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Bion
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Até as contribuições de
Melanie Klein (1882 - 1960), tínhamos uma psicanálise do sujeito.
Nesse modelo de prática, o psicanalista teria
a função de analisar o paciente, em suas
características tentando, com isso que
tomasse consciência daquilo que poderia estar
obstruindo o funcionamento mental
saudável. A partir da introdução das contribuições de
Wilfred Bion (1897 -
1979), principalmente no que se refere às ideias de funções das relações
(Bion,
1962), passou a ser possível o desenvolvimento de uma psicanálise dos vínculos.
“Não se pode atribuir inveja a uma parte ou outra; na realidade ela é uma
função da relação.”.
(Bion, em ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO, 1970).
E
isso coincide com o que Sigmund Freud (1856 – 1939) já nos orientava em 1912,
sobre a
necessidade de se estabelecer a transferência positiva, entre paciente
e analista, para que a
análise se inicie efetivamente. Dessa maneira, Freud
espantosamente já deixava sementes,
por assim dizer, para o futuro da
psicanálise. Nesse modelo de prática clínica da psicanálise,
o que importa realmente, não é o que o paciente relata ao analista, mas o que pode significar
o ato de relatar aquilo ao analista. A análise de qualquer sujeito do qual o analista não se
encontre vinculado, passa a ser duvidosa, baseada tão somente em suposições ou ainda
deduções.
A saber,
não acredito que uma psicanálise possa ser bem sucedida enquanto baseada em
deduções ou suposições. Ora, se o paciente não estiver disposto a se vincular
ao analista,
não há o que se analisar. Se o paciente não está conseguindo cumprir minimamente o que foi
acordado entre as partes, para que se possa iniciar o processo psicoterapêutico, nada pode
ser realizado. Chamamos essa capacidade do paciente se dedicar ao processo
psicoterapêutico de analisabilidade.
Assim
que for possível se estabelecer com sucesso, o vínculo deve então ser bem
cuidado
pela dupla. Esse cuidado propicia a expansão da relação, preparando o
ambiente emocional
saudável, para que os elementos que carecem ser acolhidos
emerjam durante as sessões.
Quando o vínculo foi realmente estabelecido, criando laços, assim como nos orienta a
Raposa na obra de Antoine Saint-Exupéry (1900-1944), O PEQUENO PRÍNCIPE, sobre
cativar:
“É
preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe
de
mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada.
A linguagem é
uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais
perto ...” (SAINT-EXUPÉRY,
1963).
Pois
bem, uma vez bem estabelecido, o vínculo nunca mais se desfará. Se por ventura
se
desfez o vínculo é sinal de que na realidade nunca existiu.
O rompimento é
uma propriedade do plano material, não existe rompimento no mundo
emocional-afetivo. O que pode ocorrer nessa ordem de experiências é tão somente
uma
adequação, no que seja possível se estabelecer entre as partes.
____________. ATENÇÃO E
INTERPRETAÇÃO. Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1970)
FREUD, S. A DINÂMICA DA
TRANSFERÊNCIA, (1912), in EDIÇÃO BRASILEIRA DAS OBRAS PSICOLÓGICAS COMPLETAS –
Edição Standard Brasileira, Imago
(1969-80).
SAINT-EXUPÉRY,
A. de. O PEQUENO PRÍNCIPE, Rio de Janeiro: Ed. Agir, 1963.
Psicoterapeuta e Escritor
prof.renatodiasmartino@gmail.com
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Wilfed R. Bion
___________________. ATENÇÃO E
INTERPRETAÇÃO. Imago, Rio de Janeiro, 1970.
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VÍNCULO DE ADULAÇÃO
A
dificuldade de acreditar em si mesmo pode se desdobrar de
inúmeras formas.
Enquanto não está sendo capaz de confiar em si
próprio, encontra-se vulnerável
e aberto para várias formas tóxicas de
vinculação. O amor próprio, quando em
proporções muito baixas
acaba por gerar manifestações nocivas nos vínculos.
Aquele que não
está sendo capaz de confiar em si mesmo tende a procurar falhas
nos
outros.
Por outro lado, pode se desenvolver no sujeito que não confia em si
mesmo, uma disposição para o enaltecimento e bajulação. A
adulação tem sempre
um intuito de se conseguir um benefício oculto,
ou mesmo explicito. Quando
definitivamente não consegue o que se
pretendia, o bajulador passa a atacar
aquele que antes adulava.
(hospedeiro) tem
enorme prejuízo.
Um
fica obstruído de desenvolver o reconhecimento de si mesmo,
pois imaginar que o
outro é sempre melhor que ele, e o outro se
contentando com elogios sobre
atributos falsos, fica impedido de
reconhecer suas reais características, para
então desenvolve-las.
Bion, Wilfred R. Atenção e interpretação. Rio de Janeiro:
Imago. (Originalmente publicado em 1970)
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DA TENDÊNCIA A IDOLATRIA
Não
é novidade o fato de que o grupo humano carece de um líder
para manter-se unido. Essa
espécie de grupo tem a união muito
breve no caso de não existir um integrante
que possa cumprir a
função de líder. Pelo fato de que não se encontra na origem
da
personalidade humana, um elemento instintivo de agregação é então
necessário
um líder para juntar e manter unido o grupo dessa ordem
de seres. Isso fica
muito claro na obra PSICOLOGIA DAS MASSAS
E ANÁLISE DO EGO, de Sigmund Freud
(1856-1939), quando orientado por Gustave Le
Bon (1841 — 1931), propõe que
quando um grupo de seres humanos se junta, logo
colocam-se sob a influência de um
integrante que carrega algumas características
peculiares.
Freud afirma que o
grupo humano porta-se como se fosse um
rebanho submisso e que não poderia manter-se
sem um dominador.
“Possui tal anseio de obediência, que se submete
instintivamente a
qualquer um que se indique a si próprio como chefe.” (Freud,
1921)
Esse sujeito ora ocupando o lugar de líder deve receber um olhar de
prestigio e que amiúde converte-se em idolatria.
A
questão da influencia do líder no grupo humano também é tratada
por Wilfred R.
Bion (1897-1979), em EXPERIÊNCIAS
COMGRUPOS,
onde propõe que o grupo humano guarda características do
processo
primário do funcionamento mental, ou seja, opera impulsivamente,
reagindo
defensivamente conforme as ansiedades geradas. Dentro
dessa configuração, o
grupo deve manifestar o que Bion descreveu
como três modalidades de suposições
básicas, que se estabelecem
em relação ao líder. “Existe apenas uma espécie de
grupo e uma
espécie de homem que se aproximam deste sonho, e são o grupo básico
o grupo dominado
por uma das três suposições básicas: dependência, acasalamento
e fuga ou luta e o
homem que é capaz de perder sua identidade no rebanho.”
(Bion,1961)
O
suposto básico da “dependência” tem seu funcionamento
primitivo, a partir da
necessidade de segurança, busca proteção
num líder com características carismáticas
guiando-se por suas
propostas. Nesse modelo a idolatria do líder pare ser
exacerbada. “Mas o grupo constituído para perpetuar o estado
de dependência
significa, para o individuo, que ele está sendo
ávido em exigir mais que sua
parte justa de atenção paterna.”
(Bion, 1961) Certa voracidade gera um conflito
evidente entre
essa forma de suposição básica e as necessidades e obrigações do
sujeito enquanto
adulto. Ao mesmo tempo em que o grupo idolatra o líder, também
exige muito dele, assim
como numa relação imatura de uma criança com seus pais.
“Nas outras duas culturas, o embate se dá entre a suposição
básica do que é
exigido do individuo como adulto e aquilo que
este, como adulto, sente-se
preparado para dar.” (Bion, 1961)
Enquanto regido pelo suposto básico da
dependência, o líder
ganha a função de salvar o grupo, antes de tudo da
possível
desintegração, que sempre ronda essa espécie de organização.
“De
qualquer modo, seu estado de ânimo contrasta com aquele
que experimentam quando,
havendo jogado todas as suas
preocupações sobre o líder, sentam-se e ficam
esperando que ele solucione todos os seus
problemas.” (Bion, 1961) A grande
idolatria criada pelo grupo, quando regido por essa
suposição, gera muitas
dificuldades e na verdade impede que qualquer membro possa
manifestar sua
opinião, já que isso denota, aos olhos do grupo, oposição a o líder.
Já
no pressuposto básico de “luta e fuga”, segundo Bion, o grupo
manifesta certa
ansiedade paranoide. Sendo assim, nesse
pressuposto, o líder deve também ter
características paranoides
e tirânicas. O sentimento persecutório faz com que o
grupo se
torne altamente defensivo, lutando ou fugindo das situações. “O
tipo de
liderança que é reconhecido como apropriado é a
liderança do homem que mobiliza
o grupo para atacar alguém,
ou, alternativamente, para liderá-lo na fuga.”
(Bion, 1961)
Normalmente cria um inimigo externo do qual se atribui todo o mal
e contra ele o grupo se
mantém unido. Essa forma de suposição já se mostra um
tanto mais evoluída que a
suposição de dependência.
No
pressuposto básico do “acasalamento” o sentimento de esperança é a fundamentação,
onde o grupo anseia pela geração de um elemento salvador que virá socorrê-lo de
todas as
dificuldades. Uma “esperança
messiânica”, onde um casal ou um par do grupo gerará um
filho (elemento) que
salvará a todos de qualquer moléstia. “Para que os sentimentos de
esperança
sejam sustentados, é essencial que o ‘líder’ do grupo, diferentemente dos
líderes
https://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com/search/label/Wilfed R. Bion 9/12
04/04/2022 15:41 pensar-se a si-mesmo: Wilfed R. Bion
A
partir dos modelos propostos até aqui, fica claro que a
indispensável presença
de um sujeito do qual seja atribuído
características diferenciadas e mais
evoluídas do que as dos
outros membros para que um grupo humano possa existir.
Sendo assim, a idolatria passa a ser elemento inerente à
imposição da vida na
sociedade. Do Grego, a palavra idolatria
vem da junção de EIDOS = “forma”, mais
LATREIA = “adoração”.
Um líder religioso, um dirigente político, um artista
famoso, uma
celebridade, um professor, ou mesmo uma pessoa comum do convívio.
Todos são
potenciais objetos de projeções de idolatria. Mas, temos aqui um
perigo.
A tendência a idolatria pode levar o sujeito que ora idolatra a um
nível drástico de subserviência, muitas vezes até mesmo
permitindo ser abusado
por aquele que seja objeto de
idolatria. Quando ocorre uma admiração exagerada para com o
outro, isso acontece por conta de uma autodesvalorização. A
idolatria incide em detrimento do
amor próprio. É como se todas
as virtudes, a nobreza, assim como todas as
características
saudáveis e sublimes estivessem reunidas tão somente no
objeto
de idolatria. No entanto, isso só pode acontecer com o esgotamento do valor de
si
mesmo, numa auto apreciação desfavorável. É como se o eu se tornasse
insignificante
perante o outro. Ainda assim, esse processo só deve ocorrer por
meio de alucinação.
Nenhum ser humano é digno de idolatria.
A partir da situação
de desvalorização de si mesmo, cria-se certa
ambivalência. Por conta da auto
depreciação, é gerado um ódio
latente em relação ao objeto ora idolatrado.
Quando se idolatra
alguém, isso ocorre conscientemente, no entanto, gera-se um
ódio velado. Por tanto, parece não ser possível existir tamanho
investimento no
outro sem que ocorra um empobrecimento no
eu. Freud, descreve duas direções
possíveis para a
libido(importância): “libido do ego”, importância de si mesmo
e
“libido objetal” importância do outro. “Quanto mais uma é empregada, mais a
outra se
esvazia.” (Freud, 1914)Em cada idolatria existe um ódio velado. “A
atitude da criança para
com o pai é matizada por uma ambivalência peculiar.
O
próprio pai constitui um perigo para a criança, talvez por causa do
relacionamento anterior
dela com a mãe. Assim, ela o teme tanto quanto anseia
por ele e o admira.” (FREUD, 1927)
A criança tem sentimentos de sentidos
opostos em relação a aquele que apresente
características de autoridade, onde
odeia por ter o poder de dominá-la e admira pelo
mesmo motivo. “O violento pai
primevo fora sem dúvida o temido e invejado modelo de cada
um do grupo de
irmãos: e, pelo ato de devorá-lo, realizavam a identificação com ele, cada
https://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com/search/label/Wilfed R. Bion 10/12
04/04/2022 15:41 pensar-se a si-mesmo: Wilfed R. Bion
um
deles adquirindo uma parte de sua força.” (FREUD, 1913)
Na realidade, aquele
que ora idealiza o outro com idolatria, o faz
como uma consequência de certa
incapacidade de reconhecer
virtudes em si mesmo. Ou seja, não é a idolatria que
consome o
amor próprio, mas sim a falta de autoestima que gera a
necessidade de
idolatrar a outrem. Um ideal de eu é projetado
no outro por conta da
dificuldade de confiar no que se está
sendo. Na formação de um grupo, esse
ideal é comungado entre
os integrantes, que também compartilham da incapacidade
de
acreditar em si mesmos. “Interpretamos esse prodígio com a significação de
que o indivíduo
abandona seu ideal do ego e o substitui pelo ideal do grupo,
tal como é corporificado no
líder.” (Freud, 1921). Tratamos da incapacidade de
pensar por si mesmo. O sucesso no
domínio dos governantes está na incapacidade
de pensar da nação. Arthur Schopenhauer
(1788-1860) trata desse tema em seus
escritos, onde descreve o nacionalismo como o
resultado de um estado de
empobrecimento do amor próprio.
"Nacionalismo -Todo pobre-diabo
que não tem nada no mundo
do que possa se orgulhar escolhe a nação a que
pertence como
último recurso para sentir orgulho: desse modo, ele se
restabelece, sente-se grato e pronto para defender (com unhas e
dentes) todos
os erros e absurdos próprios dessa nação".
(Schopenhauer, 1860)
Referências:
_________. (1921). PSICOLOGIA DE GRUPO E ANÁLISE DO EGO. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1969. Vol. XVIII.
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