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RELIGIÃO DE MATRIZ AFRICANA: UMA HISTÓRIA DE VIDA

Ivanildo Maia Souza1

Hélio Dantas2

RESUMO

Este trabalho percorre por um viés histórico do movimento Religioso de Matriz Africana no
Brasil, com analise a história dos movimentos populares, história vista a partir de baixo ou a
história da gente comum, com referencia temporal a história do tempo presente de 1945 a 2009,
no uso do método de coletas de dados com a história oral, e coleta de dados bibliográficos. Por
tanto esse trabalho se propõe em remontar a história de vida de uma lide religiosa de matriz
africana, a Senhora Emília de Souza Borges com enfoque na trajetória religiosa indo desde a
iniciação espírita kardecista, depois convertida no cristianismo, até a iniciação na religião de
matriz africana indo da Umbanda ao Umolocô, uma vertente do Candomblé, ate o Tambor de
Mina, e sua práxis ou empirismos nas obrigações (ritos ou oferendas) com os santos que tem
como guias protetores.

Palavra chave: História vista de baixo – Religião de matriz africana – Mãe Emilia.

INTRODUÇÃO

Conforme a lei 10.639/ 03, que confere à Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Brasileira no tocante ao ensino de História e Cultura da África e a lei
constitucional de 1988, inciso VI do artigo 5º que descreve o seguinte texto, “É
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas
liturgias”. Dão embasamento nesse trabalho, no qual darei ênfase no processo de
expansão religiosa de matriz africana que tem sido muito negativada, pois a maior parte
da História tradicional era escrita para a glorificação de indivíduos de grandes portes
sociais, econômicos, heroicos, autoritários (monarquias) ou domínios através da força
moral, psicológica ou física. Porem a história vista a partir de baixo ou a história da
gente comum caracteriza o presente estudo que tem por objetivo demonstrar por meio
de pesquisa oral e bibliográfica a investigação dos caminhos da formação da
inferioridade ideológica do negro no Brasil, e as formas de resistência em busca de sua
emancipação. Ao nos perguntarmos, o que é Religião afro-brasileira? Logo nus vem à
cabeça pelo senso comum como resposta, uma concepção popular pejorativa imposta
pelo Cristianismo, como “Macumba”.
1
Graduando em História pela Universidade Nilton Lins. E-mail: ivanmaiasouza@gmail.com
2
Professor e Historiador. E-mail: lathebiosa@gmail.com
Macumba - “Esse era o nome de uma flauta rústica tocada com outros
instrumentos como atabaques e tambores, nas festas familiares pela população mais
pobre, ex-escravos ou descendente de escravos”, conforme figura 1 em anexo.

Por se tratar de uma religião originaria de seguimento marginalizado, tais


como negros, índios e pobres, na época do Brasil colônia para Brasil império havia
repressão contra as reuniões afro-religiosas, portanto nesse período da história ao
convidar alguém para uma festa ou reunião afro-religiosa tinha de ser de uma forma
sincrética (disfarçada), as pessoas não citavam em público, apenas convidavam as
outras para uma “MACUMBA”. Percebendo essa condição que a primeira vista nus
parece ser involuntária, e que de fato não é, e sim uma imposição camuflada de valores
preconceituosos, herdada do Cristianismo! Contudo a ideia e transitar por um caminho
de conhecimentos esclarecidos e mostra com a história de vida da Mãe Emilia outra
visão da Religião Afro-brasileira e quebrar paradigmas de superioridade religiosa do
Etnocentrismo Cristão, e modificar valores negativos de preconceito étnicos, religioso e
cultural.

DESENVOLVIMENTO

Emília de Souza Borges nasceu em 10 de Janeiro de 1945 no Estado do


Amazonas, filha de descendente de escravos, seu pai que era maranhense foi neto e
bisneto de escravas, sua mãe cearense, filha de portugueses; sua avó materna era uma
franciscana tradicional, uma religiosa da ordem fundada no início do século XIII por
São Francisco de Assis e que abrange hoje os frades e os capuchinhos. Aos dezessete
anos de idade ingressa num convento, o da “Auxiliadora”, e permanece por um ano.
Tornando-se professora de catequese na Igreja de Fátima, no tempo dos padres antigos
capuchinhos, Frei Domingos e Frei Felipe.

Ao sair do convento estuda artesanato e corte costura, e se formar de


costureira, casada com um fiscal de um banco, mãe de sete filhos conforme figura 2 em
anexo, começou a trabalhar no Estado, especificamente na maternidade Balbina
Mestrinho, passou por dificuldades financeiras a ponto de ter sua casa posta em um
leilão, por conta de uma enfermidade que tinha no coração vai a São Paulo fazer
tratamento. Porem desenganada dos médicos com um prazo de três meses de vida
retorna ao espiritismo em busca com êxito da sua cura, pois vive até os tempos atuais.
Com obstáculo superado aposentou-se pelo hospital na área da saúde, deixou sua casa
no bairro da Praça Quatorze em Manaus para seus pais que estavam muito velhos,
adquirindo uma grande área no Bairro Cidade Nova que hoje sendo sua residência, o
terreiro de Tambor de Mina, e a FUCABEAM — Federação de Umbanda e Cultos
Afro-Brasileiros do Estado do Amazonas. Sendo a própria Emilia a presidente da
Federação, uma entidade sem fins lucrativos, visando atender e apoia a comunidade
afro-brasileira (negros e pardos) no aspecto social com luta pela expansão religiosa,
com destaque as revindicações dos direitos de inserção das religiões de matriz africana e
liberdade cultural nas escolas, e espiritual através de curas, sua sede situa-se na rua
pintassilgo, Nº 100, Núcleo II - Cidade Nova II - Manaus-AM.

VIDA RELIGIOSA

Mãe Emília de “Toy e Lissá” eu começo o parágrafo mencionando essa


titulação, com seu significado sendo, “Toy” - o grande Pai, dentro da Mina; e “Lissá” o
mensageiro, o Deus do Sol. Mãe Emilia é uma Gonjaí. É como se fosse um bispo, um
papa. Mãe Emília de Toy e Lissá Gonjaí é um título.

A vida mediúnica da Mãe Emilia iniciou muito cedo, com apenas seus sete
anos de idade começou a receber algumas entidades, a explicação mais prudente seria
por sua mãe ser espírita com seguimento em Alan Kardec, e seu pai descendente de
escravos; contudo mãe Emilia trazia em sua vida, como herança hereditária tendência à
espiritualidade e as praticas das religiões de matriz africana. A primeira entidade que ela
recebeu, na infância, foi o Rei da Lira, e depois Tapindaré, um turco; e hoje no
espiritismo trabalha muito com Dr. Menezes de Bezerra3, quando faz mesa astral, eles
se manifestam pra trabalhar quando é preciso fazer uma mesa branca pra cura.
Retonando a sua infância, sua mãe como espírita suspendeu os transes, pois Mãe Emilia
era muito pequena, e não suportava os espíritos e desmaiava.

Assim, como descreve Tina Gudrun Jensen e traduzido por Maria


Filomena Mecabô, o Espiritismo de Allan Kardec, que foi praticado
primeiro em Paris por volta de 1855 pelo francês Hippolyte Léon
Denizard Rivail (1804-69), rapidamente se espalhou no sudeste
brasileiro. Essa nova forma de Espiritismo misturava filosofia, ciência
e religião. As ideias de Kardec sobre a imortalidade da alma e a
comunicação com os espíritos combinavam com o evolucionismo

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Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti nascido em 1831, em Riacho do Sangue no Ceara, falecido no
Rio de Janeiro, RJ, em 1900, foi médico, militar, escritor, jornalista, político e grande expoente
da Doutrina Espírita no Brasil.
social, o positivismo de Comte, o magnetismo, conceitos Hindus de
reencarnação e karma e os ensinamentos cristãos da caridade. (Revista
de Estudos da Religião Nº 1 / 2001).

Com um tempo retornou a receber as entidades. Não teve mais jeito de lutar
contra seu destino religioso, porem a Mãe Emilia antes de aceitar seu legado religioso
foi dotada de um pré-conceito negativo sobre o espiritismo Kardecista, associando a
religião como manifestações demoníacas, conceito esse formados por influencia de sua
avó materna, que anteriormente mencionei como uma franciscana tradicional, baseada
num etnocentrismo Cristão, “uma forma de perseguição racial da Igreja contra os negros
afrodescendentes, com a ideia de que o Cristianismo sendo a religião superior às demais
daquele período na História. Com uma visão do mundo onde o próprio grupo
(Cristianismo) é tomado como o centro de tudo e todos os outros (grupos) são pensados
e sentidos através das suas ideias de valores, seus modelos, suas definições do que é a
existência”.

Os que primeiramente abraçaram o Kardecismo foram às classes


médias brancas. Isso incluía os imigrantes europeus, especialmente
médicos, advogados, intelectuais e oficiais do exército. Os espíritas
eram perseguidos pela Igreja Católica, mas a separação entre a igreja e
o Estado tornou possível ao Espiritismo ganhar chão. (Tina Gudrun
Jensen, traduzido por Maria Filomena Mecabô, Revista de Estudos da
Religião Nº 1 / 2001).

Mãe Emilia se converte ao Cristianismo e ingressa num convento, onde


param os transes e as possessões das entidades no período de conversão. Contudo Mãe
Emilia passou a acreditar que seu destino era de ser freira para livrar-se das entidades.
Começou primeiro na Igreja de Fátima4, com as irmãs Maria e Aurora no
bairro da Praça 14 de janeiro que antes denominado de Praça Fernandes Pimenta, a
primeira igreja que tiveram, pequena e coberta de palha, agora já na maior idade,
destinou-se a ir para um convento em Belém no Estado do Pará, mas não foi por
interferência de sua mãe que afirmava que aquele não era seu destino, ficou também de

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Frei José de Leonissa, da Ordem dos Capuchinhos, interessou-se em construir uma capela dedicada a
Nossa Senhora de Fátima, que atendesse aos fiéis do bairro. Para que esse objetivo fosse alcançado,
dialogou com um rico comerciante local conhecido como Antônio Caixeiro, que demonstrou interesse à
causa, doando um terreno para a construção da Igreja. Essa igreja, em virtude de pequenos recursos foi
construída em madeira e atendeu provisoriamente os moradores até meados de 1960. Fonte: Praça 14 de
janeiro – Secretaria de Comunicação Social. Governo do Estado do Amazonas: 1985.
fora do convento em Manaus, permanecendo somente dando aula de catequese e
participando de todo os eventos na Igreja.
Porem, as entidades voltaram a se manifestar na Mãe Emilia que continuou
a receber as entidades, principalmente a Cigana que incorporava desde criança, ela dizia
que era o seu anjo da guarda. Passou a incorporar as entidades até mesmo dentro da
Igreja, contudo frei Felipe comenta com avó que era uma franciscana, que “Emília tem
outro destino, que iria servir a Deus de outro jeito”. Mãe Emilia sente a manifestação do
mesmo pré-conceito que sentia quanto a seu destino religioso, e se entristece a ponto de
se questionar “a qual religião iria ?” “Pra onde iria?” a partir desse momento decide ir
morar com sua madrinha, tentando se afasta das entidades; sem êxito Mãe Emilia decide
que tinha que conhecer a vida espiritual pra saber mais sobre as entidades, eles (as
entidades) começaram a incorporar e fazer curas de grande magnitude, a Cigana dizia
que não a temesse pois iria lhe proteger, daí se entrega de corpo e alma na religião de
matriz africana. Dando os seus primeiros passos de conhecimento religioso; inicia na
Umbanda um seguimento do Candomblé com sincretismo religioso, foi para a Bahia,
porque no Amazonas naquele período não havia preparação só era rituais de pajelança.
Já na Bahia em contato com Mãe Menininha5 ouviu dela pra: “Nunca
mudar, nunca deixar a religião, o fundamento que Deus lhe deu é essa Cigana, jamais
ela deixará, nunca, nunca…”. Reforçando seu destino dentro da religião.
O Candomblé estar vinculado profundamente com a estrutura familiar,
descendência de sangue, antepassado comum, englobando vivos e
mortos. “O orixá seria em princípio um ancestral divinizado, que em
vida estabelecera vínculos que lhe garantiam um controle sobre certas
forças da natureza, como o trovão, o vento, as águas doces ou
salgadas, ou, então lhe assegurando a possibilidade de exercer certas
atividades, como a caça, o trabalho com metais, ou, ainda adquirindo
o conhecimento das propriedades das plantas e de sua utilização. O
poder, axé do ancestral-orixá teria, após a sua morte, a faculdade de
encarna-se momentaneamente em um de seus descendentes durante
fenômeno de possessão por ele provocado...” (Pierre Fatumbi Verger).

Com tudo Mãe Emilia foi bem preparada no santo: sete anos, quatorze anos,
vinte e um anos. Os planos de evolução em número de sete, fazem parte da

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Símbolo da luta pela aceitação do candomblé pela cultura dominante, Mãe Menininha abriu as portas do
Gantois aos brancos e católicos. Nunca deixou de assistir às celebrações de missa e convenceu os bispos
baianos a permitirem a entrada de mulheres – inclusive ela – vestidas com as roupas tradicionais das
religiões de matriz africana nas igrejas. A Iyálorixá faleceu de causas naturais, aos 92 anos de idade.
caminhada do individuo e consequentemente os graus de evolução, quando Mãe Emilia
chegou aos sete anos de religião, foi quando rufou a sua mãe de santo Nazaré de
Iemanjá6, conforme figura 3 em anexo, passou pra Jorge Itaci de Oliveira, conhecido
também como Dom Jorge, de São Luís do Maranhão na Casa da Fé em Deus, ela já
estava preparada pra receber uma decá7 ou uma cuia dentro da Mina, conforme figura 4
em anexo. Daí é que começa as preparações pra ver que o ser humano já está preparado
pra desempenhar a função, de realmente ser um sacerdote, com vinte e cinco anos de
santo Mãe Emilia recebeu o último grau dentro do mais alto plano espiritual, dentro de
cada plano, caso o ser não consiga em uma vida material ultrapassar ou ter mérito para
galgar o grau seguinte da escala, ele retornará quantas vezes se tornar necessário para
que o faça. Ao conseguir atingir o 7º grau em determinado plano conforme tabela 1 em
anexo, com mérito de evolução ele será transferido, com mérito para o 1º grau do Plano
subsequente.

Mãe Emilia após ter passado pelo espiritismo Kardecista, no Centro Tomás
de Aquino, segue enveredando pelo conhecimento no Tambor de Mina, mas passou
antes pela Umbanda, que é uma religião totalmente sincrética com algumas reduções de
elementos africanos e acréscimo de parte de elementos vindos do cristianismo católico e
espiritismo kardecista, além, da introdução de elementos indígenas, cânticos e rituais em
português, porem mesmo sendo considerada uma religião genuinamente brasileira é
considerada como religião de matriz africana, na Umbanda cultuam as entidades ou os
encantados. Fundada no Rio de Janeiro, em 15 de Novembro de 1908 pelo médium
Zélio Fernandino, a Umbanda assim como algumas nações do Candomblé tem um
panteão de orixás que são cultuados, e pelas perseguições cristãs, há um sincretismo
com os santos do Catolicismo, por exemplo: Exu representado por santo Antonio, Iansã
por Santa Barbara, Iemanja por Nossa Senhora da Gloria, Oba por Joana d’Arc,
Obaluayê por São Roque, Ogum por São Jorge, Oxalá por Jesus, Omulu por São
Lazaro.

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O culto aos orixás femininos não se completa sem Iemanjá, a senhora das grandes águas, mãe dos
deuses, dos homens e dos peixes, aquela que rege o equilíbrio emocional e a loucura, talvez o orixá mais
conhecido no Brasil. É uma das mães primordiais e está presente em muitos mitos que falam da criação
do mundo.
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Individuo que incorpora um orixá e que já recebeu o titulo de sacerdote “o decá”.
Da Umbanda pra Umolocô que é uma raiz de Candomblé de angola, mas é
uma angola bate folha, a diferença do Umolocô pro kêtu8 e pro angola9 é que o
Umolocô não raspa a cabeça só catula (o iniciante tem o cabelo cortado) para que sejam
feitos os procedimentos rituais na "coroa" da cabeça e na região da "moleira", carrega
senzala e o mucan no período dos três meses. E Umolocô é uma nação unida que vai de
Exu a Oxalá. Após o Umolocô agora mãe Emilia percorre pelo viés da corrente dos
fundamentos religiosos do Tambor de Mina. O Tambor de Mina surgiu em Codó no
Estado do Maranhão, se expandiu por outros Estados do Norte e para algumas capitais
que receberam grande número de migrantes do Norte, como os estados do Rio de
Janeiro e São Paulo, o Tambor de Mina - Jeje, Nagô, foi sincretizado no passado com
manifestação religiosa indígena denominada Cura ou Pajelança. O Centro de Tambores
de Mina Jeje-Nagô da Nochê Hunjaí Emilia de Toy Lissá Agbê Manjá, deriva da Casa
das Minas do Maranhão, retrata a origem dos escravos vindos da costa do leste de São
Jorge da Mina, na atual República do Gana e também das Repúblicas de Togo, Benin e
Nigéria, conhecidos como negros mina-jejes e mina-nagôs.

No Tambor de Mina Jejê-Nagô se configura o panteão dos Voduns, ou


seja, suas famílias. Sua origem vem do Maranhão, da Casa das Minas,
da qual fazem relação com o sincretismo religioso do catolicismo.
Entre elas estão: Família de Davice, reúne os Voduns da família real
do Abomey, no antigo Daomé, atual Benin e é composta por: Nochê
Naê, Zomadônu, Jagoboroçu (Boçú), Coicinacaba, Dadarrô, Naedona,
Arronoviçavá, Sepazim, Daco-donu, Doçu, Doçupé, Nochê Decé,
Nochê Acuevi, Bedigá, Apojevó, e Nochê Nanim; Família de
Savaluno – são os Voduns amigos da família de Davice. Não são Jejê
e são hospedes na casa das Minas, são eles: Topa, Azacá e Agongono.
Família de Dambirá – reúne os Voduns da terra, ligados às doenças e
as curas. São eles: Acóssi Sapata, Azile, Azonce, Eua, Lepom,
Poliboji, Borutoi, Bogono, Alogué, Boca, Boçucó, Roeju e Aboju.
Família de Quivioçô – reúne os Voduns considerados nagôs, são eles :
Nanã, Naité, Nochê Sobô, Badé, Lissá, Loco, Ajanutoi, Abe,
Averequete e Bocó Jará.(Gláucio da Gama, Arlete Oliveira
Conceição. FOPAAM - Fórum Perman. de Afrodesc. do Amazonas).

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Kêtu é o nome de um antigo reino da África, na região agora ocupada pela República Popular do Benin
e pela Nigéria, Em termos de identidade cultural, forma uma subdivisão da cultura iorubana. Em geral,
membros de origem kêtu são responsáveis por boa parte dos terreiros mais tradicionais da Bahia.
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De origem banto, que compreende as nações de Angola e Congo e se desenvolveu entre os escravos
africanos que falavam a linguagem Kimbundo e Kikongo e são facilmente reconhecidos pela maneira
diferente de cantar, dançar e percutir seus tambores. As nações de Angola cultuam os Inkises, “que regem
as estações do ano, e está ligado ao frio, ao calor, a seca, as tempestades, ao ambiente pesado e ao
ambiente agradável”
Mãe Emilia passou em algumas linhas religiosas pra chegar aonde chegou,
para ela conhecer e saber como é, e como não é o espiritismo e as religiões de matriz
africana, porque um sacerdote, um bispo, um líder religioso tem que conhecer as leis
sagradas, as leis espirituais e as materiais, pra ser um bom líder religioso.

AS ENTIDADES – A CIGANA

Quando as entidades vêm ao mundo, algumas ingerem bebidas alcoólicas, se


tomarmos o ponto de vista somente pelo fato de que uma garrafa de cachaça poderia
induz o individuo ao vicio estamos olhando pelo lado profano e não o saudável. A água
ardente é nada mais, nada menos que um elemento vegetal, pois a cana de açúcar tem
ligação com o solo e com a natureza em si, e em muitos casos nas mãos de um guia de
lei é muito usada para reter cargas extremamente negativas que já se encontram
somatizadas nos campos de força do assistido, e hoje já tem entidade que bebem
cerveja, a cerveja pros cabocos representa a espuma do mar, é uma bebida totalmente
diferente, os voduns usam o vinho, que representa tudo. Na umbanda quando um guia
pede, por exemplo, um charuto, antes de acendê-lo ele o "consagra", ou seja, lhe da um
endereço energético despertando três fatores importantes, “a erva, o fogo e o assopro”.
A erva do fumo tem seu lado purificador e curador, o fogo que gera cinzas do fumo se
torna nas mãos do guia um excelente elemento que limpam o campo áurico de quem
esta sendo atendido pelo mesmo, incluindo chacras e corpo físico, e o assopro guia não
fuma, ele "pita", ou seja, a fumaça não chega a garganta do médium, e fica somente
dentro de sua boca para que através do ectoplasma do médium ele possa formar o
campo que vai retirar do local onde assopra as cargas negativas.

Mãe Emilia desde criança incorpora uma entidade, que é uma cigana
conforme figura 6, ela tem uma história que conta para as pessoas desde a infância da
Mãe Emilia, que é uma Cigana oriental, que veio do Egito e não trabalha somente como
cigana, ela trabalha como aquela mulher maravilhosa, uma enfermeira, uma médica, que
cura, ela fala em alguns idiomas, que às vezes as pessoas não entendem por ser um
dialeto, como se fosse Egípcio ou Turco, era preciso uma pessoa pra traduzir, a Mãe
Emilia tinha uma filha de santo, professora, que traduzia, já algum tempo a Mãe Emilia
foi pedindo, e fazendo obrigação10, conforme figura 7, ela foi mudando até começou a
falar em outros idiomas como em português. Mãe Emilia na sua missão religiosa viaja
pelo interior do Amazonas a cigana incorpora fazendo curas.

Segundo um relato da Mãe Emilia que consta na entrevista em anexo a esse


trabalho, um babalaô turco que viu pela internet e foi lá no terreiro para ver e comprovar
se era a mesma Cigana que ele encontrou na Turquia. Ele ficou quieto escondido, pra
ver se ela o reconhecia, ela deu a volta e foi lá com ele, e deu um baú que havia
ganhado. “Tá aqui pra provar que sou eu.” São as palavras da entidade Cigana para o
turco que comprovou que era ela e prometeu voltar, e que iria construir um templo de
mármore pra ela. Mãe Emilia desde criança lutou muito contra as incorporações das
entidades, e após sair do convento e se entregar de corpo e alma pra religião, que hoje
agradece por estar cumprindo a sua missão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando a história de vida de uma lide religiosa de matriz africana
entendemos que, apesar de ela ser única e singular, podemos deslumbrar também uma
trajetória com alguns pontos fortes, principalmente quando estes fatos são encontrados
em outras histórias que vão alem de vida natural a sobrenatural, Mãe Emilia em infância
e juventude se apresenta como um individuo comum em uma sociedade na qual foi
inserida, o que caracteriza a história vista a partir de baixo ou a história da gente
comum, percorrendo por um viés social fora do religioso Mãe Emilia, é só mais uma
pessoa como outra, dotada dos mesmos sentimentos contemporâneos de desfrutar de
uma vida familiar com casamento e filhos, e de uma segurança econômica como o
emprego que exercia na maternidade Balbina Mestrinho, a aquisição de sua moradia, a
construção do seu barracão de umbanda, a formação de uma federação de cultos
religiosos de matriz africana com a função de presidente. Porem muito além dessas
conquistas fraternais e materiais, essa mulher se mostra muito mais que uma pessoa
comum e sim uma pessoa em destaque na sociedade, e no plano sobrenatural como uma
guia nos caminhos do bem, uma líder religiosa de referencia.

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Todo médium deve fazer obrigação aos Orixás, que é o batismo. É no batismo que o médium confirma
perante o sacerdote a aceitação da religião e assume o compromisso de cumprir os conceitos e as regras
da casa onde pretende trabalhar.
Destacando agora sua trajetória religiosa que se inicia na sua infância, a
conceituação negativa das religiões de matriz africana por influencia da igreja sob o
usufruto de um etnocentrismo religioso - uma forma de perseguição da Igreja contra as
religiões dos negros afrodescendentes, sob a ideia de que o Cristianismo é a religião
superior às demais. Com uma visão do mundo onde o próprio Cristianismo é tomado
como o centro de tudo e todas as outras religiões teriam que ser pensadas e sentidas
através das suas ideias, seus modelos e suas definições de valores. Mãe Emilia se
mostra ser uma guerreira em resistir o pré-conceito formado contra as religiões de
matriz africana, em se debruçar e transitar pelas ideias e fundamentos da umbanda, uma
religião totalmente sincrética com algumas reduções de elementos africanos e acréscimo
de parte de elementos vindos do cristianismo católico e o espiritismo kardecista, além,
da introdução de elementos indígenas, cânticos e rituais em português, porem mesmo
sendo considerada uma religião genuinamente brasileira é considerada como religião de
matriz africana, seguido pelo Umolocô que é uma raiz do Candomblé, e se firmando na
correntes religiosas do Tambor de Mina, sendo a denominação mais difundida das
religiões Afro-brasileiras no Maranhão e na Amazônia, o tambor de mina se caracteriza
por ser religião de transe ou possessão. No tambor de mina mais tradicional a iniciação
é demorada, não havendo cerimônias públicas de saída, sendo realizada com grande
discrição no recinto dos terreiros e poucas pessoas recebem os graus mais elevados ou a
iniciação completa.
FONTES

Entrevista da Comendadora-Noche Hunjai Emilia de Lissá Egbeé Monjá para a


FUCABEAM — Federação de Umbanda e Cultos Afro-Brasileiros do Estado do
Amazonas. E publicada pela AFIN (Associação Filosofia Itinerante).

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICA

CARMO, João Clodomir do. O QUE É CANDOMBLÉ? São Paulo, Editora


Brasiliense. Coleção Primeiros Passos. 2000.

LODY, Raul Giovanni, CANDOMBLÉ: RELIGIÃO E RESISTENCIA


CULTURAL. Editora Ática. 1987

ROCHA, Everardo P. Guimarães. O QUE É ETNOCENTRISMO? São Paulo, Editora


Brasiliense. 1988.

VALENTE, Waldemar. SINCRETISMO RELIGIOSO AFRO-BRASILEIRO.


Editora Companhia Nacional. 1976.

JENSEN. Tina Gudrun. Traduzido por Maria Filomena Mecabô. DISCURSOS


SOBRE AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS: DA DESAFRICANIZAÇÃO
PARA A REAFRICANIZAÇÃO. Revista de Estudos da Religião Nº 1 / 2001.

FERNANDES. Gláucio da Gama; SILVA. Arlete Oliveira Conceição Anchieta da.


LIBERDADE RELIGIOSA NOS CULTOS AFRO-BRASILEIROS: UM ESTUDO
NA CIDADE DE MANAUS-AMAZONAS. FOPAAM – Fórum Permanente de
Afrodescendentes do Amazonas.
ANEXO A

Figura 1. Flauta rústica tocada nas festas familiares de escravos ou ex-escravos.

Figura 2. Mãe Emília e seu Francisco Borges, e mais cinco dos sete filhos que têm.

Figura 3. Com sua primeira mãe de santo, Mãe Nazaré de Iemanjá; em Salvador.
Figura 4. Obrigação para receber a cuia; sete anos.

Figura 5. Festa da Cigana, feita por Mãe Emília desde moça, muito antes de ir para Salvador.

Figura 7. Primeira obrigação na casa de Dom Jorge, depois que Mãe Nazaré rufou.
ANEXO B
Tabela 1 – Níveis de Mediunidade

PERCENTAGEM
Graus Espiritualidade Materialidade MEDIUNIDADE
Totalmente consciente podendo alterar,
1º 7% 93%
melhorar ou piorar a comunicação recebida
Consciente, porém conhecedor de suas
2º 30% 70%
responsabilidades
Perde a consciência e a memória, durante
3º 50% 50%
deteminados trabalhos
Semi-inconsciência. Vê tudo, assiste à tudo
4º 75% 25%
sem interferir, depois esquece
Semi-inconciência, em que a Entidade apaga
5º 90% 10% tudo, não permitindo qualquer interferência
do médium
Inconsciência total, durante os trabalhos, só
6º 93% 7% sendo permitido ouvir, quando necessário ao
aprendizado do médium
7º - - Só galgado após o desenlace, com mérito
ANEXO C

ENTREVISTA
Entrevista com: Emília de Souza Borges (presidente da FUCABEAM – Federação de
Umbanda e Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Amazonas).

Sou Mãe Emília de Toy e Lissá. Toy é o grande Pai, dentro da Mina; e Lissá
é o mensageiro, o Deus do Sol; Agbê Manjá é aquela mãe divina maravilhosa, que é
mãe dele. Minha mãe era filha de portugueses, o pai dela era português, e meu pai já era
descendente de escravos, a bisavó dele e a avó foram escravas. E, outra mistura, minha
mãe era cearense e meu pai, maranhense. Mas eu nasci no Amazonas mesmo. A minha
vida espiritual começou muito cedo. Minha mãe era espírita e quando eu, com meus sete
anos, comecei a receber entidades, minha mãe suspendeu, porque eu era muito pequena,
ela dizia que eu não aguentava, desmaiava. A primeira entidade que eu recebi, na minha
infância, foi o Rei da Lira, e depois Tapindaré, um turco; trabalhei muito com Dr.
Menezes de Bezerra, no espiritismo, e ainda continuo, quando faço mesa astral aqui,
eles vêm pra trabalhar, quando é preciso fazer uma mesa branca pra cura.

E a vida continuou. Lutando, batalhando com eles, porque eles queriam vir.
Aí, com meus dezessete anos, eu comecei de novo a receber entidades. Não teve mais
jeito, só parei quando fui para o convento. Fui professora de catequese no convento da
Auxiliadora, no tempo daqueles padres antigos, capuxinhos, Frei Domingos, Frei
Felipe. Então, meu destino é que eu queria ser freira, pra me livrar. Eu comecei primeiro
na Igreja de Fátima, na Pça 14, a primeira igreja que teve, de palha, pequenininha, com
a irmã Maria, a irmã Aurora, e destinei ir pro convento, eu tinha uns dezoito anos, era
muito nova. A vida continuou, e quando era pra eu viajar pra Belém pra ir para outro
convento, minha mãe achou que não, que meu destino não era aquele, aí não fui.

Fiquei só dando aula de catequese, não pude continuar no convento. Mas na


igreja, assim mesmo, dando aula de catequese, participando de tudo, eu incorporava
dentro da igreja. Então o bispo chamou a minha avó, que era uma franciscana já antiga,
e disse: “Emília tem outro destino, não é esse, vai servir a Deus de outro jeito”. Frei
Felipe, ave-Maria, fui pra minha casa, fiquei muito triste: “Que religião?” “Pra onde eu
vou?” “Porque isso?” Eu achava até que era um absurdo. Aí fui morar com uma
madrinha, comecei a me formar de costureira, de um monte de arte. Fiquei com ela um
tempão. Foi quando conheci um rapaz com o qual me casei. Gostei dez anos e me
afastei do santo um pouco. No dia do casamento, os padres ainda perguntaram na São
Sebastião: “Emília, não casa que tu não vai ser feliz.” Mas aí, né? Conheci, gostei, o
primeiro namorado foi ele. Me casei.

Mas depois começou a voltar tudo de novo, aí eu prometi a Deus que eu ia


voltar, mas que eu queria conhecer a vida espiritual pra saber onde eu tava pisando. Eles
começaram a vir, começaram a fazer curas maravilhosas, a Cigana também tornou a vir.
Ela dizia que era o anjo da minha guarda, que ela ia me proteger, que eu não temesse.
Tive sete filhos, mas nunca eles me abandonaram. Ajudava muito meu marido, ele era
fiscal de um banco. A vida continuou, e chegou uma época, já depois dos sete filhos,
nós tivemos – o destino da vida – uma separação; ele achou que tinha de caminhar com
outra pessoa. Eu disse que tudo bem. Se Deus achou que até aquele tempo que se tinha
desenrolado em viver até a metade da minha vida com ele, e tive as sementes que Deus
me prometeu, eu vi que dali pra frente ele tinha achado que meu destino era outro.

Aí eu fui batalhar, fui lutar, e prometi a Deus que se eu conhecesse mais a


fundo a religião, eu ia me entregar de corpo e alma. Morreu pra mim amor; só para
Deus e os Orixás. Caminhei pra Bahia, dei os primeiros passos, fui me preparar. Mãe
Mininha falou pra mim: “Nunca mude, nunca deixe a religião, o fundamento que Deus
lhe deu, e essa Cigana jamais você deixará, nunca, nunca…”

Eu fui bem preparada no santo: sete anos, quatorze, vinte e um anos.


Quando rufou a minha mãe de santo, passei pra Jorge Itaci de Oliveira, Dom Jorge, de
São Luís do Maranhão, da Casa da Fé em Deus, pra receber o decá, já era sacerdotiza.
Com vinte e cinco anos de santo eu recebi o último grau. “Se é isso que Deus quer, eu
vou até o fim.” E, hoje, dou graças a Deus e a estes sacerdotes que se passaram, com
quem tive o conhecimento que eu queria. Aí eu acreditei que eu sabia o que eu tava
fazendo; eu tinha entrado numa coisa que não era nada demoníaco, era aquilo que Deus
me determinou na vida. E até hoje eu estou, tenho sessenta e quatro anos de idade,
dentro da religião já vi do pior e do melhor, e continuo tendo mais surpresa na vida. Eu
procuro sempre respeitar a Deus acima de tudo, porque sem ele ninguém é nada, por
isso essa Cigana que eu carrego, eu digo pra ela: “Quem tu és?” Porque é um anjo da
minha guarda, que me protege todos esses anos. Nos momentos mais difíceis da minha
vida, quando eu fiquei desesperada, ela sempre tava do meu lado, e me dizia: “Minha
filha, não temas; nada vai acontecer contigo nesse mundo”.

Aí fui trabalhar no Estado, na maternidade Balbina Mestrinho. Perdi tudo na


vida, até minha casa teve uma época de ir pro leilão, mas reconstruí. Nada disso eu
temia, eu dizia: “Se é isso que Deus quer, eu vou chegar lá.” E hoje eu consegui essa
área aqui, e da Praça 14 eu vim pra cá. Lá eu já tinha um terreiro. Mas quando eu me
casei, meus pais já eram velhinhos, eu precisava ter um pedaço de chão. Eles me
ajudaram – Deus lá em cima e eles na Terra. Aí vim pra cá pra Cidade Nova, vinte e
cinco anos vai fazer; de inauguração tem menos, porque eu vim batalhar, eu vim lutar,
mas nunca deixei de ser o que eu sou hoje.

Me aposentei pelo hospital, na área de saúde, porque eu adoeci do coração.


Fui pra São Paulo, fiz tratamento. O médico me deu três meses de vida, e eu estou até
hoje viva. Faz vinte e quatro anos. Os santos me disseram que não, que aquele lá de
cima disse que eu ainda não ia, que eu ainda tinha muita coisa pra fazer aqui. E a vida
continuou, eu aqui trabalhando com essa Cigana até hoje, e digo sempre às pessoas, que
Deus existe vivo para nós, e estes são os mensageiros que ele determina aqui na terra
pra nos proteger. Deus lá em cima e eles aqui pra proteger a gente, porque todo o tempo
nós estamos sendo movimentados por uma força da terra, todo o tempo somos
movimentados por isso.

Fui desenvolvida no Kardecismo, passei pro Espiritismo, no Centro Tomás


de Aquino, com as amigas, que, hoje, são Souza Cruz, Terezinha Tribuzy, aquele povo
antigo, e depois eu passei pra Umbanda, da Umbanda pra Umolocô, e terminei aonde
Deus queria. Eu tinha que conhecer cada uma religião, pra poder eu ficar nessa. Como
que eu poder ajudar o próximo, se eu não tinha conhecimento. E hoje, graças àquele lá
de cima e às mãos santas destes sacerdotes que me deram essa oportunidade de eu
conhecer. Até hoje eu estou aqui com essa Cigana, ela tem uma história dela que ela
conta pras pessoas, desde a minha infância. Ela tem um nome de segredo dela, mas só
ela pode me autorizar de dar o nome dela. Hoje, dentro do santo, eu sou uma Gonjaí. O
que é uma Gonjaí? É como se fosse um bispo, um papa. Mãe Emília de Toy e Lissá
Gonjaí. É um título. Eu preciso dá título pra esse povo antigo, eles precisam ter uma
história aqui no Amazonas pra contar, que já vem de muitos anos, gente que veio de
fora pra cá, porque no tempo deles era o tempo da pajelança, que ninguém conhecia
ninguém, ninguém homenageava ninguém. Por que que eu tive que ir pra fora? Porque
na minha terra ninguém preparava ninguém, só era pajelança, eu fui na pajelança.

Eu pisei em todas as linhas pra chegar onde eu cheguei. Pra mim conhecer e
saber como é e como não é. Porque um sacerdote, um bispo, quem for, tem que
conhecer as leis sagradas, as leis lá de cima e as de baixo, senão vai falar besteira. Nós
temos que ter conhecimento. Nós também temos a nossa faculdade tanto no mundo
espiritual quanto no mundo do pecado, temos os sacerdotes, que têm de passar os
conhecimentos pra gente. Sacerdote de verdade, preparado; porque um sacerdote, pra se
preparar, ele começa com um ano, dá os primeiros passos – é como um ABC -, dois
anos, passou mais no ABC, três anos, quando chega aos sete anos, ele já está preparado
pra receber uma cuia dentro da Mina. No Candomblé, é decá. Aí é que começam as
preparações pra ver se aquele ser humano já está preparado pra desempenhar a função,
se realmente é um sacerdote. As entidades vêm ao mundo, hoje já tem entidade que
toma uma cervejinha, tomam aquilo que dão, eles gostaram, mas é uma bebida
totalmente diferente. Os voduns usam o quê? O vinho, que representa tudo. A cerveja
pros cabocos representa o quê pra eles? A espuma do mar. O fumo é a fumaça. Até os
cabocos, índio, Oxóssi, eles usam o quê? A caiçuma, que eles extraem da mandioca. A
bebida de turco é totalmente diferente; eles gostam muito de fumar o toari, eles mesmos
fazem, pra fazer descarrego, pra tirar as forças negativas. Até hoje eu estou aqui com
essa Cigana, ela tem uma história dela que ela conta pras pessoas, desde a minha
infância. Ela tem um nome de segredo dela, mas só ela pode me autorizar de dar o nome
dela. Ela fala um bocado de línguas, que às vezes as pessoas não entendem, é preciso
uma pessoa pra traduzir. Hoje em dia ela já fala assim em português, porque ela falava
só em dialeto, como se ela tivesse chegado aquela hora do Egito, como se tivesse vindo
da Turquia. Eu tinha uma filha de santo, professora, que traduzia. Depois eu fui
pedindo, fazendo obrigação, obrigação, ela foi mudando um pouco. Ela mudou muito, aí
já começou a falar em outros idiomas. Que ela transmita paz, amor, e que lave o coração
daqueles que estão exaltados ou que estão desesperados por uma perda, que ela dê muita
paz e muito amor pra todos - Ela é uma Cigana oriental, sempre que ela vem ela dança
com qualquer um espírito que tiver, mas ela é uma Cigana oriental. Ela veio do Egito.
Ela não trabalha somente como cigana, ela trabalha como aquela mulher maravilhosa,
uma enfermeira, uma médica, que cura. Chegam pessoas aqui loucas, com câncer… Ela
tá pronta pra ajudar. Vou pelos interiores, ela desce, faz cura, faz tudo. Ela cruza vinte e
uma linhas, por onde ela passa, a linhagem dela, os fundamentos dela. Ela cura muito,
trabalha também em desunião, uma pessoa que tá precisando de uma paz, um amor na
vida, ela ajuda demais. E não é à custa disso [dinheiro], porque ela diz que tá
desempenhando a missão dela aqui na terra. Por caridade. E eu trabalho por caridade.
Cobro sim os meus búzios que eu boto, feitura, que o filho tem de comprar as coisas pra
poder se preparar. Mas durante a minha vida, ela nunca, nenhum deles nunca cobrou
nada de ninguém.

Veio até um babalaô que viu pela internet e veio aqui para comprovar se era
aquela Cigana que ele encontrou na Turquia, e ele chegou aqui e comprovou que era
ela. Eu nem sabia. Ele ficou no cantinho, escondido, pra ver se ela conhecia. E ela deu a
volta todinha e foi lá com ele e deu o bauzinho dela, que ela ganhou, ela tinha ganhado
um lindo baú, pois ela foi lá e deu pra ele: “Tá aqui pra provar que sou eu.”
Impressionante. E ele disse: “Olhe, diga pra Mãe que eu quero vir aqui conversar com
ela, porque eu encontrei. Ele é até turco. Sempre vinha gente turca na minha casa pra
conversar com ela, porque ás vezes ela vinha como a Deusa do Sol, então ela se
comunicava com eles, e eles me disseram que voltariam pra fazer um templo de
mármore pra ela. Eu sempre digo assim pra Deus: “Meu Deus, botaste essa Cigana no
mundo, essa mensageira?” Desde a minha infância eu sonhava com ela. A primeira vez
eu fiz uma saia (na época só se usava comprido), e vesti a saia vermelha, com folho, e
não sei como foi, eu senti assim que me rodaram. Ela veio: “Essa roupa me pertence.”
Desde esse dia, pronto, lutar eu lutei muito. Eu perguntava pra Deus: “Como tu me
botaste numa outra missão, eu, pura, pra me casar contigo, Senhor?” Mas hoje eu
agradeço a Ele até o dia em que Ele quiser. Tô cumprindo a minha missão até quando
Ele quiser. Peço que Deus e Eles dêem a benção a todos aqueles aflitos e desesperados,
que Deus dê muita paz e muito amor pra todos.

Eu me sinto aqui na terra como se eu estivesse mais pra lá do que aqui


pisando, porque eu desempenhei a minha missão para eles. E eu quero conhecer cada
vez mais, tenho participado de encontros lá fora, com os africanos, e aqui o que eu
queria era saber mais sobre o resto das religiões que Deus me determinou aqui na terra,
e devagar eu tô chegando lá. Até a data de hoje não me arrependo. Estou feliz, sempre
procurando fazer tudo aquilo que Ele me determinou. Não tenho passado sujo na minha
vida. Não, tenho só lágrimas e sofrimento, pra chegar onde eu cheguei, lágrimas de
sangue, dores, momentos difíceis na minha vida os quais eu não entendia. Hoje, não, eu
posso dizer: “Não, não chore suas lágrimas, que não é isso que Ele quer. Hoje, eu peço a
paz pros meus amigos, e para aqueles que acham que são meus inimigos, que Deus dê
muito conhecimento e sabedoria, que eles possam distribuir a paz.

Que bom que Deus botou você na minha porta, pra botar essas histórias
verdadeiras. Histórias, mas verdadeiras, para o povo ver como realmente é, e até os da
religião, que não é só se vestir de pai de santo; se você não tiver um conhecimento, o
que você vai fazer. Eu digo sempre, pra todos que têm uma casinha aberta, que chega
uma época que você precisa ter uma preparação. A entidade vem, mas nós temos de
estar preparados pra isso. É como um professor, um médico; se eu vou passar um
remédio pra Flor que tá com uma dor aqui, eu não posso passar aquela erva, se eu sei
que seu problema não é aqui e sim no coração. O que pode acontecer se eu não conhecer
a vida espiritual? Eles vêm e me dizem: “Aquilo serve; aquilo não serve.” Eu enxergo,
eu vejo com aquilo que Deus me deu para eu enxergar. É isso que a gente precisa: a
união, a paz dentro da religião, pra poder continuar a ter esperança. Hoje nós somos
criticados por falsos irmãos que não têm conhecimento. O que dizem os evangélicos?
Que nós somos o diabo. Não, nós não trabalhamos com diabo. Ele foi um anjo
maravilhoso, só que quis saber mais do que Deus. Os exus são os pequenos orixás que
quiseram muito além daquilo que podiam, foram as vedetes, foram aqueles homens que
andavam a noite inteira na farra, nos teatros, que se perderam, e hoje eles voltam com o
nome que deram. Quem foi Tranca-Rua? Quem diz? Quem foi Maria Padilha? Não
foram nada de diabo, não existe isso aí, o povo que inventa; existem sim trabalhos
diabólicos, de magia. Existem pessoas que são mal esclarecidas e fazem isso, porque
vem a força contrária, sim, mas só pra quem não tá puro nem preparado.
Espiritualmente, você deixou uma força se colocar, se atravessar no seu caminho, pra
fazer mil destruições. Mas Deus dá força e poder pra todos, depende de você saber usar.
Você já nasceu um médium, porque Deus foi um espírito. Quando alguém sai das
entranhas da mãe, aquele vodunço, aquele baculo está ali. Quem lhe pegou? Uma
parteira, que o orixá dela era um, o da sua mãe é outro. Está só esperando na porta, pra
aparar. Quando o bebê não quer chorar, é porque ele não quer reencarnar pra vir a esse
mundo. Aí é preciso dá umas palmadinhas pra despertar pro mundo daqui. Essas coisas
todas acontecem na vida espiritual e muitos não enxergam. É bonita a minha religião,
linda pra você cultuar com amor, com paz, e pra unir com todas as religiões. Eu
comungo, eu confesso, clamo a Deus noite e dia, rezo meus terços todo dia. Nós temos
as histórias dos encantados, dos vodunços, dos pretos-velhos… Quem foram eles?
Foram gente como a gente. Gente como a gente…

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