ANÁLISE DO SISTEMA CONSTRUTIVO POMBALINO

E RECUPERAÇÃO DE UM EDIFÍCIO

O violento sismo de 1 de Novembro de 1755, ao qual se seguiu um incêndio igualmente

avassalador, devastou completamente a zona central da cidade de Lisboa, tendo sido necessário
tomar medidas de emergência que desencadearam o processo da reconstrução da capital.
A Baixa Pombalina é uma zona da cidade de elevado valor patrimonial por ter na sua génese a
reconstrução de grande parte de Lisboa tendo em conta, pela primeira vez na história da
arquitectura e engenharia, preocupações sísmicas à escala da cidade, que resultaram, entre outros,
na utilização sistemática da inovadora estrutura em gaiola de madeira – um marco na história da
construção nacional e internacional.

O presente trabalho refere-se à compreensão e análise do sistema construtivo utilizado no

processo de reconstrução, desde as técnicas e materiais utilizados, à leitura da organização
espacial interior dos edifícios e ao estudo do comportamento sísmico da estrutura pombalina,
atendendo ao seu valor no âmbito da candidatura da Baixa a Património da Humanidade.
Todo o plano de reconstrução assentava na ideia da estandardização construtiva. À escala
urbana, a Baixa desenhou-se num traçado de ruas ortogonais hierarquicamente distintas e todos
os quarteirões teriam o mesmo número de pisos; à escala do edifício, também com a ideia de
construção estandardizada, tanto as tipologias como as fachadas dos edifícios eram definidas
segundo um desenho modular. Foram ainda incluídos alguns melhoramentos das redes públicas,
nomeadamente na rede de esgotos e recolha de lixos, no abastecimento domiciliário de água e
das bocas-de-incêndio.
Mas o que foi realmente distintivo neste processo de reconstrução foi a introdução da
estrutura tridimensional de madeira – a gaiola pombalina. A gaiola foi utilizada numa tentativa de
se criar edifícios com melhor comportamento sob acções sísmicas, procurando evitar-se novas
catástrofes. As treliças de madeira que constituem os frontais (as paredes estruturais dos edifícios
pombalinos que formam a gaiola) são aptas a resistir a cargas verticais, mas principalmente às
forças horizontais induzidas pelos sismos. Esta estrutura tridimensional aumenta
significativamente a rigidez e resistência do edifício e a gaiola, se devidamente ligada às paredes
de alvenaria, induz um funcionamento de conjunto capacitando o edifício para resistir a forças
horizontais (como as forças sísmicas).

Os edifícios originais pombalinos foram sofrendo bastantes alterações estruturais, sobretudo

no início do séc. XX e geralmente devido a pressões especulativas e alterações de usos, apesar da
excelente qualidade estrutural original (e também arquitectónica, embora não seja inovadora
neste aspecto). Alterações como o aumento do número de pisos (originalmente estabelecido
como rés-do-chão, três pisos superiores e águas-furtadas), a remoção de frontais interrompendo a
estrutura tridimensional da gaiola, o corte das diagonais dos frontais ou ainda o corte de pilares no
piso térreo, vieram enfraquecer a sua estrutura e aumentar a vulnerabilidade dos edifícios
pombalinos às acções sísmicas, tendo-se tornado essencial proceder à sua reabilitação.

Nas intervenções de reabilitação deve haver a preocupação de preservar e se necessário

reabilitar o sistema da gaiola, de grande valor cultural, histórico e também estrutural. Em paralelo,
é importante viabilizar economicamente este tipo de intervenções. Para isso é necessário
compatibilizar a preservação do património com adequação deste sistema construtivo às
exigências espaço-funcionais e de segurança actuais.
No entanto, o ponto de partida para a reabilitação destes edifícios deve ser sempre a
recuperação e/ou reforço da estrutura pombalina. A reconstrução de elementos estruturais, como
as paredes meeiras (paredes em alvenaria de pedra que separam os edifícios que formam os
quarteirões) ou os frontais (paredes estruturais em madeira), tem os objectivos de restabelecer ou
melhorar o comportamento estrutural original dos edifícios, principalmente face a forças sísmicas
(aumentando os níveis de segurança para os utilizadores dos mesmos), e a preservação da sua
autenticidade.
Os processos de reabilitação devem também proceder à identificação das alterações
estruturais sofridas pelos edifícios (as mais comuns já mencionadas) e utilização dos materiais
tradicionais (se possível, de melhor qualidade) ou substituição de materiais que se mostrem
danificados – devendo atender-se tanto quanto possível aos princípios de compatibilidade,
reversibilidade, invasividade mínima, durabilidade e eficiência.
Apesar do interesse na preservação tão fiel quanto possível das construções originais, pode ser
necessário, em situações particulares, fazer uso de novos materiais ou tecnologias – caso contrário
pode ser difícil ter em conta aspectos que podem ser essenciais para satisfazer necessidades
funcionais actuais (como é o exemplo da inclusão de elevadores, bastante importantes em
algumas adaptações, por razões que se prendem não só com aspectos de comodidade como
também de acessibilidade a pessoas de mobilidade reduzida).

Todas as intervenções têm de ter em conta os seus efeitos na estrutura, e para se garantir a sua
resistência é fundamental não eliminar pilares do piso térreo ou frontais – há que ser selectivo e
retirar, quando necessário, apenas elementos sem função estrutural, como os tabiques (paredes
divisórias). É necessário encontrar um ponto de equilíbrio entre os aspectos relacionados com a
segurança e comodidade dos utentes (intrinsecamente ligados com a viabilidade económica da
reabilitação) e a preservação o mais fiel possível do original.
ANALYSIS OF THE POMBALINO CONSTRUCTIVE SYSTEM
AND RECUPERATION OF A BUILDING

The violent earthquake on the 1 st November 1755, followed by a massive fire, completely
P P

devastated the central area of Lisbon, being necessary taking emergency measures that unleashed the
process of the reconstruction of the capital.
Baixa Pombalina is a zone of the city with high patrimonial value, having in his origin the
reconstruction of great part of Lisbon in which were taken into account, for the first time in the history
of architecture and engineering, seismic concerns to the scale of the city, which turned, between others,
in the systemic use of the innovatory structure in “wooden cage” (gaiola de madeira) – a unique
landmark in the history of the national and international construction.

The present work refers to the understanding and analysis of the constructive system used in the
process of reconstruction, from techniques and materials used, to the reading of the buildings’ inner
space organization and to the study of the seismic behaviour of pombalina structure, and its value in
the context of Baixa’s candidature for World Heritage.
The whole plan was suiting the idea of the constructive standardisation. At an urbane scale, Baixa
was drawn of orthogonal and hierarchically distinctive streets and all the blocks would have the same
number of floors; at the building scale, also having the constructive standardisation idea, the inner
space organization and the fronts were based in a modular drawing. They were also included some
improvements of the urban infrastructures, namely in the drainage system and gathering of the
garbage, in the domiciliary supply of water and in the fire systems.
But what was really distinctive in this process of reconstruction was the introduction of the three-
dimensional wooden structure – the pombalina cage. The cage was introduced in an attempt of
erecting buildings with a better behaviour under seismic actions, trying to avoid future catastrophes.
The wooden trellises that made frontais (the structural walls of pombalinos buildings that form the
cage) are suitable for resisting vertical loads, but mainly the horizontal forces induced by earthquakes.
This three-dimensional structure significantly increases the rigidity and resistance of the building and
the cage, if properly connected to the stone walls, induces a common functioning enabling the building
to resist horizontal strength (like the seismic forces).

The original pombalinos buildings suffered many structural changes, specially at the beginning of
the 20th century and generally due to speculative pressures and changes of uses, in spite of the excellent
structural quality (and also architectural, though it doesn't constitute an innovatory aspect). Changes
as the increase of the number of floors (originally established as ground floor, three superior floors and
garrets), the removal of frontais breaking the three-dimensional structure of the cage, the cut of the
frontais’ diagonals or the cut of pillars in the ground level floor, weakened the structure and increased
the vulnerability of pombalinos buildings to the seismic actions, which highlighted the need of its
rehabilitation.
 In such works of rehabilitation there must be the concern of maintain and if necessary rehabilitate
the cage system, of great cultural, historical and also structural value. In parallel, it is important to
manage economically such works in a sustainable manner. So, it’s necessary to match the inheritance
preservation with the current space, function and safety demands.
However, the starting point for any rehabilitation of these buildings must be the recuperation or
reinforcement of pombalina structure. The reconstruction of structural elements, such as the meeiras
walls (walls made in stone masonry that separate the buildings that form the blocks) or the frontais
(structural wooden walls), aims to restore or to improve the original structural behaviour of the
buildings, mainly under seismic forces (increasing the security levels for its users), and to preserve its
authenticity.
Rehabilitation works also should have to proceed to the identification of the structural changes
suffered by the buildings (the most common were already mentioned) and to use the traditional
materials (if possible, of better quality) or to change the damaged materials – attending, as much as
possible, to these principles: reversibility, minimum intrusion, compatibility, durability and efficiency.
In spite of the interest in a loyal preservation of the original constructions as possible, it may be
necessary, in particular situations, to use new materials or technologies – otherwise, it may be difficult
to take into account some aspects that can be essential to satisfy functional current needs (for example,
the inclusion of lifts, quite important in some adaptations because of aspects related to comfort and
accessibility of reduced mobility people).

These interventions must take into account its effects on the structure, and in order to guarantee its
resistance it is essential to not remove pillars of the ground floor or frontais – it’s crucial to be selective
and to remove, when necessary, only walls without structural function, like the tabiques (division walls).
It is necessary to find a balance point between the aspects connected with the security and comfort of
the user (intrinsically attached with the economical viability of the rehabilitation) and the preservation
as loyal as possible of the original.