No Brasil, o Quinhentismo caracterizou-se pela produção de
textos informativos e de catequese; em Portugal, expressou- se aos moldes clássicos. Desembarque de Cabral em Porto Seguro retratado por Oscar Pereira da Silva, 1904. O Quinhentismo, no Brasil e em Portugal, designa uma importante fase da história da literatura desses países, apesar de ter se expressado de modo diferente em um e outro. No Brasil, designa o conjunto de textos e autores do período colonial, compreendendo os três primeiros séculos desde a conquista portuguesa. Dividido em duas vertentes, uma caracterizada pela ocorrência de textos de informação e outra pela ocorrência de textos de caráter catequizador, esse período inicial de germinação Os primeiros registros escritos do Brasil têm como das letras no nascente território brasileiro é de fundamental característica a documentação do processo colonizador que importância para se conhecer a história do país e sua marcou os primeiros anos de povoamento. São informações tradição literária. que viajantes e missionários europeus anotaram sobre o Em relação a Portugal, o Quinhentismo manifestou-se em homem e a natureza das terras que conheciam naquele uma produção literária voltada à expressão clássica, ou seja, contexto. Esses registros descritivos não pertencem à foram produzidas obras que retomaram temáticas e categoria literária, já que não havia uma preocupação estéticas greco-latinas, aos moldes do que propunha o estética em organizá-las em prol de um deleite advindo de Renascimento. uma leitura de fruição, ou seja, voltada ao prazer, como os gerados por uma obra ficcional. Contexto histórico do Quinhentismo Porém, alguns críticos literários situam essa produção nascente como uma rica fonte temática para escritores Nos primeiros três séculos do Brasil, a vida social e, posteriores. Afinal, a descrição da paisagem original, dos consequentemente, a esfera econômica e cultural hábitos e costumes indígenas e dos grupos sociais que desenvolveram-se em torno da relação entre a colônia e a nasciam nos núcleos urbanos que surgiam formou metrópole. Essa relação deu-se de modo que a colônia fosse uma enciclopédia a que escritores, como os do Romantismo extremamente explorada pela metrópole, o que fez com que brasileiro, recorreram para fazer uma literatura a preocupação imediata dos primeiros colonos, ou seja, genuinamente voltada às temáticas nacionais. habitantes do território, fosse ocupar a terra, explorar o pau- Assim, a embrionária produção intelectual do Brasil Colônia, brasil, cultivar a cana-de-açúcar, extrair o ouro. materializada nos relatos dos viajantes e dos missionários Desenho do centro histórico de Salvador, Bahia, durante o católicos, tem valor não só histórico de registro de uma período colonial. época, como também serviu de material temático inspirador Essa postura exploratória foi determinante para que à produção literária posterior, que teve como princípio a houvesse no território núcleos urbanos surgidos a partir dos construção de uma literatura verdadeiramente do Brasil, ciclos de exploração dessas matérias-primas destinadas à estabelecendo-se como contraponto à produzida em metrópole europeia. Assim, formaram-se, no Brasil, ilhas Portugal. sociais, mais precisamente as seguintes: Bahia, Pernambuco, Principais obras e autores de textos de informação Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. As principais produções do Brasil Colônia, escritas nos Paralelamente à exploração econômica, que foi o centro séculos XVI e XVII, categorizadas como informativas são: propulsor desses núcleos, havia dentre seus habitantes a Carta, de Pero Vaz de Caminha a el-Rei Dom Manuel, aqueles que manifestaram, por meio da escrita, os primeiros referindo o descobrimento de uma nova terra e as primeiras ecos da literatura no Brasil, ou seja, as primeiras impressões da natureza e do indígena (1500); manifestações, embora tímidas, do pensamento da elite o Diário de Navegação de Pero Lopes e Sousa, escrivão do intelectual. primeiro grupo colonizador, o de Martim Afonso de Sousa (1530); Características do Quinhentismo o Tratado da terra do Brasil e a História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil, de Pero de As manifestações da literatura quinhentista podem Magalhães Gândavo (1576); ser divididas em dois grupos, os quais, apesar de traços a Narrativa Epistolar e os Tratados da Terra e da Gente do comuns, têm características que os distinguem: a literatura Brasil, do jesuíta Fernão Cardim (1583); de informação e a literatura de formação ou de catequese. o Tratado descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa Vejam suas respectivas características: (1587); os Diálogos das grandezas do Brasil, de Ambrósio → Literatura de informação Fernandes Brandão (1618); as cartas dos missionários jesuítas escritas nos dois Desembarque de Cabral em Porto Seguro retratado por primeiros séculos de catequese (registradas posteriormente Oscar Pereira da Silva, 1904. em antologias, como em As Cartas Jesuíticas, de 1933); as Duas viagens ao Brasil, de Hans Staden (1557); sua primeira carta do Brasil, ao padre Simão Rodrigues, a Viagem à terra do Brasil, de Jean de Léry (1578); provincial em Portugal, expressa uma postura típica dos a História do Brasil, de Frei Vicente do Salvador (1627). jesuítas a respeito da conversão do indígena e a tentativa de eliminar de sua cultura certos hábitos, como o canibalismo e → Literatura de formação ou de catequese a poligamia: "Diz que quer ser cristão e não comer carne humana, nem Paralelamente às obras de informação escritas por leigos ter mais de uma mulher e outras coisas: somente que há de viajantes que desbravavam a colônia, foram produzidas, ir à guerra e os que cativar vendê-los e servir-se deles, também, obras de cunho pedagógico e moral, a chamada porque estes desta terra sempre tem guerra com outros e literatura de formação ou de catequese, produzida pelos assim andam todos em discórdia. Comem-se uns aos outros, missionários jesuítas. Vindos de Portugal, esses religiosos, digo os contrários. É gente que nenhum conhecimento tem que tinham a missão de catequizar os índios, deixaram de Deus, nem ídolos, fazem tudo quanto lhe dizem". cartas, tratados, crônicas e poemas, os quais se tornaram Sua principal obra é Diálogos sobre a Conversão do registros não só de uma prática religiosa de difusão do Gentio (possivelmente de 1558), em que apresenta os catolicismo, mas também registros de textos com um certo aspectos “negativos” e “positivos” do índio, do ponto de vista, evidentemente, de alguém interessado na conversão dos povos originais ao catolicismo. Fernão Cardim (1549-1625) Nasceu em Viana do Alentejo, Portugal, e morreu na Bahia, nos arredores da cidade de Salvador. Os três tratados que escreveu foram condensados pela primeira vez na obra Tratado da Terra e da Gente do Brasil, publicada em 1939. Os dois primeiros textos de sua autoria, Do clima e terra do Brasil e Do princípio e origem dos índios do Brasil, foram publicados inicialmente em inglês, na coleção dirigida por Samuel Purchas, em Londres, em 1623. O terceiro texto, a Narrativa epistolar de uma viagem e missão jesuítica, foi publicado em 1847, em Lisboa, por Francisco Adolfo de Varnhagen. Há, nessas obras, o predomínio de uma descrição entusiasmada da fauna e da flora do país, segundo ele: refinamento estético. “Este Brasil já é outro Portugal, e não falando no clima que é muito mais temperado e saio, sem calmas grandes, nem A Primeira Missa no Brasil retratada por Victor Meirelles, frios, e donde os homens vivem muito com poucas doenças”. 1861. José de Anchieta (1534-1597) Principais obras e autores de textos de formação ou de Nasceu nas Ilhas Canárias, Espanha, e faleceu na cidade de catequese Reritiba, atual cidade de Anchieta, no estado do Espírito Os autores mais significativos dessa vertente são os padres Santo. No Brasil, participou da fundação da cidade de São Manuel da Nóbrega, Fernão Cardim e José de Anchieta. Paulo e do Rio de Janeiro. Manuel da Nóbrega (1517-1570) Notabilizou-se, no período colonial, como poeta e Nasceu em Alijó, Portugal, e morreu no Rio de Janeiro. dramaturgo, mas também publicou crônicas históricas e Chegou à Bahia em 29 de março de 1549 e participou da uma gramática da língua tupi, a Arte de gramática da primeira missa celebrada nessa localidade. Foi um dos língua mais usada na costa do Brasil (1595). Na fundadores das cidades de Salvador e do Rio de Janeiro. dramaturgia, publicou autos inspirados nos autos do escritor Nas cartas que escreveu a Portugal, encontra-se a descrição português Gil Vicente, como o auto Na festa de São do início do povoamento das terras brasileiras. Além disso, Lourenço, encenado pela primeira vez em 1583. Quanto à como catequizador, seus escritos contribuíram para o linguagem, observa-se nesses autos ora o uso da língua estudo dos costumes da sociedade indígena tupinambá. Em portuguesa, ora o uso da língua tupi.
John MonteirMONTEIRO, John Manuel. Unidade, Diversidade, e A Invenção Dos Índios: Entre Gabriel Soares de Sousa e Francisco Adolfo de Varnhagen. Revista de História, 149 (2 - 2003) - Pág: 109-137.