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INTRODUÇÃO

A basílica de São Pedro é hoje o maior e mais importante edifício religioso do


catolicismo e um dos locais de peregrinação mais visitados do mundo. Situada na Praça de São
Pedro (em italiano Piazza San Pietro) a sua construção recebeu intervenções dos maiores
artistas e arquitetos da história, nomes como os de Bramante, Michelangelo, Raffaello e
Bernini são alguns dos que contribuíram para a edificação deste monumento.

Construída na intenção de dignificar a memória de São Pedro, um dos doze apóstolos


de Jesus Cristo e primeiro Papa, executado no ano 64 durante o reinado do Imperador Nero
(54-68) e crucificado de cabeça para baixo junto ao Obelisco do Circo de Nero, remanescente
até os dias atuais como um dos poucos monumentos comemorativos daquele período. A atual
basílica repousa sobre um dos maiores marcos da arquitetura paleocristã, a antiga basílica de
São Pedro, elemento de estudo deste trabalho.
CONTEXTO HISTÓRICO

Com o Édito de Milão em 313, Constantino, o novo imperador, reorganiza a


Cristandade favorecendo-a abertamente e oficializando a sua existência, passando a nova
igreja católica a ser o poder religioso dominante dentro do Império Romano.

Igreja e Império vincularam-se fortemente mudando radicalmente a posição social e


política da cristandade. A organização da igreja equiparou-se à organização administrativa do
império, fortificando a autoridade política e administrativa do clero.

A organização e imagem da igreja durante os anos de 313 à 317 concentrava-se sob a


pessoa de Constantino que não batizou-se até ao seu leito de morte. Ele considerava-se como
o décimo terceiro apóstolo, como um escolhido por deus para conduzir a igreja de cristo à
prosperidade, presidia pessoalmente os concílios da igreja e utilizava a sua elevadíssima
posição política e infinito poder para cimentar as decisões dos concílios.

A igreja converteu-se em um organismo estatal fortemente associado à administração


imperial e começava a tornar-se por si própria um poder político autónomo. Era elevado o
número de cristãos entre os mais altos e destacados postos da corte, como Santa Helena, a
mãe de Constantino devota já há muito tempo na altura. Constantino morre em 337, período
em que a fusão entre poder eclesiástico e imperial era quase total.
IMPLANTAÇÃO

A Basílica de São Pedro situa-se em Roma, na Colina Vaticana, a oeste do Rio Tibre (em
italiano Tevere) perto da Colina Janículo e do Mausoléu de Adriano (atual Castel Sant’Angelo) e
a menos de 150 metros do local de martírio dos cristãos de Roma, entre eles o notório martírio
do Apóstolo Pedro.

No princípio do Império Romano, pouco antes do nascimento de Jesus Cristo, o local


dos martírios era uma zona residencial com habitações edificadas em torno dos jardins reais
de Agripina Maior, neta de Augusto, o primeiro imperador Romano e mãe do Imperador
Calígula. Posteriormente, construiu-se no local um circo privado, o Circo de Calígula, que
passou, depois, a ser chamado Circo de Nero.

Após ser perseguido e crucificado de cabeça para baixo no Circo de Nero, São Pedro foi
sepultado numa colina muito próxima. Sua sepultura inicialmente teria sido marcada apenas
por uma pedra vermelha que simbolizava seu nome. Nos anos que decorreram,
posteriormente ao seu sepultamento, um pequeno santuário formou-se entorno do seu
sepulcro e com o passar do tempo e devido à vontade de outros cristãos de serem sepultados
nas redondezas do que seria o túmulo de São Pedro, o pequeno santuário transformou-se
gradativamente em uma grande necrópole sagrada.

O crescente número de peregrinos ao santuário formado, fez com que alguns séculos
depois, com a ascensão do catolicismo ao poder imperial, Constantino I ordenasse a
construção da antiga basílica de São Pedro no intuito de dignificar a memória do Apóstolo e de
atrair e acomodar ainda mais peregrinos ao túmulo de São Pedro e consequentemente a
Roma.
ANÁLISE FUNCIONAL E FORMAL

A antiga basílica de São Pedro em Roma talvez seja o exemplo mais sobressaliente da
arquitetura deste período, substituída entre os séculos XVI e XVII, hoje temos uma noção real
da imagem do antigo edifício e de sua história construtiva através das escavações e descrições,
de antigos desenhos e pinturas.

Não existem registos exatos de quando se iniciaram às construções, ou de quando o


imperador Constantino decidiu alojar o relicário de São Pedro na enorme basílica, estimando-
se que a decisão tenha sido tomada por volta do ano de 326. Nessa altura as câmaras
mortuárias da grande necrópole que se formou ao redor da memória de São Pedro estavam
lotadas.

Anteriormente ao início da construção da Basílica se executou um corte na necrópole,


pavimentando uma plataforma na colina aonde neste novo nível seria erguida a Basílica de São
Pedro, virada a oeste de frente para Roma.

Para vencer o desnível do terreno, os muros de fundação das naves no lado sul tiveram
de se elevar 8 metros acima da encosta da colina, enquanto no lado norte cortavam a parte
superior da encosta. A construção avançou rapidamente apesar das dimensões do edifício e da
complexidade do projeto.

Por volta do ano de 329 a basílica estava concluída e ao ano de 337, quando morre
Constantino, estavam em seus lugares as inscrições dedicatórias em mosaico do arco da abside
e o arco triunfal. Os murais da nave central, visíveis até o século XVI, datavam de meados do
século V.
O projeto original parece não ter sofrido alterações durante sua execução: os muros de
fundação foram feitos todos por uma só vez com 2 metros de espessura e revestidos com
tijolos (técnica construtiva do Opus Listatum) desde os níveis mais profundos, isto devido à
forte inclinação do terreno. A “memória” de São Pedro, desde o seu martírio venerada pela
cristandade, agora era acessível às multidões de peregrinos para cultos e celebrações dentro
da monumental basílica.

A basílica de São Pedro, basílica cemitério, servia aos mortos, a aqueles que desejavam
estar juntos de São Pedro ao fim de suas vidas e também aos vivos, para celebrações tais como
os banquetes funerários. As funções de martirium e sala funeral justificam o tamanho e planta
do edifício, multidões de Romanos reuniam-se para venerar o apóstolo, centenas desejavam
enterrar-se naquele solo sagrado.

Sob o terreno, escavado no século XVI, estavam inúmeras tumbas, algumas inclusive
com sarcófagos do século IV. As paredes estavam cercadas de luxuosos mausoléus e tumbas
imperiais de outras datas posteriores ao século IV.

Com um comprimento longitudinal interior de 119 metros, uma nave central de 90


metros e largura de 64 metros, a sua dupla função, cemiterial e de peregrinação, determinou o
projeto de sua planta excecional. A nave central alta e larga, e suas naves laterais fazem-nos
lembrar a distribuição da Basílica de Latrão, apesar de suas funções funerárias
complementares.
Em São Pedro, em contraste a qualquer outra catedral constantiniana, as naves não
terminavam sensivelmente em um presbitério. Em lugar disto, se encontravam com um espaço
transversal. Em relação a Nave central, o transepto terminava em uma enorme abside,
formando uma área com função própria, marcada como uma parte diferenciada da basílica.

O Cruzeiro e a nave central estavam separados pelo arco triunfal, e os braços e as


naves laterais por colunatas. O transepto albergava a memória do apóstolo, que era o culminar
de toda a construção, o seu monumento, erguendo-se no centro da abside, foi isolado por
uma grade de bronze. Acima dele erguia-se um baldaquino sustentado por quatro colunas
torcidas.

O imenso espaço do transepto acolheria as multidões, somente durante os cultos


comemorativos, e reservava-se ao clero como presbitério. O altar era separado do relicário.

Por trás do altar e pelos lados do relicário se alinhavam os clérigos que assistiam aos
cultos, sobressaindo-se o bispo e o alto clero por detrás das cortinas da abside. O Transepto
era a zona comum para a congregação e também para o clero, servindo de localização para
todos os ritos em que ambos participavam ativamente: a veneração do relicário e a comunhão.

Transeptos e Absides, posteriormente, serviam de lugar para o relicário de mártires e


altares, os assentos do clero e as mesas de oferendas. As naves por outra parte, constituíam
um cemitério coberto semelhante a outras igrejas, porem em São Pedro, o martirium deixou a
catacumba, isto é, fundiu-se com o presbitério e o transepto tornando-se visível e acessível aos
peregrinos congregados nas naves.
Desde o rio, ao percorrer as ruas, repletas de monumentos sepulcrais romanos, o
percurso dos peregrinos consistia em uma suave ascensão até a tripla entrada do átrio. No
extremo ocidental do átrio, o peregrino deparava-se com a fachada da nave central, sem
elementos de decoração, como em todos os exteriores da época de Constantino. Ao entrar na
nave, avançavam, entre duas filas de vinte-duas enormes colunas, que variavam em material e
cores e em diâmetro entre 0,92 e 1,18m. colocadas entre vãos de 2,5 metros em uma
proporção não muito diferente da colunata do Panteão.

Como os fustes, os capitéis possuíam diferentes alturas e tipos, coríntios e compostos.


Igualmente o entablamento era feito com elementos aproveitados, com uma cornija larga o
suficiente para servir de passarela aos encarregados de acender os lampiões, e era
efetivamente protegida com gradeamento.

A parede da nave central alcançava uma altura total de 32 metros. A dupla fila de
frescos do antigo testamento e suas molduras de estuque, pertencentes ao século V, ainda no
século XVI encontrava-se em bom estado de conservação. Onze amplas entradas de luz,
colocadas alternadamente entre vãos de colunas, iluminavam a nave central.

Como em Latrão, as colunas que separavam a nave central das laterais assentavam-se
sobre altos pedestais e apoiavam-se, sobre uma arcada, uma parede aonde eram apoiados os
telhados das naves colaterais. Uma sequência de vãos no alto destas paredes aligeirava o peso
que carregavam as colunas, as naves laterais eram todas a mesma altura e as naves interiores
não possuíam iluminação, sendo somente as naves laterais exteriores e o transepto dispostos
de iluminação.

Até o Renascimento Carolíngio, não seria de comum utilização em outras igrejas a


planta da basílica de São Pedro, com transepto continuo, tanto em Roma, quanto no resto da
Europa. São Pedro é a única grande igreja constantiniana que albergaria as relíquias de um
grande mártir.

A basílica se ergueria fora da cidade, em um local sagrado. Não possuía um clero


permanente, a missa celebrava-se esporadicamente para reuniões de peregrinos mais do que
uma congregação regular.
DEMOLIÇÃO E RECONSTRUÇÃO

No século XV, a basílica estava em elevado processo de degradação, resultado de


séculos de decadência, invasões e saques à Roma. Discussões sobre uma possível reforma da
estrutura começaram quando os papas retornaram de Avinhão.

O Papa da época, Nicolau V, decidiu, então, iniciar as obras de restauro da basílica. A


tarefa foi designada inicialmente ao Italiano Bernardo Rossellino. O projeto proposto consistia
na demolição da basílica para a construção de uma nova. Nicolau V aceitou a proposta, mas a
sua morte pouco tempo depois da encomenda fez com que o projeto não fosse realizado
imediatamente, tendo sido somente um muro erguido, fora da basílica de Constantino.

Somente no início de 1500 voltou-se a falar em uma nova basílica quando Papa Júlio II
encomendara seu túmulo a Michelangelo. O artista Florentino projetou um grandioso
monumento em forma de pirâmide cujo qual não acabaria por ser muito grande para ser
abrigado na atual Basílica de São Pedro, as precárias condições do antigo edifício aliados a
vontade do Papa de ter um digno local para seu túmulo impulsionaram então, definitivamente,
a construção da nova basílica.

O arquiteto responsável pela encomenda, desta vez, seria Bramante. Em vez da


clássica igreja com planta em cruz latina, propôs uma estrutura em cruz grega, com uma
grande cúpula central.
A primeira pedra da nova basílica de são Pedro foi colocada em 1506. Entre os anos de
1513 e 1514, Júlio II e Bramante morreram, deixando em herança aos seus sucessores,
somente os quatro gigantescos pilares que sustentariam a nova cúpula.

O pontífice sucessor, Leão X, decidiu confiar a continuação do projeto a Raffaello. Que


morreu a seguir com 37 anos, não realizando o seu projeto. A Basílica de Raffaello teria planta
em cruz latina e em seu interior pretendia-se um intenso jogo de luz e sombras. Os fieis
percorreriam a nave central em pouca luz, até chegarem ao altar – em correspondência ao
tumulo de São Pedro – onde ficariam envoltos em luz.

Sucedendo Raffaello veio Antonio Da Sangallo que esteve à frente do projeto de 1520
a 1546. Período em que a obra não pode prosseguir devido a problemas financeiros da igreja.
Sangallo ampliou a planta de Bramante, de modo a cobrir toda a superfície da antiga basílica.
De facto, esta área tinha sido considerada solo sagrado e Leão X pretendia que fosse incluída
na nova construção. Para chegar ao seu objetivo, o arquiteto projetou a fachada entre duas
torres sineiras, ligada ao corpo principal da igreja por um vestíbulo.

Com a morte de Sangallo, Michelangelo Buonarroti passara a ser o encarregado. O


arquiteto florentino já tinha mais de 70 anos e, diversas vezes, recusou a oferta, até quando o
Papa Paulo III lhe forçou a aceitar. Michelangelo não aceitava o trabalho de seu antecessor e
assim, decidiu demolir partes já construídas por Sangallo. Recomeçou do projeto originário de
Bramante e concebeu uma enorme cúpula como elemento central da basílica tendo como
inspiração a cúpula da Catedral de Florença, projetada por Brunelleschi.
Com o falecimento de Michelangelo, a tarefa de concluir a cúpula foi dada em 1587 a
Giacomo Della Porta que concluiu a nova basílica.

Em 1603 a nova São Pedro convivia, ainda, com a antiga basílica. Nesse meio tempo,
cresceu o partido daqueles que não desejavam o arrasamento da antiga igreja, mas, sugeriam
integra-la como uma espécie de átrio para o novo templo.

Apesar disso, o Papa Paulo V, decidiu por derrubar as velhas paredes que já naquele
ponto haviam sido retirados daquelas blocos de mármore. Para isto, contratou Carlo Maderno
para que estendesse a ala leste da nova igreja, incorporando, desse modo, a superfície da
antiga basílica. Assim sendo, a fachada ficaria muito mais à frente. Maderno realizou uma
estrutura de três naves para liga-la ao edifício de Michelangelo. A Basílica de são Pedro obteve,
então, uma forma longitudinal, com planta em cruz latina.

Comparada ao projeto de Michelangelo, agora, a cúpula seria colocada em uma


posição recuada, em relação à entrada. A fachada era plana demais para realçar a cúpula, e
então, pensou-se em enquadrá-la entre duas torres sineiras. Porém, nem Maderno, nem
posteriormente Bernini, obtiveram sucesso na construção das torres, devido a problemas
geotécnicos do terreno subjacente.

Finalmente em 1626, a Basílica de São Pedro como conhecemos hoje foi concluída e
consagrada pelo Papa Urbano VII.
CONCLUSÃO

A história da Basílica de São Pedro exemplifica de forma ímpar a presença do conceito


de continuidade na arquitetura e nos mostra que mesmo a mais radical das intervenções não
existe sem suas pré-existências sejam elas materiais ou apenas memórias, intenções de
projeto.

O objeto de estudo nos ensina também a maneira como o sítio age sob a arquitetura,
como a história por vezes não delimita ou patrimonializa as intervenções mas sim às
condiciona. O carácter das colinas vaticanas, sua história pesada de atrocidades, sofrimento e
esperança que uma vez condicionaram a construção da maior obra paleocristã, e por sua vez a
maior obra do período barroco, jamais aceitaria algo menor do que o maior possível.

Existe alguma beleza no ato da aceitação da contemporaneidade no sentido de


dignificar a poderosíssima força e presença da antiga basílica construindo uma nova a partir da
destruição da mesma, afinal edifícios possuem ciclos de vida e sem a sua destruição e
monumental reconstrução, não teríamos hoje a mesma leitura do que outrora foi a Basílica de
São Pedro.

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