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TEXTOS

FUNDAMENTAIS
DA LITERATURA
UNIVERSAL

Luara Pinto Minuzzi


Revisão técnica:

Gabriela Semensato Ferreira


Licenciatura em Letras
Mestrado em Letras

M668t Minuzzi, Luara Pinto.


Textos fundamentais da literatura universal / Luara
Pinto Minuzzi. – Porto Alegre : SAGAH, 2017.
206 p. : il. ; 22,5 cm.

ISBN 978-85-9502-172-3

1. Literatura universal. I. Título.

CDU 82-7

Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094

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Os clássicos universais
e a literatura brasileira
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar autores e obras brasileiros de destaque da literatura clássica. 


 Situar essas obras e autores na história da literatura brasileira.
 Avaliar a importância dessas obras e autores na atualidade.

Introdução
A literatura brasileira é muito rica e muito variada – assim como a cultura
do País. Entre os clássicos brasileiros, há obras que retratam realidades
diferentes de formas completamente distintas: os sertões de Minas ou do
Nordeste, o interior do Rio Grande do Sul ou a cidade; as questões sociais
relacionadas às camadas menos privilegiadas ou o mundo interior de
pessoas desesperançadas e tristes; os seres noturnos e os trabalhadores;
os acontecimentos mágicos e fantásticos e aqueles mais aparentados à
realidade.
Neste capítulo, você vai descobrir um pouco dessa riqueza da li-
teratura brasileira. Vai identificar autores e obras clássicos e interpretar
literariamente trechos de alguns desses textos literários mais importantes. 

Os clássicos brasileiros
A literatura brasileira é muito rica e variada. Sua história já possui alguns
séculos: a carta que Pero Vaz de Caminha escreveu, em 1500, para o rei por-
tuguês, Dom Manuel, contando como era o território brasileiro, no início do
período colonial, é considerada como o seu marco (Figura 1). Claro que foi um
português, e não um brasileiro quem escreveu o documento. Mesmo assim,
esse texto, por ter sido produzido em solo brasileiro e por tratar do Brasil, é
considerado como o início da literatura nesse país. Essa literatura é informa-

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tiva, visto que seu objetivo principal é comunicar informações importantes,


e não divertir ou entreter, emocionar. Caminha pretendia enviar dados sobre
esse pedaço de terra recém-encontrado pelos portugueses interessados em
possíveis riquezas, como os metais preciosos.
Confira um trecho da carta que trata da visão do português em relação à
população indígena:

A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e


bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem
mais caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de
mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o
beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento
de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na
ponta como um furador (CAMINHA, [2017], p. 3).

Figura 1. Carta de Pero Vaz de Caminha.


Fonte: Literatura do Brasil (2017).

Aparentemente, a primeira impressão de Caminha sobre os índios foi, em


certa medida, positiva. Eles eram puros, tinham bons rostos e narizes bem-

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-feitos. Apesar disso, pode-se notar a distância entre europeus e indígenas:


os europeus cobriam-se com panos, e os índios costumavam andar nus. Esse
é um primeiro choque que vai fazer com que se pense nas populações que
habitavam o Brasil como muito diferentes dos europeus. Caminha apenas não
os reprova, pois os percebe como possuindo uma grande inocência – o que
também poderia evidenciar a ideia do português em relação à inferioridade
dos índios, pois eles seriam menos inteligentes, evoluídos e civilizados do
que os europeus.

A carta de Pero Vaz de Caminha está inscrita no Programa Memória do Mundo, da


Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), desde
2005. Sua versão original pode ser consultada na Torre do Tombo, acervo localizado
em Lisboa, Portugal.

Depois de Caminha, ainda surgiram muitos outros viajantes que produziram


textos informativos acerca do território brasileiro, sobre a sua fauna e flora,
sobre os seus habitantes e potenciais riquezas.
Posteriormente a essa literatura informativa, surgem outros tipos de textos
literários brasileiros. O primeiro poema brasileiro, por exemplo, chama-se
Prosopopeia, de Bento Teixeira, e foi publicado em 1601. A ligação com
Portugal, entretanto, ainda é enorme, visto que Teixeira inspira-se na obra do
português Luís Vaz de Camões.
Desde o século XVI, muitas coisas mudaram: cada vez mais, a literatura
brasileira foi se descolando daquela produzida na ex-metrópole, Portugal, e
ganhando contornos e personalidade próprios. Além disso, cada época surgiu
com novas tendências, tornando a literatura desse país muito rica. Seu tamanho
continental também contribuiu para essa complexidade: cada estado e cada
região possuem culturas diferenciadas e, portanto, uma forma de escrever
literatura igualmente diferenciada.
A seguir, será possível compreender melhor as diferentes formas sob as
quais a literatura brasileira se apresentou ao longo do tempo e em toda a
extensão do seu território. Serão citados dados sobre a vida e a obra de alguns
autores brasileiros de maior destaque, considerados como clássicos, em ordem
cronológica.

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Gregório de Matos e Padre António Vieira


Gregório de Matos foi um poeta baiano que viveu entre 1636 e 1696. Ficou
mais conhecido como “Boca do Inferno”, pois, em seus poemas, criticava toda
a sociedade brasileira, não poupando ninguém. Ele criou tantas inimizades
com seus poemas e gerou tanta polêmica com suas posições, que foi deportado
para Angola, na África. Além da poesia crítica, ainda são famosas as suas
poesias pornográficas.
António Vieira foi um padre português. Sua família, porém, mudou-se para
o Brasil quando ele ainda era pequeno, e sua obra, constituída por sermões, é
considerada muito importante para a literatura brasileira. Vieira combateu a
escravidão e fez um grande trabalho de caridade. Nasceu em 1608 e morreu
em 1697, em Salvador.
Esses dois escritores são considerados integrantes da escola literária
chamada Barroco. Uma das marcas desse movimento é o uso de antíteses,
oposições e metáforas. No Sermão da sexagésima, de Vieira, por exemplo,
há o uso de uma metáfora:

O trigo que semeou o pregador evangélico, diz Cristo que é a palavra


de Deus. Os espinhos, as pedras, o caminho e a terra boa em que o trigo
caiu, são os diversos corações dos homens. Os espinhos são os corações
embaraçados com cuidados, com riquezas, com delícias; e nestes afoga-se
a palavra de Deus. As pedras são os corações duros e obstinados; e nestes
seca-se a palavra de Deus, e se nasce, não cria raízes. Os caminhos são os
corações inquietos e perturbados com a passagem e tropel das coisas do
Mundo, umas que vão, outras que vêm, outras que atravessam, e todas
passam; e nestes é pisada a palavra de Deus, porque a desatendem ou a
desprezam. Finalmente, a terra boa são os corações bons ou os homens
de bom coração; e nestes prende e frutifica a palavra divina, com tanta
fecundidade e abundância, que se colhe cento por um: Et fructum fecit
centuplum (VIEIRA, 1965, p. 2-3).

Aqui, o padre está explanando sobre a arte de pregar. Porém, para falar
sobre isso, ele usa uma metáfora: o ato de semear. Pregar seria como semear,
como jogar uma semente, que pode cair em uma terra fértil ou infértil, que
pode brotar ou morrer sem dar frutos – assim como o religioso pode lançar
suas palavras e essas encontrarem ressonância em alguns ouvintes ou não
tocarem outros.

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Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga


Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga são dois poetas árcades
ou neoclássicos. Inspirados na Antiguidade Clássica, eles tematizam, em seus
poemas, cenas bucólicas, uma vida pastoril e idealizada, a fuga da cidade, o
amor a uma pastora. Os dois escritores participaram da Inconfidência Mineira,
um movimento separatista que teve como destaque a figura de Tiradentes.
Cláudio Manuel da Costa viveu entre 1729 e 1789, e Tomás Antônio Gonzaga,
entre 1744 e 1810.
Manuel da Costa tem por obras de destaque O Parnaso Obsequioso e
Obras Poéticas. Gonzaga tem a obra Marília de Dirceu, que contém poemas
dedicados à sua amada. Em alguns dos primeiros versos, o eu lírico fala sobre
os grandes proprietários de terras e de riquezas e compara-se com eles:

[...] Mas tendo tantos dotes da ventura,


Só apreço lhes dou, gentil Pastora,
Depois que teu afeto me segura,
Que queres do que tenho ser senhora.

É bom, minha Marília, é bom ser dono


De um rebanho, que cubra monte, e prado;
Porém, gentil Pastora, o teu agrado
Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono.

Graças, Marília bela,


Graças à minha Estrela! (GONZAGA, [2017], p. 1-2).

A Marília, a quem o poema é dedicado e quem serve de interlocutora


para o eu lírico, não é uma mulher qualquer, mas uma pastora – o que
aponta para o tema do campo tão cultivado entre os árcades. Ela é gentil e
bela e acaba sendo comparada a uma estrela. Além disso, todos os campos
do mundo, com enormes rebanhos, não são nada se comparados com o
amor de Marília.

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José de Alencar, Álvares de Azevedo e Castro Alves


Os três escritores, ao lado de muitos outros, fazem parte de um dos movimentos
mais importantes e determinantes da literatura brasileira: o Romantismo. Essa
escola literária, no século XIX, é considerada como a primeira eminentemente
brasileira: se, antes, os escritores voltavam-se muito para o exterior e, principal-
mente, para a Europa, a fim de copiar modelos de fora, os românticos tiveram
como objetivo criar uma identidade para a literatura brasileira e pensar no que
poderia ser uma marca que a distinguiria das demais literaturas.
Uma dessas marcas da brasilidade eleita pelos românticos foi a figura do
indígena, desses indivíduos que já habitavam essas terras muito tempo antes
de os portugueses terem chegado à América. O guarani e Iracema, de José
de Alencar, são exemplos de textos que trazem os índios como personagens
centrais.
O Romantismo brasileiro pode ser dividido em três fases: a primeira,
nacionalista ou indianista, foi a mais preocupada com a questão nacional.
Além de José de Alencar, Gonçalves Dias e Gonçalves de Magalhães fazem
parte desse primeiro momento. A segunda fase é chamada de “mal do século”
ou “ultrarromântica”, pois dá destaque ao pessimismo, ao escapismo, à fuga
da realidade, à morte. Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu pertencem
a esse momento do Romantismo. Por fim, a terceira fase é conhecida como
“Geração Condoreira”. Seus poetas, como Castro Alves, preocupam-se com
as questões sociais e utilizam seus poemas como forma de denúncia. Um
dos temas muito tratados por Castro Alves foi a escravidão – o poeta era
abolicionista. Repare como ele fala sobre um navio transportando escravos
no poema O navio negreiro:

[...] Senhor Deus dos desgraçados!


Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! [...] (ALVES, [2017], p. 4)

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Os desgraçados de que fala o eu lírico são os escravos, e é destacado o


horror da situação na qual homens e mulheres encontram-se: atirados em um
porão, sem comida decente, com pouca água, maltratados. O eu lírico pede
que o mar, com suas ondas, apague essa situação tenebrosa.

Machado de Assis, Euclides da Cunha e Aluísio Azevedo


Depois do Romantismo, surgem duas escolas literárias que tendem a se opor
a ele: o Realismo e o Naturalismo. Os escritores desses dois movimentos
procuram retratar a realidade, em seus textos literários, de forma objetiva e
direta. A diferença entre o Realismo e o Naturalismo, porém, é que, no segundo,
há uma radicalização dos ideais do primeiro em relação à descrição fiel da
realidade. Além disso, os textos naturalistas mostram um homem determinado
pelo seu ambiente. Um exemplo de como isso funciona pode ser encontrado
em O cortiço, de Aluísio Azevedo (1857-1913): nesse romance naturalista, os
moradores de um cortiço carioca do final do século XIX são descritos como
determinados por seu meio, raça e história.
Machado de Assis (1839-1908) é um dos mais famosos escritores brasileiros
e foi um realista. Suas obras, sempre perpassadas por uma fina ironia, trazem
um panorama da sociedade carioca da época. Entre seus livros encontram-se
Dom Casmurro, O alienista, Memórias póstumas de Brás Cubas, Quincas
Borba, entre outras.
Euclides da Cunha nasceu em 1866 e morreu em 1909 (Figura 2). Sua
profissão de jornalista foi fundamental na constituição de sua obra literária,
pois foi a partir de sua experiência cobrindo a Guerra de Canudos, na Bahia,
que ele escreveu seu mais famoso romance, Os sertões. Essa obra situa-se
entre a literatura e a história, a sociologia e geografia. Apesar de estar entre o
Realismo e o Naturalismo, os estudiosos também consideram sua obra como
pré-moderna.

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Figura 2. Caricatura de Euclides


da Cunha.
Fonte: Os sertões (2017).

Olavo Bilac e Augusto dos Anjos


Olavo Bilac é considerado um parnasiano, enquanto Augusto dos Anjos, um
simbolista. Esses dois movimentos, o Parnasianismo e o Simbolismo, do final
do século XIX, tendem a apresentar características opostas às do Realismo e do
Naturalismo. O Simbolismo volta-se para o eu, para dentro, para os sentimentos.
Para falar desse mundo interior dos indivíduos, eles utilizam-se de símbolos
em seus poemas - daí vem o nome do movimento. O Parnasianismo, por outro
lado, preza pelo preciosismo, pelos detalhes, pela forma do poema, com suas
rimas e estruturas. Um dos lemas do Parnasianismo é a “arte pela arte”.
Um dos mais famosos poemas de Olavo Bilac está presente em seu livro
Via-Láctea:

Ora (direis) ouvir estrelas! Certo


Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

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E conversamos toda a noite, enquanto


A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!


Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!


Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas (BILAC, [2017], p. 7).

Atente para a forma do poema: essa estruturação dos versos (duas estrofes
com quatro versos, seguidas de duas com três versos) constitui um soneto. As
rimas também são muito importantes: o primeiro verso rima com o terceiro
e o segundo, com o quarto. Os versos são ainda construídos como respostas
a um suposto amigo que considera o eu lírico louco por conversar com as
estrelas: o interlocutor afirma que o eu lírico perdeu o senso. O eu lírico,
porém, explica que é necessário amar as estrelas para ser capaz de ouvi-las.
Aqui não há, portanto, nenhum tema social ou denúncia: apenas a relação de
um indivíduo com os astros.

Mário de Andrade, Oswald de Andrade


e Manuel Bandeira
Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira foram os mais
importantes escritores do Modernismo brasileiro. Os três, ao lado de muitos
outros artistas, fizeram parte da famosa Semana de Arte Moderna de 1922,
que ocorreu em São Paulo e foi o marco do movimento modernista.
As vanguardas europeias, como o Futurismo e o Cubismo, tiveram grande
impacto nos escritores modernistas brasileiros, que se inspiraram nessas novas
formas de produzir e de apresentar a arte, para criar algo eminentemente
brasileiro. O Movimento Antropofágico, por exemplo, explica que o escritor
brasileiro deveria aproveitar o que vem de fora, mas não simplesmente copiar
e imitar tendências importadas: essas tendências deveriam ser deglutidas e
misturadas com as próprias marcas da brasilidade para criar algo novo. Um
exemplo dessa deglutição criadora pode ser apontado no próprio Manifesto
Antropofágico, escrito por Oswald de Andrade. O escritor parafraseia a famosa

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frase de Hamlet, escrito por Shakespeare – “ser ou não ser, eis a questão” –,
agregando elementos brasileiros – no caso, o nome de uma língua indígena:
“Tupi, or not tupi that is the question” (ANDRADE, 1976, p. 3).
Além do Manifesto antropofágico, Oswald de Andrade escreveu os ro-
mances Serafim Ponte Grande e Memórias sentimentais de João Miramar.
Mário de Andrade escreveu uma das obras modernistas mais famosas: Ma-
cunaíma. Esse livro conta, de uma forma extremamente cômica, as peripécias
do herói sem nenhum caráter ou do anti-herói Macunaíma. Ele é mentiroso e
incorreto, além de preguiçoso. O bordão do personagem é: “Ai, que preguiça!”.
Manoel Bandeira é um poeta e prosador com uma obra extensa. Entre seus
livros mais famosos estão A cinza das horas, Libertinagem e Estrela da manhã.
Um poema seu, “Os sapos”, foi lido e causou muito alvoroço na Semana de
Arte Moderna de 1922. No trecho do poema apresentado, a seguir, são feitas
críticas à poesia parnasiana:

[...] O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - “Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo


Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom


Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos


Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas... [...] (BANDEIRA, 2011).

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Um dos sapos é um parnasiano “aguado”, que se preocupa em rimar e em


dar uma forma ao poema, martelando e trabalhando os versos. O problema
apontado no poema é que, ao se preocupar tanto com a forma, os parnasianos
acabaram criando camisas de força – as formas a que é preciso encaixar os
versos, nem que seja a marteladas. O conteúdo – a poesia – foi deixado com-
pletamente de lado em proveito das formas – as artes poéticas.

José Lins do Rego, Rachel de Queiróz, Graciliano


Ramos, Érico Verissimo, Jorge Amado
O Regionalismo brasileiro, período literário que também ficou conhecido como
Romance de 30, abrange aqueles autores e textos que enfocam questões sociais
de regiões específicas de forma realista. Lendo tais textos, o leitor entra em
contato com realidades distintas, como o sertão nordestino, o pampa gaúcho,
os engenhos de cana-de-açúcar do nordeste etc.
Confira uma lista com alguns dos escritores mais destacados:

 José Lins do Rego (1901-1957): sua obra Menino de engenho retrata a


decadência dos engenhos de cana-de-açúcar do Nordeste.
 Rachel de Queiróz (1910-2003): O quinze é um romance sobre a seca
de 1915, ocorrida no Nordeste.
 Graciliano Ramos (1892-1953): Vidas secas acompanha a trajetória de
uma família que precisa deixar suas terras, no sertão nordestino, por
conta da seca. Nessa obra, há um processo de animalização dos seres
humanos, devido à situação difícil de vida, que embrutece.
 Érico Verissimo (1905-1975): o escritor gaúcho retratou a cultura, os
costumes e a história desse estado em sua trilogia O tempo e o vento.
 Jorge Amado (1912-2001): o escritor baiano falou sobre a realidade do
estado em romances como Seara vermelha e Capitães de areia.

Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, Carlos


Drummond de Andrade
Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, entre
outros, fazem parte da Geração de 1945. Esses artistas, também considerados
como pós-modernos, estavam preocupados em encontrar novas formas de
linguagem, novas formas de expressão. Os temas são muito variados: Cla-
rice Lispector trabalhou muito com a psicologia de personagens femininas,
como em Laços de família e A hora da estrela; as poesias de Drummond vão

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desde temas sociais, como em A rosa do povo, aos metafísicos; e Guimarães


Rosa enriquece seus textos com neologismos e com a inserção de marcas de
oralidade, como em Grande Sertão: veredas.
Um famoso poema de Drummond, “E agora, José?”, coloca perguntas a
esse personagem, José. Perceba o desânimo e a falta de saída para os problemas
nestes versos:

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José? (ANDRADE, 2011).

Toda a animação foi-se – a festa, a luz, as pessoas, o calor. José ficou


sozinho e o eu lírico interpela-o acerca do que ele faria nesse momento de
fim da euforia. O leitor depara-se com um mundo sem sentido, sem rumo,
sem perspectivas.

Rubem Fonseca, Manoel de Barros,


Lygia Fagundes Telles
A lista dos escritores destacados da contemporaneidade é muito grande,
assim como os temas tratados em suas obras e a forma como são abordados
são extremamente diversos. É difícil apontar uma única tendência para esse
conjunto tão heterogênero de escritores.
Entre esses autores, podemos citar três: os prosadores Rubem Fonseca e
Lygia Fagundes Telles e o poeta Manoel de Barros. Porém, é importante que
você compreenda que essa seleção é uma das possíveis e, inclusive, um tanto
quanto arbitrária: há muitos outros escritores e escritoras tão importantes
quanto os três e com uma obra muito interessante.

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Os clássicos universais e a literatura brasileira 201

Rubem Fonseca costuma retratar o submundo das cidades com muita


violência, brutalidade, mas também irreverência. Entre suas principais obras
encontram-se Agosto e A grande arte. Já Lygia Fagundes Telles trabalha
com diversos temas – dentre eles, o fantástico surge em contos dos volumes
Venha ver o pôr-do-sol e outros contos e Mistérios. A escritora foi indicada ao
prêmio Nobel da Literatura, em 2016. Por fim, Manoel de Barros é um poeta
que versa sobre a infância e a aproximação com a natureza e com um modo
de vida mais conectado com o natural. Repare como ocorre esse contato com
o natural no seguinte poema:

Retrato quase apagado em que se pode ver perfeitamente nada

Nas Metamorfoses, em duzentas e quarenta fábulas,


Ovídio mostra seres humanos transformados em
pedras, vegetais, bichos, coisas.
Um novo estágio seria que os entes já transformados
falassem um dialeto coisal, larval, pedral etc.
Nasceria uma linguagem madruguenta, adâmica,
endêmica, natural -
Que os poetas aprenderiam - desde que voltassem às
crianças que foram
Às rãs que foram
Às pedras que foram.
Para voltar à infância, os poetas precisariam também de
reaprender a errar a língua.
Mas esse é um convite à ignorância? A enfiar o idioma
nos mosquitos?
Seria uma demência peregrina (BARROS, 2010, p. 265-266).

Aqui, as crianças, a vegetação e os minerais representam um estágio original


mais puro e mais idílico a que todos deveríamos aspirar retornar. O eu lírico
ainda confunde as noções de certo e errado: escrever e falar correto do ponto
de vista gramatical não seria o adequado; seria necessário reaprender a errar
a língua, como as crianças. Talvez, com esse errar a língua, o eu lírico esteja
falando da relação menos automatizada das crianças com a linguagem – os
adultos já estariam tão acostumados com a comunicação do cotidiano, que
nem prestariam mais atenção nas riquezas de seu idioma.

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202 Os clássicos universais e a literatura brasileira

No link ou código a seguir, você pode encontrar muitas


obras completas dos escritores brasileiros citados neste
capítulo.

https://goo.gl/Kw7X

A literatura brasileira e os clássicos universais


Muitas das obras brasileiras citadas aqui aparecem como destaque também entre
os clássicos universais. Machado de Assis, Clarice Lispector e João Guimarães
Rosa surgem ao lado de Dostoievski, Goethe, Homero ou Shakespeare. Isso ocorre
porque, apesar de algumas dessas obras serem relativamente recentes (Clarice
Lispector e Guimarães Rosa, por exemplo, publicaram no século XX), elas já
tiveram um enorme impacto na sociedade. Sua qualidade, os temas que interessam
leitores diferentes, em tempos e em espaços distintos, além das inovações trazidas
pelas obras desses escritores, os colocam entre os grandes nomes da literatura.
Para que você compreenda como pode se dar esse impacto, vamos utilizar a
obra de Guimarães Rosa como exemplo. Os livros desse autor, como Tutameia ou
Grande sertão: veredas, estão repletos de neologismos - essa é uma das marcas
da obra de Rosa. Existe, inclusive, um dicionário, produzido pela professora Nilce
Sant’Anna Martins, que cataloga todas as palavras e expressões inventadas pelo
autor: O Léxico de Guimarães Rosa. Imagine, então, a dificuldade de traduzir seus
textos e todas essas palavras que não existiam para outras línguas. Apesar disso,
eles foram traduzidos para inúmeros idiomas, como o inglês, francês, italiano,
alemão etc., fazendo sucesso em muitos países diferentes.
Além disso, a obra já serviu de inspiração para filmes, óperas, histórias em
quadrinhos, outros livros e documentários. Isso mostra como suas narrativas
são férteis: tocam pessoas diferentes de maneiras diferentes; prestam-se a
inúmeras interpretações; falam de temas universais.
Grande sertão: veredas, por exemplo, trata do sertão de Minas Gerais - ou
seja, de uma localidade bastante específica. Entretanto, como o próprio narra-
dor fala, o sertão é dentro da gente: o livro, acima de tudo, trata de questões
interiores, que podem ocorrer para pessoas que vivem na Brasil, na China ou
na França; no campo ou na cidade; na praia ou no deserto.

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Os clássicos universais e a literatura brasileira 203

1. Sobre o início da literatura brasileira, com o interior do eu.


marque a opção correta. d) Os árcades eram poetas que
a) É considerado o marco da cultivavam o sentimento
literatura brasileira, o primeiro exacerbado, o exagero
texto escrito justamente e a dramaticidade.
por um brasileiro. e) Marília de Dirceu, livro de Tomás
b) O início da literatura Antônio Gonzaga, é um livro
brasileira dá-se com uma que conta a história de um
literatura informativa. amor não realizado e sofrido.
c) Os primeiros documentos 3. O Romantismo foi um período
escritos relacionados ao literário muito importante no
Brasil são as impressões do Brasil. Considere o trecho a seguir,
rei português em relação às presente no romance Iracema,
novas terras encontradas. de José de Alencar, e assinale a
d) Desde o início do encontro dos opção correta em relação à sua
portugueses com os índios, há interpretação e às características
um confronto direto entre esses românticas que aparecem nele.
dois povos tão diferentes. “Além, muito além daquela serra,
e) Considera-se o marco que ainda azula no horizonte, nasceu
da literatura brasileira as Iracema.
pinturas indígenas, que Iracema, a virgem dos lábios de mel,
serviam para comunicar. que tinha os cabelos mais negros
2. O Barroco e o Arcadismo foram que a asa da graúna e mais longos
dois movimentos literários que seu talhe de palmeira.
brasileiros que ocorreram entre O favo da jati não era doce como seu
os séculos XVII e XVIII. Sobre sorriso; nem a baunilha recendia no
os dois, pode-se dizer que: bosque como seu hálito perfumado.
a) Cláudio Manoel da Costa e Tomás Mais rápida que a ema selvagem,
Antônio Gonzaga são dois poetas a morena virgem corria o sertão e
árcades que se envolveram as matas do Ipu, onde campeava
com a Inconfidência Mineira. sua guerreira tribo da grande
b) Os sermões do padre António nação tabajara, o pé grácil e nu,
Vieira são considerados mal roçando alisava apenas a verde
árcades, pois evidenciam pelúcia que vestia a terra com as
uma conexão grande com primeiras águas.
a natureza e com a terra. Um dia, ao pino do sol, ela repousava
c) Gregório de Matos é um poeta em um claro da floresta. Banhava-lhe
barroco que se preocupou o corpo a sombra da oiticica, mais
com os sentimentos e fresca do que o orvalho da noite. Os

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ramos da acácia silvestre esparziam animais porque sua figura pouco


flores sobre os úmidos cabelos. se parece com a humana.
Escondidos na folhagem os pássaros 4. Sobre a Semana de Arte
ameigavam o canto. Iracema saiu Moderna, ocorrida em 1922,
do banho; o aljôfar d’água ainda marque a alternativa correta.
a roreja, como à doce mangaba a) O movimento buscou a
que corou em manhã de chuva. inovação na linguagem.
Enquanto repousa, empluma das b) No Manifesto antropofágico,
penas do gará as flechas de seu arco, Oswald de Andrade recusa
e concerta com o sabiá da mata, qualquer influência vinda
pousado no galho próximo, o canto do exterior: apenas o que
agreste. é nacional é bom.
A graciosa ará, sua companheira e c) Quando os artistas organizaram
amiga, brinca junto dela. Às vezes a Semana de Arte Moderna, que
sobe aos ramos da árvore e de lá foi tão importante e decisiva
chama a virgem pelo nome; outras para a literatura brasileira,
remexe o uru de palha matizada, eles decidiram inspirar-se
onde traz a selvagem seus perfumes, na Antiguidade grega e
os alvos fios do crautá, as agulhas produzir algo mais clássico.
da juçara com que tece a renda, e d) Mario de Andrade foi um dos
as tintas de que matiza o algodão.” poetas da Semana de Arte
a) Flores, árvores, animais, chuva: Moderna. Em sua obra, ele
esses elementos ajudam a idealiza a vida no campo.
montar um cenário natural, e) “Os sapos”, de Manoel
distante da urbanização Bandeira, é um poema que foi
e da modernidade. declamado durante a Semana
b) Iracema é construída como de Arte Moderna e que prega
uma feroz guerreira, o que fica uma volta à natureza.
atestado no trecho em que ela 5. Sobre as Gerações de 30 e de
constrói as flechas de seu quarto. 45, marque a opção correta.
c) O narrador chama Iracema de a) As duas gerações aproximam-se,
selvagem para mostrar que no sentido de focarem
os índios não eram pessoas essencialmente em questões
boas e que o colonialismo foi sociais e de denunciarem
algo positivo. Essa foi uma esses problemas.
das marcas do Romantismo. b) José Lins do Rego e
d) Os muitos detalhes que o Graciliano Ramos fazem
narrador dá sobre a floresta, parte da Geração de 45.
sobre os animais que a habitam c) A Geração de 45 é bastante
e sobre Iracema são uma coesa, e todos os escritores
tentativa de imitar a realidade, pertencentes a esse movimento
característica do Romantismo. apresentam características
e) Iracema é aproximada dos bastante similares.

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d) A Geração de 30 foi e) O Regionalismo, também


essencialmente urbana, conhecido como Geração de
em semelhança aos 30, tem como característica
escritores modernistas que (como seu próprio nome aponta)
participaram da Semana de retratar as realidades específicas
Arte Moderna de 1922. de cada região do país.

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