano, condição chave da ordenação do espaço territorial e
social” (p. 141-142). Desde o período medieval, na Península
Ibérica, a legitimidade da ocupação e posse de um território
fronteiriço estava diretamente relacionada à criação de povo-
ados, devidamente estruturados. A grande maioria desses as-
sentamentos fronteiriços tinha por base a construção de uma
fortificação ou de uma povoação amuralhada. A partir deste
“ponto de proteção” e vigilância passavam a se constituir os
futuros centros urbanos, com a principal função de organizar
a exploração dos recursos naturais da região.
Durante os séculos XIII e XIV se percebe, junto à fron-
teira luso-castelhana Ibérica, uma verdadeira explosão urba-
na. A construção, reocupação ou reforma de fortificações nes-
ses espaços limítrofes atraíam novos povoadores, a segurança
possibilitava o aumento demográfico. Desde o final do século
XIII desenvolveu-se um “jogo”, como em um tabuleiro de xa-
drez, tanto do lado português como no castelhano, na busca
por lugares estratégicos para construção de fortalezas, visando
à futura constituição de centros urbanos, que viriam a legiti-
mar a posse do território. Iniciar um povoado de um lado da
fronteira tinha como reflexo, tão rápido quanto fosse possível,
a constituição de um novo povoado também do outro lado
(ANDRADE, 2001).
72
Releituras da História do Rio Grande do Sul
3 Os Campos de Viamão
73
Em 1738, foram doadas 11 sesmarias para constitui-
ção de fazendas de criação de gado e mulas. A princípio, para
constituição dos rebanhos, o gado foi pilhado na Vacaria do
Mar e nas estâncias missioneiras. A península ao norte do ca-
nal até Mostardas foi reservada para organizar a estância Real
do Bojuru, que forneceria carne e montarias à guarnição da
comandância. Mas necessidades de abastecimento de alimen-
tos e animais de carga na região de exploração das Minas Ge-
rais geraram a integração do Sul ao mercado interno colonial.
Os Campos de Viamão continham uma gigantesca reserva de
gado que podia ser adquirida e posteriormente comercializa-
da no Centro do Brasil. Na primeira metade do século XVIII,
por meio dos tropeiros, iniciava-se a integração, dos Campos
de Viamão, com as regiões mineradas coloniais (FLORES,
1997, p. 50 - 51).
As terras eram concedidas aos povoadores por meio das
sesmarias (em média 3 x 1 léguas)3 e datas (1/4 de légua qua-
drada), doadas às famílias chamadas de “casais de número”,
que voluntariamente povoaram o Continente de Rio Grande.
As primeiras sesmarias foram concedidas na região dos Cam-
pos de Viamão, antes da ocupação oficial do Continente pelos
portugueses, em 1732. Em 1750, ocorreu uma intensificação
das concessões de sesmarias, quando se iniciou a apropriação
das terras da bacia do Jacuí, obtidas por Portugal no Tratado
de Madri e protegidas pela fortificação de Rio Pardo (tran-
queira invicta).4 Em 1764, assumiu o governo do Continente
o coronel José Custódio de Sá e Faria. Em seu “Regimento”,
constaram as principais preocupações da Metrópole e, dentre
3
Aproximadamente 6.600 metros. Uma légua de frente por três de fundo.
4
Segundo Moacyr Flores (1997, p.60) “Vertiz y Salcedo chegou à margem direita do Jacuí e intimou a ren-
dição do forte de Rio Pardo em 1775. Pinto Bandeira não aceitou e fingiu que recebia um grande exército
e o governador, disparando salvas com os pequenos canhões de diversos pontos, desfraldando bandeiras,
ordenando que os soldados disparassem para o ar, enquanto a banda tocava. Uma nuvem de poeira se
levantou por trás das árvores, como se fosse produzida por um grande exército. Eram apenas soldados que
arrastavam galhos galopando em várias direções. Enganado, Vertiz y Salcedo retrocedeu para Rio Grande,
sofrendo ataque de guerrilhas ao durante a longa marcha.”.
74
Releituras da História do Rio Grande do Sul
5
O vocábulo “sesmaria” é derivado do termo medieval português “sesma”, que significava 1/6 do valor
estipulado para compra de um terreno; o verbo “sesmar” significava, ainda, estimar, calcular, avaliar.
75
As sesmarias dadas aos militares que vinham viver na
zona fronteiriça serviam como prêmio ou estímulo, mas tam-
bém como ponto de partida para outras apropriações por parte
de seus beneficiários, dando origem a grandes propriedades.
Os soldados de profissão convocados para servir junto à fron-
teira, que recebiam sesmarias e datas como recompensa, geral-
mente não tinham interesse nem condições econômicas para
explorar os campos recebidos. Desta forma, criou-se o costu-
me de vendê-las a outros proprietários, contribuindo para a
concentração e o aumento do tamanho das propriedades.
Na fronteira, ao mesmo tempo em que militares se tor-
navam estancieiros, civis, buscando defender suas proprieda-
des, terminavam envolvidos nas atividades de defesa do ter-
ritório. Como recompensa pelos serviços prestados à Coroa
portuguesa, passaram a ser condecorados com patentes mili-
tares. O estancieiros-militares constituíram o grupo dominan-
te da zona fronteiriça, “aproveitaram-se da distância em que se
encontravam dos órgãos do poder para mesclar o público com
o privado e submeter terras e trabalhadores ao seu domínio”
(REICHEL, 2006, p. 54). Quase sem controle estenderam suas
propriedades, transformando-as em grandes estâncias, difi-
cultando a sobrevivência da população comum.
A partir dos dados demográficos tornou-se possível
entrever uma sociedade típica do Antigo Regime
Português nos trópicos, baseada na existência de
uma nítida hierarquia social e marcada pela pre-
sença expressiva da escravidão. Longe do cenário
que enxerga o passado colonial como terra de gaú-
chos, vivendo envoltos em lides guerreiras, o que
se descortina é uma sociedade extremamente ex-
cludente, onde uma pequena minoria de famílias
detém uma grande parte da riqueza existente, fos-
se na forma de terras, gados ou homens. (KÜHN,
2004, p. 48)
76
Releituras da História do Rio Grande do Sul
77
habitantes provindos de migração espontânea, em busca das
possibilidades oferecidas pela fronteira, mudaram, em pouco
tempo, a demografia da capela e, posteriormente, a freguesia
de Viamão.
78
Releituras da História do Rio Grande do Sul
79
O Brigadeiro José da Silva Paes, governador do Rio de
janeiro, recebeu instruções da Coroa portuguesa para fundar
uma povoação que pudesse dar apoio à constantemente ata-
cada Colônia do Sacramento. Para justificar juridicamente a
posse do território, em 06 de agosto de 1736 foi criada a fre-
guesia de S. Pedro de Rio Grande. Os portugueses aproveita-
ram justamente o momento em que os espanhóis mantinham
o cerco à Colônia do Santíssimo Sacramento e protegiam
Montevidéu e Buenos Aires. Silva Paes rumou para o canal de
Rio Grande, onde desembarcou, em fevereiro de 1737, com
254 soldados, armamentos e todas as ferramentas para cons-
trução de uma fortaleza. Encontrou, à sua espera, 160 homens
do coronel de ordenanças Cristovão Pereira de Abreu e uma
tropa de gado. Abreu havia se adiantado, por terra, e reunido
alimentos, além de constituir as bases estruturais para a recep-
ção do contingente, enquanto os navios eram equipados nos
portos de Rio de Janeiro e Santos. No mesmo ano de 1737, o
engenheiro militar Silva Paes começou a construção do Forte
Jesus Maria José, na margem direita da Barra do Rio Grande
(atual Lagoa dos Patos), junto ao povoado do Porto (futura
Vila do Rio Grande).
A Comandância Militar do Continente de Rio Grande
de São Pedro tinha como objetivos auxiliar a Colônia do Sa-
cramento, povoar a região e regular as relações entre os dife-
rentes elementos povoadores. O novo povoado de Rio Grande
recebeu reforços de habitantes vindos da região do Minho,
Açores e Madeira (Portugal), mas também de Laguna (Santa
Catarina). Uma década após sua fundação, em razão de seu
desenvolvimento e sua prosperidade, em 17 de julho de 1747,
Rio Grande foi elevado à Vila, com instalação da Câmara em
16 de dezembro de 1751. A fundação do presídio (guarnição)
e da povoação de Rio Grande foi situada estrategicamente no
canal de entrada da Lagoa dos Patos, cujo controle dava acesso
ao interior do Continente (FLORES, 1997, p.48-49).
80
Releituras da História do Rio Grande do Sul
6
Constituídas nas bases político-administrativas do reino, assentavam-se sobre as cartas de doações e foral.
81
e estímulo de atividades econômicas em regiões de expansão
territorial. O capitão-mor podia fundar vilas e desenvolver o
comércio. O governador tinha funções jurídicas e administra-
tivas. D. João III, o Colonizador, adotou no Brasil, o sistema
de capitanias, tratando de promover a ocupação da terra sem
onerar a Coroa, uma vez que todos os gastos ficavam a cargo
do donatário.
A sesmaria era uma subdivisão da capitania com o ob-
jetivo de que essa terra fosse aproveitada. A proposta buscava
incentivar a ocupação das terras e estimular a vinda de colo-
nos. As sesmarias não eram de domínio total dos donatários
ricos, mas apenas lhes tocavam as partes de terras especifi-
cadas nas cartas de doações. Os donatários se constituíram
em administradores, achando-se investidos de mandatos da
Coroa para doar as terras e, tendo recebido a capitania com
a finalidade colonizadora, cabia-lhes cumprir as ordens de
Portugal. A terra continuava a ser patrimônio do Estado por-
tuguês. Os donatários possuíam apenas o direito de usufruir
a propriedade, mas não eram donos. Os capitães-donatários
detinham efetivamente apenas uma pequena porcentagem
de sua capitania, sendo obrigados a distribuir o restante, na
forma de sesmarias. Nesse momento, perdia qualquer tipo de
poder ou direito sobre as mesmas (DINIZ, 2005).
Segundo Moacyr Flores (1997, p. 72-73), a divisão ad-
ministrativa do Continente do Rio Grande, durante o século
XVIII, correspondia a estâncias e fazendas de cunho familiar,
comunal, mas com espírito/função militar. Estas eram conce-
didas e constituídas além da linha divisória do Tratado de Tor-
desilhas (1494), empurrando pouco a pouco a fronteira com
a Espanha, mais a Sul e mais a Oeste, tendo como principal
atividade a caça e a criação de gado.
Desde o início ficou claro para os povoadores a impor-
tância dos rebanhos para abastecimento dos núcleos habita-
cionais iniciais e do contingente militar. O gado vacum, para a
alimentação, e o cavalar e muar, para a montaria e transporte.
82
Releituras da História do Rio Grande do Sul
83
produção de uma síntese sobre o complexo enredo, diplomático
e bélico, em que o atual estado do Rio Grande do Sul esteve en-
volvido, desde meados do século XVIII até princípios do XIX.
O Tratado de Madri (1750) assegurava aos portugueses
a posse da vila de Rio Grande (pelo menos até 1763), os Cam-
pos de Viamão e as Terras do Vale do Jacuí. Por meio deste
mesmo acordo diplomático realizava-se a troca dos Sete Povos
das Missões (até então espanhol) pela Colônia do Santíssimo
Sacramento (portuguesa), afastando o perigo da presença lu-
sitana na região do Prata. A capitania do Rio Grande de São
Pedro foi criada em 1760, tendo a vila de Rio Grande como
capital. Em 1761, o Tratado de Madri foi anulado pelo de El
Pardo, uma vez que as relações entre Portugal e Espanha es-
tavam se deteriorando, tendo em vista o estado de guerra que
perdurava na Europa. Inglaterra e França se enfrentavam, ten-
do como aliados, respectivamente, Portugal e Espanha.
Em 1763, Rio Grande foi invadida pelos espanhóis, fa-
zendo o governador e grande parte da população fugir para
os Campos de Viamão e a capital ser transferida para a vila
de Viamão. O tratado de Paris (1763) suspendeu as hostilida-
des e a Colônia de Sacramento foi devolvida aos portugueses.
Em 1773, a sede da capitania do Rio Grande de São Pedro foi,
novamente, transferida – desta vez, para a freguesia de São
Francisco do Porto dos Casais (Porto Alegre). Três anos de-
pois (1776), os lusitanos reuniram uma grande força militar e
reocuparam a vila de Rio Grande, ato que levou a uma imedia-
ta retaliação dos espanhóis, que reconquistaram a Colônia de
Sacramento e invadiram a ilha de Santa Catarina.
Em 1777, o Tratado de Santo Ildefonso determinava a
entrega definitiva da Colônia aos espanhóis, recebendo a acei-
tação de Portugal, que, em desvantagem bélica, temia perder
bem mais do que a cidadela de Colônia, sempre percebida
como riquíssimo entreposto comercial e base de expansão
territorial. A principal intenção seria garantir a posse do Con-
tinente do Rio Grande.
84
Releituras da História do Rio Grande do Sul
5 Conclusão
85
terras, promoções e comércio. Por meio da contraditoriedade
de funcionamento da fronteira do Continente, passaram (e
passam), desprezando as linhas traçadas em mapas e defini-
das em acordos diplomáticos, pessoas, animais, mercadorias,
informações e histórias que, combinadas, auxiliaram na cons-
tituição do que hoje é conhecido como o território, a tradição
e a cultura do Rio Grande do Sul.
Referências
FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul. 6.ed. Porto Alegre: Edi-
tora Nova Dimensão, 1997.
KÜHN, Fábio. Breve História do Rio Grande do Sul. 3. ed. Porto Alegre:
Editora Leitura XXI, 2007.
86
Releituras da História do Rio Grande do Sul
87
Releituras da História do Rio Grande do Sul
89
sua condição de fronteira em disputa conferiu-lhe algumas es-
pecificidades. A passagem de posto militar avançado à Capita-
nia Subalterna e, mais tarde, à Capitania Geral foi concedendo
maior poder de decisão aos governantes locais e diversifican-
do a estrutura administrativa por meio da criação de órgãos
específicos, como a Junta da Fazenda e a Junta da Justiça. Por
outro lado, a Revolução do Porto e o processo de Independên-
cia do Brasil abriram espaço para a maior participação da elite
no governo da Província.
O presente capítulo busca analisar o governo da região,
seus limites, seus poderes e suas transformações entre 1737 e
1824, ou seja, do início da ocupação formal portuguesa, quan-
do a região era apenas uma Comandância Militar, à posse do
primeiro Presidente da Província, em 1824.
A ocupação do território do que é hoje o estado brasilei-
ro do Rio Grande do Sul foi iniciada pela necessidade de a Co-
roa portuguesa socorrer, com recursos humanos e materiais,
a sua praça meridional às margens do Rio da Prata, ou seja, a
Colônia do Sacramento, fundada em 1680 e que enfrentava
seguidas investidas e invasões das tropas espanholas.
Entre 1735 e 1737, a Colônia de Sacramento sofreu o
“grande sítio”; a destruição das plantações e de benfeitorias
fora da fortificação impôs a fome à população confinada na
fortaleza. Com o objetivo de socorrer Sacramento, foi orga-
nizada uma expedição pelo Governador e Capitão-general do
Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, em atendimento à
ordem do Conselho Ultramarino. Essa expedição também ti-
nha por incumbência tomar a Ilha de São Gabriel, retomar
Montevidéu e fundar uma fortaleza no Rio Grande.
Frustrado no intento de acudir a praça meridional, o
Comandante da expedição, Brigadeiro José da Silva Paes,
fundou o Forte Jesus-Maria-José, em Rio Grande, em 19 de
fevereiro de 1737. Poucos meses após, em 11 de dezembro do
mesmo ano, Silva Paes retornou ao Rio de Janeiro, ficando
o comando militar do Rio Grande de São Pedro a cargo do
90
Releituras da História do Rio Grande do Sul
91
Entre 1737 e 1740, Ribeiro Coutinho estabeleceu uma
série de regimentos que normatizavam os procedimentos a
serem observados por vários militares e civis encarregados da
defesa, da arrecadação dos direitos régios, entre outras fun-
ções; homens que trabalhavam nas diversas estruturas criadas
para viabilizar a manutenção e a segurança do povoado (ME-
MÓRIA, 1936).1
A partir do Presídio Jesus-Maria-José e da povoação que
se formava, André Ribeiro Coutinho ocupou-se em criar guar-
das, fortes e registros, estabelecendo o controle sobre o trânsi-
to de animais, mercadorias e homens na região, demarcando o
avanço lusitano.2 Estas estruturas, ao lado das sesmarias, for-
mavam um sistema de defesa e de consolidação da ocupação.
A doação de terras privilegiou militares, comerciantes
de animais e pessoas ligadas à administração colonial, ori-
ginando as grandes estâncias controladas por homens que
consideravam a manutenção e a expansão do território não
apenas sua obrigação para com a Coroa, mas uma imposição
para a segurança de sua propriedade e para a expansão de sua
riqueza e influência.3
Assim, entre 1737 e 1761, período da Comandância Mi-
litar, o forte e o território sobre o qual era estendido o do-
mínio português foram governados por quatro comandantes
militares subordinados ao Governo da Capitania do Rio de
Janeiro pela Provisão de 11 de agosto de 1738 (SILVA, 1968, p.
215; SALGADO, 1985, p. 430). Os membros da administração
1
Sobre os regimentos das guardas, fortes e outros, ver MIRANDA, 2000.
2
Foi criado, nos primeiros anos, um sistema de defesa compreendido pelo Forte de São Miguel, pelas
guardas do Taim, do Chuí, do Albardão, do Passo da Mangueira, do Capão Comprido, do Norte e de
Tramandaí; além da formação das estâncias régias do Torotama e do Bojuru, cuja função era fornecer
animais para o abastecimento do presídio e da Vila de Rio Grande e para a remonta das tropas regulares.
O Registro de Viamão teria sido instalado aproximadamente em 1737 e localizava-se próximo à margem
esquerda do Rio dos Sinos, na localidade de Guarda Velha, para o controle o pagamento dos direitos régios
(MIRANDA, 2000, p. 32-33; MIRANDA, 2011).
3
Cabe observar que parte expressiva das terras apropriadas não teve por instrumento de concessão a carta de
sesmaria. Sobre a apropriação de terras e a formação das estâncias no Rio Grande do Sul, ver OSÓRIO, 1990.
92
Releituras da História do Rio Grande do Sul
4
Alvará de 03 de março de 1770.
93
1770, a responder diretamente à Junta da Fazenda Real do Rio
de Janeiro (SALGADO, 1995, p. 367).
A primeira Câmara estabelecida no território do Rio
Grande de São Pedro foi instalada em 1751, conforme as or-
dens da Provisão, de 17 de julho de 1747, que determinava a
elevação do povoado do Rio Grande à categoria de vila. As
câmaras eram, ao mesmo tempo, os agentes de repressão e
de manutenção da ordem, de fiscalização e veículos das rei-
vindicações da população. Exerciam funções administrativas,
judiciais, policiais e fazendárias. Ainda que as câmaras fos-
sem subordinadas às autoridades régias na colônia, podiam
representar-se diretamente ao rei quando considerassem que
sua jurisdição estivesse sendo invadida (BANDECCHI, 1992,
p. 217-219).
Em 1760, por meio da carta régia de 09 de setembro, o Rio
Grande de São Pedro tornou-se uma capitania, formando um
governo independente do governo da capitania de Santa Cata-
rina, mas subalterno à Capitania Geral do Rio de Janeiro (SAL-
GADO, 1985, p.434; CESAR, 1980, p. 165-166). A partir deste
momento, o Rio Grande de São Pedro passou a ter governadores.
O governador era nomeado por carta régia e tomava
posse na câmara da capital da capitania. Suas funções asse-
melhavam-se às dos governadores capitães-generais, mas seus
poderes tinham algumas restrições. Era subordinado a um go-
vernador de uma Capitania Geral, que tinha inclusive o poder
de destituí-lo.5
A relação entre os governadores e as autoridades que
lhe eram superiores nem sempre foram pacíficas. Os atritos
e a invasão de competências eram corriqueiros. Em 1809, o
governador da capitania do Rio Grande, Paulo José da Silva
Gama, foi alertado pelo governo da capitania do Rio de Ja-
neiro para que se abstivesse de fazer concessões de sesmarias,
5
Para os regimentos dos capitães-generais e capitães-mores, ver POMBO (1905, p. 402-406).
94
Releituras da História do Rio Grande do Sul
6
Ordem Régia de 08 de março de 1809.
95
litanos (AHRS – Fundo Fazenda, códice F1243, fls.167r-173r).
Era comum que o mesmo documento que nomeava o governa-
dor apresentasse também o regimento específico que delimita-
va as competências e os limites do seu poder.
O regimento do Governador José Custódio de Sá e Fa-
ria, de 23 de fevereiro de 1764, afirmava ser sua atribuição
estabelecer castigos aos “vagabundos” e, quando necessário,
determinar o envio desses ao Rio de Janeiro; zelar para que os
índios não perturbassem os moradores e, se necessário, “mu-
dar os ditos índios para alguma situação que lhe seja mais
cômoda”; nomear responsáveis pelo governo dos índios; re-
partir as terras entre os açorianos, verificando as distribui-
ções anteriores e providenciando a criação de povoações; ze-
lar para o abastecimento de alimentos, vestuário, ferramentas
e sementes aos açorianos; determinar a arrecadação a parti-
culares pela Fazenda Real dos couros do gado que mandar
abater para a alimentação dos açorianos; efetuar o pagamento
de capatazes e peões que trabalhavam nas estâncias reais; fo-
mentar a cultura do trigo; enviar à Corte demonstrativo de
despesas e mapa dos pagamentos feitos; ordenar despesas a
serem efetuadas pela Fazenda Real por meio de portarias,
com intervenção do Vedor Geral; conceder patentes militares
de milícias e ordenanças, e determinar promoções; governar
as tropas da capitania formadas por um Regimento de Dra-
gões e duas Companhias de Artilheiros (AHRS – Fundo Fa-
zenda, códice F1250, fls. 36v, 37r-37v).7
Apesar da instabilidade característica dessa região,
onde se dava o choque entre os movimentos expansionistas
português e espanhol, os anos de 1780 marcaram o início de
um período de paz armada, inaugurado pelo Tratado de San-
to Ildefonso (1777). A relativa paz consolidou a expansão da
7
Cabe observar que, apesar de datado de 1764, registrado na Provedoria da Fazenda Real do Rio Grande
de São Pedro em 2 de janeiro de 1769, conforme a ordem de registro dada pelo Provedor da Fazenda Real
de 8 de novembro de 1768.
96
Releituras da História do Rio Grande do Sul
8
Cabe observar que, após a invasão da Vila do Rio Grande, a Câmara reuniu-se novamente em Viamão em
1766, onde foram realizadas suas sessões até sua transferência para a nova capital, em 1773.
9
Sobre as câmaras no Sul do Brasil, ver KHÜN (2006) e COMISSOLLI (2006).
10
Auto de criação da Vila de Porto Alegre de 11 de dezembro de 1810; Auto de demarcação dos limites da
Vila de Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre, em 13 de dezembro de 1810; e Auto de reconheci-
mento das justiças em Porto Alegre, de 03 de dezembro de 1810.
97
do Rio Grande de São Pedro, da Capela da Conceição do Es-
treito e da Capela de São Luiz de Mostardas, sendo instalada
a Câmara em 12 de fevereiro de 1811 (AHRS– Fundo Justiça,
códice J.017, fls.4v-5v).11 A Vila de Santo Antônio da Patru-
lha, formada pelas freguesias de Santo Antônio da Patrulha,
de Nossa Senhora da Oliveira de Cima da Serra e da Senhora
da Conceição do Arroio, teve sua Câmara eleita e instalada em
03 de abril de 1811 (AHRS– Fundo Justiça, códice J.019, fls.4r-
-5r).12 A Vila do Rio Pardo, formada pelas freguesias de Nossa
Senhora do Rosário, de Nossa Senhora da Cachoeira, de Santo
Amaro e de São José de Taquari, teve sua Câmara instalada
em 20 de maio do mesmo ano (AHRS– Fundo Justiça, códice
J.018, fls.4r-6r).13
Considerando a consolidação do domínio português e o
aumento da importância econômica da região, foi determina-
do pelo Aviso de Sua Majestade, de 09 de dezembro de 1796,
o estabelecimento de um governo independentemente no Rio
Grande do Sul, nomeando um governador (AHRS – Fundo Do-
cumentação dos Governantes, códice B.1.002, fl.52 e anexo).
No entanto, a decisão da elevação à Capitania Geral só
foi formalizada pela Carta Patente de 19 de setembro 1807 e a
sua efetiva execução só ocorreu em 1809, quando tomou posse
como seu primeiro Governador e Capitão-General, d. Diogo
de Sousa. Formalmente autônomo em relação à Capitania do
Rio de Janeiro, esse Governador era subordinado ao Vice-Rei
do Brasil. Nesta Carta Patente, apresentavam-se os fatores que
haviam sido determinantes para a decisão:
[...] atendendo à grande distância em que fica do
Rio de Janeiro a Capitania do Rio Grande de São
11
Auto de Criação e o Auto de Demarcação dos seus limites da Vila do Rio Grande datam de 12 de fevereiro
de 1811.
12
Auto de Criação e levantamento dos piloros e Auto de Demarcação dos limites da Vila de Santo Antônio
da Patrulha.
13
Auto de Criação e levantamento dos piloros e Auto de Demarcação dos limites da Vila do Rio Pardo.
98
Releituras da História do Rio Grande do Sul
14
Obedecendo ao Regimento dos Governadores das Armas, de 1o de junho de 1678.
15
Em 1774, por meio de ordem da Junta da Fazenda Real do Rio de Janeiro, de 02 de dezembro, fora criada
uma Junta da Fazenda Real no Rio Grande de São Pedro visando atender às necessidades impostas pela
Guerra para expulsão das tropas espanholas. Terminado o conflito, essa Junta foi extinta a partir de 1º
de janeiro de 1780, subsistindo apenas a Provedoria da Fazenda (AHRS – Fundo Fazenda, códice F1244,
fls.121r-121v; 171r-171v). A Junta novamente criada em 1802 era presidida pelo Governador e Capitão-
-General, pelo Ouvidor da Comarca, por um procurador da Fazenda; por um tesoureiro-geral e por um
escrivão.
99
Governantes, maço 4, códice B.2.02, fls.72-73v.; Fundo Justiça,
códice J. 05, fls.56v.-58.). A essa Junta cabia julgar os crimes
cometidos na capitania, exceto os crimes de lesa-majestade e
aqueles que envolvessem militares e eclesiásticos.16
O crescimento da economia e o alargamento da ocupa-
ção portuguesa para além dos limites estabelecidos pelo Trata-
do de Santo Ildefonso e decorrentes da intervenção na Banda
Oriental (1811, 1816) também contribuíram para a criação de
outra vila na capitania. Em 1819, pelo alvará de 26 de abril,
foi criada a Vila de São João da Cachoeira. Segundo o docu-
mento, este ato atendia a um pleito dos moradores da região,
que afirmavam serem grandes “os incômodos e prejuízos que
sofriam em irem repetidas vezes à dita vila” e por ter de “dei-
xar por muito tempo ao desamparo as suas casas e negócios.”
(AHRS – Fundo Justiça, códice J.015, fls.1v-4v.)
Em 1808, a instalação da Corte portuguesa no Rio de Ja-
neiro provocou grandes alterações na administração do Impé-
rio luso-brasileiro. No entanto, os poderes e a organização dos
governos das capitanias praticamente não foram alterados. O
Rio de Janeiro, transformado em centro político do Império
luso-brasileiro, passava a sediar as instâncias administrativas
máximas. Assim, o governador e capitão-general do Rio Gran-
de de São Pedro passou a se dirigir diretamente a cada uma das
novas secretarias criadas no Brasil de acordo com a natureza
do assunto a ser tratado: à Repartição dos Negócios do Con-
tinente e Erário; à Repartição dos Negócios Estrangeiros e da
Guerra; à Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Do-
mínios Ultramarinos, ou à Secretaria do Estado (desanexada
16
Também era um órgão colegiado, tendo o governador e capitão-general por presidente, por um juiz re-
lator, pelo Juiz de Fora e dois vereadores da Câmara de Porto Alegre, pelo juiz da Alfândega e um membro
nomeado. A mesma Carta Régia que criou esse órgão nomeou Luiz Teixeira de Bragança para compor a
Junta de Justiça Criminal. Tratava-se de um dos homens mais influentes do período, tendo exercido os
cargos de Ouvidor da Comarca, de Juiz de Fora e Provedor dos Defuntos e Ausentes, Capela e Resíduos da
Vila de Porto Alegre, além de esposo da viúva de Rafael Pinto Bandeira, possuidora de uma das maiores
fortunas da capitania.
100
Releituras da História do Rio Grande do Sul
17
Aviso do Governo, de 22 de junho de 1808.
18
Conforme previa o Alvará de 12 de dezembro de 1770 (Ofício de 18 de setembro de 1820, segundo ofício
da Câmara de Porto Alegre aos membros do Governo Provisório em 30 de setembro de 1820).
19
Conforme o Decreto de 21 de fevereiro de 1821.
101
este ato. Atitude que motivou a rebelião de tropas de primeira
linha em Porto Alegre e em Rio Grande, pleiteando a imedia-
ta obediência às ordens do monarca (PICCOLO, 2005, p. 571-
613). Em Porto Alegre, as tropas amotinadas desfilaram pelas
ruas e coagiram a reunirem-se em praça pública diversas auto-
ridades: os membros do Governo Provisório, o ouvidor-geral,
quatro deputados da Junta da Fazenda, o intendente da Mari-
nha, o escrivão da mesma intendência, o almoxarife da Real
Fazenda, o cônego da Capela Real e o Vigário-geral Antônio
Vieira da Soledade e os demais membros da Câmara de Porto
Alegre. As tropas só dispersaram depois de obrigá-los a prestar
o juramento.
A Junta Provisória foi mantida no poder até 20 de agosto
de 1821,20 quando João Carlos de Saldanha e Daun, último go-
vernador e capitão-general do Rio Grande, nomeado pela Or-
dem Régia de 13 de abril de 1821, chegou a Porto Alegre (AHRS
– Fundo Documentação dos Governantes, maço 5, códice B.
2.002, fls.370- 370v.). O novo governador e capitão-general se
declarava adepto da causa constitucional e fiel a D. João VI. O
retorno do Rei para Portugal e as decisões da Corte agitaram
ainda mais o cenário político da Capitania.
Em 29 de setembro de 1821, um decreto das Cortes de-
terminou a criação de juntas provisórias de governo nas pro-
víncias ainda governadas por capitães-generais. O Rio Grande
de São Pedro voltou a se agitar. A eleição das juntas gover-
nativas provisórias estabelecia a constituição de unidades po-
líticas, transformando as antigas capitanias em “províncias”.
As juntas a serem eleitas pelos eleitores paroquiais de cada
província deviam subordinar-se diretamente a Lisboa, o que
reduziria o poder do Príncipe Regente e dos órgãos centrais
estabelecidos no Rio de Janeiro.
20
Segundo ofício da Câmara de Porto Alegre ao Governo Provisório da Capitania em 18 de agosto de
1821 (AHRS – Fundo Autoridades Militares, maço AM. 119). De acordo com Aviso do Governo de 1º de
outubro de 1821, a data da posse seria o dia 20 (AHRS – Fundo Documentação dos Governantes, códice
B. 1.017).
102
Releituras da História do Rio Grande do Sul
21
Ata da Câmara de Porto Alegre de 30 de janeiro de 1822 (CORUJA FILHO, 1962, p. 63-64); ata da Câ-
mara de Porto Alegre de 23 de janeiro de 1822 (CORUJA FILHO, 1962).
22
Ata da Câmara de Porto Alegre, de 30 de janeiro de 1822 (CORUJA FILHO, 1962, p. 63-64).
103
ra da Mata Bacelar. A associação entre o poder civil e militar
fora mantida, pois o Presidente acumulava a função de Go-
vernador das Armas, além dos cargos de Presidente da Junta
da Fazenda e da Junta de Justiça. Ao novo governo estavam
sujeitas estas juntas, as tropas de primeira e segunda linha,
todas as mais autoridades civis e eclesiásticas. Na mesma ses-
são, fora determinado que o membro do Governo Francisco
Xavier Ferreira fosse envido à Corte do Rio de Janeiro para
prestar a D. Pedro a admiração e o respeito do novo Gover-
no (ARCHIVO PUBLICO DO RIO GRANDE DO SUL, n. 7,
set. 1922, p. 41-42; CARREIRA, 1980, p. 38-40 e 43). Assim, a
Junta reconhecia e colocava-se diretamente sob a autoridade
do Príncipe Regente.
A Junta Governativa eleita caracterizava-se por uma
ruptura com o modelo das Cortes, mas, ao mesmo tempo,
esse era um rompimento parcial, que restringia as mudanças
propostas por aquela assembleia. Contraditoriamente, a elei-
ção de Daun mantinha o forte vínculo com D. João VI, que
o nomeara. Ao mesmo tempo, a concentração de poderes na
figura do Presidente da Junta, acumulando diversas funções,
inclusive o Governo das Armas, preservava as características
dos governos das antigas capitanias-gerais. Atendia-se às aspi-
rações do “povo”, mas também eram pacificadas as tropas de
linha, fiéis às Cortes.
Mas, a crescente oposição entre as ordens das Cortes e
as medidas tomadas pelo Regente no Brasil refletia-se na ad-
ministração da Capitania. Visando estabelecer a subordina-
ção dos poderes provinciais ao Governo do Rio de Janeiro,
o Príncipe Regente determinou que o Governo Provisório da
Província do Rio Grande de São Pedro do Sul não aceitasse ou
desse posse a empregados civis, eclesiásticos ou militares que
tivessem sido despachados de Portugal. Afirmava que essas
nomeações eram-lhe privativas (AHRS – Fundo Documenta-
ção dos Governantes, códice B. 1.018).23
23
Decreto de 22 de abril de 1822.
104
Releituras da História do Rio Grande do Sul
24
O primeiro pedido de demissão de Daun foi encaminhado em 13 de julho de 1822. Negada, esta repre-
sentação foi reiterada em 16 de julho, 23, 25 e 28 de agosto daquele ano.
105
[...] sendo da atribuição do chefe do Poder Execu-
tivo a direção da força armada, e por conseguinte a
nomeação de generais, ou governadores de armas
seria absurdo, e até usurpação inconstitucional su-
por que o governo popular podia dar essa comissão
a quem o mesmo Governo quisesse, e menos ainda
reunir em um só indivíduo a presidência civil e o
comando das armas. (Arquivo Visconde de São
Leopoldo, n. 0163, p. 4)25
25
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRGS).
26
Ofício de 28 de setembro de 1822.
106
Releituras da História do Rio Grande do Sul
27
Parecer sobre os acontecimentos ocorridos no Rio Grande do Sul, da Proclamação de opinião pública
feita pelas Forças Armadas submetendo o governo da Província.
28
Eram elegíveis homens maiores de 30 anos e que residissem na Província há pelo menos seis anos.
107
siderados eleitores a possibilidade de escolha do presidente
da Província. O exercício eletivo na esfera local se resumia à
escolha dos membros do Conselho Administrativo, um órgão
consultivo; era um primeiro movimento de centralização de
poderes em relação à abertura propiciada pelas Cortes portu-
guesas (PICCOLO, 1985, p. 38).
Conforme a lei, eram atribuições dos presidentes das
províncias:
[...] fomento da agricultura, educação, estabeleci-
mento de câmaras, proposições de obras, censos,
fiscalização das contas e receitas das comarcas,
decisão sobre os conflitos de jurisdição dos distri-
tos, vigia sobre a infração das leis, cuidados com os
escravos, determinação de receitas extraordinárias,
sendo também responsáveis pelas Juntas da Fazen-
da Pública. Dessa forma, a lei dotava os mesmos
presidentes de amplos poderes, ainda que estabele-
cesse limites para sua atuação mediante a institui-
ção do Conselho. (SLEMIAN, 2007, p. 27)
29
Decreto de 12 de novembro de 1823.
108
Releituras da História do Rio Grande do Sul
30
Também denominado “Conselho da Presidência” ou “Conselho do Governo da Província”.
109
primeira vez em 29 de novembro de 1828, já que só foi regu-
lamentado pela Lei de 27 de agosto daquele ano (Biblioteca da
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul [ALRS]. Livro de
atas do Conselho Geral da Província, volume 1 [1828-1831]).
Apesar do limitado poder formal desses conselhos, deve-se
observar que, no Rio Grande do Sul, essas instâncias permi-
tiram uma crescente articulação de grupos que manifestavam
seu descontentamento, questionando as medidas emanadas
do governo central e apresentando propostas alternativas e
muitas vezes conflitantes àquelas.
No longo do período analisado, as estruturas adminis-
trativas e os governantes do Rio Grande de São Pedro transi-
taram de poderes eminentemente militares para aqueles ca-
racterísticos da administração colonial portuguesa: capitania
subalterna e seus governadores, capitania geral e seus gover-
nadores e capitães-generais. Mas, na década de 1820, a antiga
capitania, transformada em Província, deixou de ser apenas
uma divisão administrativa, tornando-se entidade política,
elegendo representantes para as Cortes em Lisboa, para a sua
Junta Governativa, para a Assembleia Constituinte no Rio de
Janeiro e para a Câmara do Império. As experiências da eleição
do Governo Representativo e as juntas de governo provisório
criaram um espaço para a interferência direta da elite local no
governo provincial. No entanto, a Constituição brasileira de
1824 implicou um movimento de centralização, por meio dos
presidentes nomeados, mas, ao mesmo tempo, criou outros
órgãos pelos quais esses homens poderiam expressar suas po-
sições e participar do governo. Foram esses os espaços utiliza-
dos durante o Primeiro Reinado para fazer frente às decisões
da Corte e para expressar as aspirações da elite rio-grandense.
110
Releituras da História do Rio Grande do Sul
Referências
LIMA, Alcides. História popular do Rio Grande do Sul. 2 ed. Porto Ale-
gre: Livraria do Globo, 1935.
111
MEMÓRIA dos serviços prestados pelo Mestre-de-campo André Ribeiro
Coutinho no Governo do Rio Grande de S. Pedro, dirigiu a Gomes Freire de
Andrada, em 1740. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: IHGRGS, nº. XVI, IV trim, 1936, p. 237-246.
112
Releituras da História do Rio Grande do Sul
113
Releituras da História do Rio Grande do Sul
115
quência, também vieram à lume muitas publicações conten-
do fontes documentais, acerca não só dos alemães e italianos,
mas de outros tantos europeus que migraram para o extremo-
-sul do Brasil, publicadas especialmente pela EST Edições,
acessando aos historiadores o seu instrumental por excelên-
cia, que são as fontes documentais. Com elas identificadas e
transcritas, o pesquisador avança caminho, e ele foi transita-
do por muitos, fora e dentro da Academia. O que é visível –
desencadeou-se um processo de construção de identidade e
de pertença às raízes, às origens familiares, nunca visto, sem
esquecer-se da possibilidade de oficialização da dupla cida-
dania, o que não é possível aos descendentes de açorianos no
Rio Grande do Sul; o distanciamento de gerações promoveu
rupturas com vários significados.
O cenário descortinado aos alemães e aos italianos che-
gados ao Rio Grande do Sul no século XIX, respectivamente a
partir de l824 e l875, é de um tempo posterior à incorporação
do Rio Grande do Sul ao seio brasileiro, depois de um século
de conflitos bélicos e tratativas diplomáticas intermitentes. E,
mais: o Brasil já estava emancipado de Portugal. O terreno,
portanto, estava sedimentado, quando chegaram diferentes
europeus em muitas levas e em diferentes etapas, que atraves-
saram o século XIX ao XX. É sabido que passaram por muitas
dificuldades, desde a viagem à sua acomodação e organização
de suas vidas, em meio às promessas, em grande parte não
cumpridas, para com os imigrantes, que a partir delas foram
estimulados a partir para a América. Quer-se pontuar, aqui,
as circunstâncias históricas vividas pelos açorianos trazidos à
Capitania no século XVIII. A conjuntura setecentista é a da
adversidade, pois os ilhéus foram deixados, de fato, ao aban-
dono. E sem assistência foram feitos soldados em defesa do
território em conquista. É nessa direção que se começa a justi-
ficar e arrazoar o título em epígrafe.
Assim, introduzido o tema, é de se esperar que pouco se
saiba sobre os açorianos neste meio, cujas fontes, ao contrário
116
Releituras da História do Rio Grande do Sul
1
Sobre alemães e italianos, no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul há uma farta documentação,
identificada e de fácil procura.
2
A documentação avulsa referente aos açorianos está espalhada em diversos maços, esparsos em diferentes
origens ou proveniências, em meio a tantos outros documentos, o que dificulta a procura, pois há que
se fazer a leitura paleográfica, de um a um, sobretudo dos Requerimentos da Provedoria e Junta da Real
Fazenda, nos quais se pinçam ou se depreendem informes sobre os portugueses insulares. No Arquivo da
Cúria Metropolitana, igualmente se encontram fontes, cuja pesquisa também requer paciência e persis-
tência para decifrá-las.
3
Ajudará aos interessados, inicialmente, saber o que se tem publicado sobre os açorianos no Rio Grande
do Sul. Fez-se um inventário, a respeito, que está publicado no sítio do GT Estudos Étnicos da ANPUH/RS.
117
1 Açorianos – os portugueses ilhéus na formação do
Rio Grande do Sul
4
Recordando, por este tratado, a linha imaginária terminaria em Laguna, Santa Catarina. Por consequên-
cia, o território do Rio Grande do Sul era posse espanhola na América Meridional.
118
Releituras da História do Rio Grande do Sul
119
então reunia jesuítas a serviço da Espanha, por meio de aldea-
mentos indígenas – os Sete Povos das Missões, que sendo libe-
rada conforme tratado, para ali seriam alojados os açorianos,
desempenhando um papel defensivo, ou seja, de retaguarda
portuguesa na região. É o que planejou a Coroa Portuguesa.
Aliás, do Arquipélago dos Açores (Ilustração 2), ilhas por-
tuguesas situadas no Atlântico Norte, a Noroeste da África, já
vinham chegando açorianos, desde a década de 1740, para ali-
mentar a lógica defensiva que Portugal procurava desenvolver
na área sulina. Igualmente, ilhéus já estavam localizados na Co-
lônia do Sacramento e imediações, cumprindo o papel de po-
voadores e defensores dos interesses lusos, na área em disputa.
120
Releituras da História do Rio Grande do Sul
5
Duas observações aqui são necessárias: a) os resultados da erupção de Capelinhos na Ilha do Faial entre
1957 e 1958, e seus efeitos em cadeia, provocaram um êxodo de grandes proporções para a América. Tanto
no Canadá como nos Estados Unidos, nas costas Leste e Oeste, os açorianos se instalaram, com números de
monta, a tal ponto que a comunidade açoriana é maior fora das ilhas, na atualidade; b) a diáspora é para os
açorianos um fenômeno demarcador de sua identidade. Portanto, faz parte da história açoriana, a partida,
no passado e no presente.
6
Outros documentos demonstram as providências para essa fase da emigração açoriana em direção ao sul
do Brasil: a) Carta Régia de D. João V, de 5 de setembro de 1746, e o despacho do Conselho Ultramarino,
da mesma data; b) Regimento para o transporte dos casais das ilhas da Madeira e dos Açores para o Brasil,
de 05 de agosto de 1747; c) Provisão Régia de D. João V, ordenando o transporte e o estabelecimento dos
açorianos das Ilhas para a Ilha de Santa Catarina e o Continente do Rio Grande de São Pedro, datada de
09 de agosto de 1747; d) condições com que foi arrematado, por Feliciano Velho de Oldemberg, o assen-
to do transporte dos casais da Corte e das Ilhas para o Brasil, em 07 de agosto de 1747. Ver ESPÍRITO
SANTO, 1993, p. 21.
121
Do outro lado do Atlântico, em território também por-
tuguês, no Sul do Brasil, havia falta de braços e de “defensores”.
Em busca dessa solução, Avelino Meneses, a propósito desta-
ca: “[...] o soberano converte a restrição dos rumos da emigra-
ção em meio de fortalecimento da ocupação das áreas mais
necessitadas, concretamente as regiões brasileiras mais sujei-
tas à pressão militar estrangeira.” (MENESES, 2007, p. 28).
Foi, portanto, nesse quadro de interesses, que a Coroa
lusa decidiu, de um lado, liberar açorianos em sérias dificulda-
des e, de outro, acomodá-los em outra parte do Reino que pre-
cisava de segurança para ser resguardada. Dada essa definição,
começaram a chegar pelo porto de Rio Grande, em 1752, os
açorianos “de número” ao Rio Grande do Sul.7
Segundo dados estatísticos até agora não bem-esclarecidos,
porque contraditórios, cerca de 350, para uns, ou 585 casais
açorianos, para outros, entraram, então, na Capitania, número
distante do projeto real de enviar 4 mil casais, inicialmente.8 O
que as pesquisas recentes demonstram é que bem mais de 600
famílias ingressaram no território, na primeira leva. Muitos
outros migraram, não só por água, via Rio Grande, como por
terra, vindos de Santa Catarina, pelo corredor norte-litorâneo,
ou de Colônia e cercanias.
Em se tratando da primeira leva, o alvo era o Oeste da
Capitania, como já destacado. A ordem era transportar os
açorianos, para além de Rio Pardo, base militar portuguesa
para a demarcação dos limites, situando-os na área missionei-
ra, com o fim de ali exercerem o papel de cunha garantidora
do domínio português na região. Portanto, esta era a real fun-
ção que então lhes era imposta – a de serem soldados a serviço
de Portugal, cumprindo, assim, o princípio do uti possidetis.
7
Sobre a penosa viagem, há relatos, como o de ESPÍRITO SANTO, 1993, p. 21.
8
Esses são os números repetidos na historiografia produzida até os anos 1980 sobre o tema, a partir da
obra precursora: FORTES, 1978.
122
Releituras da História do Rio Grande do Sul
123
Em 1763, ocorreu a invasão espanhola sobre a Vila de
Rio Grande, comandada por Ceballos, governador de Buenos
Aires. Ela foi devastadora para todos, pois forçou o processo
de fuga das imediações, inclusive do Governador da Capitania
do Rio Grande de São Pedro, que rumou para Viamão, lá se-
diando a capital por 10 anos.
Os açorianos, em nova e forçada diáspora, se espalha-
ram em várias direções, reassentando-se, nesta circunstância
de conflito, onde pudessem recomeçar suas vidas. Como de-
fensores de “sua nova terra”, acabaram por ajudar na preserva-
ção do domínio português pretendido na região. Em deban-
dada (Ilustração 3), muitos se fixaram em núcleos portugueses
já existentes, como em Santo Antônio da Patrulha e Conceição
do Arroio (Osório), somando-se aos ilhéus, já instalados, mi-
grados via Litoral Norte, de núcleos açoritas de Santa Catari-
na. Outros deram origem a novos núcleos povoadores como
Encruzilhada, Triunfo e Taquari, esta última projetada pelo
Governador da Capitania, Custódio de Sá e Faria, em 1764.
124
Releituras da História do Rio Grande do Sul
10
Sobre o destino destes casais, o Monsenhor Ruben Neis abordou em pesquisa, mostrando que a maio-
ria deles se dispersou. Na conjuntura desenhada, ao pesquisador resta perscrutar um longo caminho de
pesquisa. Foi o que realizou o Genealogista Moacyr Domingues, que por mais de 20 anos levantou dados
nos arquivos dos Açores, do Rio Grande do Sul e do Uruguai para acompanhar as constantes migrações e
fixações dos açorianos na região em estudo. Examinar: DOMINGUES, 1993; DOMINGUES, 1994.
125
núcleo que foi medido pelo Capitão Alexandre José Montanha.
Ele demarcou os lotes e fez o traçado das ruas. No ano seguin-
te, em 1773, a freguesia passou a ter Nossa Senhora Madre de
Deus como a padroeira do povoado em crescimento, a ponto
de José Marcelino trasladar para ele a capital de Viamão.
Cultivando as chácaras com trigais e outros cereais, os
açorianos foram dando uma fisionomia animada ao Porto. Si-
tuados em datas de 272 ha, a pequena propriedade foi implan-
tada na Capitania, contrastando com o latifúndio, com cera
de 13.000 ha, já lastreado em grande parte do Leste sulino.
Neste cenário, despontou o Porto dos Casais como importante
centro abastecedor de alimentos da região, então configurada
como uma sociedade que se estruturava pela diferença e que,
paulatinamente, foi sendo consolidada.
Em meio a essa movimentação que apresentava momen-
tos de distensão, a agricultura praticada pelos açorianos pas-
sou, não só, a fornecer alimentos para o mercado local, como
a render lucros à Coroa portuguesa com a crescente exporta-
ção da produção tritícola. Eis em Porto Alegre, os moinhos
de vento (Ilustração 4) e as azenhas (Ilustração 5) a moerem
o grão, fruto da faina açoriana, cuja toponímia demarca os
nomes de dois bairros da cidade.
Fonte: Açores, Portugal. Horta/Faial: Direcção Regional de Turismo dos Açores, s/d.
126
Releituras da História do Rio Grande do Sul
A propósito, o romance: ASSIS BRASIL, Luiz Antonio de. Um quarto de légua em quadro. Porto Alegre:
11
Movimento, 1976.
127
de concessão de terras sem precedentes.12 Entre 1780 e 1800,
os açorianos passaram, enfim, oficialmente, a receber terras,
após longo tempo de espera e de conflitos bélicos.13
O alvo português era avançar os seus domínios na dire-
ção Oeste. A saída, para tanto, viável, era pelo menos incorpo-
rar, por meio da política de concessão de sesmarias, o amplo
território missioneiro, cenário projetado para os açorianos
quando do Tratado de Madrid. Sem dúvida, a doação de terras
era uma estratégia eficaz e sem ônus para a Coroa, na medida
em que o sesmeiro, ao ganhar a propriedade, tratava logo de
transformar sua posse em uma verdadeira fortaleza. Assim,
ao resguardar seus bens, estava também garantindo a posse
lusa na área em conquista, sem ônus, prática que se mostrou
exitosa aos portugueses.14
Com esta estratégia, Portugal, sem descanso, foi conce-
dendo terras, em especial na direção Oeste. Ao iniciar o sé-
culo XIX, em maio de 1801, um servidor da Coroa espanhola
no Rio Grande do Sul, Félix de Azara, fundador da primitiva
povoação de São Gabriel, percebeu o perigo a que seu país
estava exposto. Escreveu ele, ao rei, a Memória Rural do Rio
da Prata,15 na qual destaca que estabelecimentos portugueses16
estavam sendo espalhados em seus domínios. E alertava ele
– se não forem tomadas providências urgentes, estabelecen-
do ali núcleos espanhóis, em menos de 4 anos terá a Espanha
perdido a posse do referido território.
12
Quer sesmarias (que variava entre 10 e 13 mil ha), quer datas (272 ha, como já indicado), configurando
assim uma estrutura fundiária de dois polos: de latifundiários e minifundiários. Os açorianos se inserem
na condição dos pequenos proprietários, em sua maioria.
13
A transcrição de todas as propriedades concedidas aos açorianos, resultado de projeto da autora, aprova-
do pela FAPERGS, e levando o nome da FAPA e do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, está publicada
na obra de 1.152 páginas: BARROSO, 2002b.
14
A conduta espanhola, ao contrário, era a de centrar seu poder com o fortalecimento das cidades portuá-
rias. Eis Buenos Aires, na embocadura do Rio da Prata, por exemplo.
15
Ver sua publicação na obra: AZARA, Félix de. Memória Rual do Rio da Prata. In: FREITAS, 1980.
16
Significam “propriedades de terras”.
128
Releituras da História do Rio Grande do Sul
17
Em levantamento realizado pela autora nos livros de Matrícula de Enfermos e nos de óbitos de “livres”
relativos ao século XIX, foram inventariados os nomes de açorianos que passaram pela Santa Casa ou
foram sepultados em seu cemitério. Verificar a obra: BARROSO, 2002b.
18
Nos registros de óbitos de escravos sepultados no Cemitério da Santa Casa de Porto Alegre, encontram-
-se muitos indicados como de sua propriedade. Na maioria dos casos, a causa da morte refere-se à queda
do escravo em obra de construção. Acervo do Centro Histórico-Cultural Santa Casa de Porto Alegre. E
importante trabalho de pesquisa sobre este personagem, realizado por Miguel Duarte, está publicado na
obra BARROSO, 2002b.
129
Rio Grande do Sul, até o final do século XVIII, comprovam que
eles eram mais de 50%. Isso já demonstrara Moacyr Domin-
gues em suas pesquisas. Inclusive, chamando a atenção para
a fundação de São Carlos de Maldonado, no Uruguai, com os
açorianos para lá migrados, em virtude da invasão espanhola
de 1763. Nesse sentido, ele consegue mostrar os percursos de
muitos migrados para a nova povoação uruguaia, que acabam,
depois em tempo de paz, por retornar ao Rio Grande do Sul.19
Ampliando e consolidando esta tese, o Genealogista
Luiz Antônio Alves, autor do Memorial Açoriano, coleção
de 58 volumes, em tamanho A4, com aproximadamente 500
páginas cada um, constituiu, com sua obra, uma espécie de
veredictum de comprovação de que os açorianos não foram
exterminados e nem varridos definitivamente do território
português, a ponto de se afirmar que há muito de açoriani-
dade na formação do estado mais meridional do Brasil. Ele
aponta percentuais de origem por ilha, a partir da lista por ele
levantada e apresentada (Quadro 1).20
19
Verificar sua obra: DOMINGUES, 1994.
20
Examinar: ALVES, 2005. Na obra, ele informa os critérios de análise e as fontes compulsadas.
130
Releituras da História do Rio Grande do Sul
131
(cruzar o rio), escuitar (escutar). Destacam-se as denomina-
ções: dona (senhora) e peão (empregado), no rol da contribui-
ção linguística.
A literatura oral gestada nos Açores também visibiliza-
da no cotidiano em diversos lugares do estado, mostra a rique-
za de adágios (provérbios ou ditados populares), de adivinhas,
parlendas, lendas e poesia popular, comum e similar nos dois
espaços, até o presente. Para exemplificar, “Água mole, em pe-
dra dura, tanto bate até que fura” e suas variantes, são comuns
aos dois lados do Atlântico. Destacam-se, também, as cantigas
de roda, passadas de geração a geração, os ditos das benzedu-
ras para os vários males e os falórios, nos diversos ritos reli-
giosos (do batizado ao rito fúnebre).21
Os brinquedos e as brincadeiras infantis são de he-
rança portuguesa, na sua maioria. Quem não brincou de
“gato e rato”, “sapata”, “cabra” ou “gata cega”, ou andou com
pernas de pau, lançou pandorgas (as pipas ou papagaios) no
céu e jogou dominó?
A religiosidade manifesta no catolicismo arraigado é
visível nos nomes de muitos povoados estabelecidos no Rio
Grande do Sul durante o século XVIII. Logo que assentados/
arranchados, os continentais ou ilhéus tratavam de edificar
uma capelinha ao santo devoto. A comprovar, os nomes dos
primeiros núcleos populacionais como: SANTO ANTÔNIO
da Patrulha, NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO do Ar-
roio, SÃO FRANCISCO DE PAULA de Cima da Serra, NOS-
SA SENHORA DO ROSÁRIO de Rio Pardo e tantos outros.
Dentre as devoções destacam-se a de São Miguel e Al-
mas e a de Nosso Senhor dos Passos, com suas solenes pro-
cissões. Estas e outras devoções estão ligadas a irmandades,
21
A folclorista Sonia Siqueira Campos fez estudo minucioso e detalhado das manifestações de literatura
oral, presentes no Rio Grande do Sul e as comparou com as variantes das diferentes ilhas dos Açores, ve-
rificando suas similitudes e aproximações, tendo a clareza de que cada lugar imprime sua marca e traços
próprios. Examinar: CAMPOS, 1992, p.61-69.
132
Releituras da História do Rio Grande do Sul
133
construções dedicadas ao Divino, que existiam em municípios
com presença açoriana. O único existente, mas em ruínas, é o
de Triunfo, que, se preservado fosse, seria o exemplar rema-
nescente desta tradição religiosa de base açoriana no estado.
Dentre as danças gauchescas, com influência açoriana,
nas suas variantes destacam-se: o pezinho, a chimarrita, a ti-
rana do lenço, a quero-mana, o anu e o balaio. Nas ilhas, é
interessante observar as variantes do pezinho e da chimarrita,
em cada uma, por exemplo.
A arquitetura portuguesa, depois adaptada pelos ilhéus
às suas necessidades e condições insulares, também está pre-
sente no Rio Grande do Sul, por meio de exemplares ainda
preservados em alguns municípios, como Rio Pardo, Triunfo,
Santo Amaro, Santo Antônio da Patrulha e outros. Neles, o
casario luso-açoriano, os sobrados com as telhas portuguesas
e, no seu interior, os oratórios aos seus santos devotos se so-
bressaem diante das construções modernas.
A freguesia, a vila e o município – herança que os
romanos deixaram em Portugal – foram igualmente trans-
plantados para os Açores, como ao Brasil, constituindo-se as
células eclesiásticas e político-administrativas dos povoados
pioneiros do Rio Grande do Sul.
E a culinária? Pratos do cotidiano reafirmam a herança
lusa (dos continentais e ilhéus), como os cozidos e fervidos. A
açorda é apreciada por muitos que repassam às novas gerações
o gosto por este prato, ainda preservado.22
A doçaria é riquíssima, preparada de várias formas que
resultam em apreciadas guloseimas, disputadas nos cafés. A
lista é grande. A exemplificar: pão-de-ló, arroz-doce, ovos-
-moles, suspiros, rosquetes e rosquinhas, sonhos, doces com
frutas etc., além de pães variados, sovados e batidos, em for-
matos diversos. Para as festas do Divino, nos Açores, são fei-
22
Sopa feita com migas de pão. Diante das restrições de alimentos, tudo se aproveita.
134
Releituras da História do Rio Grande do Sul
3 Conclusão
135
O que é fato, na Capitania de São Pedro, os açorianos
acabaram por ficar ilhados, em meio a terra, por todos os la-
dos. Tinham tudo para esquecer suas origens, suas raízes, suas
ilhas. A realidade, aqui, lhes aprontou “um outro mundo” e
uma outra vida, muito distante, e em nada similar daquela que
lhes era familiar. Isso precisa ser dito e frisado, para que nun-
ca mais se repita que os açorianos não fazem parte de “nossa
identidade”, como às vezes se escuta. Reconhecer sua contri-
buição na história do Rio Grande do Sul é, no mínimo, um
sinal de respeito. Por isso, é indispensável conhecer as circuns-
tâncias, o meio e a política vigente no tempo da transmigra-
ção açoriana para a estremadura meridional do Brasil. E este
trabalho se coloca com esta perspectiva e com este propósito:
o de fundamentar o reconhecimento da marca identitária aço-
riana na formação social do Rio Grande do Sul.
Referências
______. Lusos e açorianos no RS: conquista e legado. In: Ciências & Letras.
Revista da FAPA. Porto Alegre: FAPA, n. 13, 1993b, p. 127-131.
136
Releituras da História do Rio Grande do Sul
137
GHISLENI, Maria Helena Peña. Açorianos no Rio Grande do Sul: docu-
mentos interessantes. Porto Alegre: Caravela, 1991.
LAYTANO, Dante de. Arquipélago dos Açores. Porto Alegre: Nova Di-
mensão, 1987.
POLETTI, Felipe. História do Rio Grande do Sul. São Paulo: Ática, 2004,
ROSA, Angelita da; BRITO, Gabriella Martins de; BARROSO, Véra Lucia
Maciel. (Org.). Arquitetando Santo Amaro a partir de suas raízes. Venân-
cio Aires: Traço, 2008.
138
Releituras da História do Rio Grande do Sul
* Mestre em História pela PUC/RS. Professor nos cursos de Pós-graduação e Graduação da FAPA e da
UNIASSELVI.
139
Já em Sacramento, começou a ser usada a estratégia,
mais tarde empregada pelos farroupilhas, de aumentar o con-
tingente armado através de cativos negros que pegassem em
armas ou desertassem das tropas inimigas, com a promessa
de liberdade.
Os africanos e seus descendentes já haviam transitado
em terras sul-rio-grandenses, através das bandeiras: “É de
afirmar-se que a presença do negro no Rio Grande do Sul te-
nha se verificado por volta de 1635, há mais de três séculos, na
bandeira de Raposo Tavares” (BENTO, 1976, p. 266). Como
também estiveram presentes na expedição que estabeleceu a
criação do presídio Jesus-Maria-José, em 19 de fevereiro de
1737 dando início oficial ao povoamento português em Rio
Grande. Sobre a presença negra, afirma o Coronel Cláudio
Moreira Bento (1976, p.269):
Segundo Paula Cidade, a partir desta época, “uma
onda de negros e mulatos desceu sobre as campinas
do Sul. Em menos de um século já equivalem, em
número, à metade dos habitantes brancos. Cru-
zam-se as três raças e uma delas, a indígena, entra
logo a ser absorvida...”
140
Releituras da História do Rio Grande do Sul
141
Na necessidade de fortalecer suas posições militares
para a defesa do território, assim como abastecer a região mi-
neradora, os portugueses começaram a fornecer sesmarias no
extremo Sul brasileiro, onde a peonada era constituída por ne-
gros e índios.
Conforme Maestri (2006, p. 47), “a posse de cativos era
quase imprescindível para obter sesmaria.” Em tempos difíceis
e de conflitos, eram raras mulheres brancas que aceitavam vir
a essas terras sem lei. Tal fato fez com que se tornasse comum
a união de soldados com índias e negras, o que proporcionou
um caldeamento étnico entre os habitantes do Brasil Meri-
dional, para o desespero de muitos, que se orgulham de suas
raízes europeias e sonegam os laços sanguíneos de africanos
e indígenas com a população lusa. A província de São Pedro
passou a ser cenário de uma grande mestiçagem populacional.
Porém, devido aos frequentes conflitos, aos deslocamen-
tos dos ameríndios e ao reduzido número de cativas negras
resultante do fato de que os escravistas preferiam trabalha-
dores homens, o governo português promoveu uma “limpa”
na sociedade colonial, e enviou, para o extremo Sul, mulheres
oriundas de bordéis, para casarem-se no novo território. Ali,
transformar-se-iam em “respeitáveis senhoras”, tratadas com
todo respeito, constituindo parte da elite dominante da socie-
dade sul-rio-grandense. Sobre a população do Rio Grande, es-
creveu Flores (2003, p. 49):
Formavam a população e a guarnição de Rio Gran-
de pessoas das mais variadas procedências: portu-
gueses, brasileiros de S. Paulo, Bahia, Minas Gerais,
Pernambuco e Rio de Janeiro; índios tupis de S.
Paulo, guaranis fugidos das reduções, negros livres
e escravos. Havia também espanhóis oriundos de
Montevidéu, Santa Fé, Corrientes, Entre Rios e Pa-
raguai que se empregam como peões e domadores.
Por falta de mulheres brancas, os soldados se uniam
com índias e com escravas. O governo colonial en-
142
Releituras da História do Rio Grande do Sul
143
Segundo Assumpção (1995, p.39-40),
Com o crescimento da cidade, aumentou também a
vida social. O refinamento e a riqueza dos habitantes
de Pelotas, cujas famílias mais abastadas mandavam
seus filhos estudar fora da província, se refletiram
também em títulos de nobreza, como salienta Alva-
rino Marques:
Nos últimos anos da monarquia, dentre os 58 titu-
lados da nobreza provinciana, nada menos de 13
eram de Pelotas, e poucos tinham conquistado seus
títulos em feitos militantes. Os títulos nobiliárquicos
recebiam nomes pitorescos da nossa rica toponímia:
- Barão de Arroio Grande – Francisco A. Gomes da
Costa;
- Barão de Butui – José Antônio Moreira (português);
- Barão de Correntes – Felisberto Inácio da Cunha;
- Barão do Cerro Alegre – João Alves de Bittencourt;
- Barão de Itapitocaí – Dr. Miguel R. Barcelos;
- Barão de Jaguari – Domingos da Costa Antiqueira,
mais tarde visconde;
- Barão do Jarau – Dr. Joaquim Augusto Assumpção;
- Barão de Santa Tecla – Joaquim da Silva Tavares;
- Barão dos Três Cerros – Aníbal Antunes Maciel;
- Barão de São Luís – Leopoldo Antunes Maciel;
- Conde de Piratini – João Francisco Vieira Braga;
- Visconde da Graça – João Simões Lopes;
- Viscondes de Pelotas (militares) 1º e 2º – carreira
da câmara.
Pela quantidade de títulos concedidos, percebe-se o
prestígio dos senhores pelotenses dentro do cenário
nacional. E o consequente ciúmes dos senhores das
outras cidades, menos importantes, que tentaram
menosprezar a Princesinha do Sul, atribuindo carac-
terísticas e adjetivos desabonadores a seus habitan-
tes, principalmente aos homens, que eram ridiculari-
zados devido a seus gestos “finos e educados”. Ao se
referir ao aspecto cultural pelotense, assim se mani-
festou Alvarino, reforçando o já tradicional ufanismo
dos historiadores pelotenses:
Pelotas, como se sabe, teve origem diversa da
maioria das cidades gaúchas. Aqui se formou des-
144
Releituras da História do Rio Grande do Sul
145
Embora o levantamento não discriminasse os habitantes
por sexo, o número de mulheres brancas era pequeno, como já
assinalado, fazendo do cruzamento inter-étnico algo inevitável.
A propósito, convém especificar que, ao se falar em brancos,
talvez a referência seja a um mestiço de pele clara. O fato de
ter a aparência ou de assumir-se como negro, índio ou mestiço
seria motivo para ser vítima de discriminação em uma socie-
dade classista, escravista e racista. Quanto mais branco fosse o
indivíduo, menos preconceito sofreria. O viajante Lucook des-
creveu o tratamento aos não brancos: “Parece por toda parte
bastante que uma pessoa tenha a tez de um preto para que se
designe como objeto sobre o qual a tirania se pode exercer”
(LUCCOCK, 1975, p.135).
Tomando por base a tabela anterior , é fácil perceber que
o Rio Grande do Sul nunca foi tão branco quanto alguns gosta-
riam. Em três freguesias, Aldeia dos Anjos, Triunfo e Cachoeira,
a população negra ultrapassava a dos brancos. De modo indireto,
o levantamento de 1780 demonstrou, igualmente, a importância
dos trabalhadores escravizados na economia e na povoação do
extremo Sul do Brasil, já que, em todas as freguesias, estiveram
presentes africanos e seus descendentes; e tudo autoriza a crer
que a imensa maioria deles fosse de trabalhadores escravizados.
Contudo, foi com a consolidação das grandes charqueadas
como principal atividade econômica da província que ocorreu
a entrada em grande número de trabalhadores escravizados.
Uma das razões para o aumento foi o fato de que os homens
livres se negaram a labutar nesses estabelecimentos, devido as
suas péssimas condições de trabalho e higiene. Como descre-
veu o viajante Herbert Smith (1922, p. 140):
Há um não sei que de revoltante e ao mesmo tempo
cativador nestes grandes matadores; os trabalhado-
res negros, semi-nus, escorrendo sangue; os animais
que lutam os soalhos e sarjetas correndo rubros, os
feitores estalidos, vigiando imóveis sessenta mortos
por hora, os montes de carne fresca dessorando,
o vapor assobiando das caldeiras, a confusão que
146
Releituras da História do Rio Grande do Sul
147
Em 1814, a maior parte da população era constituída de
não brancos (Tabela 3). Em nenhuma das freguesias o núme-
ro de cativos era inferior a duas centenas. Porém, é Pelotas a
mais importante cidade do século XIX no Rio Grande do Sul,
onde se situava o polo charqueador, que apresentava a maior
concentração de africanos e descendentes, superando os 60%.
O charque era o principal produto produzido nas charquea-
das, assim como o de maior importância nas exportações da
província. Eram esses estabelecimentos os impulsionadores
da economia do Brasil Meridional.
148
Releituras da História do Rio Grande do Sul
149
aos trabalhadores escravizados, tomando por base situações
singulares de escravos ou famílias escravizadas que tiveram
um tratamento diferenciado da grande maioria. Se não se tra-
tasse de exceções, não se teria o altíssimo número de fugas,
de quilombos e de vários tipos de justiçamento, nos quais os
trabalhadores escravizados se envolviam, como relata Maes-
tri, em seu livro de excepcional título Deus é grande, o mato é
maior!, onde trata da resistência servil no Rio Grande do Sul.
Nas charqueadas, que tinham uma média de 60 a 80 ca-
tivos, as condições de trabalho eram duríssimas; o tratamen-
to, impiedoso e a vigilância, rígida. Sobre o assunto descreve
Alvarino Marques (1990, p. 105): “As relações entre negros e
senhor eram iguais, senão piores que as verificadas no resto
do Brasil escravocrata....”, diz, ainda, o autor, citando Nicolau
Dreys:“Uma charqueada bem administrada é um estabeleci-
mento penitenciário”.
No mesmo sentido, em depoimento de excepcional va-
lor, tem-se a descrição de Saint-Hilaire, que se torna indispen-
sável, devido à posição nada favorável do mesmo em relação
aos afrodescendentes.
Nas charqueadas os negros são tratados com dure-
za. O Sr. Chaves, tido como um dos charqueadores
mais humanos só fala aos seus escravos com exage-
rada severidade, no que é imitado por sua mulher;
os escravos parecem tremer diante de seus donos.
Há sempre na sala um pequeno negro de 10 a 12
anos, cuja função é ir chamar os outros escravos,
servir água e prestar pequenos serviços caseiros.
Não conheço criatura mais infeliz que essa criança.
Nunca se assenta, jamais sorri, em tempo algum
brinca! Passa a vida tristemente encostado à pa-
rede e é frequentemente maltratado pelos filhos do
dono. À noite chega-lhe o sono e quando não há
ninguém na sala, cai de joelhos para poder dormir.
Não é esta casa a única que usa esse impiedoso sis-
tema: ele é frequente em outras. Afirmei que nesta
150
Releituras da História do Rio Grande do Sul
151
pagamentos escorchantes, como também dos maus-tratos de-
correntes da discriminação étnica.
Nas cidades, também foram frequentes os escravos de
aluguel; modalidade em que os senhores viviam do arrenda-
mento de seus cativos a terceiros. Não foram raros os senhores
e as senhoras que sujeitaram suas belas escravas à prostituição,
de cujos rendimentos passaram a viver.
4 Resistência escrava
A escravidão trouxe consigo algo intrínseco a si própria,
a resistência e a busca da liberdade dos seres humanos reduzi-
dos à servidão. O que não foi diferente no Brasil Meridional,
apesar da mistificação de uma escravidão mais branda do que
no restante do território, como apregoaram alguns românticos
ufanistas gauchescos.
Julgamos que o nosso espírito democrático já se
formara antes da grande introdução do elemento
negro. Esse ponto de vista explica o fato de serem,
como relatam os historiadores, os escravos me-
lhor tratados aqui do que nas demais províncias
do Brasil. O espírito de fraternidade que o tempo
depositou na alma de nossa gente foi tão grande
que numa das poucas lendas criadas pela alma
gaúcha (a do Negrinho do Pastoreio) estigmatiza
a execranda memória de um senhor perverso. A
democracia rio-grandense, por conseguinte, ado-
ça, humaniza entre nós a nefanda instituição que
outros povos ambiciosos criaram e exploraram.
(GOULART, 1985, p.48)
152
Releituras da História do Rio Grande do Sul
153
A relação do escravo rebelado com os estados vizinhos
sempre foi uma preocupação por parte da elite sulina. Haja
vista o quilombo de Manoel Padeiro, salvo melhor juízo, foi o
mais violento refúgio de negros que se tem registro. O quilom-
bo de Padeiro impôs um verdadeiro pânico na região onde se
localizava o polo charqueador gaúcho, com seus atos de aten-
tado contra a propriedade. O medo gerado pelo quilombola
fez com que as autoridades oferecessem uma elevada soma
pela sua captura:
(...) Aberta a sessão às dez horas da manhã, de-
pois de se haver conferenciado com o juiz de paz
do terceiro distrito, Boaventura Inácio Barcelos,
sobre as providências que se precisarão dar para
a extinção dos quilombos da Serra dos Tapes, foi
deliberado por unanimidade de votos, que o dito
juiz de paz determinaria haver efetivamente uma
partida de sete homens e um comandante na di-
ligência de prenderem ou extinguirem, na forma
da Lei, os ditos criminosos quilombolas, vencendo,
diariamente o comandante, 1.280/000 réis e os ca-
maradas a 640/000 réis cada um, além da gratifi-
cação que terá a partida para prender ou extinguir
os quilombolas, a saber pelo cabeça, dos ditos mal-
feitores Manoel Padeiro 400/000 réis, e de cada um
dos seis companheiros do dito cabeça, 100/000 réis;
que finalmente, se ordenasse ao procurador desta
câmara, a entrega de quantia de 300/000 réis ao re-
ferido juiz de paz, para as despesas da dita partida,
dando ele conta final para se fazerem os competen-
tes assentos. (ASSUMPÇÃO, 1995, p. 232)
154
Releituras da História do Rio Grande do Sul
E mais
(...) que depois logo entrarão uma porção de gente
com o José Ignácio e se [...] de tudo quanto havia
no lugar do preso dos quilombolas de maneira que
houve alterações de palavras com os que haviam
155
entrado primeiramente que a dita gente de José
Ignácio não perseguiu os quilombolas e nem fize-
ram serviço algum. Disse mais que os quilombolas
diziam que haviam de vir a esta vila, principiando
pela Costa de Pelotas e trazerem mais negros para
o assalto da vila. (ASSUMPÇÃO, 1995, p. 234)
5 Conclusão
156
Releituras da História do Rio Grande do Sul
Referências
157
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do
Brasil. Tomadas durante uma estada de dez anos nesse país, de 1808 a 1818.
Belo Horizonte: Itaiaia, 1975.
158
Releituras da História do Rio Grande do Sul
1 Introdução
159
A escravidão brasileira encontrava-se de tal forma in-
corporada ao ethos das elites nacionais que seguramente não
cogitariam alternativas a ela. O sistema escravista fazia parte
da “ordem natural da economia brasileira”. O trabalho, para
a Sociedade Imperial, não se apresentava como um valor. O
destino da aristocracia com ascendência europeia era usufruir
das benesses do trabalho servil.
Neste sentido, percebe-se uma aparente contradição en-
tre os interesses do Império e os dos setores escravocratas no
Brasil. Convém lembrar que as pressões internacionais cres-
ciam de forma considerável para a abolição do tráfico interna-
cional de escravos. Desde a fase Joanina, a Inglaterra tentava
impor ao Estado português o fim do comércio escravista des-
de o ano de 1810, por conta do Tratado de Aliança e Amizade.
Em 1827, novo tratado foi firmado entre Brasil e Inglaterra. O
compromisso do governo brasileiro em extinguir o tráfico até
o ano de 1830 não se efetivou. A tentativa de decretar o fim
do tráfico em 1831, por Feijó, também não foi colocada em
prática. A culminância dessas pressões resultou na Bill Aber-
deen (1845). Com esta lei, a Inglaterra se outorgava o direito
de capturar qualquer navio negreiro, independente de sua na-
cionalidade, e julgar os traficantes.
Mesmo com o contexto desfavorável para a manuten-
ção do sistema escravista, mexer no sistema de mão de obra
no Brasil não foi algo simples. Houve um longo período de
transição. Logo, volta-se à questão anterior: qual a função da
imigração em um País com uma estrutura escravocrata tão
consolidada? Estaria o Estado brasileiro à frente dos próprios
grupos que o mantinham? Certamente, não. Nem tampou-
co pode-se considerar a questão servil como fator único nas
ações do Estado brasileiro diante da política imigratória na
primeira metade do século XIX.
Já na segunda metade do século XIX, essa situação mu-
dou, e a questão servil ganhou corpo principalmente a partir
da lei Eusébio de Queiroz (1850).
160
Releituras da História do Rio Grande do Sul
161
2 As expectativas diante da política imigratória
162
Releituras da História do Rio Grande do Sul
163
imigrantes alemães. A imigração alemã deu início a uma polí-
tica intencional do governo de atrair contingentes populacio-
nais europeus não portugueses para o Brasil. A intensificação
do contato se deu a partir do casamento da princesa Dona
Leopoldina, da casa de Habsburgo, com o Imperador Pedro I.
Até o início do século XIX, a Alemanha manteve-se
como uma região essencialmente agrária. Os 38 estados ale-
mães integrantes da Confederação Germânica mantinham
forte oposição à unificação. A hegemonia austríaca sobre esses
estados só conseguiria ser mantida mediante a permanência
da fragmentação do território. Nestas condições, o desenvol-
vimento capitalista esteve travado.
A exceção a esse cenário é a região da renana. A influência
da Prússia provocou uma relativa expansão industrial e co-
mercial. A criação do Zollverein (união aduaneira dos esta-
dos alemães), no ano de 1830, colaborou para esse processo.
A Unificação da Alemanha, que só se consumou em 1871, foi
influenciada por uma Europa em constante transformação. A
Europa, nesse período, atravessou ondas revolucionárias das
mais diversas ordens. Os movimentos liberais de 1830 e 1848,
e a aceleração econômica decorrente das revoluções indus-
triais mudaram a feição do continente. Trabalhadores agrí-
colas e outros contingentes populacionais foram duramente
atingidos por essas transformações.
Em um período de uma Alemanha ainda não unificada,
a velocidade das transformações econômicas trouxe sequelas
sociais que estimularam o processo migratório em suas dife-
rentes fases. O desenvolvimento industrial, a partir de 1850,
acelerou a passagem de uma sociedade rural para urbana e
abriu caminho para grandes deslocamentos populacionais.
Junto com as transformações econômicas, cabe a lem-
brança das ondas nacionalistas despertadas na Europa durante
a era napoleônica. A derrota de Napoleão, a reação conserva-
dora legitimada pelo Congresso de Viena (1815) e pela Santa
Aliança, não foram suficientes para abrandar o ímpeto revolu-
cionário. Este cenário mais amplo refletiu de maneira incisiva
164
Releituras da História do Rio Grande do Sul
165
O objetivo maior de recrutamento militar para formar
os batalhões estrangeiros denunciados por jornais contribuiu
muito para o descrédito da missão. Era evidente a existência
de uma lógica geopolítica presente nas intenções do estado
brasileiro durante o I Reinado.
Cabe ressaltar que o processo de ocupação das terras de-
volutas não trouxe consigo qualquer princípio de respeito com
as populações autóctones das regiões distribuídas aos colonos.
Os conflitos gerados entre colonos e índios levaram a um pro-
cesso acentuado de extermínio étnico. A figura dos bugreiros
ganhou importância nas áreas coloniais para dirimir conflitos
entre o colonizador europeu e os índios.
Quanto à tentativa de recrutamento na Europa, o resul-
tado não foi o esperado. As críticas foram duras, pois desa-
gradou muito o fato de o governo ter confiado tão importante
missão a alguém que não estaria à altura de tal empreitada
(LANDO; BARROS, 1981, p. 35).
Entre 1824 e 1828, conseguiram embarcar para o Brasil
cerca de 4.500 imigrantes, entre soldados e colonos em 21 expe-
dições. Se considerado o período de 1824 a 1830, tem-se o nú-
mero aproximado de 5.350 imigrantes. Na Ilustração 1, tem-se a
reprodução de um bilhete de viagem utilizado por um dos milha-
res de imigrantes alemães que vieram para o Brasil no período.
166
Releituras da História do Rio Grande do Sul
167
As ameaças “naturais” levavam a epidemias. Os enfren-
tamentos com índios foram constantes nessa fase. A demarca-
ção de linhas e lotes nas colônias era feita pelo imigrante, bem
como a construção de pontes e estradas, a edificação de alo-
jamentos públicos, etc. Havia demora na obtenção dos títulos
definitivos de propriedade.
O isolamento a que os colonos foram submetidos re-
forçou a criação de um sentimento étnico, cultural e religioso
próprio. O reforço desse sentimento está vinculado à ausência
de direitos políticos por parte dos colonos que aqui chegaram
durante o século XIX. Essa situação de isolamento era mais
agravada entre colonos luteranos do que entre católicos.
O Estado mostrava-se ausente nas áreas coloniais. A
carência de políticas públicas para a região denunciava uma
mentalidade que se estendia aos demais setores da sociedade
brasileira. A governabilidade do Império não se dava pela sua
relação com os mais diversos segmentos sociais. O que impor-
tava era que se estivesse atento às demandas das elites agrárias.
Logo, desenvolver políticas públicas em áreas coloniais não fa-
zia nenhum sentido. O resultado foi a produção de “quistos
étnicos” que, em parte, dissociavam a realidade colonial do
restante da província, forjando uma aproximação identitária
que se sobrepôs às diferenças entre os grupos germânicos que
colonizaram a região.
Escola, igreja e família se configuraram como institui-
ções que passaram a exercer um papel determinante na afir-
mação da identidade coletiva entre os alemães. As escolas, nas
colônias, ganharam contornos étnicos, sendo orientadas por
princípios germânicos, que reforçavam a consciência étnica
dos filhos dos imigrantes. Essa identidade também seria forta-
lecida por outros elementos, como existência de uma impren-
sa local de língua alemã, bem como de produções literárias,
entre outras publicações que circulavam junto às comunida-
des. Os primeiros jornais voltados para a comunidade alemã,
escritos em alemão, surgiram, em Porto Alegre e no Rio de
Janeiro, em 1852 e 1853, respectivamente.
168
Releituras da História do Rio Grande do Sul
169
nandes Pinheiro, encaminhou os imigrantes para a Feitoria do
Linho Cânhamo. A partir de abril de 1824, a feitoria passou a
se chamar “Colônia Alemã de São Leopoldo”. O município de
São Leopoldo foi o berço da colonização alemã no sul do Bra-
sil, juntamente com Três Forquilhas (RS, alemães protestantes)
e São Pedro de Alcântara das Torres (RS, alemães católicos).
São Leopoldo se constituiu como o primeiro empre-
endimento de sucesso. Tal sucesso foi atribuído à fertilidade
das terras e à privilegiada posição geográfica do município. A
Ilustração 3, a seguir, retrata a abrangência do recém-criado
município de São Leopoldo.
170
Releituras da História do Rio Grande do Sul
171
País. O governo acabou por cortar recursos destinados à imi-
gração, e só retomou a partir de 1846. Nesse período, a repre-
sentação diplomática brasileira em Berlim deixava clara a in-
tenção do governo brasileiro em investir na colonização alemã.
Possíveis relações que possam ser feitas entre imigração,
colonização e leis restritivas ao tráfico negreiro devem conside-
rar que o fato de a imigração ser percebida como alternativa à
diminuição de mão de obra escrava não se dá em decorrência
de pensar o escravismo como uma instituição imoral. O siste-
ma é percebido como arcaico. Nestes termos, a África não é co-
gitada como continente que pudesse servir como base imigra-
tória, mas percebida como um continente bárbaro; os negros,
como inaptos para o trabalho. Trazê-los em outra situação, que
não a de escravos, terminantemente desqualificaria uma socie-
dade em formação como a brasileira. Logo, não se rompe com
uma percepção “naturalizada” no Brasil do século XIX sobre a
inferioridade do negro diante do imigrante europeu (SEYFER-
TH, 2002, p.202).
Apesar de os colonos terem sido fixados em áreas que
não interessavam ao latifúndio, a forte oposição dos grandes
proprietários rurais à política de colonização também reforçou
o corte de recursos na Lei do Orçamento, aprovada em dezem-
bro de 1830. A luta dos grandes proprietários rurais era em
torno da manutenção do sistema escravista. O trabalho escra-
vo no Brasil praticamente deixou homens livres fora do siste-
ma produtivo. No Brasil do século XIX, o trabalho manual era
considerado coisa de escravo, visto como propriedade do fa-
zendeiro. As pressões inglesas e a distribuição gratuita de terra
aos colonos (77 ha em 1824) não eram vistas como compatí-
veis com os interesses da grande lavoura. O descaso com uma
política oficial de imigração entre 1830 e 1850 demonstrou, de
forma clara, a força política dos grandes proprietários rurais.
Neste quadro apresentado pode-se pensar o espaço rio-
-grandense como diferenciado. Cabe questionar se, compa-
rativamente a São Paulo, os colonos alemães no Rio Grande
do Sul apresentavam uma ameaça maior aos grandes pro-
172
Releituras da História do Rio Grande do Sul
173
na fazenda de sua propriedade. O imigrante tinha o valor do
transporte adiantado, e o colono devolveria o valor em parcelas.
A empreitada foi malsucedida, na medida em que os ga-
nhos finais dos imigrantes mal davam para pagar as despesas
com alimentação, ocasionando dívidas impagáveis. Além disso,
os fazendeiros não faziam distinção clara entre os limites do tra-
balho livre, para o escravo, o que dificultava o relacionamento
com os colonos. Os contratos também não eram respeitados.
Tal cenário só iria modificar-se de forma mais incisiva a par-
tir de 1850, com a Lei Eusébio de Queiroz, e com a ampliação da
produção de café, fazendo com que o Brasil recebesse maior fluxo
migratório. Fatores externos ligados à crise econômica e à política
na Europa também vão contribuir para alterar esse quadro.
Observem-se os dados da Tabela 1, abaixo:
174
Releituras da História do Rio Grande do Sul
175
O Decreto nº 537 dizia que, para os colonos desembar-
carem no Brasil, deveriam ter na bagagem instrumentos de
ofício, sementes e outros utensílios destinados ao trabalho
agrícola. É curiosa a preferência existente pelo colono ale-
mão por parte das elites e do Estado brasileiro. Experiências
anteriores eram utilizadas como exemplo do sucesso empre-
endedor trazido pela colonização germânica (SEYFERTH,
2002, p.122).
O interesse manifesto do governo provincial pelas terras
da região para o estabelecimento de colônias no Vale do Ta-
quari não foi suficiente para sua participação efetiva. Esse pro-
cesso, a partir de 1850, foi desenvolvido por empresas particu-
lares que tiveram empreendimentos maiores que os do Estado.
Apesar da participação de empresas particulares, o Estado não
abriu mão de buscar o controle sobre o processo de imigração.
Nesses empreendimentos, se havia uma participação reduzida
por parte do Império, menor seria ainda a da Província, que fi-
cava em torno de 1% dos empreendimentos entre 1850 e 1889.
Apesar dessa pouca participação da Província, existia
uma previsão legal quanto às condições de chegada dos co-
lonos: alojamento, sustento e deslocamento dos imigrantes
do desembarque ao destino final. Centros como Rio Grande,
Porto Alegre e Rio Pardo eram importantes locais de desem-
barque. A concentração geográfica do processo colonizatório
no período em questão fez-se nos vales dos Rios Jacuí, Taquari
e em seu entorno (KARAM, 1992, p. 43).
Esta etapa caracterizou-se por um processo em expan-
são (1845-1870) decorrente da produção de excedentes agrí-
colas. Os colonos praticavam a policultura e criavam animais.
A essas atividades estava associada a produção artesanal de
derivados. Dependiam de relações comerciais com os estabe-
lecimentos existentes na região (Ilustração 4).
176
Releituras da História do Rio Grande do Sul
177
diário da região. Essa situação se estendeu até o ano de 1874,
quando se estabeleceu a via férrea, ligando Porto Alegre a São
Leopoldo e criando novos e diferentes vínculos de comércio
(ROCHE, 1969, p. 429-430).
Com a expansão do capital comercial, os comerciantes
alemães dominaram não só o comércio de suas colônias. No
período pós-1875, com a chegada dos italianos, eles iriam do-
minar comercialmente também essas colônias.
A progressiva hegemonia do capital comercial em São
Leopoldo criou um fluxo econômico que, se por um lado
acentuou as desigualdades sociais na região, por outro criou
condições para que ocorresse um crescimento populacional
que impulsionasse a ocupação de novas áreas. Mesmo sen-
do percebido nessa segunda fase um empreendedorismo que
ampliava os espaços econômicos dos imigrantes para a esfera
comercial, e a partir de 1870, para a industrial, os problemas
não cessaram. Havia precários recursos para a promoção de
serviços públicos. Assistência médica, educação e segurança
pública passavam longe das áreas coloniais. As demarcações
de terras eram imprecisas; os transportes, precários; e as vias
de comunicação, mesmo com alguns avanços, ainda deixavam
muito a desejar.
6 Conclusão
O Rio Grande do Sul passou, durante o século XIX, pelo
processo de imigração e colonização, com a consequente for-
mação de pequenas e médias propriedades voltadas para o
mercado interno. Viu-se que tal experiência propiciou a for-
mação de uma produção destinada ao mercado interno, opor-
tunizando uma diversidade produtiva não encontrada no lati-
fúndio pecuarista. As diferentes etapas da colonização alemã
manifestaram distintos interesses que envolveram o processo
colonizatório ao longo do século XIX. Enquanto no Primei-
ro Reinado constataram-se interesses na arregimentação de
mercenários na Europa, no Segundo Reinado, por conta da
proibição do tráfico negreiro, a vinda do imigrante progressi-
178
Releituras da História do Rio Grande do Sul
Referências
CUNHA, Jorge Luiz da. Imigração e colonização alemã. In: BOEIRA, Nel-
son; GOLIN, Tau (Coord.). História do Rio Grande do Sul: Império. Passo
Fundo: Méritos. v. 2, 2006, p. 279- 300.
179
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1915. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Estado do RS; Caxias do Sul:
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KUHN, Fábio. Breve história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Leitura
XXI, 2002.
MAESTRI, Mario. Breve história do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ed.
UPF, 2010.
180
Releituras da História do Rio Grande do Sul
CAUDILHOS E FRONTEIRIÇOS:
A REVOLUÇÃO FARROUPILHA E SEUS
VÍNCULOS RIO-PLATENSES
* Arthur Lima de Avila
181
Uma das maneiras de se resgatar a historicidade da maior
revolta da História regional é tentar recuperar sua complexida-
de e o seu contexto mais amplo, fugindo tanto de dicotomias
que celebram acriticamente os feitos dos farrapos quanto de
leituras que, em suas próprias tentativas de reestabelecer uma
perspectiva crítica sobre a Revolução, acabam elas próprias ali-
mentando dicotomias e reducionismos que pouco contribuem
para um entendimento mais amplo da Guerra dos Farrapos.1
Por isso, a intenção deste capítulo é inserir a insurreição far-
roupilha no contexto mais amplo das guerras civis do Rio da
Prata do começo do século XIX, almejando recuperar, assim,
os intricados emaranhados que ligavam sul-rio-grandenses,
orientales e argentinos em um quadro político mais amplo.
Não se trata, entretanto, de recuperar a velha polêmica entre
as vertentes “lusitana” e “platina” do debate historiográfico so-
bre a Revolução Farroupilha (GUTFREIND, 1992), ele pró-
prio reducionista, mas sim de resgatar uma parte da história
da Guerra, isto é, sua vinculação com os conflitos platinos,
que não é necessariamente explorada de forma mais atenta.
Este conflito esteve tanto inserido nas lutas do Brasil do Pe-
ríodo Regencial, dizendo respeito à conturbada formação do
próprio Estado Nacional brasileiro, mas também às lutas fede-
ralistas e às peleias civis do Rio da Prata. Minimizar um des-
tes elementos em prol do outro é, assim, minimizar a própria
história da Revolução.
O capítulo está, assim, dividido em quatro partes, além
da presente introdução e da conclusão. Na primeira, estão de-
finidos o conceito de “caudilhismo” e o papel dos caudilhos
na formação dos estados nacionais da região do Rio da Pra-
ta. Na seguinte, faz-se uma breve recapitulação do atribulado
processo de independência do Vice-Reinado do Rio da Prata.
No terceiro ponto, foca-se o contexto imediatamente anterior
1
Para o primeiro caso, ver Gutfreind, 1992. Para uma perspectiva crítica bastante reducionista, ver o mais
recente trabalho de Juremir Machado da Silva (2010), Uma história regional da infâmia.
182
Releituras da História do Rio Grande do Sul
2
No texto, usa-se “federales” e “federalistas” como sinônimos.
183
dução distintos, cujo desenvolvimento conflitivo
se expressa, embora com inúmeras sinuosidades e
reviravoltas na encarniçada luta política de “uni-
tários” e “federais”.
3
A obra de Sarmiento deve ser compreendida como uma intervenção do autor nos embates políticos de
seu tempo, na medida em que este destacado intelectual argentino era uma das principais lideranças do
Partido Unitário. Neste caso, “Facundo” é um manifesto antirossista e antifederal.
4
Os debates historiográficos sobre o caudilhismo tomaram uma dimensão política bem-acentuada na
Argentina e no Uruguai das décadas de 1950 e 1960. Para os chamados “revisionistas”, os caudilhos repre-
sentavam as grandes primeiras manifestações da “nação” contra as tendências “europeizantes” das elites ur-
banas de Montevidéo e Buenos Aires. Sob este ponto de vista, os caudilhos representariam os verdadeiros
sentimentos nacionais e populares, enquanto que o liberalismo das elites urbanas era entendido como uma
“venda” da pátria aos interesses estrangeiros, especialmente os britânicos. Tal interpretação, levada a cabo
por toda uma sorte de intelectuais nacionalistas, tanto à direita, quanto à esquerda do espectro político, vi-
sava, evidentemente, dar sustentação às políticas nacionalistas daquele presente – em especial, àquelas de-
fendidas pelo peronismo argentino. Ver CATTARUZZA; EUJANIAN, 2003 e DEVOTO; PAGANO, 2004.
184
Releituras da História do Rio Grande do Sul
185
seguidores y, eventualmente, para la identificación política entre
lideres e liderados” (DE LA FUENTE, 2007, p. 21).
Assim como a relação entre os caudilhos e seus segui-
dores não pode ser reduzida ao mero efeito de um carisma
hipnótico, as relações entre os próprios caudilhos também
não devem ser reduzidas a uma simples troca de favores en-
tre membros da elite. Como se verá mais adiante, as relações
dos caudilhos argentinos e orientais com os caudilhos sul-
-rio-grandenses também é bastante complexa, operando para
além de ideologias políticas e dentro do quadro das estraté-
gias necessárias à afirmação do poder regional desses caudi-
lhos. Sendo assim, estas vinculações obedeciam tanto às ló-
gicas político-ideológicas mais amplas, quanto aos contextos
sociais e políticos mais imediatos dos conflitos rio-platenses
e sul-rio-grandenses.
186
Releituras da História do Rio Grande do Sul
187
Os planos reformistas de Artigas, especialmente os
agrários, causaram um formidável temor não só no conser-
vador Diretório geral das Províncias Unidas, sediado em Bue-
nos Aires, e que respondia, ou tentava responder, pelo poder
executivo das Províncias Unidas, mas também entre os es-
tancieiros do Continente de São Pedro, temerosos de que as
ideias “subversivas” de Artigas pudessem encontrar respaldo
entre a população desfavorecida local. De acordo com o pla-
no de Artigas, as enormes propriedades locais deveriam ser
parceladas em pequenos lotes e divididas entre índios, negros
libertos e brancos pobres, com o intuito de se criarem peque-
nas propriedades diversificadas e produtivamente superiores
aos imensos latifúndios locais. Além disso, Artigas também
buscava fortalecer o mercado interno, limitando a ação de co-
merciantes estrangeiros aos portos e proibindo sua atuação no
interior (GUAZZELLI, 2003, p. 162). Desta forma,
(...) o programa agrário de Artigas, (...), provocou
tremores em Buenos Aires e no Rio Grande, áreas
vizinhas de economia pecuária baseada na grande
estância, nos comerciantes de Montevidéu, muitos
dos quais proprietários e já sujeitos a contribuições
forçadas, e terminaria por afastar de suas hostes
diversos “terratenientes” que o tinham seguido
para evitar a dominação dos unitários portenhos.
(GUAZZELLI, 2003, p. 163)
5
O “Êxodo” foi a emigração coletiva dos Orientais em 1811. A grande maioria da população da campanha,
liderada por Artigas, fugiu para a Província de Entre Ríos, na Argentina. É considerado o nascedouro do
sentimento nacionalista uruguaio.
188
Releituras da História do Rio Grande do Sul
189
paz, por outro, lhe custava extremamente cara a manutenção
da fidelidade dos “senhores da guerra” fronteiriços, na medida
em que certos comportamentos e práticas, como o contraban-
do, por exemplo, minavam esta mesma autoridade central.
Segundo Guazzelli (2004, p. 93), o contato com as ideias
federalistas do Prata resultou em uma sustentação ideológica
para as diversas reclamações dos fronteiriços contra o Rio de Ja-
neiro e, de forma mais extrema, forneceu-lhes com um exemplo
prático de luta contra uma pretendida centralização política.
No entanto, a tomada da Banda Oriental inicialmente
representou uma situação de conjugação dos interesses tanto
dos estancieiros do Sul quanto do poder central:
A política bragantina, por um lado, ampliava as
possessões portuguesas na América, ao mesmo
tempo em que refreava os ímpetos republicanos
que vinham do Prata; os rio-grandenses, por outro,
viam a possibilidade de ampliarem suas estâncias e
rebanhos. (GUAZZELLI, 2004, p. 93)
6
Artigas foi definitivamente derrotado pelas forças luso-brasileiras em 1820. Mais tarde, o “general dos
simples” e, segundo Eduardo Galeano (2004, p. 174), “o homem que não queria que a independência
das Américas fosse uma emboscada contra seus filhos mais pobres”, partiu para o exílio no Paraguai, não
retornando jamais à sua terra natal. Com a derrota de Artigas, fracassou o único projeto emancipacionista
realmente progressista na região platina.
190
Releituras da História do Rio Grande do Sul
3 Rumo à Guerra
191
Igualmente, os porteños, que nunca desistiram da total incor-
poração da Banda Oriental às Províncias Unidas, passaram a
reivindicar a saída das tropas invasoras, sob o argumento de
que existia uma “comunhão histórica” entre as partes do anti-
go Vice-Reinado do Rio da Prata (GUAZZELLI, 2003, p. 94).
Estas tensões foram acumulando-se até 1825, quando
estourou a Guerra da Cisplatina, que envolveu o Brasil recém-
-independente, a Confederação Argentina e as tropas rebeldes
Orientais. Essa guerra, extremamente penosa para os estan-
cieiros sul-rio-grandenses, culminou com a independência da
Banda Oriental em 1828, sob o nome de República Oriental
do Uruguai, mesmo que os limites entre o Império e o novo
Estado ainda não estivessem bem-estabelecidos.
Ao mesmo tempo em que o conflito armado estourava
em suas fronteiras meridionais, o Império Brasileiro passava
por um período de intensa turbulência política. Isto era con-
sequência, principalmente, do antagonismo entre os setores
políticos que defendiam uma centralização política e aqueles
que peleavam em prol de um sistema federativo de governo.
Em 1824, Dom Pedro I havia outorgado uma Constitui-
ção excessivamente centralizadora ao jovem País. Entre outras
coisas, o documento previa a nomeação dos presidentes das
províncias – o que desagradava bastante as elites locais, espe-
cialmente no Rio Grande do Sul.
A relação entre o poder central e as elites sul-rio-grandenses
tornou-se ainda pior, na medida em que os estancieiros do sul
perderam seus campos no Uruguai e não haviam sido com-
pensados pelas suas perdas materiais. Em outras palavras, o
Império não só retirava dos terratenentes a possibilidade de
expansão de seus campos e da atividade pecuária, como tam-
bém se recusava a pagar por suas perdas e, para completar o
quadro de tensões, diminuía consideravelmente sua autono-
mia política. Apesar da abdicação de Dom Pedro I e o cha-
mado “Avanço Liberal” do princípio da década de 1830, esta
situação não melhoraria.
192
Releituras da História do Rio Grande do Sul
193
rica aquisição econômica. Ademais, outros dois elementos
desagradavam profundamente os senhores da guerra do Sul:
em primeiro lugar, a derrota militar de 1828 era atribuída à
inépcia das lideranças militares enviadas pelo poder central.
Na visão dos fronteiriços, o Império não só havia causado a
derrota, mas se recusava a pagar por ela. Em segundo lugar,
esta mesma elite estava perfeitamente consciente de seu papel
subalterno dentro do esquema político e econômico do Impé-
rio. Sua importância dependia de seu papel de guardiões da
fronteira meridional, na medida em que sua produção econô-
mica era apenas subsidiária do centro do País – o mesmo cen-
tro que também causava problemas na definição dos limites
com o Uruguai. Isto potencializou a dissidência com o Impé-
rio, independente das medidas liberais tomadas após a abdi-
cação de Dom Pedro I. De acordo com Guazzelli (2004, p. 96),
Derrotados econômica e militarmente, desconside-
rados em relação aos assuntos fronteiriços, os che-
fes do Rio Grande não podiam pensar-se integrados
a uma grande e poderosa unidade política. Por ou-
tro lado, assistiam a uma província vizinha, (...),
constituir-se num Estado.
194
Releituras da História do Rio Grande do Sul
195
comandante das tropas da fronteira, e não tardou a buscar uma
articulação com o líder sul-rio-grandense. Por sua vez, os se-
nhores da guerra do Rio Grande também desgostavam tanto
do Império, quanto de Rivera – este último estava se engajan-
do no combate ao contrabando e recusava-se, assim como o
Império, a ressarcir os produtores brasileiros por suas perdas.
Desta forma, Lavalleja buscou auxílio e refúgio no Rio Grande,
gerando intermináveis dores de cabeça para a diplomacia de
ambos os países.
Tanto os representantes do Estado Oriental quanto os
do Império brasileiro vigiavam atentamente os movimentos
dos caudilhos Lavalleja e Gonçalves. A proteção dada por este
àquele era motivo de inúmeras reclamações por parte dos uru-
guaios, que acusavam Bento Gonçalves de estar dando guarida
a um anarquista e de estar envolvido em um plano para der-
rubar Rivera e, do mesmo modo, para separar o Rio Grande
do Império. Temerosa de que uma insurreição aberta pudesse
se degenerar em uma nova guerra na Banda Oriental, a Cor-
te exigiu providências do Presidente da Província, Antonio
Rodrigues Fernandes Braga, contra Bento Gonçalves e outros
senhores da guerra que agiam por conta própria e em contra-
riedade da política imperial de “neutralidade” em relação ao
Prata. Quando Fernandes Braga propôs trocar os comandantes
da fronteira, a reação foi a sua deposição no dia 20 de setembro
de 1835. Iniciava a Revolução (GUAZZELLI, 2004, p. 104-105).
4 Farrapos e caudilhos
A principal bandeira dos farrapos era, para além de suas
questões pessoais e de seus interesses materiais, a do velho fe-
deralismo platino, sem, contudo, os contornos mais radicais
da vertente artiguista. Em seus primeiros momentos, este fe-
deralismo ainda não tinha os contornos separatistas que ad-
quiriria mais tarde. As próprias justificativas de Bento Gon-
çalves para a rebelião demonstram isto:
196
Releituras da História do Rio Grande do Sul
7
Os conflitos entre Oribe e Rivera foram a gênese do surgimento dos dois tradicionais partidos uruguaios:
o partido Colorado, fundado por Rivera e, durante o século XIX, defensor do liberalismo econômico e
próximo dos unitários portenhos, e o partido Nacional (blanco), fundado pelos oribistas, que defendia o
protecionismo e estava vinculado à produção primária e aos federalistas argentinos.
197
À medida em que se vinculavam ao apoio de Oribe, os
republicanos do Rio Grande logo estabeleceram relações com
os blancos uruguaios e os federalistas argentinos. Oribe per-
mitiu o livre trânsito de reses, cavalos, homens e munição pela
fronteira e, ainda, o acesso ao porto de Montevidéu aos re-
voltosos (Rio Grande estava em mãos legalistas). Da mesma
forma, os representantes diplomáticos da República buscaram
obter apoio material de Rosas. Este, por sua vez, condicionou
seu apoio ao empenho dos chefes farroupilhas em capturar
Rivera, inimigo dos rosistas e aliado aos unitários. Isto esta-
va, evidentemente, fora da capacidade militar e material dos
farrapos. Ademais, tanto Rosas quanto Oribe temiam fornecer
um apoio explícito aos insurretos, o que poderia ser entendido
como um ato de guerra contra o Império.
Isto causou uma mudança de rumos na diplomacia
republicana, afastando-a dos federalistas e blancos e aproxi-
mando-a dos colorados e unitários. Com o retorno de Bento
Manuel Ribeiro às tropas farroupilhas veio o apoio de Rivera.
O caudilho uruguaio citava, entre outras coisas, o seu esforço
comum contra “governos tirânicos” e, antevendo seu retorno
ao cargo máximo de seu país, se dispunha a fornecer arma-
mentos e cavalos para os farrapos. Disponibilizava-se, tam-
bém, a devolver os escravos fugidos à Banda Oriental aos seus
legítimos donos e a perseguir legalistas refugiados no Uruguai
(GUAZZELLI, 2004, p. 109).
As relações com Rivera, que voltaria à presidência uru-
guaia em 1839, se mantiveram em boas condições, culminan-
do com o Tratado de San Fructuoso, de dezembro de 1841, que
simbolizava o apoio efetivo de Rivera e dos unitários argenti-
nos da província de Corrientes aos republicanos. Isto acabou
significando o afastamento definitivo dos farrapos em relação
a blancos e a rosistas, mesmo que, na prática, seu federalismo
estivesse muito mais próximo destes do que do liberalismo
centralizador de unitários e colorados.
198
Releituras da História do Rio Grande do Sul
8
Isto daria início a mais um ciclo de guerras civis no Prata, a chamada “Guerra Grande”, que só se encer-
raria em 1851.
199
A “paz sem vencedores nem vencidos”, preconizada em
Ponche Verde, se explica por uma série de fatores. Em primei-
ro lugar, os farrapos pertenciam à elite local e sua revolta não
significava uma ameaça à ordem social do Império. Em se-
gundo, o governo imperial necessitava da experiência militar
dos sul-rio-grandenses enquanto guardiões da fronteira me-
ridional. Por fim, avizinhava-se mais uma guerra no Prata, já
que Rosas intervia cada vez mais na política interna uruguaia,
ameaçando os interesses estratégicos brasileiros na região. Um
Rio Grande do Sul forte era, deste modo, uma condição essen-
cial para luta contra as forças rosistas.
5 Conclusão
200
Releituras da História do Rio Grande do Sul
Referências
201
HALPERIN DONGHI, Tulio. Revolución y guerra: la formación de una
elite dirigente en la Argentina criolla. Buenos Aires: Siglo XXI, 1972.
KÜHN, Fábio. Breve história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Novo
Século, 2002.
202
Releituras da História do Rio Grande do Sul
* Doutora em História, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora de Relações Interna-
cionais, na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-Sul) e na Universidade Luterana do Brasil.
1
Embora a política externa expresse interesses de estado, a sua formulação conta com a participação de
atores não estatais, a exemplo de empresários, acadêmicos, partidos políticos.
203
Para a análise da relação conflituosa entre portugueses e
espanhóis na Região Platina, torna-se importante considerar
alguns aspectos significativos da história dessa região. Primei-
ramente, observa-se que a defesa e a demarcação das fronteiras
do Brasil meridional em nenhum momento foram movidas
por nacionalismos. A ideia de Estado, de pátria e da própria
importância de defesa do território nacional não fazia parte
do desiderato luso e espanhol. Os interesses eram absoluta-
mente localizados e regionalizados, e não envolviam a ideia de
nação. Em segundo lugar e como consequência direta do as-
pecto anteriormente citado, os representantes das distintas co-
roas, assim como os proprietários de terras e os comerciantes,
que inclusive se envolviam pessoalmente nestes conflitos, não
foram motivados por sentimentos nacionalistas. Diante desta
percepção, a ocupação da região Sul do Brasil e os conturba-
dos tratados que Portugal e Espanha firmaram entre o século
XVI e a primeira metade do século XIX não foram frutos de
heroísmos, capazes de inspirar cenas dignas de filmes épicos,
mas sim resultados da dinâmica política e econômica própria
da época, na qual o Brasil, mesmo considerando os significati-
vos momentos de autonomia, se inseriu de forma dependente
ao capitalismo norte-atlântico-mediterrâneo.
2
Sobre o modelo de colonização brasileira fundamentado na “plantation”, cabe a análise da obra de Caio
Prado Júnior, A Formação do Brasil Contemporâneo.
204
Releituras da História do Rio Grande do Sul
3
Cabe ressaltar que, segundo alguns historiadores, como Francisco Carlos Teixeira da Silva e Ciro Flama-
rion Cardoso, esse modelo fundamentado no “plantation” é reducionista, na medida em que aponta fun-
damentalmente para a existência os dois polos da estrutura social – senhores e escravos – e não observa a
importância do pequeno proprietário rural, assim como não considera a própria complexidade da realida-
de econômica-social da Colônia e da relevância das áreas periféricas do Brasil no processo de colonização.
4
Após a crise da Coroa portuguesa dos anos de 1578 a 1580, e com a morte do cardeal D. Henrique, não
apenas o trono de Portugal ficou vago como a Coroa lusa passou para as mãos de Felipe II, Rei de Espanha,
dando início ao período denominado de União Ibérica.
205
expansionismo luso da época, a possibilidade de ampliação do
comércio e do contrabando de escravos e de gado (SIMÃO,
2002, p. 33). Portanto, o golfão do Prata se constituía em uma
região estrategicamente importante por várias razões: tanto
pela quantidade de gado vacum selvagem existente nas pro-
ximidades, como pelo “gigantesco mercado de mão de obra
servil. Buenos Aires, Colônia de Sacramento e Montevidéu,
mercê de sua situação geográfica, tanto recebiam facilmente
a carga dos navios negreiros como a distribuíram pela região”
(CESAR, 1978, p.19).
Para além destes aspectos econômicos, a fundação da
Colônia de Sacramento pelos portugueses, na margem norte
do Rio da Prata, em frente a Buenos Aires, marcou também
um novo momento na história dos contenciosos protagoni-
zados pelas duas Coroas europeias. Portugal perderia a posse
da Colônia de Sacramento por duas vezes: a primeira, já em
1680, logo após sua fundação; e novamente em 1705, ambas
as vezes pela força e pelas armas de Espanha. Em 1715, por
meio do Tratado de Utrecht, a Colônia de Sacramento retor-
naria para Portugal. Como observa Fábio Kühn (2004, p.33),
“aquilo que Portugal perdia no campo de batalha, conseguia
reaver pela atuação bem conduzida de sua diplomacia”. Com a
refundação da Colônia de Sacramento, em 1716, um período
de aquecimento econômico se inicia na região. No entanto,
mesmo com a consolidação do poder luso em Sacramento, a
Coroa espanhola buscaria preservar o controle sobre a área,
fundando Montevidéu, em 1726.
Com Montevidéu de um lado e Buenos Aires de outro da
margem do Prata, a coroa espanhola comandava o comércio
na região e, sobretudo, as possíveis pretensões expansionistas
portuguesas. Diante do frágil e pouco estável controle sobre a
região de Sacramento, Portugal se empenharia em “tomar ofi-
cialmente posse da terra compreendida entre Laguna e o Pra-
ta”, enviando “[...] a expedição de Brigadeiro José Maria Pais,
206
Releituras da História do Rio Grande do Sul
5
Conforme observa Paulo Roberto Almeida, o Tratado de Madri, em que pese a sua não efetivação, “deu a
Portugal a soberania sobre vastas áreas (cerca da metade) da América do Sul e ao Brasil a conformação que
em larga medida ele manteve até a atualidade” (ALMEIDA, 1998, p. 119).
207
acordos afinal não concretizados. A anulação do Tratado de
Madrid (1750) ocorreu através do Tratado de El Pardo (1761),
que poucos anos depois seria substituído pelo Tratado de San-
to Ildefonso (1777), no qual Portugal perde Sacramento e as
Missões, recuperando, em troca, Santa Catarina.
Cabe, aqui, um breve detalhamento sobre esses Trata-
dos: o Tratado de Madrid postulava acerca do princípio da
posse; ou seja, as terras pertenceriam a quem as ocupasse.
Diante deste Tratado, a Coroa portuguesa acabou ganhando,
ainda que renunciasse à Colônia de Sacramento em troca das
Sete Missões. No entanto, mesmo com o acordo aparentemen-
te bem-construído, as controvérsias na região não foram de-
beladas. Seguiu-se o Tratado de Santo Ildefonso, implacável
com Portugal, pois, por meio do mesmo, a Coroa de Espa-
nha retomaria o território das Sete Missões. Mas, em que pese
as perdas diplomáticas e os sucessivos conflitos entre as duas
Coroas, Portugal nunca desistiria da Colônia de Sacramento,
pois esta se configurava em uma região estratégica para o con-
trabando de prata da Bolívia e do Peru através do Rio Paraná.
Portanto, na esteira destes conflitos, a região do Prata se
constituiu na mais importante entre todas as questões inter-
nacionais que ocuparam a política do período colonial. Com
efeito, desde a fundação de Colônia de Sacramento, em 1680,
até a política externa orquestrada por D. João e a infanta D.
Carlota Joaquina, em meados do século XIX, a Região Platina
se configurou em um centro nevrálgico e de disputas entre as
Coroas lusa e espanhola.
A importância da região fez com que o Rio Grande do
Sul fosse um espaço singular e adequado para o investimento
militar por parte da Coroa portuguesa. Conforme assinala o
historiador Guilhermino Cesar (1993, p.13):
O sistema militar defensivo, traçado por Silva Pais,
compreendia o estabelecimento de guardas, nos
passos, na Angustura de Castilhos, no porto de
208
Releituras da História do Rio Grande do Sul
209
espanhola do Rio Grande (1763-1776), a medida
de que se serviram os vice-reis para formar uma
fronteira viva no Brasil Meridional. De fato as ses-
marias, doadas a pessoas de posses ou prestígio,
serviam de base à implantação de estâncias, em
cujos campos o gado, sob o custeio antes ignorado,
prosperou grandemente (1993, p. 13).
210
Releituras da História do Rio Grande do Sul
6
Segundo Max Weber, o termo “patrimonialismo” refere-se a formas de dominação política, na qual não
existem divisões nítidas entre as esferas de atividade pública e privada. A partir das reflexões weberianas,
Simon Schwartzman aponta que “este patrimonialismo moderno, ou neopatrimonialismo, não é simples-
mente uma forma de sobrevivência de estruturas tradicionais em sociedades contemporâneas”, mas uma
forma bastante atual de dominação política por um “estrato social sem propriedades que não tem honra
social por mérito próprio, ou seja: pela burocracia e a chamada classe política” (1986, p. 59-61).
7
Aconselha-se ver as obras de Celso Lafer (1967) e de Henrique Altemani de Oliveira (2005) para refletir
acerca das duas dimensões da política externa do período imperial.
211
regional, a região da Bacia do Prata ganha expressão signifi-
cava, pois é nessa região que a barganha de poder e a disputa
pelas terras, sobretudo para evitar a supremacia Argentina,
se tornam vetores da política externa brasileira durante o
século XIX. Do ponto de vista internacional, considerando
a conjuntura política e o sistema de poder daquela época, o
Brasil inseriu-se de forma dependente das grandes potências,
mesmo que tenha buscado, ao longo do século XIX, a prática
do isolacionismo, no sentido de minimizar a influência eu-
ropeia, que priorizava a conquista de áreas de influências em
toda a América (OLIVEIRA, 2004, p.30-31).
Conforme observou Amado Cervo (1992, p.24), a polí-
tica internacional no período da independência “foi um ins-
trumento com que o Brasil e as potências ocidentais forjaram
uma integração condicionante, aceitando, cada uma das par-
tes, sua função própria na divisão internacional do trabalho”, o
que produziu uma situação de dominação e dependência. No
entanto, o autor não se filia às interpretações advindas da Teo-
ria da Dependência, a qual observa a existência de dois atores
– o produtor primário (países na condição de ex-colônia) e
o produtor industrial (no caso, a metrópole inglesa) – que se
agregam por interesses mútuos, por meio de acordos não es-
critos. Para Amado Cervo, tais interpretações ignoram o papel
da “decisão política”.
O caso brasileiro demonstra que o compromis-
so não foi tácito, mas sim explícito e escrito, ne-
gociado e arduamente consentido por decisão de
vontade. Vale dizer que os destinos do Brasil, da
América Latina e de outras unidades agregadas
dependentes estiveram sempre, como estão, sob
a responsabilidade de seus homens de Estado. É
inútil historicamente toda teoria que se reduz à
psicanálise da opressão, sem detectar as condições
212
Releituras da História do Rio Grande do Sul
8
Fundamentando-se na premissa do equilíbrio possível entre determinações causais e finalidades políticas,
Cervo defende a existência de três fases para compreender o “enquadramento” brasileiro no sistema capita-
lista realizado à época da independência: a portuguesa, a inglesa e a ocidental. Na primeira, “criaram-se as
precondições, com o rompimento da independência, a conquista interna da soberania política, o fracasso
das tentativas portuguesas em promover o retorno à situação colonial e a escolha bilateral da Grã-Bretanha
como potência mediadora”. A segunda fase é marcada “pela natureza das relações de dependência resultan-
tes das negociações entre Brasil e Grã-Bretanha” e a terceira, finalmente, será caracterizada “pela extensão
desse sistema de relações às outras nações capitalistas emergentes e ao universo” (CERVO, 1992, p. 25).
9
Note-se que uma das consequências da Guerra do Paraguai foi o aprofundamento da dívida do Brasil com
a Inglaterra, “com a qual tinha restaurado as relações diplomáticas, no início das hostilidades” (FAUSTO,
2000, p. 216).
213
veu-se em uma série de incidentes com a metrópole hegemôni-
ca, conhecidos como “Questão Christie”, nome do embaixador
britânico no País.
Após a apreensão de navios mercantes brasileiros
pela Marinha britânica estacionada no Rio de Ja-
neiro, o Brasil rompeu relações diplomáticas com a
Inglaterra no início de 1863. Criou-se no país um
clima de exaltação patriótica, incentivado também
pelas notícias de que cidadãos brasileiros estavam
sofrendo violências no Uruguai, onde os blancos10
se encontravam no poder. O governo do Império
invadiu o Uruguai, em setembro de 1864, com o
objetivo de ajudar a colocar os colorados no poder.
(FAUSTO, 2000, p. 212)
Nesta época, lembra o historiador, o líder paraguaio Francisco Solano López, buscando romper o isola-
10
mento do Paraguai, estava aliado aos blancos, então no poder no Uruguai (FAUSTO, 2000, p. 211).
214
Releituras da História do Rio Grande do Sul
215
se observa que a independência do Brasil não resultou de um
conflito com a Metrópole, tampouco representou uma ruptu-
ra na relação Metrópole-Colônia; ao contrário, se deu por um
grande “acordo pelo alto”,11 algo, aliás, bastante comum na his-
tória política brasileira.
É importante que se diga, entretanto, que não existe um
consenso sobre as fases do período Imperial no Brasil e sua
relação com a Política Externa. Neste debate, cabe ressaltar
as obras de Werneck da Silva (1990) e Amado Cervo (1992).
Segundo Werneck, o período Imperial pode ser compreendi-
do a partir de sua divisão em duas grandes fases. A primeira
refere-se ao período de Acomodação (1822-1844), na qual a
política externa brasileira estaria debruçada sobre questões
relativas ao Sistema Internacional, sobretudo no que diz res-
peito à atenção aos tratados internacionais e a própria política
liberal da época. Este direcionamento da política externa terá
consequências na própria política doméstica do Brasil, cau-
sando um momento de inflexão na mesma, na medida em que
é instaurado o abandono da submissão aos moldes coloniais
para uma dependência nos moldes capitalistas do século XIX.
A segunda fase (1844-1870) marcaria o início da auto-
nomia e da reação do Império brasileiro frente às potências he-
gemônicas europeias. Embora mantivesse os traços marcantes
da estrutura de dependência próprias dos países periféricos
do século XIX, o Brasil se opunha aos Tratados internacionais
entendidos como prejudiciais aos interesses nacionais. Na es-
teira desta reação, a política externa brasileira fez uma inflexão
e o subsistema regional começou a ganhar ênfase na agenda
política do Império. Fizeram parte desta fase questões como a
reconstituição do vice-reinado do Prata e a própria Guerra do
Paraguai. De maneira geral, tal fase marca um Brasil que não
11
Conforme observa Werneck da Silva, foi um acordo entre os “Bragança do Paço português de Queluz
e os Bragança do Paço brasileiro de São Cristóvão, acordo este com aval inglês sem o que não haveria
independência do Brasil numa conjuntura recolonizadora como a do Congresso de Verona” (2004, p. 42).
216
Releituras da História do Rio Grande do Sul
4 As Questões Platinas
217
Império não aceitou nenhuma federação ou in-
tegração de territórios dessas repúblicas platinas,
porque sabia muito bem que no dia em que hou-
vesse federação ou integração territorial, ou mesmo
uma política comum que as aproximasse por meio
de acordos, tratados de aliança ou amizade, tudo
isto poderia reverter inevitavelmente contra um
Império cuja hegemonia “natural”, pela sua posição
e extensão geográfica naquela área, não era aceito
pelos países hispano-platinos. (SILVA, 2004, p.50)
12
“Secundavam essa ação os empreendimentos bancários, os empréstimos particulares e as iniciativas mo-
dernizadoras de Mauá no Uruguai e na Confederação. Era condição para o desempenho dessas atividades
econômicas a livre navegação dos rios interioranos, e nesse ponto o interesse brasileiro coincidia com os
das potências capitalistas, Estados Unidos, França e Inglaterra” (CERVO & BUENO, 1992, p. 104-105).
218
Releituras da História do Rio Grande do Sul
5 Conclusão
Uma análise sobre os três séculos de política externa
brasileira aponta, com clareza, para algumas questões centrais
que podem ser consideradas como marcos na periodização
dos momentos históricos, em que pesem a complexidade e,
sobretudo, a quantidade de eventos registrados ao longo deste
período. O primeiro ponto a ser retomado é que o Brasil co-
lônia não desenvolve uma política externa autônoma, pois sua
condução permanece, ao fim e ao cabo, atrelada aos desígnios
da Coroa portuguesa, cuja agenda determina, por mais de dois
219
séculos, a política externa brasileira. À colônia brasileira, por-
tanto, cabe tentar acompanhar os desdobramentos da própria
política externa lusa, que tem como foco principal as relações
com o reino de Espanha.
Neste contexto, a região do Prata já se constitui tema de
destaque e motivo de contenciosos acordos e tratados que te-
rão papel de destaque na agenda lusa. É a partir desta realida-
de que o Rio Grande do Sul ganha visibilidade e torna-se um
dos cenários da relação entre as duas Coroas europeias, ainda
que não tenha uma importância econômica para Portugal. As
fronteiras e demarcações das terras brasileiras, portanto, não
serão motivadas por ideias de Nação ou Estado – leia-se, “por
nenhum arroubo de nacionalismo” –, uma vez que os interes-
ses em jogo, nesse momento, são pontuais e regionalizados.
De fato, entre todas as questões internacionais que mar-
caram o período colonial – e sua política externa –, o Prata
se tornaria um ponto nevrálgico de disputas. Essa situação de
proeminência não sofrerá alteração no período monárquico.
Para além da discussão entre a efetiva data de instauração de
uma política externa efetivamente brasileira (1822 ou a partir
de 1831, com a aclamação de D. Pedro II), os interesses do
Império serão, paradoxal e ironicamente, marcados pelo pas-
sado luso e, especificamente, bragantino. Se, neste momento,
torna-se clara uma dependência em relação à Inglaterra, os
problemas com a região do Prata seguem pautando as toma-
das de decisões da política brasileira. O Rio Grande do Sul, já
incorporado a este contexto, cresce em relevância, ao ganhar
destaque em questões de ordem econômica e política.
Mas ao longo da história, o Brasil não deixará de de-
senvolver, sobretudo no período Imperial, uma consciência
mais clara de sua posição hegemônica. Se os analistas diferem
em suas periodizações sobre a política externa brasileira, um
consenso é aceito: as temáticas relacionadas à região do Prata
pautaram importantes inflexões da política externa brasileira,
da colônia ao Império.
220
Releituras da História do Rio Grande do Sul
Referências
KÜHN, Fábio. Breve história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Século
XXI, 2004.
221
PESAVENDO, SANDRA. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1980.
PRADO JR. Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 23. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
SILVA, José Luiz Werneck da. As duas faces da mesma moeda: a política
externa do Brasil monárquico. Rio de Janeiro: Univerta, 1990.
222
Releituras da História do Rio Grande do Sul
223
transição dura às vezes tanto, em suas contempo-
rizações de natureza sociológica, que as datas de
registro do fim deste regime ou de começo daque-
le sistema, não significam, em sua pureza ou ri-
gidez cronológica, senão mudanças de superfície
(FREYRE, 2000, p.561).
2
O sentido de “modernidade” utilizado aqui será aquele almejado pelos republicanos, não reduzido à ideia
de progresso industrial. Seu significado é permeado pelo ideário de transformações no modo de agir e
pensar na sociedade. Novos hábitos e costumes deixariam para trás tradições demarcadas e vivenciadas
pela monarquia. Tais transformações dariam uma nova percepção de civilização para o Brasil, pois - con-
forme Touraine - essa ideia estava mais ligada a uma antitradição, com a “derrubada das convenções, dos
costumes e das crenças” (TOURAINE, 1995, p. 216).
224
Releituras da História do Rio Grande do Sul
225
mas especificidades em relação a outros estados. Uma delas foi
a política desenvolvida pelo Partido Republicano Rio-grandense
(PRR), fundamentada no Positivismo adaptado de Auguste
Comte e na figura central de seu líder, Júlio de Castilhos.
O governo do PRR e das práticas autoritárias de Cas-
tilhos contou com o apoio do Exército para implantar suas
ações políticas e de reestruturação econômica do estado. Não
satisfeitos com a Força Armada ao seu lado, os republicanos
criaram a Brigada Militar, que ampliou o poder de coerção e o
combate aos “inimigos” da República.
Figura polêmica, Castilhos ainda hoje desperta duplo
sentimento, sendo considerado um dos principais heróis gaú-
chos, ao mesmo tempo em que é tido como um verdadeiro
“tirano”, que governou o estado.
É perceptível, na literatura rio-grandense pós-morte do
patriarca, uma vertente que aponta o líder do PRR como um
verdadeiro herói. O autor positivista Othelo Rosa traçou um
delineamento de Castilhos bem diferenciado daquele imagi-
nado por muitos dos opositores e das pessoas que conviveram
à sua época. Para Rosa, Júlio de Castilhos era portador de uma
moral incontestável, seguida de uma grandeza, que o vestia
de coragem e honra, bem como de patriotismo e dignidade
(ROSA, 1930, p.315). O autor segue vestindo Castilhos com
uma roupagem de homem singular, em quem batia um cora-
ção “heroico”, fazendo surgir, a partir do político, um gran-
de filósofo, cuja maior qualidade estava na virtude de ser um
pensador (ROSA, 1930, p.317).
Se, por um lado, havia homens que consideravam Júlio
de Castilhos um político que marcou a vertente heroica do
gaúcho, também existiam os que o consideravam um vilão na
história do estado. No olhar dos viajantes que visitaram Porto
Alegre, entre o final do século XIX e início do XX, um outro
Castilhos foi descrito, sem traços de heroísmo.
O viajante Stanislaw Klobukowski esteve em Porto Ale-
gre no final do século XIX. Dirigiu duras críticas ao governo
226
Releituras da História do Rio Grande do Sul
227
O antigo opositor, A Reforma, foi constantemente
empastelado e, durante a Revolução Federalista,
esteve por um longo tempo impedido de editar suas
folhas, fechando definitivamente em 1910 (ROSSI-
NI, 2005, p.236).
228
Releituras da História do Rio Grande do Sul
3
A explicação mais provável encontrada nas fontes disponíveis sobre a denominação dada aos federa-
listas, está sustentada na seguinte interpretação: maragatos, no Uruguai, são designados aqueles descen-
dentes dos primeiros espanhóis chegados na região, cuja procedência era da Maragateria, província de
León (REVERBEL, 1985, p.5). Conforme Moacyr Flores: “Com os invasores brasileiros vinham gauchos
uruguaios, de um departamento que fora povoado por espanhóis oriundos de Maragateria. [...] Os ma-
ragatos adotaram o lenço vermelho como símbolo de sua facção política. Os republicanos ou pica-paus
usavam lenço branco como distintivo” (1996, p. 158).
229
Como expõe Le Goff, os “arquivos de pedra” são dota-
dos de um poder de durabilidade que despertou nos regimes
políticos o princípio de perpetuação dos ideais ali depositados
(1994, p.432). O poder político, muitas vezes, determina o que
deve ou não ser lembrado pela sociedade, elegendo aconteci-
mentos para serem tornados presentes em monumentos pú-
blicos, agindo diretamente na formação da memória coletiva.
Segundo Peter Burke:
Historiadores dos séculos XIX e XX, (...), vêm dedi-
cando um interesse cada vez maior aos monumen-
tos públicos nos últimos anos (...) esses monumen-
tos ao mesmo tempo expressavam e formavam a
memória nacional (BURKE, 2000, p.74).
230
Releituras da História do Rio Grande do Sul
231
Toda cultura tem o seu herói, seja nas sociedades primi-
tivas como na contemporânea, todavia seu sentido se diferen-
cia de acordo com o período e o contexto histórico. O que se
altera na concepção e função do herói serão os valores culturais
atribuídos a ele e a finalidade do seu surgimento (DRUCKER;
CATHCART, 1994, p.82). Segundo Carvalho “[...] por ser par-
te real, parte construído, por ser fruto de um processo de ela-
boração coletiva, o herói nos diz menos sobre si mesmo do que
sobre a sociedade que o produz” (CARVALHO, 1990, p.14).
O herói evidenciado na Primeira República Rio-
-grandense será o que Sidney Hook denomina de “um pro-
duto sintético”. Não será aquele que se torna herói na traje-
tória em vida, mas, sim, após sua morte. O principal meio
de fabricação será via propaganda e discurso, mesmo que o
eleito nunca tenha se destacado na sociedade em que viveu
(HOOK, 1962, p.17). Ele nada mais é que um instrumento de
vontade de um grupo, que desenvolve as intenções de outros
indivíduos que o criaram por puro interesse (HOOK, 1962,
p.140). Frente ao exposto, viu-se o grupo que permaneceu no
poder, os republicanos positivistas, eleger Júlio de Castilhos
como herói, não pelo episódio da Revolução Federalista, mas
pela sua trajetória e como símbolo maior do PRR.
O herói, na sociedade, sempre foi concebido como uma
figura lendária que possuísse atributos de um ser que demons-
trasse vigor, poderes sobrenaturais, bravura e magia, sendo ad-
mirado pelos seus atos. Narrativas acerca de seus predicativos
têm sido reproduzidas de geração a geração, e o herói, na mor-
te mais do que em vida, vem sendo exaltado no decorrer da
história (DRUCKER; CATHCART, 1994, p.221). Isso explica
a falta de culto aos participantes da Revolução, pois causaria
estranhamento ver alguém cultuar quem matou sem piedade
ou que não teve o mínimo de humanidade para com o inimigo.
A Revolução Federalista foi, sem dúvida, o maior exem-
plo de discordância de ideias e de prática política. Entre 1893 e
1895, a estabilidade da República no Sul do Brasil foi contesta-
da não apenas via discursos e artigos de jornais, mas, da mes-
232
Releituras da História do Rio Grande do Sul
233
Barros Cassal e Assis Brasil. Sem base política sustentável e
maiores articulações, os dissidentes não suportaram a pressão
dos aliados de Castilhos, não conseguindo evitar que o líder do
PRR retornasse ao governo:
É bem verdade que, quando os castilhistas subiram
ao poder, “varreram” os liberais dos seus cargos e os
perseguiram; por sua vez, quando do “governicho”,
foi a vez de os republicanos serem perseguidos, re-
gistrando-se assassinatos em revide aos crimes pra-
ticados pelo PRR. Com o retorno dos republicanos
ao poder, abriu-se um novo período de violências e
perseguições, que mais fizeram recrudescer a radi-
calização política (PESAVENTO, 1983, p.85).
234
Releituras da História do Rio Grande do Sul
4
Gaspar Silveira Martins resistiu em conceber a deflagração da Revolução Federalista.
235
A Revolução iniciou pela região de Aceguá, em 05 de fe-
vereiro de 1893 com Gumercindo Saraiva comandando cerca
de 400 homens. Simultaneamente, o Rio Grande do Sul fora
invadido pelos federalistas,5 tendo, no comando, Juca Tigre e
Ulisses Revervel, que traziam centenas de homens sob o co-
mando de João da Silva Tavares.
Após dois meses do início da ocupação das tropas fede-
ralistas, na região de Alegrete, se deu uma das maiores bata-
lhas que perdurou por horas. Ao leito do Rio Inhanduí, cerca
de 10 mil homens entraram em confronto. Os pica-paus esta-
vam bem mais preparados em termos de armamentos; por ou-
tro lado, os maragatos, mesmo achando que tinham a melhor
posição estratégica, se retiraram na madrugada do campo de
batalho por ordem de Joca Tavares, que temia não ter poder
bélico para sustentar uma nova investida do inimigo.
O movimento Federalista, no primeiro ano, obteve vitó-
rias significativas, ampliando sua ocupação geográfica. Porém,
com a reação dos governos estadual e federal, a sustentabi-
lidade da ação não conseguiu se manter. Como bem analisa
Francisco das Neves Alves:
A forte reação castilhista/florianista somada aos
problemas no seio das forças revolucionárias fize-
ram com que estes recuassem de diversos pontos
anteriormente conquistados. A virada de 1893
para 1894 representou um momento decisivo para
o rumo da revolução (2002, p.37).
5
Os federalistas eram denominados como aqueles que estavam ligados ao Partido Federal, mas deve-se
salientar que republicanos que não estavam de acordo com as ideias de Júlio de Castilhos e monarquistas,
prejudicados com a política republicana, do mesmo modo, faziam parte desse grupo.
236
Releituras da História do Rio Grande do Sul
237
Foi no governo do presidente de Prudente de Moraes
que se deu a pacificação entre federalistas e pica-paus. Sem
dúvida, foi um ato mais diplomático do que realmente um
atendimento das principais causas da revolta. Em 1894, com
o fim da administração de Floriano Peixoto e o início do go-
verno civil de Prudente de Morais, o Brasil começou a buscar
a coesão e a paz tão fragmentada nos anos interiores com os
militares. A melhor forma de concretizar a ideia de uma pátria
era por fim às revoluções:
[...] em 23.8.1895, o gen. Galvão de Queiroz e o
gen. João da Silva Tavares assinaram a convenção
de paz em Pelotas, aceitando a anistia decretada
pelo Prudente de Morais. Júlio de Castilhos não as-
sinou a convenção, apenas aceitou a submissão dos
rebeldes (FLORES, 1996, p.168).
238
Releituras da História do Rio Grande do Sul
6
Entende-se por memória coletiva “[...] aquela formada pelos fatos e aspectos julgados relevantes e que
são guardados como memória oficial da sociedade. Ela geralmente se expressa naquilo que chamamos
de lugares da memória que são os monumentos, hinos oficiais, quadros e obras literárias e artísticas que
expressam a versão consolidada de um passado coletivo de uma dada sociedade” (SIMSON, 2000, p.63,
grifo da autora).
239
sua memória em um monumento que narra a vida de Júlio de
Castilhos de forma ideológica e a partir de sua glorificação.
Isso se deve principalmente pela iniciativa dos repu-
blicanos do PRR que, com propagandas, discursos, homena-
gens e monumentos construíram um Júlio de Castilhos bem
diferente daquele quando vivo. Após sua morte, os atos de-
preciativos de Castilhos foram aos poucos sendo apagados da
lembrança da sociedade, restando apenas aquilo que era para
ser lembrado, mesmo que seja uma lembrança forjada para
atender os interesses de um grupo restrito.
Para a História do Rio Grande do Sul, a Revolução Fe-
deralista trouxe mudanças significativas para a sociedade. Os
ideais do PRR iriam pendurar até 1930, principalmente por
meio das inúmeras reeleições de Borges de Medeiros no go-
verno do estado. Mesmo assim, serão germinadas as primeiras
sementes da bipolarização partidária e a cultura de se apoiar
esta ou aquela ideologia.
Para os gaúchos, o “acerto de contas” entre maragatos
e pica-paus foi visto mais com repúdio do que realmente
com admiração. O que permanece sobre o episódio, ainda
é aquela visão de discórdia entre “irmãos”, pois houve uma
luta entre iguais por uma causa política, na qual a valentia,
tão exaltada na figura do gaúcho, desta vez não foi exaltada
de forma mitológica. Pelo contrário, existe um tabu em rela-
ção ao acontecido.
Desta vez, o gaúcho imortalizado pelas “peleias” não foi
o personagem principal a ser lembrado, mas sim a violência
extrema e suas consequências para o rumo do Rio Grande do
Sul. Neste caso, de heróis, os envolvidos na Revolução passa-
ram a ser lembrados pelos dois lados como os vilões da histó-
ria e estão longe de serem personificados como aquele “mito
[...] associado a um cavaleiro indomável, viril, hábil no ma-
nejo das armas, guerreiro valente, capaz de suportar grandes
sacrifícios e reveses” (KAISER, 1999, p.37).
240
Releituras da História do Rio Grande do Sul
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242
Releituras da História do Rio Grande do Sul
1 A imigração
* Doutor em Ciência Política pela Universidade Livre de Berlim. Professor nos Departamentos de História
da PUCRS e da UFRGS.
243
colonização, desde o início do último quartel do século XIX,
com o início da vinda de imigrantes italianos e poloneses, mais
a continuidade da vinda de novos contingentes de alemães. E,
no século XX, tem-se, ainda, a vinda de judeus, de japoneses e
de vários outros grupos numericamente menores.
Os três primeiros grupos são, porém, aqueles que mais
fortemente marcaram a paisagem humana, socioeconômica,
política e cultural do estado, e são alguns aspectos desta pai-
sagem, em sua configuração até a atualidade, que se tentará
abordar. Evitou-se uma tediosa enumeração de nomes e datas
de fundação de núcleos coloniais através do tempo. O objeti-
vo é tecer algumas considerações que não apenas apresentem
informações sobre o passado, mas também ajudem a entender
aspectos do presente.
Por ter sido abordada em capítulo específico, não se
fará referência aos resultados da imigração açoriana. Também
não se fará nenhuma referência ao ingresso de pessoas vindas
dos países vizinhos, tampouco ao desdobramento da presen-
ça portuguesa ou da introdução forçada de negros, trazidos
como escravos.
Na década de 1870 iniciou uma nova fase no processo de
imigração e colonização, com a chegada de grupos significati-
vos da península italiana e da Polônia. Grosso modo, essa fase
se estendeu até a Primeira Guerra Mundial (1914). Não que
antes dessa data representantes desses dois grupos estivessem
totalmente ausentes – basta lembrar Garibaldi ou Zambecari,
personagens importantes da Revolução Farroupilha, mas tam-
bém Gudowski ou Stepanowski, menos conhecidos da mesma
Revolução ou das guerras no Prata, no início da década de
1850. Mas, no último quartel do século XIX, o modelo de co-
lonização iniciado 50 anos antes, com alemães, foi continuado,
em outros territórios e com imigrantes de outras origens.
Naquilo que tange aos imigrantes vindos da penínsu-
la italiana, fundaram-se três colônias na encosta superior
244
Releituras da História do Rio Grande do Sul
245
GRITTI, 1997, p. 92). Afora aqueles vindos para esses núcleos,
naturalmente também aconteceu o ingresso de avulsos, vin-
dos antes e depois dessas datas.
Diferente daquilo que aconteceu com alemães, italianos,
poloneses e seus respectivos descendentes, que, em gerações
sucessivas, migraram tanto para o interior, estabelecendo no-
vos núcleos coloniais do respectivo grupo, quanto para centros
urbanos, os colonizadores judeus, em sua quase totalidade,
abandonaram seus lugares de assentamento agrícola original
e migraram para centros urbanos, de forma que os núcleos
originais praticamente deixaram de existir ou, então, foram
ocupados por populações de outra origem.
Finalmente, merece referência a imigração japonesa.
Para o Brasil, como um todo, ela começou em 1908, destinan-
do-se, em especial, para o Sudeste do País. Por isso, no censo
demográfico de 1940, registraram-se apenas 199 japoneses no
Rio Grande do Sul, com pequenos núcleos não consolidados
em Horizontina e em São Sebastião do Caí. A partir da segun-
da metade do século XX, essa imigração, porém, foi retomada,
de forma que, além de famílias isoladas espalhadas por dife-
rentes localidades, estabeleceram-se novos grupos em Ivoti,
Santa Maria, Viamão, Itati e outros lugares.
246
Releituras da História do Rio Grande do Sul
247
mais seus descendentes, eram calculados em, aproximada-
mente, 850.000. Isso representaria 32% da população total do
estado (GRITTI, 2004, p. 79).
Estudos específicos sobre os diferentes grupos, porém,
apontam para percentuais maiores. Jean Roche, ao referir-se
a alemães e descendentes, apresenta autores e conjecturas pró-
prias que sugerem números superiores aos 400.000 admitidos
pela fonte citada, chegando a trabalhar com a hipótese de que,
20 anos depois, em 1950, 21% da população gaúcha eram de
origem alemã (ROCHE, 1969, p. 169-170). Loraine Slomp
Giron e Vania Herédia (2007, p. 25) calculam que, já em
1920, o conjunto da “população colonial” teria representado
41,5% do total. E Isabel Gritti considera sub-representados nas
estatísticas os números de nascimentos de filhos de poloneses,
com que também pleiteia para esse grupo um número maior
que o indicado na fonte governamental (GRITTI, 2004, p. 80).1
Por tudo isso, mesmo que as deficiências estatísticas não
permitam afirmações categóricas sobre o montante da popu-
lação originária do processo de imigração e colonização aqui
abordado, é plausível dizer que, a partir de 1930, cerca de 40%
da população estadual passou a ser constituída por aqueles
que, até hoje, muitas vezes, são chamados de “imigrantes”,
ainda que a quase totalidade deles já tenha nascido brasileira.
Uma parte da opinião pública gaúcha possui uma visão
correta sobre a localização desses “imigrantes”. Mesmo assim,
convém apontar para algumas peculiaridades. Quem viajar
pelo interior do município de Bagé – um dos mais típicos da
campanha gaúcha – poderá deparar-se com a Colônia Nova,
um núcleo de gente com características físicas tipicamente
norte-europeias, que em parte se comunica por meio de uma
língua que não é a portuguesa, e que frequenta uma igreja cuja
denominação não é corriqueira – Menonita.
1
Uma discussão sobre as diferentes fontes estatísticas em torno da população de origem alemã encontra-se
em Schäffer (1994).
248
Releituras da História do Rio Grande do Sul
249
Simbolicamente, essa realidade pode ser ilustrada pelo
município de Canguçu, incluindo a própria sede, uma comuna
de ocupação “tradicional”, na qual se imiscuíram imigrantes
que acabaram de conferir-lhe uma situação socioeconômica e
humana que é típica das mais tradicionais áreas de imigração
– o município se apresenta como aquele que possui o maior
número de minifúndios de todo o Brasil.
Talvez por ser menos visível – isto é, menos lembrada
– como região de colonização centro-europeia, a história e a
configuração atual dessa área do sul ainda foram pouco estu-
dadas. Mas não há dúvida de que esse espaço geográfico apre-
senta algumas características peculiares, em uma comparação
com outras regiões típicas de colonização. Mesmo que se sin-
tam mudanças em tempos mais recentes, as colônias daquela
região nunca tiveram um desenvolvimento econômico com-
parável à boa parte das outras regiões. Possivelmente pela sua
localização em meio a populações de outras origens, também
a paisagem cultural é sui generis – por um lado, o cultivo da
língua original se perdeu em larga medida, mas, por outro, se
mantiveram traços “originários” muito interessantes.
Como esses “imigrantes” são, em grande parte, de ori-
gem alemã, muitos deles são luteranos e, justamente sob essa
perspectiva, conservam uma originalidade que não existe em
nenhuma outra região de colonização alemã – muitas comu-
nidades religiosas nunca se filiaram a instituições eclesiásticas,
isto é, a igrejas nacionais, mantendo-se como comunidades
“livres” ou “independentes”, que se autoadministram e con-
tratam, de forma totalmente autônoma, pastores. Inversamen-
te, chegaram a exercer, em determinado momento, influência
cultural-religiosa sobre populações pré-estabelecidas, a ponto
de ter-se constituído uma comunidade luterana composta de
negros, em Manoel do Rego, no interior de Canguçu.
É evidente que, sob outros aspectos, essa região de co-
lonização apresenta características usualmente consideradas
250
Releituras da História do Rio Grande do Sul
2
Tal dado torna mais plausível a hipótese de que, no mínimo, 40% da população gaúcha da época tenham
tido origem “imigrantista”.
251
Tal desenvolvimento material era mais difícil de ser con-
trolado pela vontade do que outros campos da atividade hu-
mana. Provavelmente, o fato de que a política pode ser mais
facilmente controlada e dirigida pelos atores dominantes fez
com que, desde o início da República, o número de deputa-
dos estaduais de sobrenome alemão e italiano não conseguisse
ultrapassar os 15%, mas, após a Segunda Guerra Mundial, os
sobrenomes desses dois grupos, juntos, atingiram 41%, nas
eleições de 1947, e 35%, nas de 1950. Isso indica que também
se registra uma ascensão política definitiva do mundo “colo-
nial”, a partir daquele momento (GERTZ, 1991, p. 74-76).
Com isso, a resposta à pergunta sobre o número e a lo-
calização dos imigrantes e de seus descendentes pode ser dada
com algum grau de segurança: desde aproximadamente 1930,
pode-se pressupor que, no mínimo, 40% da população gaúcha
são descendentes de alemães, italianos, poloneses, judeus e ja-
poneses, e eles se concentram, sobretudo, na metade Norte do
Rio Grande do Sul, apesar de que, evidentemente, nem todos
os habitantes dessa área são “imigrantes”.
3 Elogio da diferença
3
Ver Gertz (2004).
252
Releituras da História do Rio Grande do Sul
253
fico mais amplo, que, grosso modo, se estendia da atual cidade
de Guarani das Missões até Santa Rosa.
Tanto Ijuí quanto Guarani se caracterizaram pela tenta-
tiva de estabelecimento de colonizadores das mais diferentes
origens étnicas e religiosas – incluindo aqueles que, na lin-
guagem da época, eram denominados “nacionais”, isto é, pes-
soas que não eram descendentes de nenhuma das principais
correntes imigratórias centro-europeias. No citado pequeno
texto intitulado Elogio da diferença, arrolou-se uma série de
nomes de colonizadores pioneiros extraídos de um livro edi-
tado por Frei Rovílio Costa (2004) sobre a colônia Guarani:
Gaudêncio da Silva, Johann Johansson Knckta, Saveli Bujaj,
Adolpho Capeletti, Gustav Schultz, Henri van Ecnov, Samsão
Formine Doyko, Nikifor Frondrolnk, Alessander Juntaxna,
Matts Mattsson Maaempão, Jacob Majer, Francisco Przjbsz.
Abstraindo do fato de que em alguns desses nomes foi
tentado um “aportuguesamento” e de que outros devem estar
escritos errados, essa nominata dá uma ideia da variedade de
origem étnico-nacional dos primeiros colonizadores de Gua-
rani. As diferenças religiosas, evidentemente, não são visíveis
pelos nomes, mas fato é que a quase totalidade das confissões
religiosas que um brasileiro mais ou menos informado pode-
ria imaginar, até uns 30 ou 40 anos atrás, estiveram represen-
tados nessa colônia.
Em Ijuí, aconteceu algo muito parecido. Em relação a
esta colônia, basta referir a conhecida FENADI – Feira Nacio-
nal das Etnias Diversificadas –, que é organizada com a parti-
cipação de mais de dez grupos diferentes.
Naquilo que tange à colônia de Guarani, cabe, ainda,
ressaltar que o centro urbano mais significativo de alguma
forma vinculado a esse projeto é a cidade de Santa Rosa. Tanto
por razões doutrinárias (o princípio positivista de separação
rígida entre os poderes temporal e espiritual), quanto por ra-
zões práticas decorrentes do número de confissões religiosas
com representação percentualmente importante, Santa Rosa
254
Releituras da História do Rio Grande do Sul
4
Sobre essa questão de igrejas na praça central, o projeto de colonização foi responsável por alguns outros
casos peculiares, no contexto gaúcho: em Candelária, na praça central, existe uma igreja luterana; em Ijuí,
há uma igreja católica, de um lado, e uma luterana, na mesma posição, do outro.
255
verbal, no sentido de que as populações costumassem dizer
que são especialmente “democráticas”, “modernas”, “avançadas”.
Elas próprias, pelo contrário, não têm qualquer consciência dis-
so, pois essa realidade só é perceptível ao observador externo,
com certo treinamento para fazer comparações, observando
diferenças de comportamento efetivo. Não há como compro-
var essa hipótese, ainda que ela pareça lógica.
Repetindo, além do ecumenismo étnico e religioso, é le-
gítimo conjecturar que o comportamento progressista da po-
pulação pode derivar, também, do longo processo de migra-
ção sucessiva. A lógica é a seguinte: conforme disse o grande
sociólogo Max Weber, por natureza, os homens gostariam de
viver como e onde sempre viveram. Acontece que o aumento
populacional e o esgotamento do solo pressionam as pessoas a
procurarem novos lugares para se estabelecer. Só que, de duas
pessoas que sofrem a mesma pressão social para sair do lugar
em que sempre viveram, uma pode decidir-se a ir, para tentar
melhorar de vida, e a outra permanecer, sem a preocupação
ou a ânsia de melhorar. Por essa lógica, os mais progressistas
teriam levantado acampamento para tentar melhorar de vida,
os mais tradicionais e acomodados teriam ficado – um proces-
so desses, repetindo-se por várias gerações, teria levado a uma
“seleção”, da qual resultaria uma região mais dinâmica, mais
progressista.
A necessária modéstia do historiador o obriga a admitir
que nem a lógica do ecumenismo nem a lógica da seleção pro-
gressiva pela migração explicam tudo. Isso fica claro quando
se fala de outro tipo de colonização, a colonização particular.
É que projetos de colonização também foram levados a efeito
por iniciativa privada, seja por meio de empresários indivi-
duais, seja por meio de empresas ou de organizações que não
possuíam “dono”. Por mais que os positivistas republicanos de-
saconselhassem esse tipo de colonização, pois tendia a consti-
tuir colônias homogêneas, na prática, não tomaram qualquer
256
Releituras da História do Rio Grande do Sul
257
em que foram instaladas, da composição humana. Nem tudo é
tão igual quanto o senso comum, muitas vezes, imagina.
258
Releituras da História do Rio Grande do Sul
259
Tal situação levou a confrontos físicos, no contexto da
Segunda Guerra Mundial, os quais deram origem a um clima
de estranhamento que perdurou por muitos anos – ao menos
naquilo que tange a alemães e italianos, mais seus respectivos
descendentes, já que esses eram os dois grupos numericamen-
te mais presentes. Essa situação, a rigor, só mudou quando,
em 1974/1975, o governo do estado promoveu o “biênio da
imigração e colonização”, com homenagens oficiais pela pas-
sagem dos 150 anos da imigração alemã e 100 anos da imigra-
ção italiana.
Mesmo que as homenagens mais enfáticas fossem feitas
em relação a esses dois grupos, o fato de que o próprio gover-
no estava comemorando a presença dos “imigrantes” refletiu
sobre o ânimo de praticamente todas as “etnias”, e, na sequên-
cia, aconteceu algo que se poderia chamar de “re-etnização”.
Como a interdição fora levantada pelo próprio poder público,
o cultivo da identidade e a manifestação da autoestima pas-
saram a ser vistos como plenamente liberados. Entre muitos
outros reflexos dessa nova situação, a mais visível, certamente,
são as festas populares.
Mais uma vez, há diferenças entre os grupos – as “co-
lônias” alemã e polonesa festejam suas Oktoberfest e Polfest;
as grandes festas da “colônia” italiana referem-se mais à vida
econômica (Festa da Uva, do Vinho, do Queijo); mas também
houve a retomada de manifestações populares tradicionais,
como o “filó”. Além disso, aconteceu uma revalorização da
arquitetura considerada representativa dos grupos imigrantes
– nas regiões de colonização alemã, as casas de enxaimel; nas
de colonização italiana, as de pedra. Tanto as festas quanto a
arquitetura e outros elementos culturais foram aproveitados
para promover o turismo nas respectivas regiões.
De uma maneira geral, nota-se que a população do es-
tado, como um todo, não faz restrições a essas práticas étnico-
-culturais. Pelo contrário, faz turismo nas respectivas regiões e
260
Releituras da História do Rio Grande do Sul
261
te muitos anos essas comunidades se caracterizaram por uma
relativa igualdade social, a qual ainda sobrevive em muitas
regiões que não experimentaram um processo acentuado de
industrialização.
E essa igualdade relativa criou, nessas comunidades,
tradições democráticas que sobrevivem até hoje. Nas listagens
com os Índices de Desenvolvimento Humano dos municípios
brasileiros, essas comunidades aparecem no topo. Da mesma
forma, chama atenção um dado sobre a participação feminina
na política dessas comunidades. Os dados numéricos sobre as
mulheres-prefeitas que o Rio Grande do Sul teve, desde 1982,
indicam uma clara predominância dos sobrenomes de origem
alemã, italiana e polonesa, ou, ainda, de mulheres com outro
sobrenome em municípios típicos de colonização com um dos
três grupos.
Em um estudo sobre as vereadoras eleitas em 1992 e
1996, constatou-se que, na primeira data, 57% tinham sobre-
nomes alemães e/ou italianos, e, na segunda, esse percentual
era de 61%. Se somados os sobrenomes poloneses, certamente
seriam mais de 70% de sobrenomes “imigrantes”. A explica-
ção, mais uma vez, está na estrutura familiar relativamente de-
mocrática, permitindo o envolvimento das mulheres.
Há vários anos, a Confederação Nacional dos Municí-
pios realiza uma pesquisa na qual são calculados os níveis de
atendimento proporcionado pelas administrações municipais
brasileiras para seus cidadãos. A lista elaborada a partir dos
resultados desse cálculo é encimada por aqueles municípios
que atendem ao maior número possível de cidadãos, da forma
mais equitativa possível, com os recursos existentes, isto é, os
impostos arrecadados. E essa lista registra, no seu topo, exa-
tamente uma grande quantidade de municípios “coloniais” do
Rio Grande do Sul. Para exemplificar – São José do Hortêncio,
no Vale do Rio Caí, sustentou o primeiro lugar durante quase
toda a primeira década do século XXI.
262
Releituras da História do Rio Grande do Sul
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264
Releituras da História do Rio Grande do Sul
1 Antecedentes
265
dade Sul-rio-grandense” para reunir a gauchada saudosa da
querência. Esta entidade fazia reviver, na capital do Império,
os costumes típicos do Rio Grande (SAVARIS, 2008, p. 177).
266
Releituras da História do Rio Grande do Sul
1
Lomba Grande, então distrito de São Leopoldo.
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2.1 Colégio Júlio de Castilhos
268
Releituras da História do Rio Grande do Sul
269
de honra, para fazer as alas em homenagem ao grande herói,
fosse composta por uma representação gaúcha, que traduzisse
a alma da terra, a essência farroupilha. Pessoas que “lembras-
sem os tempos gloriosos dos nossos estancieiros e suas peona-
das, que enfrentaram durante 10 anos todo o Império”.
Diante da inexistência de uma representação com tais
qualidades, o presidente da Liga então solicitou ao Departa-
mento de Tradições do Julinho um piquete de gaúchos para
montar guarda à urna com os restos mortais do grande herói
farrapo.
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Releituras da História do Rio Grande do Sul
271
naturas dos interessados na fundação do que chamava “Clube
de Tradição Gaúcha”.
Outro importante agregado ao grupo foi Glaucus Sarai-
va da Fonseca, que, juntamente com Barbosa Lessa, articulava
reuniões para a unificação de ideias, que tinham a finalidade
de defender as tradições. Foram chegando outros companhei-
ros e o local ficou pequeno.
Em dezembro de 1947, as reuniões passaram para a casa
dos pais de José Laerte Vieira Simch, na Rua Duque de Caxias,
nº 707, centro de Porto Alegre. Ganhava força a ideia de criar
uma entidade em que se pudesse cultivar e preservar as tradi-
ções gaúchas. Todos mantinham o propósito de levar adiante
a iniciativa (CÔRTES, 1994, p. 131).
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Releituras da História do Rio Grande do Sul
2.2.3 Os fundadores
3 A expansão do Tradicionalismo
Com a proliferação das entidades tradicionalistas por
diversas localidades do Rio Grande do Sul,2 na cidade de Pelo-
tas, Fernando Augusto Brockstedt, Ubirajara Timm e Oswal-
do Lessa da Rosa convocaram uma Assembleia Tradicionalis-
ta, que se realizou em dezembro de 1952, com a presença de
representantes de sete Centros de Tradições Gaúchas. Ficou,
então, aprovada a ideia de realização de um Congresso e da
criação de uma federação de entidades tradicionalistas do Rio
Grande do Sul.
2
Erechim, Bagé, Cachoeira do Sul, Piratini, Soledade, São Lourenço do Sul, Farroupilha, Rio Grande, Pi-
nheiro Machado, Porto Alegre, Quaraí, Cacequi, Júlio de Castilhos, Rio Pardo, Esteio, São Gabriel, Canela,
São Francisco de Assis, Lagoa Vermelha, Canoas, Santo Ângelo e Caxias do Sul.
273
3.1 O primeiro Congresso
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Releituras da História do Rio Grande do Sul
275
3.4 Fundação do Movimento Tradicionalista Gaúcho
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Releituras da História do Rio Grande do Sul
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4.1 Congressos
4.2 Convenções
278
Releituras da História do Rio Grande do Sul
279
em Cachoeira do Sul; a 5ª, em 1981, em Lagoa Vermelha; a
6ª, em 1982, em Canguçu; a 7ª, em 1983, em Soledade; e a
8ª, em 1984, na cidade de Farroupilha. Em 1985, a 9ª edição
seria em Rio Pardo, mas, como as autoridades do Município
desistiram, Farroupilha sediou novamente o evento. Decidiu-
-se, então, não mais alternar o local, uma vez que a cidade de
Farroupilha se propunha em continuar realizando anualmen-
te a final.
A partir de 1986, o evento passa a ser promovido pelo
Movimento Tradicionalista Gaúcho e muda de nome: Festival
Gaúcho de Arte e Tradição (FEGART), sempre no último final
de semana de outubro, permanecendo em Farroupilha da 1ª à
11ª edições, portanto até o ano de 1996. Tendo em vista o cres-
cimento do festival, em 1997 (12ª edição) transferiu-se para
Santa Cruz do Sul e por questões judiciais, muda de nome em
1999: Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (ENART), que
neste ano de 2011 será realizada a 26ª edição e 35ª edição des-
de o festival originário (CIRNE, 2006, p.140-158).
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Releituras da História do Rio Grande do Sul
5 Conclusão
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escreveram uma história bonita, que enche o povo gaúcho de
orgulho ao lembrá-los e que, assim o fazendo, continua a es-
crever esta história, para a grandeza da amada querência.
Referências
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