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Carlos Alberto Máximo Pimenta

Samanta Borges Pereira


(Organizadores)

Turismo e Desenvolvimento
outros caminhos
Copyright © Editora CirKula LTDA, 2017.

1° edição - 2017

Edição e Diagramação: Mauro Meirelles


Projeto Gráfico: CirKula Editora
Capa: Luciana Hoppe
Impressão: Copiart
Tiragem: 300 exemplares.

Todos os direitos reservados a Editora CirKula LTDA.

A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,


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Carlos Alberto Máximo Pimenta
Samanta Borges Pereira
(Organizadores)

Turismo e Desenvolvimento
outros caminhos

Porto Alegre
2017
CONSELHO EDITORIAL

César Alessandro Sagrillo Figueiredo


José Rogério Lopes
Jussara Reis Prá
Luciana Hoppe
Mauro Meirelles

CONSELHO CIENTÍFICO

Alejandro Frigerio (Argentina) - Doutor em Antropologia pela Universi-


dade da Califórnia, Pesquisador do CONICET e Professor da Universidade
Católica Argentina.
André Corten (Canadá) - Doutor em Sciences Politiques et Sociales pela
Universidade de Louvain e Professor de Ciência Política da Universidade
de Quebec em Montreal (UQAM).
André Luiz da Silva (Brasil) - Doutorado em Ciências Sociais pela Ponti-
fícia Universidade Católica de São Paulo e professor do Programa de Pós-
-Graduação em Desenvolvimento Humano da Universidade de Taubaté.
Antonio David Cattani (Brasil) - Doutor pela Universidade de Paris I
- Panthéon-Sorbonne, Pesquisador 1A do CNPq e Professor Titular de
Sociologia da UFRGS.
Arnaud Sales (Canadá) - Doutor d’État pela Universidade de Paris VII
e Professor Titular do Departamento de Sociologia da Universidade de
Montreal.
Cíntia Inês Boll (Brasil) - Doutora em Educação e professora no Depar-
tamento de Estudos Especializados na Faculdade de Educação da UFRGS.
Daniel Gustavo Mocelin (Brasil) - Doutor em Sociologia e Professor
Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Dominique Maingueneau (França) - Doutor em Linguística e Professor
na Universidade de Paris IV Paris-Sorbonne.
Estela Maris Giordani (Brasil) - Doutora em Educação, Professora Asso-
ciada da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e pesquisadora da
Antonio Meneghetti Faculdade (AMF).
Hilario Wynarczyk (Argentina) - Doutor em Sociologia e Professor Ti-
tular da Universidade Nacional de San Martín (UNSAM).
José Rogério Lopes (Brasil) - Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo e Professor Titular II do PPG em
Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Ileizi Luciana Fiorelli Silva (Brasil) - Doutora em Sociologia pela FFL-
CH- USP e professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Leandro Raizer (Brasil) - Doutor em Sociologia e Professor da Faculdade
de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva (Brasil) - Doutor em Sociologia
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Professor do Programa
de Pós-Graduação Interdisciplinar Ciências Humanas da UFFS.
Lygia Costa (Brasil) - Professora da Escola Brasileira de Administração
Pública e de Empresas (EBAPE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) com
Pós-Doutorado pelo IPPUR/UFRJ.
Maria Regina Momesso (Brasil) - Doutora em Letras e Linguística e
Professora da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP).
Marie Jane Soares Carvalho (Brasil) - Doutora em Educação e Professo-
ra Associada da UFRGS.
Mauro Meirelles (Brasil) - Doutor em Antropologia Social (UFRGS).
Silvio Roberto Taffarel (Brasil) - Doutor em Engenharia e professor do
Programa de Pós-Graduação em Avaliação de Impactos Ambientais em Mi-
neração do Unilasalle.
Stefania Capone (França) – Doutora em Etnologia pela Universidade de
Paris X- Nanterre e Professora da Universidade de Paris X-Nanterre.
Thiago Ingrassia Pereira (Brasil) - Doutor em Educação e Professor da
UFFS - Campus Erechim.
Wrana Panizzi (Brasil) - Doutora em Urbanisme et Amenagement pela
Universite de Paris XII (Paris-Val-de-Marne) e em Science Sociale pela
Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) e, também, Professora Titular da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Zilá Bernd (Brasil) - Doutora em Letras e Professora do Mestrado em
Memória Social e Bens Culturais do Unilasalle.
Mas enfatizemos imediatamente o paradoxo. Tudo circu-
la: as músicas, os slogans publicitários, os turistas, os chips da
informática, as filiais industriais e, ao mesmo tempo, tudo parece
petrificar-se, permanecer no lugar, tanto as diferenças se esbatem
entre as coisas, entre os homens e os estados de coisas. No seio de
espaços padronizados tudo se tornou intercambiável, equivalen-
te. Os turistas, por exemplo, fazem viagens quase imóveis, sendo
depositados nos mesmos tipos de cabine de avião, de pullman, de
quartos de hotel e vendo desfilar diante de seus olhos paisagens
que se encontraram cem vezes em suas telas de televisão, ou em
prospectos turísticos. Assim a subjetividade se encontra ameaça-
da de paralisia.
Félix Guattari
In: Caosmose, 1992, p. 169
Sumário
11 Apresentação

15 Patrimônio Cultural, Turismo e Desenvolvimento


Local: Estudo de Caso da Cidade Velha, Ilha de
Santiago, Cabo Verde
José Rogério Lopes, Ângelo Moreira Pereira

47 As comunidades rurais atingidas pela mineração


como agentes do planejamento e desenvolvimento
turístico
Viviane Guimarães Pereira, Samanta Borges Pereira,
Carlos Alberto Máximo Pimenta

77 Análise da atividade turística no município de


São José do Barreiro/SP como fator de
desenvolvimento local
Cláudia Liciely Barbosa e Silva, Edson Trajano Vieira,
Monica Franchi Carniello

107 Proposta de procedimento para elaboração de


roteiro turístico temático: os atrativos dos
“Caminhos do Sul de Minas”
Samanta Borges Pereira, Alexandre Ferreira de Pinho,
Josiane Palma Lima

153 As “Coisas de Minas”: questões sobre


Desenvolvimento e Turismo
Carlos Alberto Máximo Pimenta

181 Sobre os autores


Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Apresentação

A Coletânea “Turismo e Desenvolvimento: outros ca-


minhos” é o resultado de pesquisas realizadas pelo Núcleo de
Estudos Interdisciplinares sobre Desenvolvimento (NEID)1
e suas afinidades com as investigações sobre Desenvolvimen-
to e Turismo produzidas nos Programas de Pós-graduação
em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade (DTecS) da
Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), Planejamento
e Desenvolvimento Regional (MPDR) da Universidade de
Taubaté (UNITAU) e Ciências Sociais da Universidade do
Vale dos Sinos (UNISINOS).
As investigações do NEID, alicerçadas nos projetos
“Indicativos de Desenvolvimento” (2015-2017) e “Obser-
vatório de Cultura” (2016-2018) convergem na busca por
alternativas de geração de renda e superação das desigual-
dades, a partir das estratégias locais de desenvolvimento. O
andamento das pesquisas mostrou que a atividade turística
é presente, ao menos na retórica, enquanto alternativa de
desenvolvimento equânime. No campo prático, o resultado
das reflexões caminha no sentido de trazer subsídios para
que o poder público, juntamente com a população e os agen-
tes culturais e de turismo, oportunize ao turista a experiên-
cia de viver a realidade das pessoas, do tempo social e dos
costumes do lugar.
Este caminho traz, no envolvimento entre turista, cida-
de, turismo, morador, cultura, identidades, memórias, patrimô-
nios, história, um conjunto de identificações e de sentimentos
que possibilitam as condições de superação das padronizações
1 Acesse: http://nucleoneid.wixsite.com/neid/projetos

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Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

impostas pelos modelos econômicos hegemônicos de desen-


volvimento. Supera, também, os processos de competição, de
concorrência e de individualização, implicados.
Esta proposta pode trazer, ainda, a valorização de
experiências coletivas permitindo a constituição de outras
formatações de inserção social e econômica, por meio de
diferentes plataformas organizativas, estas horizontais e so-
lidárias. Ou seja, as escolhas que fortaleçam a coletividade,
a sustentabilidade, a cooperação, a confiança, a segurança,
a memória, a identidade, a cultura são apostas, resultado
do universo dos dados científicos coletados em pesquisa de
campo realizadas nos trabalhos que compõe essa coletânea.
Contando com a colaboração de pesquisadores parcei-
ros, este trabalho se propõe a discutir o Turismo enquanto
possibilidade de Desenvolvimento, pela via do fortalecimento
das identidades locais, da participação ativa da comunidade
local, da preservação da diversidade cultural e ambiental. O
eixo que alicerça a reflexão pauta-se no fomento do Turismo
a partir do diálogo entre poder público, agentes locais e a co-
munidade, estimulando processos endógenos, dinamizando
a economia local, nunca perdendo de vista seu propósito: a
busca pela emancipação e dignidade humana.
As pesquisas aqui colocadas em tela apontam os
contrastes entre a posição do poder público e a visão da
população local, mostrando que as comunidades recepto-
ras não se configuram ou se reconhecem como elementos
fundamentais na discussão das estratégias para o seu de-
senvolvimento, não sendo consultados por outros agentes
sobre suas demandas e preocupações de modo que, apesar
de identificarem a relevância da atividade turística enquan-
to alternativa de preservação socioambiental e desenvolvi-
mento local, a população não se vê beneficiada pelos resul-
tados do desenvolvimento da atividade, como a geração de
ocupações, melhoria na qualidade de vida e/ou melhoria da

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Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

autoestima. Ou ainda, não se colocam como protagonistas


para o desenvolvimento do turismo, que muitas vezes é fei-
to pelo “de fora”.
É consenso, nas análises, que o respeito às singularida-
des inerentes a cada região e a participação da comunidade
enquanto agente de primeira ordem no desenvolvimento da
atividade são condições indispensáveis para que se, esta, con-
figure como um instrumento de divulgação dos elementos
culturais e simbólicos nas bases do Turismo Sustentável.
Nesta linha de raciocínio, os autores trazem, cada qual
a sua perspectiva, o tema do turismo implicado nas concep-
ções de desenvolvimento. Apontam, ainda, que este vínculo
tem a possibilidade de estabelecer as igualdades socioeco-
nômicas e socioculturais, por meio de práticas distributivas,
solidárias e emancipatórias de países, regiões e cidades.
Sobretudo, em seu conjunto as análises aqui apresenta-
das buscam valorizar o patrimônio natural e cultural, mate-
rial e imaterial de lugares como: a) Cabo Verde, na África; b)
Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joa-
quim, na Serra do Espinhaço, em Minas Gerais; c) a Estância
Turística de São José do Barreiro, em São Paulo, como fator
de desenvolvimento local, na região metropolitana do Vale
do Paraíba Paulista e o Sul de Minas; e, d) o Circuito Turísti-
co Caminhos do Sul de Minas na Serra da Mantiqueira.
Neste sentido, tem-se que o conjunto de textos aqui
apresentados se configura num primeiro exercício do NEID
para se pensar, junto com outros programas e núcleos de
pesquisa, a relação entre Cultura e Desenvolvimento.

Itajubá, 14 de julho de 2017.

Os Organizadores

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Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Patrimônio Cultural, Turismo e Desenvolvimento


Local: Estudo de Caso da Cidade Velha, Ilha de
Santiago, Cabo Verde

José Rogério Lopes


Ângelo Moreira Pereira

Introdução

Cabo Verde é uma República insular localizada na


costa ocidental africana, a cerca de 500 km do Senegal, for-
mada por dez ilhas, sendo somente nove delas habitadas1.
As ilhas encontram-se divididas em dois grupos: o de Bar-
lavento (a Norte), composto pelas ilhas de Santo Antão, São
Vicente, Santa Luzia, São Nicolau, Boavista e Sal; e as ilhas
do Sotavento (a Sul), com Santiago, Fogo, Brava e Maio,
além dos ilhéus não habitados.
O desenvolvimento histórico do arquipélago inicia-
-se em 1460, com a chegada de portugueses e a fundação
da localidade denominada de Ribeira Grande (atual Cidade
Velha), na Ilha de Santiago, que se tornaria capital de Cabo
Verde, no século XVI. Trata-se da primeira cidade cons-
truída pelos portugueses ao sul do Atlântico.
O desenvolvimento posterior do país é marcado pelos
ciclos das navegações colonizadoras, sobretudo pelo tráfico
de escravos e o comércio de carvão (RODRIGUES, 2011;
PIRES, 2007), implicando em constantes arranjos políticos

1 “O arquipélago ocupa uma superfície de 4033 km², tendo sido encon-


trado no século XV” (PIRES, 2007, p. 23). Das dez ilhas que compõem o
arquipélago, somente as ilhas do Sal, da Boa Vista e de Maio são planas. As
demais têm uma topografia de montanhas acentuadas, com formações de
escarpas rochosas ou vulcânicas que podem chegar a 2800 metros, como
na ilha do Fogo, com vários vales entre elas.

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Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

e mercantis, devido a sua distância de Portugal e da África


(CORREIA E SILVA, 1996).
Nesses arranjos, segundo Barros (2016), a sociedade
cabo verdiana passou por processos de decomposição e re-
composição, entre os séculos XVII e XVIII, vindo a confi-
gurar-se como uma colônia portuguesa periférica, de mea-
dos do século XIX a meados do XX. O descaso de Portugal
com o país gerou períodos de fome (a chamada Fome dos
anos 1940), desemprego e emigração em massa, e fomentou
lutas pela sua independência (CORREIA E SILVA, 2014).
Após o processo de independência de Cabo Verde,
ocorrido em 1975, o país instituiu gradativamente os dis-
positivos de formação de Estado-Nação e passou a elaborar
e implementar seus planos de desenvolvimento, em conso-
nância com sua situação estratégica. Para além da estrutura
portuária que se produziu no país, atualmente, a República
de Cabo Verde configura-se num país desprovido de recursos
naturais (minérios) e o seu desenvolvimento é dependente de
acordos internacionais que subsidiam os investimentos para
a produção de infraestrutura local, além das remessas dos
emigrantes2 e das divisas geradas pelo turismo.
Neste último caso, o arquipélago tem sido palco de
elevado fluxo turístico, dado seu potencial, se constituindo
esse num dos setores com maior dinâmica de crescimento
econômico, na medida em que contribui para a entrada de
divisas, bem como para dinamizar o mercado de trabalho e
a promoção de intercâmbios culturais. O turismo represen-
2 Em Cabo Verde, essa visão se reforça com a tradicional mobilidade da po-
pulação. Cerca de metade da população é de imigrantes residentes em ou-
tros países, que remetem divisas para as suas famílias. No dia 05/03/2015,
a TCV (Televisão de Cabo Verde) exibiu um programa de entrevista com
um demógrafo e pesquisador local, que expôs que o percentual dessas re-
messas na composição do PIB do país estava em torno de 10%, mas já
representou cerca de 20%. Esses dados foram constatados também pelo
DECRP - Documento de Estratégia de Crescimento e Redução da Pobreza
III (2012-2016) (Apud ORTET, 2015, p. 32).

16
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

ta um dos principais eixos de desenvolvimento econômico


sustentável e com efeitos macroeconômicos importantes,
sobretudo na formação do Produto Interno Bruto (PIB) do
país. Segundo dados de um estudo promovido pela Curado-
ria da Cidade Velha (2014, p. 15),

Com a abertura política, os sucessivos governos as-


sumiram o turismo como principal veículo de desen-
volvimento traduzindo-se numa maior divulgação do
destino, na melhoria das infraestruturas de suporte,
geração de emprego e aumento da contribuição para o
PIB, atualmente em cerca de 24%.

E aqui, defendendo a tese de que as populações locais


se constituem em elemento preponderante para o desen-
volvimento do turismo e agentes inadiáveis na discussão
de estratégias para a definição do seu desenvolvimento e
manutenção. Neste sentido, o presente texto tem como ob-
jetivo debater a agência do turismo como fator do desen-
volvimento de Cabo Verde, centrando o objeto de estudo
na valorização do patrimônio histórico e cultural da Cidade
Velha. Pois, o governo da República de Cabo Verde tem in-
vestido na promoção do turismo, desde a década de 1980,
com o propósito de aproveitar as potencialidades desta ci-
dade como veículo para o desenvolvimento da sua popu-
lação. Nesse contexto, pretende-se analisar o modo como
foram delineadas as etapas para o desenvolvimento das in-
fraestruturas turísticas, tendo a preocupação de conhecer
possíveis impactos na vida dos seus moradores.

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Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Figura 1: Localização do arquipélago de Cabo Verde

Fonte: http://www.africa-turismo.com/mapas/cabo-verde.htm.

O turismo e seu frame contemporâneo: a produção das


singularidades

O turismo dinâmico do mundo globalizado tem sido


um dos principais instigadores de desenvolvimento econô-
mico e desenvolvimento local, em vários pontos do globo.
Na perspectiva de Irving et al (2005, p. 1), que analisam os
significados da sustentabilidade em planos turísticos,

O turismo apresenta a maior atividade global, com


crescimento de 25% nos últimos 10 anos. Cada vez

18
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

mais pessoas têm o desejo de viajar e as estimativas


apontam para 1500 milhões de chegadas internacio-
nais até 2020, mais do que o dobro dos níveis atuais,
com tendência crescente em todas as regiões do mun-
do, com as maiores taxas previstas no denominado
“mundo em desenvolvimento” […] que, em muitos
países, o turismo doméstico ultrapassa em importân-
cia o turismo internacional em volume e receita, o que
acentua ainda o impacto do turismo no cenário global
que, atualmente gera 75 milhões de empregos diretos
e 215 milhões de empregos indiretos, o que se traduz
em US$ 4.218 bilhões de produto global e 12% da ex-
portação internacional.

Este acentuado crescimento da atividade turística tem


caracterizado o tempo atual como aquele de maiores des-
locamentos de pessoas pelo planeta, fato favorecido pelas
transformações aceleradas dos meios de transporte e comu-
nicação, desde a passagem do modo de regulamentação for-
dista para o de acumulação flexível. Segundo Harvey (1992,
p. 140), o modo de regulamentação vigente apoiou-se na
“flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de
trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo”, e se ca-
racterizou por rápidas mudanças nos padrões do desenvol-
vimento desigual entre regiões, criando e incrementando
a terceirização e o desenvolvimento industrial de regiões
antes desprovidas destas atividades.
Este novo modo de regulamentação enfatiza a rapi-
dez na solução de problemas e nas respostas especializa-
das que atendem às mudanças rápidas no consumo (mu-
dança de giro na produção x giro no consumo), gerando
uma “compressão do espaço-tempo” na vida social. Assim,
as maneiras predominantes e simultâneas pelas quais ex-
perimentamos o tempo e o espaço vêm gerando mudanças

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Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

profundas nas práticas culturais, políticas e econômicas,


sejam elas globais ou localizadas, com repercussões nas
atividades turísticas.
E apesar de a história revelar que sempre houve di-
versas formas de mobilidade humana, importa reconhecer
que, em tempos e contextos distintos, essas formas de mo-
bilidade produziram “camadas de experiências e de práticas,
acumuladas na história das caminhadas dos seres humanos
[gerando] uma multiplicidade de linhas que se entrelaçam
nesse evento, conferindo-lhe densidade e textura” (STEIL
e TONIOL, 2016, p. 19).
Assim, a crescente e diversificada mobilidade contem-
porânea das pessoas em busca de lugares aprazíveis para
descanso e diversão, para conhecimento e autoconhecimen-
to, e mesmo trabalho, está longe daqueles deslocamentos
turísticos iniciais em busca de idealizações idílicas ou utó-
picas, como descritos por Elias (2005). A partir dessas re-
ferências, supomos aqui que se torna necessário, na análise
das formas sociais de mobilidade do turismo contemporâ-
neo, a passagem de um frame antropológico do movimento,
centrado nos deslocamentos humanos aos lugares, para um
frame dos deslocamentos analíticos sobre os movimentos
humanos (como experiência contemporânea) nas paisagens
habitadas pelos turistas.
Nascido do mundo moderno, o turismo originou-se
na dinâmica da organização do sistema laboral, onde as
elevadas permanências em locais de trabalho traziam des-
confortos para os trabalhadores, que não encontravam mo-
mentos e tempos livres para descansar e se divertir, algo
que ganhou maior ênfase com a conquista dos direitos tra-
balhistas e com o advento dos meios de transporte e co-
municação, permitindo assim, maior mobilidade e expansão
da cultura de massa (MAGALHÃES, 2008). Desde então, a
mobilidade no turismo tem se expandido em todo o mundo,

20
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

em busca de lugares e situações que satisfaçam o olhar dos


turistas, cada vez mais exigentes (URRY, 1996).
Tendo o lazer e o consumo como mediações predo-
minantes, esta agência do turismo tem gerado grandes res-
ponsabilidades por parte dos países receptores na garantia
da sua sustentabilidade, na criação de condições hospita-
leiras para os visitantes e na participação das comunidades
locais nesta dinâmica, constituindo sinergias entre a comu-
nidade local, por um lado, conhecedora da sua realidade e
principal gerenciadora da paisagem turística e, por outro,
os gestores públicos, no desenho de políticas capazes de re-
fletir no melhoramento da qualidade de vida das populações
e na garantia da autenticidade dos lugares, principal marca
do turismo cultural (GRABURN, 2008; YÁZIGI, 2001).
Analisando o turismo e os turistas no mundo moder-
no, Fortuna e Ferreira (1996) contribuem com essa com-
preensão, ao debaterem o lugar das imagens, do estético
e do visual na compreensão do turismo nos dias de hoje,
trazendo desafios para a salvaguarda da “autenticidade dos
lugares”. Para os autores,

[...] o domínio da imagem e do visual no contexto da


cultura moderna corresponde a uma forma particular
de representar o espaço e o tempo. Ao reduzir o mun-
do à sua representação visual, a modernidade implica
a contínua espetacularização da sociedade, da cultura,
da natureza e da própria história (FORTUNA e FER-
REIRA, 1996, p. 6).

Seguindo essa elaboração, poderíamos afirmar que os


diferentes destinos turísticos não se distinguem somente pe-
los serviços e estruturas de lazer que proporcionam, senão,
que o fazem pela diferenciação que projetam de uma paisagem
turística, como um lugar singular a ser habitado. E como as

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Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

definições clássicas de lugar sempre foram insuficientes para


o entendimento e para o planejamento nas escalas do coti-
diano e do turismo, Yázigi (2001) elaborou uma revisão do
conceito, em sua relação com a concepção de identidade, de
forma a firmar a produção da “singularidade dos lugares”,
como preservação, e partir da contribuição da fisionomia
geográfica local para a construção de uma personalidade:

Reconheço o lugar como uma arrumação que produz


o singular, mas estimo que de modo algum se poderá
entendê-lo ou trabalhá-lo sem a consideração da exten-
são de seus sistemas. Ele tem uma personalidade sim,
mas não é sujeito. [...] [E, neste sentido] a questão
estaria em se buscar manter os traços ditos naturais, o
mais próximo possível de suas formas originais, numa
perspectiva bastante preservacionista, de forma que
uma montanha sempre fosse percebida como tal, assim
como a forma de um rio, a fauna ou até o clima – mesmo
sabendo que suas configurações e significações mudam.
Trata-se de resistir (YÁZIGI, 2001, p. 38 e 40).

Assim, para além de mero dispositivo a ser consumido


pela indústria do turismo, a singularização dos lugares se pro-
duz pelos agenciamentos3 dos atores envolvidos nessa arruma-
ção, incluindo os turistas. E essa arrumação também singulari-
za espaços construídos das cidades turísticas, segundo Fortuna
e Ferreira (1996, p. 7-8): “é na minúcia do exemplar histórico e
monumental da cidade, nas suas ruínas e edifícios decadentes,
3 A noção de agenciamento segue a concepção esboçada por Yúdice (2006):
trata-se de identificar atores que agenciam recursos identitários recupera-
dos de uma “reserva disponível” nas trajetórias comuns de suas forma-
ções culturais, em diálogo com modelos culturais (estatais ou de mercado)
predominantes na sociedade globalizada. Esse predomínio se expressa na
configuração de um campo de forças performativas a condicionar a ação
dos atores que, por vezes, imprimem uma dinâmica de operar agenciamen-
tos nos intervalos daqueles modelos.

22
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

na exemplaridade histórico-temporal da sua arquitetura, que


se vislumbram hoje os traços da sua singularidade”.
Com isso, os monumentos históricos e patrimoniais
das cidades, sejam eles expostos como sítios preservados de
edificações, sejam expressos em ruínas e vestígios deixados
pelo passado, constituem importantes investimentos a serem
feitos para atrair grandes fluxos de turistas interessados nos
produtos singulares dos lugares e, por sua vez, estes luga-
res precisam de avultados investimentos em um espírito de
sinergia entre as comunidades locais, os governos e os mer-
cados turísticos, com vista a garantir o seu potencial e con-
tribuir para a sua crescente procura turística, preservando as
potencialidades locais e agenciando o desenvolvimento das
populações. Nesse sentido, o planejamento turístico em Cabo
Verde está atualizado com o frame contemporâneo:

O diferencial de cada destino reside na sua capacidade


de oferecer produtos singulares capazes de satisfazer
os diferentes segmentos da procura. Neste particular,
Cabo Verde não é exceção, posicionando-se com o seu
clima, as praias, a história, a cultura e a “morabeza” das
suas gentes, como fatores diferenciadores (CURADO-
RIA DA CIDADE VELHA, 2014, p. 8).

Porém, a mobilidade turística que visa o aproveita-


mento das potencialidades culturais tem sido também com-
preendida por diferentes pesquisadores como uma instância
marcada pelo jogo político e por um tipo de consumo pauta-
do pelo espetáculo, onde poucos ganham, tornando a cultura
um recurso mercantilizado, com a finalidade de satisfazer os
fins econômicos do turismo e onde as populações locais não
participam dessa dinâmica, constituindo assim momentos
privilegiados para a não garantia da sua sustentabilidade e
desenvolvimento. Segundo Figueiredo (2005, p. 46):

23
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Nas sociedades contemporâneas a atividade turística


aparece como um novo elemento que se insere na di-
nâmica cultural e por conseguinte vai influenciar na
produção discursiva e na utilização deste patrimônio.
Tendo as peculiaridades locais (a diferença) como atra-
tivos turísticos, esta atividade abre a possibilidade do
desenvolvimento da alteridade e da sustentabilidade
da comunidade envolvida como também para a mer-
cantilização do patrimônio, de tal forma que este se
torne basicamente um local para o consumo turístico,
desterritorializado, a ser explorado por poucos.

Ora, para que haja a sustentabilidade turística e um


maior aproveitamento das potencialidades culturais, conside-
ra-se de crucial relevância que se desenvolvam políticas em
longo prazo que venham a envolver as populações na conser-
vação das potencialidades locais, fazendo com que essa parti-
cipação sirva para o seu bem-estar e afirmação.
Isso significa, para a população, prevenir distorções nas
representações sobre os elementos patrimoniais e garantir
que os benefícios provenientes da atividade sejam experi-
mentados por um maior número de pessoas (FIGUEIREDO,
2005). Neste caso, convém analisar um pouco os impactos do
turismo na Cidade Velha e na vida da comunidade local.

As agências do turismo sobre o patrimônio


da Cidade Velha

A Cidade Velha é uma localidade beira-mar que se situa


no município de Ribeira Grande de Santiago, 15 km a oeste
da cidade de Praia, atual capital de Cabo Verde. Segundo o
Censo cabo verdiano de 2010, possuía 1.214 habitantes. Po-
rém, quando somados os habitantes das 19 localidades que

24
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

integram o município, o número total de habitantes chega a


8.315 (CURADORIA DA CIDADE VELHA, 2014, p. 21).
O sítio patrimonial da cidade (Zona Protegida) abri-
ga edificações da primeira capital da Ilha de Santiago e de
Cabo Verde (Cidade de Ribeira Grande), datadas do sécu-
lo XV ao XVIII, e está cercada por duas localidades que
constituem a Zona Tampão do seu processo de patrimo-
nialização: Salineiro e Calabaceira.
A praça central ainda exibe o Pelourinho do período
da escravidão e, pelas suas ruas centrais (Rua de Banana
e Rua Carrera) e secundárias, casas edificadas com pedras
centenárias permitem reconhecer o estilo arquitetônico
original de sua fundação e outros estilos edificados em sua
história. Como descrito por Pires (2007), trata-se de uma
cidade que acumula cinco séculos de territórios sobrepos-
tos, em um arranjo híbrido de concepções urbanísticas4.
A Fortaleza Real de São Felipe, no monte que costeia a
cidade, e as ruínas da Igreja da Sé e do Palácio Episcopal,
em um monte lateral à baía da Praça, são referências cen-
trais, assim como a Igreja de N. Sra. do Rosário, algumas

4 Essa afirmação refere-se aos impactos das recentes expansões urbanas


na paisagem da cidade, uma vez que a Cidade Velha passou por planos
de ordenamento urbano, em seu desenvolvimento, como mostrou Pires
(2007). Esses planos se estruturaram, desde a passagem do século XV
para o XVI, no programa de reordenamento e modernização da cidade de
Lisboa, com o progressivo abandono do estilo manuelino e a aplicação de
princípios urbanísticos racionais que encontram suporte nos elementos
espaciais e tipológicos. Seguindo esses princípios racionais, segundo Pires
(2007, p. 47): “Os efeitos de ordem, ritmo e medida são alcançados através
do alinhamento de fachadas, repetição de vãos contínuos e outros elemen-
tos construtivos. Nota-se a passagem do tipo de pensamento bidimensio-
nal para o tridimensional em que é acentuada a proporcionalidade entre a
frente, a profundidade do lote e a altura do objeto”. Ainda segundo Pires
(2007, p. 47), esses princípios racionais produziram normas e posturas ur-
banísticas que os portugueses utilizaram nos “territórios do Atlântico ao
Índico, onde, evidentemente, na prática, esses princípios serão objeto de
adaptações para cada caso gerando, assim, a originalidade e a flexibilidade,
características do modo português de fazer cidades”.

25
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

ruas adentro do sítio original, no bairro São Pedro, ou as


ruínas da Casa de Misericórdia, antigo hospital localizado
na Rua Direita.

Figura 2: Rua de Banana, com edificações de sua fundação.

Fonte: Arquivo dos autores, 2015.

O sítio patrimonial da Cidade Velha está passando por


revisões e foi implantado, em 14/03/2015, um projeto que
visa garantir sustentabilidade econômica ao mesmo, mas
que acirrou um ambiente de debates entre a Câmara Muni-
cipal do Concelho de Praia, o IPC – Instituto do Patrimônio
Cultural, o Ministério da Cultura e a população local.
A pequena localidade é extremamente acolhedora e
contêm registros de personagens e atividades econômicas
que marcaram os ciclos históricos do país e da cidade, como
os navegadores Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e
Cristóvão Colombo, o jesuíta Antônio Vieira, o cientista
Charles Darwin, além de piratas famosos que pilharam a
cidade, entre os séculos XVI e XVII.

26
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Figura 3: Vista da praia de Cidade Velha, com ruínas ao fundo.

Fonte: Arquivo dos autores, 2015.

Figura 4: Fortaleza Real de São Felipe

Fonte: Arquivo dos autores, 2015.

27
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Figura 5: Ruínas da Catedral da Sé

Fonte: Arquivo dos autores, 2015.

Figura 6: Igreja de N. Sra. do Rosário

Fonte: Arquivo dos autores, 2015.

28
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Pelo seu porto passaram caravelas transportando es-


cravos da África para outras partes do mundo, designada-
mente Europa e continente americano, transformando-se
num importante palco de troca e comercialização de es-
cravos (CORREIA E SILVA, 2014; PIRES, 2007). Os es-
cravos passavam por Cabo Verde através de um processo
de ladinização e, posteriormente, eram transportados para
os seus destinos. Essa transitoriedade, porém, foi suficien-
te para promover relações inter-raciais que constituíram a
primeira sociedade crioula. Daí a Cidade Velha se revestir
de grande importância histórica para a humanidade.
O desenvolvimento singular da então Ribeira Grande
de Santiago foi caracterizado pela sua localização geoestra-
tégica, dos séculos XV ao XVII, tornando-se um impor-
tante entreposto no comércio internacional. Todavia, esse
desenvolvimento conhece uma franca decadência, no século
XVIII, devido ao surgimento de outras potências maríti-
mas, como França, Inglaterra e Holanda, e aos sucessivos
ataques de piratas e corsários:

Os alvos visados pelos piratas eram inicialmen-


te os navios acostados nos portos, para depois
passarem a perpetrar ataques às vilas pilhando
tudo e criando terror entre os seus habitantes.
Esses ataques eram praticados em todas as ilhas
habitadas do arquipélago, o que provocava uma
sensação generalizada de insegurança em toda a
área (PIRES, 2007, p. 62).

A insegurança dos ataques, entre a população, era


acrescida pela percepção de que a Baía da Ribeira Grande
não proporcionava condições satisfatórias para defesa da ci-
dade. Assim, buscando uma baía mais segura, em finais de
1769 “a sede do Bispado e o governo é transferida para a

29
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Vila de Praia, que assume a categoria de cidade em 1858”


(CURADORIA DA CIDADE VELHA, 2014, p. 18). Essa
mudança marca a derrocada da Ribeira Grande, que se tor-
na a Cidade Velha.
Durante o restante de seu período colonial, a cidade
mantém-se no ostracismo. Após a independência de Cabo Ver-
de, os governos nacionais começam a elaborar seus planos de
desenvolvimento, incluindo o potencial turístico do arquipéla-
go como opção estratégica de atração de investimentos. Assim,
em 1980, uma missão da UNESCO visita o país para auxi-
liar a inventariar o patrimônio cultural local e inclui a Cidade
Velha como um referente central desse estudo. O processo de
patrimonialização cultural que envolveu esse sítio, assim como
outros de Cabo Verde, iniciou com um levantamento realizado
por Lopes Filho (1981), visando otimizar esses patrimônios
para o desenvolvimento da indústria do turismo no país5.
O reconhecimento do potencial turístico da Cidade
a reinscreve progressivamente na agenda política do país.
Após os primeiros estudos e investimentos aplicados na
restauração de seu sítio histórico, a localidade é classificada
como Patrimônio Nacional (Decreto nº 119/1990, de 08 de
dezembro) e se torna objeto de uma cooperação internacio-
nal entre Cabo Verde, Espanha e Portugal, para a recupera-
ção e o restauro de suas edificações históricas e a preserva-
ção de seu entorno natural, como o Vale da Ribeira Grande
de Santiago, propício para turismo de natureza.
Na sequência dessa reinserção, a cidade volta a inte-
grar uma outorga municipal, o Município da Ribeira Gran-
de de Santiago (Decreto-Lei nº 63/VI/2005, de 09 de maio)
conjuntamente com a reconstituição do seu Concelho Mu-
5 Desde o estudo de Lopes Filho, a Cidade Velha tornou-se um labora-
tório para implementação das políticas de turismo cultural no país. Daí a
correlação que se busca estabelecer entre o caso estudado e os dados do
turismo em Cabo Verde, em alguns momentos do texto, sem a pretensão
de generalizar a análise.

30
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

nicipal6 e, em 2006, através de um contrato de concessão


com o Estado de Cabo Verde, a empresa espanhola Proim-
-Tur assume a administração do sítio patrimonial da Cida-
de, encarregada da manutenção e do desenvolvimento do
turismo cultural nesta localidade.
O conjunto dos agenciamentos que se inscrevem na
trajetória posterior da Cidade Velha culmina na elaboração
de um dossiê de candidatura da mesma a Patrimônio da Hu-
manidade, reconhecimento que é atribuído pela UNESCO,
em junho de 2009. No mesmo ano do reconhecimento, o
governo do país lança seu “Plano estratégico do desenvolvi-
mento turístico de Cabo Verde”, elaborado pelo Ministério
do Turismo, Indústria e Energia. Neste Plano, o governo
do país elaborou um programa que “pretende transformar
a cultura num recurso estratégico dando especial atenção a
valorização do patrimônio cultural e de uma rede de lugares
de memória, tendo como centro a Cidade Velha” (CURA-
DORIA DA CIDADE VELHA, 2014, p. 20). Assim, a Ci-
dade torna-se o núcleo de um conjunto de outros lugares
atrativos do país, conectados por ligações históricas e obje-
tivando alavancar o turismo cultural.
Ocorre que, nesse processo para elevação da Cidade
Velha à categoria de patrimônio histórico da humanidade,
segundo Santo (2008), vários foram os olhares e políti-
cas em torno da construção das infraestruturas turísticas
e a sua divulgação pelo mundo, tornando-a um produ-
to mercantilizado, onde os fins patrimoniais, turísticos e
identitários se tornaram alvos de sucessivas apropriações,
consoante interesses específicos que, ao fim e ao cabo, va-
lorizam esse patrimônio espectacularizando-o, em busca de
resultados econômicos.

6 O Concelho Municipal é a instância geopolítica de governo local, em


Cabo Verde, que pode incluir mais de uma cidade. Já as cidades são admi-
nistradas pelas Câmaras Municipais.

31
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Essa concepção é reproduzida, parcialmente, no estu-


do que a Curadoria da Cidade Velha promoveu, sobre os im-
pactos do turismo na cidade, entre os anos de 2009 e 2013.
O estudo promoveu uma ampla consulta entre morado-
res do sítio histórico da cidade, moradores da Zona Tampão,
operadores locais de turismo e representantes institucionais,
que avaliam positivamente o potencial da Cidade Velha para
a promoção do turismo, destacando “a valorização e preser-
vação do patrimônio cultural”, “a melhoria da imagem do
destino Cidade Velha”, “a melhoria das infraestruturas de su-
porte turístico” e “a melhoria da acessibilidade” (CURADO-
RIA DA CIDADE VELHA, p. 60, 64, 67. 69).
Por outro lado, o mesmo estudo destacou, entre os con-
sultados, que esse potencial “não aumentou as oportunidades
de emprego para os jovens”, “não tem atraído mais investi-
mentos ao local”, “não melhorou a qualidade de vida e a au-
toestima da população”, “não aumentou a renda das famílias”
e “não incentivou o empreendedorismo cultural” (CURA-
DORIA DA CIDADE VELHA, p. 60, 64, 67. 69).
O desnível dos resultados apresentados pelo estudo
dos impactos do turismo na cidade é interpretado, no do-
cumento, por um descompasso entre a realidade socioeco-
nômica dos moradores da cidade e o incremento dos inves-
timentos nas infraestruturas turísticas. Segundo o estudo,

30% do total dos residentes tem menos de 15 anos, con-


trariando a regra nos centros e sítios históricos onde
a população é majoritariamente idosa. [...] o nível de
escolaridade ainda é muito baixo [...] Os agregados
familiares são numerosos [...] O município da Ribeira
Grande encontra-se ente os mais pobres do país. Cida-
de Velha não foge a regra do município, embora pró-
ximo da capital do país [...]. As atividades do sector
primário como: pesca, agricultura, silvicultura e pasto-

32
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

rícia são o principal meio de subsistência das famílias


[...] o nível de rendimento é muito baixo (CURADO-
RIA DA CIDADE VELHA, 2014, p. 21-22).

Frente a esta realidade e considerando os investimen-


tos nas infraestruturas turísticas, o estudo conclui:

[...] o turismo não fomenta o desenvolvimento local,


quando o destino apresenta inúmeras debilidades so-
cioeconómicas, como é o caso da Cidade Velha. [...] esta
enfrenta inúmeras fragilidades, nomeadamente a nível
urbanístico e saneamento, que condicionam o nível de
vida dos residentes, interferindo de certo modo, na apre-
ciação que fazem do sector igualmente no contributo
deste no processo de desenvolvimento (CURADORIA
DA CIDADE VELHA, 2014, p. 71).

Assim, o documento sugere que as condições precá-


rias da população local inibem o desenvolvimento de ca-
pacidades e habilidades dos moradores para sua inserção
no novo modelo de desenvolvimento implantado pelo avan-
ço dos investimentos turísticos. Ocorre que outros fatores
descritos no estudo foram desconsiderados nessa avaliação
dos impactos do turismo na Cidade. Sobretudo, queremos
ressaltar aqui dois deles, que são interligados: os investi-
mentos estrangeiros nas infraestruturas turísticas locais e
a baixa participação da comunidade local nos processos de
patrimonialização e de planejamento turístico.
O primeiro fator produz impactos diretos na adminis-
tração das atividades turísticas, uma vez que os investimen-
tos são orientados por interesses mercantis. Assim, o estu-
do promovido pela Curadoria da Cidade Velha relata que,
depois que a empresa espanhola passou a administrar as
atividades patrimoniais e turísticas locais (2009), “as esta-

33
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

tísticas dos principais estabelecimentos de alojamentos de-


monstram que até 2011, quase metade dos hóspedes foram
nacionais. [...] A partir de 2012 registra-se uma inversão
desta tendência. Os portugueses passaram a representar a
maior percentagem de hóspedes” (CURADORIA DA CI-
DADE VELHA, p. 34). Segundo o estudo, a percentagem
de nacionais que se hospedavam na Cidade caiu, em 2012
e 2013, para 27% e 13,6%, respectivamente, enquanto su-
biram os percentuais de estrangeiros proporcionalmente7.
Nesta busca dos turistas estrangeiros à Cidade Velha,
verificamos que poucos atores locais participam dessa di-
nâmica. Por um lado, os turistas nacionais reduziram seu
tempo de visita à cidade e são poucos os agentes locais ca-
pacitados ou que recebem incentivos para se inserir nas ati-
vidades turísticas. Segundo Cardoso (2012, p. 17),

Os nacionais procuram a Cidade Velha durante o fim-


-de-semana e aproveitam a visita para procurar servi-
ços de restauração e para visitar os monumentos. Por
sua vez, os visitantes internacionais, na maioria, che-
gam sem guias turísticos para visitar os monumentos
e, poucas vezes, procuram os serviços de restauração
e de alojamento. Dada a falta de informação compram
“souvenirs” que nada tem que ver com Cabo Verde, aos
comerciantes dos países da costa ocidental africana.

Por outro lado, os investimentos estrangeiros acabam


incorporando operadores e agentes turísticos de fora da co-
munidade, e do país, com a justificativa de haver ausência de
7 Quando comparados esses dados aos nacionais, vê-se que o fluxo turísti-
co na Cidade Velha segue uma tendência. Assim, utilizando dados de 2010
do Instituto Nacional de Estatística - INE de Cabo Verde, sobre o fluxo de
turistas no país, Cardoso (2012a, p. 15) afirma que “O principal mercado
emissor continua a ser o Reino Unido responsável por 26,1% dos turistas,
seguido da Alemanha, Portugal e Itália com 15,8%, 12,8% e 11,9% das
dormidas, respetivamente”.

34
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

capacidades entre os moradores locais. Esse fato é critica-


do pelos moradores, segundo entrevistas que realizamos na
Cidade, em abril de 20158:

Aqui não temos nenhum guia turístico que é da comuni-


dade, salvo um senhor da comunidade que dá algumas in-
formações aos turistas, mas ele agora trabalha na Câma-
ra. Eu acho que isso é mal porque deveríamos ter guias
turísticos da comunidade preparados para este efeito e,
com tudo isso, o que mais me atormenta é poder ver um
guia turístico que não é daqui a dar informações erradas
da Cidade Velha aos turistas, e é lamentável quando de-
paramos com turistas que vêm nos perguntar onde fica
situado a Igreja São Francisco e nós acompanhamos os
guias para poder apresentar aos turistas (Homem, 33
anos, comerciante, morador da Rua de Banana).

Assim orientado, o desenvolvimento turístico da Cidade


Velha cresce, gradativamente, produzindo uma paisagem habi-
tada de maneira precária pela população local, mas atravessada
por fluxos de investimentos internacionais orientados para tu-
ristas estrangeiros. Esse descompasso dificulta a inserção dos
moradores locais na dinâmica do desenvolvimento, mas isso
não se constitui o único fator da baixa participação da comuni-
dade nos processos implementados nesse contexto.
Segundo relatos de moradores locais, a devida parti-
cipação das pessoas da localidade na dinâmica turística fica
muito comprometida na medida em que os gestores locais
8 Durante os meses de março e abril de 2015, os autores realizaram três
incursões etnográficas na Cidade Velha, para observar a dinâmica da vida
cotidiana da população e suas interações com turistas, e 10 entrevistas
com moradores das ruas centrais da Zona Protegida. As entrevistas foram
realizadas em Crioulo e traduzidas ao português. Esses dados compuse-
ram um projeto de investigação em parceria com pesquisadores da UniCV
– Universidade de Cabo Verde, no quadro do Edital CAPES/AULP de
Mobilidade Internacional-2013.

35
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

os veem apenas como cuidadores dos edifícios, e não como


principais geradores de atividades que venham a melhorar
a sua qualidade de vida.

Eu tive 8 anos a trabalhar com a cooperação espanhola


na construção das pousadas e quando o trabalho che-
gou ao fim eles juntaram com os sindicatos e nos deram
20.000 escudos de indenização. Nós reclamamos, mas
não temos aonde ir porque os mais poderosos “grandes”
reuniram, como é que conseguimos fazer alguma coisa?

Eu vejo o turismo como uma coisa boa, mas nós não


ganhamos nada com isso. Aqui não há formação de
pessoas que falam línguas estrangeiras. Nunca deram
alguma formação de línguas. Num lugar que se diz pa-
trimónio e centro do turismo, mas não há formação de
línguas e ficamos sem compreender nada de que os tu-
ristas estão falando, daí tudo fica difícil (Homem, agri-
cultor, 38 anos, morador da Zona Protegida).

Eles não falam com as pessoas quando querem fazer


alguma coisa. Eles reúnem entre eles e fazem as re-
uniões. Há dias fizeram uma festa sobre a questão do
património e trouxeram alguma atividade com muitas
coisas de loucura sobre cultura e património. Muitas
pessoas não aderem porque não é a nossa atividade,
a nossa atividade é outra e aquilo que fizeram é deles.
Se trata da cultura, mas não aceitamos que venhas nos
mostrar uma coisa que não vives. O IPC poderia nos
dar uma formação em línguas estrangeira, por exem-
plo, podes ir à Ilha do Sal e muitas pessoas falam in-
glês, até mesmo crianças. Eu não digo que não há, mas
eu não conheço guias turísticos que são daqui (Jovem,
25 anos, desempregado, morador da Rua Carrera).

36
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Sobre o projecto que criaram na Cidade sobre a inclu-


são cultural eu vi na televisão, mas não há nenhuma
socialização com a comunidade e às vezes eu vejo car-
ros entrando por aqui e as pessoas dizem que se trata
de reuniões no convento, mas não sei do assunto que
estão tratando e eles nunca nos convidam porque são
reuniões apenas para “gentes finas” (Jovem, 24 anos,
estudante desempregada, moradora da Rua Carrera).

Outra questão em debate, desde 2009, que restringe


a participação da comunidade na Cidade Velha, diz respeito
aos requisitos para salvaguardar suas edificações e singu-
laridades patrimoniais, outorgadas pelo Regulamento Or-
gânico da Câmara Municipal da Ribeira Grande. Segundo
Cardoso (2012a, p. 7), o embate se assenta na definição de
dois procedimentos:

- Qualquer trabalho ou obra que tiver por objeto mo-


dificar o estado dos imóveis está sujeito a autorização
nas condições e formas previstas na respetiva licença
de construção. Essa autorização só pode ser concedida
se os trabalhos ou obras se conformarem e estiverem
em consonância com o plano de salvaguarda e de valo-
rização de Cidade Velha.

- Os pedidos de autorização para a realização de traba-


lhos ou obras, tendo por objeto a modificação do estado
dos imóveis situados em zonas protegidas abrangidas
pelo plano de salvaguarda e valorização, são dirigidos
aos órgãos municipais competentes do local do imóvel,
que os comunicará obrigatoriamente aos serviços cen-
trais do património cultural – o Instituto Nacional do
Património Cultural de Cabo Verde.

37
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Frente a tais normativas e procedimentos, as reações


da comunidade local são relacionadas

Há muitas pessoas que já abandonaram os seus terrenos


e casas quase prontas porque são constantemente blo-
queados quando tentam fazer algum trabalho (Jovem,
25 anos, desempregado, morador da Rua Carrera).

Desde que nasci, vivi na Cidade Velha, nesta casa na


Rua da Banana. Eu não tive problemas na constru-
ção da minha casa porque basta seguir os seus pa-
râmetros (da Câmara e do IPC), eles não têm nada
de impedir. Como a minha casa é de palha, eu recebi
o apoio da Curadoria com a cobertura. Eles apoiam,
mas sem muitas condições, se querem que moramos
em casa de palha eles têm de nos dar condições a nível
interno (Mulher, 45 anos, reconstruiu casa que sofreu
incêndio na Rua de Banana).

Agora nós somos obrigados a colocar telhas na nossa


casa e às vezes não nos dão condições para tal. Nós não
estamos num mundo onde podemos construir casas
com essas exigências, porque as pessoas podem atirar
pedras e quebrar as telhas e se de facto estão exigindo
isso eles precisam criar condições e distribuírem telhas
para que os jovens possam seguir essas exigências, as
ajudas neste sentido são mínimas (Homem, agricultor,
33 anos, morador da Rua Carrera).

Assim, as dificuldades geradas pelas condições pre-


cárias da população têm causado perenes inquietações e
desconfortos. Fazendo uma análise dos confrontos entre a
população e os gestores locais na salvaguarda das suas au-
tenticidades, Cardoso (2012, p. 29) destaca que

38
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Lamentavelmente é notável o abandono das casas na


Rua Banana devido aos requisitos aplicados aos re-
sidentes pelo IPC e pela CMRGS. Essas exigências
podem beneficiar os visitantes, uma vês que poderão
visualizar as casas com os traços tradicionais, contudo,
quem lá vive sofre diariamente. Assim, é urgente uma
visão pragmática da realidade que se vive em Cidade
Velha e dar maior atenção ao que foi acordado com a
UNESCO, nomeadamente melhorar a qualidade de
vida das populações, promover um desenvolvimento
económico sustentável, promover o património histó-
rico e cultural, encorajar a implicação dos habitantes e
da democracia participativa, administração local eficaz
e transparente e finalmente, promover a rentabilidade
e o desenvolvimento sustentável do meio ambiente.

Dessa forma, os arranjos de singularidades e dife-


renciações que os agenciamentos turísticos produzem na
Cidade Velha fazem oscilar as representações de auten-
ticidade e identidade locais. As concepções locais de au-
tenticidade, partilhadas entre atores do poder público, da
população e turistas, assentam-se em registros materiais
e imateriais da antiguidade ou fundação da cidade (sua
origem e preservação), enquanto as concepções de iden-
tidade são amplamente reconhecidas pela população como
registros derivados de suas ações, tradicionais ou não, pela
imersão na rede de relações que se forma em torno do pa-
trimônio, na experiência cotidiana com os cuidados de sua
sobrevivência (sua manutenção ou privação).

39
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Considerações finais

O turismo, como se tem debatido atualmente, exige


por um lado, um conjunto de condições em vários níveis
para o bem-estar e acolhimento dos turistas, e por outro,
tem suscitado perenes inquietações e debates em torno da
sua sustentabilidade e do envolvimento das comunidades
no seu desenvolvimento e na valorização das potencialida-
des locais. Nesse sentido, considera-se que

[...] a efetiva participação das comunidades locais no


processo de planejamento e gestão da atividade turís-
tica parece, portanto, essencial, pois a população local é
conhecedora e vivencia a sua realidade imediata, sendo
capaz de identificar problemas e necessidades, avaliar
alternativas, desenvolver estratégias para proteção e/
ou valorização do patrimônio natural e cultural e bus-
car soluções para os problemas identificados, sugerin-
do caminhos que levem à melhoria da qualidade de
vida, ao fortalecimento da cultura local e ao bem-estar
social (IRVING et al, 2005, p. 51).

No caso da Cidade Velha, buscamos evidenciar que a


singularidade ali construída é orientada para o turismo in-
ternacional e que essa orientação inclui a comunidade local
na paisagem, mas não nos processos que a singularizam. Os
fatores que consideramos aqui buscam evidenciar que a pro-
dução das singularidades e diferenciações dos lugares, opera-
da pelos agenciamentos turísticos, podem reificar as autenti-
cidades patrimoniais, descolando-as das identidades a que se
referem, resultando que a comunidade acaba se percebendo
como um “nativo mudo” (MENDONÇA e IRVING, 2004).
Nesse sentido, as questões expostas nas entrevistas
com os moradores locais podem ser consideradas como per-

40
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

cepções ressentidas (HERZFELD, 2008)9, ou como “confir-


mação social dessa identidade colectiva, que exige não só o
reconhecimento da sua existência mas a demonstração real
do respeito por ele” (APPIAH, 1998, p. 169).
Frente aos fluxos internacionais de turistas, as de-
mandas dos moradores da Cidade Velha acentuam a impor-
tância do diálogo intercultural: “Nós não ganhamos com
turismo e os turistas ficaram mais pataqueiros (isolados),
eles ficaram com medo e não querem ficar connosco” (Jo-
vem, 25 anos, desempregado, morador da Zona Protegida).
Trata-se de compreender, então, que o crescimento do
turismo deve assentar-se em bases dialógicas com as comu-
nidades locais, para que elas também cresçam, uma vez que
“o diálogo molda a identidade que eu desenvolvo enquanto
cresço” (APPIAH, 1998, p. 170). Sem isso, as singularidades
e diferenciações dos lugares produzidas pelos agenciamentos
turísticos tendem a reproduzir essencialismos que servem,
cada vez mais, à mercantilização da diversidade cultural.

Agradecimentos

Os autores agradecem à CAPES o financiamento da


bolsa de Mobilidade Internacional que possibilitou a pes-
quisa cujos dados parciais são aqui analisados.

9 Percepções ressentidas, ou reconhecimento próprio magoado, é uma ex-


pressão que descreve a representação da intimidade entre população e Es-
tado, como simulacros de relações sociais. Segundo Herzfeld (2008, p. 23),
o distanciamento das relações cara a cara representa-se, no Estado, “como
relações sociais de catálogo”, como nostalgia da tradição, da comunida-
de, e como apartação das “comunidades marginais”, com suas “linguagens
locais de moralidade, costume e solidariedade de parentesco”. A sociabili-
dade real é substituída pela imagem de sociabilidade, ampliada pela trans-
mutação de sentimentos privados em atos públicos.

41
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

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Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

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45
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

As comunidades rurais atingidas pela mineração


como agentes do planejamento e
desenvolvimento turístico

Viviane Guimarães Pereira


Samanta Borges Pereira
Carlos Alberto Máximo Pimenta

Introdução1

O turismo direcionado ao desenvolvimento sustentá-


vel das comunidades rurais em região atingida pela mine-
ração é o tema deste texto, tendo em vista que o processo
de desestruturação inerente à implantação das mineradoras
exige estratégias de minimização dos desmantelamentos
sociais, econômicos, culturais e ambientais resultantes.
Parte-se dos princípios do Desenvolvimento Local
e do Turismo de Base Comunitária (TBC), que consistem
na organização do grupo e dos modos de produção locais,
na forma de atrativos turísticos, alicerçados à preservação
das culturas tradicionais e conservação ambiental, emer-
gindo como alternativa de geração de renda para as co-
munidades. Além disso, contrapõe-se à idealização de uma
indústria do turismo, na condição de mercado corporativo
gerador de emprego, evidenciando a valorização de outras
reflexões sobre o papel do turismo no desenvolvimento,
da perspectiva da preservação das relações socioculturais
e ambientais, dos aspectos genuínos do ambiente rural,
1 Este texto foi elaborado a partir do artigo “Turismo como estratégia de
(des) envolvimento rural em região atingida pela mineração”, publicado
na Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional (RBGDR)
maio-agosto de 2017. Para referências completas, ver Pereira, Pimenta e
Pereira (2017).

47
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

da autonomia e independência do (da) agricultor (a) e do


fortalecimento do saber local.
Antes de seu planejamento e desenvolvimento, o tu-
rismo de base comunitária demanda a participação ativa da
comunidade receptora, explicitando suas demandas e seus
receios, representando a equanimidade entre o turista, o po-
der público, o mercado e a comunidade.
Essas evidências colocam no centro das preocupa-
ções a seguinte pergunta:  há consenso entre os agentes
de desenvolvimento local e as comunidades rurais, sobre o
potencial de desenvolvimento do turismo nesta região? A
pergunta se desmembra na seguinte problematização: o tu-
rismo nas comunidades rurais da região pode se configurar
como mais uma forma de geração autônoma e sustentável
de renda para as comunidades rurais?
Dentro desse quadro, este texto objetiva-se compreen-
der a concepção de turismo, a partir da percepção dos agentes
de desenvolvimento local e dos (das) agricultores (as) e seu po-
tencial de geração de renda para as comunidades rurais como
alternativa ao modelo imposto pelo extrativismo mineral.
A pesquisa2 foi executada na região de Alvorada de Mi-
nas, Conceição do Mato Dentro e Dom Joaquim, atingida pela
mineração após incursão pela empresa Anglo American em
2008. A região procura formas de se reorganizar, na tentativa
de minimizar os impactos da devastação sofrida pela prática
da atividade minerária. As entrevistas foram realizadas com
os agentes de desenvolvimento local e com as famílias agri-
cultoras, fazendo uso de questionário semiestruturado, com
questões abertas, que levantaram informações sobre os aspec-
tos culturais como a presença de festas típicas, grupos cultu-
2 Projeto de pesquisa nº 2308011772201544 realizado pelo Núcleo Tra-
vessia - Núcleo de Pesquisa, Extensão e Apoio à Agricultura Familiar e
Desenvolvimento Rural da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI)
com o apoio da Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais e o Ministério
Público de Minas Gerais.

48
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

rais, artistas e artesãos e outros potenciais turísticos, tais como


atrativos naturais e arquitetônicos, sem perder a centralidade
da proposta – a potencialidade da região para o desenvolvi-
mento do turismo como forma de geração de renda para as fa-
mílias agricultoras e como processo de desenvolvimento local.

Figura 1: Mapa da região estudada

Fonte: Pereira et al (2016)

Foram entrevistados os secretários municipais de


agricultura, bem como técnicos da Empresa de Assistên-
cia Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais
(EMATER), representantes dos Sindicatos de Trabalhado-

49
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

res Rurais (STRs) e do Conselho de Desenvolvimento Ru-


ral Sustentável (CMDRS) dos três municípios.
As comunidades escolhidas foram selecionadas em re-
união realizada em Conceição do Mato Dentro, com a pre-
sença dos agentes de desenvolvimento local que indicaram
aquelas que se enquadravam nas seguintes características:

1. Integração produtiva – agricultores que possuem


canais de venda com o comércio e os diversos mer-
cados existentes;

2. Produtividade – umidades familiares de agriculto-


res com maior produção;

3. Unidades familiares – concentração de agriculto-


res familiares em atividade;

4. Impacto com a presença da mineração – comuni-


dades que sofrem com os efeitos da exploração da
atividade minerária.

Foram definidas 31 comunidades rurais3, divididas em


19 regiões e contempladas com 55 entrevistas, realizadas
entre o período de dezembro de 2015 e fevereiro de 2016. O
universo dos pesquisados teve a abrangência territorial dos
três municípios.

3 Em Conceição do Mato Dentro foram entrevistadas 31 famílias em 18


comunidades diferentes: Água Quente, Brejaúba, Capitão Felizardo, Cór-
regos, Costa Sena, Cubas, Goiabeiras, Itacolomi, Ouro Fino, Paraoninhas,
Passa Sete, Rio Preto, Santo Antônio do Cruzeiro, Sapo, Socorro, Tabu-
leiro, Tapera e Três Barras. Em Alvorada de Minas foram entrevistadas
11 famílias em 07 comunidades diferentes: Descoberto, Fazenda da Ponte,
Lapinha, Maria, Morro dos Monteiros, Ribeirão Santana e Ribeirão de
Tráz. Em Dom Joaquim foram entrevistadas 13 famílias em 06 comunida-
des diferentes: Machado, Quilombo Cachoeira, São João, São João da Ilha,
Serra e Sesmaria.

50
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Utilizou-se como critério de análise dos dados o en-


trecruzamento das falas extraídas das entrevistas com a
teoria privilegiada, o que corroborou para a identificação
dos pontos e contrapontos das informações levantadas em
campo. A proposta teórica do texto, com diálogos no campo
do turismo de base comunitária, caminha para pensar o de-
senvolvimento local e a sustentabilidade como ferramentas
de participação dos (das) agricultores (as) familiares e das
comunidades na condução dos seus próprios destinos, no
sentido político de formatação de modos de geração de ren-
da, de experiência com atividade turística e de autonomia
dos (das) agricultores (as) e comunidades.
Este texto está dividido, além desta introdução, na
discussão teórica sobre o turismo de base comunitária como
fonte de geração de renda para agricultores familiares em
bases justas e sustentáveis, através de organização social e
não com imposição de modelos mercadológicos de turis-
mo, tão comumente visto. Traz também a discussão dos
resultados da pesquisa de campo com relação à percepção
do turismo pelos agentes de desenvolvimento, que se mos-
trou alinhado mais fortemente à perspectiva das demandas
de mercado para o turismo; bem como a discussão sobre
a percepção do turismo pelas comunidades rurais que, de
alguma forma, são antagônicas à percepção dos agentes de
desenvolvimento. Por fim, foram feitas as considerações fi-
nais que se propuseram a indicar alguns caminhos a partir
dos resultados encontrados no campo.

Turismo de base comunitária: preservação cultural e


geração de renda

Da perspectiva de Ruschmann (2001), pode-se dizer


que há espaços, principalmente em regiões de menor porte,

51
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

de efetivação de modos de preservação do lugar pela via do


turismo. Esse movimento efetivo deve promover formas de
superação das contradições que facilmente acontece entre
o turismo não sustentável e a proteção do ambiente e do
lugar turístico.
O turismo dentro do conceito da indústria convencio-
nal é incompatível com o seu desenvolvimento. A preserva-
ção socioambiental é inerente à sua manutenção:

Enquanto a indústria destrói para produzir, o turis-


mo deve preservar para produzir. A harmonização
do turismo com o ambiente é uma mudança na forma
de pensar, uma inovação conceitual para superar uma
contradição que facilmente acontece entre o turismo
destrutivo e a proteção de um turismo que deve ser
preservado (RUSCHMANN, 2001, p. 69).

Na dimensão regional, para Sousa, Oliveira & Car-


niello (2008) o desenvolvimento local ganha aderência e o
turismo passa a ser um elemento importante para a geração
de ocupação e renda. As produções locais apresentam-se
como alternativas de sobrevivência a determinados seto-
res da sociedade enquanto processos de geração de renda,
podendo constituir-se como formalidade na informalidade,
principalmente no campo das produções associadas ao tu-
rismo (PIMENTA & MELLO, 2014).
Para Souza (2005), a produção tem que estar interli-
gada, indissociavelmente à noção de desenvolvimento, en-
quanto estratégia social de sobrevivência e de geração de
renda, uma vez que o crescimento econômico, oriundo do
processo de industrialização tecnológico e informacional,
acarretou consequências sociais.
Em síntese, o turismo atrelado ao desenvolvimento,
sem perder de horizonte as dimensões da cultura local, se

52
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

torna importante também para que seja possível registrar


as memórias, as identidades, os saberes e as produções de
sentidos de determinados setores da sociedade. Soares
(2011, p. 70) alerta para o risco de considerar apenas os
fatores econômicos, cuidando apenas do produto e do inte-
resse dos turistas e esquecendo as populações locais:

Ao analisar a atividade sob a ótica do mercado, não se


pode esquecer de que este assume as localidades como
produtos turísticos, formados de atrativos naturais e
culturais. Na ponta dessa cadeia produtiva, estão as
ações de marketing, que suscitam e orientam a deman-
da por viagens, capitalizando o desejo e a disposição
do consumidor em visitar determinado destino. Essa
relação mercantilista da atividade turística, quando
entregue à sua lógica própria de maximização incon-
dicional dos lucros, pode provocar danos ambientais,
culturais e sociais irreversíveis aos núcleos receptores
e suas comunidades.

Os argumentos de Soares (2011) colocam em evidên-


cia a lógica das leis do mercado. Em torno do turismo ou da
formação de processos de geração de renda associados ao
turismo alerta-se para os riscos socioambientais e culturais
provocados pela presença do turista face à concepção de ga-
nhos financeiros a qualquer custo. Esse risco pode ser mini-
mizado na medida em que a ordem natural e sociocultural e
a estrutura local sejam preservadas.
Somente no início da década de 1990 é que se começa
a avaliar os impactos dessa globalização e o papel desem-
penhado pelo turismo enquanto estratégia de promoção
e desenvolvimento dos territórios, principalmente no que
concerne à degradação ambiental e à homogeneização cul-
tural. Passa-se a perceber que o crescimento desordenado

53
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

da atividade pode ser nocivo às populações locais: agressão


ao meio ambiente (poluição sonora, da água e visual, inva-
são de áreas protegidas), destruição de culturas e do patri-
mônio histórico (crescimento da violência, perda da iden-
tidade e cultura local, alterações de padrão de consumo),
especulação imobiliária, entre outras perversidades, trazem
a reboque a destruição do potencial da atividade turística,
visto que a sua origem e a sua manutenção dependem da
preservação desses recursos (CUNHA & CUNHA, 2005).
O Turismo de Base Comunitária (TBC) é um tipo de
turismo desenvolvido pela comunidade local, sendo ela a
grande beneficiada com os resultados da atividade. O TBC
pode ser entendido como aquele

[...] desenvolvido pelos próprios moradores de um lu-


gar que passaram a ser os articuladores e os construto-
res da cadeia produtiva, onde a renda e o lucro ficam na
comunidade e contribuem para melhorar a qualidade
de vida (CORIOLANO, 2003 p. 41).

De gestão participativa, o TBC prima pelo envolvimento


dos atores sociais nas atividades desenvolvidas no local tendo
sempre em vista a melhoria da comunidade, levando em conta
seus desejos necessidades, a cultura local e a valorização do
patrimônio natural e cultural (CORIOLANO 2007).
A associação entre a agricultura familiar e o turismo
de base comunitária se constitui em uma fonte eficaz de ge-
ração de renda, principalmente para as comunidades rurais
e os assentamentos, já que a renda originada por esta ativi-
dade poderá ser revertida para a manutenção das famílias,
para investimentos na própria atividade da agricultura e/
ou no fomento e aprimoramento do turismo comunitário.
É importante destacar que da década de 1990 em dian-
te, rompeu-se com a ideia de que a função principal do mundo

54
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

rural tem que ser necessariamente a produção de alimentos


e que a atividade predominante seria a produção agrícola.
Ocorreu uma espécie de disjunção entre o mundo rural e a
agricultura (SILVA; BALSADI; DEL GROSSI, 1997).
A concepção da ideia da figura do agricultor sofreu
profundas transformações e a pluriatividade, que o estimula
a ocupar novos espaços não agrícolas que se expandem no
meio rural, contribuiu para a construção de novas identida-
des. Houve crescimento de pessoas ocupadas em atividades
não agrícolas nos territórios rurais brasileiros desde os anos
de 1980 e assim, o rural foi tomado como um espaço, com
uma nítida dilatação funcional, e diferenciando-se da abor-
dagem que o identifica somente como setor agropecuário
(CARNEIRO, 1998; ORTEGA, 2008).
Isso ajuda a pensar em caminhos para os agricultores da
região em estudo, mas é importante não se deixar levar ingenua-
mente com as questões que envolvem o turismo. A exploração
da atividade turística pode promover melhoria das condições de
vida das famílias rurais, diversificação da economia, conservação
dos recursos naturais, diminuição do êxodo rural e valorização
das tradições rurais, mas deve atender às demandas da comuni-
dade envolvida e gerar renda aos agricultores, sem provocar da-
nos socioambientais e apagamento de culturas na comunidade.
A forma como as pessoas moram, comem, bebem, di-
vertem-se, rezam compõe um cenário completo para o tu-
rismo (VARGAS & CASTILHO, 2006). Reconhecer as qua-
lidades do produto local é uma forma de contribuir para
tornar visível à sociedade a história por trás do produto,
comunicando seus elementos culturais e sociais, possibili-
tando ao consumidor avaliá-lo e apreciá-lo devidamente,
desenvolvendo uma imagem favorável do território em que
o produto se origina (KRUCKEN, 2009).
Ao se pensar na interação entre turismo e agricultura
familiar é importante lembrar que além daqueles produtos

55
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

tradicionalmente cultivados nas propriedades rurais, são


cultivados aqueles que retratam as peculiaridades regio-
nais, tanto nos cultivos quanto na produção de artefatos. A
produção artesanal tem forte potencial turístico já que tem
a capacidade de retratar as características e tradições do
lugar, sua identidade histórica e cultural, sendo a materiali-
zação da experiência vivida pelo turista.
Lanzarini (2009, p. 9) afirma que a atividade turística
é “ambígua, pois ao mesmo tempo em que promove rique-
zas, empregos, melhoria de vida [...] também produz po-
breza, exclusão social e fragmentação do espaço”. Para que
se diminuam as chances da segunda opção, a participação
da comunidade é condição sine qua non para que a atividade
aconteça, desde a sua idealização e implantação, bem como
na gestão dos planos de turismo para que se promova gera-
ção de renda e consequente melhoria de vida para as popu-
lações locais envolvidas.
A promoção da autonomia das comunidades, proces-
so motivador para que a população se organize para gerir a
atividade turística de forma participativa, cria um ambiente
favorável à manutenção das características rurais da região,
utilizando os recursos locais e os conhecimentos derivados do
saber das populações, valorizando-os em prol de um desen-
volvimento em bases justas e sustentáveis. Para isso, uma das
condições necessárias é o conhecimento sobre as culturas e os
ecossistemas, e também os conhecimentos de como as diferen-
tes culturas aprenderam sobre os seus ecossistemas. Por esta
via, o turismo passa a ser encarado dentro do espectro do de-
senvolvimento como um processo de aprendizagem, ligado à
autoconfiança e à criatividade, orientado para a “identificação e
satisfação das necessidades humanas, materiais e não materiais,
social e culturalmente determinadas” (SACHS, 1986, p. 54).
Há que se ter cuidado para que melhorias adquiridas
com o desenvolvimento do turismo nas comunidades rurais,

56
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

como possíveis ganhos de renda, melhorias de infraestrutu-


ra e geração de ocupações, possam causar a falsa ilusão de
melhoria ampla das condições de vida, criando uma espécie
de dependência do turista para garantir a renda das famílias
(BRASIL, 2010).
A manutenção das atividades produtivas tradicionais
da propriedade e/ou das práticas e costumes relacionados a
essas atividades garante o não abandono destas em virtude
do sucesso conseguido com o turismo. A preservação dos
mananciais, do solo, preservação ou recuperação da flora
e da fauna nativas, inclusive dos aspectos paisagísticos, as-
seguram a proteção ambiental. O respeito aos elementos e
estruturas tradicionais, às manifestações culturais, culiná-
ria, produção artesanal, técnicas construtivas, celebrações,
valores, modos de vida e ideais das comunidades rurais,
além de elementos que referendem a história da região e
das famílias, fortalecem a identidade local e a autoestima
das comunidades (BRASIL, 2010).
A possibilidade de geração de renda adicional para as
comunidades locais faz do turismo de base comunitária um
caminho para a revitalização econômica e social das regiões,
a valorização dos patrimônios e produtos locais, a conserva-
ção do meio ambiente, a atração de investimentos públicos e
privados em infraestrutura para os locais onde se desenvolve.
Quem deve se beneficiar com a atividade é, em primei-
ro plano, as comunidades locais, não se tornando proletário
numa nova atividade, mas construindo, implementando e
gerindo o turismo nos seus territórios. Segundo Oliveira
(2001), Turismo Sustentável é o

[...] turismo praticado de forma que promova a qua-


lidade de vida das populações residentes na localidade
de destino, respeite a sócio-diversidade da comunidade
receptora, por meio da conservação da herança cultu-

57
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

ral das populações e conserve os recursos naturais e


paisagísticos deste local.

Trata-se, portanto, de pensar o turismo rural dentro


dos parâmetros do desenvolvimento local sustentável, bem
como contribuir para que os agricultores familiares possam
ter melhores condições de vida. Dessas perspectivas insi-
nuam Zuin & Zuin (2008) e Hanai (2012) levando-se em
consideração os alimentos tradicionais, mesmo este último
reconhecendo que o turismo alternativo ao mercado não al-
cançou a devida maturidade.
O desenvolvimento do turismo com vistas a atender
apenas aos interesses do mercado e do capital, sem a parti-
cipação da comunidade, provoca a exclusão, a descaracteri-
zação e o sentimento de que o turista não é um parceiro e
sim um invasor, e as relações por consequência não são de
hospitalidade, mas sim de conflito, sendo a população local
a primeira a arcar com o ônus da atividade.

Percepções sobre o turismo pelos agentes de


desenvolvimento

Há uniformidade sobre potencial turístico da região da


perspectiva dos agentes institucionais de desenvolvimento
rural. Todos os entrevistados acreditam no desenvolvimen-
to do turismo enquanto estratégia de geração de emprego e
renda, destacando a presença de natureza exuberante, con-
juntos arquitetônicos históricos e manifestações populares
seculares. Como indicativos do potencial turístico já existen-
te, foram citadas a Estrada Real4 (figura 2), a prática de Ci-
cloturismo em Conceição do Mato Dentro (Morro do Pilar,

4 O Instituto Estrada Real foi criado em 1999 com a pretensão de organi-


zar, fomentar e gerenciar o produto turístico Estrada Real.

58
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Tapera, Itaponhacanga), projetos culturais desenvolvidos


pelo ‘Polos de Cidadania5’ em Conceição do Mato Dentro
e um movimento da igreja de preservação do Cemitério do
Peixe (figura 3), contra a invasão do local pela mineradora.
Alvorada de Minas e Conceição do Mato Dentro fazem
parte do ‘Caminho dos Diamantes’, um dos caminhos da Es-
trada Real – maior rota turística do país, com mais de 1.630
quilômetros de extensão, passando por Minas Gerais, Rio de
Janeiro e São Paulo. Dom Joaquim possui Plano Turístico
Municipal, produções associadas ao turismo, produção diver-
sificada e agroecológica (figura 4) com potencial de comer-
cialização para o turista.
A percepção do turismo pelos agentes de desenvolvimen-
to abrange a formação de uma indústria do turismo a partir da
apreciação e desfrute dos recursos históricos e naturais presen-
tes na região, na forma de produtos turísticos – por exemplo, os
roteiros turísticos. Para os agentes, seu desenvolvimento depen-
de da capacitação profissional e estruturação das atividades de
serviços de turismo – por exemplo, alimentação e hospedagem
– para a recepção dos turistas, sem abordar padrões alternativos
de uso de recursos, indo ao encontro da perspectiva de mercado.
A estruturação citada pelos agentes de desenvolvimento
não mencionou melhorias nas estradas de acesso às comunida-
des, com legislações e regulamentações específicas (CAMPA-
NHOLA & GRAZIANO, 2000) ou à organização do tráfego da
área urbana, o desenvolvimento de sistemas médico-hospitala-
res, de segurança pública e de outros serviços e equipamentos de
apoio que consigam suportar os períodos de alta presença do tu-
rista, sem prejudicar a vida cotidiana dos moradores da região.

5 Também conhecido como “Polos”, é um programa interdisciplinar e in-


terinstitucional de ensino, pesquisa e extensão da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), voltado para a efetivação dos direitos humanos e
para a construção de conhecimento a partir do diálogo entre os diferentes
saberes. O ‘Polos’ atua desenvolvimento projetos na região urbana de Con-
ceição do Mato Dentro juntamente com o Ministério Público.

59
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Figura 2: Mapa da Estrada Real

Fonte: site “Segredos de Viagem”6

6 http://segredosdeviagem.com.br/site/2014/04/sv-na-estrada-real-co-
nheca-os-caminhos-das-primeiras-estradas-brasileiras/

60
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Figura 3: Evento realizado no Cemitério do Peixe em 2015

Fonte: página oficial da Prefeitura de Conceição do Mato


Dentro7

Os municípios-sede podem sofrer impactos negati-


vos com o desenvolvimento do turismo pensado a partir
da perspectiva “panacéica” e mercadológica da atividade.
Conceição do Mato Dentro, por exemplo, já sofre com o
aumento da circulação de pessoas devido à presença da mi-
neradora e do empreendimento de construção da mina. Já
tendo tradição no turismo, também sofre nos feriados com
o fluxo de turistas. Ou seja, os problemas já evidentes do
município seriam agravados pelo aumento de pessoas na
cidade, sobrecarregando o tráfego de carros, de pessoas, o
acesso aos equipamentos de apoio ao turismo como bancos,
hospitais, agências postais etc.
Ressalta-se que pelo Brasil, há registros de uma série
de casos em que o poder político local, na ânsia de aumen-
7 http://cmd.mg.gov.br/cultura-e-patrimonio-historico/cemiterio-do-
-peixe-patrimonio-historia-e-fe

61
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

tar a arrecadação ou de resolver demandas pontuais, tem


permitido projetos turísticos sem os necessários estudos de
impacto e sem a imprescindível participação da comunida-
de, fazendo com que o lugar torne-se propício para que o
capital “travestido de turismo rapidamente descaracterize o
tipo de trabalho e de vida, cause a desestruturação cultural,
a agressão ambiental e uma paisagem degradada distante
do imaginário do turista” (ALMEIDA, 2004, p. 2).

Figura 4: produção agroecológica em Dom Joaquim

Fonte: página do Facebook a ASCAXAR – Associação


Quilombola de Dom Joaquim

Neste sentido, tem-se que o poder público deve atuar


para tornar possível o fortalecimento das comunidades lo-
cais, a fim de que, estas, assumam o papel de agentes de seu
próprio desenvolvimento socioeconômico, daí a importância
da participação efetiva destas nesses processos. A participa-

62
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

ção está organicamente integrada ao desenvolvimento em


bases sustentáveis, mas só é apreendida através da experiên-
cia. O planejamento turístico sustentável configura-se aquele
em que “a comunidade deixa de ser a parte consultada pelos
técnicos e passa a ser o agente de seu próprio planejamento,
ou seja, está descobrindo suas potencialidades e colocando-as
a favor de seu próprio destino” (MERIGUE, 2007, p. 9).

Percepções sobre o turismo pelas comunidades rurais

Da perspectiva das famílias agricultoras, há diferen-


tes visões sobre o desenvolvimento da atividade na região.
As percepções foram categorizadas em 4 tipos:

(1) agricultores que se encontram desestruturados, tendo


como prioridade a sobrevivência, na busca de condições mí-
nimas de dignidade e, portanto, não se relacionam em ne-
nhum aspecto com o turismo;

(2) agricultores que prestigiam a natureza e a cultura, mas


não compreendem esses fatores como valor turístico. Sua
preocupação e interesse são com o uso da terra, da água
e com a produção agropecuária, não reconhecendo outras
práticas de geração de renda. Sabem da existência e da prá-
tica do turismo na sua região ou em regiões próximas à sua
comunidade, mas entendem que ele é feito pelo outro e para
os outros e não pelas pessoas da comunidade nem para as
pessoas da comunidade;

(3) agricultores que reconhecem as potencialidades natu-


rais e culturais da região, com possibilidades de geração de
renda para suas famílias, mas de forma indireta, não se re-
conhecendo como atores principais nesse processo; e,

63
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

(4) agricultores que reconhecem seus valores e estão mo-


tivados a participar da estruturação do turismo na região,
pensando até em projetos para geração de renda para suas
comunidades.

A maioria dos entrevistados deram respostas dentro


dos argumentos sistematizados nos tipos (2) e (3). Reconhe-
cem as belezas naturais e os aspectos histórico-culturais da
região, mas não se colocam como protagonistas para o desen-
volvimento da atividade do turismo ou não identificam os as-
pectos naturais e históricos com potencial de aproveitamento
pela via do turismo. Concordam que o desenvolvimento da
atividade envolve a realização de melhorias nas estradas de
acesso às comunidades, com legislações e regulamentações
específicas (CAMPANHOLA & GRAZIANO, 2000).
Da perspectiva dos agricultores e agricultoras que não
se interessam pelo desenvolvimento do turismo, vale ressal-
tar que apesar do município de Alvorada de Minas perten-
cer a rota turística do ‘Caminho dos Diamantes’, da Estrada
Real, a pesquisa não identificou entre os grupos pesquisados
nenhuma família agricultora que reconhecesse o potencial
para o turismo, mesmo entre aquelas que se lembraram de
festas e celebrações religiosas ainda existentes.
Nestas comunidades, registrou-se a inexistência de
direitos básicos de manutenção das famílias agricultoras, o
que trouxe desconforto na abordagem do tema, em face da
distância quanto às prioridades demandadas pelas famílias.
Na luta pela sobrevivência, a prática do turismo é atividade
alheia à realidade dos agricultores visitados.
Em Conceição do Mato Dentro, na região de Brejaúba
e Socorro, comunidades localizadas na extremidade sul do
município, há outros interesses a serem atendidos que são
prioritários para a comunidade. Um agricultor entrevista-
do reivindica: “Eu não preciso de dinheiro, eu não preciso

64
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

de prefeito, eu não preciso de nada. Eu preciso é de estrada”.


A região carece de melhorias estruturais como a reparação
das estradas e o controle da violência que vem crescendo
exponencialmente após a chegada da mineradora.
Já na região do Tabuleiro onde se encontra a cachoeira
do Tabuleiro – a maior do estado de Minas Gerais e a tercei-
ra maior do Brasil8 – a expectativa era de identificar maior
envolvimento com o turismo pela comunidade já que região
é conhecida nacionalmente como um lugar turístico. Contu-
do, o que se constatou é que são as pessoas vindas de fora da
comunidade que estão envolvidas com a atividade turística.
Há que se ter cuidado sobre o desenvolvimento do tu-
rismo de forma não participativa, feito pelos outros, de fora,
e para os outros. Em Rio Preto, comunidade vizinha de Ta-
buleiro, a família entrevistada fez uma observação sobre o
turismo na região: “Na Serra, dizem que o pessoal tomou
conta, pessoal de fora tomou força, mas isso é lá pra cima,
não tem nada com a gente”.
Necessário questionar quem são os atores envolvidos
no processo de desenvolvimento do turismo. A concepção
do turismo sustentável requer, acima de tudo, o desejo da
comunidade. Esta deve participar da sua construção e se
beneficiar diretamente de seus resultados. Vale lembrar que
esta pesquisa tem as comunidades rurais de agricultura fa-
miliar como foco.
O planejamento do turismo no espaço rural deve per-
correr caminhos que venham, portanto, a beneficiar essas
comunidades e, nessa perspectiva, a participação é condição
essencial para o processo. Por isso a importância de se pen-
sar em instrumentos de política pública adequados, com a
participação dos atores e instâncias locais na definição das
estratégias a serem assumidas por todos os agentes.

8 Extraído do site http://guiaviajarmelhor.com.br/cachoeira-do-tabulei-


ro-a-maior-queda-dagua-de-mg/. Acesso em 10de janeiro de 2017.

65
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Considerando a perspectiva das famílias agricultoras


que demonstraram interesse no desenvolvimento do tu-
rismo, esta pode valer-se das práticas culturais (culinária,
festas, danças etc.) e o desfrute das belezas naturais como
atrativo a ser fomentado. Reitera-se o alerta para a necessi-
dade de avaliar as políticas públicas de turismo locais e sua
relação com o aproveitamento do ambiente rural enquanto
espaço de trocas culturais com as comunidades.

Figura 5: Cachoeira do Tabuleiro – Conceição do Mato


Dentro (MG)

Fonte: Guia Viajar Melhor9

A atividade turística deve ser promovida a partir dos


interesses de seus moradores, principais ocupantes, uti-
lizadores e preservadores desse espaço. É fundamental o
diálogo entre os diversos atores para que as políticas pú-
blicas nesse espaço estejam aliadas ao interesse e partici-

9 http://guiaviajarmelhor.com.br/wp-content/uploads/2016/09/Andre-
-Egreja.jpg

66
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

pação das comunidades rurais e que os projetos se voltem


para estes interesses.
Destaca-se as comunidades quilombolas de Conceição
do Mato Dentro e Dom Joaquim que já recebem turistas
interessados em conhecer suas práticas culturais. Percebe-
-se nessas comunidades um sentimento de orgulho das suas
tradições e da riqueza cultural e do interesse em resgatar
saberes que estão desaparecendo, como o da Dança do Um-
bigo e a retomada da Fogueira-Viola e/ou fomentar e pro-
mover as festas populares e tradicionais como a Marujada
e o Caboclo, as coroações de Maio e as noites de reza no
mês de dezembro. Foi enfatizada a existência de doces, qui-
tutes, quitandas, rapaduras, bem como uma diversidade de
elementos da culinária da região, evidenciando sentimento
de orgulho de pertencimento à comunidade.

Figura 6: Forno de barro para assar quitandas

Fonte: Página do Facebook da ASCAXAR.

67
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Figura 7: Biscoito de goma (polvilho) feito no forno de


boro aquecido a lenha

Fonte: Página do Facebook da ASCAXAR.

Figura 8: Comunidade Quilombola em Conceição do Mato


Dentro

Fonte: Imagem extraída do documentário “Memórias”10


10 Disponível em www.youtube.com/watch?v=l2MlyNwuULU.

68
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Figura 9: Fogão de lenha e comida típica em comunidade


Quilombola em Conceição do Mato Dentro

Fonte: imagem extraída do documentário “Memórias”

Figura 10: Manifestação popular em Comunidade Quilom-


bola em Conceição do Mato Dentro

Fonte: imagem extraída do documentário “Memórias”

69
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

A atividade do turismo ganha relevância da perspec-


tiva de que o turista possa vivenciar novas experiências, as
quais se caracterizam na forma de vida simples do campo e
do lugar, ao mesmo tempo em que desfruta das cachoeiras,
das riquezas naturais, da culinária, das festas, das manifes-
tações culturais e da experiência histórica.
A região possui atrativos naturais, como as montanhas
e as cachoeiras, que são usualmente explorados pelo turismo
de aventura ou ecoturismo, atividades realizadas no espaço
rural, mas alheias à realidade de seus moradores. É neces-
sário potencializar outros elementos que fomentem as ativi-
dades culturais, culinárias, artesanais, simbólicas, inserindo
os agricultores e agricultoras no planejamento e desenvolvi-
mento do turismo e que caminhe na direção do fortalecimen-
to identitário do lugar, das pessoas e das coisas.

Considerações finais

Pensar as questões ligadas ao tema do turismo impõe


explicitar vertentes conceituais, as quais vão desde o en-
volvimento do receptor enquanto agente primeiro de seu
desenvolvimento e o envolvimento do turista na vivência
do cotidiano visitado até à sua caracterização enquanto es-
tratégia de desenvolvimento econômico. Esta abrangência
coloca em evidência a diversidade cultural e as idealizações
de sustentabilidade e de desenvolvimento. Neste sentido, o
presente texto se propôs compreender a concepção de tu-
rismo a partir da percepção dos agentes de desenvolvimen-
to local e dos agricultores e agricultoras da região e seu
potencial de geração de renda para as comunidades rurais.
Da proposição buscou-se identificar a existência ou não
de consenso entre os agentes de desenvolvimento local e as
comunidades rurais, sobre o potencial de desenvolvimento

70
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

do turismo nesta região e sua capacidade de geração autôno-


ma e sustentável de renda para as comunidades rurais.
Os (as) agricultores (as) entendem os riscos e os bene-
fícios que a atividade do turismo pode promover: os entraves
ficam por conta da falta de estrutura e da ausência de apoio
do poder público local ou do total desinteresse já que a so-
brevivência é a prioridade; os benefícios estão no reconheci-
mento do potencial da região, em face da presença de festas
populares, das diversas manifestações culturais, do patrimô-
nio histórico, das riquezas naturais e da culinária regional.
As propostas de desenvolvimento do turismo no es-
paço rural devem abranger os interesses das comunidades
rurais dos municípios pesquisados, pois são nas comunida-
des que estão os sujeitos deste estudo – os agricultores e
agricultoras familiares. Quaisquer iniciativas nesse sentido
devem pautar-se na valorização dos aspectos naturais, da
cultura e da atividade produtiva das comunidades rurais,
gerando complementação da renda familiar.
Dentro dos preceitos do desenvolvimento do tu-
rismo como atividade sustentável, a participação da co-
munidade local em todas as etapas do desenvolvimento
turístico é indispensável: da estruturação do produto ao
controle dos resultados advindos da atividade. Portanto,
o investimento no turismo nas regiões estudadas precisa,
antes de tudo, envolver as comunidades em todo o proces-
so de planejamento, organização e controle dos resultados
e impactos da atividade.
A prática do turismo sustentável refere-se à identifi-
cação e valorização da cultura e saberes locais, que repre-
sentem a sua identidade e se relacionem com as caracterís-
ticas do local visitado, possibilitando a vivência de novas
experiências. A farta presença das festas populares, grupos
culturais e artesanato mostra que o fomento às produções
locais através de projetos de apoio a esses eventos e grupos

71
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

pode ser uma possibilidade de geração de renda e manuten-


ção desses saberes. As festas podem se caracterizar como
produtos turísticos que permitirão a vivência de experiên-
cias singulares pelo turista e o desenvolvimento do senti-
mento de orgulho nas comunidades.
Como o turismo está diretamente ligado à valorização
cultural do mundo rural, sugere-se que quaisquer projetos de
desenvolvimento turístico se pautem inicialmente na valori-
zação da identidade e autenticidade cultural, desencadeando
um resgate de valores, códigos e costumes que venham a for-
talecer a agricultura familiar, aumentando a autoestima des-
tas populações. Por esta via, as ações de fomento ao turismo
podem ser pensadas de modo a aumentar a renda, através da
comercialização de produtos aos consumidores/turistas, da
vivência do turista, de atividades recreativas, sendo muitas as
formas de se desenvolver o turismo rural.
Por meio deste enfoque defende-se a ideia de que as
políticas públicas de desenvolvimento do turismo devam
buscar estimular processos endógenos, que fortaleçam a
gestão social e as redes sociais locais de cooperação, di-
namizando a sociedade e a economia locais e melhorando
a qualidade de vida destas populações. Há de se ter ob-
jetivos múltiplos e integrais, estabelecendo mecanismos
institucionais que busquem a participação e a formulação
de soluções a partir da base.
Independente do posicionamento dos agricultores tor-
na-se imprescindível que os grupos interessados participem
como agentes de primeira ordem no desenvolvimento e na
preservação da região onde vivem. Para o incremento do tu-
rismo nestas bases, sustentáveis e participativas, é fundamen-
tal que lideranças comunitárias e agentes de desenvolvimen-
to possam conhecer experiências concretas em que o turismo
se deu em comunidades receptoras, sendo elas as gestoras e
mantenedoras da atividade e de seus resultados.

72
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

A literatura aponta perspectivas de que a prática do


turismo sustentável pode trazer preservação de áreas natu-
rais, de locais históricos, melhorias na infraestrutura e no
meio ambiente e valorização da cultura. Também não des-
conhece o movimento inverso para essas afirmações, com o
risco de o desenvolvimento desordenado do turismo provo-
car destruição ambiental e cultural e a desestruturação dos
locais receptores.

Agradecimentos

À Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, pelo fi-


nanciamento desta pesquisa.

73
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

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76
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Análise da atividade turística no município de São


José do Barreiro/SP como fator de
desenvolvimento local

Cláudia Liciely Barbosa e Silva


Edson Trajano Vieira
Monica Franchi Carniello

Introdução

O dilema da superação das desigualdades regionais


e consequentes injustiças sociais é o cerne dos estudos da
ciência regional. Uma das possibilidades que se apresenta
como possível fator de desenvolvimento de um local ou re-
gião é o aproveitamento das potencialidades endógenas do
território, de maneira a articular a atividade econômica com
o bem-estar social.
Ao refletir sobre o desenvolvimento de um território,
Dallabrida (2015) sistematiza os elementos que o compõem:
capital econômico, capital cultural, capital social, capital
institucional, capital natural e capital humano. Analisar
um território sob tal perspectiva multidimensional permi-
te a identificação de potencialidades que suplantam a ideia
simplista de associação de desenvolvimento com um mo-
delo econômico baseado na indústria, que geralmente vem
associada ao conceito de crescimento econômico. Vieira e
Santos (2012) evidenciam a distinção entre crescimento e
desenvolvimento: o primeiro demonstra uma variação na
taxa de crescimento do PIB, o segundo representa a melho-
ria das condições socioeconômicas dos indivíduos.
Como uma das possibilidades para geração de empre-
go e renda para um território destaca-se a atividade turís-

77
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

tica. E, neste sentido, o turismo tem sido exaltado como


alternativa econômica para regiões com dificuldade de in-
serção em outros segmentos da economia, o que por vezes
gera uma associação direta, e equivocada, entre turismo e
desenvolvimento.
Neste texto, busca-se superar tal perspectiva simplis-
ta, adotando-se a premissa de que a questão central para se
discutir desenvolvimento não está em definir qual atividade
econômica é melhor, e sim em avaliar como a atividade eco-
nômica de um território é gerida e como ela se articula com
a produção do bem-estar da sociedade.
Para dar suporte a tal discussão, foi delimitado como
objeto de estudo o município de São José do Barreiro – SP,
caracterizado por ser de pequeno porte – com uma popu-
lação de 4.077 habitantes segundo o Censo 2010 realizado
pelo IBGE e que se insere na Região Metropolitana do Vale
do Paraíba e Litoral Norte (RMVPLN), esta, criada em
2012 e composta por 39 municípios muito heterogêneos no
que tange a porte, atividade econômica, extensão territorial
e indicadores socioeconômicos (SEADE, 2017).
O município situa-se no popularmente chamado Vale
Histórico, inserido na RMVPLN e identificado pelo autor
Monteiro Lobato (1919) como “cidades mortas”, em uma
alusão clara à decadência da monocultura cafeeira, que teve
seu período favorável com a plantação e exportação de café,
e também, o uso de trabalho escravo na segunda metade do
século XIX. Após a decadência deste ciclo econômico, as
cidades dessa região não conseguiram se reerguer econo-
micamente e apresentam, em geral, baixos índices de desen-
volvimento. Restando nelas, apenas, o legado arquitetônico
resultante das atividades vinculadas à produção cafeeira,
os quais estão distribuídos geograficamente por todos os
municípios do chamado Vale Histórico (SANTOS; HA-
NAOKA; CARNIELLO, 2015; GUTLICH, 2016).

78
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Paulatinamente, organiza-se no município, ainda de for-


ma fragmentada e caracterizada por iniciativas isoladas, uma
atividade turística, associada ao meio ambiente e a realização
de esportes que promovem contato com a natureza (GUTLI-
CH, 2016), o que ainda se caracteriza mais como uma poten-
cialidade do que como um setor econômico instituído.
Ainda na seara da potencialidade, o perfil do município
permite a associação com o conceito de Turismo Slow (turis-
mo lento), derivado do Slow Movement que surgiu no século
XX e “representa uma tentativa de conscientização e estí-
mulo às pessoas, mostrando que existe outro caminho, uma
alternativa para viver com mais qualidade” (NAIGEBORIN,
2011, p. 32). Contudo, esse movimento ainda é tímido no
Brasil, mas vem se desenvolvendo em países como a Itália
em que o foco reside em se realizar um turismo tranquilo
com experiências nativas locais e estimuladas pelo equilíbrio
entre o ser humano, a natureza e a cultural regional.
Tal reflexão permite expandir as possibilidades de rela-
ção entre turismo e desenvolvimento na medida em que, com
isso, passamos a compreender que o turismo não se dá a partir
de uma fórmula única de modo que, dependendo da forma
como o turismo é organizado em um local ou região, este,
poderá ter impactos distintos sobre o desenvolvimento desta.
E deste modo, tem-se que um turismo baseado em resorts, por
exemplo, tende a impactar negativamente no território, pois
nesse modelo há investimento de grupos de capital interna-
cional na rede hoteleira, gerando evasão do lucro, geração de
trabalhos de baixa qualificação e remuneração, e ainda, impli-
ca na atração de um tipo de turista que pouco se integra com
a cultura local. Já uma atividade turística organizada pela
população local e cujo maior atrativo é o patrimônio cultural
tende a ser revertido em ocupação e renda para a população
e valorização da cultura local, como é o caso de São Luiz do
Paraitinga, município da RMVLN (SANTOS, 2007).

79
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

São José do Barreiro, que possui o título oficial de es-


tância turística, município foco deste estudo, em 2013 teve
o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDHM,
de acordo com o Atlas de Desenvolvimento Humano no
Brasil (2013), na posição 2.332º, considerado baixo, se
comparado às demais estâncias turísticas do estado de São
Paulo. Também no mesmo ano, segundo o Instituto Firjan
(BRASIL, 2013), o município teve um Índice de Desenvol-
vimento Municipal – IFDM baixo referente ao emprego e
renda, conforme mostra o Gráfico 1.

Gráfico 1 - Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal

Fonte: Firjan (2013)

Dados divulgados pela Fundação Seade (BRASIL,


2015) também compõem o cenário para os barreirenses, que
possuem renda per capita de R$ 454,64 (Ano-Base 2010), va-
lor abaixo do salário mínimo nacional. Referente ao emprego
e renda (Ano-Base 2014) a maior participação em empregos
formal é em serviços com 65,82%, seguido pela agricultura,
pecuária e pesca com 21,68%, 5,66% com a indústria, 5,47%
com o comércio local e apenas 1,37 % com construção civil.

80
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Para o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplica-


da (2015), no Relatório de fatos recentes do desenvolvimento
regional no Brasil, pelo Sistema Integrado de Informações
sobre o Mercado de Trabalho do Setor Turismo (SIMT),
desenvolvido pelo IPEA, em parceria com o Ministério do
Turismo (MTur), em 2011, as atividades turísticas eram res-
ponsáveis por 2,077 milhões de ocupações no Brasil, sendo
47% com empregos formais e 53% com empregos informais.
Esse contexto evidencia a potencialidade de geração
de emprego e renda e a presença do turismo. Partindo de tal
pressuposto, este trabalho visa analisar a estrutura presente
no turismo de São José do Barreiro que convergem com as
políticas de regionalização do turismo do governo federal. O
município integra o Mapa do Turismo, um ranqueamento deno-
minado como “mapa” divulgado pelo Ministério do Turismo
(2016), que se configura como “um instrumento de orientação
para a atuação do Ministério do Turismo no desenvolvimento
de políticas públicas, tendo como foco a gestão, estruturação e
promoção do turismo, de forma regionalizada e descentraliza-
da” (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2016).
O objetivo é, portanto, analisar a estrutura turística
de São José do Barreiro e verificar como a gestão municipal
e a comunidade local percebem e organizam a sua atividade
turística. A análise do caso desse município permitirá, em
uma perspectiva indutiva, refletir sobre a relação entre tu-
rismo e desenvolvimento.

Turismo e desenvolvimento local

O turismo como sistema econômico é uma atividade


contemporânea que se encaixa na lógica de mercado uma
vez que, “o desenvolvimento do turismo não é um processo
econômico isolado, mas parte integral de uma transformação

81
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

cultural, política, socioeconômica e estrutural maior” (ATEL-


JEVIC; PAGE; ALMEIDA, 2001, p. 7). Neste sentido, como
constata Pires (2009) temos que a evolução do turismo está
diretamente ligada ao desenvolvimento do capitalismo, o qual
possibilitou: 1) a criação de meios de transporte mais rápidos;
2) a criação de meios de hospedagens mais confortáveis para
atender os diversos públicos; e, 3) as práticas fordistas que
proporcionaram aos trabalhadores o descanso remunerado e
férias, o que lhes permitia usufruir de momentos de lazer. É,
por isso que, como escreve Pires (2009, p. 68) que o turismo
“fora caracterizado como um fenômeno intrinsecamente mo-
derno, considerando que os fatores que desencadearam o seu
surgimento são oriundos da era moderna”.
De uma perspectiva macro sistêmica temos que o tu-
rismo é a atividade que envolve o deslocamento temporário
de pessoas para outra região visando à satisfação de neces-
sidades outras que não o exercício de uma função remune-
rada (CAMPOS E GONÇALVES, 2005) de modo que, o
turista desloca-se de seu município para obter experiências
diferenciadas em um local diferente. Comumente, o turismo
“pode visar descanso, lazer, cura, desporte, gastronomia,
cultivo de religião ou finalidade profissional” (BADARÓ,
2003, p. 29). E, de uma perspectiva micro sistêmica tem-se
que o turismo pode também ser tido e compreendido como
uma forma geração de renda na medida em que movimenta
a economia local e possibilita a formação de negócios aos
munícipes da região visitada. Em função disso, tem-se que
o entendimento da área é complexo, pois ela se expande de-
vido a movimentações históricas, interferindo nos aspectos
culturais, econômicos, sociais e políticos de uma região.
Contudo, o turismo é sinônimo de desenvolvimento
pois, dependendo de como se dá sua organização, este, pode
impactar negativamente num território. Problemas como
infraestrutura defasada, ruídos urbanos, desmatamento e

82
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

impactos naturais, crescimento desordenado da população,


falta de capacitação e conhecimento das agências locais, en-
tre outros, podem influir diretamente no desenvolvimento
local uma vez que:

[o turismo] pode promover o crescimento desordena-


do pelo excesso de oferta de acomodações, criar forte
concentração demográfica, aumentar preços de produ-
tos e serviços locais, destruir patrimônios natural, criar
altíssima temporada em contraste com baixa temporada
nos demais meses do ano, criar uma mentalidade mais
oportunista que empresarial (OLIVEIRA, 2005, p. 203).

É fato que os turistas são atraídos pelo cenário dos


municípios, muitas vezes “embelezados” para gerar o pro-
duto turístico, mas a degradação do local e os aspectos
negativos urbanísticos vêm junto com o desenvolvimento
turístico, caso não sejam administrados de forma estraté-
gica de modo que, é comum que algumas cidades turísticas
brasileiras enfrentem “o paradoxo de conservarem belas
paisagens e verem esse mesmo recurso ser dilapidado pela
atividade turística” de modo que “a cenarização passa a ser
componente de camuflagem, mais que de para fantasia e
embelezamento” (SILVA, 2004, p. 178). Por outro lado, a
atividade turística pode promover o desenvolvimento, de-
pendendo de como for organizada e gerida, e “os resultados
do movimento financeiro decorrentes do turismo são por
demais expressivos e justificam que essa atividade seja in-
cluída na programação da política econômica de todos os
países” (OLIVEIRA, 2005, p. 45).
Todavia, o desenvolvimento da atividade turística em
um município não pode ser compreendido de forma disso-
ciada das políticas públicas, programas e ações em escala
estadual e federal. Uma ação que ilustra tal relação foi a

83
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

criação do Departamento de Apoio ao Desenvolvimento


dos Municípios Turísticos (Dadetur), por meio da Lei nº
6.470, de 1989 que segundo a Secretaria de Turismo do
Estado de São Paulo (2016) tem dentre suas ações a dispo-
nibilização de verbas aos municípios reconhecidos como es-
tâncias balneárias, climáticas, hidrominerais e turísticas.
Grosso modo, tem-se que tal relação com o Dadetur é
por adesão de modo que os municípios se vinculam ao Da-
detur a fim de se tornarem estâncias, mas sempre, partindo
do pressuposto de que possuem algum atrativo local e que,
estes, tem condições de oferecer lazer aos turistas. Segundo
o Portal do Governo do Estado de São Paulo (2016), estân-
cias são aquelas que “oferecem condições de lazer, recrea-
ção, recursos naturais e culturais específicos”, mas também,
e não menos importante é, que estas “devem ter infraestru-
tura e serviços direcionados ao turismo, seguindo legisla-
ção específica e os pré-requisitos para sua qualificação”.
Segundo a Secretaria de Turismo do estado de São
Paulo (2013), há quatro tipos de estâncias: as Turísticas, as
Hidrominerais, as Climáticas e as Balneárias. As estâncias
turísticas são aquelas que possuem patrimônios históricos e
culturais, áreas de lazer e diversão, alimentação típica da re-
gião e artesanato. O município de São José do Barreiro é clas-
sificado nesse tipo de estância. O status de estância formaliza
o potencial turístico do município, o que pode propiciar uma
melhoria das condições de vida da população residente.
Contudo, para organizar a atividade turística em um
território, faz-se necessário compreender os atores envol-
vidos no processo, bem como sua cadeia produtiva. Para o
SEBRAE (2008), por exemplo, a cadeia produtiva do turis-
mo é a malha sequenciada de atividades e segmentos pro-
dutivos que convergem para a produção de bens e serviços
que se articulam a partir de seus stakeholders ou de seu trade
turístico. Para que tenhamos uma visão geral da composição

84
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

da cadeia produtiva do turismo e a especificação dos sta-


keholders envolvidos sugerimos uma olhada mais atenta a
Figura 1, onde, estes elementos são colocados em tela pela
Federação do Comércio de São Paulo:

Figura 1 – Cadeia Produtiva do Turismo

Fonte: Adaptada do portal institucional da Fecomércio - MG

Para Mota (2001), o trade turístico disponibiliza re-


cursos ao turista, gerando movimentação econômica local.
Os elementos que compõem o trade são: 1) o deslocamento;
2) a locomoção; 3) os alojamentos; 4) a segurança; 5) a
alimentação; 6) a recreação e o entretenimento; 7) os pas-
seios; 8) os eventos; 9) os espaços de eventos; 10) a saúde,
a convalescência e o reestabelecimento; 10) a informação
e o acesso a ela; 11) as representações estrangeiras; 12) o
comércio turístico; e, 13) a organização de viagens.
Desta feita, tem-se então que um lugar que visa in-
cluir o turismo como uma atividade econômica deve, sobre-
tudo e antes de mais anda, organizar o seu trade turístico.
Para Bessa e Álvares (2014) o turismo não impede a vida
cotidiana, embora possa modificá-la, e neles continuam a

85
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

acontecer a vida local e a atividade turística. Pois, depen-


dendo de como for organizada a atividade turística, esta,
pode se configurar como um fator de desenvolvimento para
o município.
Contudo, para que isso aconteça é necessário que o
planejamento turístico municipal contemple questões rela-
tivas à população do município e a atividade turística, pois
na relação turismo e vida cotidiana, podem surgir conflitos,
quer com reações locais traduzidas em manifestações iso-
ladas ou com movimentos organizados, numa rejeição ao
turismo (BESSA e ÁLVARES, 2014).
Para que isso não ocorra, espera-se que o município
realize um plano de marketing de lugares e/ou turístico,
averiguando a estrutura interna e a receptividade da popu-
lação local ao turismo, preparando-os para o recebimento
dos turistas. Um planejamento mais sistemático pode aju-
dar a controlar e orientar o desenvolvimento do turismo,
“pois seu impacto pode criar mais problemas do que solu-
ções” (THEOBALD, 1998, p. 269).
A fim de evitar problemas futuros, faz-se necessário
que os municípios invistam na qualificação adequada de
seus trades locais, pois “a qualificação da mão de obra em-
pregada para prestar serviços de alto nível, na diversifica-
ção da oferta e na equação custo-benefício, busca atender as
expectativas dos turistas” (OLIVEIRA, 2005, p. 62) o que
pode ser feito através de palestras informativas à população,
mostrando os ganhos sociais e econômicos com o desenvol-
vimento do turismo, além da governança investir em incen-
tivos públicos na área turística e facilidades de créditos para
a cadeia produtiva.
Ao capacitar a população local, incentiva-se que os
próprios munícipes se articulem e atuem direta ou indire-
tamente na atividade turística, o que é fundamental para
manter os recursos gerados no município.

86
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Percurso da pesquisa

Para a condução do estudo sobre a atividade turística no


município de São José do Barreiro, foi realizada pesquisa de
campo que triangulou três fontes de informação: a perspectiva
do poder público municipal, por meio de entrevista realizada
com o prefeito; a perspectiva da população, por meio da reali-
zação de um inquérito; e a avaliação da estrutura turística de
uma amostra dos atrativos do município, por meio da observa-
ção sistemática. A primeira fase consistiu na aplicação de um
roteiro de questões ao prefeito do município. O intento inicial
era entrevistar também o secretário de turismo, no entanto
não havia ninguém ocupando o cargo e o próprio prefeito acu-
mulava a função. A segunda fase consistiu em avaliar a relação
da população local com a atividade turística. Para tal, foi ela-
borado um instrumento de coleta de dados que foi aplicado em
uma amostra de 336 munícipes, configurando uma amostra
não probabilística por acessibilidade, com 5% de erro amostral
e 95% de nível de confiança. A terceira fase usou a técnica da
observação sistemática para avaliar as condições estruturais
dos atrativos turísticos do município. Temporalmente, tem-se
que a pesquisa foi realizada no segundo semestre de 2016, após
aprovação em Comitê de Ética em Pesquisa.

Análise da estrutura turística no município de São


José do Barreiro

Dentro da pretensão do texto, no sentido de promo-


ver uma análise sobre a estrutura turística de São José do
Barreiro, se faz necessário trazer ao debate categorias como
o poder público, a população local e a observação da estru-
tura de recepção, tudo no sentido de explorar os elementos
que compõem a estrutura turística do município. Vejamos:

87
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Poder público

Para verificação do posicionamento do poder público


quanto ao turismo em São José do Barreiro, foi realizada en-
trevista com o prefeito do mandato de 2013 a 2016. Objetiva-
va-se entrevistar também o Secretário de Turismo, no entan-
to o cargo estava vago na ocasião da pesquisa, o que já é um
indicativo de certa fragilidade na política municipal do turis-
mo. As respostas foram agrupadas em seis temas, de acordo
com o assunto tratado, a saber: 1) caracterização do entrevis-
tado: trajetória profissional, qualificação envolvimento com
o turismo; 2) município como estância turística; 3) turismo e
desenvolvimento; 4) atrativos turísticos; 5) regionalização do
turismo; e, 6) ações de comunicação e divulgação.
Quanto à trajetória profissional do entrevistado, ob-
servou-se o foco nas atividades voltadas ao turismo. “E aí
continuei na área de Educação Física até 1998, aí, em 1998
eu saí da parte de Educação Física e foquei só mesmo no tu-
rismo”. O prefeito também faz parte do empresariado local,
por possuir uma agência de turismo receptivo e um meio de
hospedagem. Em suas palavras, ele diz que: “em novembro
de 1993, eu abri a primeira agência de turismo aqui na re-
gião, aqui do Vale Histórico e começamos a trabalhar ofi-
cialmente”. Isso representa que, além de atuar como gestor
municipal, o prefeito é parte do trade turístico, aumentan-
do sua responsabilidade em gerir o turismo local e agregar
boas práticas ao município.
O segundo tema abordado envolve o município como
estância turística. Por meio das falas do entrevistado, per-
cebe-se que houve persistência por parte dele para que o
município se tornasse Estância Turística de modo que, em
sua fala ele diz: “Daí fui procurar saber, o que é isso, Estân-
cia Turística, daí fiquei sabendo que era um recurso que o
governo do estado dava para algumas cidades que tinham

88
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

potencial turístico para montar estrutura turística do mu-


nicípio, daí fiquei super entusiasmado com isso, e falei ah,
vou trabalhar para São José do Barreiro [...]”.
Referente às questões administrativas e voltadas ao de-
senvolvimento municipal, o entrevistado destaca o aumento
da demanda turística no município pois, segundo ele: “o au-
mento da demanda foi o nosso objetivo maior e nós conse-
guimos aumentar em 20%” e, neste sentido, reforça que a en-
trega de um mapa turístico impresso foi uma das estratégias
para a conquista desse percentual de crescimento.
Foi perguntado ao gestor se os recursos gerados pelo
turismo são significativos para a arrecadação do município
e o mesmo informou que “Lógico! Sim, principalmente na
geração de empregos. Se tudo continuar do jeito que está,
daqui dois anos, São José do Barreiro será um dos grandes
estímulos desta região do Vale do Paraíba”. Administrati-
vamente, o entrevistado informou que não há secretário de
turismo, pois “eu coloquei três secretários e, ninguém gos-
tou de nenhum dos três!”.
Quanto aos atrativos do município, o entrevistado in-
formou que instituiu a distribuição do mapa turístico aos
visitantes, mas apenas nos finais de semana. Quanto a re-
gionalização do turismo, o entrevistado informou que há um
roteiro turístico e a institucionalização do caminho da Bocai-
na como umas das rotas oficiais do Estado, mas não compar-
tilhou mais informações sobre essa questão. Foi questionado
também se há algum projeto em conjunto com demais muni-
cípios da região para atrair turistas. O mesmo informou que
“o objetivo é esse, e agora com a melhoria das estradas, as
pessoas acabam fazendo isso naturalmente”. Essa afirmação
mostra que não há nenhuma atividade em conjunto efetiva-
mente para regionalização do turismo local.
Quanto à divulgação do município, o prefeito infor-
mou que possui uma assessoria de imprensa localizada em

89
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

São Paulo que divulga ações locais, estimulando o fluxo de


turistas de outras regiões. Ruschmann (1990) evidencia a
necessidade de comunicação das organizações turísticas.
Compreendida a postura do gestor público em relação
à atividade turística do município, foi realizada a pesquisa
com a população local.

População Local

A primeira questão configurava-se como um filtro de


pesquisa, na qual o entrevistado confirmava que morava
no município, aspecto que foi definido como condição para
composição da amostra.
Dentre as pessoas pesquisadas, 54% são do sexo fe-
minino e 46% masculino. A faixa etária com maiores con-
centrações de moradores quanto ao tempo de residência no
município se concentra entre 19 a 49 anos, o que demonstra
uma estabilidade da população, com baixo fluxo migrató-
rio. Há 19% dos moradores com idade entre 20 a 24 anos,
seguido de 16% com 25 a 29 anos, 30 a 34 anos com 12%;
35 a 39 anos com 9%; 40 a 44 anos com 9% e 45 a 49 anos
6%. Ressalta-se que foram entrevistados moradores acima
de 20 anos. Há uma predominância de população em idade
produtiva no município, o que demanda políticas públicas
para geração de emprego e renda.
No que se refere ao nível de escolaridade dos entre-
vistados, 5% possui ensino fundamental completo, 45%
possui ensino médio completo; 10% superior completo; 4%
especialista/pós-graduado e 0,6% mestrado. Observa-se a
ausência de uma mão de obra mais qualificada. Um pon-
to de atenção é que 56% (188 pessoas) dos entrevistados
trabalham em São José do Barreiro e os demais 44% (146
pessoas) exercem atividades nos municípios de Resende,
Cruzeiro, Areias, Arapeí, Bananal, Guaratinguetá e Rio de

90
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Janeiro. Tal cenário revela a dificuldade que o município


tem em gerar oportunidade de emprego e renda para a po-
pulação local.
A maioria dos entrevistados, 55% da amostra, traba-
lha na área de Comércio e Serviços, seguido por 21% do
lar e 12% aposentados. Apenas 2% dos entrevistados exer-
cem atividade remunerada diretamente relacionada com o
turismo. Aqueles que trabalham com comércio e serviços
acabam se envolvendo indiretamente com o turismo local,
pois podem trabalhar em trades da área, mas muitos não
estabelecem essa relação com o turismo.
A renda familiar mensal se reflete nos seguintes nú-
meros: 41% com o salário de até R$ 1.760,00 (equivalente
a dois salários mínimos); 32% com renda de R$ 1.761,00
a R$ 3.520,00 e 4% da amostra possui renda acima de R$
5.280,00 (mais de seis salários mínimos).
Dos que possuem renda até R$ 1.760,00, a maioria
trabalha na área de comércio e serviços, até porque o mu-
nicípio não possui indústrias significativas e possui sua
economia baseada na agricultura, na pecuária leiteira e no
turismo.
Segundo o portal institucional da prefeitura do mu-
nicípio (2016) “tem sua economia centrada na agricultura
(arroz, feijão, milho, mandioca, cana e abóbora) na pecuária
leiteira, no gado de corte e no turismo”. O Gráfico 2 apre-
senta os resultados quanto ao interesse da população em
trabalhar com turismo.
Em uma estância turística, na qual 73% (Gráfico 03) da
amostra entrevistada tem a consciência do que significa essa
titulação e 97% (Gráfico 04) reconhecem que o município é
uma estância turística, pode ser considerada baixa a quan-
tidade de pessoas interessadas em trabalhar com turismo,
podendo ser pela descrença, desconhecimento das possibili-
dades que a área oferece ou falta de infraestrutura turística.

91
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Gráfico 02 – Interesse em trabalhar com o turismo no mu-


nicípio

Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

Gráfico 03 – Conhecimento do significado de Estância

Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

92
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Gráfico 04 – Identificação de São José do Barreiro como


Estância Turística

Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

Em relação à aceitação da atividade turística no muni-


cípio, a percepção da população é positiva. Cerca de 76% da
amostra respondeu que há atratividade de turistas no muni-
cípio, contra 18% que possuem uma percepção negativa sobre
este assunto. Os 18% que responderam negativamente, justi-
ficaram falta de estrutura turística no município, falta de in-
fraestrutura e falta de divulgação. Neste sentido, foi questio-
nado se o turismo pode gerar emprego e renda ao município e
81% da amostra respondeu que sim, como mostra o Gráfico 5.
De forma complementar, questionou-se se o turismo
traz oportunidades empreendedoras ao município e 64%
acreditam que sim. Se a maioria da população local acredita
que o turismo traz empregos e gera renda, além de opor-
tunidades empreendedoras, pode-se refletir porque muitos
não gostariam de trabalhar nessa área e qual motivo justi-
fica o baixo Índice Firjan de IDHM, inclusive no item de
emprego e renda.

93
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Gráfico 05 – O turismo na geração de emprego e renda

Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

Gráfico 06 – Geração de renda e reversão para o turismo


do município

Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

94
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Buscando entender essa questão, foi questionado aos


munícipes se a prefeitura investe em turismo como opção
de atividade econômica no município e 55% informaram
que não há investimento. Confrontando com a entrevista
realizada com o gestor, formulam-se duas possibilidades: ou
os investimentos de fato são insuficientes para estruturar o
turismo na região; ou os investimentos não são percebidos
pela população, o que demonstra uma lacuna na divulgação
e diálogo com os munícipes. Os moradores também não vi-
sualizam a reversão de recursos gerados pelo turismo para
o município, o que é uma fragilidade.
Para que haja o aprimoramento do turismo de ma-
neira a promover o desenvolvimento do município, é fun-
damental que haja envolvimento e receptividade da popu-
lação. Os Gráficos 07 e 08 refletem a relação entre turistas
e munícipes.

Gráfico 07 – Valorização da população pela visita dos turistas

Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

95
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Gráfico 08 – Relacionamento turista e comunidade local

Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

A população pesquisada acredita que os turistas visi-


tam o município pelo convívio com a natureza, relaxamen-
to, lazer e entretenimento, esporte de aventura e artesanato.
No entanto, 49% dos respondentes acreditam que o municí-
pio não está preparado para receber turistas. Do total, 74%
afirmaram que nunca recebeu orientação do poder público,
direta ou indiretamente, sobre como lidar com os turistas.
Um aspecto relevante é que os munícipes, além de
possuírem amplo conhecimento dos atrativos turísticos do
município, são frequentadores dos atrativos como opção
de lazer. O atrativo mais frequentado é o Balneário Água
Santa, frequentado por 82% dos entrevistados. Tal aspecto
reflete um tipo de turismo integrado à realidade local, sem
a presença de atrativos artificiais construídos apenas para
turistas, o que gera uma segmentação social incompatível
com as premissas de um turismo para o desenvolvimento
local que, em última instância, busca o bem-estar social.

96
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Observação da estrutura de recepção

Na terceira fase da pesquisa, foi realizada observação


sistemática de uma amostra dos atrativos do município, com
o objetivo de verificar a estrutura de recepção. Segundo o
portal institucional da prefeitura, o mapa disponibilizado na
praça principal e nos mapas/guias turísticos de bolso dis-
tribuídos na entrada do município em datas festivas, há 48
lugares para se conhecer no município.
Nota-se que muitos dos locais apresentados no mapa
fazem parte do trade turístico municipal e não necessaria-
mente são atrativos, apesar de terem sua importância para o
desenvolvimento da cadeia produtiva do turismo. A Figura 2
apresenta o Mapa Turístico (termo utilizado pela prefeitura
local, mesmo se tratando de um guia por não haver escalas e
especificações geográficas).

Figura 2: Mapa Turístico de São José do Barreiro

Fonte: Barreiro (2016).

97
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

No mês de setembro de 2016 foram incluídos mais nove


09 atrativos pela prefeitura local no mapa de bolso entregue
aos turistas na entrada do município e em eventos institucio-
nais em que a prefeitura participa. Uma amostra de 13 atrati-
vos foi visitada com o intuito de avaliar a estrutura turística
local. De forma geral, os atrativos necessitam de manutenção
e investimentos por parte da gestão pública. O atrativo com
a melhor estrutura é o Balneário Água Santa, o que reflete
na ampla utilização tanto de turistas quanto de munícipes,
conforme identificado na fase 2 da pesquisa. O acesso a ca-
choeiras tende a ser mais difícil. Este fator poderia ser até um
aspecto positivo a ser explorado em atividades de turismo de
aventura, o que não elimina a necessidade de estrutura.
A sinalização existe em alguns dos atrativos. Há co-
mércio de ambulantes em alguns deles, o que indica pre-
sença de emprego informal. Acessibilidade a pessoas com
deficiência não foi identificada nos atrativos analisados. Não
foram identificados guias nos atrativos visitados. Os guias
existentes são apenas aqueles que são contratados por tu-
ristas em agências locais.

Considerações finais

O desenvolvimento local compete às relações sociais e


econômicas e tem como espaço uma determinada localidade,
levando em conta suas características geográficas, históricas e
culturais. O objetivo da pesquisa foi analisar a estrutura turís-
tica de São José do Barreiro e verificar como a gestão munici-
pal e a comunidade local percebem e organizam a sua atividade
turística, além de observar a estrutura dos atrativos turísticos.
A partir dos resultados obtidos nas três fases da pes-
quisa, promove-se a discussão que permite relacionar a
realidade encontrada no município estudado com questões

98
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

centrais da discussão de um turismo para o desenvolvimen-


to local, rompendo com a associação simplista entre turis-
mo e desenvolvimento.
Um primeiro aspecto que demanda atenção diz respei-
to à participação do poder público na organização do turismo
local. Entende-se este aspecto como fundamental para que
se imprima a maneira de conduzir o turismo em São José do
Barreiro. No município estudado, observou-se um discurso
ativo, no entanto com fragilidades técnicas e estruturais. A
ausência de assessores técnicos pode ser um problema re-
corrente em municípios de pequeno porte. A ausência de um
projeto de longo prazo, que supere a perspectiva de governo
para tornar-se uma política pública, de maneira a superar a
descontinuidade de gestão, também é uma fragilidade.
Ressalta-se que o planejamento urbano é algo histo-
ricamente recente no país e, portanto, em implantação. O
Estatuto da Cidade é um marco legal que visa fomentar o
planejamento urbano, resultado da autonomia que os mu-
nicípios adquiriram a partir da Constituição de 1998. No
entanto, há obrigatoriedade de elaboração de Plano Diretor,
instrumento legal que norteia o planejamento urbano, ape-
nas para municípios com mais de 20.000 habitantes.
São José do Barreiro, que no censo de 2010 contabili-
zou 4.077 habitantes, fica isento de elaborar um plano dire-
tor geral, estando obrigado a ter apenas um Plano Diretor
de Turismo, por ter o status de estância. Na fala do gestor
público, a ideia de planejamento do turismo e da existência
e uso efetivo de tal documento não foram mencionados, de-
monstrando certa fragilidade em planejar estrategicamente
o turismo. Mesmo no caso de haver um plano diretor de tu-
rismo, questiona-se a ausência de um plano diretor global,
pois o turismo, para articular-se com os interesses do muni-
cípio, não pode ser pensado de forma isolada dos outros as-
pectos que envolvem o planejamento e gestão do município.

99
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

A ausência de planejamento se refletirá de várias ma-


neiras na gestão do turismo do município. A inexistência de
uma discussão pública consistente sobre o tipo de turismo
desejado no município é uma lacuna, já que um turismo vol-
tado para o desenvolvimento deve contemplar os interesses
da população local.
Observou-se que a população de São José do Barreiro
possui boa receptividade à atividade turística e a percebe
como potencialidade de geração de emprego e renda, mas
não observa uma movimentação do poder público munici-
pal na organização da atividade. Isso não significa que ações
não sejam realizadas, mas se são, as mesmas não são publi-
cizadas para a população local e não há indícios do uso de
mecanismos de participação que envolvam a população no
processo decisório, tal qual a consulta pública.
Um ponto positivo evidenciado pelos resultados da
pesquisa é o fato da população conhecer e usufruir dos atra-
tivos locais. Esse aspecto sinaliza para um tipo de turismo
que aproveita as potencialidades locais, evitando uma ativi-
dade predatória marcada por atrativos artificiais que sejam
construídos apenas para turistas, gerando um afastamento
social do morador. Os atrativos identificados convergem
com o conceito de slow tourism, no qual as características
de ruralidade e o ritmo de cidade pequena são atrativos por
si só. Somam-se a esses aspectos as manifestações culturais
populares que fazem parte da dinâmica do município.
Uma fragilidade identificada foi a falta de estrutura da
maioria dos atrativos: ausência de sinalização, inexistência
de guias para apresentar a história local para os visitantes
e problemas de acessibilidade são recorrentes. Tal aspecto
é uma questão técnica, que se faz evidente pela ausência
de profissionais com capacitação específica para o turismo.
Para estruturar o turismo local, os municípios classificados
como estâncias, como o caso de São José do Barreiro, podem

100
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

pleitear recursos financeiros do Dade, que possui um Fun-


do de Melhoria das Estâncias. Pois, este:

É um recurso que está disponível para cada estância


no orçamento do Estado todos os anos. E, para recebê-
-lo, a Prefeitura deve determinar quais serão os objetos
dos convênios a serem celebrados, ou seja, aonde a ver-
ba será aplicada (SÃO PAULO, 2015).

No campo das fragilidades, os atrativos turísticos e


manifestações populares são vulneráveis pela sazonalidade
turística e possível degradação dos atrativos, além da des-
continuidade de gestão e desunião política entre os parti-
cipantes do trade. Destarte, o desenvolvimento do turismo
coordenado sob o envolvimento do poder público local com
os demais agentes sociais tem o potencial de contribuir
para alteração das condições locais na busca pelo desenvol-
vimento. Entretanto, as condições endógenas requerem a
estruturação de ações de valorização da cultura local. O de-
safio de São José do Barreiro é, simultaneamente, viabilizar
o turismo e preservar os fatores locais da pasteurização que
por vezes acompanha a expansão do setor.
Em suma, foi identificado potencial turístico, tanto que
é categorizado como Estância Turística, mas não possui pla-
nejamento turístico e de marketing turístico e de lugares para
estruturação e divulgação das potencialidades. Tal ponto pode
ser uma fragilidade, tanto por não aproveitar os recursos lo-
cais, quanto por não ocupar o espaço turístico do município,
que estará sujeito à exploração de investidores externos com
menos compromisso com o desenvolvimento local.

101
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

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105
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Proposta de procedimento para elaboração de roteiro


turístico temático: os atrativos dos
“Caminhos do Sul de Minas”

Samanta Borges Pereira


Alexandre Ferreira de Pinho
Josiane Palma Lima

Introdução

Esta pesquisa1 estudou o tema do turismo, levando


em consideração as relações entre desenvolvimento local
e tecnologias da informação. Para tanto, utilizou-se de um
Sistema de Informação Geográfica (SIG) como instrumen-
to de elaboração de roteiro turístico de comidas e bebidas
regionais.
As considerações sobre os Roteiros Turísticos colabo-
ram na compreensão desta técnica de integração de poten-
ciais turísticos localizados em regiões vizinhas que podem
ser fomentados por meio de sua estruturação. As comidas e
bebidas foram os potenciais escolhidos enquanto temática.
Sendo assim, apresenta-se a importância da comida mineira
enquanto produção associada ao turismo e formadora da
identidade regional (ZUIN & ZUIN, 2008).
São evidenciadas as escolhas teóricas privilegiadas so-
bre o tema das tecnologias da informação enquanto recurso
estratégico às políticas e às ações organizativas em torno do
turismo. Apresenta-se o SIG com a perspectiva de que o uso
desta tecnologia poderá facilitar a organização de diferentes

1 Resultado de dissertação de mestrado “Proposta de Procedimento para


Elaboração de Roteiro Turístico Temático: os atrativos do Circuito Turís-
tico Caminhos do Sul de Minas”. Ver PEREIRA (2016).

107
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

equipamentos e serviços turísticos, no sentido de potenciali-


zar os processos de tomada de decisão e, consequentemente,
ampliar os campos de desenvolvimento local e regional.
Para elaboração de um roteiro, é preciso ordenar os
elementos intervenientes na efetivação da viagem, seguindo
determinados trajetos e possibilitando o aproveitamento ra-
cional dos atrativos a visitar (BAHL, 2004). Alguns manuais
oferecem procedimentos que orientam na elaboração de ro-
teiros, como a publicação de ordem técnica da CREATO Ofi-
cina de Roteiros (2005), indicadas por Cisne & Gastal (2009)
e do MTur (BRASIL, 2007). Contudo, depara-se com a au-
sência de procedimentos de elaboração de roteiros turísticos
que considerem o uso da tecnologia da informação enquanto
instrumento de análise e construção deste produto turístico,
seja na combinação de atrativos, seja na análise das distân-
cias entre os atrativos. Deste quadro emerge a pergunta de
pesquisa: como o SIG pode ser utilizado na proposição de um
procedimento de roteiro turístico?
A utilização do SIG ganha relevância na gestão da ati-
vidade turística, enquanto tecnologia de integração de infor-
mações espaciais e não espaciais, como são caracterizadas as
informações advindas do turismo. O SIG permite a identifi-
cação de rotas mediante a combinação de diversos elementos,
o que possibilita a elaboração de roteiros turísticos.
As comidas e as bebidas foram escolhidas como tema
central do roteiro enquanto produto histórico-cultural de
relação do homem com o seu meio, que permite ao turista
experimentar a realidade da localidade visitada, simboli-
zada nos ingredientes e no modo de preparar o alimento.
Os atrativos naturais e culturais presentes na região foram
selecionados enquanto outros locais a serem explorados, a
partir da visitação aos produtores das comidas e bebidas.
Isoladamente, a apreciação das comidas e bebidas pode le-
var um tempo mais reduzido de modo que combinadas com

108
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

as belezas naturais e arquitetônicas, podem prolongar o


tempo de permanência do turista e provocar possíveis au-
mentos de gastos na economia local.

O Circuito Turístico Caminhos do Sul de Minas (CT-


CSM) foi considerado pelo SEBRAE/MG, referência em
gestão para os Circuitos Turísticos Mineiros em 2013 e
já recebeu visitas de outros circuitos do estado para rea-
lizar troca de experiência e disseminar sua trajetória de
sucesso, mas a atividade ainda está se fortalecendo, pois
há concorrência com localidades mais fortes como o Cir-
cuito das Águas e os municípios de Campos do Jordão,
Santo Antônio do Pinhal e São Bento do Sapucaí.

Mapa 1: Circuito Turístico Caminhos do Sul de Minas

Fonte: Pereira (2016)

O CTCSM realizou o Mapeamento da Produção As-


sociada ao Turismo (PAT) e do Inventário da Oferta Tu-

109
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

rística (InvTur) entre os anos de 2012 e 2014. Contudo, as


produções não foram trabalhadas de maneira combinada,
de modo a oferecer um produto turístico que pudesse for-
talecer a atividade e as produções locais, apresentando mais
opções ao turista. Portanto, o objetivo deste trabalho é pro-
por um procedimento para elaboração de roteiro turístico
de comidas e bebidas regionais. O objeto de estudo refere-se
à produção associada ao turismo do CTCSM2, modalidade
comidas e bebidas. A dispersão espacial dessas produções
pode limitar o aproveitamento racional desses atrativos.
Além da proximidade geográfica, os municípios asso-
ciados ao CTCSM possuem a Serra da Mantiqueira como
um elo, visto que os municípios se localizam na serra ou
ao seu redor. As características econômicas se apresentam
como outro fator em comum, com destaque para a agricul-
tura e a pecuária, relevantes para o desenvolvimento eco-
nômico-social da região e do estado. A região tem em seus
recursos naturais e seu patrimônio cultural potencial tu-
rístico para ser desenvolvido. Sua população soma 198.220
habitantes – 76% residente na área urbana e 24% residente
na área rural – segundo dados do Censo 20103.
A discussão apresentada está no campo de conheci-
mento multidisciplinar, na linha de Desenvolvimento e Tec-
nologias, do Programa de Mestrado em Desenvolvimento,
Tecnologias e Sociedade (PPGDTecS), dialogando com as
áreas da Economia, da Administração e da Tecnologia com
ênfase nos aspectos de planejamento e gestão do turismo,
e leva em consideração o tema do desenvolvimento local e
regional, mediado por instrumentos de tecnologia, com a
2 O CTCSM é composto pelos seguintes municípios: Brazópolis, Concei-
ção das Pedras, Cristina, Delfim Moreira, Itajubá, Marmelópolis, Pedral-
va, Piranguçu, Piranguinho, Santa Rita do Sapucaí, São José do Alegre e
Wenceslau Braz. Considerou-se a formação do circuito quando do início da
pesquisa, em abril de 2015.
3 Contagem populacional disponível em <http://cod.ibge.gov.br/1P2>.

110
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

pretensão de subsidiar as futuras ações dos agentes de de-


senvolvimento do turismo.
O texto está estruturado em: (1) Introdução, apresen-
tando o problema, os objetivos, a caracterização do objeto de
estudo e da região e dos aspectos de interdisciplinaridade;
(2) Referencial Teórico, abordando os roteiros turísticos en-
quanto instrumento de preservação socioambiental e a sua
relevância na valorização das comidas e bebidas regionais;
segue-se com a apresentação do Sistema de Informação Geo-
gráfica e os usos na gestão do Turismo, principalmente no
que concerne à articulação de potenciais turísticos presentes
em regiões adjacentes; (3) Coleta de dados sobre as comidas
e bebidas regionais e atrativos naturais e culturais, esclare-
cendo as fontes de dados, os critérios de seleção das infor-
mações e o tratamento dos dados para realização das análi-
ses; (4) Análise de rede, que se refere à análise dos dados de
comidas e bebidas, articulados com os atrativos naturais e
culturais, apresentando as ferramentas utilizadas para a aná-
lise, o mapa de resultados com a quantificação de acesso às
produções de comidas e bebidas e o resultado proposto: o
procedimento para elaboração de roteiro turístico utilizando
uma tecnologia da informação; e, (5) as Considerações Finais
que retoma a pergunta inicial e os objetivos, apresentando
algumas reflexões para a discussão a respeito de turismo e
tecnologia e como esta pode contribuir no aprimoramento
dos instrumentos de gestão dos potenciais locais.

Roteiros Turísticos: desenvolvimento local e


preservação socioambiental

A direção e a intensidade dos impactos do turismo de-


pendem da organização e interação dos atores sociais para
atingir objetivos comuns de melhoria de qualidade de vida,

111
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

aumento da competitividade e poder de atração turística,


assim como a preservação e proteção do ambiente natural
e cultural (CUNHA & CUNHA, 2005). Para que o desen-
volvimento do destino contemple os pilares da sustentabi-
lidade, beneficiando os vários atores envolvidos pois, como
alerta Buarque (1999, p. 9):

Esse empreendimento endógeno normalmente de-


manda um movimento de organização e mobilização
da sociedade local, explorando as suas capacidades e
potencialidade própria, de modo a criar raízes efetivas
na matriz socioeconômica e cultural da localidade.

A endogenia é a oportunidade de que os atores sociais


identifiquem e explorem as potencialidades materiais e ima-
teriais presentes na cultura local. Na cooperação entre mu-
nicípios menores, a caracterização das estratégias comuns
e afins parece ser um bom exercício de fortalecimento do
turismo e de atração ao turista.
O recurso turístico representa o conjunto de atrativos
locais, compondo um patrimônio natural e cultural, reunin-
do meio ambiente, clima, beleza natural, paisagens, hospi-
talidade, gastronomia, herança histórica, manifestações cul-
turais e a interação com os habitantes locais. O recurso se
transforma em produto turístico quando se estrutura para
o uso e desfrute do visitante, desenvolvendo uma infraes-
trutura que propicie o uso do recurso, seja na forma de bens
e serviços urbanos, seja sob a forma de equipamentos e ser-
viços de hospitalidade disponíveis (CHIAS, 2007).
Um ou dois atrativos turísticos podem não ser suficien-
tes para movimentar turistas a uma determinada região ou
município ou, se o são, não possuem capacidade de retê-los
por um período prolongado, o que pode atenuar os efeitos
multiplicadores da atividade turística. Assim, para tornar

112
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

uma localidade mais competitiva convenciona-se, atualmen-


te, integrá-la à roteiros turísticos compostos de elementos
semelhantes, os quais se complementem, visando a sua otimi-
zação e diversificação (DANTAS & MELO, 2011).
Desta feita, tem-se que os roteiros turísticos se cons-
tituem numa das principais formas de se contextualizar os
potenciais turísticos existentes em uma região e potenciali-
zar seu poder de encantamento, com a oferta de um conjunto
de atrativos não mais dispersos e isolados. Onde, a combina-
ção de atributos históricos, culturais, gastronômicos e geo-
gráficos apresenta-se como uma importante estratégia para
o desenvolvimento e promoção do turismo em uma região
(TAVARES, 2002). No planejamento e estruturação dos ro-
teiros turísticos, compreende-se que seu propósito abrange
oferecer ao visitante a maior gama de informações, de forma
objetiva, apresentando seus diferenciais, aguçando no turista
seu interesse para conhecer cada particularidade do local.
Gonçalves e Ribeiro (2015) realizaram um levantamen-
to dos conceitos de roteiros de vários autores, entidades, ór-
gãos relacionados à área, dicionários especializados em turis-
mo e de língua geral. O conceito mais atual vem do Ministério
do Turismo (MTur) e será o orientador deste trabalho. Sua
principal característica é estabelecida pelos elementos que o
compõem, não havendo uma sequência rígida quanto à ordem
de visita, sendo que o visitante inicia seu passeio de qualquer
ponto. O conceito do MTur dá autonomia ao visitante, já que
ele pode decidir por onde começar e terminar sua viagem/
passeio. Em se tratando de circuito turístico, o turista pode
estar hospedado em qualquer um dos municípios que o com-
põem e, portanto, pode partir de diferentes lugares.
Alguns manuais disponíveis oferecem procedimen-
tos que orientam na elaboração de roteiros turísticos. Este
trabalho fez uso das publicações de ordem técnica do Ser-
viço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), do

113
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

SEBRAE, da CREATO Oficina de Roteiros, indicadas por


Cisne & Gastal (2009) e do MTur (BRASIL, 2007).
Já os procedimentos norteiam as ações de planejamento
e gestão, indicando os caminhos a serem seguidos para o seu
desenvolvimento de modo que quanto mais detalhado for o
procedimento, menores serão os riscos de resultado final não
ser bem-sucedido. Os procedimentos na elaboração de rotei-
ros turísticos envolvem ações tanto relacionadas aos atrativos
turísticos quanto ações de infraestrutura e treinamento. Esta
pesquisa se propõe a colaborar com o detalhamento das ações
relacionadas ao fomento e articulação dos potenciais turísti-
cos, visando o fortalecimento da imagem do CTCSM.
É importante formar a imagem do local como um des-
tino, uma “marca” que irá representar não apenas produtos
e serviços, mas, principalmente, a experiência que pode ser
ali vivida. Acredita-se que fomentar a culinária local através
de um roteiro turístico pode ser um caminho para o desen-
volvimento do turismo sustentável, mantendo esses costu-
mes, garantindo a preservação dos saberes e fortalecendo a
identidade regional (SANTOS, 2004). Pois, como escrevem
Vargas & Castilho (2006) tem-se que a forma como as pes-
soas moram, comem, bebem, divertem-se e rezam, por si só,
já compõe um cenário completo para o turismo.
Reconhecer as qualidades do produto local é uma for-
ma de contribuir para tornar visível à sociedade a história
por trás do produto, comunicando seus elementos culturais
e sociais, possibilitando ao consumidor avaliá-lo e apreciá-
-lo devidamente, desenvolvendo uma imagem favorável do
território em que o produto se origina (KRUCKEN, 2009).
Em função disso, como saber construído ao longo dos anos,
as comidas e bebidas típicas ganham cada vez mais impor-
tância como produtos do turismo cultural de modo que os
pratos típicos se constituem em iguarias ligadas a um con-
texto histórico-cultural de interação do homem com o seu

114
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

ambiente, com as características próprias de cada região,


que permite ao turista uma aproximação com a vida da co-
munidade local, simbolizada tanto nos ingredientes utiliza-
dos, quanto nas preparações, utensílios e no modo de fazer
o alimento (GIMENES, 2006). E assim, como destacam
Zuin & Zuin (2008, p. 116) tem-se que o turista acaba por
consumir a cultura do local,

Uma vez que a gastronomia de um lugar traduz toda


uma herança cultural, como clima, situação geográfica,
especificidades dos solos, a história, a situação político
social da região e do mundo, entre outros fatores.

Na produção de alimentos tradicionais, destaque para


localidades mineiras que ainda mantém costumes culiná-
rios como observado por Zuin & Zuin (2008, p. 115) desta-
ca-se que:

No Brasil, são poucas as regiões que ainda conservam


as tradições e cultivam a produção de alimentos tra-
dicionais. Geralmente, são regiões menos valorizadas
economicamente, esquecidas tanto pelo poder público
como pelo privado. Um exemplo seriam algumas loca-
lidades de Minas Gerais, onde um grande número de
famílias mineiras ainda preserva os tradicionais cos-
tumes culinários, passando de uma geração à outra as
suas receitas que contêm os segredos e ingredientes da
“comida mineira”. A simplicidade dos pratos e o feitio
familiar, aliados aos temperos ressaltam a qualidade
desse tipo de comida, valorizando as suas característi-
cas e despertando o interesse de turistas.

O sul de minas, considerando os apontamentos de


Zuin & Zuin (2008), traz a tradição culinária em suas práti-

115
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

cas alimentares. Rica em festas e festejos populares mantém


viva práticas culturais pautadas na comida e na bebida, em
que os saberes, as receitas, os segredos e os ingredientes da
comida mineira extrapolam gerações, o que, por si, desper-
ta o interesse de muitos.
Pela importância nacional da comida minera, foi insti-
tuído o dia 5 de Julho como o Dia da Gastronomia de Minas
Gerais, através da Lei Nº 3.606/2012, que prevê o apoio,
pelo Estado, para a realização de eventos e comemorações
por ocasião desta data, visando valorizar a cultura e a tradi-
ção da culinária mineira.
Em pesquisa de demanda realizada pela Secretaria de
Turismo de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2011), dos 13
aspectos analisados no nível de satisfação, a gastronomia/
restaurantes alcançou a segunda melhor nota de preferên-
cia na pesquisa. Outro dado afirma a força da comida minei-
ra: a primeira imagem que vem à cabeça do turista quando
ele escuta “Minas Gerais” é “gastronomia” (17,89%).
Segundo Schlüter (2003, p. 75), “as rotas gastronômi-
cas, em função da cultura, têm por objetivo mostrar os valo-
res culturais de determinadas localidades tendo como eixo
os pratos típicos da região”. Como é considerada patrimônio
por traduzir a identidade de um povo, a gastronomia adquire
cada vez mais importância ao promover um destino e atrair
fluxo turístico, possibilitando aos visitantes a oportunidade
de obter prazer através da refeição, apreciando a cultura de
um lugar por meio da gastronomia (SCHLÜTER, 2003).
A gastronomia tradicional implica, ainda, no consumo
de matérias-primas locais, pois as receitas são elaboradas com
produtos agrícolas habitualmente utilizados pela comunidade
local de modo que “tal fato contribui para o desenvolvimento
da economia agrícola, pois a produção agroindustrial local in-
duz à criação de postos de trabalho, permitindo a fixação da
população ao mundo rural” (ZUIN & ZUIN, 2008, p.116).

116
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

As produções artesanais, industriais ou agropecuárias


que detenham atributos naturais e/ou culturais de um povo,
com capacidade de fomentar o turismo são consideradas e
denominadas de Produções Associadas ao Turismo (PAT).
Seu conceito foi desenvolvido para fins de planejamento e
efetivação da política pública de turismo considerando a im-
portância de diagnosticar segmentos que possibilitem a ex-
pansão e diversificação da oferta turística (BRASIL, 2011).
Neste sentido, tem-se que o desenvolvimento e associação
de determinados produtos à atividade turística criam uma
oferta diferenciada e estimula a cultura local tendo como
consequência direta o aumento da autoestima dos respon-
sáveis pela produção. Para tanto, é preciso a integração dos
envolvidos, com a representação da diversidade de produ-
tos, preservando os saberes e costumes locais e consequente
preservação da atividade turística na região.
A PAT procura despertar o desejo pelos produtos as-
sociados ao destino visitado como objeto de recordação da
experiência vivida. Ou ainda identificar oportunidades de
vivências surpreendentes transformando as manifestações
populares em atrativos turísticos, agregando valor aos des-
tinos, beneficiando vários segmentos (agricultores, arte-
sãos, comerciantes, prestadores de serviço, poder público),
além de incentivar o estabelecimento de um ambiente de
interação e colaboração entre os produtores locais e empre-
sários do setor (BRASIL, 2011).
Superar o conceito simplista de turismo ‘que nos dei-
xa no mesmo lugar’ (GUATTARI, 1992) implica no desen-
volvimento da atividade como vivência de experiências sin-
gulares, para além do movimento de “chegar, estar e partir”
podendo ser pensado como intercâmbio de saberes, vivência
de um momento único e inesquecível, ampliando essa expe-
riência para uma noção mais equânime como “Chegar, Tro-
car, Partir, Regressar”.

117
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Assim, elaborar roteiros que disponibilizem essa sen-


sação pode ser uma possibilidade de fomento às produções
com apelo turístico localizadas em regiões adjacentes, sen-
do uma via para garantir maior permanência do visitante
na região, com consequentes gastos na economia local e
o desenvolvimento regional através da atividade turística.
Um importante instrumento para contribuir na articulação
das produções presentes em regiões vizinhas é o SIG, que
vem ganhando espaço no planejamento e gestão do turismo.

Espacialização e Gerenciamento das


Informações Turísticas

Os Sistemas de Informação Geográfica (SIG) são


um tipo de Sistema de Apoio à Decisão (SAD), geralmente
compostos de diversos subsistemas ou módulos para arma-
zenamento e recuperação de dados espaciais e atributos re-
lacionados (banco de dados); análise de dados, normalmen-
te incluindo diversos métodos estatísticos; visualização de
dados; e obtenção de resultados de análises estatísticas, na
forma de tabelas, gráficos e geração de relatórios, mapas e
modelos digitais (BURROUGH, 1998).
Na descrição geral realizada por Davis & Câmara
(2001, p. 2), os autores apresentam uma dualidade básica
para este sistema, o requisito de armazenar a geometria dos
objetos geográficos e de seus atributos e alertam que

Devido a sua ampla gama de aplicações, que inclui temas


como agricultura, floresta, cartografia, cadastro urbano
e redes de concessionárias (água, energia e telefonia), há
pelo menos três grandes maneiras de utilizar um SIG:
como ferramenta para produção de mapas; como supor-
te para análise espacial de fenômenos; como um banco

118
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

de dados geográficos, com funções de armazenamento


e recuperação de informação espacial. Estas três visões
do SIG são antes convergentes que conflitantes e refle-
tem a importância relativa do tratamento da informação
geográfica dentro de uma instituição.

Para esses autores, o SIG pode ser utilizado de dife-


rentes maneiras, face suas inúmeras aplicabilidades. Neste
trabalho privilegiou-se o sistema convergindo sua poten-
cialidade de produção de mapas, com status de suporte para
análise espacial do fenômeno estudado e para servir como
banco de dados para que o CTCSM possa, futuramente,
modificar, reorganizar e fazer uso dos dados sistematiza-
dos. Na linha dos pesquisadores citados, essas visões sobre
o SIG não são conflitantes, bem como fortalecem a impor-
tância da informação geográfica para as atividades turísti-
cas e organizações de propostas de turismo.
O uso do SIG tem se intensificado no planejamento
das atividades turísticas já que possibilita a estruturação,
gerenciamento e espacialização das informações territoriais
via georreferenciamento, organizando as informações em
camadas, conectando-as em tabelas de atributos alfanumé-
ricos e compostos pela capacidade de inter-relação espacial
(LADWIG, 2012).
Duque & Mendes (2006) reforçam o uso do SIG na
gestão do espaço turístico, por meio do cruzamento de
informações: a distribuição dos atrativos em relação aos
diversos equipamentos (hospedagem e alimentação); a in-
fraestrutura turística e de apoio e mapeamento espacial
dos principais polos emissores de turistas e seus trajetos
até o local turístico; a caracterização da demanda de cada
atrativo, permitindo ao gestor do turismo identificar dese-
quilíbrios entre oferta e demanda, intervindo por meio de
estratégias e ações.

119
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

De forma geral, a informação geográfica pode ser de-


finida por qualquer informação física, social, biológica, eco-
nômica, ecológica, ambiental etc., que possa ser associada ou
relacionada a um posicionamento sobre a superfície terres-
tre. Se uma determinada informação geográfica possui um
propósito turístico e uma localização espacial sobre a super-
fície terrestre, vinculada a algum sistema de posicionamen-
to, esta caracteriza uma informação turística geográfica. Na
grande maioria dos casos, a informação turística poderá ter
uma associação entre dados e informações não geográficas
e geográficas (FERNANDES, MENEZES & SILVA, 2008).
Vislumbra-se com este estudo contribuir para o de-
senvolvimento do destino estudado, a região do CTCSM,
adotando as noções espaciais no processo de tomada de de-
cisão por parte dos gestores do turismo, além da formatação
de novos produtos turísticos. A aplicação dos SIG ao Turis-
mo, desenvolvida nesta pesquisa, reporta-se à elaboração de
Roteiros Turísticos. Algumas pesquisas já demonstraram
sua relevância e aplicação.
A proposta de Nóbrega et al. (2011) apresentou o uso
do SIG na composição de roteiros (eco) turísticos na área
de proteção ambiental (APA) de Algodoal/Maiandeua, no
Pará, fazendo-se uso das trilhas existentes na região. Sua
proposta pretendia identificar um caminho que pudesse ser
utilizado dentro da atividade (eco) turística e na interpre-
tação ambiental como ferramenta de preservação da APA.
O SIG foi utilizado na confecção da base cartográfica e na
composição dos mapas digitais com base nos dados levanta-
dos (imagens de satélite, coordenadas geográficas, fotogra-
fia e descrição dos atrativos naturais).
O trabalho de Bessa et al. (2014) utiliza do SIG para
articular dados das Aldeias Vinhateiras do Douro, em Por-
tugal, de altimetria, hidrografia, rede viária, rede ferroviá-
ria, rede de caminhos adequados ao pedestrianismo e pa-

120
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

trimônio construído (no qual se incluem os serviços úteis


aos turistas), que foram posteriormente categorizados em
atividades e lazer; mobilidade e transportes; alojamentos;
restauração e comércio; e, outros serviços. A base de dados
geográfica montada a partir desses levantamentos apre-
senta características do local como: designação, localização
descritiva, coordenadas geográficas, descrições do local/
monumento/atividade de interesse ou do serviço.
A proposição de percursos pedestres para o Concelho
de Lamego, localizado no distrito de Viseu, em Portugal,
apresentada na dissertação de Osório (2010), realiza a clas-
sificação das estradas da rede viária da área em estudo a
partir de sua importância turística, ou seja, da presença/
proximidade de patrimônio natural e cultural nas estradas.
O SIG foi usado para a preparação e análise das informa-
ções através da determinação de critérios de ponderação
dos temas georreferenciados para a obtenção dos percur-
sos, com o cruzamento dos temas cartográficos.
As pesquisas apresentadas mostram uma intersecção,
qual seja, o uso do SIG para cadastramento dos dados levan-
tados e consequente formação de base de dados de modo a
realizar o cruzamento dessas informações de diferentes na-
turezas, com diferentes finalidades: elaboração de roteiros
turísticos, desenvolvimento de ferramenta para elaboração
de roteiro turístico ou identificação de áreas com aptidão
turística. Neste trabalho, o SIG foi utilizado para cadastro
do levantamento da produção de comidas e bebidas; para
formação da base de dados, na composição dos mapas di-
gitais; e, para a realização da análise de rede, descrição e
ilustração dos atrativos selecionados.
Os exemplos de aplicação do SIG na elaboração de
roteiros turísticos e as sugestões de encaminhamentos de
cada um dos autores colaboraram na confecção e consoli-
dação desta pesquisa, enquanto percurso metodológico,

121
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

análise e resultados, elucidando mais uma forma de aplica-


ção desta tecnologia no setor turístico e desenvolvimento
regional apoiado na valorização da culinária mineira e sua
articulação com atributos naturais e culturais.

Os “Caminhos do Sul de Minas”: entre comidas,


bebidas, montanhas e cachoeiras

Os dados sobre as comidas e bebidas foram extraí-


dos do Mapeamento da produção associada ao Turis-
mo, realizado pelo CTCSM entre os anos de 2012 e 2014.
Os formulários de entrevistas não possuíam campo de data,
portanto não foi possível identificar o dia preciso do levan-
tamento dos dados. Em ida a campo para verificação de
coordenadas geográficas, identificou-se mais uma produção
de bebida além daquelas registradas nos documentos.
Para criação da base de dados foram utilizados os for-
mulários de entrevistas aplicados aos produtores de comi-
das e bebidas, que somaram 54 documentos e 50 produto-
res entrevistados. Os campos selecionados para composição
da base de dados referente às comidas e bebidas foram: (1)
Nome do produto; (2) Tipo do produto (comida ou be-
bida); (3) Endereço da produção; (4) Motivo de ter in-
gressado na atividade; (5) Tempo do produto; (6) Tipo
de comida/bebida produzido; (7) Origem da receita; (8)
Local da produção (restaurante, em casa, outros); e, (9)
Origem do produtor.
As informações sobre os atrativos naturais e culturais
foram extraídos do Inventário da Oferta Turística (Inv-
Tur), realizado pelo CTCSM. Para coleta referente à Ita-
jubá, fez-se uso do Guia Turístico de Itajubá, produzido
pela Prefeitura de Itajubá em 2014, já que o levantamento
feito pelo CTCSM não pesquisou este município.

122
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Foram selecionados os atrativos naturais das subcate-


gorias do tipo quedas d’água, hidrografia, flora e unidades
de conservação pois, esses, são passíveis de serem visitados
em períodos curtos de tempo, diferentemente do acesso às
montanhas, planícies e planaltos. Para os atrativos cultu-
rais, foram escolhidas as edificações, instituições culturais
e obras de arte já que a visitação a esses atrativos é perma-
nente e constante, diferentemente das feiras, festas e festi-
vais que ocorrem em diferentes momentos do ano.
O conjunto dos arquivos usados para extrair esses da-
dos somam 58 documentos. Foram entrevistados os mante-
nedores responsáveis pela preservação dos atrativos, como
por exemplo, as prefeituras ou os proprietários de áreas
onde estão localizadas cachoeiras. Os dados selecionados
para composição da base de dados referente aos atrativos
naturais e culturais foram: (1) Nome fantasia; (2) Categoria
(atrativo natural ou cultural); (3) Subcategorias; e, (4) En-
dereço ou posição geográfica do atrativo.
Os endereços foram convertidos em coordenadas geo-
gráficas, latitude e longitude. Primeiramente, os endere-
ços foram lançados no Excel. Para a conversão, fez-se uso
do Google Maps Geocoding API (Sistema de Coordenadas
Geográficas WGS84 - World Geodetic System, definido em
1984, que é uma superfície de referência padrão), na lingua-
gem de programação Phyton. A conversão de alguns endere-
ços não permitiu a identificação das coordenadas geográficas.
Nestes casos, elas foram conseguidas de duas formas: fazen-
do uso do Google Earth, localizando manualmente as pro-
duções a partir dos endereços informados nos documentos,
ou visitando os locais e fazendo a marcação das coordenadas
usando GPS, Modelo Tracker TV, da marca Multilaser.
Alguns atrativos naturais já possuíam as coordenadas
geográficas registradas no documento, em formatos diver-
sos (Geodésico, Geodésico Decimal, UTM). Estas foram,

123
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

portanto, transferidas do documento para a planilha do Ex-


cel, para a formação da base de dados, no formato de graus
decimais.
A organização das informações coletadas foi realiza-
da no Excel versão 2007, da Microsoft, e gerou a base de
dados referente à produção de comidas e bebidas, com 12
colunas de informações e referente aos atrativos naturais e
culturais com 6 colunas de informações. A base de comidas
e bebidas está composta por 82 produções. A base dos atra-
tivos naturais e culturais está composta por 74 atrativos.
Feita a organização e tratamento das informações co-
letadas, eles foram importados para o ArcGIS versão 10,
para integrar todos os elementos, criando a base de dados
(BD) no software. A importação dos dados implica na revi-
são e correção destes e exige o atendimento rigoroso aos
critérios estabelecimentos no sistema, para sua importação,
para garantir a formação de uma base confiável.
As informações da divisão territorial e sedes munici-
pais e da malha rodoviária formaram as camadas sobre as
quais as comidas e bebidas e atrativos naturais e culturais
foram trabalhados no SIG. Para o processamento dos dados
no SIG, todas as bases cartográficas foram convertidas para
o mesmo sistema de referência de coordenadas (Projeção),
o Sistema de Referência para as Américas do ano de 2000
(SIRGAS 2000), para a Zona 23 do Sul (UTM23S).
Foram utilizadas também as Cartas da Base Carto-
gráfica de Divisão Territorial do IBGE (2015)4 nomeadas
de Limites_v2015 e Localidade_v20155 que contém as se-
des municipais que se referem a um ponto, definido pelo
IBGE, dentro da área urbana dos municípios, que serão os
locais de origem usados na análise de rede.

4 ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_mapas/bases_cartograficas_conti-
nuas/bc250/versao2015/Shapefile/
5 Bases contínuas 1:250.000, versão 2015, em formato shapefile.

124
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Para a malha rodoviária utilizou-se se da Base Car-


tográfica de Transportes do IBGE (2015)6 nomeada de
Transporte_v20157; e dos dados abertos do OSM8 (2016)
para download dos vetores referente à rede viária da região
em estudo.
Foi necessário tratar o dado referente às rodovias
adquiridos no OSM, fazendo as conexões, no software Ar-
cGIS, utilizando o modo de edição para adicionar feição,
além da exclusão das linhas referentes aos rios, selecionan-
do somente as rodovias. Para a combinação dos atrativos
principais – comidas e bebidas – com os atrativos secundá-
rios – naturais e culturais – optou-se pelo critério de tempo
de acesso. Para tanto, foi preciso classificar a malha viária e
atribuir velocidade média a cada trecho. A base cartográfica
do IBGE contém uma classificação das vias da malha viária9
e para cada classificação foi atribuída a velocidade máxima
permitida na maioria dos trechos, ou seja, o espaço e tem-
po10 percorrido naquele trecho, conforme sua classificação,
os quais foram: (1) vias urbanas, que configuram as ruas e
avenidas: 30 km/h; (2) estradas pavimentadas, que repre-
sentam as rodovias: 40 km/h; (3) estradas não pavimenta-
das, que configuram as estradas rurais: 30 km/h11.
6 ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_mapas/bases_cartograficas_conti-
nuas/bc250/versao2015/Shapefile/
7 Bases contínuas 1:250.000, versão 2015, em formato shapefile.
8 O Open Street Maps é um projeto colaborativo de dados geo-espaciais
abertos. Ou seja, o acesso à base de dados é gratuito e qualquer pessoa
pode alimentá-la com novas informações. Disponível em https://www.
openstreetmap.org.
9 A classificação das vias pelo IBGE são: revestimento primário, leito na-
tural e pavimentado. Elas foram renomeadas para vias urbanas, estradas
não pavimentadas e estradas pavimentadas, respectivamente.
10 Convertidos, pelo sistema, em metros por minutos.
11 Velocidades definidas conforme orientação do Código de Trânsito Bra-
sileiro (CTB), capítulo III, artigo 61, § 1º quando dispõe sobre as velocida-
des onde não existir sinalização regulamentadora. Disponível em http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503.htm.

125
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Como a classificação atribuída para os trechos da ro-


dovia presentes nos dados do IBGE não usa a mesma di-
visão, usou-se, para as vias urbanas a velocidade máxima
determinada para as vias locais. Definiu-se como velocida-
de para as rodovias a metade da menor velocidade deter-
minada pelo CTB para esse tipo de via: 40 km/h. Para as
estradas rurais, definiu-se a metade da velocidade máxima
definida pelo CTB para este tipo de via, 30 km/h. O traça-
do das ruas e rodovias e a atribuição da velocidade máxima
em cada trecho da rede permitiu a obtenção do tempo para
percorrer determinado trajeto. O tratamento foi realizado
de modo a fazer as junções das ruas e rodovias.

Análise de Rede: caminhos entrecruzados

Para realização da análise de rede foi utilizado o pro-


cedimento de modelagem de caminhos Localização-aloca-
ção, disponível por meio da extensão Network Analyst, do
software ArcGIS. Este tipo de análise envolve o cálculo do
trajeto de menor custo ao longo de uma rede. Neste tra-
balho, a rede referiu-se aos caminhos percorridos (ruas,
estradas rurais, rodovias) para se chegar a cada uma das
produções de comidas e bebidas e nos atrativos culturais e
naturais, a partir das sedes de cada município.
Utilizou-se da análise distância-custo, que implica em
uma matriz de custo ou matriz origem-destino (matriz O/D)
– sustentado num atributo de impedância – entre múltiplos
locais de origem e múltiplos de destino. Os múltiplos locais
de origem são as 10 sedes dos municípios do CTCSM, de-
finidos pela base cartográfica do IBGE. Os múltiplos locais
de destino são as diversas produções de comidas e bebidas.
A impedância mede uma dificuldade ao deslocamento e a
matriz O/D representa os tempos de viagem.

126
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

O custo é a impedância, que neste caso, foi o tempo


gasto para acessar cada produção, em até 30 minutos e de
30 a 60 minutos, partindo de cada uma das sedes. O critério
estabelecido refere-se à identificação de qual sede, a par-
tir das 10 sedes existentes, que alcança o maior número de
produções de comidas e bebidas, nos intervalos estabeleci-
dos, combinados com os atrativos naturais e culturais.

Mapa 2: Comidas e bebidas tradicionais + atrativos natu-


rais e culturais

Fonte: Pereira (2016)

127
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Não foram encontradas, na literatura, referências


quanto ao tempo de acesso ou distâncias quando da neces-
sidade de passeios curtos. As referências apontam apenas
para a divulgação da distância ou tempo de acesso. Sendo
assim, partindo das características do município polo e de
maior população – Itajubá – que apresenta características
do turismo de negócios12, juntamente com o tipo de pro-
dução a ser destacada nesse trabalho, as comidas e bebidas,
entendeu-se que essas deveriam ser acessadas na forma de
passeios curtos, no intervalo do almoço e pós-expediente.
Teve-se, portanto, os pontos de produção de comidas
e bebidas, além dos atrativos naturais e culturais, espalha-
dos pelo CTCSM, que são chamadas de localidades. Parte-
-se do princípio de que o turista que deseja experimentar
as comidas e bebidas e visitar os outros atrativos estará
hospedado na sede de um dos municípios do CTCSM, que
são chamados de pontos de demanda. Para proposição do
roteiro, foram levantadas, com esta análise, as quantidades
de pontos de produção de comidas e bebidas que podem ser
alcançados, partindo da sede de cada município, em perío-
dos de tempo de até 30 minutos e de 30 a 60 minutos.
Para refinamento da seleção dos pontos turísticos gas-
tronômicos, aplicou-se filtros que exibissem somente produ-
ções de comidas e bebidas tradicionais da região em estudo.
Como tradicionais, partiu-se da definição presente no Dicio-
nário de Conceitos Históricos (SILVA & SILVA, 2006) que
entende tradição significando elementos culturais presentes
nos costumes, nas Artes, nos fazeres que são herança do pas-
sado que continua a ser aceito e atuante no presente.
Entendeu-se por tradicional, as produções existentes
há mais de 20 anos, aprendidas com a família e que seguiram

12 Uma pesquisa de perfil de turista poderá contribuir com o direciona-


mento das estratégias de turismo em termos de serviços e produtos a se-
rem desenvolvidos e oferecidos.

128
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

a tradição, não sendo produzidas por moradores recentes. O


mapa 2 ilustra as produções de comidas e bebidas combina-
das com os atrativos naturais e culturais. Percebe-se que é a
partir de Itajubá que se acessa o maior número de atrativos,
no intervalo de 30 minutos (56). Considerando-se o inter-
valo de 60 minutos, o acesso ao maior número de atrativos
é partindo de Piranguinho e São José do Alegre (86).
A definição de roteiro turístico mais atual, apresen-
tada pelo Ministério do Turismo (2007) diz que ele é “um
itinerário caracterizado por um ou mais elementos que lhe
conferem identidade, definido e estruturado para fins de
planejamento, gestão, promoção e comercialização turísti-
ca. Não tem obrigatoriamente um ponto inicial e um final.
O turista começa a visitação de qualquer um dos destinos”.
Como elementos que lhe conferem identidade foram
selecionadas as comidas e bebidas, combinadas com os atra-
tivos naturais e culturais. A combinação dos atrativos e a
estruturação do roteiro têm por finalidade aumentar o nú-
mero de opções a serem visitadas pelo turista, promovendo
a região e a comercialização turística.
Não tendo obrigatoriamente um ponto inicial e um
ponto final, elaborou-se este procedimento partindo do
princípio de que o turista poderá começar o passeio por
qualquer um dos pontos selecionados e descritos. Para defi-
nição de roteiro de 30 minutos e 60 minutos, considerou-se
como local de partida, a sede de Itajubá.

Caminhos saborosos do Sul de Minas

A partir da seleção da sede que acessa o maior número


de produções tradicionais e atrativos naturais e culturais –
Itajubá – fez-se nova seleção para definição dos pontos para
a composição do roteiro, sendo: Cachaça de Conceição das

129
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Pedras; Cachaça de São José do Alegre; Cachaça de Piran-


guçu; Doce de abóbora, marmelada e geleia de marmelo de
Marmelópolis; Marmelada e pinga artesanal de marmelo
de Delfim Moreira; Pé-de-moleque de Piranguinho; Sopa
de marmelo, marmelada e geleia de Delfim Moreira; Peixe-
-frito de São José do Alegre; Caldo de cana e pastel de milho
de Itajubá.
Esta etapa referiu-se à descrição da experiência para
exemplificação de roteiro turístico, tendo como tema as
comidas e bebidas presentes na região e consideradas tra-
dicionais. A descrição das produções permitiu expressar a
experiência a ser vivida a partir da visitação, tanto como
experiência degustativa, o sabor, quanto como experiência
de trocas, de saberes e da história presentes na produção e
no jeito se ser do local visitado.
O roteiro passeia por 8 municípios do Circuito Turís-
tico Caminhos do Sul de Minas e remete às coisas simples,
que desenham genuinamente o Sul de Minas. Os atrativos
são acessíveis aos turistas que visitam a região, estando eles
hospedados em qualquer um dos municípios pertencentes
ao CTCSM. As comidas e bebidas são produções tradicio-
nais, com receitas transferidas por famílias de geração em
geração e produções de até 250 anos. Destaque para as ca-
chaças, todas com mais de 100 anos de história e com forte
relação com o local de produção e as famílias produtoras.
Não há sazonalidade nas produções, podendo ser apreciadas
em qualquer época do ano.
É possível visitar, ainda, cachoeiras e construções an-
tigas que ajudam a ilustrar a paisagem e a contar a história
dessa região da Serra da Mantiqueira. Uma breve descrição
dos atrativos será apresentada.

130
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Figura 1: Duto de pedra no alambique da cachaça de


Conceição das Pedras

Fonte: Pereira (2016)

A Cachaça de Conceição das Pedras é produzida no


bairro São José. Não se sabe muito bem a data do processo de
produção da cachaça, mas em uma reforma realizada no local
de produção encontrou-se uma parede, demolida, com indica-
tivos de que a cachaça era produzida desde 1889. A data mar-
cada na pedra assinala o início do engenho. Para produção
da bebida, um duto de pedra bruta foi construído – com um
portal em arco no meio, digno de fotografia – para a movi-
mentação da moenda, parte do processo fabril (Figura 1). No
rótulo da cachaça se evidencia a paisagem do duto. A cachaça
é aromática, encorpada e traz uma picância suave.

Visite ainda: a Cachoeira da Usina que recebeu esse nome


devido a Usina Hidrelétrica instalada aí em meados do sé-
culo XX. O local guarda ainda alguns resquícios da época
em que funcionou como uma das casas de máquinas, hoje
uma ruína que se tornou uma espécie de mirante.

131
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Figura 2: Reserva de cana para produção da cachaçaem


São José do Alegre

Fonte: Pereira (2016)

A Cachaça de São José do Alegre situada no bairro do


Pinhal, data de 1765. A estrutura do alambique compõe um
cenário rústico. É possível acompanhar o processo de fabri-
cação, a moenda, os processos de fermentação e destilagem
artesanais. Os barris de armazenagem são antigos – de ma-
deira de carvalho e de castanheira – com capacidade para
50 mil litros. A cachaça faz jus ao nome: desce macia e com
uma forte ardência e leve toque da madeira que a conserva.
A Cachaça de Piranguçu, situada no bairro do Sobra-
dinho, entre fazenda, sítios e paisagens instigantes existe
há mais 140 anos e atualmente é comandada pelo patriarca
da família. Tradição passada de geração em geração, o pro-
duto traz consigo o orgulho da relação da cachaça com a
história da família.
O alambique lembra o mangueiro de uma fazenda.
A porteira da entrada está sempre aberta para receber os
visitantes. No rancho, ficam a máquina de moer cana e os
equipamentos de fermentação e destilagem.

132
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

O fabrico é rústico e artesanal. O fogo do artefato da


destilagem é mantido pela combustão do próprio bagaço
seco da cana. Pode-se visitar ainda o local de armazena-
mento da bebida, com quatro tonéis de madeira da mesma
idade da cachaçaria. O envase é feito com reaproveitamento
dos vasilhames, atendendo às exigências sanitárias de reuti-
lização. A cachaça tem uma suavidade particular, recebendo
visitantes de São Paulo, Rio de Janeiro e até mesmo do ex-
terior que desejam comprar direto no alambique.

Figura 3: Processo de fabricação da cachaça em Piranguçu

Fonte: Pereira (2016)

Visite ainda: o Casarão antigo, datado de 1910, construído


em pedra e paredes de adobe e a Igreja matriz de São José,
construção do início do século XX, de onde também se tem
um visual das montanhas, e conheça um pouco mais da his-
tória de Piranguçu.

133
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Figura 4: Processo de produção da marmelada em Marme-


lópolis

Fonte: Pereira (2016)

A marmelada já foi o doce mais popular do Brasil e


Marmelópolis, o maior produtor e distribuidor nacional
deste doce. As plantações ficavam no alto dos morros e os
mais antigos ainda lembram, saudosos, dos tempos áureos
da produção do marmelo. Apesar do fechamento das fábri-
cas, uma delas ainda sobrevive pelo desejo de uma família
que não queria deixar acabar a tradição da marmelada. Além
da famosa marmelada, produz-se, ainda o doce de abóbora
e a geleia de marmelo. Os doces podem ser adquiridos na
própria fábrica e ainda é possível conhecer o processo de
fabricação, agendando com os proprietários.

Visite ainda: a Cachoeira Santa Bárbara, que nasce na base


do Pico do Marinzinho e corre sobre uma rocha de már-
more de origem vulcânica, cercada por uma floresta cuja

134
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

principal espécie são as araucárias. Possui aproximadamen-


te duzentos metros de queda sob uma inclinação de aproxi-
madamente 45º. Tem uma pequena piscina natural na base,
com as bordas limpas. O acesso se dá por trilhas.

Figura 5: Pinga e marmelada artesanais de Delfim Moreira

Fonte: página do CTCSM13

13 http://www.caminhosdosuldeminas.com.br/turismo/Pagina.do;jses-
sionid=yiicyfh4wxku?idSecao=128&idNoticia=4335

135
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

A pinga artesanal de marmelo é produzida uma vez ao


ano, há mais de 60 anos. A bebida é doce e com aroma muito
agradável. A marmelada caseira, também produzida no res-
taurante local, é macia. As produções de marmelo são tradi-
cionais no município, resgatando a história econômica local.

Visite ainda: a antiga Fábrica da CICA. A construção lem-


bra as indústrias da Europa, na Revolução Industrial, com
tijolos à vista e grandes caixilhos de vidros. E a cachoeira
do Itagyba, de fácil acesso e localizada próxima ao centro
de Delfim Moreira.

Figura 6: Pé-de-moleque de Piranguinho

Fonte: programa Revista do Campo14

O pé-de-moleque de Piranguinho, considerado patri-


mônio imaterial de Minas Gerais em 2009 é vendido em
14 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=aaw00J_lNBk.

136
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

sua barraca mais antiga há mais de 75 anos e é ponto de


parada obrigatório para viajantes e motoristas que cruzam
a BR 459. Além do pé-de-moleque com amendoim inteiro
e moído, há variações com chocolate e a opção gourmet:
pé-de-moça, feito com leite condensado. Para conhecer o
processo de produção é preciso pedir autorização para a
proprietária. O local tem espaço para estacionamento de
ônibus já que é ponto de parada dos romeiros que seguem
rumo à Aparecida do Norte.

Visite ainda: a Imagem de Santa Isabel de Portugal, trazi-


da ao município em 1920, por solicitação da elite que não
aceitava São Benedito como padroeiro, devido a sua descen-
dência africana.

Figura 7: Sopa de marmelo em Delfim Moreira

Fonte: página do Portal Serra da Mantiqueira15

15 Disponível em http://www.portalserradamantiqueira.com.br/delfim-
-moreira-revela-a-receita-da-sopa-de-marmelo-passada-de-geracao-em-
-geracao/. Acesso em 07 de setembro de 2016.

137
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

A sopa de marmelo é receita familiar existente há 45


anos. Sua fórmula consta basicamente de marmelo, açúcar,
maisena, água e queijo. A sopa pode ser saboreada na Festa
do Marmelo ou por encomenda. Aproveite para experimen-
tar também a marmelada e a geleia de marmelo, que junto da
sopa, são referência culinária do município de Delfim Moreira.

Visite ainda: a antiga Estação de Trem, atualmente Esco-


la Estadual Marquês de Sapucaí, construída em 1927 e o
Casarão da Família Alves, hoje Casa da Dona Marina, da-
tada de 1880, construção em estilo barroco, onde, em seus
porões, funcionou uma senzala.

Figura 8 : Peixe-frito em São José do Alegre

Fonte: Pereira (2016)

O peixe-frito de São José do Alegre é servido há 35


anos, sendo um prato simples, mas de ótimo gosto e sabor.
O peixe é banhado em clara de ovo e empanado na fari-
nha de milho, é acompanhado de batata-frita, salada e arroz
branco. O local é simples, mas confortável, em dois espaços,
bar e restaurante. Na parte que abriga o restaurante, há um

138
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

corredor que leva a cozinha do bar-restaurante, o que lem-


bra o corredor de uma casa. A comida é saborosa e o atendi-
mento típico do interior, em que tudo parece não ter pressa.

Figura 9: Caldo de cana e pastel de milho do Mercado de


Itajubá

Fonte: Pereira (2016)

O caldo de cana e o pastel de milho do mercado mu-


nicipal de Itajubá existem há 33 anos. O espaço do Mercado
Municipal complementa a experiência já que é movimenta-
do, com muitas pessoas indo e vindo e muito agito. O ponto
está sempre cheio e é difícil achar uma ‘beirinha’ para fazer
o pedido. A cana – plantada pelo proprietário do estabeleci-
mento – compõe o cenário. A cana é moída na hora e pode
ser saboreada com pastel de milho. A combinação é pitores-
ca e juntas dão um paladar genuíno.

139
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

O Procedimento: um caminho para criar “caminhos”

O procedimento para elaboração de roteiros apresen-


tado neste trabalho foi elaborado a partir da combinação
de produções existentes em diferentes localidades, com o
intuito de desenvolver o circuito – e não a produção ou o
município isoladamente – enquanto relação de associação,
articulação e cooperação entre as produções. Procurou-se
apresentar o SIG como uma ferramenta que contribui no
planejamento e gestão do turismo, na elaboração de um
produto turístico – os roteiros – que poderá ser oferecido
aos turistas, gerando renda aos produtores presentes no ro-
teiro ou ainda, comercializado como produto do CTCSM.
Cumpre-se, conforme indica o conceito de roteiros
turísticos, a caracterização de elementos que lhe conferem
identidade ao conjuntificar as comidas e bebidas presentes
na região e que traduzem a história e os costumes regionais.
Atende também o estabelecido no conceito, sobre sua finali-
dade de planejamento, gestão, promoção e comercialização
turística já que a utilização do SIG, bem como a proposição
de um procedimento de elaboração de roteiros, darão subsí-
dios para que os gestores possam tomar decisões baseadas
em informações estruturadas. O delineamento do procedi-
mento poderá ser usado como referência para a construção
de diversos roteiros turísticos a partir da definição de dife-
rentes critérios e temas para sua composição.
Dentre os passos apresentados pelos manuais, este
trabalho propõe-se a detalhar o passo 1 proposto pela
CREATO (2005): a combinação das atividades disponíveis.
A contribuição desta pesquisa visa propor um procedimen-
to que oriente na combinação das atividades identificadas.
A Tabela 1 sintetiza o procedimento proposto.

140
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Tabela 1: Procedimento para elaboração de roteiro turístico

1 Levantamento dos atrativos principais que represen-


tam o tema do roteiro turístico
2 Levantamento dos atrativos secundários que poderão
complementar o roteiro turístico
3 Organização dos dados através do georreferenciamento
4 Definição de critérios para combinação dos atrativos
5 Utilização de instrumento tecnológico para realização
da combinação dos atrativos
6 Definição de quais atrativos comporão o roteiro (prin-
cipais e secundários)
7 Descrição dos atrativos do roteiro, evidenciando a ex-
periência histórica e sensitiva
8 Divulgação do roteiro
Fonte: Pereira (2016)

O procedimento se inicia com o levantamento dos


atrativos que irão compor a temática do roteiro turístico,
o que pode ser feito a partir de documentos existentes nas
prefeituras, secretarias de turismo e cultura, agências de tu-
rismo, páginas sobre turismo e atrativos turísticos ou ainda,
através da pesquisa de campo, fazendo uso de instrumento
de coleta que permita o levantamento das características
relevantes aos atrativos turísticos.
Os roteiros turísticos temáticos são percursos que
contam com um elemento comum (SILVA & NOVO, 2010).
Portanto, a partir do levantamento dos atrativos, é preciso
definir quais atrativos irão compor o tema do roteiro, a par-
tir da oferta – dos atrativos existentes – ou da demanda –
dos atrativos que atendem aos interesses do perfil do turista
que frequenta a região. Esta pesquisa escolheu as comidas
e bebidas produzidas na região como temática, a partir da
oferta presente na região.

141
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Conforme apontamentos de Tavares (2002), um rotei-


ro não é somente uma sequência de atrativos a serem visita-
dos, mas também uma importante ferramenta para a leitura
da realidade sociocultural, devendo ser coerente em relação
à história da localidade. A comida mineira é conhecida na-
cionalmente e tem forte apelo turístico. Entendeu-se que,
dentre os potenciais levantados, as comidas e bebidas per-
mitiam essa leitura da realidade sociocultural, podendo ser
uma possibilidade de formação da identidade do circuito.
O levantamento de atrativos secundários complementa
o roteiro, incrementando-o enquanto produto turístico, tor-
nando a região mais competitiva. Poucos atrativos turísticos
podem não ser suficientes para atrair turistas a uma determi-
nada região ou município ou, se o são, não possuem capacida-
de de retê-los por um período prolongado, o que pode atenuar
os efeitos multiplicadores da atividade turística (DANTAS &
MELO, 2011).
O levantamento deve ser organizado de modo que as
informações coletadas possam permitir escolhas e decisões
relevantes na elaboração do roteiro turístico. Na coleta e
organização dos dados, é fundamental o levantamento das
coordenadas geográficas dos atrativos, haja vista que a lo-
calização e a análise de percurso somente são possíveis a
partir dessas informações.
Apesar dos atrativos e das atividades turísticas já
existirem e funcionarem individualmente dentro do CT-
CSM, não há ligação entre elas, seja por familiaridade te-
mática, seja por associação em rede ou outro tipo de relação.
A combinação de atributos históricos, culturais, gastronô-
micos e geográficos apresenta-se como uma importante es-
tratégia para o desenvolvimento e promoção do turismo em
uma região (TAVARES, 2002).
Os critérios podem ser a determinação de um valor
turístico conforme sua história, beleza, facilidade de acesso,

142
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

imponência etc. Pode ainda ser por quantidade de atrativos


próximos ao atrativo principal. Esta pesquisa usou o crité-
rio de quantidade de produções de comidas e bebidas que,
somados aos atrativos naturais e culturais, eram acessíveis
a partir de um determinado ponto – as sedes dos municípios
que compões o CTCSM.
A combinação desses atrativos e atividades pode con-
tribuir na sua comercialização como produto turístico, pois
os turistas têm interesses em diversos aspectos da localida-
de visitada. O uso da tecnologia SIG permitiu a realização
da análise de rede e a definição do ponto que possibilitasse o
acesso ao maior número de atrativos em intervalos de tem-
po. O software permite a análise a partir dos critérios esta-
belecidos, oferecendo resultados com combinações diversas.
A tradição das produções de comidas e bebidas foi o
critério de seleção do tema para o roteiro. A partir das in-
formações coletadas é possível realizar seleções diversas, a
critérios dos gestores, seja a partir da demanda ou a partir
da oferta. Os pontos selecionados precisam ser descritos,
enquanto experiência sensitiva. O uso de imagens do pro-
duto e do local, incluindo a paisagem que o circunda, pode
colaborar na transmissão das sensações que envolvem a vi-
sita aos pontos do roteiro. A descrição sensitiva tem suas
limitações, pois partirá sempre do ponto de vista de quem
experimentou e descreveu a experiência. A união da descri-
ção com as imagens tem por pretensão transmitir a expe-
riência a ser vivida pelo turista.
Com a apresentação do procedimento, pretende-se
melhorar o nível de informação oferecido sobre o produto,
atendendo à orientação da CREATO (2005), em seu passo
8 – informação: nível de informação oferecido sobre o pro-
duto (roteiro). A divulgação do roteiro poderá ser realizada
na página do CTCSM, nas mídias sociais, em páginas sobre
divulgação de viagens e turismo, na composição de guias de

143
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

divulgação da região, a serem distribuídos em hospedarias e


restaurantes. O mapa com o roteiro poderá ser incluído nas
principais páginas de divulgação de viagens.

Considerações finais

Esta pesquisa preocupou-se com o uso das Tecnolo-


gias da Informação, mais precisamente, a utilização de um
Sistema de Informação Geográfica, na proposição de um
roteiro turístico. A pergunta que norteou este trabalho foi:
como o SIG pode ser utilizado na proposição de um proce-
dimento de roteiro turístico?
Um roteiro turístico não deve ser visto apenas como um
itinerário, mas como um instrumento de divulgação de ele-
mentos culturais, sensitivos e simbólicos. Um roteiro turísti-
co de comidas e bebidas é um produto enquanto experiência
degustativa, mas é também a experiência da convivência e do
jeito de ser daquele lugar. A simplicidade são características
do jeito de viver do interior de Minas Gerais e sua presença
garante a vivência de uma experiência genuína.
O objeto deste trabalho era propor um procedimen-
to para elaboração de roteiro turístico de comidas e be-
bidas regionais do CTCSM. A dispersão espacial dessas
produções pode limitar o aproveitamento racional desses
atrativos. A utilização do SIG permitiu o delineamento de
um caminho, desenhado na forma de procedimento para
a elaboração de roteiros turísticos temáticos. Além disso,
a organização das produções de comidas e bebidas e dos
atrativos naturais e culturais poderá contribuir na forma-
ção da identidade do CTCSM, a partir da oferta dos atra-
tivos. Isso feito é possível trabalhar o perfil do turista que
se identifica com a vida do interior, com resgate a partir de
um elemento subjetivo.

144
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Antes de sua implantação e divulgação, é fundamental,


seguindo os preceitos da equidade, que os produtores sejam
consultados sobre o interesse em participar, deixando claro
os benefícios e os riscos de se fazer parte do roteiro, como,
por exemplo, a incapacidade de atender a demanda.
Futuros trabalhos poderão abordar os temas sobre o
resgate do conhecimento de saberes e fazeres e a abordagem
de capital social fazendo a contextualização de território e
a necessidade das organizações de base para criação desse
capital social, versando, juntamente sobre a gestão do co-
nhecimento. Identificar as convergências e divergências das
diferentes formas de compreender sobre “o conhecimento”,
sem hierarquizar ou dar mérito a diferentes visões, mas ex-
traindo de cada um delas os aspectos que visem respeitar o
conhecimento enquanto saber e sua preservação.
Um caminho para a valorização dos produtos regio-
nais é a busca pelo selo de Denominação de Origem, que
associa as características dos produtos às singularidades
naturais, culturais, organizacionais e tecnológicas do ter-
ritório. As condições de clima e solo conferem atributos
intrínsecos ao produto nela originado. Pesquisadores inte-
ressados nesta temática poderão ter a região do CTCSM
como área de estudo, investigando as possibilidades de cer-
tificação de produtos tradicionais na região como oriundos,
por exemplo, do marmelo, do pinhão, do azeite e do milho,
produtos agrícolas muito presentes na região. Algo nesse
sentido está já está sendo realizado com a banana, presente
principalmente na região de Pedralva.
Com base nas discussões do desenvolvimento, atre-
lando-as com o turismo e as propostas de otimização das
produções de comidas e bebidas pretendeu-se fortalecer os
posicionamentos teóricos e conceituais que visam questio-
nar o conceito de desenvolvimento meramente econômico
para se pensar o êxito de ações interligadas entre municí-

145
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

pios, que ampliem a comercialização de produtos associados


ao turismo, com o potencial de resgates dos saberes e da
cultura local.
Nesse quadro, passa-se a pensar as tecnologias como
instrumentos contributivos para as questões socioambien-
tais e à sustentabilidade das pessoas, lugares e grupos,
compreendendo-a – a tecnologia – como importante instru-
mento de desenvolvimento enquanto técnica que colabora
para reescrever o quadro social observado, incorporando o
sujeito autônomo. Considera ainda a responsabilidade e as
consequências de seu uso, para que e para quem estão sendo
desenvolvidas. As tecnologias utilizadas nesta pesquisa são
pilares de apoio para auxiliar nas respostas formuladas.
A produção associada ao turismo deve ser pensada
como recurso de identificação e valorização da cultura e dos
saberes tradicionais e não como criação de produtos apenas
para atender ao interesse do turista sem que este represente
a sua identidade, descontextualizados e que em nada se re-
lacionam com as características do local visitado.
Se assim acontecer, a experiência do turista se re-
sumirá no deslocamento e não mais a vivência de novas
experiências o que tornará a atividade turística com vistas
apenas à exploração e ao lucro, transformando-a em uma
experiência vazia e sem sentido. Se não houver o fomen-
to às regionalidades, as localidades se tornarão iguais, se
homogeneizarão, tomadas por atividades descontextuali-
zadas e padronizadas que não permitirão uma experimen-
tação singular.
Os resultados desta pesquisa foram apresentados ao
CTCSM em assembleia realizada no dia 02 de março de
2017. A versão final desta pesquisa juntamente com as ba-
ses de dados desenvolvidas neste trabalho foram entregues
aos gestores do CTCSM para a devida apreciação e dispo-
nibilização aos seus associados e à comunidade.

146
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Este trabalho compreende suas limitações e não tem


a pretensão de escapar à visão economicista, as quais são
abordadas na temática do turismo e dos roteiros turísti-
cos. Mas ousa-se instigar discussões e novas reflexões para
composição de um novo campo epistemológico sobre os ro-
teiros e os elementos que os compõem, suplantando a visão
comercial e apresentando a relevância sociocultural, que
deve ser colocada de forma equânime, ou seja, com o mes-
mo peso que a sua importância econômica. A equanimidade
deve ocorrer de fato e não apenas nos textos publicitários
de divulgação, quando se pretende vender um turismo rea-
lizado de maneira sustentável.

Agradecimentos

À CAPES pelo financiamento desta pesquisa.

147
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

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151
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

As “Coisas de Minas”: questões sobre


Desenvolvimento e Turismo

Carlos Alberto Máximo Pimenta

Introdução

As “coisas” de Minas Gerais – montanhas, picos, pedras,


rios, cachoeiras, estradas, circuitos, costumes, queijos, quitan-
das, cachaças, tambores, festas, patrimônios, prosas, contos –
refletidas na relação entre desenvolvimento e turismo, é o foco
da preocupação deste texto. Pensar sobre impõe esclarecimen-
tos do lugar de partida. Impõe, também, trazer para discussão
outras questões implicadas nas vertentes conceituais hegemô-
nicas que articulam turismo, turista, cultura e desenvolvimen-
to como um ato de consumir ou um negócio do mercado.
Desse lugar não desconsideramos as necessidades eco-
nômicas implicadas nesse processo, mas caracterizamos o
conceito de desenvolvimento para abrir possibilidades de se
configurar, a partir do esforço do local, posições distintas. As
quais devem buscar, mesmo em termos de pretensão futura, o
envolvimento do receptor, agente de seu próprio desenvolvi-
mento, e do turista, na experiência com o cotidiano visitado.
Tudo, sem perder de horizonte as estratégias democráticas de
superação das desigualdades econômicas.
As ações devem ser desencadeadas horizontalmente, em
que se coloca a diversidade cultural, a sustentabilidade e o de-
senvolvimento social como elementos centrais. Está posto em
debate a relação entre Desenvolvimento e Cultura, no sentido
das evidências de configurações de turismo e turista, na forma

153
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

de declarações identitárias, de resgates das memórias perdidas


ou em apagamento, de manifestações coletivas e solidárias, de
geração de bens e renda para que se institucionalizem práticas
organizativas espontâneas ou não, de condução pública ou pela
sociedade civil, por influência dos movimentos sociais ou não.
Na leitura dos elementos culturais, reverbera-se um
campo de ressignificações simbólicas e concretas, não sem ten-
são, entre as concepções de tradicional e moderno, de futuro
e passado, de avanço ou retrocesso, de progresso e atraso, al-
teridades que aparecem na constituição do imaginário social
das cidades visitadas. Dessas concepções emergem caracteri-
zações e atores socioculturais que vislumbram os potenciais
de turismo, pautados na cultura, no religioso, na história lo-
cal, nos recursos naturais e patrimoniais de modo que torna-
-se pertinente questionar o desenvolvimento por meio dessas
emergências. A microrregião de Itajubá, circunscrita ao sul de
Minas Gerais, culturalmente rica, instiga investigações sobre
turismo, com base no eixo Desenvolvimento e Cultura.
O argumento teórico que organiza esta proposição é a de
que a sociedade industrial moderna, tecnológica e informacio-
nal, promoveu uma metamorfose no mundo do trabalho (AN-
TUNES, 1995), cujos reflexos reverberam, em nossas preocu-
pações, nas dinâmicas que as cidades de pequeno e médio porte
constituem para criar postos de trabalho, minimizar as desi-
gualdades econômicas e movimentar a economia do lugar, em
que o turismo aparece no formato de elemento de “salvação”.
Aposta-se na cultura e nos ingredientes que a ela com-
põem a constituição da imagem turística da cidade. Em outros
termos, o local pode promover o atendimento das necessidades
da população, mediante a condução das políticas culturais e
do resgate das “coisas de minas”, e primar pelo bem-estar da
coletividade, desde que evite que o turismo se configure como
uma prática exclusivamente mercadológica. Este argumento
traz a seguinte pergunta: de que modo as “coisas de minas”

154
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

fomentam o turismo local e resgatam práticas coletivas, dis-


tributivas e solidárias? A resposta para esta pergunta envolve
o entendimento, mesmo que de forma concisa, de desenvolvi-
mento, de cultura e de turismo. Envolve, ainda, as formatações
de políticas culturais municipais e das concepções de turismo
que os atores têm sem perder de horizonte as ações propostas
pelos agenciamentos institucionais e organizações sociais.
Objetiva-se identificar “as coisas de minas” e, a partir
desses elementos, apresentar os argumentos que “determi-
nam”, em especial as cidades de pequeno porte, as possibili-
dades de desenvolvimento local no sul de Minas Gerais. Do
ponto de vista metodológico, este texto é resultado parcial de
pesquisas realizadas pelo Núcleo de Estudos Interdisciplina-
res sobre Desenvolvimento (NEID)1. O campo circunscre-
veu-se às ações do Poder Público local, de ONG’s, de Asso-
ciações e de práticas organizativas espontâneas em processos
interventivos de geração de renda, tomando-se como refe-
rência o artesanato, os artefatos, os saberes e os fazeres tidos
como fora da lógica formal entre capital versus trabalho.
As viagens começaram no final de 2013, limitadas à
microrregião de Itajubá e, aos poucos, expandidas entre 2014
e 2017 para outras cidades do sul de Minas Gerais. Inúmeras
viagens foram realizadas para Paraisópolis, Brazópolis, Pi-
ranguinho, Piranguçu, Delfim Moreira, Marmelópolis, São
José do Alegre, Pedralva, Santa Rita do Sapucaí, Maria da
Fé, Cristina, Carmo de Minas, Pouso Alegre, Poços de Cal-
das, Alfenas. Entre uma estadia e outra, as visitas também al-
cançaram as cidades de Sapucaí Mirim, Gonçalves, Cambuí,
Machado, Passos, Inconfidentes, Guaxupé, Varginha.
Para esta reflexão foram utilizados os dados coletados
de observações e de diálogos informais realizados em campo,

1 Os estudos foram iniciados em 2014, mas financiado em 2016 pelo pro-


jeto “Observatório de Desenvolvimento e Cultura no Sul do Estado de
Minas Gerais”, FAPEMIG CSA PPM-X nº 00548-16.

155
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

grafadas em um caderno de anotações, em imagens fotográ-


ficas obtidas por uma câmara Nikon D3200 e em documen-
tos disponibilizados nas visitas. A ideia, sem preocupação de
distanciamentos das lembranças do pesquisador sobre os seus
vínculos com o tema2, foi a de permitir as valorizações das
impressões de campo sobre o lugar, as pessoas, as coisas e os
sentimentos. Esse movimento, de recorte autobiográfico3, con-
tribuiu para registros etnográficos minuciosos, em que se cap-
turam os elementos da cultura e a possibilidade interpretativa
com maior proximidade da realidade experienciada. Por essa
razão, a condução do texto efetivou-se, de forma proposital,
em duas pessoas. Ora na primeira do singular, quando necessá-
rio expor as impressões do pesquisador; ora na terceira pessoa
do singular, afirmando o necessário distanciamento da análise.
A análise dos dados, aproxima-se das contribuições da
história, no que tange ao resgate dos elementos que compõem a
cultura, da sociologia, para localização do turismo como um fato
social de reorganização do mundo do trabalho, da economia, em
que se leva em consideração o tema do desenvolvimento local,
sustentável. Os critérios utilizados para a escolha das informa-
ções privilegiam dois pontos, distintos, mas complementares:
os sentidos atribuídos à cultura no contexto contemporâneo e
a perspectiva em que se prioriza o resgate da identidade e da
tradição em termos de crença no desenvolvimento local.
As respostas à pergunta e ao objetivo formulados com-
preendem três conjuntos de argumentos. O primeiro apresen-
ta os estranhamentos da chegada ao sul de Minas Gerais ten-
tativas de reprodução das experiências com as cidades grandes
2 Ao longo do texto, na medida em que for pertinente, as lembranças do
pesquisador serão valorizadas como informação relevante ao entendimen-
to da proposição, sem perder de vista o rigor da proposta científica.
3 Esse conceito vem sendo construído desde o texto de tese (PIMENTA,
2001). Uma primeira versão foi apresentada em conferência no PPG da
Faculdade de Educação Física da UNICAMP, denominado de “Aponta-
mentos Teóricos-metodológicos à Pesquisa de Antropologia Urbana: em
questão os relatos autabiográficos” (PIMENTA, 2011).

156
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

e das falsas concepções de desenvolvimento. O segundo, esbo-


ça algumas teorizações sobre os conceitos de turismo, desen-
volvimento e cultura, relacionados à diversidade e à supera-
ção das desigualdades socioeconômicas da região. O terceiro
aponta para a importância de se valorizar as “coisas de minas”,
tomando como referência o jeito mineiro de ser, para que se
consolidem os subsídios que fomentem o turismo e o desen-
volvimento anunciado.

Estranhamentos da Chegada: as gerais de Minas

Não estava em meus planos atravessar as divisas entre


os Estados de São Paulo e Minas Gerais. Nas minhas lem-
branças havia, somente, os causos e contos registrados nas
saudades de Minas que a minha mãe manifesta. Ela vive di-
zendo que viveu a infância, com meus avós, numa fazenda em
Zelinda, no município de Passa Vinte, próximo de Aiuruoca.
Todas pertencentes ao que se convencionou chamar de sul de
Minas, embora muito próximo do estado do Rio de Janeiro.
Gravei as falas sobre comidas, festas religiosas e a
imagem de Nossa Senhora que foi encontrada no rio exis-
tente em Zelinda4, semelhante ao que aconteceu na cidade
de Aparecida do Norte, no Vale do Paraíba5. Essas “coisas
de minas”, como dizia minha mãe, só sabe quem é mineiro
ou vive intensamente as Minas Gerais.
As dimensões da identidade, da memória, do patrimô-
nio, dos costumes, da cultura e do jeito sul-mineiro de ser
ficaram amontoadas em algum lugar de meus (des) encan-
4 Em pesquisas iniciais sobre Zelinda, descobri que se trata do nome de
uma estação de trem, desativada há anos. Sabe-se também que existem
registros de mulheres escravizadas, libertas, que começaram a fazer e
vender as primeiras quitandas na cidade. Contudo, essa informação merece
aprofundamentos e investigação.
5 Nas lembranças de minha mãe não há precisão e está versão deve ser
comprovada, futuramente. Contudo, as questões levantadas nesse texto
bastam as histórias de saudade das “coisas de minas”.

157
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

tamentos, no sentido de enveredarmos, cegamente, pelas


seduções do urbano, das cidades grandes e das concepções
embutidas no progresso tecnológico. Da formação como
pesquisador até o entendimento de quais caminhos seguir
no processo de construção de conhecimento, as recordações
das histórias de minha mãe sobre Minas foram acomodadas
nas lembranças de infância. De origem paulista, do Vale do
Paraíba, pelos mineiros, especificamente, os do sul de Minas
Gerais, permaneciam as desconfianças históricas desde 1932.
O Vale do Paraíba paulista era um universo desco-
nhecido, que as universidades existentes na região não de-
ram conta de revelar6, o que merecia o esforço de pesquisas
intensas e de muitos anos para decifrar os “nós” que esta
cultura impunha, e assim estávamos empenhados.
Em 2009, assumo a cadeira de Ciências Sociais e Hu-
manidades na Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) e,
aos poucos, com muita resistência, passo a viver intensamente
as coisas do sul de Minas. Entretanto, Minas e os mineiros
não traziam nenhuma preocupação que me despertasse curio-
sidades investigativas. Em quase uma década faço o trajeto,
semanalmente, pelas sinuosidades das montanhas da Serra da
Mantiqueira, vezes pelo Pico do Ataque – Lorena, SP versus
Itajubá, MG, pelas BR 116 e BR 459 –, vezes pelo acompanha-
mento da Pedra do Baú – Santo Antônio do Pinhal, SP versus
Itajubá, MG, pelas BR 383 e BR 459, SP 046, 050 e 042 e MG
173 e 295 –, mas desprovido de emoções ou encantamentos.
Tanto o lado paulista quanto o mineiro a Serra da Man-
tiqueira trazem paisagens exóticas e exuberantes, as quais re-
metem as suas belezas naturais, e a região apresenta elementos
culturais, material e imaterial, que merecem a atenção de pes-
quisas e pesquisadores, nas mais variadas áreas do conheci-
mento. A Mantiqueira compõe-se de montanhas, picos, pedras,

6 Essa crítica está presente nas obras de José Carlos Sebe Bom Meihy, va-
leparaibano, professor de História na Universidade de São Paulo.

158
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

rios, cachoeiras, estradas, circuitos, costumes, comidas típicas,


bebidas, festas, patrimônios e histórias. As cidades trazem o
jeito mineiro de ser, de ver e de sentir as coisas do mundo.
O atravessamento do lado paulista para o mineiro,
mesmo diante dessas belezas, causava angústia e dificulda-
des de relacionamento, de todas as ordens. A máxima era:
“não se tem prazer no trabalho, tem-se que buscar o sentido
de estar lá para poder cumprir a jornada obrigatória e vol-
tar para casa”. Todos os dias esse pensamento confortava a
permanência no trabalho, na cidade e na microrregião.
O estranhamento7 da chegada, no sentido de ler o des-
conhecido, o desconhecimento, pelas métricas da experiência
em outras realidades tidas como mais avançadas ou desen-
volvidas, trouxe a acomodação de uma certa visão de mundo
hierarquizada. De minha parte não houve uma boa leitura
da alteridade que se fazia necessária à constituição de outros
processos de “tradução”, no sentido empregado por Boaven-
tura (2004, p. 813), pois tinha a oportunidade de evitar des-
perdícios de entendimento da realidade do sul de Minas, mas
não o fiz face à arrogância daqueles que vem de fora e se
acham colonizadores.
Por volta de 2014/15, impulsionado por propostas de
pesquisas de alunos candidatos ao PPG DTecS, os quais ti-
nham a pretensão de estudar as quitandeiras de Passa Vinte,
as festas religiosas, as culturas materiais e imateriais, o artesa-
nato, os artefatos, os saberes-fazeres populares, os processos
informais de geração de renda, enfim o desenvolvimento local
perpassado pelas dimensões da cultura, a ignorância antropo-
lógica gerada pelos estranhamentos assume novos contornos.
Aos poucos, na medida em que os alunos mostravam
as “coisas do sul de minas”, aqueles causos, comidas, prosas e
7 O conceito de estranhamento foi (res)significado do conceito cunhado de
Viktor Chklovski, trazido por Tzvetan Todorov (1999, p.75), em que “as
imagens não têm outra função senão permitir agrupar objetos e ações he-
terogêneas e explicar o desconhecido pelo conhecido”. 

159
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

contos contados por minha mãe, escondidos em algum lugar


da lembrança de infância, ganhavam significados e interesses.
Na oportunidade, realizamos uma abordagem pontual
sobre os diferentes processos geracionais de renda, circunscri-
tos nas estratégias populares de grupos de artesãos presentes
nas cidades de Maria da Fé, Piranguçu e Alfenas (PIMENTA
& MELLO, 2014), no sentido de capturar os modos de saber-
-fazer traduzidos na existência de objetos técnicos, dimensões
do humano, do não-humano, do material e do imaterial. Estes
relacionados ao tema do desenvolvimento e cultura.
Esta iniciativa desdobrou-se em inúmeras pesquisas
e ações, as quais, direta e indiretamente, se fortalecem nas
lembranças guardadas nos subterrâneos da infância. Elas,
aos poucos, revigoram o compromisso de conhecer melhor a
realidade da microrregião de Itajubá, composta por 13 mu-
nicípios: Brazópolis, Consolação, Cristina, Delfim Moreira,
Dom Viçoso, Itajubá, Maria da Fé, Marmelópolis, Paraisó-
polis, Piranguinho, Piranguçu, Virgínia e Wenceslau Braz.
Esta leitura, a posteriori, levando-se em consideração
que a microrregião tem população estimada em 189.193 habi-
tantes, área de 294,835 Km² e IDHM de 0,78718, visa estabe-
lecer redes de relações com universidades, poder público local,
ONG’s, atores, coletivos e movimentos sociais, com a predis-
posição de subsidiar práticas de turismo emancipatórias.

Concepções Teóricas: Turismo, Cultura e


Desenvolvimento

Nas estradas do sul de Minas, entre uma cidade e ou-


tra, evidencia-se a riqueza das “coisas de minas”. Nos diálo-
gos com agentes de turismo e cultura, os homens públicos,
as organizações culturais e movimentos sociais, legalmente
constituídas ou espontâneas, e a população, não têm, com
8 Fonte: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php.

160
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

clareza, o formato de como o desenvolvimento local poderia


ser alavancado pelo turismo. É unanimidade, a cada mani-
festação do setor público ou da sociedade civil, a concepção
de que o turismo é o negócio ou a alternativa sensata ao
conjunto de transformações de cunho político-econômico
trazidos pelas transformações no mundo do trabalho, im-
pulsionadas pelas sociedades tecnológicas e informacionais.
As cidades, dentro das suas perspectivas de organi-
zação socioeconômica, diminuíram seus postos de trabalho
formal, na lógica contratual trabalhista. E, cada vez mais as
pessoas, em especial os jovens, têm dificuldades de inserção
ao mercado de trabalho. Os dados divulgados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia Estatística – IBGE, em 2016, apon-
tam que o desemprego no Brasil passou de 12,2% para 15,5%
da População Economicamente Ativa (PEA)9. Nas cidades
visitadas, essa realidade se agrava, pois estas não estão atre-
ladas ao sistema industrial de transformação, metalurgia e
tecnológico ou de empresas nacionais de ordem global.
Na lógica capital versus trabalho, o mercado se movi-
menta positivo ou negativamente atrelado à saúde da eco-
nomia ou de seu desempenho. Em linhas gerais, o desen-
volvimento do país se constitui pela noção do crescimento
econômico. Dito de outra forma há todo um convencimento
ideológico de que o desemprego é reflexo da situação do se-
tor industrial, reverberado por uma crise do setor produti-
vo. De rebote, as transformações estruturais do capitalismo
contemporâneo levam à diminuição dos postos de serviços
de informação, comunicação, atividades financeiras, imobi-
liárias, profissionais liberais e administrativas.
Nas conversas efetivadas sobre o momento político-so-
cioeconômico, não se atentam para a relação entre as trans-
9 Dados extraídos do IBGE sobre os índices da População Economica-
mente Ativa (PEA) http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicado-
res/trabalhoerendimento/pnad_continua/default_novos_indicadores.
shtm. Acesso em 09.06.2017.

161
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

formações do mundo do trabalho. Aceita-se a máxima contida


nos discursos liberais, os quais apostam no crescimento eco-
nômico para superar esse momento tido como “conjuntural”.
O turismo compõe uma das apostas dentre desse raciocínio.
O desemprego, as dificuldades de auferir renda e a
realidade trabalhista dos grandes centros atingem as ci-
dades economicamente organizadas em torno do mundo
rural, cujos rebatimentos, no entendimento dos gestores
públicos consultados, tendem a ser mais intensos, aumen-
tando a informalidade e a precariedade no trabalho. Como
via de regra, entendem o turismo como uma aposta positiva
para geração de postos de trabalho e de renda.
Há inúmeras técnicas ou manuais de como o turismo
pode ou deve movimentar o crescimento econômico da cida-
de, pois fomenta e forma agentes, organizações educacionais
e profissionais, provedores de serviços de interesse turístico,
empresas, órgãos públicos, sociedade civil, normativas e esta-
belecimento de políticas públicas pertinentes à cultura e, fun-
damentalmente, (re) significam os atrativos turísticos10. Há,
sobretudo, no turismo uma reprodução, pela sedução das coi-
sas do urbano e dos grandes centros, da lógica de mercado.
A modernidade11 estabelece para a cidade um papel
imaginário de que se constitui em oposição ao mundo rural
ou não urbano. Esta se traduz, neste contexto, como espa-
ços de sonhos e de progresso contra a falsa ideia de atraso
ou tradicional, o que leva a descaracterização ou inferiori-
zação das coisas do lugar e do rural. A cidade, no campo
do mundo do trabalho, agrega também a noção de sobre-
vivência, em que se aposta nas oportunidades de emprego,
10 Existem diversos agentes que fomentam o turismo e trazem os aportes
técnicos para sua implantação. Cita-se aqui como exemplo os trabalhos,
consultivos, públicos pela Fecomércio-MG. Basta fazer pesquisa no site da
organização. Ver: http://www.fecomerciomg.org.br/.
11 O conceito de “modernidade” foi cunhado das teorizações de Alan Tou-
raine (2002).

162
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

de dinheiro e de fuga da dureza do trabalho rural ou das


dificuldades presentes nas cidades menores.
O turismo, levando ao pé da letra o conceito da Or-
ganização Mundial do Turismo (OMT), compreende “[...]
as atividades que realizam as pessoas durante suas viagens
e estadas em lugares diferentes do seu entorno habitual,
por um período consecutivo inferior a um ano, com finali-
dades de lazer, negócio ou outras” (2001, p. 38). Para Pe-
reira (2016, p. 21), “ainda que a OMT se configure como
uma organização que se preocupa com o desenvolvimento
inclusivo e ambientalmente responsável” ressalta a autora
que esta definição “[...] não apresenta [...] elementos fun-
damentais para que a atividade se desenvolva de forma har-
mônica entre homem, natureza, tempo e espaço”.
Nas pequenas cidades do sul de Minas, ao contrário
do anunciado, o turismo deve ganhar força quando prati-
cado de modo coletivo, solidário, emancipatório, participa-
tivo, em que todos sejam beneficiados pela atividade, sem
concentração na mão de um ou de poucos. Trata-se de uma
escolha. E, esta escolha pode ser efetivada pelas cidades es-
tudadas, face às características socioculturais que apresen-
tam, para se evitar os riscos de pensarmos o turismo apenas
pela óptica de crescimento econômico. Neste processo, con-
tudo, não se pode esquecer as populações locais e as “coisas”
que as constituem enquanto lugar, memória, história, patri-
mônio, riquezas, saberes e identidade.
Os interessados em impulsionar as atividades de tu-
rismo, todavia, não conseguem superar a postura dos em-
preendimentos empresariais. O poder local ao apostar no
turismo, embora se tenha normativas mais coletivas e par-
ticipativas, não constitui práticas emancipatórias, visto que
o imagina dentro da proposta empresarial e de mercado.
Neste sentido, Soares (2011, p. 70) afirmar que:

163
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

[...] na ponta dessa cadeia produtiva, estão as ações de


marketing, que suscitam e orientam a demanda por via-
gens, capitalizando o desejo e a disposição do consumidor
em visitar determinado destino. Essa relação mercanti-
lista da atividade turística, quando entregue à sua lógica
própria de maximização incondicional dos lucros, pode
provocar danos ambientais, culturais e sociais irreversí-
veis aos núcleos receptores e suas comunidades.

Não obstante, tem-se que o turismo, quando fomentado


em bases solidárias, participativas e coletivas, tem a poten-
cialidade de forjar processos de geração de renda, fomentar a
consciência socioambiental aos envolvidos e promover o res-
gate da estima local, provocado pela valorização da cultura
e possibilidade de ganhos de ordem natural, sociocultural e
econômica. Desta feita, é fato que as falas sobre o sul mineiras
que se avolumam em torno do turismo caminham em direção
ao argumento da necessidade de “estruturá-lo”, no sentido de
que não se tem as condições mínimas para receber o turista e
o turismo. Mas, de qual turismo essas vozes polifônicas estão
falando? A partir de quais perspectivas elas se fortalecem?
As respostas a essas questões não são definitivas, mas
caminha-se pelas justificativas de Félix Guattari (1992) con-
tidas no texto “Caosmose”, na qual, pelo esforço de síntese,
apresenta o paradoxo das práticas do turismo e do turista.
Para este autor, os turistas realizam viagens quase imóveis.
No alargamento dessa justaposição, a lógica do turismo de
resort, de mercado, impõe ao turista, e este o contempla, de-
terminadas padronizações de aviões, de quartos de hotel, de
serviços. De forma veemente entende que esse movimento
provoca uma ameaça a paralisia da subjetividade.
A concepção de “estruturar o turismo” implica em ade-
quar ou adestrar o diferente, o inusitado, o exótico, o des-
conhecido. Tudo se transforma em igual, em padrão. Mini-

164
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

miza-se, por esta posição determinante, as diferenças e as


potencialidades do lugar estabelecidas nas relações entre os
homens e os estados de coisas. Na efetivação da “estrutura”
anunciada vê-se o risco de padronização dos espaços, em que
tudo pode se tornar intercambiável, equivalente. A partir das
concepções extraídas de Guattari (1992, p. 170), apostar no
turismo implica, certamente, em

re-singularizar as finalidades da atividade humana, fa-


zê-la reconquistar o nomadismo existencial tão intenso
quanto o dos índios da América pré-colombiana! Des-
tacar-se então de um falso nomadismo que na realidade
nos deixa no mesmo lugar, no vazio de uma modernida-
de exangue, para aceder às verdadeiras errâncias do de-
sejo, às quais as desterritorializações técnico-científicas,
urbanas, maquínicas de todas as formas, nos incitam.

A manutenção da singularidade da cidade, do lugar


e das coisas parece ser uma aposta mais sensata para o en-
frentamento da padronização e da ênfase na necessidade de
estruturação do turismo. Parece também ser uma posição
madura para encaminhamentos do desenvolvimento local, o
qual deve fazer oposição às práticas de crescimento econô-
mico atreladas as mentalidades empresariais. E, deste modo,
tem-se que as atividades, práticas e organizações não podem
tratar o turismo de uma única forma. Pois, a convergência
entre turismo e desenvolvimento, na tensão público e pri-
vado, na valorização das coisas do local e na imposição de
um padrão estético mercadológico, permite a superação do
modelo das redes hoteleiras, do trabalho precário, do turista
desconectado com a cultura e as coisas do lugar visitado12.
12 Na pesquisa de Almeida (2004), revela-se que há registros, no Brasil, de
uma série de casos em que o poder político local desenvolve projetos turís-
ticos sem os necessários estudos de impacto, muito menos contemplando a
participação da comunidade.

165
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Esse processo, oriundo da lógica do mercado, da ini-


ciativa privada, do capitalismo tecnológico e informacio-
nal, traz à administração pública a noção de “eficiência da
gestão privada”, o que se traduz numa estratégia inviável à
lógica das coisas de caráter público, uma vez que esta deve
primar pela coletividade, pela participação dos cidadãos nas
decisões de seus destinos e pela solidariedade distributiva
dos recursos materiais disponíveis.
Na dinâmica do sistema produtivo, pautado a partir
das escolhas organizativas na cultura econômica ocidental, o
conceito de desenvolvimento merece ser reelaborado e, sobre
ele, promover uma vigilância constante para se evitar as con-
fusões entre desenvolvimento e crescimento. Esse movimen-
to, no entendimento de Pimenta (2014), fomenta e fortalece
as constantes reduções econômicas do conceito.Mas, de que
forma então o turismo, fora da lógica do mercado empresa-
rial, tem condições de efetivar o desenvolvimento local? Sa-
lienta-se, mais uma vez, que não se tem modelos ou caminhos
pré-estabelecidos ou pré-determinados. Tudo está por cons-
truir. Apenas os princípios norteadores estão estabelecidos.
Sachs (2012) fortalece a ideia de fomentar um conjun-
to de estratégias que assegure e promova o emprego decen-
te a todos e o auto–emprego de modo que, aqui, a aposta re-
cai sobre o poder do Estado em valorizar políticas públicas
que façam valer esse trajeto. O desenvolvimento, na posição
do autor, diante da realidade socioeconômica brasileira, por
exemplo, responsabiliza o Estado pelas desigualdades his-
tóricas e o autoriza a dar impulsos para um conjunto de po-
líticas sociais compensatórias. Esse trajeto, da perspectiva
posta, se faz essencial enquanto existirem as discrepantes
diferenças sociais e os níveis de exclusão conhecidos hoje.
Para além do emprego, há urgência também na promoção
do acesso universal aos direitos básicos como educação,
saúde, saneamento e moradia.

166
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

O turismo, no interior do debate sobre desenvolvi-


mento, possibilita, seguindo a linha de argumento de Sachs
(2008), o surgimento de um “desenvolvimento sustentável”,
ou seja, o alcance de todas as 8 dimensões da sustentabilida-
de: ambiental, social, cultural, espacial, psicológica, política
nacional e internacional e econômica. Desta feita, tem-se
então que o caráter sustentável da proposta de Sachs refaz
o trajeto distributivo do modo de produção industrial, do
conceito de urbano e de cidade e a racionalidade moderna.
As quais, quando operadas sobre a lógica da competição, da
concorrência e da individualização, não permitem a prolife-
ração da valorização de experiências coletivas, existentes,
mas negligenciadas e desconsideradas.
Pode-se ressaltar, tomando como referência as posi-
ções de Dowbor (2001), que a nossa morada, a escola dos
filhos, o médico da família, o espaço de trabalho e os hor-
tifrutigranjeiros que consumimos se referem às atividades
do local, o que nos faz considerar que a globalização não
é geral: ela é ideológica. Enquanto ideologia, é permitido
constituir outros espaços de inserção social e econômica em
diferentes plataformas organizativas horizontalizadas.
A lógica do crescimento ou do desenvolvimento pu-
ramente econômico desconsidera a existência de outras ex-
periências. Santos (2004) discorre sobre os desperdícios de
conhecimento que o mundo ocidental fez e faz. Da premissa
do autor, da noção de desperdício pode-se referendar que a
experiência social no mundo é muito mais ampla e variada do
que se configurou na tradição científica ou filosófica ociden-
tal, bem como do que conhecemos e consideramos importan-
te. Pois, como o referido autor demonstra tem-se que aquilo
que não existe é, na verdade, ativamente produzido como não
existente, ou seja, uma alternativa não-crível ao que existe.
Pois, como vimos, é a lógica da competição, da con-
corrência e da individualidade que, hoje, dita as propostas

167
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

de crescimento e estabelece as nossas atuais concepções e


noções de desenvolvimento. Contudo, é no local, pela pers-
pectiva da coletividade, da sustentabilidade, da cooperação,
da confiança e de segurança, que se configuram as apostas
no surgimento das alternativas para o enfrentamento desse
modelo de organização societária injusto e desigual.

Fragmentos de cultura: as “coisas de Minas”

Em todas as regiões do Brasil, de uma forma ou de


outra, existe a possibilidade de turismo. A questão colocada
não está circunscrita somente às potencialidades turísticas
do lugar. Em discussão está o turismo de base local que
promova o desenvolvimento sustentável da cidade, a dimi-
nuição das desigualdades socioeconômicas e os distintos
processos de geração de emprego e renda, como proposta
viável e alternativa de consolidação de espaços participati-
vos e cidadãos aos munícipes, no sentido de que sejam pro-
tagonistas de suas escolhas e destino.
Em que pese as tentativas dos gestores públicos e
do marketing das cidades vangloriarem os aspectos urba-
nos, industriais e tecnológicos existentes na mesorregião,
a economia, os costumes, as manifestações culturais e as
formas organizativas sofrem influência do meio rural, do
mundo agrícola. O sul de Minas, enquanto uma mesorre-
gião13, comporta o sul e o sudoeste do Estado de Minas
Gerais, perfazendo a soma de 146 municípios, os quais
constituem 10 microrregiões: Itajubá, Passos, Alfenas, Var-
ginha, Andrelândia, São Lourenço, Pouso Alegre, Poços de

13 O conceito de mesorregião utilizado foi apropriado das leituras


produzidas pelo IBGE (http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geo-
grafia/default_div_int.shtm?c=1 – Acesso em 09 de julho de 2017). Trata-
-se da subdivisão de regiões geográficas existentes no interior dos estados
brasileira, a qual comporta determinados municípios com características
sociais, culturais e econômicas semelhantes.

168
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Caldas, Santa Rita do Sapucaí e São Sebastião do Paraíso,


contemplando uma área de 49.523,893 km² e população de
2.463.618 habitantes14. Terras montanhosas, rodeadas de
picos, pedras, rios, lagos, vulcões, cachoeiras e margeadas
pela Serra da Mantiqueira, Logo de Furnas, Serra da Ca-
nastra, águas termais, estrada Real.

Figura 1: Mapa das microrregiões do Sul de Minas

Fonte: elaborado pelo autor (NEID, 2017)

O percurso da pesquisa sobre processos populares de


geração de renda, saberes-fazeres e artefatos pelo sul de Mi-
nas15 ganha formalidade em 2016. Antes estava atrelado aos

14 Valores estimados, de responsabilidade do autor, a partir dos dados


disponibilizados pelo IBGE, conforme acesso realizado em 06 de junho de
2017. Ver.: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php.
15 Ressalta-se que as viagens do grupo (NEID / PPG DTecS) para pes-
quisa de campo começam vezes aleatórias, vezes para observações mais
concretas e diretas, vezes motivadas por convites para realização de pales-
tras, de eventos e de conversas com outros grupos de pesquisa.

169
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

projetos isolados de alunos e às implicações de (re) encanta-


mento com a mesorregião, com as curiosidades revigoradas
nas lembranças de infância do pesquisador e a necessidade
de romper com os estranhamentos iniciais.
As coisas de minas estão cada vez mais ganhando sig-
nificado na lógica do consumo, ou seja: “ser de Minas confere
ao produto qualidade e não carece de comprovação”16. Esse
slogan aparece na prática comercial em outros lugares e es-
tados. Em novembro de 2016, em visita ao distrito de São
Francisco Xavier, pertencente à São José dos Campos, São
Paulo, nas diversas lojas visitadas, inúmeros produtos eram
ditos “de Minas”. Numa loja de artesanato perguntou-se
sobre diversas peças, rede de descanso e doces e a vendedora
replicou: “tudo aqui vem de Minas”. Noutra oportunidade,
meses depois, janeiro de 2017, na feira do artesanato em João
Pessoa, Paraíba, em Tambaú, ao solicitar a procedência de
um doce de leite com goiaba, no formado de um queijo suíço
faixa azul, a vendedora falou: “esses doces vêm de Minas”.
Essas vozes que se somam, “tudo vem de Minas”, con-
tribuíram para a renovação do encantamento com as coisas
de Minas e, dentro das preocupações investigativas aqui
empreendidas, ganham destaque a necessidade do entendi-
mento sobre a cultura, o jeito e a identidade do sul minei-
ro. O turista ao ter a experiência das coisas de Minas deve
superar as práticas turísticas estáticas e de resort, buscando
a compreensão do local, das pessoas, do tempo e dos cos-
tumes. O turismo, nesta concepção, deve promover o de-
senvolvimento impulsionando igualdades socioeconômicas
e socioculturais e práticas organizativas distributivas, soli-
dárias e emancipatórias da cidade e dos munícipes.
A base desta relação está em viver a cultura ordinária,
ordinária no sentido empregado por Williams (1979; 1992),
16 Fala proferida por um vendedor de artesanato em Gonçalves, em 16 de
junho de 2017.

170
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

trazendo no envolvimento entre turista, cidade, turismo, mo-


rador, cultura, identidades, identificações um conjunto de sen-
timentos norteadores a partir das experiências do homem do
lugar, estas desprovidas da dicotomia entre alta cultura e cul-
tura popular, enquanto rompimento das fronteiras das padro-
nizações impostas pelos modelos econômicos hegemônicos de
desenvolvimento. Nas viagens pelo sul de Minas as impres-
sões que se inscrevem nas cidades demarcam a necessidade
desse rompimento, visto que esses modelos, de cima para bai-
xo ou sem o interesse local não se encaixam, não conectam.
As festas, as devoções e as manifestações populares
dão o tom da cultura local. Pertinente pensar a culinária, as
tradições, o patrimônio e as coisas de minas a partir da re-
ligião e da religiosidade. Na leitura desses sentidos, singu-
laridades e memórias inscritas está o jeito mineiro de fazer,
ver, sentir, expressar e experienciar o mundo e as coisas.
Registra-se aqui, portanto, quatro fragmentos da cultura
sul mineira para ilustrar os argumentos tratados neste tex-
to, com base nas visitas às cidades de Paraisópolis, Gonçal-
ves, Brazópolis e Cristina17.
Nas festas de Corpus Christi, de Paraisópolis e Gonçal-
ves, viu-se que as ruas estavam todas enfeitadas com um ta-
pete artístico artesanal e esteticamente cuidado, conhecido
como tapete de Corpus Christi.
Em Paraisópolis, desde a entrada da cidade avistava-se
pessoas transportando materiais preparatórios para o enfeite
das ruas. Tratava-se da festa de Corpus Christi, uma das festas
religiosas mais importantes do calendário católico. Os enfeites,
figuras que representavam a construção da devoção popular
religiosa, compõem as representações do cristianismo, as quais
17 As observações das pesquisas de campo realizadas nas cidades Piran-
guinho, Piranguçu, Delfim Moreira, Marmelópolis, São José do Alegre, Pe-
dralva, Santa Rita do Sapucaí, Maria da Fé, Carmo de Minas, Pouso Alegre,
Poços de Caldas, Alfenas, Sapucaí Mirim, Cambuí, Machado, Passos, Incon-
fidentes, Guaxupé, Varginha não foram incorporadas nesta oportunidade.

171
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

caracterizavam os encontros entre o sagrado e os elementos


profanos confundidos, ou não, com as representações pessoais
do devoto responsável pela parte da decoração realizada.

Figura 2: Tapete de Corpus Christi em Paraisópolis (MG).

Fonte: Arquivo do autor

Os desenhos assumem um formato de tapete, o qual


ocupava a faixa central das ruas, com mais ou menos um
metro de largura, cuja extensão ocupa um circuito de ruas
que sai da igreja matriz da cidade, transcende um conjunto
de ruas e retorna pela parte frontal da igreja.

172
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

O mesmo trajeto se observou em Gonçalves. A dife-


rença foi a de que na cidade de Paraisópolis, o tapete tinha
sido confeccionado de um material chamado TNT e na cida-
de de Gonçalves os materiais utilizados foram a serragem,
pó de pedras coloridas, folhas, flores e plantas naturais.

Figura 3: Tapete de Corpus Christi em Gonçalves (MG).

Fonte:Arquivo do autor.

A proposta era a mesma, independente dos materiais


utilizados. Todas as figuras tinham fundos coloridos no
formato de Espírito Santo, cruz, pássaros, flores, corações,
imagens e figuras que misturavam representações entre o
sagrado e o profano.

173
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Na parada para o almoço num restaurante com proposta


de comida mineira, simples e aconchegante, na cidade de Bra-
zópolis, escutou-se um freguês perguntar se o estabelecimento
tinha “Paquera”. Ao perguntar o que era “Paquera”, a atendente
deu uma aula de etimologia dizendo que a palavra tinha origem
tupi, ou seja: “piaku er”. A moça, simpática, passou a explicar
que se trata de uma iguaria comum no sul de Minas Gerais e
“pacuera” são as vísceras duras do boi, do porco podendo ser
fritas ou ensopadas. Por sua vez, tem também a “paquerinha”
ou “pacuerinha”, as partes moles do boi ou do porco. As vísce-
ras estavam num prato ensopadas, bem temperadas e vistosas.
Na saída da cidade no sentido Piranguinho/Itajubá, ain-
da no perímetro urbano, observou-se uns casarões antigos e
uma praça enfeitada com mosaicos de azulejo de diversas cores
e desenhos, lembrando a Casa da Flor, esculpida por décadas
pelo artista Gabriel Joaquim dos Santos, o qual mostra a sim-
plicidade complexa dessas cidades, seus enigmas e a sua bele-
za estética (figura 4). O lugar levava a uma zona comerciária
e industrial, em que havia um conjunto de edifícios em ruína.
Aquelas ruínas e prédios formavam a edificação de uma estação
de trem desativada, segundo uma vizinha, “por conta do pro-
gresso”. Um dos galpões abrigava uma marcenaria em ativida-
de. Próximo ao local avistou-se uma cooperativa de agriculto-
res e pecuaristas e uma fábrica de lingerie, chamada de My Lady,
situada nas dependências da fábrica de roupa/tecido, (figura 5).
Na cidade de Cristina (figuras 6 e 7), durante a festa
“Café com Música” de 2017, as falas caminhavam no sentido
de resgatar as tradições da cidade, fortemente vinculadas ao
período da escravidão, a temática indígena e, também, caipi-
ra. A ideia é a de fortalecer as festas e o turismo a partir do
resgate da identidade, da memória, do patrimônio natural, ar-
quitetônico e cultural da cidade. A cidade de Cristina busca a
consolidação como uma estância turística do Estado de Minas
e fortalecer suas festas, no sentido de aumentar os atrativos.

174
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Figura 4: Escadaria em mosaico, Brazópolis (MG)

Figura 5: Antiga estação de trem, Brazópolis (MG)

Fonte: Arquivo do autor.

175
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

Figura 6: 9º Café com Música, Cristina (MG) 2017.

Figura 7: palco do “9º Café com Música”, Cristina (MG), 2017.

Fonte: Arquivo do autor.

Portanto, tem-se que não se pode pensar o turismo,


o turista, o desenvolvimento local, a sustentabilidade e os
processos de superação das desigualdades desprezando
as coisas de Minas. Esse exercício, mesmo que de forma

176
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

espontânea e voluntária por parte dos agentes culturais


e de turismo, deve ser reflexivo e incentivado, mas sem-
pre a partir de bases participativas, solidárias e coletivas,
nunca hierarquizadas.

Considerações Finais

Esta reflexão preliminar estudou um aspecto para a


constituição de práticas de turismo atreladas ao desenvolvi-
mento local. Estabelecendo para isso um marco de partida:
a cultura e as coisas de Minas, as quais, mesmo no forma-
to de fragmentos, trazem elementos que colaboram para a
constituição da imagem turística das cidades. Aposta-se no
local, escolha argumentativa, como possibilidade de promo-
ção e atendimento das necessidades da população por iso-
nomia de direitos, de acessos às coisas da cidade e superação
das desigualdades de todas as ordens.
Acredita-se, ainda, no poder local, com as devidas clare-
zas dos enfrentamentos às idealizações e seduções do cresci-
mento econômico, para a condução das políticas públicas, tam-
bém no campo das questões culturais e do resgate das “coisas
de Minas”. Contudo, esse movimento só faz sentido se primar
pelo bem-estar da coletividade, em perspectivas outras que
reescrevam as concepções de turismo para além das práticas
mercadológicas ou da concentração na mão de poucos.
Em resposta à pergunta formulada, as “coisas de Mi-
nas” têm forma identitária e histórica para, a partir do tu-
rismo, promover o resgate de atividades efetivas em prin-
cípios pautados no coletivo, distributivos e solidários. Os
elementos, com base nas “coisas de Minas” têm, ainda, to-
dos os requisitos para alavancar o desenvolvimento do sul
de Minas Gerais, longe das artimanhas e seduções do cres-
cimento econômico. Pois, todas as cidades visitadas trazem
fortes indícios e laços de ruralidade, o que as fazem pecu-

177
Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

liares e diferentes das padronizações que forjam imagem de


bem-sucedida e de sucesso às cidades do futuro, do desen-
volvimento e do progresso.
Ao poder público, porém, compete o papel de inter-
pretar as contradições do nosso tempo, quer seja no mundo
do trabalho, quer seja nos enganos das escolhas cegas pelo
crescimento econômico, para buscar as possibilidades do
fortalecimento das coisas do local, como um agente de seu
próprio desenvolvimento.

Agradecimentos

À FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa do


Estado de Minas Gerais pelo financiamento desta pesquisa.

178
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Referências

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180
Turismo e Desenvolvimento: outros caminhos

Sobre os autores

Alexandre Ferreira de Pinho: é Doutor em Engenharia


Mecânica pela Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Professor da Universidade Federal de Itajubá, atuando nas
áreas de Sistemas de Informação, Sistemas de Apoio à Deci-
são e Pesquisa Operacional. E-mail: pinho@unifei.edu.br

Ângelo Moreira Pereira: é Graduado em Ciências Sociais,


UniCV - Universidade Pública de Cabo Verde.
E-mail: angelo.pereiracj@gmail.com

Carlos Alberto Máximo Pimenta: é Doutor em Ciências So-


ciais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/
SP), professor e pesquisador no Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade (PPG DTecS)
da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), coordenador
do NEID - Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Desen-
volvimento. Pesquisador Mineiro na Fundação de Amparo a
Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
Email: carlospimenta@unifei.edu.br

Cláudia Liciely Barbosa e Silva: é Mestre em Planejamento


e Desenvolvimento Regional e docente da UNIESP de Gua-
ratinguetá, São Paulo. E-mail: claudialiciely@yahoo.com.br

Edson Trajano Vieira: é Doutor em História Econômica


(USP) e docente do Programa de Mestrado em Planejamen-
to e Desenvolvimento Regional da Universidade de Taubaté,
Taubaté, São Paulo. E-mail: etrajanov@gmail.com

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Carlos Alberto Máximo Pimenta e Samanta Borges Pereira (Orgs.)

José Rogério Lopes: é Doutor em Ciências Sociais (PUC-


-SP) e Professor dos PPGs em Ciências Sociais Unisinos, Rio
Grande do Sul, e em Desenvolvimento Regional da UFT, To-
cantins. Também é Bolsista em Produtividade em Pesquisa do
CNPq. E-mail: jrlopes@unisinos.br

Josiane Palma Lima: é Doutora em Engenharia de Trans-


portes pela Universidade de São Paulo (EESC - USP). Profes-
sora da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), atuando
nas áreas de Mobilidade Urbana, Sistemas de Transportes,
Análise de Decisão, Simulação e Sistemas de Informação
Geográfica. Também é Bolsista em Produtividade em Pes-
quisa do CNPq. E-mail: jpalmalima@gmail.com

Monica Franchi Carniello: é Doutora em Comunicação e Se-


miótica (PUC-SP) e docente do Programa de Mestrado em
Planejamento e Desenvolvimento Regional da Universidade
de Taubaté, Taubaté, São Paulo.
E-mail: monicafcarniello@gmail.com

Samanta Borges Pereira: é Mestre em Desenvolvimento,


Tecnologias e Sociedade na linha Desenvolvimento e Tecno-
logias pela Universidade Federal de Itajubá (2016), membro
do Núcleo Travessia – Núcleo de Pesquisa, Extensão e Apoio
à Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural.
E-mail: samantaborges81@gmail.com

Viviane Guimarães Pereira: é Doutora em Administração


na linha de Desenvolvimento, Gestão Social e Ambiente pela
Universidade Federal de Lavras (2012), coordenadora do
Núcleo Travessia - Núcleo de Pesquisa, Extensão e Apoio à
Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural, no Progra-
ma de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Tecnologias e
Sociedade. E-mail: vgpereira@yahoo.com.br

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Anotações

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