Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
José Meirinhos*
1. S. Bernardo e Portugal
As edições impressas das Cartas de S. Bernardo incluíam quatro cartas que li-
gavam o primeiro abade de Claraval a Portugal, entre as quase 500 cartas que lhe
estão atribuídas e chegaram até nós. A carta 308 está dirigida a Afonso Henriques
enviada através de frei Rolando para lhe entregar uma carta que atesta a munifi-
cência Apostólica, mencionando-se com essa expressão talvez o título papal de re-
conhecimento de Afonso como rei, na sequência do seu pedido a Bernardo para in-
termediar junto do sumo Pontífice; a carta 463 também está dirigida a Afonso
Henriques, mencionando um mosteiro a construir após a vitória sobre os sarrace-
nos; a carta 464 está dirigida a João Cirita sobre a fundação de mosteiros de Cis-
ter em Portugal; a carta 470 é dirigida por Afonso Henriques ao Abade de Clara-
val a dar notícia da conquista de Santarém, com a promessa de a assinalar com a
fundação de um mosteiro da Ordem de Cister1, e que viria a ser Alcobaça.
As cartas 308, 463 e 470 fundamentaram durante longo tempo que S. Ber-
nardo tinha tido intervenção direta quer no reconhecimento pelo papa do título de
rei a D. Afonso Henriques, quer na fundação do mosteiro de Alcobaça em retri-
buição de uma intervenção milagrosa na conquista de Santarém. Nessas cartas, se
basearia o enfeudamento de Alcobaça e o tributo perpétuo a pagar anualmente por
Portugal ao mosteiro de Santa Maria de Claraval2. Jean Mabillon, autor da edi-
ção das Cartas mais tarde retomada pela Patrologia latina, considerara já as car-
tas 463 e 470 como apócrifas3.
Também a pretensa carta de Bernardo a João Cirita foi considerada apócrifa.
Subsistia a curta carta 308 dirigida a Afonso Henriques, com um conteúdo onde
é mencionado Pedro Afonso como irmão do rei, e onde se dizia que um frade de
Claraval era portador de cartas que atestavam a munificência papal, o que pode
1 Patrologia latina, ed. J.-P. Migne, 4 vol., Paris 1879, vol. 182, respetivamente col. 521,
668, 669, 675. A Patrologia retoma a edição de J. Mabillon, Sancti Bernardi Abbatis
Primi Clarevallensis et Ecclesiae Doctoris Opera Omnia, 6 vol., Apud Fredericum Leo-
nard, 1667 (2ª ed. 1690). Foi entretanto publicada a edição crítica das Sancti Bernar-
di opera, 9 vol., ed. J. Leclercq – C.H. Talbot – H.M. Rochais, Roma, Editiones Cis-
tercienses, 1957–1977; o texto latino desta edição foi retomado na edição bilingue San
Bernardo, Obras completas, 8 vol., Madrid, BAC, 1993-2006. As Éditions du Cerf têm
em curso de publicação as Œuvres complétes (Col. Sources chrétiènnes), Paris 1990-seg.
2 Cf. M. Cocheril – Études sur le monachisme en Espagne et au Portugal, Société d’É-
ditions Les Belles Lettres, Paris 1966. cap. IV «Les relations de Saint Bernard avec le
Portugal», pp. 255-322.
3 As cartas 463 e 470 foram inseridas nas edições da obra de S. Bernardo a partir da
publicação na Monarchia Lusitana de Frei Bernardo de Brito, cfr. Cocheril – Études,
cit., p. 270, n. 27. A carta 308 aparece pela primeira vez em Frei Bernardo de Brito –
Primeyra parte. A chronica de Cister onde se contam cousas principais desta religiam
com muytas antiguidades, asy do Reino de Portugal como de outros muytos da Chris-
tandade, Lisboa, Pedro Crasbeek, 1602, Livro III, cap. V, ff. 131v-132r (com texto e
tradução), cfr. Cocheril – Études, cit., p. 303. As cartas 308, 463 e 470 não figuram em
qualquer manuscrito colacionado para a edição crítica preparada por Jean Leclercq, cfr.
Idem, p. 281, n. 63. Nas cartas 463, 464 e 470 o editor escreveu apenas «A Sancto Ber-
nardo scriptae non sunt», cf. S. Bernardi Epistolae, (Opera, vol. VIII.2), Romae: Ed.
Cistercienses, 1977, pp. 446 e 447; San Bernardo, Cartas, Obras Completas, vol. 7, cit.,
pp. 1238, 1240.
Manuscritos e leituras de S. Bernardo em Portugal na Idade Média – José Meirinhos 99
4 Edição crítica de J. Leclercq em S. Bernardi Epistolae, cit., p. 228, trad. em San Ber-
nardo, Cartas, cit., pp. 926-928. No aparato de notas, em ambos os casos se remete
para o estudo de M. Cocheril, mas sem ser mencionada a natureza apócrifa da carta,
embora Leclercq anote que, segundo Cocheril, Pedro e Rolando mencionados na car-
ta nunca existiram. Contudo, na Introdução, p. XIV, Jacques Leclercq explicou que a
carta não está em qualquer manuscrito e que se conhece apenas pela Chronica de Cis-
ter de frei Bernardo de Brito e que é um falso, mas que é publicada de novo, a partir
da edição Mabillon-Migne, «por ter dado lugar a discussão» (a tradução castelhana
simplesmente omite esta importante informação).
5 Cf. H. Livermore – «The ‘Conquest of Lisbon’ and its Author», Portuguese Studies,
6 (1990), pp. 1-16.
6 J. Mattoso – D. Afonso Henriques, (Reis de Portugal) Ed. Temas e debates, Lisboa
2007, pp. 232-235, 240-243. Sobre a importância de S. Bernardo e da Ordem de Cis-
ter para o novo perfil das ordens monásticas em Portugal e a conquista de Lisboa ve-
jam-se também: F. G. Caeiro – «São Bernardo e os primórdios de Santa Cruz de Coim-
bra», em IX Centenário do nascimento de S. Bernardo. Actas do Encontro de Alcoba-
ça e Simpósio de Lisboa, Braga, Universidade Católica Portuguesa – Câmara Munici-
pal de Alcobaça, 1991, pp. 219-232; P.G. Barbosa – «S. Bernardo e a Independência
de Portugal», ibid., pp. 337-349.
7 Mattoso – D. Afonso Henriques, cit., p. 235.
100 Cister: por entre História e Imaginário – Livro do IX Encontro Cultural de São Cristóvão de Lafões
à ordem que tomou o nome do seu primeiro mosteiro14. Em 1115, pouco mais de
dois anos após entrar em Cister, Bernardo é enviado por Estêvão de Harding, ter-
ceiro abade de Cister, a fundar um mosteiro em Claraval no qual seria de imedia-
to eleito abade, função que manteve até ao final da vida, em 1153. Pela sua capa-
cidade de intervenção Bernardo, a partir de Claraval, tornar-se-á num dos grandes
responsáveis pela pujança e rápida difusão da ordem por toda a Europa.
Embora a ação de Bernardo, para o exterior e para o interior da Ordem, te-
nha sido influente sobretudo pela palavra proferida e pelo exemplo espiritual, as
suas obras, cartas e sermões são passados a escrito15. Bernardo não é apenas um
organizador incansável, é também um pensador irrequieto, um místico inspirado,
um adversário doutrinal temível16, e um escritor com um estilo refinado e vivo,
onde usa com mestria as artes da argumentação, que critica em outros quando as
aplicam às questões teológicas17.
A personalidade carismática de Bernardo coloca-o no centro da atividade ecle-
siástica e política, marcando o rumo da cristandade no seu tempo. O seu caráter,
a um tempo contemplativo e místico, mas também combativo e tenaz, permite-lhe
exercer uma extraordinária influência na vida monástica, eclesiástica, política e mi-
litar do seu tempo. Terá sido essa força a levar o rei de Portugal a procurar o seu
apoio, dando-lhe como contrapartida as condições para a instalação da Ordem em
Portugal. Aspirando ao abandono do mundo para se dedicar à contemplação di-
vina, mas empenhado e solicitado a envolver-se nos negócios militares e políticos,
Bernardo vive os dilemas da sua condição de monge entregue a questões munda-
14 De entre a numerosa bibliografia, cfr. esta mais recente: C. H. Berman – The Cis-
tercian Evolution, The Invention of a Religious Order in Twelfth-Century Europe, Phi-
ladelphia, University of Pennsylvania Press, 2000; J. Burton & J. Kerr – The Cistercians
in the Middle Ages, (Monastic Orders), Woodbridge, The Boydell Press, 2011; M. B.
Bruun (ed.) – The Cambridge Companion to the Cistercian Order, Cambridge, Cam-
bridge University Press, 2012.
15 Para introdução ao estudo do pensamento e da obra de Bernardo Claraval são in-
dispensáveis E. Gilson – La théologie mystique se S. Bernard, Paris, Vrin, 1935 (reed.
1985); J. Leclercq – St. Bernard et l’esprit cistercien, Paris, Seuil, 1966; Idem – Recueil
d’études sur saint Bernard et ses écrits, 5 vol., Roma, Edizioni di Storia e Letteratura,
1962-1990; B.P. McGuire – A Companion to Bernard of Clairvaux, (Brill’s companions
to the Christian tradition), Leiden – Boston, Brill, 2011. Está traduzida em português
a detalhada biografia por A. Luddy – Bernardo de Claraval, trad., Lisboa, Ed. Aster,
1950. Ver também M. C. Pacheco – «Ordinatio caritatis. Reflexões sobre a ascese e a
mística no pensamento de S. Bernardo», em IX Centenário do nascimento de S. Ber-
nardo. Actas do Encontro de Alcobaça e Simpósio de Lisboa, Braga, Universidade Ca-
tólica Portuguesa – Câmara Municipal de Alcobaça, 1991, pp. 27-40.
16 São marcantes as polémicas teológicas em que se envolve contra Pedro Abelardo e
contra Gilberto, bispo de Poitiers. Frei Bernardo de Brito deve ter sido o primeiro a tra-
tar em português estas polémicas, cfr. B. de Brito – Primeyra parte. A chronica de Cis-
ter, ed. cit., Livro III, cap. 7, ff. 136r-138v, sobre «Pedro Abailardo hereje» e como Ber-
nardo o confrontou no Concílio de Sens; cap. 23, ff. 173v-175v, sobre as heresias de
Gilberto de Poitiers, que Bernardo refutou no concílio de Reims.
17 Sobre o vocabulário e o estilo de Bernardo é indispensável Ch. de Mohrmann – «Ob-
servations sur la langue et le style de S. Bernard», em Sancti Bernardi opera, ed. J. Le-
clercq et al., ed. cit., vol. II, pp. IX-XXXIII.
102 Cister: por entre História e Imaginário – Livro do IX Encontro Cultural de São Cristóvão de Lafões
nas. Ele que queria dedicar-se à vida religiosa em silêncio e pura contemplação. É
essa contradição que descreve quando se lamenta em carta ao prior de Portes:
«Sou a quimera do meu século, pois não vivo como clérigo nem como lai-
co. Não deixei o hábito de monge, mas há muito que abandonei esse gé-
nero de vida»18.
Esta tensão entre a intervenção nas questões mundanas para defesa e expan-
são da fé, e o desejo de recolhimento contemplativo para realização de uma vida
pura, atravessa a vida e a obra de Bernardo.
A espiritualidade cisterciense, baseada numa interpretação reformada e rigo-
rista da regra de S. Bento, acentua na proposta de Bernardo a fuga do mundo atra-
vés de uma vida de austeridade e contenção19, no vestuário, na alimentação e no
despojamento dos bens materiais, para uma mais pura e livre dedicação à oração
e às ocupações quotidianas pelas quais se podia exprimir o louvor a Deus. Faziam
desse modo de viver um sinal de rutura com o monaquismo beneditino do seu tem-
po, revolucionando a aparição do homem novo:
«Despojados pois do homem velho, exultavam por se terem revestido do
homem novo»20.
22 Sobre a atitude dos cistercienses perante o saber, cfr. A. Dimier – «Les premiers cis-
terciens étaient-ils ennemis des études?», Studia monastica, 4 (1960), pp. 69-91; B.W.
O’Dwyer, «The Problem of Education in the Cistercian Order», Journal of Religious
History, 3 (1995), pp. 238-245.
23 Exordium Cistercense, X, em Cister, os documentos primitivos, cit., p. 58. Nos Es-
tatutos anteriores a 1134 a lista é ligeiramente diferente: «missal, epistolário, evange-
liário, colectário, gradual, antifonário, Regra, himnário, saltério, lecionário, calendá-
rio», ibidem, p. 82.
24 Carta Caritatis, III, em Cister, os documentos primitivos, cit., p. 70.
25 Cfr. Exordium parvum, I.2, XV, Carta Caritatis, II.2, Estatutos anteriores a 1134,
II, em Cister, os documentos primitivos, cit., respetivamente pp. 27, 41, 70, 81.
26 Regra do glorioso patriarca S. Bento, Singeverga, Ora et Labora, 1951, cap. 38 so-
bre leitura pública, cap. 48 sobre leitura privada.
27 Exordium Cistercense, IX.1 e X.2, em Cister, os documentos primitivos, cit., pp. 57,
58.
28 Carta de Caridade, III.2., em Cister, os documentos primitivos, cit., p. 70.
29 Estatutos, cf. §§ II, XII e XIII, em Cister, os documentos primitivos, cit., pp. 81 e
83.
104 Cister: por entre História e Imaginário – Livro do IX Encontro Cultural de São Cristóvão de Lafões
um elemento relativo aos livros, que marcará a atividade dos scriptoria cister-
cienses:
«Proibimos que nos livros das nossas comunidades haja peças, que usual-
mente recebem os nomes de fechos, que sejam de ouro ou de prata, ou mes-
mo prateados e dourados, nem haja códice algum recoberto de brocado»30.
A leitura é uma ocupação que permite ao monge a concentração sobre si, com-
batendo o maior inimigo da vida monástica: o ócio e os vícios que lhe estão asso-
ciados e que o afastam do fim mesmo a que se deve entregar a vida do religioso,
a oração e a contemplação. Mas, a leitura não é atividade de toda a comunidade,
ela apenas é permitida, ou obrigatória, para os monges de coro, os tonsurados, e
mesmo alguns destes podem dedicar-se apenas ao trabalho manual. Já para os con-
versos, parte importante, mas separada, da comunidade cisterciense, a leitura é cla-
ramente proscrita nos próprios textos constituintes:
35 J. Burton & J. Kerr – The Cistercians in the Middle Ages, cit., p. 72.
36 Cf. Nascimento – «A experiência do livro», cit, p. 129 e pp. 140-141 sobre o fun-
cionamento do scriptorium enquanto atividade.
37 S.A. Gomes – Visitações a mosteiros cistercienses em Portugal: séculos XV e XVI,
Lisboa, IPPAR, 1998, doc. IX, p. 244, e cit. p. 247.
106 Cister: por entre História e Imaginário – Livro do IX Encontro Cultural de São Cristóvão de Lafões
«nenhum deles tenha algum livro e não aprenda outra coisa que não seja
o Pater noster e o Credo in Deum, o Misere mei Deus que lhes está esta-
belecido saberem, mas não por leitura e sim de cor»38.
Os livros eram parte do quotidiano dos monges, para o ofício divino, mas tam-
bém para a aprendizagem das Escrituras, da doutrina e dos preceitos da vida mo-
nástica. Apesar de em muitos momentos essa atenção poder ter sido desvaloriza-
da em favor da contemplação e mesmo do trabalho manual, os mosteiros cister-
cienses dotaram-se de bibliotecas que cresceram com notável rapidez, como a bi-
blioteca da Abadia de Claraval, de onde irradiaram livros e modelos literários para
toda a rede de mosteiros que fundou e que dela dependiam39. Essa dependência ex-
plica não só a comunidade de costumes dos mosteiros cistercienses portugueses,
como também da tradição litúrgica e rituais quotidianos, bem assim como das pre-
ferências de leitura, que se refletem num conjunto bem identificado de títulos e au-
tores, com preferência pelas autoridades patrísticas.
38 Usos dos conversos, VIIII, cit., p. 97. Cf. C. van Dijk – «L’instruction et la culture
des frères convers dans les premiers siècles de l’ordre de Citeaux», Collectanea Ordi-
nis Cisterciensium Reformatorum, 24 (1962), pp. 243-258.
39 Cf. A. Bondéelle-Souchier – «Trésor des moines : les Chartreux, les Cisterciens et
leurs livres» em A., Vernet, Histoire des bibliothèques françaises, vol. I, Les bibliothè-
ques médiévales du VIe siècle à 1530, Paris, Ed. du Cercle de la Librairie, 1989, pp. 65-
81; D. N. Bell – «Cistercian libraries and scriptoria», em Bruun (ed.) – The Cambrid-
ge Companion to the Cistercian Order, cit., «Cistercian libraries and scriptoria», pp.
140-150 (não pude consultar estes estudos na íntegra).
40 Lista dos mosteiros e fundações dos cistercienses em Portugal no apêndice a M. Co-
cheril – Alcobaça, abadia cisterciense de Portugal, Lisboa, INCM, 1989, pp. 107-110.
Para uma descrição da história e estado de todos os mosteiros, M. Cocheril – Routier
des abbayes cisterciennes du Portugal, Paris, Fondation Calouste Gulbenkian – Centre
Culturel Portugais, 1986 (ed. rev).
41 S.A. Gomes – Visitações a mosteiros cistercienses em Portugal: séculos XV e XVI,
Lisboa, IPPAR, 1998, p. 13 e n. 8.
Manuscritos e leituras de S. Bernardo em Portugal na Idade Média – José Meirinhos 107
466 códices, 344 dos quais anteriores a 150042. Este é o maior fundo monástico
nacional, hoje na Biblioteca Nacional, e um dos maiores de mosteiros cistercien-
ses de toda a Europa43. Dos restantes mosteiros apenas de Arouca e Lorvão44 so-
breviveram alguns poucos e dispersos manuscritos45. Sabemos que os manuscritos
e documentos dos mosteiros de S. João de Tarouca e de S. Cristóvão de Lafões ar-
deram no incêndio do seminário de Viseu em 1841, onde estavam depositados46.
Em Alcobaça nos séculos XIII-XV o lugar para a leitura situa-se na ala sul do
claustro de D. Dinis ou do silêncio, junto à Igreja. Na primitiva abadia, e como é
habitual na arquitetura das abadias cistercienses, o pequeno armarium, que é pro-
priamente a biblioteca onde se guardam os livros, está situado na passagem entre
a sacristia e o claustro do capítulo47. Esse local ou outro onde se guardavam livros
terá atingido com o tempo maior dimensão, mas nem sempre com a devida ma-
nutenção. Na visitação por D. Pedro Serrano, em 22 de fevereiro de 1484, assinala-
se a existência de biblioteca, mas para ordenar que «seja reparada, segundo con-
vém, de armários e das demais coisas necessárias48».
42 Cf. Nascimento – «A experiência do livro», cit. pp. 128-129 para uma carateriza-
ção sumária e alguns números significativos. Os antigos inventários e descrições dos có-
dices ficam superados por T. L. Amos, The Fundo Alcobaça of the Biblioteca Nacio-
nal, Lisbon, 3 vol., Minnesota, Hill Monastic Manuscript Library – St. John’s Univer-
sity, 1989.
43 Sobre o livro em Alcobaça, a receção e irradiação dos modelos e leituras cistercien-
ses, cfr. A.A. Nascimento – «A experiência do livro no primitivo meio alcobacense», em
IX Centenário do nascimento de S. Bernardo, cit., pp. 121-145; Id. – «Livro e leituras
em ambiente alcobacense», em ibid., pp. 147-165.
44 Cf. M.A. MARQUES – «Inocêncio III e a passagem do mosteiro de Lorvão para a
Ordem de Cister», em Revista Portuguesa de História, 18 (1980), pp. 231-238, agora
em Ead. – Estudos sobre a Ordem de Cister em Portugal, pp.75-125, sobre os manus-
critos de Lorvão cf. pp. 77-80; A. A. Nascimento – «Tempo e livros medievos: os an-
tigos códices de Lorvão – do esquecimento à recuperação de tradições», Compostela-
num, 56 (2011) 729-753, agora em Id. – Ler contra o tempo. Condições dos textos na
cultura portuguesa (recolha de textos em Hora de Vésperas), Lisboa, Cento de Estudos
Clássicos, 2013, pp. 389-410.
45 S. A. Gomes – Visitações a mosteiros cistercienses em Portugal, p. 20 e n. 23. De no-
tar que alguns dos códices hoje no fundo de Alcobaça testemunham ter tido origem em
outros mosteiros portugueses da Ordem.
46 Cocheril – Études, cit., p. 257.
47 Cocheril – Études, cit., planta na Fig. XV. Frei João Claro, prior de Alcobaça entre
1492 e 1495, em carta a el-rei localiza a livraria justamente na passagem da sacristia
para a claustra e descreve como renovar tábuas para acomodar mais livros e «caberem
sobre elas mais de VI centos livros e tantos nom tem Alcobaça», mostrando que eles
estão disponíveis a monges e hóspedes letrados. Editada por S. Viterbo e citada por A.
A. Nascimento – «Em busca de códices Alcobacenses perdidos», Didaskalia, 9 (1979),
pp. 279-288, agora em Id. – Ler contra o tempo, cit., pp. 205-214, cfr. p. 212. Sobre
o assentamento e o espaço edificado em mosteiros portugueses, cfr. M. L. Real – «A or-
ganização do espaço monástico entre os cistercienses, no Portugal medievo», em M. A.
F. Marques – L. C. Amaral (org.) – Monasticon (II): nos caminhos de Cister, S. Cristó-
vão de Lafões, Associação dos Amigos do Mosteiro de S. Cristóvão de Lafões, 2013,
pp. 77-112, sobre os scriptoria, p. 104.
48 «Bibliotheca autem in armarijs et alijs necessarijs prout indiget reparetur», S. A. Go-
mes – Visitações a mosteiros cistercienses em Portugal, cit., pp. 125-149, trad. pp.155-
182, cit. da p. 130, trad. p. 160.
108 Cister: por entre História e Imaginário – Livro do IX Encontro Cultural de São Cristóvão de Lafões
49 Cocheril – Études, cit., plantas na Fig. III, XV, XIX e XX; claustro da leitura na fig.
XLI, sala da biblioteca do séc. XVIII na fig. LV. Refeitório dos séculos XII-XIII, com o
púlpito de leitura, na fig. LII. Sobre o claustro da leitura, ver pp. 61-62; sobre o refei-
tório e o púlpito do leitor, cfr. p. 72.
50 Para suprir informação e reunir todos os testemunhos, seria indispensável a re-
constituição virtual das bibliotecas dos mosteiros cistercienses, como a que está a ser
preparada para a biblioteca de Claraval em 1472: http://www.biblissima-
condorcet.fr/fr/bibliotheque-virtuelle-clairvaux-1472 (consulta em 10.02.2014).
51 Gomes – Visitações a mosteiros cistercienses em Portugal, ed. cit., doc. 1, pp. 59-
71, livros cfr. p. 69. É explicitamente mencionado que há um pontifical, dois missais e
um breviário com brochas de pratas (ornamentos desprezados e proibidos pelos textos
fundadores da Ordem, como vimos), algumas quebradas e guardadas à parte.
52 Documento publicado em M.A. Marques – Estudos sobre a Ordem de Cister em
Portugal, cit., pp. 221-236, com livros assinalados nas igrejas de Santa Maria de Alju-
barrota (p. 225), de Santa Eufémia de Cós (p. 226), de Santa Maria de Pederneira (p.
227) e de Santa Maria de Alvorninha (p. 229).
Manuscritos e leituras de S. Bernardo em Portugal na Idade Média – José Meirinhos 109
55 Há notícia de em 1269 D. Estêvão Martins ter criado em Alcobaça uma escola aber-
ta a leigos, cf. Nascimento – «A experiência do livro no primitivo meio alcobacense»,
cit., p. 126 e n. 13, mas nada mais sabemos sobre a sua atividade.
56 Tradução portuguesa, com texto latino defronte, em Bernardo de Claraval – «Apo-
logia para Guilherme, abade», apres., trad. e notas de Geraldo J. A. Coelho Dias, Me-
diaevalia. Textos e estudos, 11-12 (1997), pp. 9-76.
Manuscritos e leituras de S. Bernardo em Portugal na Idade Média – José Meirinhos 111
Sermones in Cantica canticorum (86 sermões, iniciados em 1135, não tendo sido
terminado o comentário sobre todo o Cântico); Epistolae (c. 444 ao longo de toda
a vida); Sermones, alguns dos quais circularam mesmo como tratados autónomos
(por exemplo: De conversione ad clericos Sermo seu Liber, de 1122; De moribus
et officio episcoporum; etc.), recolhas de Sentenças. Um bom número de textos
apócrifos, entre eles várias dezenas de cartas, mas também sermões e opúsculos cir-
cularam e subsistem, manuscritos ou impressos, sob o nome de Bernardo.
Nos armários dos mosteiros medievais portugueses, sobretudo cistercienses,
podemos encontrar uma boa parte destas obras. Com algumas ausências signifi-
cativas, mas que, mais uma vez, não sabemos se se devem a terem-se perdido ou
se de facto a sua cópia nunca chegou a circular em Portugal. Não parece haver um
interesse sistemático dos mosteiros na obtenção destes códices, ou mesmo em cul-
tivar a sua leitura e meditação. Frei Fortunato de S. Boaventura lamenta-se no iní-
cio do século XIX de em Alcobaça não existir a obra completa de S. Bernardo, o
que, diz, é não só insólito como repreensível 57. Depois de descrever o ms. LXX/152
com uma ampla miscelânea de textos de Bernardo, menciona o ms. LXIX/358 com
Sermones de tempore, acrescentando que no mosteiro de Alcobaça não existem os
Sermones S. Bernardi a Pascha usque ad Adventum Domini, mas que os viu em
Santa Cruz de Coimbra e em S. João de Tarouca58. O que indica que terão existi-
do duas cópias desta coleção, mas de facto o códice subsistente em Santa Cruz co-
meça com os Sermões do Advento59. Fortunado indica ainda o ms. LXIX (Alc.
358) com os Sermones de tempore et de sanctis (cf. p. 347), para depois discorrer
sobre a atribuição ou não a S. Bernardo de certos opúsculos que nos manuscritos
estão sob o seu nome, mas que alguns editores rejeitam por serem apócrifos.
Há outros testemunhos documentais dispersos sobre a existência de volumes
com obras de Bernardo. Uma querela com implicações patrimoniais entre o mos-
teiro de Santa Maria de Bouro e o mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, e entre
o mosteiro de Seiça e o de Alcobaça fornece-nos dois inventários de livros de 1408,
mencionados no rol de outros bens dos mosteiros de Bouro e de Seiça. Para Bou-
ro indica-se mesmo que os livros estão na Igreja, embora incluam títulos para lá
dos livros destinados ao ofício e à oração, com diversas obras para a lectio divi-
na, entre as quais há um «serme de S. Bernaldo»60. Em 1437 será feito novo in-
ventário do mosteiros de Bouro e nesses 31 anos a lista cresceu consideravelmen-
te, passando de 42 items para 7261. Entre os novos títulos há agora «huum liuro
de alamentacoees de Sam Bernaldo» (item 21), para além de «outro liuro de Sam
Bernaldo sobre Cantica Canticorum» (item 40) e «outro liuro que chamam Hor-
to do Esposo» (item 28) que, como veremos, é uma obra portuguesa de espiritua-
lidade cisterciense, onde S. Bernardo é mencionado. No estudo de José Marques
sobre scriptoria cistercienses em Portugal, é apresentada informação coligida no
séc. XVIII para um «Index alfabético» dos escritores cistercienses, elaborado como
suporte para a renovação da História de Portugal promovida pela Real Academia
da História62. Do índice constam escritores propriamente ditos ou também copis-
tas, de 11 mosteiros cistercienses63. Desse elenco consta a menção a «hum livro em
pergaminho que conthem = Divus Bernardus de Laudibus Virginis Mariae», jun-
tamente com a Espositio de Hugo de S. Vítor sobre a Regula S. Augustini, a Doc-
trina ad monachos de S. Basílio e a Vita S. Rudesindi64. Todos estes códices, men-
cionados em notícias e inventários avulsos, podem estar perdidos ou destruídos, ou
podem ser um ou outro dos 13 manuscritos conhecidos e que se inventariam no
Anexo I.
Nestas notícias de códices com obras de S. Bernardo os Sermões são o título
mais presente (cfr. códices 1, 2, 4, 11, 13 do inventário anexo e 10 com os Ser-
mones in Cantica canticorum), o que pode manifestar uma preferência pela dou-
trina e funcionalidade formativa dos sermões para a preparação de pregadores e
para o conhecimento do texto bíblico. Mas, também devemos ter em conta que esta
é a parte mais substancial da obra de Bernardo, juntamente com as Cartas. Mui-
tos dos sermões circulavam isolados, integrados em miscelâneas, como é o caso dos
que encontramos nos códices 5 (nn. 4-5 e 12), 6, 7 do inventário anexo. A mesma
razão poderá explicar o interesse pelas Sententiae, de que existem diversas coleções
(cfr, códices 6b, 7b, 11.2), que fornecem passagens e pensamentos exemplares uti-
Dos títulos importantes apenas do De amore Dei parece não existir cópia, as-
sim como do Prologus in graduale Cisterciense. Notável é que não exista qualquer
coleção significativa das Epistolae, Bernardo escreveu cerca de 440, embora es-
cassas cartas estejam copiadas aqui e ali (cfr. 6 e 9 no códice 5; e no códice 13 a
carta 374). Como vimos atrás, não existe qualquer manuscrito das qautro cartas
forjadas e falsamente atribuídas para fundamentar algumas das invenções ou das
convicções dos historiadores de Alcobaça.
Merece ainda menção o códice com a tradução da Vida de Sam Bernardo por
Guilherme de S. Teodorico e outros textos pseudo bernardianos (códice 9).
Os manuscritos subsistentes também não são muito ricos em anotações que
permitissem fazer a história da sua leitura e utilizações, o que se deve seguramen-
te ao facto de não terem sido usados como livros de estudos. Tudo indica que es-
tas obras poderiam ser lidas na parte quotidiana da leitura privada, mas não mui-
to manipuladas devido a terem sobrevivido aos séculos de uso possível, sendo tam-
bém plausível que algumas delas, sobretudo os Sermões, pudessem ter servido para
leitura em alta voz durante as refeições.
65 Cf. A. A. Nascimento – «As livrarias dos príncipes de Avis», Biblos, 63 (1993), pp.
265-287, agora em Id. – Ler contra o tempo, cit., pp. 249-266, cf. p. 267.
114 Cister: por entre História e Imaginário – Livro do IX Encontro Cultural de São Cristóvão de Lafões
66 Porto, Biblioteca Pública Municipal, Santa Cruz 33, cfr. Anexo II.
67 Sobre os cónegos regrantes de Coimbra e Alcobaça, cfr. S. A. Gomes – «Relações
entre Santa Cruz de Coimbra e Santa Maria de Alcobaça ao longo da Idade Média. As-
pectos globais e particulares», em IX Centenário do nascimento de S. Bernardo. Actas
do Encontro de Alcobaça e Simpósio de Lisboa, Braga, Universidade Católica Portu-
guesa – Câmara Municipal de Alcobaça, 1991, pp. 257-303, assim como a introdução
da tese de A. F. Frias – Fontes de cultura portuguesa medieval: o ‘Liber ordinis Sanc-
tae Crucis Colimbriensis’, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2001.
68 Santo António de Lisboa – Obras completas. Sermões dominicais e festivos, 2 vol.,
Introd., trad. e notas por H.P. Rema, Porto, Lello & Irmão, 1987; cfr. J. Meirinhos –
«S. António de Lisboa, escritor. A tradição dos Sermones: manuscritos, edições e tex-
tos espúrios», Mediaevalia. Textos e estudos, 11-12 (1997), pp. 139-182, onde se in-
dica outra bibliografia.
69 Raoul Manselli, grande historiador do franciscanismo, foi claro ao afirmar «riten-
go di poter concludere, senza mezzi termini, che questi sermones sono stati scritti in Por-
togallo, dal teologo e canonico de Coimbra», R. Manselli – «La coscienza minoritica
di Antonio di Padova di fronte all’Europa del suo tempo», em A. Poppi (cura), Le fon-
ti e la teologia dei Sermoni antoniani, Padova, Ed. Messaggero, 1982, pp. 29-35, a cit.
é da p. 32.
70 A. B. Calapaj – «Le citazioni da S. Bernardo nei Sermones antoniani», em Le fonti
e la teologia dei Sermoni antoniani, ed. cit., pp. 217-227, cfr. pp. 117-121.
71 Santo António, Sermões dominicais e festivos, cit., I, pp. 47, 108, 339, 348; II, p.
196.
72 Santo António, Sermões dominicais e festivos, cit., I, pp. 33, 130, 201, 526; II, pp.
497, 515, 562, 568, 977.
Manuscritos e leituras de S. Bernardo em Portugal na Idade Média – José Meirinhos 115
aquela que se tornaria uma das lendas hagiográficas mais representadas na ico-
nografia bernardiana, a aleitação pela Virgem Maria:
«Vnde, ut dicitur humili et beatissimo patri nostro Bernardo: ‘mammillam
prebuit ut hauriret»91,
c) O Orto do Esposo
Em Alcobaça serão traduzidas ou escritas diversas obras em português, pelo
menos desde o século XIV. Um delas é o Horto do Esposo96, que subsiste em dois
códices de Alcobaça (Alc. 198 e Alc. 212) e, como vimos atrás, é mencionado no
inventário do mosteiro de Santa Maria de Bouro de 1437, tendo D. Duarte tam-
bém possuído um exemplar na sua biblioteca97. Obra de formação moral e místi-
Não é o estudo que inicia à compreensão da Sagrada Escritura, mas sim a ora-
ção e a contemplação da natureza. Como advertira o autor no início desse mesmo
capítulo, o sábio não tem que confiar na «agudeza do seu engenho, nem da sua so-
teleza, nem do grande trabalho do seu studo». Deve sim confiar na bondade de
Deus e na piedade da oração e da «humildade de dentro do coraçom»99. E Ber-
nardo figura ao lado de outros, como Cassiano, o abade Teodoro, Boécio, Séne-
ca, o apóstolo Paulo, S. Gregório, Santo Agostinho, todos exemplo de como a ora-
ção e o abandono do mundo são a via para atingir o entendimento das Escrituras.
Encontramos mais à frente o mesmo dilema para o monge no confronto entre
a subtileza de engenho e o trabalho e oração:
«Por em diz Sam Bernardo que em na profissom da religion o homem que
é de engenho arteiro e é sages em arte e ha o entendimento mui agudo, es-
tas cousas son estormentos assi de pecados come de virtudes. Ca milhor
carreira é o trabalho e a oraçom pera alcançar a ciencia e as virtudes que
a sotileza do engenho e a agudeza do entendimento».
apenas conduz à virtude e à ciência. A recusa da via das ciências de estudo é ape-
nas uma outra figura do abandono do mundo, para regressar a si e buscar a su-
prema virtude pela fé. Ao autor não interessa a ciência mundana mas a ciência de
Cristo, ao serviço da qual devem estar todos os saberes. Também por aqui se cons-
tata o sentido da frequente convocação de Bernardo, pelos ditos sentenciosos ou
pelo exemplo.
d) O Boosco deleitoso
Também no Boosco deleitoso, obra anónima publicada em português em 1515
pelo impressor Hermão Campos100, vemos surgir a figura de Bernardo. De novo
no bosque, espaço solitário e de contemplação a que é sempre associado. No Boos-
co deleitoso, que muitos consideram, pelo menos em parte, inspirado no De vita
solitaria de Petrarca, sucedem-se intervenções de diversos personagens em defesa
da vida solitária, como modo supremo de realizar e em mais elevado grau o gozo
da alma. No capítulo 32 temos «Dom Bernardo, grorioso doutor» descrito como
«monge vestido em uua cugula mui alva: e a sua face era mui crara e mui lêda»101,
onde fala na primeira pessoa para fazer uma apologia da contemplação, pois o con-
templativo a quem a vida ativa afasta da contemplação, não decai pois age bem
(p. 77). E na boca de Bernardo são colocadas estas palavras que sussurra ao leitor
descrevendo a sua própria experiência solitária e de silêncio:
«non havia outra cousa que mais me prouvesse senom aquele apartamen-
to solitário, em que não havia falamento com outrem. E pela manhaã, me-
tia-me em uua fruesta espêssa e áspera e nom saía dela ataa tarde. Nom era
cousa mais amiga pera mi que o êrmo e o apartamento solitário»102.
Este Bernardo não descura a vida ativa, pois aquele que tomou o gosto da con-
templação mais forte e valentemente sai a «catar ganhos das almas», como justa-
mente tinha sido a vida de Bernardo.
E na quinta parte de novo o «grorioso monge Dom Sam Bernardo» é convo-
cado entre muitos solitários ilustres. A voz que narra, depois de em primeira pes-
soa se dirigir a Bernardo, recordando factos da sua vida e o sentido do abandono
do mundo, diz querer calar o louvor da abstinência e das falas de Bernardo, pois
todos as conhecem. Mas pede-lhe que diga alguma doce palavra sobre o «solitá-
rio apartamento»:
«Entom falou San Bernardo e disse:
— Tôdas as lêteras e a ciência que eu soube, em os matos e em os agros as
aprendi, nom seendo dicípolo dos homees, mas meditando e pensando e
orando. E nunca houve outros mestres senom os carvalhos e as faias»103.
100 Boosco deleitoso, ed. A. Magne, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1950.
Para uma notícia breve cfr. J. D. Pinto-Correia – «Bosco deleitoso», em Dicionário da
Literatura Medieval Galega e Portuguesa, cit., pp. 107-109.
101 Boosco deleitoso, ed. A. Magne, cit., p. 76.
102 Boosco deleitoso, ed. A. Magne, cit., p. 78.
103 Boosco deleitoso, ed. A. Magne, cit., p. 211.
Manuscritos e leituras de S. Bernardo em Portugal na Idade Média – José Meirinhos 121
Anexo I
Bibliografia
Index Codicum Bibliothecae Alcobatiae, in Quo Non Tantum Codices Recensentur, sed
Etiam Quot Tractatus, Epistolas, Etc. Singuli Codices Contineant, Olisipone : ex Typo-
graphia Regia, 1775.
Fr. Fortunati a D. Bonaventura, Commentariorum de Alcobacensi manuscriptorum Bi-
bliotheca libri tres in quibus haud pauca ad rem litterariam illustrandam, ac fortassis
augendam facientia, hucusque abdita, reserantur, Conimbricae: ex Typographia Aca-
demico-Regia, 1827.
SBO = Sancti Bernardi Opera, 9 vol., ed. J. LECLERCQ – C.H. TALBOT – H.M. ROCHAIS,
Roma, Editiones Cistercienses, 1957-1977.
AMOS, T. L., The Fundo Alcobaça of the Biblioteca Nacional, Lisbon, 3 vol., Minne-
sota, Hill Monastic Manuscript Library – St. John’s University, 1989.
G. LEROUX – São Bernardo: 1090-1990. Catálogo bibliográfico e iconográfico, Lisboa,
Biblioteca nacional, 1991.
Inventário dos códices iluminados até 1500. Coord.: Isabel Vilares CEPEDA – Colab.: Te-
resa A.S. Duarte FERREIRA, Vol. I. Distrito de Lisboa, Vol. II: Distritos de Aveiro, Beja,
Braga, Bragança, Coimbra, Évora, Leiria, Portalegre, Porto, Setúbal, Viana do Caste-
lo, e Viseu. Apêndice: Distrito de Lisboa, Secretaria de Estado da Cultura – Biblioteca
Nacional, Lisboa 1994 e 2001.
NASCIMENTO, A. A. – J. MEIRINHOS (org.) – Catálogo dos códices da Livraria de Mão
do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra na Biblioteca Pública Municipal do Porto, Por-
to, Biblioteca Pública Municipal, 1997.
5.
Alc. LXX/152
Pergam.; 203 ff.; séc. XII (anterior a 1174? Sanctus/sancti escrito sobre palavra domi-
nus/domini raspada).
1 (ff. 1v-48v) Bernardo de Claraval, De consideratione ad Eugenium III papam. [Men-
cionado na edição crítica, SBO, vol. III, p. 383].
2 (ff. 48v-67v) Bernardo de Claraval, Liber de praecepto et dispensatione. [Mencionado
na edição crítica, SBO, vol. III, p. 245].
3 (ff. 67v-97) Bernardo de Claraval, Vita sancti Malachiae. [Mencionado na edição críti-
ca, SBO, vol. III, p. 300].
4 (ff. 97-99v) Bernardo de Claraval, Sermo II In transitu S Malachiae Episcopi. [Mencio-
nado na edição crítica, SBO, vol. IV, p. 5].
5 (ff. 99v-102v) Bernardo de Claraval, Sermo I In transitu S. Malachiae Episcopi.
6 (ff. 102v-104) Bernardo de Claraval, Epistola ad fratres qui in Hybernia sunt.
7 (ff. 104-104v) Bernardo de Claraval, De gradibus humilitatis et superbiae. Retractio et
Index. [Mencionado na edição crítica, SBO, vol. III, p. 6].
8 (ff. 105-126) Bernardo de Claraval, De gradibus humilitatis et superbiae.
9 (ff. 126-128) Bernardo de Claraval, Epistolae CXLIV, CXLIII, CXLV.
10 (ff. 128v-140v) Bernardo de Claraval, Liber de nova militia ad milites Templi. [Men-
cionado na edição crítica, SBO, vol. III, p. 209].
11 (ff. 140v-157v) Bernardo de Claraval, Liber de diligendo Deo. [Mencionado na edição
crítica, SBO, vol. III, p. 113].
12 (ff. 158-180v) Bernardo de Claraval, Sermones quattuor De laudibus virginis Matris.
13 (ff. 180v-201v) Bernardo de Claraval, De gratia et libero arbitrio. [Mencionado na edi-
ção crítica, SBO, vol. III, p. 159].
6.
Alc. CCVI / 168
Pergam, 149 ff.; séc. XIII, Portugal. Miscelâneo (obras de Ephrem; pseudo João Cri-
sóstomo; Hilário de Poitiers; Ambrósio Autperto; Anónimos).
— (ff. 82a-89va) Bernardo de Claraval, Sermo De passione domini (In feria IV hebdomade
sanctae).
124 Cister: por entre História e Imaginário – Livro do IX Encontro Cultural de São Cristóvão de Lafões
7.
Alc. XXVIII / 180
Pergam.; datado: Alcobaça 1309, copiado por João Martins a pedido do abade D. Pe-
dro (f. 130b).
Miscelâneo (obras de Ephrem; pseudo João Crisóstomo, Ambrósio Autperto, Estêvão
de Tournai, Pedro de Celle; Anónimos).
— (ff. 85va-92vb) Bernardo de Claraval, Sermo De passione domini (In feria IV hebdo-
made sanctae).
— (ff. 93a-106va) Sententiae S. Bernardi.
8.
Alc. CXLII / 187
Pergam.; 117 ff.; Rubricas. Iniciais a azul, verde, vermelho. Parte I datada: Alcobaça 1231:
f. 95r. Miscelâneo (Consuetudines da Ordem Cist.; Textos O.Cist.; Ricardo de Wed-
dinghausen; Anónimos).
— (ff. 83v-95r) Bernardo de Claraval, De praecepto et dispensatione. Explicit liber de pre-
cepto et dispensatione domni Bernardi abbatis de clara valle. Era m cc lx ix. Explicit
liber iste sit gloria Christe per manus Stephanus Martini dictus monachus Alcobacie
cuiuus anima requiescat in pace amen.
9.
Alc. CCXCI / 200
Pergam.; 233 ff.; séc. XV. Miscelânea de traduções que a página de rosto (séc. XVIII)
atribui a Francisco de Melgaço OCist, de S. Maria de Bouro.
1 (ff. 1-74) GUILHERME DE S. TEODORICO, Vida Sam Bernardo.
— (ff. 125r-147v) PSEUDO-BERNARDO, Este liuro fez san bernardo dos pensamentos que ho-
mem deue dauer consigo mesmo para se conhecer outrosym uiir em conhecimento de
Deus. / A alma [=PL, 184, 485A-508B].
— (ff. 148-180) BERNARDO DE CLARAVAL, Regra / Deçeplina monacorom.
10.
Alc. LXVIII / 357
Pergam.; 230 ff.; rubricado; séc. XII; raras notas marginais, diversos sinais de nota, por
vezes elaborados.
1 (ff. 1ra-230vb) Bernardo de Claraval, Sermones in Cantica Canticorum. Título: Incipiunt
tractatus sancti Bernardi abbatis super Cantica canticorum (a palavra sancti está escrita
sobre palavra raspada). [É o ms. Al da edição crítica. Contém os sermões 1-86. Con-
tém a forma definitiva do sermão 24, que serve para distinguir entre as três versões di-
ferentes do sermonário. Quanto ao texto contém a versão média T, a que tem teste-
munhos mais numeroso (cfr. SBO, pp. XVI-XVII, XXVIII-XXIX, LVII-LVIII)].
11.
Alc. LXIX / 358
Pergam.; 117 ff.; séc. XII final. Fortunato de São Boaventura chama-lhe eximius codex.
1 (ff. 1(3)a-113(115)va) Bernardo de Claraval, Sermones de Tempore, de Sanctis et de di-
versis [Schneyer cita 126 mss. incluindo este].
Manuscritos e leituras de S. Bernardo em Portugal na Idade Média – José Meirinhos 125
2 (ff. 113(115)va- 117(119)va) Bernardo de Claraval, Sententiae, [ed. crítica cita 12 mss
incluindo este; seleção de sentenças provenientes das três séries, ver mss 168 e 180]
12.
Cod. 4861
Papel; 284 ff., séc. XVIII.
1 (f. 1-) Liuros da Consideraçaõ de S. Bernardo. Nouamente traduzidos na língua Portu-
guesa. Por fr. Lucas Figueira monge professo da Cartuxa de Scala Coeli.
Anexo II
Sermões e Carta 374 de Bernardo de Claraval. Manuscrito datado: 1187 (no colofão
da parte III, f. 227vb).
227 ff.; em pergaminho, com os ff. totalmente separados da encadernação, o que de-
nota degradação pelo uso continuado. Manuscrito miscelâneo, em 3 partes: I: ff. 1-104;
II: ff. 105-108; III: ff. 109-227. As partes I e III possuem semelhanças de empaginação,
escrita e ornamentação, mas as assinaturas na parte III obrigam a distingui-las. A par-
te II tem empaginação e mão diferentes por se tratar de um acrescento para suprir tex-
to em falta.
I
ff.: 1-104. Pergaminho, bastante escurecido pelo uso.
1 (ff. 1ra-104vb) Bernardus Claraevallensis abb., <Sermones>.
1.1 (ff. 1r-12ra) Sermones in adventu Domini. (ff. 1r-4ra) <Sermo 1>. inscr. De aduentu
domini. Sermo sancti Bernardi abbatis Clareuallensis de sex circumstantiis aduentus. (ff.
4ra-5va) <Sermo 2>. (ff. 5va-7vb) <Sermo 3>. (ff. 7vb-9ra) <Sermo 4>. (ff. 9ra-10ra)
<Sermo 5>. (ff. 10ra-11va) <Sermo 6>. (ff. 11va-12ra) <Sermo 7>.
1.2 (ff. 12ra-27va) Sermones in vigilia nativitatis domini. (ff. 12ra-14ra) <Sermo 1>. (ff.
14ra-16rb) <Sermo 2>. (ff. 16rb-19va) <Sermo 3>. (ff. 19va-22rb) <Sermo 4>. (ff. 22rb-
24rb) <Sermo 5>. (ff. 24rb-27va) <Sermo 6>.
1.3 (ff. 27va-35ra) Sermones in nativitate Domini. (ff. 27va-29vb) <Sermo 1>. (ff. 29vb-
31va) <Sermo 2>. (ff. 31va-33ra) <Sermo 3>. (ff. 33ra-34ra) <Sermo 4>. (ff. 34ra-35ra)
<Sermo 5>.
1.4 (ff. 35ra-36ra) Sermo in festo sanctorum Stephani, Iohanni et Innocentium.
1.5 (ff. 36ra-41ra) Sermones in circumcisione Domini. (ff. 36ra-37ra) <Sermo 1>. (ff. 37ra-
38va) <Sermo 2>. (ff. 38va-41ra) <Sermo 3>.
1.6 (ff. 41ra-46vb) Sermones in Epiphania Domini. (ff. 41ra-43vb) <Sermo 1>. (ff. 43vb-
44vb) <Sermo 2>. (ff. 44vb-46vb) <Sermo 3>.
1.7 (ff. 46vb-47va) Sermo in octava epiphaniae Domini.
1.8 (ff. 47va-51rb) Sermones in dominica I post octavam epiphaniae. (ff. 47va-48vb) <Ser-
mo 1>. (ff. 48vb-51rb) <Sermo 2>.
1.9 (ff. 51rb-53vb) Sermo in conversione sancti Pauli.
1.10 (ff. 53vb-56rb) Sermones in purificatione Beatae Mariae Virginis. (ff. 53vb-54vb)
<Sermo 1>. (ff. 54vb-55va) <Sermo 2>. (ff. 55va-56rb) <Sermo 3>.
1.11 (ff. 56ra-59ra) Sermones in septuagesima. (ff. 56ra-58ra) <Sermo 1>. inscr. (ff. 58ra-
59ra) <Sermo 2>.
1.12 (ff. 59ra-65va) Sermones in quadragesima. (ff. 59ra-60vb) <Sermo 1>. (ff. 60vb-62va)
<Sermo 2>. (ff. 62va-63va) <Sermo 3>. (ff. 63va-64va) <Sermo 4>. (ff. 64va-65va) <Ser-
mo 6>. [Falta o sermão 5].
1.13 (ff. 65va-99vb) Sermones super Psalmum Qui Habitat. (ff. 65va-67rb) <Praefatio et
Sermo 1>. (ff. 67rb-67vb) <Sermo 2>. (ff. 67vb-69va) <Sermo 3>. (ff. 69va-70va) <Ser-
mo 4>. (ff. 70va-71rb) <Sermo 5>. (ff. 71rb-73ra) <Sermo 6>. (ff. 73ra-77vb) <Sermo
7>. (ff. 77vb-81rb) <Sermo 8>. (ff. 81rb-83va) <Sermo 9>. (ff. 83va-85va) <Sermo 10>.
(ff. 85va-88va) <Sermo 11>. (ff. 88va-90vb) <Sermo 12>. (ff. 90vb-92rb) <Sermo 13>.
(ff. 92rb-94vb) <Sermo 14>. (ff. 94vb-96rb) <Sermo 15>. (ff. 96rb-97va) <Sermo 16>.
(ff. 97va-99vb) <Sermo 17>.
1.14 (ff. 99vb-102va) <Sermo III in adnuntiatione dominica>.
1.15 (ff. 102va-104vb) <Sermo I in adnuntiatione dominica, mut.>
Edições: Todos os sermões estão publicados na Patrologia Latina (PL), vol. clxxxiii e nas Sancti Bernardi Ope-
ra, ed. J. Leclerc – H.-M. Rochais, t. IV. Editiones Cistercienses, Roma 1966:
1.1. PL clxxxiii 35-56. Bernardi Opera, t. IV, 161-196.
1.2. PL clxxxiii 87-115. Bernardi Opera, t. IV, 197-244.
1.3. PL clxxxiii 115-130. Bernardi Opera, t. IV, 244-270.
1.4. PL clxxxiii 129-132. Bernardi Opera, t. IV, 270-273.
1.5. PL clxxxiii 135-142. Bernardi Opera, t. IV, 273-291. Ordem dos Sermões 1 e 2 trocada, no ms.
1.6. PL clxxxiii 141-152. Bernardi Opera, t. IV, 291-309.
1.7. PL clxxxiii 153-154. Bernardi Opera, t. IV, 310-313.
1.8. PL clxxxiii 155-162. Bernardi Opera, t. IV, 314-326.
1.9. PL clxxxiii 358-365. Bernardi Opera, t. IV, 327-334.
1.10. PL clxxxiii 365-372. Bernardi Opera, t. IV, 334-344.
1.11. PL clxxxiii 161-168. Bernardi Opera, t. IV, 344-352. O Sermão 1 encontra-se dividido em dois: ff. 56ra-
57ra e 57ra-58ra.
1.12. PL clxxxiii 167-186. Bernardi Opera, t. IV, 353-371, 377-380. Faltam os Sermões 5 e 6.
1.13. PL clxxxiii 185-254. Bernardi Opera, t. IV, 382-492.
1.14. PL clxxxiii 392-398. Bernardi Opera, t. V, 34-42.
1.15. PL clxxxiii 383-387D. Bernardi Opera, t. V, 13-23.
II
ff.: 4. (ff. 105-108 do códice, inseridos para preencher uma lacuna assinalada no f.
99vb).
1 (ff. 105ra-108vb) <Bernardus Claraevallensis abbatis, Sermo de sancto Benedicto,
acéf.>. (em branco: final da col. 108vb).
Edição: PL clxxxiii, [375] 337B-382. Bernardi Opera, t. V, ed. J. Leclercq – H.-M. Rochais, Editiones Cister-
cienses, Roma 1968, pp. [13]15-23.
III
ff.: 119 (ff. 109-227 do códice). Pergaminho, amarelado, com alguns furos e cortes de ori-
gem, bastante escurecido pelo uso, pelas manchas de gordura e pingos de cera. Com-
pleto, muito usado, alguns ff. algo delidos e sujos e outros fora de ordem, no final.
1 (ff. 109ra-227vb) Bernardus Claraevallensis abb., Sermones et Epistula.
1.1 (ff. 109ra-118vb) Sermones in die Paschae. (ff. 109ra-113vb) <Sermo 1>. (ff. 113vb-
116rb) <Sermo 2>. (ff. 116rb-118rb) <Sermo 3>. (f. 118va-b) <Sermo 4>.
1.2 (ff. 118vb-121vb) Sermones in octavae Paschae (ff. 118vb-120vb) <Sermo 1>. (ff.
120vb-121vb) <Sermo 2>.
1.3 (ff. 121vb-122rb) Sermo in rogationibus.
1.4 (ff. 122rb-134rb) Sermones in ascensione domini. (ff. 122rb-123rb) <Sermo 1>. inscr.
(ff. 123rb-124vb) <Sermo 2>. (ff. 124vb-127ra) <Sermo 3>. (ff. 127ra-130va) <Sermo
4>. (f. 130va-b) <Sermo 5>. (ff. 130vb-134rb) <Sermo 6>.
1.5 (ff. 134rb-139va) Sermones in diem pentecostes. (ff. 134rb-135vb) <Sermo 1>. (ff.
135vb-137va) <Sermo 2>. (ff. 137va-139va) <Sermo 3>.
128 Cister: por entre História e Imaginário – Livro do IX Encontro Cultural de São Cristóvão de Lafões