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A mulher de Jó

Então sua mulher lhe disse: Ainda reténs a tua sinceridade? Amaldiçoa a Deus,
e morre. Porém ele lhe disse: Como fala qualquer doida, falas tu; receberemos
o bem de Deus, e não receberíamos o mal? Em tudo isto não pecou Jó com os
seus lábios. Jó 2:9,10

Por Pr. Paulo Praxedes

Introdução
Foi num contexto de sofrimento, que a mulher de Jó apareceu dizendo: “Ainda
conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 2:9). Havia
perdido dez filhos em um dia, o que seria suficiente para deixar qualquer mãe
arrasada. A riqueza da família havia desaparecido, e ela não era mais a
"primeira-dama" de sua terra. Seu marido, outrora o homem mais importante do
Oriente (Jó 1:3), estava assentado no monturo da cidade sofrendo de uma
doença terrível. O que lhe restava? Em lugar de ver o marido definhar em dor e
vergonha, preferia que Deus o matasse e acabasse de vez com seu
sofrimento. Talvez isso acontecesse caso Jó amaldiçoasse a Deus.
Provavelmente, eles estavam esperando uma solução da parte de Deus para
aquele problema, ou o fim de tudo com a morte de Jó. Por isso que ela
perguntou por que Jó insistia em permanecer íntegro diante de Deus.
Em um único dia, Jó foi privado de suas riquezas. Um após o outro, quatro
mensageiros assustados relataram que 500 juntas de bois, 500 jumentos e 3
mil camelos foram roubados em ataques inimigos; 7 mil ovelhas foram
atingidas por raios e mortas e todos os seus 10 filhos foram mortos por um
vendaval.

1. Tempos Difíceis
Em tempos de grandes provações, nossa primeira pergunta não deve ser:
"Como posso sair dessa situação?" mas sim: "O que posso aprender com essa
situação?"
A mulher de Jó foi a pessoa que ficou conhecida na Bíblia por ter estado ao
lado de Jó durante o tempo de seu sofrimento, embora ela tivesse uma visão
pessimista da situação. A verdade é que a esposa de Jó não demonstrou a
mesma paciência e fidelidade de seu marido.
Apesar de muita gente ter curiosidade sobre quem era a mulher de Jó, a Bíblia
fala muito pouco sobre ela. Nem mesmo seu nome é informado. Qualquer
tentativa de atribuir informações pessoais à mulher de Jó não conta com base
bíblica. O que de fato se sabe, é que a mulher de Jó desfrutava de uma
posição muito importante no Oriente. Isso porque seu marido, Jó, era o homem
mais importante de toda aquela região. Ele tinha um patrimônio muito grande,
com milhares de camelos, ovelhas, e centenas de jumentas e juntas de bois;
além de ser servido por muitos servos (Jó 1:3). Portanto, é certo afirmar que a
esposa de Jó tinha uma vida confortável. A Bíblia também diz que Jó era pai de
dez filhos. Como o texto bíblico não dá qualquer informação de que Jó tivera

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outra esposa, então parece seguro dizer que a mulher de Jó era também a
mãe de seus dez filhos, sendo sete homens e três mulheres (Jó 1:2).

2. A voz da desistente (2:9, 10).


Se houve um homem temente a Deus nos dias do Antigo Testamento, alguém
que participou do sofrimento de Cristo, esse homem foi Jó. Humanamente
falando, tudo o que lhe restava era sua esposa e seus três amigos - e até estes
se voltaram contra ele. Não é de se admirar que Jó sentisse que Deus o havia
abandonado!
Podemos sentir a presença ou a ausência de Deus através da família e
amigos. Qual a imagem que as pessoas têm de Deus olhando para você?
Jó tinha um relacionamento maduro com Deus; ele o adorava pelas razões
certas. Mas, sua mulher perdeu isso de vista ao questionar por que sua
fidelidade não era recompensada da maneira certa. De que adiantava ser
integro e terminar a vida de uma forma tão miserável? No original hebraico, a
palavra “amaldiçoar” significa “renunciar, abandonar, maldizer, acusar” a Deus.
Ela provavelmente disse isso para que ele morresse logo, e pusesse um fim à
sua miséria.
"Amaldiçoa a Deus e morre!" era exatamente o que Satanás queria que Jó
fizesse, e a esposa de Jó colocou essa tentação diante do marido. Satanás
pode trabalhar por intermédio de pessoas que nos são queridas (Mt 16:22, 23;
At 21:10-14), uma tentação ainda mais forte por amamos tanto essas pessoas.
Adão deu ouvidos a Eva (Gn 3:6, 12) e Abraão deu ouvidos a Sara (Gn 16);
mas Jó recusou-se a ouvir o conselho da esposa. Claro que ela estava errada,
mas sejamos justos e consideremos sua situação.
A esposa de Jó pensou ter encontrado uma solução para o problema; porém,
se Jó tivesse seguido o conselho dela, teria piorado a situação.
Crer é viver sem tramar, é obedecer a Deus apesar dos sentimentos,
circunstâncias ou conseqüências, sabendo que ele está realizando seu plano
perfeito a seu modo e a seu tempo. As duas coisas das quais Jó se recusava a
abrir mão eram sua fé em Deus e sua integridade, justamente o que sua
esposa desejava que ele abandonasse. Mesmo que Deus permitisse que o mal
lhe sobreviesse, Jó não se rebelaria contra o Senhor procurando resolver os
problemas por sua própria conta. Jó não havia lido The Letters of Sam
Rutherford, mas estava seguindo o conselho desse pastor escocês que passou
por grande sofrimento:
"E obra da fé reivindicar e se apropriar da bondade nos golpes mais
severos de Deus".
 Jó estava decidido a confiar em Deus
 Ele até mesmo a discutir com Deus!
 Ele não queria desperdiçar seu sofrimento nem sua oportunidade de
receber o que o Senhor tinha para ele.
 Quando a vida se complica, é fácil desistir; mas essa é a pior coisa que
podemos fazer.

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Como disse um professor de história: "Ninguém poderia culpar Colombo se ele
tivesse voltado - mas também ninguém se lembraria dele".
 Quem deseja ser memorável às vezes precisa sentir-se miserável.
No final, a esposa de Jó reconciliou-se com o seu marido e com o Senhor, e
Deus lhe deu outra família (42:13). Não sabemos quanto ela aprendeu com seu
sofrimento, mas podemos supor que foram experiências que promoveram seu
crescimento.

3. A ADVERSIDADE DE JÓ (JÓ 1:6-19)


O rei Salomão estava certo: "Pois o homem não sabe a sua hora. Como os
peixes que se apanham com a rede traiçoeira e como os passarinhos que se
prendem com o laço, assim se enredam também os filhos dos homens no
tempo da calamidade, quando cai de repente sobre eles" (Ec 9:12).
Jó sabia o que havia acontecido, mas não sabia por que isso havia ocorrido;
esse era o "x" da questão. Uma vez que o autor nos permite visitar a sala do
trono no céu e ouvir Deus e Satanás conversando, sabemos quem causou a
destruição e por que ele teve permissão de fazê-lo. Mas, se não tivéssemos
esse insight, é bem provável que usaríamos a mesma abordagem dos três
amigos culpando Jó pela tragédia.

A. verdades relevantes
a) Essa cena revela várias verdades relevantes, sendo uma das principais
que Deus é soberano sobre todas as coisas. Ele está assentado em seu
trono no céu, os anjos fazem sua vontade e lhe prestam contas; nem
mesmo Satanás pode fazer coisa alguma contra o povo de Deus sem a
permissão divina. O "Todo-Poderoso" é um dos nomes mais importantes
de Deus em Jó e é usado trinta e uma vezes nesse livro. Desde o
princípio, o autor nos faz lembrar que não importa o que venha a
acontecer neste mundo e em nossa vida, Deus está assentado em seu
trono e tem todas as coisas sob controle.

b) Outra verdade - talvez até surpreendente - é que Satanás tem acesso ao


trono de Deus no céu. Graças ao Paraíso Perdido de John Milton, muita
gente tem a idéia equivocada de que Satanás reina sobre este mundo a
partir do inferno ("Melhor reinar no inferno/ do que servir no céu"). Mas
Satanás só será lançado no lago de fogo depois do juízo final (Ap 20:1
Oss). Hoje, ele tem liberdade de rodear a terra (Jó 1:7; 1 Pe 5:8) e até
mesmo de ir à presença de Deus no céu.

c) A terceira verdade é a mais importante de todas: ao contrário de


Satanás, Deus não encontrou qualquer culpa em Jó. A declaração de
Deus em Jó 1:8 repete a descrição de Jó no versículo 1, mas Satanás a
questionou. A palavra "Satanás" significa "adversário, aquele que se
opõe à lei". Trata-se de uma cena num tribunal, em que Deus e Satanás
dão veredictos diferentes sobre Jó. Ao estudar este livro, devemos ter
sempre em mente que Deus declarou Jó "inocente" (1:8; 2:3; 42:7). Não
foi algo na vida de Jó que levou Deus a fazê-lo sofrer. Porém, Satanás o
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declarou "culpado", pois ele é o acusador do povo de Deus e não
encontra nada de bom naqueles que temem ao Senhor (Zc 3; Ap 12:10).
A acusação de Satanás contra Jó foi, na verdade, um ataque a Deus.
Assim podemos fazer a seguinte paráfrase: "Tu estás pagando Jó para
te temer. Os dois têm um contrato: enquanto ele te obedece e te adora,
tu o proteges e o fazes prosperar. Tu não és um Deus digno de
adoração! Afinal, precisas pagar para que as pessoas te honrem".
Os três amigos de Jó afirmaram que ele estava sofrendo porque havia pecado
– o que não era verdade. Eliú disse que Deus estava disciplinando Jó a fim de
aperfeiçoálo - o que, em parte, era verdade. Porém, o motivo fundamental do
sofrimento de jó foi silenciar as acusações blasfemas de Satanás e provar que,
mesmo tendo perdido tudo, um homem honraria a Deus. Foi uma luta "nas
regiões celestes" (Ef 6:12), mas Jó não sabia disso. A vida de Jó foi um campo
de batalha em que as forças de Deus e de Satanás travaram uma guerra
espiritual para decidir a seguinte questão: "O Deus Jeová é digno da adoração
do homem?"

4. O erro e a restauração da mulher de Jó


Obviamente a mulher de Jó estava muito errada, mas aqui também não
podemos ser insensíveis com ela. Ela era humana, uma mulher, uma mãe
como qualquer outra, e havia perdido seus dez filhos de uma só vez. Depois de
tudo isso, ela ainda estava diante de seu marido que havia sido o homem mais
importante do Oriente, mas que agora estava humilhado e assentado no meio
dos entulhos da cidade. Portanto, na avaliação da mulher de Jó não lhe restava
mais nada. É possível que ao dar aquele conselho a Jó, ela tivesse em mente o
fim do sofrimento do marido. Talvez ela preferisse que Deus o matasse em vez
que vê-lo sofrer ainda mais. Naquele ponto, é provável que ela tenha achado
que a morte era a melhor solução para a situação.
Mas Jó era fiel a Deus e não estava disposto a abrir mão de sua integridade.
Por isso Jó repreendeu sua esposa dizendo que suas palavras eram as
palavras de uma pessoa louca (Jó 2:10). Jó também ensinou àquela mulher
que Deus tinha autonomia para dar a eles o que lhe aprouvesse, quer fosse o
bem quer fosse o mal; e isto não faria de Deus injusto (Jó 2:10).

5. Até onde você aguentaria?


A história de Jó nos faz pensar no real sentido das palavras amor, prontidão,
companheirismo e, principalmente, fé. O que cada uma destas coisas significa
para você? Será que seu coração vai se desfalecer se sua casa pegar fogo, se
perder seus filhos, seus bens preciosos, tiver uma doença grave, perder algum
ente querido? Qual o seu limite de amor, de “pagar o preço” por uma vida?
Ela podia ser uma mulher até mesmo sem fé, ou não com a mesma fé que Jó,
mas não o deixou no meio de tanta tragédia, não virou as costas para continuar
a sua própria vida, de forma egoísta e mesquinha.

O final do livro de Jó descreve que Deus deu a ele tudo de novo, em dobro e
melhor (Jó 42:10-15): filhos, bens, saúde, amigos. E a esposa dele estava lá,
vivendo todas estas bênçãos junto com ele. Se ela tivesse largado tudo, teria
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vivido o melhor com ele? Talvez tivesse passado fome, sido violentada ou até
mesmo morta. Mas ela ficou firme e viveu o tempo das boas-novas.
Sofrer, muitas vezes, faz parte do plano de Deus, para o melhor que está por
vir. Não desistir neste momento é uma prova de fé intransponível e pessoal.

Conclusão:
Agora, podemos compreender melhor por que Jó se mostrou tão inflexível ao
resistir aos conselhos de seus amigos. Eles desejavam que Jó se
arrependesse de seus pecados para que Deus removesse o sofrimento e o
fizesse prosperar outra vez. Jó se recusava a "inventar" um pecado em sua
vida só para se arrepender e "merecer" a bênção de Deus. Se tomasse tal
atitude, estaria fazendo exatamente o que o Acusador queria! Em vez disso, Jó
apegou-se firmemente a sua integridade e bendisse a Deus, mesmo sem
entender o que o Senhor estava fazendo. Uma derrota e tanto para o príncipe
das trevas!
Nas palavras de Phillips Brooks: "O propósito da vida é a construção do caráter
mediante a verdade". Deus está trabalhando em nossa vida a fim de nos tornar
mais semelhantes a Jesus Cristo (Rm 8:29) e pode usar até mesmo os ataques
do inimigo para nos aperfeiçoar. Quando trilhamos o caminho da obediência e
nos vemos dentro de uma grande provação, devemos nos lembrar de que nada
pode tocar nossa vida se não for da vontade de Deus. Alguns dos
acontecimentos que chamamos de tragédias na vida do povo de Deus foram,
na verdade, armas do Senhor para "[fazer] emudecer o inimigo e o vingador"
(SI 8:2). Os anjos observam a Igreja e aprendem pelo modo como Deus se
relaciona com seu povo (1 Co 4:9; Ef 3:10). Talvez, só quando chegarmos ao
céu saberemos por que Deus permitiu que certas coisas acontecessem.
Enquanto isso, andamos pela fé e, assim como Jó, dizemos: "Bendito seja o
nome do Senhor!

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