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Interpretação e consolidação da Sé da Cidade Velha em Cabo Verde

Alexandre Braz Mimoso

Artigo originalmente publicado na revista caboverdeana SUMARA, ano II n.º 2 2016, da Fundação João
Lopes

Resumo

A Sé, cuja história reflecte a da cidade da Ribeira Grande, é um eloquente exemplo da aplicação das
determinações do Concílio de Trento, que provocaram alterações na arquitectura sacra.
Dois modelos distintos coexistiram em parte da estrutura edificada. O primeiro, de meados do séc.
XVI, fazia parte do conjunto das sés joaninas, com tipologia de igreja-salão de três naves. O
segundo, do final do séc. XVII, seguia a tipologia de nave única, e “encaixou-se” dentro das paredes
meio construídas existentes, com um programa de subordinação do espaço cultual à visibilidade do
altar-mor e do trono eucarístico.
A construção foi de má qualidade, resultando uma estrutura pouco resistente, sujeita a uma rápida
degradação. A obra de consolidação efectuada, com técnicas e materiais tradicionais, procurou
respeitar e tornar mais perceptível a evolução arquitectónica da Sé.

Palavras-chave: Cidade da Ribeira Grande, Património, Concílio de Trento, Arquitectura Sacra,


Consolidação de Estruturas

Abstract

The Cathedral, whose history reflects that of the city of Ribeira Grande, is an eloquent example of the
application of the decisions of the Council of Trent, which brought about changes in religious
architecture.
Two distinct models exist side by side in part of the structure. The first, dating from the mid-16th
century, formed part of the group of cathedrals of king João III, with its three-nave hall church plan.
The second, dating from the end of the 17th century, follows the single nave plan, and is nested
within the existing, unfinished walls, with a programme subordinating the cultic space to visibility of
the high altar and the Eucharistic throne.
The construction was of poor quality, resulting in a weak structure which rapidly deteriorated. The
consolidation works carried out using traditional techniques and materials sought to respect and
make more evident the architectural evolution of the Cathedral.

Key words: The town of Ribeira Grande, Historic Heritage, Council of Trent, Religious Architecture,
Structural Consolidation

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Introdução........................................................................................................................................................ 3

1.ª PARTE ......................................................................................................................................................... 5

A ruptura: Reforma e Contra-Reforma ........................................................................................................ 5

O século XVI em Portugal ............................................................................................................................. 6

As sés de D. João III ..................................................................................................................................... 10

O projecto quinhentista ............................................................................................................................... 16

Intenções e contradições ............................................................................................................................ 19

O estaleiro em meados do séc. XVII .......................................................................................................... 23

A refundação da Sé ...................................................................................................................................... 25

O Concílio de Trento e a arquitectura sacra............................................................................................. 29

A construção da Sé ...................................................................................................................................... 34

O longo ocaso ............................................................................................................................................... 40

Estranha reparação de uma parede ........................................................................................................... 44

Das comemorações henriquinas em diante ............................................................................................. 45

2.ª PARTE ....................................................................................................................................................... 47

O projecto do século XVII ............................................................................................................................ 47

A má qualidade construtiva ........................................................................................................................ 52

3.ª PARTE ....................................................................................................................................................... 54

A obra de consolidação ............................................................................................................................... 54

Nota................................................................................................................................................................. 66

Riscos............................................................................................................................................................. 66

Comentário final ........................................................................................................................................... 67

Bibliografia .................................................................................................................................................... 68

Créditos das figuras ..................................................................................................................................... 70

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Introdução{ TC "Introdução" \f C \l "1" }

A reabilitação das ruínas da Sé da Cidade Velha, agora cidade da Ribeira Grande de Santiago, foi
acordada entre os governos de Cabo Verde e de Portugal, no quadro do Protocolo Adicional ao
Acordo Cultural celebrado em 1997, com dois objectivos: o primeiro era o de suster a crescente
degradação das ruínas, que conduzia à fragilização estrutural com o consequente e progressivo
colapso de algumas das suas partes; o segundo, destinava-se a criar as condições para que as
estruturas existentes pudessem ter uso público, quer para a sua fruição através da visita, quer para
a realização de cerimónias e actividades culturais.

Não só se valorizava o mais significativo monumento da primeira cidade caboverdeana, como esta
ganharia um equipamento cultural qualificado.
Estas operações ficaram a cargo da parte portuguesa, desenvolvidas em conjugação e acordo com
o Instituto Nacional de Investigação do Património Cultural de Cabo Verde.

É sobre o primeiro objectivo acima referido que trata o presente artigo.

Tem por base as três áreas que desenvolvi para a obra de consolidação:

a) o estudo histórico e a interpretação das ruínas da Sé Catedral;


b) a formulação das técnicas e procedimentos a adoptar para a consolidação estrutural;
c) o agenciamento formal que ora exibe o monumento.

Por outro lado, a leitura e interpretação das ruínas durante as obras forneceram importante
informação, ora confirmando as fontes escritas, ora irfirmando-as, como se verá.
Actualizei agora as referências históricas e a interpretação que fiz há cerca de dezasseis anos sobre
a evolução da Sé.
A pesquisa documental em arquivos portugueses e no Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde foi
efectuada pela Dr.ª Catarina Serpa em 1999. Os documentos citados com base nesta pesquisa vêm
identificados com as inicias CS.

Num primeiro tempo, impunha-se conhecer a história do monumento, como e quando fora tomada a
decisão de o edificar, como fora construído, como teria sido a sua forma e organização finais, como
se dera o seu abandono e consequente ruína.

Num segundo tempo, considerou-se que deveriam ser empregues materiais e técnicas de
construção tradicionais, e que não era recomendável – pelo menos neste caso - e que por isso não
se iriam utilizar, materiais sintéticos na reabilitação das estruturas. De igual modo se excluiu o uso
de cimento portland na confecção de argamassas, quer como único ligante, quer associado à cal,
em argamassas bastardas.
Considerou-se também que não fazia sentido não aproveitar um material com tão excepcionais
características como a pozolana, abundante na ilha de St.º Antão.

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Num terceiro tempo, percebeu-se que o modo como se iriam processar os trabalhos destinados a
conferir solidez às estruturas debilitadas não permitiria conhecer antecipadamente a forma final, isto
é, o agenciamento formal e as dimensões que as ruínas iriam apresentar não eram pré-
determináveis, o que implicava que se não avançasse em simultâneo com a valorização com vista
ao uso público.

Ficou assim assente que a reabilitação se processaria em duas fases, respeitando a primeira a
consolidação estrutural das ruínas, e a segunda a sua valorização.

Os estudos e a preparação dos trabalhos decorreram entre 1998/2000. A obra de consolidação foi
consignada em Abril de 2003, e a recepção provisória ocorreu em Fevereiro de 2004.

Entretanto, o site da Cidade Velha Património Mundial (http://www.cidadevelha-pm.cv/) refere que os


trabalhos levados a cabo nas ruínas da Sé, a partir dos finais da década de 90, “foram coordenadas
pelo arquitecto Álvaro Siza Vieira e sua equipa ao serviço do Instituto Português do Património
Arquitectónico – IPPAR".

Tal não é exacto: a obra de consolidação não teve nem a participação, nem obviamente a
coordenação, do Arqt.º Álvaro Siza Vieira, que na altura não estava ao serviço do IPPAR, e com
quem não foi discutida absolutamente nenhuma das opções tomadas e executadas na obra.
Convirá corrigir o site acima referido, que não fornece neste caso informação fiável e induz em erro
quem o consulte.

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1.ª PARTE{ TC "1.ª PARTE" \f C \l "1" }

A ruptura: Reforma e Contra-Reforma{ TC "A ruptura: Reforma e Contra-Reforma" \f C \l "1" }

O séc. XVI nasceu com a Europa envolta num crescente mal estar, provocado por duas diferentes
formas de viver a religião cristã, que se foram afastando uma da outra até se entrechocarem, com
profundas repercussões no mundo de então - e que se estenderam até aos nossos dias.

Cristã, por tradição, crença, fé…e obrigação, essa Europa, que se achava o centro do mundo, veio a
dividir-se entre os que defendiam uma maior pureza dos ideais cristãos, advogando significativas
mudanças da práctica religiosa – os protestantes – e os que queriam manter, actualizando e
melhorando, o entendimento dos dogmas até aí vigentes – os católicos.

Os primeiros criticavam o luxo e a depravação de parte do clero, a degradação espiritual e o apego


a bens materiais, a devoção de imagens e o celibato. Punham ainda em causa a existência de
santos e instavam por uma redefinição de vários dogmas.

Questionavam também a autoridade papal, no que eram acompanhados por alguns príncipes e
monarcas, sobretudo da Europa do norte e central.

Foi o alemão Martinho Lutero, frade agostinho, quem desencadeou o que se veio a chamar a
Reforma, que em França, a partir de 1534 revestiu uma forma própria, o Calvinismo, com o suiço
João Calvino.

Já em Inglaterra, Henrique VIII, em conflito com o papa, criava a Igreja Anglicana, que ficava sob a
tutela régia.

Neste estado de coisas, avançou a hierarquia eclesiástica – católica, apostólica e romana – com a
Reforma da Igreja Católica, que ficou conhecida como Contra-Reforma, e o papa Paulo III (1534-
1549) voltou a instituir o Tribunal do Santo Ofício (a inquisição), organizando o “Index Librorum
Prohibitorum” (a lista dos livros proibidos).
Autorizou, a pedido de St.º Inácio de Loyola, a criação da Companhia de Jesus.

Esta reacção teve o seu ponto alto no Concílio de Trento, que decorreu entre 1545 e 1563 na cidade
com o mesmo nome.

Aqui se reorganizou o catolicismo, com uma extensa produção de textos doutrinários, se deu grande
ênfase à evangelização dos povos dos continentes a que entretanto iam chegando os europeus, se
insistiu no celibato, se impôs o catecismo, se procurou instaurar um clima de grande austeridade e
espiritualidade.

Estes acontecimentos levaram a importantes mudanças na liturgia, que, por sua vez, determinaram
diferentes modos de organização dos espaços cerimoniais, as igrejas.

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Figura de grande proeminência, Carlo Borromeo (1538-1584), arcebispo de Milão e mais tarde
santificado, participou no concílio e publicou em 1577 as famosas Instructiones fabricae et
supellectilis ecclesiasticae, que traduziam as determinações tridentinas relativas à arquitectura
sacra.

Uma mudança, em especial, se salienta: a eucaristia, que para o mundo católico é o momento com
maior importância litúrgica, deveria merecer da parte dos fiéis a maior atenção e veneração, pelo
que a sua celebração teria obrigatoriamente de ter grande visibilidade.

Este aparentemente simples facto provocou um agenciamento formal específico do espaço


eclesiástico, que se traduziu num modelo aperfeiçoado durante a segunda metade do século XVI e
todo o século XVII, obrigando a significativas alterações na organização dos templos.

Foi precisamente ao longo daquele século e meio que decorreu a atribulada criação da Sé da cidade
da Ribeira Grande, monumento que constituiu um tão significativo como eloquente exemplo da
adaptação àquelas determinações.

Por outro lado, no séc. XVI tiveram expressão em Portugal novas tendências, novas formas, novos
conceitos estéticos que se vinham a desenvolver pela Europa fora, de que a Sé também foi
tributária.

O século XVI em Portugal{ TC "O século XVI em Portugal" \f C \l "1" }

As duas primeiras décadas do séc. XVI foram expressão do gótico português tardio – conhecido
como manuelino – com exuberante decoração, de gramática vegetalista e motivos náuticos.

Fase pujante do reino, de assumpção de um inesperadamente vastíssimo império ultramarino e de


crescente intercâmbio comercial europeu, registava forte relacionamento cultural com a Itália, a
Flandres e a França, mas também com a Espanha e a Alemanha.

Com D. Manuel (reinado 1495-1521), rei messiânico que se considerava predestinado, surgiu um
tipo característico de igrejas de três naves, as igrejas-salão, em que se procurava que o espaço
interior fosse funcionando cada vez mais como se fosse um só espaço, e não como três espaços
individualizados, um por cada nave, para dar maior visibilidade ao altar-mor e à celebração
eucarística.

Para isso tinham colunas delgadas e elegantes, que obstruiam menos a visão do interior,
proporcionando uma maior fluidez do espaço, anulando tanto quanto possível a separação entre as
naves. Esta concepção implicava que as abóbadas das três naves tivessem a mesma altura.

Este acréscimo de visibilidade não era acidental, inscrevia-se já no espírito que veio a ser mais tarde
consagrado no Concílio de Trento.

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A igreja do Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, iniciada em 1501, é o seu mais importante e
qualificado expoente, obra maior de D. Manuel e onde se localiza o seu panteão real.

Fig. 1 - Mosteiro dos Jerónimos, gravura do séc. XVIII (Museu da Cidade, Lisboa)

Fig. 2 - Corpo da igreja de St.ª Maria de Belém, do Mosteiro dos Jerónimos

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A esta fase exuberante sucedeu outra bem diferente: à medida que se ia desenvolvendo a Contra-
Reforma, ia ganhando terreno uma concepção de vida mais austera no mundo católico, e D. João III
(r. 1521-1557), filho e sucessor de D. Manuel, seu oposto no gosto e no fausto, homem de grande
devoção religiosa, era já produto de um mundo diferente.

Fig. 3 - D. João III (quadro na igreja da Madre de Deus em Lisboa, pintado em vida do rei, considerando-se
por isso constituir um retrato fiel)

O manuelino era posto de lado em favor de uma estética classicisante, renascentista, de grande
rigor, dispensando a ornamentação aposta nas estruturas - estas valiam pela sua própria forma
geométrica – e que fazia recurso a um matemático jogo de proporções.
Estética de tal modo contrária ao período precedente, que assumia carácter de ruptura.

Rafael Moreira considera “que se dá um fenómeno sem par na restante Europa: a definição precoce
de uma tipologia “ao romano” na arquitectura religiosa. É assim que surge durante os anos 30 [do
século XVI] uma família de igrejas de tipo português do Primeiro Renascimento, com a sua
característica planta de três naves e cinco tramos” 1.

Horta Correia entende que “um tempo novo surge então para a arquitectura nacional, marcada não
só pelo maneirismo italiano (ou flamengo), como sobretudo e concomitantemente por um estilo
vernacular original, profundamente acentuado pela cultura de base tratadística e pela práctica da
arquitectura militar e onde se evidenciam valores de simplicidade, austeridade, limpidez, clareza e
funcionalidade. Este estilo chão, seguindo um percurso evolutivo específico até aos finais do século
XVII, acaba por oferecer uma eficaz resistência à aceitação do barroco”2.

1 MOREIRA, Rafael. Arquitectura: renascimento e classicismo, in PEREIRA, Paulo (1995). História da Arte Portuguesa.
vol. VII. Lisboa: Círculo de Leitores. p. 341.
2 CORREIA, José Eduardo Horta. “A arquitectura – maneirismo e ”estilo chão”, in SERRÃO, Vítor (1986). História dea

Arte em Portugal, vol. VII. Lisboa: Alfa. p. 93.


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De facto, o estilo chão3, expressão que a historia da arte consagrou e que constitui uma
especificidade portuguesa, abrange em termos gerais o período de meados do século XVI, com D.
João III, até ao advento do barroco, com o estilo nacional, no último quartel do século XVII.
A par das alterações da liturgia e do gosto, impunha-se uma gestão mais austera, reclamada pelo
esforço inerente à dimensão do império, à crescente concorrência de outras potências europeias, e
à escassez das disponibilidades financeiras.

As construções militares viam-se confrontadas com outra situação de ruptura: a evolução da


artilharia tinha tornado obsoletas as técnicas medievais, levando à implementação de estruturas
abaluartadas, adequadas para o cruzamento do tiro das peças de artilharia, e além disso mais
resistentes ao impacto do fogo inimigo.
Esta situação acabou por impor a permanente e preponderante acção dos engenheiros militares,
mesmo em obras civis, que desenvolveram um vasto, urgente e muito dispendioso programa de
construção de fortes e praças-fortes abaluartadas, em Portugal e nos territórios sob seu controle.

Também estas circunstâncias se vieram a reflectir na Ribeira Grande e na sua Sé.

3 Plain style, na versão original proposta por George Kubler.


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As Sés de D. João III{ TC "As sés de D. João III" \f C \l "1" }

D. João III obteve do papado a criação de sete novas dioceses, a saber e cronologicamente, do
Papa Clemente VII, a criação da Ribeira Grande (bula Pro Excellenti Proeminentia) e Goa (ambas
de 31 de Janeiro de 1533), do papa Paulo III Angra do Heroísmo (1534), Miranda do Douro e Leiria
(ambas de 22 de Maio de 1545), Portalegre (21 de Agosto de 1549) e, já com o Papa Júlio III, a de
São Salvador da Baía (1551).

Das sés correspondentes a estas dioceses, quatro foram de certeza projectadas ainda no reinado
deste rei (1521-1557)4, sendo que as outras foram-lhe posteriores. Destas, a de Goa teve o seu
início em 1562 com D. Sebastião e foi terminada no ano de 1631. A de Angra só se veio a
concretizar cerca de 1568/1570, também com este rei, com conclusão em 1640. A actual Sé de S.
Salvador passou a funcionar como tal, a partir de 1765, na igreja da companhia de Jesus, construída
nos séculos XVII e XVIII.

Das quatro projectadas, só três, Miranda, Leiria e Portalegre se concretizaram na totalidade segundo
os desenhos joaninos.
A quarta, Ribeira Grande, viu a sua construção ser interrompida por volta de 1571, não chegando
pois a ser levantada de acordo com o projecto quinhentista.
Ainda se construiram os limites exteriores, tendo-se elevado a meia-altura as suas paredes
perimetrais5.
A Sé que efectivamente surgiu, mais de um século depois, obedeceu a outra lógica e a outros
cânones.

4 O projecto da Sé de Goa é tido como posterior. Ver PEREIRA, António Nunes. Goa. MATOSO, José (2011), Património
de Origem Portuguesa no Mundo – Arquitectura e Urbanismo. volume Ásia e Oceanía. Lisboa: FCG. pp. 244 e 245.
5 A descrição, acompanhada das respectivas dimensões, consta de uma carta de 1681 do bispo D. Frei António de

Santo Agostinho, adiante transcrita.


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Passando em revista as três Sés europeias, é possível que o projecto da de Miranda do Douro se
tivesse iniciado ainda em 1547, com um primeiro risco de Gonçalo de Torralva, se bem que por volta
de 1552 o arquitecto fosse já Miguel de Arruda.
A primeira pedra foi lançada a 24 de Maio desse ano, e o altar-mor sagrado a 6 Abril de 1566.
Estaria a construção concluída em 1609, tendo os últimos trabalhos de acabamento interior sido
finalizados em meados do sévc. XVII.
As torres, alinhadas no plano da fachada, mas eventualmente não previstas de início6, localizam-se
lateralmente e de forma saliente em relação às fachadas laterais. Entre as torres tem o coro alto,
uma originalidade portuguesa, sobre a entrada do templo.
Por conveniência do culto e dificuldade de colocação do cadeiral, a capela-mor veio a ser ampliada
entre 1749 e 1754.

Fig. 4 - Sé de Miranda do Douro - fachada, planta e interior

6SANTOS, Cátia Margarida Jorge dos – As Sés Joaninas, arquitectura episcopal portuguesa na segunda metade do
século XVI. Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade de Coimbra, 2009.
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Leiria teve como primeiro bispo Frei Brás de Barros, que resignou em 1553, tendo as obras parado –
provavelmente não passando das fundações – e foi só com o bispo D. Frei Gaspar do Casal, em
1557, que recomeçaram, com a primeira pedra a ser lançada a 11 de Agosto de 1559.
A capela-mor concluir-se-ia em 1569, o corpo da igreja em 1571, a fachada no ano seguinte, e a
sagração sucederia em 1574.
A catedral não tem – nem nunca foram previstas – torres, como também não tem coro alto.

Este bispo, D. Frei Gaspar do Casal, participou na terceira e última fase do Concílio de Trento, de
1562 a 1563, tendo regressado em 1564. Foi precisamente nesta fase do concílio que interveio o
influente arcebispo Borromeo.
Aquela participação não terá sido sem consequências, pois D. Frei Gaspar não poderia ignorar as
importantes alterações que este concílio veio a provocar nos espaços de culto. Na realidade,
segundo SANTOS (2009, pp. 85/86), o bispo veio a introduzir modificações em Leiria após o seu
regresso de Trento, logo a partir de 1564, de entre as quais, e significativamente, a ampliação da
capela-mor.
O terramoto de 1755 fez desabar em parte a fachada, que foi reconstruída de seguida, mantendo-se
os três portais e redesenhando-se as três janelas, com sabor setecentista.

Fig. 5 - Sé de Leiria - fachada, planta e interior

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Quanto à Sé de Portalegre, o projecto será de 1556, e a primeira pedra foi colocada, ainda nesse
ano, a 14 de Maio.
Apresenta diferenças relativamente às duas anteriores, desenvolvendo-se também segundo três
naves, mas a que se associam capelas laterais intercomunicantes. É nos extremos destas que se
encontram as torres, que dão acesso ao coro alto, e mais uma vez se verifica que estão em posição
lateral face ao corpo com três naves. O cruzeiro surge coberto por uma cúpula, sem tambor.

Em Miranda as torres poderão não ser de origem, e mesmo que o fossem, não se constituem ainda
como parte indissociável do desenho compositivo da fachada. Esta continua a ter uma expressão
“autónoma”, correspondendo-lhe o corpo da igreja de três naves, ficando as torres situadas
lateralmente em relação a este, como se disse, e tal como em Portalegre. Só mais tarde, com a
igreja de S. Vicente de Fora as torres se reassumem como parte compositiva do todo da fachada.
Acabou-se a obra no início do séc. XVII, tendo também, por causa do terramoto, ocorrido a
remodelação barroca dos vãos da fachada.

Fig. 6 - Sé de Portalegre - fachada, planta e interior

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Estas Sés têm em comum serem igrejas-salão, com as abóbadas das três naves à mesma altura.

As fachadas, na parte compreendida entre as torres, reflectem esta divisão em três partes,
correspondentes às naves, e têm a mesma largura. As torres não reflectem a dimensão do interior, à
excepção de Portalegre, mas também nesta as navestêm menor dimensão, e correspondem às
capelas laterais.

Todas apresentam uma imagem espartana, austera e simples, correspondente ao estilo chão.
Importa não esquecer que hoje exibem as transformações porque passaram ao longo do tempo, e,
quer para Leiria, quer sobretudo para Portalegre, a expressão actual das respectivas fachadas tem
muito a ver com as alterações introduzidas no século XVIII, o que pode inadvertidamente fazer
esquecer a simplicidade acima referida

O projecto joanino da Sé da Ribeira Grande não comportaria torres – como a análise das ruínas
obriga a considerar, como se verá.

Seriam assim duas – pelo menos - as Sés originalmente sem torres, Ribeira Grande e Leiria,
embora só o projecto quinhentista desta última tenha sido executado.

Sobre a data de início da construção da Ribeira Grande, não parece haver data precisa. Aponta-se,
em todo o caso, para 1556 (ou entre 1556 e 1558)7.

Quanto à autoria destas quatro Sés, Miguel de Arruda, com grande experiência na construção de
fortificações, nomeadamente no Norte de África, e que nas palavras de Horta Correia, vem a ser o
melhor exemplo na “transposição de valores próprios da arquitectura militar e utilitária para a
arquitectura civil e religiosa” terá estado envolvido em todos os projectos, e terá tido aliás o principal
papel8.

Para ele tinha sido criado o cargo de Mestre das Obras dos Muros e das Forteficações do Reino,
Lugares d´Além e Índia, que incluía o controlo de todas as obras oficiais, fossem civis ou militares 9.

Varela Gomes afirma que “é provável que os arquitectos do rei estivessem a estudar as três
primeiras novas Sés ao mesmo tempo […] porque a obra de todas elas arranca com poucos anos de
diferença”10.

E Rafael Moreira, pese embora George Kubler11 admitir que o desenho das Sés de Leiria e
Portalegre sejam de Afonso Álvares, adianta mesmo que Miguel de Arruda terá sido, na realidade, o

7 FAGUNDES, João (1989) Catálogo da exposição “Ribeira Grande. A Cidade Velha”, Lisboa: IPPC, e
PEREIRA, Daniel A. (1988). Marcos Cronológicos da Cidade Velha. Praia: ICL. p. 52.
8 CORREIA, José Eduardo Horta (1991). Arquitectura Portuguesa, renascimento, maneirismo, estilo chão. Lisboa. p. 40.
9 MOREIRA, Rafael – Arquitectura: renascimento e classicismo, in PEREIRA, Paulo – História da Arte Portuguesa, vol.

VII, Lisboa 1995, p. 341


10 GOMES, Paulo Varela, “In choro clerum” in Museus n. 10, Porto, 2001, citado por SANTOS, Joaquim Manuel

Rodrigues dos, Síntese formal e tipológica da evolução histórica das fachadas de duas torres na arquitectura religiosa
portuguesa, Prova final de licenciatura em Arquitectura, Departamento de Arquitectura – Faculdade de Ciências e
Tecnologia – Universidade de Coimbra, 2001, p. 84.
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autor das três Sés, coadjuvado por outros arquitectos, que inclusivamente seriam os que
acompanhariam as obras (caso de Afonso Álvares, seu genro): “não repugna – antes, é forçoso –
atribuir-lhe a execução dos projectos para as Sés das três dioceses criadas por D. João III, afinal as
únicas obras que se conservam de modo a permitir a definição do seu estilo: a de Miranda do Douro
(documentadamente dele, em 1552), a de Leiria […] e a de Portalegre”12.
Obviamente que a quarta Sé, a da Ribeira Grande, fazia parte deste conjunto: Miranda começou em
1552, Portalegre em 1556, Ribeira Grande entre 1556/58 e Leiria em 1559.

Situação invulgar mas comprovada, o próprio D. João III intervinha no processo criativo, chegando
ao ponto de estudar in loco a localização de novos templos e de discutir e influenciar o seu desenho.
Veja-se a carta que Frei Brás de Barros lhe dirige, em 15 de Julho de 1551, informando-o que foi
confrontar o projecto da Sé de Leiria “com o sitio & acodio tam bem por todas as partes vem em todo
tam resguardado que nom há hj em ello que repricar, o que todo foi pêra mi grande consolação
mormente por esta mudança de sitios ser feita depois de V. A. ver todos os que haa em esta cidade,
nõ menos por inuençaõ da obra ser escorrita também enmendada per V. A” 13.
Um ano antes, D. João III escrevia ao cardeal Gaddi em Roma dando-lhe conta do “muy singular
prazer” que lhe dava estudar os modelos e “pola afeiçam que tenho à sciencia da archeteitura”14.

Se a importância atribuída à localização dos templos era evidente em muitas igrejas pré-tridentinas,
o Concílio de Trento veio acentuar essa importância.
O arcebispo Borromeo abria as suas Instructiones com esta matéria, indicando que onde quer que
uma igreja se erigisse, tal se fizesse num lugar elevado

Indicava também aquele prelado que a dimensão da igreja devia ser de modo a que pudesse conter
não só a população da povoação que aí habitava, mas também os homens de fora que às vezes
assistiam às solenidades15.

A localização da Sé de Leiria, em zona baixa e plana difere das outras: tanto Miranda do Douro
como Portalegre situam-se em locais elevados, com preponderância sobre as respectivas cidades, e
ambas abaixo da cota dos seus castelos. O caso de Leiria era diferente, de acordo com o próprio rei:
“comsiradas bem todas as Rezões, se ordenou que aja huã soo freguesya, e pêra isso se ffaça huã
igreja gramde e nobre, a quall se ffara em baixo, omde chamam a Ordem, em meo dambas as
povoações, pêra que asy os da Varzia como os da Ponte posam hir a ellaa”.16

Não é de pôr de parte – é aliás provável - que D. João III tenha também acompanhado de perto a
elaboração do projecto da Ribeira Grande, e tenha discutido as hipóteses de localização do templo

11 KUBLER, George (1988). A Arquitectura Portuguesa Chã, Entre as Especiarias e os Diamantes, 1521-1706. Lisboa:
Veja. p.36 e seg.s
12 MOREIRA, Rafael, Do Renascimento ao Maneirismo (séculos XVI-XVII),…p.357
13 SANTOS, Cátia Margarida Jorge dos – As Sés Joaninas, arquitectura episcopal portuguesa na segunda metade do

século XVI. Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade de Coimbra, 2009, p. 59.
14 MOREIRA, Rafael, Do Renascimento ao Maneirismo (séculos XVI-XVII),…p.350.
15 BORROMEO, Carlo – Instrucciones de la Fábrica y del Ajuar Eclesiásticos, Universidad Nacional Autónoma de

México, 1985, p. 4.
16 SANTOS, Cátia, 2009, p.59.

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na peculiar topografia da cidade, a partir das informações e esboços topográficos, oriundos de
Santiago, que lhe poderão ter chegado às mãos.

A dimensão e o destaque na paisagem assumidos pela Sé da Ribeira Grande seguiram a mesma


orientação de emprestar ao templo uma importância especial à sua localização, e a escolha da
plataforma de S. Sebastião, sobranceira e dominando a cidade (e quem chegasse por mar), surge
como a que melhor correspondia a essa orientação.

O projecto quinhentista{ TC "O projecto quinhentista" \f C \l "1" }

D. Frei Francisco da Cruz, terceiro bispo de Cabo Verde, lançou um vasto programa na Ribeira
Grande, que coincidiu com o período áureo da cidade. Deu início ao paço episcopal, à igreja e Casa
da Misericórdia17, e à Sé.

A sua entrada na diocese tem levantado dúvidas, surgindo as datas de 1551 ou 155518. Frei
Francisco foi eleito bispo de Cabo Verde em consistório do dia 18 de Agosto de 1553, de acordo
com a respectiva cédula consistorial (BRÁSIO, 1963, p. 446), pelo que a primeira data não se pode
considerar.

Ferreira da Silva considera que chegou a Santiago em 1554, e que a contrução da Sé se teria
iniciado em 155619.
Todavia, Daniel Pereira (1988, pág.51) apresenta para este início o intervalo de 1556-58, seguido de
um ponto de interrogação, o que parece mais seguro.

Este bispo obteve do rei20, em 1558, uma dotação de 100.000 réis por três anos, para as obras da
Sé, e em 156421 determinava que todas as penas pecuniárias revertessem a seu favor, também por
3 anos. Novamente deu o monarca uma dotação 100.000 réis por três anos, em 156822. Segundo
M.ª Emília Madeira Santos e M.ª João Soares, as “obras deviam nesta altura prosseguir em ritmo
acelerado, tal é o montante de dotações financeiras que, num curto lapso de tempo, são para ela
consignadas”23.

17 Iva Cabral refere que a construção do hospital da Misericórdia começou em 1497, in História Geral de Cabo Verde,
Vol. II, Lisboa/Praia, 1995, p.239.
18 Surgem datas diversas a propósito deste bispo. Uma é constante: a da nomeação como bispo de Cabo Verde, em

1547. António Carreira, na Notícia Corográphica e Chronológica do Bispado de Cabo Verde…, manuscrito anónimo de
1784, (Lisboa, 1985, apensos 3 e 4, pp. 109 a 112), adianta que chegou à diocese em 1554 e morreu em 1571. Na nota
da pág. 40 refere os Anais do Conselho Ultramarino (Lisboa 1868), que informam que ”só em 1551, segundo uns ou em
1555 segundo outros, foi para a diocese”, e que faleceu em 1574. Nesta mesma nota, apoiando-se no Deão Ferreira da
Silva (Apontamentos para a história da administração da Diocese e da organização do Seminário Lyceu, Lisboa 1899),
indica que o seu governo durou de 1554 a 1580 (deve ser gralha de António Carreira, porque a páginas 25 desta última
obra, é indicado o período de 1554 a 1571). Senna Barcellos considera que o bispo chegou a Santiago em 1551. Ver
também SANTOS, M.ª Emília Madeira e SOARES, M.ª João, in História Geral de Cabo Verde, Vol. II, Lisboa/Praia, 1995,
p. 384.
19 À falta de indicação mais segura, fica como referência este ano.
20 A partir de 1557, com a morte de D. João III,e tendo D. Sebastião apenas 3 anos, D. Catarina de Áustria, viúva de D.

João, assumia a regência do reino.


21 O Cardeal D. Henrique, irmão de D. João III, tornava-se regente em 1562.
22 1568 foi o ano em que D. Sebastião tomou conta da governação efectiva.
23 SANTOS, M.ª Emília Madeira e SOARES, M.ª João, in História Geral de Cabo Verde, Vol. II, Lisboa/Praia, 1995, p.

385.
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Comparando o projecto desta data com o das outras três Sés, verifica-se que há uma mesma
concepção base.

Fig.7 - Sobreposição do projecto quinhentista da Ribeira Grande com as plantas de Miranda do Douro,
Portalegre e Leiria (os desenhos sobrepostos não estão à mesma escala: trata-se de evidenciar as relações
entre as suas proporções)

As capelas-mor, tanto de Leiria como de Miranda do Douro24 foram acrescentadas, passando a ser
mais profundas do que originalmente.

As medidas aproximadas, do portal ao arco triunfal da capela-mor (termo de comparação mais


adequado), são de:

25,5 m para Miranda;


26,5 m para Portalegre;
30,0 m para Leiria;
36,5 m para a Ribeira Grande.

Na figura seguinte estão representadas as plantas das Sés, na mesma escala, pelo que é possível
verificar quão maior é a Ribeira Grande em comparação com as três europeias.

24No caso de Miranda, o cadeiral estendeu-se para o tramo que antecede a capela-mor. Cátia Santos (op. cit.) adianta
uma hipótese de explicação para o facto do corpo desta Sé ter menos um tramo do que as outras.
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Fig.8 - Comparação entre o comprimento das Sés de Miranda do Douro, Portalegre, Leiria e Ribeira Grande,
à mesma escala

É incontestável o ar de família destas Sés, o que reforça a ideia de ter havido ou uma só mão, a de
Miguel de Arruda, ou uma mesma orientação, a sua, junto de cada arquitecto seu colaborador.

A Ribeira grande encerra em si uma inovação à época: é a primeira capela-túnel que é construída.
Embora a semelhança com Leiria seja evidente, a maior dimensão do corpo da igreja da Ribeira
Grande, e sobretudo a maior profundidade da capela-mor, pressupõem que para ela se
perspectivava um destino mais ambicioso.

À beira da segunda metade do século XVI, com o atlântico à disposição, o mundo dividido com a
Espanha, ainda sem pressão forte de holandeses, ingleses e de franceses, e com o controlo do
oceano Índico também garantido, Portugal associava (na teoria, que não na práctica) a Igreja a
vastíssimas extensões de território.
Com a costa ocidental africana ali tão perto, com uma diocese que (formalmente) ia do rio Senegal
ao rio Sassandra, na Costa do Marfim, não será plausível que então se admitisse a necessidade de
um número apreciável de dignidades, com um coro generoso na Catedral, obrigando a uma
profunda capela-mor para o receber?

Esta profundidade era de facto uma singularidade à época.


Horta Correia considera que a capela-mor dos jerónimos é uma obra ímpar, e que "inova na
arquitectura portuguesa, formando-se a partir dela um novo tipo de capela-mor (túnel-santuário, na
expressão de Kubler)”25.

Embora o projecto da Ribeira Grande não tenha sido concluído, as paredes foram construídas até
cerca de meia altura, iniciadas por volta de 1556/58; logo os limites são reais (foram medidas em
1681) e esta terá sido a primeira capela-túnel, e não a da igreja de St.ª Maria de Belém, nos
Jerónimos, começada em 1565 e terminada em 1572.
Aliás, só houve duas campanhas de obras: a de meados de quinhentos, e a final, iniciada por volta
da última década de seiscentos. Esta tapa o soco inicial na cabeceira do templo.

25CORREIA, José Eduardo Horta - A arquitectura – maneirismo e ”estilo chão”, in SERRÃO, Vítor (1986). História da
Arte em Portugal. vol. VII. p. 100.
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Essa inovação, contudo, pertence à Sé da Ribeira Grande, e não ao Mosteiro dos Jerónimos.

Fig. 9 - Capelas-mor da igreja de St.ª Maria de Belém (Jerónimos) e da Sé. Em ambas se inscreve o duplo
quadrado (os desenhos estão à mesma escala)

Intenções e contradições{ TC "Intenções e contradições" \f C \l "1" }

Com a morte de D. Frei Francisco da Cruz, em 157126, a Sé via interrompida a construção. Em


1784, na “Notícia Corográphica …”27 dizia-se que “fez os paços Episcopais, e deu princípio à Sé
Catedral. Porém, os Cónegos puseram embargos a estes edifícios com o pretexto de ser fora do
corpo da cidade, motivo porque se não continuou a obra.”

Começava o longo calvário da Sé, a que se iria seguir a progressiva decadência da própria cidade
durante a segunda metade de quinhentos, fruto dos crescentes problemas de Santiago com a perda
da exclusividade do comércio da costa africana, sobretudo de escravos, e com as melhores
condições geográficas que a cidade da Praia oferecia, nomeadamente o seu porto.

E pelo lado do reino os tempos eram complicados.


Em 1578, D. Sebastião morria na batalha dos três reis, em Alcácer Kibir, Marrocos, e o idoso cardeal
D. Henrique, seu tio-avô (irmão de D. João III, o qual tinha visto morrer todos os seus filhos) subia
ao trono.
Nesse ano dava-se a primeira incursão de Francis Drake à Ribeira Grande, embora aparentemente
se tivesse limitado a apresar os navios que lá tinham aportado.

Velho, D. Henrique falecia em 1580, e o seu sobrinho Filipe II de Espanha 28, neto de D. Manuel e
primeiro na linha de sucessão, foi aclamado rei nas cortes de Tomar, no complicado processo de
perda da independência nacional.

26 Tem sido por vezes indicada a data de 19 de Março de 1574. A cédula consistorial da nomeação do seu sucessor, D.
Bartolomeu Leitão,que indica o óbito de Frei Francisco como motivo, é de 6 de Fevereiro de 1572. Já a 23 de Setembro
de 1571 o bispo Frei Amador Arrais, em Lisboa, se referia a D. Bartolomeu como “Bispo electo de Cabo Verde”
(BRÁSIO, 1964, p. 26).
27 Notícia Corográphica, CARREIRA, 1985, p. 41.
28 Referirei os Filipes pela “numeração” espanhola e não pela portuguesa (neste caso seria Filipe I de Portugal).

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D. António, Prior do Crato, também neto de D. Manuel e pretendente à corôa portuguesa29, tomou
os Açores durante três anos, até 1583, e um seu partidário, Manuel Serradas, com alguns
mercenários franceses, invadiu a Ribeira Grande nesse ano.

Foi a primeira ocupação da cidade, durou um mês, e o saque da cidade foi significativo, incluindo as
igrejas e os seus ornamentos.
Ironicamente, em Janeiro do ano anterior, o capitão Diego Florez Valdez, de passagem por
Santiago, aonde levava o engenheiro João Nunes que iria começar a construção da Fortaleza Real,
recomendava a Filipe II que seria preferível a mudança da capital para a Vila da Praia 30, mais fácil
de defender.

O ano de 1585 veria outro ataque de Francis Drake à Ribeira Grande, que desta vez causou muitos
danos, o que tornava necessária a reabilitação das igrejas: “retábulos e altares que se queimaram”,
além das casas dos moradores que ficaram destruídas em “três partes delas”31.
Curioso, mas sintomático, o facto de, mesmo ainda não existindo o sistema de defesa de que a
Fortaleza seria a estrutura mais imponente, Drake não ter feito um ataque frontal32, tendo
desembarcado em S. Martinho.

Logo no ano seguinte, Filipe II voltava a disponibilizar meios para as obras, e insistia – de modo
taxativo – na localização da Sé: "Eu elRey como gouernador, etc., faço saber aos que este aluará
virem, que eu ey por bem e me praz, que por tẽpo de três anos se dem em cada hũ deles três mill
cruzados pera se acabarem as obras da see da cidade de Sanctiago da ilha do Cabo Verde, que se
fará no sitio em que está começada, e se naõ mudará dele" 33.

Se estivesse em obra, mesmo que recentemente interrompida, não seria preciso salientar que seria
no mesmo sítio.

Até ao final do séc. XVII, a Ribeira Grande iria assistir ao confronto entre duas posições: a que
defendia a localização escolhida, e a que se lhe opunha. Um outro ponto de discórdia passava pela
dimensão, se maior, se menor.

Nova carta régia, dirigida a D. Frei Pedro Brandão datada de 18 de Outubro de 1592, referia “por
alguãs jnformaçoẽs que me saõ dadas, sobre a Sée desa çidade se naõ deuer fazer no lugar em
que a comessou o Bispo vosso amteçesor, assy por a muita despesa que com ela se fará, por ser
fabricada com demasiada gramdura, como pelo trabalho que o pouo reçeberá em jr de longe a ela34.
E particularmente por se ter emtendido que em casso que os cossairos desembarqem nessa Jlha,
como já acomteçeo, se poderaõ fazer fortificar na messma Seé, e dela fazerem muito dano á çidade,
que hé materia de muita comsideraçaõ. Vos emcomendo que ordeneis, como na obra da dita Seé se

29 Ainda chegou a ser aclamado rei, em Santarém.


30 BRÁSIO, 1964, p. 26.
31 PEREIRA, Daniel A. (1988). Marcos Cronológicos da Cidade Velha. Praia: ICL. p. 56.
32 Tal como mais tarde Jacques Cassard.
33 BRÁSIO (1964). p. 138.
34 Daniel Pereira (1988, p. 57) considera risível este argumento, e sustenta com toda a razão, que havia evidente má-fé,

pois o que na verdade se pretendia é que a obra não se fizesse naquele local.
O ir e vir diário das crianças do bairro de St.º António, para as escolas na parte baixa, é prova disso.
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naõ proçeda35 por ora sem espeçial mamdado meu. E me aviseis muito particularmente do esstado
em que de presente esstaõ as ditas obras e das caussas que ouue pera se começarẽ naquelle
sitio”36.

Será linear interpretar esta decisão real como indicação de que a Sé estaria em obra?

Poderá ser também interpretada como oposição de Filipe II a uma intenção de retomar a obra, que
não estaria a decorrer.
A expressão “se não proceda por ora” pode não significar suspenda-se a obra, mas sim nada se
faça quanto ao prosseguir da obra, implicando obviamente não se preparar o reinício dos trabalhos.

O termo obra empregue pelo rei pode não significar trabalhos de construção civil, mas sim a questão
da sua edificação.

Por outro lado, quando pede "E me aviseis muito particularmente do esstado em que de presente
esstaõ as ditas obras", seria possível que não o soubesse já, pelas "jnformaçoẽs" que lhe tinham
sido dadas? Ou não confiaria nestas?
Também aqui, a expressão esstado em que de presente esstaõ pode significar saber o que é que de
facto foi executado.

Se a obra parou a seguir à morte de D. Frei Francisco da Cruz, devido à acção dos "Cónegos [que]
puseram embargos a estes edifício", natural seria que, à mínima hipótese de recomeçar o processo,
estes tentassem travá-lo à nascença, antes de se iniciarem quaisquer trabalhos.

Na realidade, desde a interrupção das obras, por volta de 1571, até à vinda do bispo D. Frei
Vitoriano Portuense, ir-se-ia passar um pouco mais de um século sem trabalhos no que já havia sido
construído da Sé, em intermináveis – e goradas - decisões de rearranque das obras, cujo
financiamento se basearia num depósito de cerca de 10.000 cruzados criado para esse efeito.
Depósito esse que iria suportar várias outras despesas, mas não a da catedral.

Pode pôr–se a hipótese das repetidas solicitações ao rei terem como objectivo último o
financiamento em si, para aplicar noutros fins, e não a continuação da Sé, a qual seria meramente o
pretexto invocado para obter o dinheiro, pelo que não convinha esclarecer a real situação da obra do
templo.

Durante esse período acentuava-se o declínio da cidade, os navios que se dirigiam para Cabo
Verde, ou que escalavam o arquipélago eram em número cada vez menor, abastecimentos,
artesãos, condições de vida, tudo ia faltando.

Filipe III determinava em 1603 que o que restava dos 9000 cruzados que “fes mercê pera a obra da
See da dita ilha, […] se ponha em melhor arrecadaçaõ […].E que a obra da See vá por diante,

35 Cancelado: com ela adiante (nota do padre Brásio, referindo-se ao texto original).
36 BRÁSIO (1964). pp. 213 e 214.
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cõforme ao que está asentado, e se enuie taõ bem pera isso a ordem necessária para a Mesa da
Consciência”37.

A obra não tería ido por diante, já que o bispo D. Pedro de Castilho informava três anos depois, em
1606, que “no que toca a fabrica da Sée me parece o mesmo que na Consulta se aponta a serqua
da obra da igreja se acabar onde está comessada e que o dinheiro que se for cobrando se meta em
huma arca de tres chaves”38.
Mais uma vez, a referência à Sé “se acabar onde está comessada”, permite supor que se mantinha
parada, e que se tratava mais uma vez de discutir se se faria no mesmo sítio.
Dois anos depois voltava a insistir-se “que a Sée se acabe no lugar Em que Está Começada”39.

No começo da segunda década do século XVII acentuava-se a perda de importância da capital, e


muito em especial a importância económica. Golpe profundo, os barcos passariam a despachar na
alfândega da Praia, e o bispo e o governador passariam a residir, alternadamente, nesta cidade e
na Ribeira Grande, como determinava o alvará régio de 1612.

De Valladolid, o rei, mal informado sobre as obras, mas preocupado com a verba que ia sendo
gasta, escrevia em 1615, “sobre os noue mil cruzados que se despendem todos os annos na obra
da See do Cabo Verde […] hey por bem e mando que se limite tempo em que esta obra se acabe
com effecto e que naõ se acabando dentro delle, se naõ dem mais para ella os dittos noue mil.” 40

Foi preciso chegar a 1616, para que finalmente se desse conta da verdade a Filipe III: não havia
obra, não havia quem soubesse fazer obras, não havia materiais, mas o dinheiro ia-se gastando…

Nicolau de Castilho, novo governador prestava esse esclarecimento em Junho: “Recebi a de Vossa
magestade de 4 de nouembro de 615 a qual contem en si que há muito tempo que tem aplicado de
sua fazenda à obra e reedificação da see nove mil cruzados e cada hum anno os quaes se
consummem sem a obra ir avante com danno da fazenda .[…] E quanto a informação e pareser que
Vossa magestade me pede digo que aqui não há officiaes que possão proseguir en dicta obra nem
em obras infferiores e que pera a concluzão dellas são nessesarios muitos materiais porque lhe falta
todo o sencial e o que esta feito he mui pouquo e he nesesario grande cantidade de dinheiro”41.
Quatro anos mais tarde, Filipe III determinava, uma vez mais, que a obra da Sé continuasse “Hey
por bem e mando que se continue cỡ a obra da dita See, pois há dinheiro para isso”42.
Mais uma vez a obra não continuou.
E mais uma vez o rei, agora Filipe IV, se convencia em 1626 que a obra prosseguia: “hei por bem e
mando que nas obras que hora se fasem na sé de Sanctiago do Cabo Uerde…”43.

37 BRÁSIO (1968). p. 25.


38 Carta do Bispo D.Pedro de Castilho a Sua Majestade sobre o acrescentamento do Bispado de Cabo Verde, 8 de Julho
de 1606 - Biblioteca da Ajuda (51-VIII-18, nº49, fol.30 e 30v.) (CS).
39 Consultas ao Conselho da Índia - sobre os acrescentamentos do Bispo, Deão e Cónegos da Sé de Cabo Verde, e dos

Vigários das freguesias da dita Ilha, 30 de setembro de 1608 - Biblioteca da Ajuda 51-VII-15, nº178, fol. 214v e 215)
(CS).
40 BRÁSIO (2004). p. 643.
41 AHU – Cabo Verde, Caixa 1, Doc. 71 de 30 de Junho de 1616 (CS).
42 BRÁSIO (1968). p. 655.
43 BRÁSIO (1979). p. 165.

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Chegava-se a 1640, e com a Restauração terminava a monarquia ibérica e recuperava-se a
independência, e subia ao trono o Duque de Bragança, com o nome de D. João IV.
Seguiu-se um período difícil – a guerra com a Espanha só terminaria em 1668 – com enormes
dificuldades económicas.
A grave inflação monetária que se sentia desde aquele ano de 1640 fez cair o valor do real em cerca
de 56% em 1646, e em cerca de 80% no ano de 168844.

Na Ribeira Grande a crise fazia-se sentir, e não só. António Correia e Silva é claro, quando diz que
“a crise comercial e a insegurança que atingem a Ribeira Grande nos inícios do século XVII não
deixam a Praia impune. Somos mesmo de opinião que esta se ressente mais do que aquela da crise
que se instala”45.

As preocupações do momento não passavam, de facto, pela Sé.


Era agora a vez do rei dar outro destino aos dinheiros a ela reservados. Em 1645 informava o bispo
que ”o dinheiro que estaua depozitado pera as obras da Sée […] pera se fazer com elle a fortaleza
de Cacheu […] porquanto por ora está parada a obra da ditta See.”46

O estaleiro em meados do séc. XVII{ TC "O estaleiro em meados do séc. XVII" \f C \l "1" }

O que estaria executado, do projecto inicial de D. Frei Francisco da Cruz, a meio do séc. XVII?
Uma vista seiscentista da Ribeira Grande adianta indicação algo contraditória.

Trata-se de um desenho inserto no atlas das “Plantas de diferentes Plazas de España, Italia,
Flandres y las Indias”, que inclui 133 imagens, encadernado em 165547, que tinha sido
encomendado 5 anos antes pelo Marquês de Heliche48 ao pintor italiano Leonardo de Ferrari.

Ao pintor foram fornecidas as representações de todos aqueles sítios, que as copiou, dando-lhes
uma apresentação comum, sem se saber até que ponto o trabalho que fez correspondia aos
originais49, nem quais as datas destes.

44 AZEVEDO, L de - Épocas de Portugal Económico, Lisboa, 1947, p.470, apud KUBLER, 1988, p. 152.
45SILVA, António Correia e (2002). – “Dinâmicas de decomposição e recomposição de espaços e
sociedades”. in História Geral de Cabo Verde. Lisboa/Praia: IICT/INIC. p. 23.
46 Idem, p. 395.
47SANCHEZ RUBIO, Rocio, TESTÓN NUÑEZ, Isabel, SANCHEZ RUBIO, Carlos (2004). Imágenes de un
Imperio Perdido. El atlas del Marqués de Heliche, in Reales Sítios, n.º 162. Madrid.
48 Sobrinho do Conde-Duque de Olivares, a quem o rei Filipe IV entregou o governo da Espanha durante cerca de 20
anos.
49 Alguns destes existem, pelo que a comparação é possível netes casos.

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Fig. 10 – Vista da Ribeira Grande da 1.ª metade do séc. XVII, do Atlas de Heliche (as legendas foram
colocadas sobre a imagem para melhor leitura)

Fig. 11 – Detalhe com a Sé e, em primeiro plano, o paço episcopal

Esta vista dá a entender que haveria, no sítio da Sé, uma construção, em parte coberta, destinada,
de acordo com a respectiva legenda, a Aseo (?).
Aparentemente, terá havido um aproveitamento provisório das estruturas que existiam desde D. Frei
Francisco da Cruz, com a colocação de um telhado na metade anterior das paredes.
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O bispo D. Frey Fabião dos Reyes, em 1673, confirmava que “as obras da Igreja da See, que se
mandou fabricar de novo, as quaes estão paradas há muitos annos, sem se comessar ẽ mais que
os aliçerçes, que já estão aruinados, por não hauer cabedal, para tão grande despeza” 50.

Todavia, a construção ia para além dos alicerces, como se confirmou sem margem para dúvidas em
1681, e que corresponde à representação de Ferrari, excepto quanto ao telhado. Por outro lado,
poder-se-ia admitir que a representação pode estar errada, por desconhecimento da realidade, ou
poderia ser um embelezamento intencional, dados os aparentes intuitos de propaganda que este
tipo de album servia.

Os frades capuchinhos a meio do século XVII51, para concluirem o convento de S. Francisco, pretendiam as
cantarias da Sé, e pediam a demolição das suas estruturas, o que indicia não terem estas qualquer uso, ou
uso minimamente consistente.
O rei solicitava ao governador um parecer, em carta de 1679, sobre a pretensão dos frades: “a obra do
mesmo comuento que faziaõ, estaua emprefeita por falta de alguã pedraria que naõ podia
comduzir por sua muita pobreza: e que ha muito tempo estauaõ nessa Ilha huãs paredes
pouco leuantadas e se dezia hera para a See e pella comtinuaçãõ do tempo se hiaõ arezando
e não tinhaõ nenhuã seruentia e só hauia huns cunhaes de pedra que comtinuamente cahiaõ, os
quaes podiaõ seruir para o dito comuento se aprefeçoar, e ajudar acabar a obra. //
E pareçeume ordenaruos que me informeis com uosso parecer se hauerá incomueniente em se
comçederem a estes Relligiosos as paredes que representaõ e já não tem seruentia, e se com a
pedra dellas poderão acabar a obra do seu comuento”52.

Finalmente, a informação fornecida pelos franciscanos era já precisa. Efectivamente, estavam à


época – e desde Frei Francisco da Cruz - as paredes pouco levantadas: as da capela-mor
sensivelmente a meio, as das naves laterais um pouco mais de meio.

A refundação da Sé { TC "A refundação da Sé" \f C \l "1" }

Em 1676 chegava a Cabo Verde D. Fr. António de S. Dionísio, que iria relançar o processo da
construção da Sé.
A 21 de Maio de 1681 escrevia de Santiago uma carta a D. Pedro, regente do reino53, intitulada
“Informação da See principiada, e da obra que nella se pode fazer”54
Constitui este texto a carta (re)fundadora da Sé da Ribeira Grande.

Fixava, em primeiro lugar, 1571 como o ano em que se interrompeu a construção:

50 BRÁSIO (1991). p. 347.


51 Estes frades instalaram-se na Ribeira Grande em1656, depois de uma estadia fugaz, entre 1536 e 1539, quando
viram frustrada em 1637 pelo rei a construção de um convento - SANTOS, M.ª Emília Madeira, e SOARES, Maria João,
História Geral de Cabo Verde, 2001, p. 412.
52 BRÁSIO (1991). p. 455.
53 O rei D. Afonso VI foi forçado a abdicar por incapacidade mental, em 1667, e o irmão, D. Pedro, assumiu a regência

até 1683, data da morte de D. João, tendo reinado até 1706.


54 BRÁSIO (1991). pp. 465 a 468.

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"Há 110 annos que faleceu o Bispo D. Frey Francisco da Cruz, o qual depois de fazer a Igreia
da Mizericordia, prinçipiou huã See muyy sumptuosa e de grande fabrica, que ficou com a sua
morte ao desemparo e no estado em que hoje a uemos, e se tem conseruado até agora."
A tomar como boa esta informação, embora sem esquecer que passara mais de um século ,
confirmava-se que a construção tinha parado com o desaparecimento do bispo que lhe tinha dado
início, em 1571.

Por outro lado, e em definitivo, esclarecia com rigor o que tinha sido realmente executado:
"E está a Capella com as paredes meas feitas, que tem vinte e dous palmos de alto, e nesta
forma e altura está, e o cruzeiro della e a mais parede do corpo da Igreja tem 15 palmos de alto.
E este hé o estado, e altura em que estaõ. Tem a Capella Mor de uão no comprimento 75
palmos, e de largo 35 palmos e meyo; e a grosura das paredes de sinco palmos e meio de
largura. O cruzeiro tem de comprimento 128 palmos, e de largo 28, com tres arcos prinçipiados
em cada parte delle para tres altares. A jgreja fundada de tres naues, e tem de comprimento do
cruzeiro para baixo 123 palmos, de largura 76 palmos".

Fig. 12 – Planta do que estava construído, de acordo com as dimensões referidas em 1681. Estas paredes
ainda hoje existem, à excepção da zona norte, do lado do evangelho

Fig. 13 –Esboço das ruínas antes da consolidação, tendo assinaladas a cina escuro as paredes erguidas no
séc. XVI, que correspondem às medidas de 1681, e a cinza claro o completamento do final do século XVII

A parte inferior das paredes exteriores, à excepção da casa da tribuna condizem com esta
descrição e com as proporções correspondentes às dimensões indicadas. Isso permite
determinar o valor do palmo a que se referia Frei António de S. Dionísio: dividindo as dimensões

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reais do que é assinalado na carta, pelos palmos nela indicados, resulta um valor médio para o
palmo de cerca de 24,19 cm55.

No caso da capela-mor, dizia o bispo que “está a Capella com as paredes meas feitas, que tem
vinte e dous palmos de alto, e nesta forma e altura está”. Aplicando aquele valor a este número
de palmos, o que havia destas paredes à data teria cerca de 5,30 m de altura.
Sucede que é esta a altura a que chega a zona mais larga dos cunhais da primitiva cabeceira, antes
de se lhe acrescentar a casa da tribuna do retábulo do altar-mor.
Do cunhal que se pode observar à direita na imagem, parte uma linha horizontal que passa sob a
janela central e se prolonga por toda esta fachada, correndo junto ao topo do arco do vão cego, à
esquerda.

Fig 14 - Alçado sul da capela-mor antes da consolidação

Fig. 15 – Linha de separação, visível antes da


consolidação, entre a parede parcialmente
edificada em meados do séc. XVI, e o seu
completamento superior no final do séc. XVII

55As dimensões do palmo eram variáveis. O valor mais comum em Portugal era o do palmo craveiro, com 22 cm. Como
explica Rui Cunha, a passagem do pé de rei, a medida até então mais usada, com cerca de 32,48 cm, para o palmo
craveiro, parece ter acontecido em paralelo com as profundas alterações da organização do trabalho dos estaleiros de
arquitectura portugueses nos séculos XV e XVI”. Este autor admite que em Marialva o palmo teria 26 cm. O palmo de
goa, por exemplo, andaria por 24,5 cm. Foram coexistindo de facto várias dimensões, normalmente entre os vinte e dois
e os vinte e três a vinte e quatro centímetros. CUNHA, Rui Maneira (2003). As medidas na arquitectura, séculos XIII-
XVIII, o estudo de Monsaraz. Lisboa. p.66.
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Esta linha corresponde à costura entre as duas campanhas de construção: meados do séc.
XVI e final do séc. XVII. A “fiada” de alvenaria que lhe fica imediatamente acima é distinta de
toda a restante. A descrição do bispo era exacta.

Frei António defendia que a Sé se fizesse mais pequena. Propunha para o efeito três hipóteses,
em três distintos locais, parecendo todavia ter uma solução mais do seu agrado, para a qual
conduziu habilmente as forças vivas da cidade: “todos nos resoluemos a que acabasemos a See
prinçipiada, não como ella está prinçipiada, senaõ na forma seguinte.
Acabar a Cappella Mor e sachristia no mesmo estado em que está prinçipiada, e do corpo da
Igreja, recolhendo o mais, e fazendo Igreja de huã naue sem cruzeiro, com tres cappellas por
cada parte, e pode ser esta Igreja feita com a pedraria da que está prinçipiada, e sobejar muita
pedra, e há de custar muito menos da terssa parte que há de custar se se quizer continuar no
estado em que está, e ficarmos com huma Igreia de çento e des palmos de comprido e sincoenta
de largo, que hé muito capax e bastante para esta Ilha, com que se poderaõ acomodar todos,
pois até agora o faziaõ na Igreja da Misericordia, que toda ella naõ tem de comprimento mais de
76 palmos e meio e de largo 37, e só a Cappella Mor da que queremos fazer e o que V.M. há de
pedir a S.A. hé o que se segue.”

Além de mais económica, a igreja com uma só nave radicava-se no espírito


tridentino.
Utilizando o valor encontrado para o palmo, ficaria a Sé como se representa
na figura.

Fig. 16 -.Proposta de estreitamento para a Sé Velha

Bizarra igreja aquela, que o bispo propunha.

Pedia, de forma precisa, materiais de Portugal: “cal bastante, telha, tijolo, taboado de bordo para
forros, pregarias e alguãs madeiras para frechais; e o principal saõ uirem dous ou tres offiçiaes
mestres de pedreiros 56, para a cantaria e outros tantos carpinteiros, e quatro linhas 57 de ferro
logo para acabarmos a Cappella Mor e handem ter de comprido cada linha quarenta e oito
palmos, por que a Cappella tem de uaõ 35 1/2 como digo, e as paredes tem sinco e meio de
largo de cada parte, e hé forssa que as ditas linhas tomem o uaõ da Capella e paredes, porque
por fora dellas se ham de meter as chauetas nas ditas linhas, para que fiquem bem fixas e seguras;
as mais linhas nessesarias para a Igreja uirão mais de uagar em outros nauios, que hande ser

56 Note-se que o pricipal eram os oficiais mestres de pedreiros.


57 Tirantes de ferro, para unir e reforçar transversalmente as parede, atadas por chavetas do lado exterior das paredes.
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de 61 palmos de compridas para se fixarem também nas paredes, e não pesso mais que
taboado para forros e mandeiras para frechais, porque a mais madeira será de coquo que se
acha aqui na terra”.

A encomenda das quatro linhas de ferro, para servirem de tirantes, era rigorosa: à dimensão
do vão da capela-mor, somava-lhe a espessura das paredes e ainda dava uma folga, para
colocar as chavetas, chegando aos 48 palmos. Previa também o atirantamento da nave com
as restantes linhas de 61 palmos.

E tocava no nó górdio dos futuros trabalhos: o principal era virem seis mestres, três pedreiros
e três carpinteiros.

Aludia às verbas de que era possível dispôr, pretendendo somente “a esmolla dos materiaes”.

Finalmente, contemplava os equipamentos necessários – mastro, roldanas, cabos, sem esquecer as


ferramentas: “E en cazo que S.A. nos fassa esta esmolla da licença e materiaes que pedimos, e
uenhaõ com os mestres offiçiaes que pedimos, aduirta V.M. que há de uir hum mastro, cabos e
roldainas e os mais aparelhos que os mesmos mestres dirão sam nessesarios para leuar assima
as pedras, e mais cousas nessesarias para o trabalho, porque sam cousas que aqui se não
achaõ.[…] E aduirta V.M. que uindo os offiçiaes para a obra tragaõ tambem a ferramenta
nessesaria para trabalharem, porque aqui a naõ há, nem quem a fassa”.

Fr. António de S. Dionisío morria a 13 de Dezembro de 1684, sem ter chegado a ver as obras
começarem.

Obras que iriam desenvolver-se num sentido diferente do de meados do séc. XVI, acompanhando o
ar do tempo, que o Concílio de Trento personificou.

O Concílio de Trento e a arquitectura sacra{ TC "O Concílio de Trento e a arquitectura sacra"


\f C \l "1" }

O Concílio de Trento veio alterar profundamente a organização do espaço interior das igrejas, e a Sé
da Ribeira Grande veio a reflectir a adaptação ao novo modelo tridentino.

A ênfase posta no dogma da eucaristia obrigava a que à sua celebração fosse dada a máxima
importância, de tal modo que de todo o interior de uma igreja esta cerimónia deveria
obrigatoriamente ser bem visível.

A divisão dos templos em naves, com as respectivas colunas, limitava demasiado a visibilidade, o
que levou a que interiormente se procurasse que o espaço fosse o mais amplo possível, sem
barreiras visuais que perturbassem a visão do altar, onde se efectuava a celebração.
Era necessário que o espaço tivesse um carácter unitário, o que conduziu à adopção, de um modo
geral, do sistema de nave única.

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Por outro lado, estimulava-se a adoração de imagens, exemplos a seguir pelos crentes, o que
arrastava o aumento do número de altares.
As igrejas passariam a ter preferencialmente uma só nave, com vários altares laterais.
E a capela-mor teria que ser concebida de forma a garantir que o altar-mor se destacasse, e se
impusesse aos fiéis, afirmando-se como o palco privilegiado de um cerimonial rigoroso, para onde
todos os olhares deveriam convergir.

De acordo com Jorg Stabenow58, o elemento ordenador na nova organização do espaço eclesiástico
passava a ser o tabernáculo eucarístico, colocado sobre o altar-mor. A eliminação das barreiras
visuais na nave interligava-se portanto com as tentativas de conferir relevância espacial e escultórica
ao tabernáculo. A localização do Santíssimo Sacramento seria no eixo da nave, sobre o altar-mor,
como defendia o arcebispo Borromeo.
Esta disposição permitia torná-lo um alvo visual que dominava toda a estrutura espacial. A
percepção do espaço vinha assim reorganizada ao longo deste único eixo perspéctico.

Em Portugal esta nova orientação, de espaço unificado, iria ter duas expressões, que se foram
desenvolvendo no período que corresponde ao estilo chão, que vai até finais do século XVII.
Uma, adoptada sobretudo pelos jesuítas, cujo exemplo mais conhecido é a igreja de S. Roque, em
Lisboa, iniciada em 1565/8, inscrevia-se na linha da tradição medieval portuguesa, privilegiando os
aspectos funcionais e as formas simples, recusando um carácter sumptuário. O arquitecto foi Afonso
Álvares, que aqui manifestava ainda o sentido austero patente nas Sés em cujas obras colaborou.

Fig. 17 – Igreja de S. Roque


em Lisboa - fachada e planta

A outra, a que mais interessa para a Ribeira Grande, é representada pela igreja de S. Vicente de
Fora. De iniciativa de Filipe II, começou a construir-se em 1590 (embora a primeira pedra seja de
1582), e o seu autor foi o arquitecto Baltazar Álvares, sobrinho de Afonso, a partir de um programa
do arquitecto Juan de Herrera, com a participação de Filipe Terzi.
Aqui encontra-se um gosto mais requintado, inspirado no maneirismo romano, mais cosmopolita.

58STABENOW, Jorg. Relazioni tra edificio ecclesiale e uso liturgico dal XV al XVI secolo, in Jorg Stabenow (2006). Lo
Spazio e Il Culto. Venezia.
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Fig. 18 – Igreja de S. Vicente de Fora em Lisboa - fachada e planta

Diz Horta Correia que “o modelo de S. Vicente vai, em concorrência com o de S. Roque, servir de
padrão para as igrejas subsequentes, misturando-se, contudo, por vezes num mesmo exemplar as
duas tendências de partido arquitectónico: a de um maneirismo de origem nacional e a de um
maneirismo de origem romana”.
É o caso da Ribeira Grande.

Com o estilo chão, a capela-mor das igrejas recebia


um retábulo, colocado sobre a parede do fundo,
normalmente com painéis pintados, e que, de acordo
com a dimensão e o efeito pretendido, se podia
organizar num número variável de andares. Pelo final
do século foram surgindo exemplares de grande
dimensão.

Fig. 19 – Retábulo da capela-mor ds Sé de Portalegre, do


mestre entalhador Gaspar Coelho, de 1590-1592

Com o tempo o retábulo, de início essencialmente


concebido a duas dimensões, foi ganhando volume,
primeiro timidamente, com alguns nichos com
imagens, e pouco a pouco foi-se transformando numa estrutura, eminentemente arquitectónica e

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como tal concebida, até que não só se autonomizou, como modelou o espaço da capela e chegou a
tornar-se o elemento que comandava a própria concepção do espaço do corpo da igreja, para o qual
estava virado.
Cada vez mais o posicionamento e as dimensões da tribuna, isto é, do vão aberto na parede do
fundo da capela-mor, ganhavam importância.

Fig. 20 - Retábulo protobarroco do altar de N.ª Sr.ª do Pilar na igreja de S. Vicente de Fora, de 1660
Fig. 21 - Retábulo barroco do altar de N.ª Sr.ª da Doutrina na Igreja de S. Roque, do mestre entalhador José
Rodrigues Ramalho, de 1690

Esta situação correspondia já ao estilo nacional, o primeiro barroco português, que na classificação
de Robert Smith vai sensivelmente de 1675 ao primeiro quartel do século XVIII. Investigações
recentes, contudo consideram o ano de 1668 mais correcto .

O estilo nacional ia-se impondo através sobretudo da transformação das igrejas existentes, por via
de adições de elementos por um lado decorativos, mas por outro também estruturantes da nova
imagem e forma de uso do espaço.
Se os revestimentos parietais, como o azulejo, iam fazendo o seu caminho, era a talha que jogava o
papel principal. Solução bem portuguesa, permitia, com menos gastos do que fazer obra nova,
aproveitar as igrejas e modelá-las com uma nova estética e sobretudo com uma nova espacialidade,
acentuando uma noção de profundidade e de volumes “moldáveis”, imagens de marca do barroco.
Esta solução ia ser incorporada, logo à partida, na construção de novos templos.

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A Ribeira Grande filiava-se na secura do estilo chão, e todavia exibia já uma expressão barroca, na
forma como compunha o espaço da igreja, proporcionando a visão perspéctica do arcebispo
Borromeo de que fala Stabenow.

Concorria para essa visão a adopção de uma originalidade portuguesa.


Se o corpo da igreja passava a ser um espaço unitário, dirigido para a capela-mor, importava que
esta fosse concebida de modo a jogar o papel mais importante e a concitar todos os olhares.

Importava não só garantir a visibilidade e a oralidade do oficiante, mas impôr o Santíssimo


Sacramento, quando em exposição, como o centro de tudo. O pavimento da capela passava a estar
num nível superior ao da nave, e era cuidadosamente estudada a altura a que era colocado o altar-
mor, que por sua vez devia permitir que o tabernáculo surgisse destacado, em posição axial.

A composição do retábulo, que iria concentrar cada vez mais, na segunda metade de seiscentos, a
atenção no seu centro, chegava a fixar-se num modelo, em Portugal, com o estilo nacional, que
representa porventura a melhor interpretação do espírito tridentino.

Esse modelo instituiu a relação-chave entre dois elementos: a tribuna e o trono.

A tribuna é o espaço vazio no centro do


retábulo, normalmente com o remate superior
em arco de volta perfeita, onde surge uma
estrutura com a forma de uma pirâmide com
degraus, o trono eucarístico.
No cimo deste, e nas ocasiões mais solenes e
importantes, é colocado, para exposição e
adoração pública, o ostensório ou custódia
contendo o Santíssimo Sacramento.
E é precisamente o trono, que se destaca do
fundo escuro da casa da tribuna, preenchendo
parcialmente o vazio dela, que prolonga o
espaço, e que imprime por via da forma em
pirâmide um sentido ascensional, de elevação
espiritual, que é caso único no panorama
europeu.

Fig. 22 - Retábulo barroco do altar-mor da igreja do


convento dos Cardais em Lisboa, do mestre
entalhador José Rodrigues Ramalho, de 1693

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Afirma Carlos Moura que ”esta deslocação na maneira de encarar a forma coincide […] com uma
nova definição estilística, declaradamente barroca, [o] estilo nacional” […] exclusiva de Porugal”59 .

Natália Ferreira Alves, por seu lado, entende que “no retábulo aparece em Portugal um elemento
que não tem paralelo na Europa católica desse tempo: o trono” 60.

E Fausto Sanches Martins considera que “estamos, portanto, perante uma forma estrutural de raízes
genuinamente portuguesas. A novidade desta construção piramidal torna-se ainda mais notória
quando a comparamos com os retábulos da mesma época de outras nações, como Espanha, Itália,
Baviera, etc., onde o barroco teve forte implantação, mas que desconhece practicamente a
existência deste elemento”61 .

Naturalmente, o retábulo do altar-mor da Ribeira Grande teria que contemplar a tribuna e o trono
eucarístico.

A construção da Sé{ TC "A construção da Sé" \f C \l "1" }

Com o novo bispo, D. Frei Vitoriano Portuense, surgia a figura que iria finalmente dar à diocese a
sua Sé.

Em pleno declínio da Ribeira Grande, a Sé terá sido, ainda assim, o seu último fôlego, o canto do
cisne. Embora, como refere Maria João Soares, no reinado de D. Pedro II ainda se desenvolvessem
“projectos” político-administrativos e comerciais para o complexo Cabo Verde/Rios da Guiné 62, já
não tinham suficiente significado nem capacidade de influência.

António Correia e Silva, ao mencionar as dificuldades de expansão urbana da cidade 63 –


problema/impasse bem actual – adianta que já nas décadas de 30 e 60 do século XVI a cidade se
alargava primeiro para ocidente, criando o bairro de S. Brás, e a oriente o de S. Sebastião,
considerando que “a construção deste último bairro coincidiu com o início do fim do ciclo de
prosperidade comercial”64.

59MOURA; Carlos – Uma poética da refulgência: a escultura e a talha dourada, in PEREIRA, José Fernandes –
Resistências e aceitação do espaço barroco: a arquitectura religiosa e civil, in Carlos Moura, História da Arte em
Portugal. Lisboa 1986, vol. VIII, p. 9

60 ALVES, Natália Ferreira Alves, Talha, in Dicionário da Arte Barroca em Portugal, PEREIRA, José Fernandes,
PEREIRA, Paulo, Lisboa, 1989, p. 467.
61 MARTINS, Fausto Sanches – Trono eucarístico do retábulo barroco português origem, função, forma e simbolismo, in

CONGRESSO INTERNACIONAL DO BARROCO, 1, Porto, 1989 - Actas. Porto: Reitoria da Universidade; Governo Civil
do Porto, 1991.p. 18
62 SOARES, M.ª João – A Igreja em tempo de mudança política, social e cultural, in SANTOS, M.ª Emília Madeira (2002)

História Geral de Cabo Verde. Lisboa/Praia: IICT/INIC. p. 347.


63 Para a história urbana da Ribeira Grande, a interpretação de Fernando Pires é essencial (PIRES, Fernando (2007). Da

Cidade da Ribeira Grande à Cidade Velha em Cabo Verde. Análise Histórico-Formal do Espaço Urbano, Séc XV – Séc.
XVIII. Apresentação de António Correia e Silva, reitor da Universidade de Cabo Verde, Universidade de Cabo Verde.
64 SILVA, António Correia e. Dinâmicas de decomposição e recomposição de espaços e sociedades, in SANTOS, M.ª

Emília Madeira (2002). História Geral de Cabo Verde. Lisboa/Praia: IICT/INC. p. 21.
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E o quadro com que o bispo se depararia era, segundo o mesmo autor, o seguinte: “a
desurbanização e a corolária intensificação da ruralização inscrevem-se então como tendências de
fundo do processo de povoamento dos séculos XVII e XVIII. Uma tendência que se traduz na
dolorosa asfixia da cidade e dos seus moradores”65.

Antes ainda de partir para Cabo Verde, o bispo afirmava que “quer fazer a ditta obra […] Pede a V.
Majestade seja seruido concederlhe licensa para que na forma do papel incluzo, possa estreitar o
ditto ediffiçio prinçipiado afim de se acabar com menos custo66”.
Ouvido o governador Ignaçio da França Barboza, considerava este, após ter trocado impressões
com o prelado, que ambos “acharaõ grandes irnpossiueis para se conçeguir a ditta obra da Sée
Velha, porque para se fabricar careçia de embarcaçoẽs para conduzir a pedra de cantaria da Ilha
do Majo, couza mujto dificultoza, alem da conçideravel despeza que requere esta obra
podendosse obrar com menos custo ou cõmodamente da Sée, na Igreja de nossa Senhora do
Rozario, valendosse para o acresentamento della, da cantaria e mais pedra da Sée Velha”.

Apesar destas opiniões, o rei aceitava a 5 de Março de 1688 a pretensão do bispo de fazer a Sé no
mesmo local.

D. Frei Vitoriano Portuense chegava a Santiago a 17 de Abril seguinte.


Para comprar materiais de construção, enviou ao seu procurador em Lisboa dinheiro e escravos,
algumas peças em ouro e boa parte de um serviço de mesa em prata, para este vender 67, o que
motivou queixas do cabido, que o acusava da perda do “grandiozo serviço de prata, que a Sée tinha
e possuia desde o anno de 635”68.

Decidido, o bispo conseguia levar para a frente a construção, aproveitando embora as paredes já
parcialmente executadas por D. Frei Francisco da Cruz, pelo que não se verificou nenhum
“estreitamento”.
Provavelmente, a bizarria da forma “estreita”69 e a relativa economia dela decorrente não terão sido
aceites em Lisboa.

Da situação em que se encontrava em 1690 dava conta ao rei por carta de Agosto: “Deos com
sucessos extraordinarios mostra que chegou na occaziaõ de se finalizar aquelle seu Sancto Templo,
que já o Cruzeiro ficava telhado, Sanchristia, e Caza do Cabbido, e na Capella mor ficauaõ
assentadas tres grades, e se lhe naõ faltara cal sem duuida athé o Natal, se acabariaõ as paredes
da ditta Capella” 70.

65 Idem, p. 24.
66 BRÁSIO (2005). pp. 104 e 105
67 BRÁSIO (2004). pp. 123/127.
68 BRÁSIO (2004). pp. 161/164.
69 Quando Frei Vitoriano propunha a “forma do papel incluzo”, de que dispunha ainda ainda em Lisboa, antes de partir

para Santiago, é possível que radicasse na proposta do seu antecessor.


70 BRÁSIO (2004). pp. 183/184

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Em Agosto de 1693 já a Sé, embora não terminada, estava aberta ao culto, como confirmava o
Procurador da Irmandade da S.ta Caza da Meziricordia: “acabandose hora a Sée nova, e
cellebrandose iá nella os offiçios diuinos”71.

Na capela-mor, o arco da tribuna, hoje desaparecido, parece ter data segura: 1696. De facto, no
catálogo da exposição que os Amigos da Cidade Velha organizaram em 1960, nas comemorações
henriquinas, a legenda da fotografia n.º18, que exibe ainda o arco, diz “Sé catedral da Ribeira
Grande - Inscrição no remate do arco da capela-mor (1696)”72.

D. Frei Vitoriano, em longa carta de Junho de 1700, queixava-se ao rei “porque assaz tenho
trabalhado em obras que não caíam sobre a minha obrigação […] mandando fabricar o Aljube, e
sobretudo esta obra da Sé que estando pouco levantada dos alicerces, parada há cento e trinta
anos, se acha acabada, por se ficar trabalhando já nas torres, para as quais mando vir as grimpas73
este ano […] e devendo-se à fábrica mais de 2 mil cruzados dos anos decursos, se lhe não pagam
tendo tanta falta de ornamentos para a decente celebração dos Ofícios Divinos. E foi tão nada o
concurso dos Frequezes para esta obra,[…] e fora justa que as cabeças de Povo tão indevoto se
não puzessem em cadeiras na Sé feita à minha custa sem concorrerem para ela com o valor de um
tostão…”74.

A informação do bispo sobre a construção e sobre as torres, não concluídas, tem confirmação na
vista aguarelada que o engenheiro francês Duplessis incluiu no relato de uma viagem que fez, e cujo
navio passou pela Ribeira Grande. Chegou na madrugada do dia 11 de Fevereiro de 1699, e partiu
na madrugada do dia 14, sem que Duplessis tenha ido a terra (o esboço da planta, aqui não
representado, só poderia ter sido desenhado por alguém que se manteve embarcado).

Nesse relato, informava que “há duas igrejas principais: a Sé Catedral, que ainda não se encontra
acabada, e a dos Franciscanos recém-construída, situada sobre um pequeno planalto que domina a
cidade, com muitos jardins à volta, o que a torna agradável à vista”75.

Aquela vista é elucidativa: não aparecem as torres.


Comparando com a vista da cidade de Joannes Van Keulen, que lhe é posterior, a semelhança das
imagens da Sé é flagrante, sendo de facto as torres o elemento que as diferencia.

71 Idem, p. 200.
72 Catálogo da Exposição do documentário fotográfico sobre as ruínas da antiga cidade da Ribeira Grande de Santiago,
apresentação de Jaime de Figueiredo, Edições Henriquinas, Achamento de Cabo Verde, Lisboa, 1960.
73 “Chapa de metal com differentes fórmas, e ordinariamente com a figura de um gallo, flexa ou palma, que se colloca no

mais alto de uma torre, ou no cume de um palacio, para se conhecer a direcção dos ventos”, in RODRIGUES, Francisco
de Assis (1876). Diccionario Technico e Historico de Pintura, Esculptura, Architectura e Gravura, Lisboa.
74 A.H.U., Cabo Verde, Papéis Avulsos, Cx 9, Doc.7, in PEREIRA, Daniel A., - A Situação da Ilha de Santiago no 1.º

Quartel do Século XVIII, 2.ª edição, Praia, 2004, pp.120/121.


75 DUPLESSIS - Relation Journaliere d’un voyage fait en 1699 aux Isles du Cap Verd, apresentação, notas e bibliografia

de Francoise et Jean-Michel Massa, colecção Património Lusógrafo Africano, ed. EDPAL, 2004, p. 62. O desenho
original encontra-se no Serviço Histórico da Marinha (cota SH 223), castelo de Vincennes, França.
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Fig. 23 - Panorâmica de Duplessis de 169976

Fig. 24 - Panorâmica Gezigt van de reede voor de stadt S. Jago de Joannes van Keulen, do séc. XVIII77

76 DUPLESSIS - Relation Journalière d’un voyage fait en 1699 aux Isles du Cap Verd, p. 59.
77 AHU – Colecção Iconografia, estampas, I. IV. E. 450).
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Fig. 25 - Pormenor da panorâmica de Duplessis

Fig. 26 - Pormenor da panorâmica de Joannes van Keulen

O desenho aguarelado de Joannes Van Keulen, de uma grande precisão, mostra com clareza o
delineamento final da Sé78.
Por volta de 1700, 1701 (PEREIRA, 1988, p. 72), as obras da Sé encontravam-se practicamente
concluídas, devendo ter sido terminadas antes de 170579.
D. Fr. Victoriano Portuense morria em Janeiro de 170680, e era sepultado na Sé, sob a lápide no
centro do coro. Teria visto ainda a Sé totalmente levantada.

78 A este desenho tem-se atribuído a data de ca. de 1635, o que não é exacto. Por um lado, nesta data não existia a Sé,
nem o convento - só em 1656 os capuchinhos se instalam em Santiago; por outro, a bandeira hasteada na fortaleza,
vermelha com o escudo e as cinco quinas, só surge com D. João V. Joannes Van Keulen nasce em 1654 e morre em
1715. O seu neto tinha o mesmo nome e a mesma profissão, e será a este que se refere a legenda. As informações de
que dispôs foram fornecidas pelo almirante Dirk Wolter van Nimwegen, seu contemporâneo e não do avô. No livro
Marcos Cronológicos da Cidade Velha, a páginas 96, Daniel Pereira situa este desenho correctamente (séc. XVIII).
79 Dossier de candidatura da Cidade Velha a Património Mundial.

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Fig. 27 – Planta da Cidade Velha de 1769, de José Carlos Andreias (AHU s.n.º)

Fig. 28 – A Sé e o Bairro de S. Sebastião (pormenor da planta anterior)

80Ferreira da Silva indica o ano de 1705 in Notícia Corográphica e Chronológica do Bispado de Cabo Verde…,
manuscrito anónimo de 1784, Apresentação, notas e comentários por António Carreira, Instituto Caboverdiano do Livro,
Lisboa, 1985, p. 48.
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O longo ocaso{ TC "O longo ocaso" \f C \l "1" }

Pouco tempo esteve a Sé sem ser perturbada.


A 4 de Maio de 1712 a Ribeira Brava era tomada pelo francês Jacques Cassard, ao comando de
uma esquadra com 12 navios de guerra.

Num extenso relato, atribuído ao bispo D. Frei Francisco de Santo Agostinho 81, afirma-se que “se
ouvirão muitos estrondos assim de minas, como do fogo que o Inimigo avia posto a muitos edifiçios
como forão, nos Armazens Reais, a Caza do Senhor Bispo, e a do Governador e de outros muitos”.
“nestes danos se não fes tanto Reparo como na muita immundiçia que se achou dentro das Igrejas,
profanados os altares, as Imagens despojadas de seus vestidos, e outras muitas quebradas, tudo
asolado quanto estava nellas, e the as Sepulturas se abrirão”.
Levou o Inimigo muitos escravos da terra por forsa, e outros voluntarios, muita prata das iIgrejas, e
finalmente fes o maijor Roubo que se pode ver e Imaginar nas cazas do Senhor Bispo por que tudo
quanto nellas havia tudo levarão. E o peor foi o inçendio da sua Livraria assim por sua grandeza,
como pela exçelensia de muitos livros antigos” 82

Senna Barcelos informa que Cassard “Levou os sinos da Sé e de quantas egrejas existiam dentro
da cidade; […] quantas pratas e vasos sagrados havia na Sé, e por fim o Santo Crucifixo do santo
Lenho”83.

Apesar dos estragos e dos roubos, o edifício da Sé não parece ter sofrido dano sério.

Ao tempo de D. José de Santa Maria de Jesus (1720 a 173284), o “chão permanecia em terra batida,
sendo solicitados, pelo bispo e cabido, madeiras e outros materiais de construção para
assoalhamento das entradas da igreja, deixando-se para reparo posterior o corpo central”, e já eram
sentidos os efeitos da degradação do edifício: “devido ao mau estado dos tectos e forros,
encontrava-se em risco de derrocada, pelo que o cabido não tinha lugar seguro para oficiar quando
caíam grandes chuvadas”85.

Em 1738 os oficiais da câmara informavam que “a mesma Sé Catedral desta cidade acha-se bem
arruinada, se não repara por falta de dinheiro”86.
D. Fr. João Moreira, pouco depois de chegar, em 1744, cuidou “logo na reedificação da Sé, e, com
efeito, compôs todo o tecto do corpo da igreja”87.

81 chegou a Santiago a 29 de Dezembro de 1709.


82 Relatoria Infausta da Expugnassam das Fortalezas, e Cidade de S. Tiago do Cabo Verde feita por Monsieur Casar
General Françes em sinco de Mayo deste prezente Anno de Mil sete çentos e Doze, s/d, in PEREIRA, Daniel A (1988).
Apenso 8, p. 143 e 144. Daniel Pereira, na página 13, atribui este texto anónimo ao bispo D. Frei Francisco de Santo
Agostinho.
83 BARCELLOS (2003). Praia. vol. I., Parte II, cap. 4, p. 408.
84 A partir de 1732 esteve na Guiné e depois no Brasil, não mais regressando a Cabo Verde. História Geral…, vol. III, p.

386.
85 História Geral, III. 2002.pp. 385 a 388.
86 SAHNCV, livro n.º 42, fls. 84 e 84v, in PEREIRA, 1998, p. 75
87 Notícia Corográfica …p. 57,

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Poucos anos depois, por volta de 1745/46, “o telhado e forro da catedral foram reparados”, mas
“mais uma vez, os trabalhos de reedificação não ficaram concluídos, visto que o tabuado enviado do
reino não foi suficiente para forrar o telhado da capela-mor”.
Também “o pavimento do corpo da Sé permanecia por assoalhar” mas o chantre confessava “que
não dispunha de mão-de-obra qualificada para o efeito”88.

A partir de 1754, a Ribeira Grande deixava de ser a residência dos bispos. D. Pedro Jacinto Valente
fez a sua entrada solene no dia 13 de Maio de 1754, em Santiago, mas logo a 15 de Junho partiu
para S. Nicolau, passando a Santo Antão, onde chegou em Fevereiro seguinte e se fixou89.

O ouvidor João Vieira de Andrade, em 1762, adiantava que "a cidade se achvaa totalmente
devastada e a acabar de todo, e de todo se teria acabado se nela não estivera a Sé, e o Convento
de S. Francisco”90.

A 13 de Dezembro de 1769 a Ribeira Grande perdia o estatuto de capital, e a sede do governo era
transferida para a Praia.

O bispo seguinte, D. Frei Francisco de S. Simão (1781 a 1783) voltou episodicamente a Santiago,
mas residia na Ribeira da Prata.91
A seguir, D. Frei Cristóvão de S. Boaventura (1786 a 1798) e D. Frei Silvestre de Maria Santíssima
(1803 a 1813) fixavam-se na ilha de S. Nicolau92.

Por esta altura iniciava-se um período dramático para Portugal, longo de quatro décadas93.

A Sé, pelo seu lado, encontrava-se razoavelmente em condições, e equipada para o culto em 1819.
No inventário de 22 de Maio daquele ano, dizia-se que a “Sancta Igreja Cathedral de Santiago de
Cabo Verde está em bom estado, em quanto o seu edificio, de alguma ruína se vai reparando” 94.
Descrevia-se então, pormenorizadamente, as imagens, alfaias e móveis, capela a capela, espaço a
espaço.

Dezanove anos depois, a situação deveria ser diferente, pois em 1838 o governador Joaquim
Pereira Marinho propunha que a Sé fosse demolida, para com os seus materiais se construir uma
nova no Mindelo, na ilha de S. Vicente, onde se pretendia erigir a nova capital de Cabo Verde95.

88 História Geral, III, p. 391, Carta do cabido de Cabo verde de 25 de Abril de 1747, inserta em consulta do Conselho
Ultramarino sobre várias questões respeitantes à Igreja. AHU, Cabo Verde, cx. 21, doc. 54, 19 de Outubro de 1747.
89 Notícia Corográphica e Chronológica do Bispado de Cabo Verde…, 1784, pp. 58 e 59.
90 AHU, Cabo Verde, Papéis Avulsos, Cx 27, Doc.46, in PEREIRA, 1988, p. 78
91 CARREIRA, Notícia Corográphica e Chronológica …, manuscrito anónimo de 1784, Instituto Caboverdiano do Livro,

Lisboa, 1985. pp. 58 e 59


92 CARREIRA, Notícia Corográphica e Chronológica …, manuscrito anónimo de 1784, Instituto Caboverdiano do Livro,

Lisboa, 1985. pp. 109 a 112.


93 Em 1807 a família real e a corte fugiam para o Brasil, quando as tropas de Napoleão invadiram Portugal. D. João VI só

voltaria à Europa em 1821. No ano seguinte o príncipe D. Pedro, seu filho primogénito, levava o Brasil à independência,
tornando-se imperador. Em 1828 começava a guerra civil, que terminou em 1834.
94 A.H.C.V.- SGG (A1)/E.4/cx. 529 – Informações sobre o estado de conservação de algumas igrejas da ilha de

Santiago, Maio de 1819 (CS).


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Quanto às indicações de Chelmicki e Varnhagen, em 1841, podem estas ser pouco seguras96. De
facto, omitiram a igreja de N.ª S.ª do Rosário como se pode ver pelo seguinte parágrafo“Havia alí
quatorze Igrejas, mas hoje existem sómente – a Sé, que se vê agora (não obstante ser um belo
monumento) destelhada no meio – O Hospital da Misericórdia qua está a cahir – e um seminário que
o último Bispo mandou continuar há poucos annos”97.

E mais adiante informavam que “Allí é a Cathedral servida actualmente por dois cónegos. Este
templo, sem duvida o mais bello edificio da Provìncia, necessita de alguns concertos bem
urgentes”98.

Em 1844, carecia apenas de alguns reparos, e era ainda “uma bonita igreja” 99.

Francisco travassos Valdez, em livro publicado em 1864 100, diz que foi “visitar a antiga e decaída
cidade da Ribeira Grande, situada a 3 leguas da cidade da Praia, na costa meridional da ilha, á
beiramar, onde forma um mau porto á entrada de um valle estreito e bem cultivado. Provém o seu
nome de uma ribeira assim chamada, e que comtudo é tão falta de água que mal rega o terreno
adjacente.// fazia-nos pena ver na solidão esta triste cidade, com os seus porticos, marmores e
ruinas, entre as quaes se elevavam ainda a cathedral...// Hoje está reduzida a um insignificante
logarejo, com 400 habitantes, pouco mais ou menos, tão pobres e miseraveis como a terra que
habitam, coberta toda, como dissemos, de restos de sumptuosos edificios sagrados e profanos que
nos seus melhores dias lhe davam vida e brilhantismo, e que augmentam agora a desolação do
viandante. O pouco que ainda é, deve-o unicamente á conservação da Sé, simples mas bonito
edificio, que causa ali um tal ou qual movimento, em rasão da residencia do clero respectivo”.

Fornece uma vista da cidade, intencionalmente “comprimida” para melhor exibir os edifícios.

95 PEREIRA (1988). p. 80, referindo-seà Memória sobre Cabo Verde do Governador Joaquim Pereira Marinho, AHU,
Sala 12, Cx 55 (1837-1838).
96 Senna Barcellos não tinha a respeito de Chelmicki boa opinião. Op. cit.
97 CHELMICKI, J. Carlos, e VARNHAGEN (1841). A corografia Cabo-Verdiana ou Descripção Geográfica-Histórica da

Província da Ilha de Cabo Verde. vol. I, p. 67. Lisboa.


98 Idem, vol. II, p. 152.
99 BRÁSIO, António – Monumentos sacros de Santiago, in Cabo Verde, ano XI, n.º 130, 1960, pp. 28-31.
100 VALDEZ, Francisco Travassos (1864). Africa Occidental - Noticias e Considerações. Tomo I. Lisboa: Imprensa

Nacional, pp. 238-40.


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Fig. 29 – Interpretação colorida da vista da Ribeira Grande publicada por Valdez

Fig. 30 - Pormenor da Sé

Mais uma vez um governador, agora em 1875, defendia a demolição da Sé, e escrevia ao bispo,
procurando a sua anuência.
D. José Dias Correia de Carvalho opôs-se, sem no entanto esconder que preferia um
templo novo, mesmo que isso significasse demolir a Sé 101.

Quase 50 anos depois, outro governador tomava posição contrária. Em 1922, o Comandante Felipe
de Carvalho proibiu a demolição dos restos ainda em pé102.

101 Por esta altura, haveria possivelmente a intenção de voltar a sede da diocese a Santiago, e obviamente ao prelado
interessar-lhe-ia a Praia, e não a cidade fantasma da Ribeira Grande: “a esperança que nutro de ver ainda restaurada a
antiga Egreja Cathedral d´esta Diocese /…/leva-me a não julgar conveniente a demolição, e menos ainda a concorrer
para ella com a minha anuência. Pode a dita Egreja com o andar do tempo continuar a preencher o fim da sua fundação,
visto que a residência do Prelado e do Cabido n´esta Ilha [S. Nicolau] é apenas provisória.
Certo estará V. Ex.ª de eu dizer, quando estive n´essa Cidade, que seria grande a minha satisfação se chegasse a ver
edificada n´ella uma Egreja Cathedral, e que para tal edificação se poderiam aproveitar os materiais da antiga Sé; sendo
em tal caso bem justificada a demolição de que se tracta (BRÁSIO, António – Monumentos sacros de Santiago, in Cabo
Verde, ano XI, n.º 130, 1960, pp. 29 e 30).
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Estranha reparação de uma parede{ TC " Estranha reparação de uma parede" \f C \l "1" }

Em data certamente recuada, houve uma reparação na Sé, no exterior da parede norte da capela-
mor. Essa reparação não foi concluída, mas ficou o testemunho do modo como se montavam
andaimes, quando ainda não eram auto-portantes. O paramento exibe, à vista, marcas (como um X,
ou um A), gravadas numa argamassa com uma expressão diferente da restante. Essa argamassa
com escasque destinava-se a ocultar, mas não a preencher, os agulheiros (os “buracos” de forma
quadrada existentes em todas as paredes), que recebiam os travessanhos dos antigos andaimes.
As marcas tinham a ver com uma eventual utilização ulterior, sem prejuízo de virem a ser ocultadas,
quando a reparação chegasse ao fim.

Fig. 31 - Esquema da montagem de um andaime103

Fig. 32 – Marcas (A e X) assinalando a localização de agulheiros

102Catálogo da Exposição do documentário fotográfico sobre as ruínas da antiga cidade da Ribeira Grande de Santiago,
apresentação de Jaime de Figueiredo, Edições Henriquinas, Achamento de Cabo Verde, Imprensa Nacional de Cabo
Verde, Praia, 1960.
103 ADAM, Jean-Pierre (1995). La Construction romaine : matériaux et techniques. Paris: Picard. p. 182.
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Das comemorações henriquinas em diante{ TC "Das comemorações henriquinas em diante" \f
C \l "1" }

Nos finais da década de 50, com as Comemorações Henriquinas de 1960 e do 5.º centenário do
achamento de Cabo Verde, renascia o interesse pela Cidade Velha.

Realizava-se neste âmbito uma exposição fotográfica104 sobre as ruínas da “antiga cidade da Ribeira
Grande de Santiago”, promovida pelos Amigos da Cidade Velha, com as fotos de Francisco Delgado
Freire (FRANCK)105.

Fig. 33 - Plataforma de S. Sebastião – finais dos anos 50 (Foto FRANCK)

104Catálogo da Exposição…Praia, 1960.


105Em 2003 o Prof. Júlio Delgado Freire teve a amabilidade de me prestar alguns esclarecimentos sobre seu Pai. Soube
então que ao contrário da data – 1929 -que o padre Brásio (op. cit. vol. III, 1964) atribuiu a estas fotografias, elas são
dos finais dos anos 50.
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Fig. 34 - Ruínas da Sé – finais dos anos 50. Interpretação colorida da foto original de FRANCK

Por despacho de 1959 do então governador Silvino Silvério Marques106, foi criado um Grupo de
Trabalho para estudo das providências a adoptar na reconstituição e arranjo da Cidade Velha,
afirmando Jaime de Figueiredo que “se deu início na Cidade a uma tarefa preliminar, que já se
estende à Sé e prossegue na Fortaleza de S. Filipe, precedendo obras de restauro” 107.

A partir de 1960 o arquitecto Luís Benavente levou a cabo diversas obras e trabalhos - segundo
critérios da época – em especial na Igreja de N.ª S.ª do Rosário e, com apreciável dimensão, na
reconstrução de parte das muralhas da Fortaleza de S. Filipe.
Quanto à Sé, Benavente não chegou a intervir, tendo-se limitado a, aparentemente, efectuar
pequenas consolidações pontuais de zonas mais frágeis. Estas reparações eram facilmente
identificáveis antes da obra de consolidação, e estão registadas em desenho108.
Segundo o testemunho da viúva, o arquitecto “quis reconstruí-la, mas seis anos depois dessa
intenção começaram a desmontar muitas das pedras das ruínas inviabilizando o projecto”109.

106 “Província de Cabo-Verde – Ribeira Grande – 1.ª cidade fundada por Portugueses no Ultramar – Relatório” – 1960 –
Apresentado a S. Ex.ª o Governador pelo Grupo de Trabalho nomeado por Desp. n.º 16 (B. O. n.º 36 de 1959). Consultei
este relatório em 1981, na minha primeira estadia em Cabo Verde, e não voltei a ter oportunidade de o fazer.
107 Catálogo da Exposição do documentário fotográfico…1960.
108 O entaipamento das duas portas que permitiam o acesso do presbitério à casa da tribuna já estaria executado em

1961 pelo que é provável que seja resultado do Grupo de Trabalho, como se pode observar na foto do exterior da
capela-mor, in AMARAL, Ilídio. Santiago de Cabo Verde…estampa XLI – A.
109 FERNANDES, José Manuel. Arquitecto Luís Benavente, Uma obra e uma Época. in FERNANDES, José Manuel

(1997). Luís BENAVENTE – Arquitecto. Lisboa: IAN/TT. p. 34. e FERNANDES, José Manuel. Luís Benavente e as
Fortalezas de África (1956-1973")”. OCEANOS, nº 28, 1996, pp. 41 – 52.
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Com a independência, as autoridades do novo Estado, mesmo com as enormes dificuldades de
então, manifestaram interesse pela preservação e valorização do seu património cultural, e deram
início ao ciclo actual de recuperação da Cidade Velha.
Na Sé, as primeiras intervenções arqueológicas sucederam de 1989 a 1993, e em simultâneo,
chegou a elaborar-se um primeiro projecto de valorização das ruínas.
Em 1999 efectuei uma pequena consolidação de emergência no troço remanescente da parede Este
da cabeceira, que ameaçava ruína.
Ainda nesse ano decorreram novas escavações arqueológicas, que confirmaram a existência de
fundações de uma pequena construção110, aventando-se a hipótese de se poder tratar da ermida de
S. Sebastião, que o Prof. Ilídio do Amaral refere na sua obra Santiago de Cabo Verde, a Terra e os
Homens111.

Em 2003/04 efectuou-se finalmente a obra de consolidação das ruínas.

2.ª PARTE{ TC "2.ª PARTE" \f C \l "1" }

O projecto do século XVII{ TC "O projecto do século XVII" \f C \l "1" }

Decidido que foi, no final do séc. XVII, aproveitar o que já estava construído desde meados do
século anterior pelo bispo D. Frei Francisco da Cruz, o aproveitamento levantava necessariamente
um problema complicado: como conciliar as novas exigências litúrgicas e a mudança de gostos na
arquitectura, com a diferente lógica conceptual das paredes semi-elevadas existentes?

Esta situação obrigou a uma adequação do novo programa à configuração existente, procurando
nela encaixar o novo programa. Programa esse que impunha a concepção do espaço interno
unitário, o que levou a forçar o que estava construído a funcionar como se se tratasse de uma só
nave.

As inicialmente previstas naves laterais passaram assim a constituir um enfiamento de altares,


ladeando a nave central. A ligação destas naves à zona do altar-mor foram bloqueadas por uma
parede cada uma, com a criação do equivalente a um transepto inscrito pouco mais largo que a
nave central (obtido também por paredes que “cortaram” o extenso transepto do projecto joanino),.

110 DIAS, Ana Carvalho (2000). Relatório da Intervenção Arqueológica na Sé da Cidade Velha. Cabo Verde.
Outubro/Novembro de 1999. Lisboa: I. Dact.
111 AMARAL, Ilídio (1964). Santiago de Cabo Verde, A Terra e os Homens. Memórias da Junta de Investigações do

Ultramar, n.º 48, Lisboa. p. 191.


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A semelhança com o modelo instituído pela igreja de S. Vicente de Fora é imediata.

Fig. 35 – Analogia na organização do espaço entre S. Vicente de Fora e a Sé


(as figuras não estão à mesma escala)

A capela-mor de S. Vicente apresenta o coro por detrás do altar-mor (retro-coro), enquanto a Ribeira
Grande, pouco mais de um século depois, se inseria já num modelo barroco, com o retábulo com
tribuna e trono, acentuando o sentido tridentino da celebração litúrgica.

Este retábulo foi encomendado a um dos melhores entalhadores lisboetas.

As palavras de Sílvia Silva Ferreira são eloquentes:112

“Destinado a guarnecer a capela-mor da Sé de Cabo Verde, foi contratado a José Rodrigues


Ramalho no dia 22 de Dezembro de 1705, um retábulo, já desaparecido, que se supõe ter sido obra
de vulto, pela quantia que o mestre ganhou com a sua execução, 900.000 réis.

112FERREIRA, Sílvia Maria Cabrita Nogueira Amaral da Silva - “A Talha Barroca de Lisboa (1670 - 1720). Os Artistas e
as Obras”, Doutoramento em História (Especialidade Arte, Património e Restauro), Universidade de Lisboa, Faculdade
de Letras, Departamento de História, Vol. 1, 2009, pp. 436 e 437
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Por esta altura, inícios do século XVIII, já José Rodrigues Ramalho era um conceituado mestre
desenhador e entalhador de retábulos, dono de uma oficina cotada entre as maiores e mais
prestigiadas de Lisboa. Assim, não será de estranhar a quantia exorbitante para a época que o bispo
da Sé de Cabo Verde estaria disposto a pagar, para poder usufruir, no seu espaço cultual, de uma
obra de um dos mais afamados mestres entalhadores de Lisboa”.
“Em Cabo Verde, a obra retabular de José Rodrigues Ramalho ter-se-á assim constituído como um
exemplo da magnificência e da grandiosidade das realizações artísticas oriundas da metrópole e
mais concretamente da sua sede, a cidade de Lisboa” .

No contrato, estabelecia-se que Juzeph Rodrigues Ramalho devia “fazer hum retabollo e tribuna e
trono para a capella mor da See de Cabo Verde de obra de talha toda revestida na forma que oie se
uza e de madeira de bordão de que elle Juzeph Rodrigues Ramalho fes o risco que se remeteo ao
Ilustrissimo Bispo da dita see e cidade de Cabo Verde e a dita obra comesa do chão do pee do Altar
mor athe o tecto da dita capella mor pelas medidas que elle Antonio Gomes da Costa lhe emtregou
a elle Juzeph Rodrigues Ramalho asinados pello irmão do Ilustrissimo Bispo religiozo de São Bento;
com quatro colunas e quatro nixos e seu banco semalhas e volta e caza da tribuna trono gloria de
anjos sobre o trono” 113.

Esta descrição assemelha-se à do retábulo da igreja de N.ª Sr.ª da Conceição de Beja, que este
entalhador concebeu e executou nove anos antes. Seria semelhante, o da Ribeira Grande?

De acordo com o contrato, o projecto do


retábulo foi previamente às mãos do bispo D.
Frei Vitoriano Portuense, que ainda o pôde
discutir. Por esta altura já a Sé estaria
completamente erigida (faltar-lhe-iam ainda
por muitos anos vários acabamentos
interiores), e contemplaria a caza da tribuna.

Não encontrei nenuma informação que


confirme que o retábulo tenha chegado a
Cabo Verde.

Fig. 36 - Retábulo barroco do altar-mor da igreja


do convento de N.ª Sr.ª da Conceição de Beja, do
mestre entalhador José Rodrigues Ramalho, de
1696

113 Idem, Vol. 2, 2009, p. 403


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Fig. 37 - A tribuna da Sé, ainda com o arco, que tinha inscrita no topo a data de 1696, e parte das paredes
que conformavam a casa da tribuna. Desenho sobre foto FRANCK (finais anos 50)

A cabeceira parcialmente existente corresponde ao espaço necessário para receber a caza da


tribuna, a que se referia o contrato do mestre José Rodrigues Ramalho. Não se trata de um anexo,
ou acrescento posterior, mas de um espaço que é parte integrante da composição barroca da Sé
seiscentista.
São visíveis na figura os dois vãos que lhe davam acesso a partir do presbitério.

Esteve, entretanto, prevista a demolição das duas paredes existentes da casa da tribuna.

Um projecto de valorização das ruínas, entregue às autoridades caboverdianas, previa essa


impensável demolição.

Para além da amputação de estruturas patrimoniais que fazem parte integrante do monumento - e
viria diminuído o alçado sul da capela-mor, e amesquinhada a dimensão da cabeceira - esta atitude
implicaria apagar a história da Sé, a evolução dos conceitos estéticos e a evolução da práctica
litúrgica.

Esta ideia parece não ter sido aceite.

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O corte longitudinal exibido na figura abaixo representa o que terá sido a Sé.

Fig. 38 – Simulação do corte longitudinal da Sé

A concepção barroca do espaço comportava sucessivas elevações do pavimento, num crescendo


ascensional, desde o nível do terreno, subindo para o patamar exterior, e a seguir para os quatro
níveis do interior: nave, cruzeiro, coro, presbitério, culminando no topo do trono, já na casa da
tribuna.

Datam também desta segunda campanha de obras, na nova concepção do espaço litúrgico, não só
as duas capelas laterais, adossadas aos braços do antigo transepto original 114, como o acrescento
das torres na frontaria.

As torres estavam de acordo com um tipo de alçado tradicional em Portugal, e que precisamente S.
Vicente de Fora, em finais do século XVI, pusera de novo em voga.

O enxertar das torres no corpo da igreja que não as contemplava obrigou a alterá-lo. Como não era
possível ampliá-lo, e como as dimensões das bases das torres eram inferiores à dos tramos entre os
pilares, optou-se por alterar a organização do espaço interior: assim, mantendo o mesmo
comprimento total da nave, estabelecido na primeira campanha de obras, onde deveriam ter existido
4 tramos iguais, passaram a existir 5 tramos, sendo por isso os primeiros quatro mais pequenos
para caberem no mesmo espaço.

Se se sobrepuser a planta da ribeira Grande com a de Leiria, imediatamente se percebe como foi
necessário “forçar” a configuração que existia, para receber o programa seiscentista.

114 A datação dos volumes que rodeiam a sacristia levanta dúvidas.


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Em Leria existem 4 tramos iguais no corpo
da igreja; na Ribeira Grande o espaço
quinhentista pré-existente, cuja métrica
corresponde de facto a quatro tramos entre
pilares, teve que comportar cinco.

Como já referido, deve-se isto ao facto das


dimensões da base das torres serem
inferiores às dimensões dos tramos que
fariam parte da lógica conceptual da primeira

Fig. 39 - Sobreposição das plantas das Sés de


Leiria e da Ribeira Grande

A má qualidade construtiva{ TC "A má qualidade construtiva" \f C \l "1" }

A cal era essencial a uma construção de qualidade.


O seu fabrico dependia da existência de calcáreo com as características adequadas, em quantidade
e de fácil extracção.
Quando estas condições não se verificavam, como era o caso de Santiago, ou se empregava cal de
má qualidade ou então tinha de ser importada, o que aliás era práctica corrente.
De facto, era frequente não haver possibilidade de fabricar cal em muitos territórios, o que tornou
habitual o seu transporte sistemático a longas distâncias.
Para as cantarias (as “pedras amarelas”), empregues em cunhais, remates, socos, arcos, molduras,
etc. a pedra era extraída na ilha do Maio.
O mármore servia para elementos ornamentais com particular importância e significado – caso das
lápides tumulares - e provinha de Portugal, já lavrado, pois canteiros/escultores também não os
havia em Santiago para este tipo de trabalho mais sofisticado.

A dificuldade de obtenção de materiais de construção vem bem expressa na carta de 1657 do


governador Pero Ferraz Barreto, a propósito da construção do convento dos franciscanos: “E tem
sosedido couzas miraculozas […] porque não hauendo na terra madeiras, veyo hua carauella do
Mondego que as trouxe, e se lhe comprarão quazi duzentos mil reis dellas, e outra carauela dessa

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cidade se lhe comprarão vinte pipas de cal, e quatro milheiros de telha que por não hauer outra
nesta cidade, e serem nesesarias tantas tem o gouernador mandado hordem pera se fazer na uilla
de Praya, donde tambem se tem feito muito boa, mas o desmancho da terra não faz com que ela
obre assy”.

Todavia, mais decisivo, as dificuldades financeiras não terão permitido dispor dos melhores artífices
- sobretudo de quem dirigiu a obra - o que justifica, por um lado, uma menor qualidade técnica do
projecto (ou uma sua “simplificação”, se recebido de Lisboa) e, por outro, uma muito deficiente
execução da obra.

Estruturalmente, a Sé reunia tão más condições que fatalmente o seu colapso era uma questão de
tempo.

Basta comparar o dimensionamento das paredes: as que vêm do séc. XVI apresentam diversas
espessuras, em função das solicitações estruturais a que teriam que corresponder:

- capela-mor: cerca de 1,35 m;


- transepto: cerca de 1,20 m;
- fachadas das naves laterais: cerca de 1,00 m;
- fachada principal: cerca de 1,50 m.

As paredes executadas no final do séc. XVII têm uma inacreditável espessura média de 0,80 m!!!

A parede da fachada principal arranca com 1,50 m de espessura, até à altura de cerca de 5,00 m (o
ressalto é visível pelo lado interior), quando devem ter parado os trabalhos, em 1571 115. Acima
disso, a espessura passou para perto de um metro!

Fig. 40 - Fachada principal vista do interior (desenho de memória, 1999)

115 A altura da fachada principal não vem assinalada na carta de 1681.


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Cada torre tinha as duas paredes exteriores com cerca de 1.00 m, e as duas interiores com 0.80 m!!!

A falta de conhecimentos técnicos era grande, e grave.

Demasiado grave: verifica-se a ausência de ligação estrutural entre as paredes “novas” e as


“velhas”. Não estavam gateadas umas às outras, isto é, estavam simplesmente encostadas, o que é
tecnicamente impensável!116

Independentemente da falta de manutenção, e do violento regime torrencial das chuvas, uma


construção assim executada dificilmente sobreviveria.

Por outro lado, o facto de todas as paredes existentes ou o que delas resta, à excepção das paredes
quinhentistas referidas em 1681, terem practicamente uma mesma espessura, e o facto de não
haver a devida ligação entre aquelas paredes e as mais antigas, (o que é uma constante e indica um
procedimento generalizado) reforça a ideia de que o que se fez, após a morte do bispo D. Frei
Francisco da Cruz, foi feito de uma vez só.

Se entre a campanha inicial e a de frei Vitoriano tivesse havido mais campanhas de obras, notar-se-
iam dimensões e modos de construir que apresentariam variações, e isso não sucede.

3.ª PARTE{ TC "3.ª PARTE" \f C \l "1" }

A obra de consolidação{ TC "A obra de consolidação" \f C \l "1" }

Fig 41 - A Sé em 1981

116 Na consolidação foram efectuadas pregagens nestes casos.


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Fig 42 - A Sé, como se apresentava antes da consolidação, em 1998. O emblemático “arco” visível ao centro
ruíu com uma chuvada torrencial às 6 horas do dia 16 de Outubro de 1999

Fig 43 – Planta antes das obras; a cinza indicam-se as paredes desaparecidas

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A Sé foi construída em alvenaria ordinária de pedras basálticas, sendo alguns elementos estruturais
e os guarnecimentos executados em cantaria amarelada proveniente da ilha do Maio.
As argamassas de assentamento e de revestimento existentes eram constituídas por cal e areia, e a
sua qualidade era deficiente, sendo muito pobres em cal. A própria cal não era convenientemente
cozida, como atestam as análises efectuadas117.
Acrescia a circunstância de, pela enorme quantidade de sais solúveis nas argamassas e pela
grande permeabilidade à água, se activar com regularidade o ciclo destrutivo de
dissolução/cristalização desses sais, com um efeito fortemente desagregador.

Por outro lado, as pedras utilizadas na alvenaria, por muito arredondadas, não propiciavam nem um
bom encaixe, nem uma boa aderência da argamassa.

A água das chuvas infiltrava-se com facilidade nas paredes desprotegidas, provocando sobrecargas
apreciáveis e a lavagem das argamassas de assentamento, debilitando as alvenarias.

As ruínas apresentavam diminuída resistência estrutural, com algumas situações em perigo de


instabilização e consequente colapso. Só as fundações se encontravam em excelente estado, não
tendo havido assentamentos118.

Foram identificadas 15 situações estruturais críticas, que em conjunto com os presumidos vazios no
interior das paredes, constituíam os casos mais graves.

117 SILVA HERMO, Benita María (1998). Caracterización de los Materiales de Construcción de la Sé de Cidade Velha
(Cabo Verde), Universidade de Santiago de Compostela, Departamento de Edafoloxía e Química Agrícola, Santiago de
Compostela. 1998.
118 A abertura de quatro poços de observação no início dos trabalhos, com a escavação dirigida por arqueólogo,

confirmou que se encontravam em bom estado. No do poço junto à parede sul da capela-mor verificou-se a existência
de vários enterramentos.
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Fig. 44 – Situações estruturais críticas 8, 9 e 11

Os trabalhos de consolidação consisitiram em seis operações principais:

1 - Travamento das paredes existentes, através da elevação de contrafortes, apoiados nas


fundações de paredes entretanto desaparecidas, em alvenaria semelhante à existente (com um
melhor encaixe dos blocos de basalto), com o mesmo tipo de pedra e de escassilhos de travamento,
segundo o mesmo ritmo e a mesma disposição.
2 - Enchimento de lacunas.
3 - Preenchimento dos vazios interiores das paredes, através de injecção a baixa pressão de caldas
à base de cal com elementos com reactividade pozolânica.
4 - Pregagens com varões de aço, após furação a baixa rotação, quer das paredes existentes, quer
das zonas de encontro entre estas e os novos troços de reforço que se ergueram.
5 - Reparação de fracturas.
6 - Reimplantação de cantarias .

Fig. 45 - Injecção de calda

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Fig. 46 - Tubos para injecção

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Fig. 47 - Furação com caroteadora para efectuar pregagem

Fig. 48 – Localização e número de pregagens e sistema de fixação das cantarias da capela-mor

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Fig. 49 – Localização e número de pregagens (Detalhe da planta anterior)

Na obra aplicaram-se técnicas e materiais tradicionais, sem recurso a materiais sintéticos.


As argamassas empregues foram constituídas por cal aérea, pozolana e areia.
A cal, na forma de cal em pasta, foi importada de Portugal.

A areia mais clara, para trabalhos mais finos, veio da ilha do Maio, enquanto a areia britada,
angulosa, adequada a uma boa argamassa para alvenaria ordinária, proveio de uma britadeira
próxima da Cidade Velha.
As areias foram lavadas em tanques com água corrente, para eliminar os sais solúveis, e no caso da
britada, para retirar o pó.

A ilha de Santo Antão forneceu a pozolana119.


Este hoje pouco conhecido material120 – embora com crescente uso, técnica e economicamente
muito interessante, na recuperação de património arquitectónico - é garantia de argamassas e
alvenarias de maior durabilidade e resistência.

119 Sousa Coutinho considera a pozolana de Santo Antão notável pela sua reactividade. COUTINHO, A. de Sousa
(1997). Fabrico e propriedades do Betão, vol. I. Lisboa: LNEC., p. 242.
120 É justa a menção a uma publicação que defende a sua utilização em Cabo Verde: LOPES, Leão (2001). Manual

Básico de Construção, Guia Ilustrado para a Construção de Habitação, Mindelo: Ministério das Infraestruturas e
Habitação.
60 / 70
Fig. 50 - Quadro comparativo entre as pozolanas da Madeira, dos Açores, das Canárias e a de St.º Antão
(estas atingem os valores mais elevados)121

Nas zonas onde se elevaram parte das paredes derruídas, ou houve preenchimento de lacunas com
dimensão que o justificasse, aplicou-se provisoriamente uma barra de cobre, encastrada entre os
elementos antigos e a nova alvenaria. Embora imperceptível de
longe, é visível de perto, de modo a que seja possível distinguir o
que é original do que é reforço.
Na realidade, não se procurou “melhorar” o “aspecto” do
monumento com os acrescentos efectuados.
Sendo imprescindível executar reforços em alvenaria - logo,
acrescentos às ruínas - para travamento das paredes, procurou-se
isso sim que respeitassem o lançamento formal do séc. XVII,
permitindo em simultâneo, mas como consequência e não como
objectivo primeiro, que ao visitante fosse mais perceptível como
tinha sido a Sé.

Fig 50 A Barra de cobre encastrada na alvenaria

121 COUTINHO, A. de Sousa – (1997). Fabrico e propriedades do Betão, vol. I. Lisboa: LNEC. p. 244

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Fig.s 51/52 - O transepto, antes e depois da consolidação

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Fig. 53 – O cruzeiro e a capela-mor, antes da consolidação

Fig. 54– O cruzeiro e a capela-mor, depois da consolidação

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Fig.s 55/56 - O alçado sul da capela-mor, antes e depois da consolidação

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Fig.s 57- O cruzeiro, antes da consolidação

Fig.s 58 - O cruzeiro, depois da consolidação

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Nota{ TC "Nota" \f C \l "1" }

Algumas questões não foram agora abordadas, como a transformação ocorrida nos peitos das
janelas, as alterações das cotas do pavimento, as alterações ocorridas nas torres (ainda no século
XVIII?) para evitar o colapso, o acrescento do cadeiral, o acrescento do altar da capela sul, a
estranha configuração do vão da porta da sacristia, a curiosa tribuna do altar de N.ª Sr.ª da Penha, o
desacerto do desenho dos portais norte e sul, e a visibilidade dos testemunhos das cantarias
intencionalmente desmontadas em tempos idos.

Riscos{ TC "Riscos" \f C \l "1" }

A Sé corre riscos.
Por motivos conjunturais à época, decidi não fazer a 2.ª fase, e sugeri que fosse outro arquitecto a
projectar a 2.ª fase.
O projecto que este apresentou mereceu sérias reservas do IGESPAR e também do IIPC, por
apresentar soluções consideradas não adequadas.

Para além de dúvidas acerca da drenagem das águas pluviais e da confecção das alvenarias, havia
motivos que recomendavam a não aceitação deste projecto, por serem lesivos do valor cultural e
plástico do principal monumento de Cabo Verde, e porque propunha que se construísse sobre a rua
(que é aliás a estrada de atravessamento da povoação) e sobre um cruzamento. O estreitamento
destas vias dificultaria seriamente o trânsito e, grave, aumentava o risco de atropelamentos das
crianças de Stº António que ali passam a caminho da escola na parte baixa da Cidade Velha.

Como exemplo do não entendimento do monumento, propunha a demolição das duas paredes
existentes da Casa da Tribuna. Este espaço, como acima referido, consubstancia a maior alteração
litúrgica imposta no Concílio de Trento, no fervor da contra-reforma, e que obrigava a que o interior
das igrejas fosse unitário, e não dividido em naves, criando-se um altar-mor com tribuna e trono com
grande visibilidade.

Fig.s 59 – Paredes cuja demolição era proposta

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Comentário final{ TC "Comentário final" \f C \l "1" }

A localização e o agenciamento espacial da Sé fizeram dela a principal edificação da cidade da


Ribeira Grande.

É o único monumento que lhe emprestou, embora já no seu ocaso, a dimensão e a expressão
cultural à altura da sua importância histórica, que aliás a inscrição na lista do Património Mundial
bem reconhece.

Mas a Sé passa demasiado despercebida de quem atravessa o aglomerado de carro.

A sua presença na cidade pode e deve ser enfatizada, evidenciando-se do casario e constituindo
uma marca forte na paisagem, como agora não se verifica.

Para que isso suceda, a sua valorização deve ser conduzida nesse sentido, independentemente de
dever ser anulada a prevista demolição da casa da tribuna e o também previsto, e perigoso,
estreitamento da rua que margina a Sé.

É que, ao contrário do que está previsto, a Sé reúne condições para afirmar na Cidade Velha o
primado dos valores culturais sobre os desígnios actuais de construção e de “organização” urbana
que, sendo circunstanciais, até porventura compreensíveis, expressam um desenvolvimento, por via
de uma desadequada pressão urbanística, que está a comprometer esses mesmos valores.

Na realidade, a Cidade Velha, hoje da Ribeira Grande de Santiago, está a ver o seu alto valor
cultural a diminuir.

Poder-se-á ainda ir a tempo de o recuperar?

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Créditos das figuras{ TC "Créditos das figuras" \f C \l "1" }

Os desenhos e fotografias são do autor, com excepção da foto 46, da autoria do Eng.º Bruno
Moreira.

As plantas das sés de Miranda do Douro e de Portalegre baseiam-se em cópias dos originais,
amavelmente fornecidas pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana de Portugal.

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