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Antropologia da Religião: dos debates clássicos

aos desafios da contemporaneidade

Aula 2 -Rito e epistemologias do sagrado

Bastide. Roger. “Metafísica, religião e epistemologias africanas” in O candomblé da Bahia: Rito


Nagô. Companhia Editorial Nacional. 1961. (p.326 - 352
 
Landes, Ruth. “Culto Fetichista no Brasil” in A cidade das Mulheres. Rio de Janeiro. Editora UFRJ.
2002. ( p. 165 – 177)
Religião e os universais do espírito humano

Émile Durhkheim
(1858-1917)

As formas elementares da vida religiosa(1912)


Formas elementares da vida religiosa

 As formas elementares da vida religiosa (1912), obra que pretende colocar o fato religioso em bases
teóricas distintas do evolucionismo, é um verdadeiro mapa do pensamento do século XIX relativo ao
estatuto da religião em suas relações com a filosofia e a teoria do conhecimento. Nesse trabalho, Durkheim
toma o totemismo como uma forma elementar de religião que, pela sua simplicidade, permitiria acessar o
fundamento de toda configuração religiosa como um modo de conhecimento sistemático do mundo a partir
de sua divisão nas categorias sagrado e profano, formas primeiras e universais de "representação". O
totemismo também é estratégico para a tese durkheimiana de que as categorias de pensamento não são
dadas a priori, isto é, não são anteriores à experiência nem imanentes ao espírito.

 Durkheim dá especial atenção aos processos de simbolização, colocando a noção de "representações


coletivas" no centro de sua teoria do conhecimento. O primeiro sistema de representações que o homem
teria construído para si seria religioso. Desse modo, segundo Durkheim, as "crenças religiosas" nada têm
que ver com a ideia de deus ou de vida eterna, mas diriam respeito a uma representação do mundo
A cátedra Religiões dos povos não civilizados foi fundada em 1888 por Émile Durkheim, na École Pratique
des Hautes Études, na França se tornando lugar de formação dos principais acadêmicos da Escola
Sociológica francesa, durante a primeira metade do século XX

Após a morte de Durkheim, em 1917, a cátedra foi assumida por Marcel Mauss (1872-1950), Henri Hubert
(1872-1927) e Maurice Leenhardt (878-1954) que vão escrever sobre rituais e sacrifícios nas Ilhas da
Melanésia, esse trabalho é peça chave para o desenvolvimento das teorias sobre Dádiva e sobre as
formas de classificação das sociedades pensadas nesse período pela noção de sociedades primitivas

Roger Bastide ingressa como pesquisador da Cátedra entre os anos 30, quando resolve se distanciar dos
recorte empírico escolhido por Mauss e decide pensar religião e sistemas de pensamento nos ritos
africanos.

Em 1951 Claude Levi-Strauss assume a cátedra alterando seu nome para Religiões das Sociedades sem
escrita
RELIGIÃO E CONHECIMENTO
O interesse pelos mitos, ritos de iniciação, pela religião e pela magia foi uma constante na
antropologia francesa do século XX, e se mantém consideravelmente estável até hoje. 

A noção de "sistema de representações" é ainda muito influente nas ciências sociais


contemporâneas e designa, de modo geral, o conjunto de ideias e valores próprios de uma
sociedade. Essas "representações coletivas", pensadas como relativamente autônomas
tanto no que diz respeito à materialidade social como em relação à consciência dos
indivíduos, elaboram modos de representar o cosmos, a totalidade social, a magia, a
feitiçaria, a pessoa etc.

Além de defender a posição de que as ideias religiosas não podem ser consideradas indícios
de um pensamento ou emoção aberrantes ou equivocados, ainda se postula que a
mentalidade religiosa constitui um modo particular de expressar o real e a vida social.

"[...] [D]ebaixo do símbolo, é preciso saber atingir a realidade que ele figura e que lhe dá sua
significação verdadeira [...]” (Durkheim, 1912, p.83)
Roger Bastide (1898 – 1977)
 Nascido em Nimes, França em abril de 1898, no seio de uma família protestante, desde muito jovem se
interessa por temáticas religiosas

 Formou-se pela faculdade de Letras de Bordeaux e pela Sorbonne. Antes de fixar-se no Brasil,


escreveu Problèmes de la vie mystique (1931) e Éléments de sociologie (1936).

 Como membro da "missão francesa" contratada para núcleo do corpo docente da Faculdade de Filosofia de
São Paulo, lecionou quase vinte anos no Brasil (1937-1954), onde recebeu o título de "doutor honoris causa"
pela Universidade de São Paulo

 Bastide dedicou seu trabalho ao estudo de ‘manifestações religiosas de matriz africana’, com experiências
etnográficas na Bahia e em São Paulo, além das pesquisas realizadas no Nordeste da África, transitando pela
Nigéria e por Daomé (atual República do Benin).

 No Brasil, seus interesses pessoais e profissionais voltam se especialmente para o Candomblé, iniciando sua
pesquisa nos anos 1940 na Bahia

. Foi membro das sociedades de sociologia e psicologia de São Paulo, de antropologia no Rio de Janeiro, de
folclore no Rio Grande do Norte, e do Instituto Histórico do Ceará.
O candomblé na Bahia: Rito nagô (1944) –
Roger Bastide
Quem foi trazido e escravizado no país
durante o século XIX?
- Golfo de Benin

As/os africanos vítimas do tráfico e da escravização nesse período eram em


sua maioria dos grupos jejes, nagôs e haussás, apesar de que nas primeiras
décadas muitas pessoas ainda foram trazidas de Angola
Com o avançar dos anos, os nagôs se tornam o grupo mais atingido pelo tráfico
e pela escravização se tornando o grupo mais dominante entre os africanos
residentes no Estado da Bahia
Com a proibição do tráfico negreiro, a partir de 1831, o Brasil passou a priorizar
escravizar crianças, fazendo com que desembarcasse entre 1832 e 1833, 79 mil
crianças e adolescentes africanas no Porto de Salvador
A escravidão como tecnologia mercantil
• Estimasse que 12 milhões de pessoas foram trazidas do continente africano
para as Américas para serem escravizadas, 45% desembarcaram no Brasil, ao
menos 5 milhões de pessoas entraram pelos portos brasileiros para serem
escravizadas

• A Bahia recebeu 371 mil pessoas nagôs entre 1800 e1850, quase 7 vezes a
população da cidade de Salvador e 1850

• Para o poder escravocrata da época a distinção entre escravo doméstico e


escravo de ganho era tênue pois os proprietários se serviam da população
escravizada e as alugava seus serviços em ambas as situações
Nagôs
• Os nagôs, também chamados genericamente de sudaneses, eram oriundos de várias etnias,
entre elas os iorubás, mahis e mandingas. O termo nagô, aliás, é igualmente bastante
genérico, pois inclui nações com grande diversidade linguística (e muitas vezes inimigas na
África), embora a maioria partilhasse de uma cultura similar e de uma religiosidade
islamizada.

• O grande êxodo desses africanos para o Rio de Janeiro – em ritmo jamais visto antes na
história – começou com a Revolta dos Malês, que sacudiu a Bahia em 1835. O levante,
organizado pelos africanos muçulmanos, tinha como objetivo o fim da imposição do
catolicismo, a libertação dos escravos e a tomada do poder político da província. O governo
de Salvador respondeu aos rebeldes com atos duríssimos, e os proprietários baianos de
escravos passaram a temer a “índole rebelde” dos cativos oriundos da Costa da Mina. Fora
isso, a queda contínua do preço do açúcar no mercado internacional, a partir de 1830, levava
os senhores de engenho a buscar novas formas de enfrentar a crise. Com a Revolta dos Malês,
a solução encontrada foi vender, em grande quantidade, seus escravos para a Corte carioca.
Porto de benin/ costa da mina
´nagôs´ escravizados chegando na Bahia em
1862
 Pensando a África no Brasil

 Porções africanas: Para Bastide essa África brasileira não seria uma cópia original do modelo das
relações africanas, mas sim, algo que se constitui num processo de decantação das memórias
africanas, constituída pela relação entre pessoas negras e pessoas brancas

 Pensar o candomblé como uma realidade autônoma

 Noção de cultura afro-brasileira – sistema de valores: os rituais do Candomblé ajuda a entender as


representações sociais

 “O candomblé conforma um conhecimento do mundo”

 Não existe fronteiras entre o real e o sobrenatural – a observação do candomblé contribui para o
distanciamento da noção de mentalidade primitiva
Os rituais do candomblé e a compreensão da epistemologia afro-americana
 - Pensar como os ritos de iniciação (rituais privados) são mais importantes que os cultos públicos

 A centralidade do sacrifício

 O sistema classificatório é pensando a partir da formulação de conjuntos complementares

(Bastide se distancia da noção de participação desenvolvida por Levi Bruhl ao falar da mentalidade primitiva )

as relações de continuidade entre os orixás e alguns santos católicos permitem pensar uma episteme baseada
na produção de sistemas de complementariedade orientada

- O místico não contradiz o lógico


- “Pelo estudo do Candomblé, fomos em todo caso levados a ver na religião
africana, tal qual se manteve na Bahia e no Brasil em geral, não apenas simples
comunicações mas um conjunto de trocas de cooperação. O babalorixá necessita
do babalaô que necessita do olossaim, dos ojés. [...] Para terminar, diremos que,
no caso do candomblé, é a tradição mítica que fornece ao mesmo tempo os
quadros dos mecanismos do pensamento, das operações do comportamento
humano e, finalmente, nas trocas sociais, enquanto em nossa sociedade é preciso
inverter a ordem dos elementos, passar as trocas sociais para o comportamento,
deste para os mecanismos das operações lógicas.

- Não é o nascimento do pensamento lógico que constitui a revolução


contemporânea e, sim, a morte da metafísica” (Bastide, p. 266)
Ruth Landes
•Ruth Landes (1908-1991), antropóloga 
estadunidense. Formou-se pela 
Universidade de Columbia, em Nova Iorque,
influenciada por Franz Boas
Pesquisa sobre
convivência racial
no Brasil
A cidade das mulheres
Em 1947, publicou o seu livro City of Women (Cidade das Mulheres), obra dirigida a
largo público, que toma a forma de um relatório de viagem e dialogo filosófico com
Edison Carneiro. Composto por 248 páginas, a obra contém valiosa relação da vida
popular e da estrutura de classes e de gêneros na Bahia de então. Landes ressalta o
papel dirigente das mulheres no candomblé, ligando-o à maneira baiana de conceber
os papéis e as virtudes dos homens e das mulheres
O livro contém expressivos detalhes sobre personalidades como Edison Carneiro, 
Mãe Menininha do Gantois e o povo do Gantois (entre o qual destacam-se o casal
Manoel da Silva, o chefe da bateria, e Zézé de Iansã), Martiniano do Bonfim; a 
mãe-de-santo de candomblé de caboclo Sabina (da Barra); uma descrição de 
capoeira em festa popular que vêm completar a descrição dada por Edison Carneiro
em Negros Bantus (1938)

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