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Marcelo Chiamulera

2019230978

Mestrado Integrado em Arquitetura

Junho 2020
Arquitetura vinculada a
métodos compositivos, a
materiais, a sistemas
construtivos e a processos
de construção emergentes
da revolução industrial
através da leitura crítica de
BETTENCOURT, António
Apontamentos sobre a prática
construtiva com o ferro nos séculos
XVIII e XIX.

Trabalho realizado no âmbito da Unidade Curricular de Construção II, sob a orientação


do Professor Doutor António Bettencourt, a partir de sua obra intelectual.
INTRODUÇÃO

Através da leitura crítica do objeto de estudo, reafirma-se a a certeza de que a


nossa arquitetura contemporânea é herdeira da tradição construtiva do período
estudado, busca-se compreender o passado próximo para melhor perceber a nossa
contemporaneidade.

Constata-se como o ato de projetar vem da convergência de fatores como


continuidade histórica, condições locais, sociais e materiais, necessidades físicas e
sociais bem como as inovações tecnológicas, tais fatores desde sempre, independente
da época, foram determinantes para o ato de projetar e para o processo criativo e
desempenho da arquitetura.

A arquitetura para exprimir o máximo do potencial de sua época, tem por


obrigação a necessidade de ser uma minuciosa síntese tecnológica e racional da sua
sociedade, sendo uma síntese dos conhecimentos exigidos e necessitados em um
espaço de tempo, propagando-se através do mesmo como uma herança cultural e
construtiva que influencia a posterioridade e permite a transformação da sociedade.

Hoje nos confrontamos com o “problema” de dominar os grandes avanços


tecnológicos e científicos do nosso tempo assemelhando-se, ao período histórico
comprimido entre os séculos XVIII e XX – em que a revolução científica possibilitou
uma grande experimentação de novas tecnologias e conhecimentos – desconstruindo
uma prática arquitetónica que vinculava-se à uma cultura construtiva enraizada no
empirismo, propagada durante os séculos.

Nenhum outro material até então foi tão protagonista como o ferro no ato de
descobrir novos caminhos para novos conceitos formais e espaciais.
“Somente quando a essência e a causalidade dos materiais e dos sistemas
construtivos são assimilados, quando o alcance das suas implicações são ponderadas,
quando as características dos seus comportamentos são entendidas, assim então o
aluno (o arquiteto) poderá tirar partido do potencial intrínseco dos materiais e dos
sistemas construtivos como suporte as ideias no decurso do processo de projeto”
Bettencourt, António.

Figura 1: Palácio de Cristal, Londres (Fonte:


http://4.bp.blogspot.com/-yKtv4t6Qmts/TffcDdYKB5I/AAAAAAAAAFg/4EI0SemfX1o/s1600/palacio-de-cristal.png)
PRÉ-CONDIÇÃO PARA A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL –
REVOLUÇÃO CIENTÍFICA.

Com o renascimento, iniciaram-se amplas iniciativas de procura de novos


conhecimentos científicos estruturantes de uma nova visão de sociedade, menos
teocrática e mais voltada ao homem.

Durante os séculos XVIII e XIX a mescla de conceitos e influencias emergentes


desta época, tal como o progresso científico no que diz respeito ao modo de se
contruir uniram-se a uma série de conceitos físicos entendidos como consequenciais
de um processo de evolução contínuo iniciado no Renascimento.

Toda a pesquisa científica renascentista não teve implicação imediata e direta


na prática da construção mas foram integradas a ela, progressivamente, culminando
então em uma substancial mudança no modo de construir no século XIX.

Durante este período de desenvolvimento, os materiais e sistemas construtivos


mantiveram-se inalteráveis e a falta de conhecimento para majorar as possibilidades
do ferro, cujas características eram distintas dos materiais tradicionais, para além da
dificuldade de ser obtido em larga escala, eram fatores que dificultavam a sua ampla
utilização.

O estado de estagnação que a cultura construtiva atravessou ao longo da era


Barroca, não obstante à constante evolução científica, foi consequência da produção
arquitetónica estritamente vinculada aos valores formais clássicos.
“A subordinação da produção arquitetónica a valores formais, correspondeu a
uma descontinuidade no campo disciplinar da arquitetura que se tinha mantido coeso
desde o momento em que esta disciplina se fundou historicamente no tratado de
Vitrúvio”. Em 1671 e 1672 com a fundação da École de Beaux Arts de Paris e a
Academie de Sciencies, a fragmentação entre arte e ciência, estava consolidada,
resultado da letargia que antecedeu o momento.

Até o fim do século XVIII não se pode falar do incremento de novos materiais
ou de sistemas construtivos, mas sim do aperfeiçoamento de sistemas construtivos
tradicionais. Ao longo deste período a reconsideração da composição arquitetónica
baseada no conceito de que os edifícios eram concebidos como uma massa construtiva
unitária em que a forma resultante era um reflexo de um equilíbrio final. Esta perceção
do processo de compor forma e espaço foi alterada por um novo entendimento da
construção, fundamentada numa análise e caracterização dos elementos construtivos
dos edifícios.

A necessidade de responder a um acréscimo do mercado com exigências de


custos cada vez maiores veio a introduzir uma maior racionalidade nos processos
construtivos, exponenciada sobre determinados elementos construtivos tais como
fundações, paredes, abóbodas e cúpulas.
INCREMENTO DO AÇO COMO MATERIAL DE CONSTRUÇÃO

O ferro e o aço revelaram naturezas muito particulares em relação aos


materiais tradicionais, estes materiais ao apresentarem coeficientes de resistência e
custos mais elevados que os restantes materiais foram canalizados para a produção de
elementos lineares, primeiramente tirantes e foram progressivamente ganhando papel
de protagonismo ao passarem a integrar a definição de sistemas estruturais e de
elementos construtivos.

Apesar das qualidades materiais que se podem traduzir numa elevada


resistência e fácil manuseamento, por outro lado, estes materiais quando submetidos
a ação contínua de ambientes muito húmidos ou de exposição ao fogo, apresentam
grande precariedade. A proteção das estruturas metálicas é um ponto imprescindível
quando se opta pelo emprego das mesmas o que levou ao difícil problema de: como se
trabalhar a expressão de um material que deve ser protegido? Um problema até então
novo, pois nunca antes evidenciou-se esta preocupação.

“A aparição em Inglaterra da fundição obtida a partir de carvão proveniente


dos resíduos da destilação da hulha, em 1747, ao concorrer para uma melhoria
substancial de qualidade do material, a par de um sensível abaixamento do seu preço,
foram fatores que incentivaram a utilização do ferro fundido, experiencia que se
alastrou, nos seguintes cinquenta anos, de uma forma decisiva, a outros programas
como pontes e fábricas”

As primeiras estruturas metálicas aplicadas em pontes, fizeram apelo a


memória construtiva das pontes de madeira e em alvenaria, para a semelhança das
mesmas, traçar uma geometria correspondente que permitisse a melhor resposta
possível aos esforços existentes.
Muitos estudiosos abandonaram suas formações tradicionais para investigar
mais aprofundadamente as construções em ferro, o que levou a comunidade científica
à rápidas constatações factuais.

A construção das primeiras pontes de ferro coincidiu com o grande aumento da


industrialização que se refletiu arquitetonicamente numa nova tipologia de edifícios,
as fábricas, destinadas a dar respostas a originais processos de produção que
sentenciavam o desaparecimento dos sistemas de produção artesanais.

“As Fábricas eram edifícios concebidos segundo uma estrutura de madeira


preenchida nos seus espaços intersticiais com pedra ou tijolo” expostas a intensa
utilização e concentração de trabalho, bem como iluminação de azeite, estes edifícios
eram extremamente vulneráveis ao risco de incêndio.

Com o passar do tempo, e com o objetivo de melhorar a qualidade estrutural


destas tipologias, tornando-as mais seguras, os construtores procuraram construir
edifícios mais resistentes o possível ao fogo. Na perseguição deste objetivo, foi inibido
o emprego de madeira em todos os elementos construtivos e proposto a
uniformização material do sistema estrutural exclusivamente em ferro que se
estendeu ao vigamento dos pisos e às estruturas de cobertura. “As paredes foram
definidas em alvenaria de tijolo, enquanto as escadas e as guarnições dos vãos se
restringiram à pedra, materiais conscientemente aplicados no sentido de validarem a
premissa da incombustibilidade” na qual estas tipologias se apoiavam.

Ao longo da primeira metade do século XIX, o sistema estrutural definido


composto por elementos lineares metálicos, foi deslocando-se progressivamente de
uma utilização exclusivamente fabril para se evidenciar como um sistema aplicado a
quase todos os edifícios com maiores exigências, independente da tipologia do
mesmo.
A crescente aceitação dá-se por aspetos tais como a índole técnica, na medida
em que se abriam novas possibilidades formais, na capacidade de enfrentar novas
escalas de intervenção até então inéditas e ainda no “aprofundamento do tema da
desdensificação e aligeiramento dos elementos construtivos”.

Nas primeiras décadas do século XIX o ferro continuou a ampliar o seu âmbito
de incremento quer em diferenciados tipos de edifícios construídos de raiz, quer em
intervenções pontuais em estruturas pré-existentes, confirmando a irreversibilidade da
aceitação de uma inovadora prática construtiva.

“Desde o início do século, e após estar adquirida como prática comum a


utilização do ferro fundido como suportes de galerias de igrejas, foi-se avolumando a
ambição de explorar o ferro com um sentido arquitetónico mais global nestes edifícios,
procurando minimizar a possibilidade de intervenções parcelares restritas a questões
de ordem técnica ou premeditadas numa redutora contextualização estilística”.

Alguns setores da prática arquitetónica, nomeadamente os mais eruditas,


“travaram” a ampla utilização do ferro que colocava em questão a natureza material
do mesmo na execução de programas socialmente estigmatizados por determinados
padrões, no entanto o crescimento da utilização deste material continuou a aumentar
por toda a Europa.

Para além da potencialidade do ferro no âmbito da “Arquitetura Industrial”, as


intervenções em estruturas pré-existentes assumiram-se como mais uma
oportunidade de provar a versatilidade do material.

Estas intervenções caracterizaram-se por duas vertentes; uma no sentido de


desenvolver um conjunto de procedimentos que levavam a substituição de elementos
construtivos existentes por outros que ofereciam maior confiança, e uma segunda
centrada na expansão de edifícios onde assistia-se cada vez mais ao uso direto da

expressão material do ferro, isto é, sua beleza, expondo-o num estado de “nudez
decorativa”.

As intervenções em pre-existências contribuíram para a popularização do ferro


mas foram os novos programas emergentes na época, as galerias, armazéns, estações,
salas de exposições que elevaram a utilização deste material a um novo patamar de
visibilidade e prestígio e catalizaram o surgimento dos ícones deste arquitetura na
segunda metade do século XIX.

Em todas estas tipologias existiam desafios em comum a serem vencidos,


nomeadamente a necessidade vencer grandes vãos, condição que fazia das colunatas e
arcos de ferro os instrumentos mais utilizados.

Em um período de grande vitalidade nos centros urbanos europeus, as galerias,


ultrapassaram o significado de edifício para se transformarem em ruas cobertas por
enormes estruturas tecidas em ferro e vidro que uniam importantes ruas e segmentos
das cidades, talvez nenhuma obra dentro desta tipologia de estruturas teve maior
destaque do que a Galleria Vittorio Emanuele II, em Milão, sendo um marco
arquitetónico do século XIX e até hoje uma obra de imenso destaque pela sua
concretização de um espaço interno a partir de um espaço urbano exterior, isto é, uma
rua.
Figura 2: Cúpula da Galeria Vittorio Emanuele II, Milão (Fonte:
https://en.m.wikipedia.org/wiki/File:Milan,_Galleria_Vittorio_Emanuele.jpg)
Figura 3: Galeria Vittorio Emanuele II, Milão (Fonte: https://blog.urbanfile.org/2017/09/07/milano-zona-duomo-
150-anni-della-galleria/)

Sem a mesma conotação urbanística das galerias, mas em contextos similares


surgiram os armazéns parisienses.

Na primeira metade do século XIX iniciou-se a construção de um novo tipo de


tipologia, a estação ferroviária. Este tipo de edifício esteve vinculado a um processo de
construção mista, na medida em que alguns sectores eram conformados a partir de
sistemas tradicionais apelando a paredes portantes de alvenaria, enquanto outros
sectores eram materializados com o recurso à exponenciação das capacidades
construtivas do ferro complementado pelo vidro. Esta sectorização do edifício através
de sistemas construtivos distintos “cristalizou” um problema conceitual: ambos os
sectores não dialogavam entre si, fazendo com que a tipologia nada mais fosse do que
o resultado de uma justaposição de métodos construtivos e não o culminar de um
processo integrador, não havíamos uma coesão projetual.
Os espaços interiores, para além de pontuais conexões funcionais, eram
desprovidos de qualquer condição de continuidade com o resto do edifício. A partir da
segunda metade da década de 40, do século XIX, existiram diversos exemplos
pertinentes da aplicação das estruturas mistas que exprimiam um profundo sentido
espacial e compositório.

Figura 4: Estação Central de Comboios, Milão (Fonte: https://retours.eu/en/29-milano-centrale/#)

Na conceção geral, de algumas obras notórias deste período, tomando em


consideração a tentativa de tornar “concomitantes” materiais e sistemas construtivos
que até então não haviam sido utilizados harmonicamente em uma coesão projetual,
constatou-se a ideia de que a construção mista e a sua forma podiam convergir na
formação de uma unidade identitária unificada, uniforme. As construções mistas até o
momento, empregaram o metal somente com carácter estrutural ou em pavimentos e
coberturas.

“Foram as Exposições Universais, assumindo desde o seu aparecimento uma


dimensão planetária relativamente a novos materiais, sistemas construtivos e
tecnologias associadas aos processos de construção, que deram visibilidade e
contribuíram para o desenvolvimento das técnicas construtivas com o ferro.”

Após às aberturas alfandegarias europeias, facto que contribuiu para o


aumento das relações comerciais internacionais entre os países europeus, as
Exposições que até então eram nacionais, tornaram-se “universais”, colocando em
contacto produtos e novidades tecnológicas de todo o mundo.

Ao contrário do que se sucedeu em inúmeras Exposições Universais ocorridas


no século XX, realizadas em recintos de “proeminência eclética” , em que a imagem
que cada país queria passar era lida na própria composição estrutural dos seus
respetivos pavilhões, as primeiras exposições evoluíram em megas estruturas, muitas
vezes únicas, eram colossais edifícios construídos em ferro e vidro, que ultrapassavam
em diversos aspetos os limites dos sistemas de construção tradicionais enraizados na
utilização dos materiais vigentes, a pedra, o tijolo e a madeira.

Para a primeira Exposição Universal, realizada em Londres no ano de 1851, foi


instituído um concurso internacional para o edifício que deveria albergar a exposição.
O primeiro prémio consagrava uma estrutura de ferro e vidro. Porém o Comité de
construção não considerou o projeto exequível na medida em que deixou aberto
numerosos problemas entre eles o facto de se tratar de uma estrutura não efémera.
Perante este problema, o próprio Comité decidiu elaborar o seu próprio projeto
e foi neste contexto que Joseph Paxton elaborou uma proposta de baixo custo, porém
elevado risco, tomando em conta as grandes quantidades de materiais a aplicar e
elementos singulares que deveriam ser definidos e concretizados.

Num curto espaço de tempo, ergueu-se no Hyde Park o monumental objeto


arquitetónico denominado Crystal Palace, no interior desta grande estrutura
caracterizada pelo seu transepto abobadado e pelas naves, Paxton criou um espaço
não referenciado à escala humana e de fácil compreensão formal, sugerindo um
espaço infinito através da utilização maestral do vidro, do ferro e de suas
expressividades.

Para controlar um edifício de imensa magnitude, Paxton recorreu a princípios


de composição muito claros e apoiou-se em uma grande racionalidade, inspirando-se
no desenho das estufas.

Figura 5: Palácio De Cristal, Londres (Fonte: https://www.britannica.com/topic/Crystal-Palace-building-London)


Até a Exposição Universal de Paris, os pontos de ancoragem dos projetos
desses equipamentos foram em muitos aspetos coincidentes com os que tiveram
subjacentes ao Palácio de Cristal: os prazos de construção foram curtos; os materiais
reportaram-se ao ferro e ao vidro; foram admitidos processos de pré-fabricação; o
espaço revelou-se invariavelmente através de um traçado regulador de elementos
estruturais.”

A Arquitetura do Ferro atingiu seu ápice na Exposição Universal de Paris onde a


Torre Eiffel assumiu uma posição dominante quer em relação ao conjunto da
exposição quer em termos urbanos, evidenciando-se, através dos seus 300m de altura,
como uma verdadeira referência urbana.

Figura 6: Torre Eiffel, Paris (Fonte: https://www.vieiradominho.tv/a-torre-eiffel-faz-hoje-131-anos/)


A ESCOLA DE CHICAGO E A SISTEMATIZAÇÃO DE UM
SISTEMA ESTRUTURAL PARA A PRÁTICA CONSTRUTIVA
CORRENTE

A contribuição americana no desenvolvimento da construção com ferro não se


deu através das edificações industriais mas pelas estruturas construídas em Chicago
durante o final do século XIX. Até meados deste século as construções de Chicago
eram predominantemente em madeira, facto que levou à ocorrência do grande
incêndio de Chicago em 1871, e posteriormente ao medo de que eventos semelhantes
voltassem a acontecer.

Figura 7: Incêndio de Chicago (Fonte: https://es.wikipedia.org/wiki/Gran_incendio_de_Chicago)


Com a evolução do tecido urbano regenerado através de uma retícula
quadricular e regular, edifícios de serviços, escritórios, comerciais e hotéis passaram a
redefinir a imagem de Chicago através da construção em altura, possibilitada, entre
diversos motivos, pela invenção do elevador por Elisha Otis.

Este equipamento, inventado em Nova Iorque no ano de 1857, foi um dos


grandes propulsores da construção em altura, permitindo a conquista de um modo
cómodo e funcional de percorrer verticalmente as edificações, proporcionando
também um gigantesco benefício económico à construção civil, pois agora, a área de
um terreno poderia ser multiplicada quantas vezes fosse preciso verticalmente,
gerando um melhor aproveitamento dos terrenos em centros urbanos.

As estruturas de aço, não sobrecarregavam as fundações dos edifícios e


permitia o destravamento das fachadas de modo a melhorar a iluminação natural
destes edifícios e valorizar os espaços públicos, onde se poderiam rasgar grandes
montras.

O princípio de sustentar um edifício a partir de um referencial tridimensional


metálico, foi testado efetivamente pela primeira vez em 1884, no Home Insurance
Building, reconhecido como o primeiro edifício em altura provido de uma estrutura
metálica.

A conquista da utilização da estrutura de esqueleto integrada irredutivelmente


na prática construtiva, não foi restrita ao ferro, alastrando-se posteriormente ao betão
armado e influenciando toda a produção arquitetónica subsequente, mantendo-se
presente até o nosso momento contemporâneo.
À experiência e aos conhecimentos desenvolvidos até o momento foi Louis
Sullivan juntamente de Richardson que acrescentaram um sentido de orientação
conceitual como argumento para enraizar os avanços tecnológicos à cultura
arquitetónica, enquadrando todo o rigor estrutural e técnico numa dimensão artística.

Esta forma de compor e caracterizar os edifícios a partir de uma racional


relação entre forma e função mereceu da parte de Louis Sullivan uma elaborada
fundamentação conceitual com inspiração na arquitetura clássica. A perpetuação da
forma de seus edifícios derivava da extrapolação de uma analogia com a coluna
clássica pontuada pela sua base, fuste e capitel. Ao propor o dogma de “a forma segue
a função”, centrando o debate arquitetónico em questões como a identidade formal
dos edifícios, na medida em que teve a capacidade de gerar inquietude, por um lado,
porque induzia numa tipificação da forma em função dos programas, e, por outro lado,
porque esgotava a possibilidade de poder existir traços de continuidade entre
programas distintos – ou

como a necessidade efetiva dos edifícios responderem a determinados desempenhos


aferidos de acordo com as expectativas dos seus utentes e apelando
descomplicadamente à inevitabilidade de integrar as inovações técnicas nos processos
de materialização, Sullivan procurou restabelecer o equilíbrio Vitruviano rompido
desde o século XVII.
Figura 8: Home Insurance Building, Chicago (Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Home_Insurance_Building)

O racionalismo estrutural e a incorporação de novos materiais na prática


construtiva corrente alcançados por Sullivan, foi o prenúncio da propagação das
reflexões de Viollet-Le-Duc.

O QUE RECLAMA VIOLLET-LE-DUC PARA A PRÁTICA


ARQUITETÓNICA.
Enquanto a prática da arquitetura no continente americano fazia evoluir a
técnica dos sistemas estruturais em aço e os ingleses reiniciavam as suas experiências
com este material, na Europa continental delineava-se a criação de uma nova
arquitetura pela geração de nomes como os de Gaudi, Horta, Wagner, Perret, Berlage
e tantos outros.

Foram estes arquitetos que através das suas obras integraram o aço e o betão
armado na prática construtiva, procurando tirar partido das suas características
arquitetónicas e das suas capacidades expressivas.

Figura 9: Apartamentos da Rua Franklin de Auguste Perret (Fonte: http://hiddenarchitecture.net/rue-franklin-


apartments/)

Revelaram-se também obstinados em conciliar o desejo de ressuscitar


arquiteturas tradicionais em cada país ou região, projetaram no futuro uma
arquitetura emergente de um racionalismo estrutural.
Viollet-Le-Duc exprimia uma grande inquietude em relação à prática
arquitetónica do seu tempo, promovendo reflexões através de uma interpelação da
prática arquitetónica enquadrada por aspetos que configuravam a contemporaneidade
do século XIX, como a emergência do conhecimento científico, condições sociais e
culturais e a postura dos agentes de construção como arquitetos e promotores.

Viollet-Le-Duc considerava que só um reduzido número de edificações


correspondiam a um ensaio arquitetónico verdadeiro. Reconhecia a grande maioria
como produto de uma interiorização de muitos preconceitos e de um certo número de
tradições, onde o recurso à ornamentação como valor referenciador da condição
representativa dos edifícios não era mais do que o reflexo da ausência de ideias sobre
os princípios de conformação dos mesmos.

Para Viollet-Le-Duc a arquitetura estava mergulhada em um prenunciado


estado de demência ditado por uma incapacidade de descortinar, nos avanços das
ideias, das técnicas, dos materiais e dos conceitos. A arquitetura agonizava-se nos
excessos originários de uma sociedade deliberada de valores.

Ao identificar o início deste momento de “demência” da arquitetura, em que


leituras superficiais das arquiteturas de determinados períodos históricos induziram
uma tendência imitativa de códigos e dialéticas puramente formais, Viollet-Le-Duc
defendia que este procedimento ao determinar a cessação da aliança entre forma,
necessidades e os meios de construção, amputava a verdadeira dimensão do campo
conceitual da arquitetura e confinava-a a uma questão de gosto ou de exercício
estilístico, transformando a arquitetura numa espécie de “catálogo” revivalista.

O ideal de uma arquitetura racional não se manifestava em Viollet-Le-Duc


exclusivamente como uma preocupação de definir a forma edificada em termos
meramente objetivos. A Arquitetura racional que procurou promover, vinha de uma
compreensão das componentes circunstanciais da realidade intervencionada, no
sentido de existir uma obrigatoriedade de dar resposta aos problemas com eficiência e
economia.

Desta forma, não foi abandonado o fundamento de encontrar “o belo” como a


essência da arquitetura, mas atribuindo um novo significado que se descodificava
através de uma efetiva articulação entre materiais, tecnologia e formas. A forma final
era um fim que se alcançava através da explicitação dos meios. Viollet-Le-Duc elegeu o
passado como auxiliar do presente.

A perceção da individualização da estrutura em que todo o elemento estrutural


se articulava invariavelmente com a origem de uma forma, acentuou a verdade
material com um racionalismo estrutural que Viollet-Le-Duc assimilou como o dogma
de seu pensamento crítico.

Num primeiro momento a desacreditação do ecletismo cenográfico regente, e


a afirmação da arquitetura como a “arte da construção”, não foi bem assimilada pelos
que detinham a produção arquitetónica, sendo mesmo hostilizada por aqueles mais
intimamente relacionados com a formação Beaux Arts.

Foram nomes como o de Gustav Eiffel, com formação nas escolas técnicas que,
motivados pela avalanche conceitual de conhecimentos e avanços técnicos, assumiram
como suas as ideias de verdade material e estrutural através de um desenho racional.

Da síntese do seu tempo, estabeleceram a associação causa/efeito entre novos


materiais de construção como o ferro, o vidro, o betão armado e os programas que por
sua vez proporcionavam a descoberta de novos tipos de edifícios. Em suma, o fim do

século XIX, caracterizou-se pela proliferação de uma arquitetura com identidade


própria.
A arquitetura deste período exigiu uma metodologia de projeto altamente
experimental. Em cada situação, os materiais e os sistemas construtivos eram testados
e submetidos a rigorosas provas, estabelecendo-se assim uma articulação muito
estreita entre avanços técnicos e indústria.

O legado de Viollet-Le-Duc expressa-se pela universalidade dos seus princípios.


Integrar os meios tecnológicos disponíveis, assumir a estrutura como elemento de
composição arquitetónica e promover as possibilidades discursivas dos materiais,
prevalecem no processo projetual como premissas perenes.

CONCLUSÃO

Através do estudo dos métodos construtivos, através das aulas e dos exemplos
históricos, pode-se constatar que não só através de uma síntese social e de um
pensamento artístico faz-se a arquitetura, da denominação da “arte de construir” vem
o facto de que para exercer a arquitetura é, também, preciso o domínio material, o
conhecimento de todos os “ingredientes” para um resultado final de qualidade ou que
pelo menos reflita para o mundo uma ideia projetual.

Por mais inspiradores que fossem os projetos de todo exemplo histórico


estudado, nada pode ser mais inspirador do que as sensações que a ideia concretizada,
isto é, construída, pode nos oferecer, a todos nós. Todo estudioso pode ler livros e
fazer pesquisas, mas a importância da construção é a maneira como pode-se, através
dela,
perpetuar a síntese da nossa sociedade contemporânea, não através de
conhecimentos académicos, mas de métodos construtivos, materialidade e a
expressão destes. A todos.

Nem todas as pessoas possuem acesso à livros, no entanto um espaço bem


organizado é algo que se perpetua, levando, mesmo que indiretamente, a arquitetura
a todos os seres humanos que um dia atravessarem a Galleria Vittorio Emanuele II, por
exemplo!

Em suma, concluo que a Arquitetura precisa das pessoas, e as pessoas precisam


dela, construir é a concretização de um sonho.

Figura 10: Estação Central de Comboios, Milão (Fonte: https://retours.eu/en/29-milano-centrale/#9)

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