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A DIALÉTICA DA RESTAURAÇÃO

Leitura sobre o restauro do Real Gabinete Português de Leitura

LA DIALÉCTICA DE LA RESTAURACIÓN
Lectura sobre el restauración del Real Gabinete Portugués de Lectura

THE DIALECTIC OF RESTORATION


Reading about the restoration of the The Royal Portuguese Cabinet of Reading
Eixo temático 3 - Projeto e tecnologia: formação e prática

Márcia Braga
Mestre em Conservação do patrimônio arquitetônico - UFRJ, e arquiteta sócia da empresa Decato

Delfim Carvalho
Arquiteto e sócio da empresa Decato

Clarissa Senna
Pós-graduação em Economia e gestão da sustentabilidade na construção Civil - UFRJ, e arquiteta da
empresa Decato

Resumo:
A percepção sobre o patrimônio e os axiomas da restauração sofreu uma grande mutação ao longo dos
anos. Com o desenfreado processo de globalização e sua habilidade de maturação, muitas técnicas,
práticas e teorias ganharam novas configurações em prol das necessidades, e em resposta aos novos
desafios apresentados pela contemporaneidade. A expansão do panorama patrimonial se deu através do
encontro entre suas historicidades: do passado ao presente - das raízes à evolução - ocasionando em uma
dialética em torno da restauração. O confronto traçado compara os conceitos consolidados ao longo do
séculos XIX e XX, representados por renomados teóricos como Viollet-le-Duc, Brandi e Ruskin; com a nova
gama de possibilidades difundida pela globalização, que amplia a noção de patrimônio para os âmbitos
cultural e local, na qual se vê necessária uma interpretação individual levando em conta as especificidades
locais e o tipo de intervenção a ser realizada.
Palavras-chave: Patrimônio, dialética, contemporâneo

Resumen:
La percepción sobre el patrimonio y los axiomas de la restauración ha sufrido una gran mutación a lo largo
de los años. Con el desenfado proceso de globalización y su habilidad de maduración, muchas técnicas,
prácticas y teorías ganaron nuevas configuraciones en favor de las necesidades, y en respuesta a los
nuevos desafíos presentados por la contemporaneidad. La expansión del panorama patrimonial se dio a
través del encuentro entre sus historicidades: del pasado al presente - de las raíces a la evolución -
ocasionando en una dialéctica alrededor de la restauración. La confrontación trazada compara los
conceptos consolidados a lo largo del siglo XIX y XX, representados por renombrados teóricos como Viollet-
le-Duc, Brandi y Ruskin; con la nueva gama de posibilidades difundida por la globalización, que amplía la
noción de patrimonio para los ámbitos cultural y local, en la que se ve necesaria una interpretación
individual teniendo en cuenta las especificidades locales y el tipo de intervención a realizar.
Palabras-clave: Patrimonio, dialéctica, contemporánea.

Abstract:
The perception of the patrimony and the axioms of restoration has undergone a great change over the years.
With the rampant process of globalization and its maturation ability, many techniques, practices, and theories
have gained new configurations for needs, and in response to the new challenges posed by
contemporaneity. The expansion of the patrimonial panorama happened through the encounter between
their historicities: from the past to the present - from the roots to the evolution - causing in a dialectic around
the restoration. The confrontation traced compares the concepts consolidated throughout the nineteenth and
twentieth centuries, represented by renowned theorists such as Viollet-le-Duc, Brandi and Ruskin; with the
new range of possibilities spread by globalization, which extends the notion of patrimony to the cultural and
local spheres, in which an individual interpretation is necessary, taking into account local specificities and the
type of intervention to be carried out.
Keywords: Patrimony, dialectic, contemporary.
A DIALÉTICA DA RESTAURAÇÃO
Leitura sobre o restauro do Real Gabinete Português de Leitura

Como estudo de caso para o tema será adotado o edifício do Real Gabinete Português de Leitura,
uma biblioteca em estilo Neomanuelino, construída em 1887 no centro do Rio de Janeiro. A
análise em questão trata-se de uma comparação e evidenciação de sua instância histórica (do
tempo em que a obra foi criada até o presente histórico), perante seu projeto, e a
contemporização de todas as partes da mesma, representando segundo BRANDI (2004, P.33),
"...a dialética da restauração, exatamente como momento metodológico do reconhecimento da
obra de arte como tal".

HISTORICIDADES

A ideia da instituição abordada originou-se em uma reunião realizada por emigrantes portugueses
no Rio de Janeiro, sendo a maioria composta por comerciantes da praça e perseguidos pelo
Absolutismo em Portugal; que resolveram criar uma biblioteca para ampliar os conhecimentos de
seus sócios e dar oportunidade aos portugueses residentes na então capital do Império.

A importância do edifício, desde seus primórdios, vai além da esfera global; atingindo também
questões mais intrínsecas nos âmbitos nacional, local e social.

Em relação à esfera global, o local, apesar de ter sido um refúgio literário e uma evocação às
tradições portuguesas na época, ao decorrer das décadas passou a não ser mais procurado
apenas por seu uso como biblioteca. Com a globalização atrelada à sua intuitiva e progressiva
necessidade de expansão, bem como de conhecimento do mundo como um todo, a instituição
tornou-se um foco turístico. Sua funcionalidade passou a ser um forte chamariz, bem como sua
bela arquitetura em estrutura metálica, sua fachada em pedra de Lioz, seus vitrais, elementos
decorativos e pinturas artísticas, além da bagagem histórica à qual foi atrelada.

Em menção às questões nacionais, o edifício carrega consigo uma forte questão histórica do
período do Império no Brasil. Na época de sua construção, a presença das raízes e tendências de
Portugal eram tão fortes, que uma das principais motivações para tal, foi a de comemorar o
tricentenário de morte do poeta português, Luís de Camões (1880). Em sua fachada ficaram
alocadas as estátuas de quatro ilustres portugueses, de autoria de Simões de Almeida: Pedro
Álvares Cabral (1467 - 1520), Luís de Camões (1524 - 1580), Infante Dom Henrique (1394 - 1460)
e Vasco da Gama (c. 1468 - 1524); criando assim, uma límpida lembrança de alguns ícones da
história da colonização brasileira e suas influências.

Segundo Viollet-le-Duc,

"... o melhor meio para conservar um edifício é encontrar para ele uma destinação.
É satisfazer tão bem todas as necessidades que exige essa destinação, que não
haja modo de fazer modificações." (Eugene Emmanuel Viollet-le-Duc,
Restauração, Artes & Ofícios p. 65)
Tal princípio acerca da restauração nos direciona aos âmbitos local e social do Real Gabinete.
Desde seus primórdios, o edifício implantado na antiga rua da Lampadosa (atual rua Luís de
Camões - Centro do Rio de Janeiro), possuía uma relação idônea com seu sítio, pois a área
apresentava características residenciais e comerciais bem intensas, tornando a instituição em total
acordo com o espaço urbano no qual estava inserida. Hoje em dia, com a diminuição da
identidade residencial, o Real Gabinete soma positivamente ao local em relação à segurança e
movimentação na área, juntamente com o Largo de São Francisco, o IFCS1 e a Praça Tiradentes,
reformada a pouco tempo. Outro aspecto a ser mencionado, unindo as esferas local e social, é o
fato de mesmo sendo uma instituição privada, a biblioteca estar aberta a todos os públicos de
qualquer idade sem cobrar taxas de visitação; aumentando substancialmente a possibilidade de
uso e conservação do espaço, como já afirmava a Carta de Veneza em maio de 1964, quando
assegurava que " A conservação dos monumentos é sempre facilitada pela sua utilização para
fins sociais úteis".

O PROJETO

Como muitas das edificações históricas, o Real Gabinete passou por algumas obras de
restauração ao longo dos anos; e mais uma foi de suma importância no período de 2015 a 2017,
dado o nível de degradação externa no qual se encontrava. Tendo como base os princípios
básicos de proteção ao patrimônio: Conservação, Preservação e Restauração, nesta ordem, o
Real Gabinete como patrimônio cultural tombado pelo INEPAC2, foi contemplado por um projeto
baseado em suas especificidades, e submetido a obras de restauro. A obra, realizada pela
empresa Decato, teve como enfoques sua cobertura e fachada, que por hora ocasionavam
problemas de infiltração e patologias cada vez mais gradativos e intensos no interior do prédio.

Considerada uma das questões mais contemporâneas, a necessidade de um projeto no que se


diz respeito à restauração, tem sido bastante debatida desde os primórdios da teoria sobre o
patrimônio. Ainda no século XIX, tanto Viollet-le-Duc quanto Ruskin tinham uma posição
antagônica sobre o tema, uma vez o primeiro considerava o patrimônio como objeto de estudo
para a construção nova, funcional e competente, o segundo era convicto que o projeto se fazia
com a passagem do tempo em mente, como valor e diretriz: deve-se projetar para a posteridade,
um edifício capaz de envelhecer com nobreza e valor estético, capaz de evocar.

Essas correntes intervencionista e anti-intervencionista, quando dialogam com o presente


histórico, são munidas de novos conhecimentos, tecnologias, e formações profissionais,
acarretando em um novo olhar sobre o patrimônio.

Com as raízes presas no passado e as novas tendências resultantes de um mundo globalizado, a


estratégia de restauração adotada para o Real Gabinete, utilizou-se de um leque de profissionais
qualificados com inúmeras e díspares especialidades, conforme ditaram as necessidades do

1 Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

2 Instituto Estadual do Patrimônio Cultural.


edifício, tão rico em materiais e texturas. O conjunto de intervenções funcionou como uma grande
peça orquestrada, onde pedreiros, analistas laboratoriais, vitralistas, escultores, restauradores,
arquitetos, dentre outros, trabalharam unidos em prol da sustentação daquele edifício. Tal
necessidade trouxe à contemporaneidade um princípio já considerado por Viollet-le-Duc3 ainda no
século XIX, afirmando que:

"Longe de encontrar todos os recursos que os grandes centros fornecem, tiveram


[os arquitetos] de criar, formar operários, estabelecer métodos regulares, seja
como contabilidade, seja como modo de conduzir canteiros". (Eugene Emmanuel
Viollet-le-Duc, Restauração, Artes & Ofícios p. 59)

Sabe-se que as diretrizes adotadas para o projeto e obra foram baseadas intrinsecamente no
equilíbrio entre as técnicas construtivas, respeitando ao máximo os aspecto histórico da época, e
as inovações de leve e positivo impacto; utilizando-se do melhor das teorias antagônicas de
Viollet-le-Duc e Ruskin. Contudo, considerou-se sempre a opção que oferecesse maior facilidade
de conservação e manutenção posterior, acarretando assim na autossuficiência da edificação.
Seus locais de enfoque seguem a lógica a seguir:

COBERTURA
"L'utilità della copertura è maggiore di quella di tutte le altre parti... Senza il tetto, il
legname si deteriora, i muri vacilano, i loro fianchi si fendeno, a poco l'intera
costruzione va in rovina". (ALBERTI 4)

Claraboias

Construídas em estrutura de ferro fundido e fechamento em vidro aramado, as claraboias foram o


ponto crucial restaurado, principalmente no que diz respeito à claraboia principal, localizada sobre
o salão de leitura do Real Gabinete. Considerando que seu estado de degradação ocasionava
vazamentos e infiltrações constantes no interior do salão (onde estão localizados a maioria dos
livros), foi definido por bom senso que os vidros aramados, simples e fáceis de quebrar, deveriam
ser substituídos por materiais com tecnologia mais avançada, no caso, por vidros laminados
leitosos com proteção contra os raios UV (Figura 01). Para o edifício - hoje observado em meio ao
caos ambiental e à mercê de temperaturas mais elevadas advindas da aglomeração de
automóveis, prédios, e suas emissões de gases - tal medida além de oferecer mais resistência à
claraboia, ainda agregou valor no que diz respeito aos aspectos de conforto ambiental e
sustentabilidade, uma vez continuou a ser um ponto de iluminação natural eficaz e reduziu
substancialmente a absorção de calor pelo material.

3 Arquiteto francês do século XIX, pesquisador da arquitetura gótica, inspetor geral da Comissão de Artes e Edifícios
por nomeação, restaurador, e um dos primeiros teóricos da preservação do patrimônio histórico.

4 A utilidade das coberturas é maior do que a de todas as outras partes. Sem o teto, a madeira se deteriora, os muros
vacilam, os seus flancos se abrem, pouco a pouco a construção vai à ruína. Leon Batista Alberti.
Figura 01: Claraboia 1 após a instalação dos vidros laminados com proteção contra os raios UV.
(Autora: Clarissa Senna)

Algumas técnicas originais como a de sobreposição dos vidros, bem como a configuração e a
forma de fixação dos mesmos com os perfis metálicos, foram mantidas. Sobre os elementos
agregados: 1- foram inseridos os perfis metálicos sobre a junção do vidro com a estrutura (Figura
02), visando uma melhor vedação do fechamento; 2- foram instalados passadiços metálicos sobre
a estrutura (Figura 02), afim de facilitar a manutenção da mesma; e 3- as calhas em cobre foram
reproduzidas por um escultor especialista no material (Figura 02), ação tomada após a mesmas
passarem por processo de recuperação, sendo julgadas ineficazes. Toda essa nova inserção de
elementos funcionais, seguiu a risca uma das teorias de Cesare Brandi, considerando que

A integração deverá ser sempre e facilmente reconhecível; mas sem que por isso
se venha a infringir a própria unidade que se visa a reconstruir (...), a integração
deverá ser invisível à distância de que a obra de arte deve ser observada, mas
reconhecível de imediato, e sem necessidade de instrumentos especiais, quando
se chega a uma visão mais aproximada (BRANDI, 2004, p.47)

Todas as novas integrações foram analisadas tanto pelo arquiteto autor do projeto, quanto pelos
responsáveis da obra juntamente com o órgão de proteção ao qual pertence (INEPAC); sempre
em prol da facilidade de manutenção e conservação da edificação, bem como pregava Viollet-le-
Duc, quando já inspirado na perpetuação do edifício para o futuro, dizia que

Nas restaurações, há uma condição dominante que se deve ter sempre em mente.
É a de substituir toda parte retirada somente por materiais melhores e por meios
mais eficazes ou mais perfeitos. É necessário que o edifício restaurado tenha no
futuro, em consequência da operação a qual foi submetido, uma fruição mais
longa do que a já decorrida. (Eugene Emmanuel Viollet-le-Duc, Restauração, Artes
& Ofícios p. 54)
Figura 02: Perfis metálicos sobre a junção do vidro com a estrutura invisíveis à distância;
passadiços metálicos sobre a claraboia 1 em prol da facilidade de manutenção da mesma; e
novas calhas em cobre contribuindo para a funcionalidade do edifício. (Autora: Clarissa Senna)

Vitrais

Abaixo das principais claraboias existem os vitrais, que por sua vez somaram para a degradação
funcional e visual do Real Gabinete. A majestosa obra tinha virado então um foco de perigo tanto
para a construção quanto para os usuários do local, dada a quantidade de vidros quebrados
ocasionando vazamentos, e prestes a cair em qualquer usuário em momento infortúnio. Além dos
vidros quebrados, foi observado que ao longo das décadas, foram feitos reparos e trocas dos
mesmos sem uma fiscalização adequada, resultando na transformação daquela bela malha de
vidro composta por cores primárias, em uma malha retalhada, contendo variações cromáticas
indevidas (Figura 03).

Como medida de recuperação daquele ponto de contemplação, foi acordado a troca de todos os
vidros fazendo a reconstituição real (Figura 04), na tentativa de resgatar a experiência sensorial
para o qual aquele vitral fora projetado. Pois muito além de um símbolo histórico, a arquitetura
também oferece essa troca de sensações de conotações diversas.

Assim como a maioria dos materiais que compuseram a biblioteca na época de sua construção,
os novos vidros também foram encomendados no exterior. Embora ainda hoje o mercado para
esse tipo adequado de peças, com a qualidade e propriedade requeridas seja restrito, o acesso foi
satisfatório.
Figura 03: Estado de degradação inicial e variações cromáticas do vitral 1.
(Autora: Clarissa Senna)

Figura 04: Vitral 1 após sua reconstituição com os novos vidros.


(Autor: Bráulio Gomes)
Telhados

Outro ponto causador de infiltrações e patologias, foram os diversos telhados que compõem o
edifício. Para esses, foram necessárias apenas a revisão da estrutura em ferro e de suas telhas,
das quais cerca de 75% foram mantidas originais, optando-se por alocar as novas (com as
mesmas dimensões e características) em locais de pouca ou nenhuma visibilidade pelos
transeuntes. Algumas medidas novas agregadas em função de uma manutenção segura e eficaz,
foram: 1- a inserção de passadiços em concreto, ancorados nas telhas e demarcando um
percurso acessível que interliga toda a cobertura (Figura 05); 2- a instalação de escada metálica
facilitando a passagens dos variados níveis dos telhados (Figura 05); e 3- a instalação de guarda-
corpos em locais de alta periculosidade. Apesar da inserção dos novos elementos, todos foram
estudados de forma a manterem certa coerência com a arquitetura, bem como a não competirem
com os elementos de composição originais.

Figura 05: Passadiços em concreto com sistema de ancoragem nas telhas,


interligando os telhados; e instalação de escada metálica facilitando a
passagem pelos variados níveis dos telhados. (Autora: Clarissa Senna)
FACHADA

A fachada de um edifício naturalmente torna-se o cartão de visita do mesmo, e no caso do Real


Gabinete foi outro ponto crítico restaurado com sucesso. Revestida inteiramente em pedra de Lioz
importada e talhada no Alentejo5, em Portugal, a mesma, apesar de apresentar claramente
algumas patologias como crostas negras, pátinas biológicas, perdas volumétricas e superficiais;
foi submetida inicialmente a algumas análises laboratoriais afim de examinar e quantificar os
danos para um diagnóstico preciso e qualificado.

As análises e estudos realizados pelo Cetem - Centro de Tecnologia Mineral, foram feitos com o
intuito de evidenciar as características e avaliar as alterações das rochas da fachada do Real
Gabinete Português de Leitura. A utilização de novos métodos investigativos contribuiu de forma
ímpar para o diagnóstico atualizado e a escolha adequada das intervenções e medidas a serem
adotadas na fachada. Em resumo, chegou-se ao nível de detalhamento e conclusão seguinte:

Avaliação petrográfica

Descrição macroscópica: Calcário de coloração branca/rosa claro microcristalino, com estrutura


sedimentar levemente preservada.

Descrição microscópica: Rocha sedimentar carbonática matriz suportada de formas e tamanhos


variados. Estrutura sedimentar com os grãos levemente alinhados. (Figura 06).

Figura 06: Foto da porosidade da rocha - realizada por câmera


com lentes especiais. (Autora: Márcia Braga)

Variação da porosidade de baixa a média, com poros conectáveis ou não do tipo intercristalina
entre os cristais ou a matriz. Os efeitos mais marcantes da diagênese observados nas lâminas
analisadas foram a dissolução e o neomorfismo nos grãos.

5 Região do centro-sul de Portugal.


Outras análises realizadas (químicas e mineralógicas):

Microfluorescência de raios X; determinação de porosidade e absorção de água; caracterizações


química e mineralógica; microscopia eletrônica de varredura; determinação da dureza; coleta de
sais e sujidades; determinação de cor e brilho; avaliação do traço da argamassa; espectroscopia
no infravermelho com transformada de Fourier (Ftir); água de lavagem.

Após os estudos concluiu-se que as rochas que compõem toda fachada do real Gabinete
Português de Leitura estavam sofrendo ação de deposição de SO2 e apresentavam algumas
trincas. Observou-se a formação de crosta negra em alguns pontos, que foram caracterizados em
sua maior parte por enxofre e cálcio, identificando a presença de gipsita. Foram identificadas
manchas causadas pela oxidação do ferro e propagação microbiológica. E em relação à
argamassa existente na fachada, trata-se de uma composição de areia e cal, com traço de 2:1.
Perante essa gama de informações, durante todo o processo de tratamento da superfície - do
diagnóstico às medidas de restauro - foram utilizadas algumas técnicas contemporâneas, dada a
ação negativa do entorno sobre o local ao longo dos anos. Os procedimentos realizados
resumiram-se a:

 Limpeza a seco (permitindo a identificação do que realmente estava aderido nas pedras);
 Remoção de sujidades em porosidade menor (lavagem com jateamento a baixa pressão
com solução de detergente neutro a 10% - a solução atua como um agente diminuidor de
tensão superficial, facilitando a penetração e eficácia de produtos a serem utilizados);
 Remoção das pinturas sobre as pedras (aplicação de compressas de álcool 92,8°e
escovação com escovas de cerdas macias);
 Retirada das crostas negras e escorridos inorgânicos (aplicação de compressas de AB57 -
bicarbonato de amônio, bicarbonato de sódio e EDTA);
 Aplicação de mistura de solventes 4A (Álcool, água, acetona e amônia) em manchas de
gordura;
 Preenchimento de fissuras com argamassa polimérica;
 Complemento de partes faltantes com argamassa de cal, areia e cimento branco estrutural;
 Restauração do lampadário e da Cruz de Malta com a recomposição de pequenas perdas
com massa epóxi; aplicação de Primer; e reestruturação da Cruz de Malta com
refazimento da parte elétrica e limpeza com palha de aço (Figura 07);
Figura 07: Cruz de Malta após o refazimento da parte
elétrica e das alças de sustentação em mesmo material (cobre).
(Autora: Clarissa Senna)

 Remoção de pichação com proteção de Carboxi-Metil-Celulose, aplicação de decapante


pastoso, compressas de hipoclorito de sódio e ácido oxálico, e posterior escovação leve;
 Aplicação de hidrofugante;
 Limpeza da inscrição em metal com aplicação de decapante pastoso e aguarrás, lixamento
(lixa d’água 500), e aplicação de amônia PA para a remoção do verniz oxidado.
Obs: Durante a aplicação da amônia ocorreu a seguinte reação química: Complexo azul
escuro - Cu(NH3)4 +2 / ([Cu] +2) + 4(NH3) ↔ [Cu(NH3)4] +2, constatando-se dessa forma,
que as letras são uma liga metálica de cobre.

As intervenções nas letras resumiram-se a procedimentos pouco invasivos ao material, de forma a


manter a unidade dos elementos intacta. De fato, em todas as ações foi sempre respeitada a linha
limítrofe entre a proteção e a agressão material e ambiental, tentando aliar os aspectos históricos
às novas tecnologias que proporcionam o momento presente, sempre de forma coerente,
consciente e saudosista.
É de suma importância mantermos sempre em mente, que na época em que a edificação foi
erguida (1887), as condições sociais, ambientais e econômicas eram outras. Tal fato nos leva a
crer veemente, que novas análises sob aspectos históricos, artísticos, culturais, físicos, materiais
e ambientais são sempre necessárias para conseguir conservar e preservar um patrimônio da
maneira mais adequada; sem que o mesmo tenha que ser submetido a processos agressivos,
causando novos danos à edificação. O progresso e o amadurecimento das teorias acerca da
restauração está explicito no fato de mantermos sempre um diálogo com as historicidades pelas
quais dado edifício percorreu. É esse acúmulo e troca de informações, hoje fortemente marcada
pela globalização, que torna possível uma ressignificação do patrimônio. A possibilidade de uma
releitura do passado, conectando-o com as novas tendências e pensamentos de nosso tempo
presente, cria essa importante dialética que nos leva sempre ao progresso desde os primórdios.
Estamos de fato submetidos aos aspectos negativos e positivos de nossa contemporaneidade,
onde o bom senso aliado a uma interpretação crítica das teorias antes consolidadas, torna-se
primordial para permitir que as mesmas sejam atualizadas.

O papel do arquiteto projetista e restaurador nessa jornada, poderia ser equiparado ao de um


maestro e sua orquestra, o agente catalisador que faz tudo funcionar. Aquele que tenta sempre
harmonizar o que temos de mais valioso, que é a nossa identidade - a história viva diante de
nossos olhos, perpetuada em forma de arquitetura; com o fruto de um avanço tecnológico
alcançado ao longo da história da humanidade, e deveras difundido e desenvolvido por uma
enraizada globalização acompanhada de sua consequente troca de informações e formações. O
arquiteto seria por fim, “apenas” o arquiteto: o difusor e o intérprete que tem em mãos uma gama
de novas possibilidades borbulhando, que se compreendidas em sua essência, poderiam reforçar
os alicerces de nossa identidade patrimonial.
REFERÊNCIAS:
Braga, M. " Conservação e Restauro - pedra, pintura mural e pintura sobre tela". Rio de Janeiro: Editora Rio,
2003.

Brandi, C. "Teoria da Restauração", coleção Artes e Ofícios. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004.

CETEM – Centro de Tecnologia Mineral – “Caracterização e avaliação das alterações das rochas da
fachada do Real Gabinete Português de Leitura”. Rio de Janeiro: 2016.

Mascarenhas, A. “Ornatos: Restauração e Conservação”, coleção Artes e Ofícios, org. Cristina Lodi. Rio de
Janeiro: Editora In-Fólio, 2008.

Oliveira, M. M. "Tecnologia da Conservação e da Restauração". Salvador: EDUFBA, 2002.

Viollet-le-Duc, E.E. "Restauração", coleção Artes e Ofícios. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000.

www.realgabinete.com.br/portalweb/In%C3%ADcio/ORealGabinete.aspx, acesso em 22/05/2017.

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