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Restauros no

Mosteiro de
Alcobaça.
O Claustro do
Silêncio e a Sala
das Conclusões

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Antónia Tinturé
Conservadora-restauradora,
Direção-Geral do Património Cultural

Irene Frazão
Conservadora-restauradora,
Direção-Geral do Património Cultural

Maria Fernandes
Arquiteta,
Direção-Geral do Património Cultural

Isabel Costeira
Arqueóloga, Direção-Geral do
Património Cultural, Mosteiro de
Alcobaça

Filipa Avellar
Investigadora nas áreas de epigrafia
e paleografia

Sala das Conclusões após intervenção.


MSaavedra; Nova Conservação, 2014.

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As intervenções realizadas em 2013 no O Claustro do Silêncio ou de D. Dinis
Mosteiro de Alcobaça integraram o plano
As intervenções de restauro no Claustro do Silêncio e de-
geral de reabilitação e restauro de antigos
pendências anexas remontam aos anos vinte do século passa-
espaços monásticos. Nesse sentido, do. O mosteiro era, então, um edifício muito diferente, com
a intervenção na Sala das Conclusões usos diversificados que funcionavam nas antigas dependências
enquadrou-se na adaptação do espaço a monásticas. De entre eles, refira-se o cineteatro no refeitório,
as finanças na Sala das Conclusões e o tribunal no piso superior
loja e a intervenção no Claustro do Silêncio
da mesma. O silêncio e a ascese litúrgica que caracterizavam
na melhoria das condições de acessibilidade a Ordem de Cister, fundadora do mosteiro, há muito que não
e usufruto para visitantes. Para as duas faziam parte deste espaço. Apesar desses usos, o monumento
intervenções foi determinante o estado de chegou praticamente intacto ao século xx, graças à resistência
física da sua construção e à qualidade arquitetónica dos seus
conservação em que se encontravam as espaços. A partir de 1929 foi com a Direção-Geral dos Edifí-
cantarias do Claustro e a quase ilegibilidade cios e Monumentos Nacionais (DGEMN) que a situação se in-
dos elementos decorativos da Sala das verteu, e um novo ciclo se iniciou quando o imóvel começou a
Conclusões. O artigo versa as ações de ser restaurado com o intuito de ser visitado como monumento
histórico1. Todavia, as ações levadas a cabo a partir dessa data
restauro levadas a cabo, os métodos de pautaram-se por grandes demolições e reconstruções força-
abordagem para os diferentes materiais, os das, ao estilo medieval. Na perspetiva da DGEMN, o Mosteiro
valores artísticos envolvidos, os objetivos de Alcobaça deveria refletir a imagem e o espírito da sua fun-
pretendidos, o desenvolvimento das ações, dação: ascético, branco e despojado de elementos decorati-
vos. A ideia do mosteiro ideal foi levada a cabo em diversas
as expectativas dos trabalhos e, por fim, campanhas de obras nas quais o Claustro do Silêncio, por ser
o resultado final obtido nas cantarias o mais medieval de todos, foi objeto de grandes modificações.
artísticas do claustro e do património Nessa linha foram demolidos pisos e modificadas coberturas,
integrado da Sala das Conclusões (pintura introduzindo-se elementos em betão armado e esticadores
metálicos, que muito contribuíram para a deformação do ren-
mural do teto, cantarias, fingidos dos vãos dilhado piso superior, Manuelino, que sobreviveu ao restauro
e revestimento azulejar). O artigo refere, medievalista. As cantarias deste claustro foram por isso sujei-
sobretudo, o ponto de vista do dono de tas a enormes alterações e escondiam, sob densa camada de
obra e o contexto histórico, artístico e do sujidade, colagens para disfarçar defeitos, substituições para
simular originais e sobretudo patologias com perda iminente
restauro do património arquitetónico e de material.
integrado do Mosteiro de Alcobaça.
A intervenção de conservação e restauro
dos materiais pétreos
O processo de requalificação e valorização do Claustro
do Silêncio teve início no ano de 2009, com o intuito de me-
lhorar as condições de usufruto do imóvel. Mediante o arranjo
paisagístico do jardim, para além de beneficiar o circuito de
visita com um espaço convidativo ao descanso e permanência,
pretendia-se também criar uma abertura que permitisse uma
maior fruição visual do espaço e das fachadas do Claustro,
ocultas parcialmente pela vegetação arbórea existente. É no
seguimento deste programa de requalificação que se insere a
intervenção de conservação e restauro dos quatro alçados do
Claustro incluindo o lavabo, cujo estado de degradação, aliado
à falta de manutenção, justificavam uma intervenção integral.
O objetivo principal era a preservação das superfícies pétreas
numa perspetiva conservativa, segundo uma intervenção mí-
nima que garantisse a estabilidade dos materiais e ao mesmo
tempo dignificasse o conjunto, favorecendo a sua leitura. Em-
bora o estado de conservação aparente fosse razoável, a ex-
periência de intervenção em bens patrimoniais alertava-nos
que se poderiam encontrar novos problemas no decurso dos
trabalhos, sobretudo por tratar-se de um espaço exposto às
intempéries e com pouca insolação — principalmente o alçado
norte — devido ao denso filme biológico que cobria uniforme-
mente as superfícies. A priori, essa era a patologia mais perce-

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tível, impedindo nalguns casos aferir o grau de degradação real K
dos materiais pétreos, para além do evidente impacto visual Claustro do Silêncio após a demolição do dormitório e durante as
obras de introdução de vigas em betão e esticadores metálicos no
negativo que comportava. Aquando da sua remoção, deparou-
piso superior. Obras executadas pela DGEMN em 1941.
-se pontualmente com processos severos de pulverização, es- SIPA/DGPC.
foliação e lascagem, nalguns casos muito profunda, pelo que
se descartou as metodologias de consolidação comummente
utilizadas, cuja eficácia não se tem mostrado ideal em substra-
tos calcários com este tipo de patologias. Optou-se assim por
uma micro estucagem minuciosa mediante um sistema que após o terramoto de 1531, sendo abade e administrador per-
combinava resinas e argamassas de restauro especialmente pétuo o Cardeal D. Henrique. Entre 1676 e 1679, é criada a Caza
desenvolvidas para materiais pétreos muito fragilizados. Para dos Reys Portugueses, que Fr. Sebastião Sotto Maior mandou
garantir o sucesso e a durabilidade das ações realizadas, foi estatuar. Fr. Manoel dos Santos diz-nos que as estátuas estão
fundamental a implementação de algumas medidas relaciona- arrimadas às paredes, sobre peanhas de mármore, tendo, ao
das com a manutenção do espaço, tais como a desobstrução centro, entre as estátuas dos reis e defronte da porta para o
e reparação de gárgulas e caleiras que não exerciam a sua fun- Claustro das Procissões, a estátua de S. Bernardo, estofada de
ção drenante das águas pluviais procedentes dos telhados e ouro, em pontifical e mitrada. No teto, oito cartelas com versí-
a instalação de um sistema dissuasor de aves. Além de atingir culos do Livro da Sabedoria, Eclesiastes e Sermão 42 de S. Ber-
os objetivos concernentes à conservação propriamente dita, nardo seguem uma composição que nos desvenda o sentido
esta intervenção permitiu uma maior aproximação e conheci- profundo do programa iconográfico da Sala: «só na Humildade
mento do sistema construtivo do claustro e do rico programa o Homem encontra a Sabedoria». O restauro da pintura do
decorativo lavrado em capitéis e gárgulas, outrora invisível sob teto permitiu aceder às inscrições, pintadas nas oito cartelas,
a espessa camada biológica. e proceder à sua análise epigráfica. Esta revelou que as oito
epígrafes passaram por três fases de produção. A elaboração
A Sala das Conclusões de uma minuta dos textos a publicitar por um monge alcoba-
cense erudito (1.ª fase). A paginação das inscrições executada
A Sala das Conclusões localiza-se na ala norte do Mostei- por um ordinator (paginador) que estruturou as inscrições e as
ro de Alcobaça, reconstruída como Paço Abacial e Hospedaria passou a tinta encarnada para os respetivos campos epigrá-

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130 PATRIMÓNIO C ULTUR AL E COMUNICA Ç ÃO

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I
Claustro do Silêncio, fachada
poente antes da intervenção.
MSaavedra; Nova Conservação,
2013.

Claustro do Silêncio, fachada


poente após a intervenção.
MSaavedra; Nova Conservação,
2014.

J
Claustro do Silêncio, pormenor
de gárgula no piso superior.
Antes e depois da intervenção.
MSaavedra; Nova Conservação,
2013 e 2014.

ficos (cartelas), onde se executou o regramento grafitando a conservação e restauro das pinturas que se encontravam sujas
traço fino linhas duplas paralelas para nortear o texto, regular e alteradas e parcialmente ocultas por caiação, dos azulejos
o tamanho da letra e delimitar os espaços interlineares. O uso com faltas e degradados, das cantarias cobertas por inúmeros
de linhas auxiliares grafitadas a fino é característica do atelier estratos de caiações, além da realização de sondagens siste-
epigráfico de Alcobaça, e prática que vem dos tempos medie- máticas na sanca e paramentos rebocados. Nestas sondagens
vais. Note-se que as inscrições n.os 6, 7 e 8 têm emendas, es- pesquisou-se a existência de camadas com acabamentos sig-
pecialmente em palavras que foram divididas pela mudança de nificativos, procurando encontrar uma solução de apresenta-
linha, indiciando erros na ordinatio talvez pela intervenção de ção para a sanca e paredes que estivesse relacionada com as
um segundo ordinator menos experiente (2.ª fase). Por último, diversas ocupações, autenticidade, valor estético coerente e
as inscrições foram definitivamente pintadas a preto por um em harmonia com o património integrado existente. Resulta-
ou mais pintores especializados na pintura a fresco (3.ª fase). dos obtidos: a conservação e restauro da pintura devolveu uni-
As oito inscrições pintadas, em letra capital quadrada, nas car- dade e esplendor ao teto, enriquecendo a leitura do espaço.
telas do teto da sala, entre uma decoração de ferroneries e A intervenção na pintura foi também ensejo para o estudo das
brutescos, cumprem na perfeição a sua funcionalidade: a de epígrafes cuja leitura era difícil, desse estudo se apresentando
publicitar e perpetuar uma memória. Após 1755, a mudança da breve nota neste mesmo artigo. Durante o tratamento dos azu-
Caza dos Reys para a localização atual permite que, em 1765, lejos, uma observação mais detalhada permitiu concluir que a
Fr. Nuno Leitão reduza a aula este espaço de sabedoria. Trans- grande lacuna que um dos painéis apresentava mais não era do
formada na Caza dos Atos Literários do novo Colégio de Nossa que o negativo da forma da mísula que suportava a escultura
Senhora da Conceição, receberá os retratos de todos os mon- de S. Bernardo quando aqui era a Sala dos Reis. Essa evidência
ges da Ordem que foram lentes condutários na Universidade histórica, significativa para a história do monumento, foi por
de Coimbra. isso mantida, sendo descartado o preenchimento com azule-
jos inicialmente previsto e que foi realizado para outras zonas
O património integrado da Sala das que apresentavam pequenas faltas resultantes de degrada-
Conclusões ção. Quanto às cantarias, que se pretendia apresentar a des-
coberto, verificou-se que algumas eram feitas em argamassa,
Esta sala de grandes dimensões teve diversas ocupações levando a crer que os vãos onde existiam tenham sido aber-
desde o final do século XVI: Casa Grande da Portaria, Casa dos tos posteriormente. Também as várias sondagens na sanca e
Reis (séc. XVII), Sala das Conclusões (2.ª metade do séc. XVIII), nas paredes foram, ao invés do que se esperava, totalmente
repartição de finanças (séc. XX). Do seu património integrado inconclusivas para a determinação de um anterior programa
destacam-se especialmente o teto pintado de brutescos, atri- decorativo que pudesse ser recuperado ou servisse de ponto
buído a Francisco Ferreira de Araújo, e os painéis de azulejos de partida para o tratamento cromático destas superfícies. As-
de padronagem azul e branco. Os objetivos principais eram a sim, tanto estas como as «cantarias» acabaram por ser apenas

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Com a presente intervenção,
o espaço da Sala das Conclusões foi
recuperado e valorizado do ponto
de vista material e estético

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Sala das Conclusões. Teto após Sala das Conclusões, teto. Cartela Sala das Conclusões, teto. Sala das Conclusões, em
a intervenção (fotomontagem). depois de Intervenção. Trabalhos de limpeza 1949, quando funcionava
Numeração das cartelas, a partir da Epígrafe: Tende sempre presente em pintura mural. como repartição das
direita e no sentido dos ponteiros do que todos cremos ser alguma coisa Nova Conservação, 2013. finanças.
relógio: 3 (SAP VI.12,14), 2 (SL 110.10), quando na verdade nada somos SIPA/DGPC.
1 (MELIFL PARF. SERM.42), 8 (SAB 6.11), (MELIFL PARF. SERM. 42) Sala das Conclusões,
7 (SAB 8.13), 6 (SAP 8.17-18), 5 (SAP MSaavedra/Nova Conservação, painel de azulejos. Trabalhos
12.19), 4 (SAP 10.21; 11.1-2). 2013 e 2014. de restauro.
Nova Conservação, 2014. Nova Conservação, 2013.

unificadas por meio de uma caiação de acabamento, levemen- Conclusões. Relatório de Intervenção. Arquivo DGPC/Departamento
te pigmentada. Com a presente intervenção, o espaço da Sala de Estudos, Projetos, Obras e Fiscalização (DEPOF), dezembro de
2013 [texto policopiado].
das Conclusões foi recuperado e valorizado do ponto de vista
material e estético2; mas foi também uma oportunidade para Nova Conservação — Mosteiro de Alcobaça. Requalificação e
conhecer melhor o monumento não só através dos estudos Valorização do Claustro D. Dinis. Relatório de Intervenção. Arquivo
DGPC/DEPOF, dezembro de 2013 [texto policopiado].
que a apoiaram ou foram por ela suscitados, mas também pelo
exame e análise das evidências físicas das espécies que consti- SANTOS, Fr. Manoel dos — Descrição do Real Mosteiro de Alcobaça.
tuem o património integrado da Sala. Alcobaciana, Colectânea Histórica, Arqueológica, Etnográfica e
Artística da Região de Alcobaça, introdução e notas por Aires
Augusto Nascimento. Alcobaça: Tipografia Alcobacense, L.da, n.º 3,
NOTAS 1979, p. 41.
1. A demolição do cineteatro do refeitório ocorreu em 1928, as FICHA TÉCNICA
alterações na igreja decorreram entre 1930 e 1934 e as demolições
e posteriores consolidações e correções no Claustro do Silêncio Conservação e restauro de materiais pétreos no Claustro do Silêncio
desenvolveram-se entre 1937 e 1955. O Instituto Português Data do projeto: 2010.
do Património Arquitetónico e Arqueológico (IPPAR) retomou Data da obra: 2013.
os trabalhos no Claustro a partir de 1986 com campanhas de Dono de Obra: DGPC.
conservação e substituição de coberturas. Fiscalização: Antónia Tinturé, Maria Fernandes.
Coordenação de segurança em obra: Júlio Antunes.
2. Para uma descrição completa desta intervenção deve ser Adjudicatário: Nova Conservação, L.da
consultado: Nova Conservação. Mosteiro de Alcobaça. Conservação Diretor técnico: Nuno Proença.
e Restauro de Elementos Decorativos, Tecto, Azulejos e Cantarias Coordenação em obra: Alexandre Sá Viana.
da Sala das Conclusões. Relatório de Intervenção. Arquivo DGPC/ Conservação e restauro da pintura mural do teto,
Departamento de Estudos, Projetos, Obras e Fiscalização (DEPOF), azulejos e cantarias da Sala das Conclusões
dezembro de 2013 [texto policopiado]. Data do projeto: 2010.
BIBLIOGRAFIA E FONTES Data da obra: 2013.
Dono de obra: DGPC.
FIGUEIREDO, Fr. Manoel de. — Historia Corográfica da Comarca de Fiscalização: Irene Frazão, Antónia Tinturé, Maria Fernandes.
Alcobaça 1781-1784, cap. «Das partes que formam o grande Mosteiro Investigação histórica: Isabel Costeira e Filipa Avellar.
de Alcobaça» (fls 23-24). BNL Alc. 1492. Coordenação de segurança em obra: Júlio Antunes.
Adjudicatário: Nova Conservação, L.da
Mosteiro de Alcobaça/Real Abadia de Santa Maria de Alcobaça.
Coordenação de equipas em obra:
SIPA, ficha de inventário. Disponível em www:<URL:http://www.
Alexandre Sá Viana (cantarias e gradeamento).
monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=4719. Consultado
Alexandra Joaquim (pintura mural).
em 14 de abril de 2015.
Fernando Duarte (revestimento azulejar).
Nova Conservação — Mosteiro de Alcobaça. Conservação e Restauro Estudo analítico e laboratorial: Laboratório Hércules,
de Elementos Decorativos, Tecto, Azulejos e Cantarias da Sala das Universidade de Évora.

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