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Numa primeira visão, note-se que o arquiteto não tem poder sobre a eternidade do seu
projeto. Isto é, a utopia de Lúcio Costa e Niemeyer foi deixada ao arbítrio do governo
federal, a Brasília contemporânea já pouco diz respeito à ambição que projetava os anos
60. É inegável e notório o contraste de um crescimento periférico, caótico e
desordenado da região da cidade com o plano piloto de Brasília, que assegurava
organização e método. Conseguimos, no entanto, retirar algumas questões socioculturais
que justificam este acontecimento. Foi a era da indústria e o poder do automóvel que
fizeram Brasília. Lúcio Costa projetou uma cidade-máquina num país
incondicionalmente humano. A necessidade inata da interação social não se revia no
modelo e, a par com a despreocupação política, surgiram novas comunidades sob
diferentes registos, fora do plano piloto.
Niemeyer, como alguém que trabalhou com Le Corbusier, trouxe muito conhecimento
vanguardista europeu para aquilo que se pratica no seu Brasil Contemporâneo. Foi
desenvolvendo a sua arquitetura com um senso muito escultórico e exuberante, uma
versão extremamente pessoal do modernismo, que não corresponde de todo com o
movimento europeu. Pelo contrário, faz parte da panóplia cultural que surge da América
Latina, sendo caracterizado por ela mesma. Niemeyer procura algo novo, leva a sua
realidade material a novos patamares, assumindo um novo período de reflexão sobre os
métodos construtivos, ao retirar o ferro como matriz. Acaba por esculpir o betão armado
utilizando com maestria o melhor das suas qualidades plásticas e sensoriais, sempre de
modo experimental. Contudo, mediante as suas formas impossíveis produziu uma
arquitetura quase surrealista, talvez refletindo o seu contacto com os seus
contemporâneos do outro lado do Atlântico.
Retiramos de Brasília a procura pela sensação estética e escultórica que Niemeyer nos
habitua, a emergência modernista de Lúcio Costa impõe-se a si própria como uma
escultura de grande escala: deslumbrante, surreal, plenamente pensada sobre o
funcionalismo futurista de nova cidade, mas incondicionalmente disfuncional na sua
essência. O desenvolvimento de Brasília pode não ter correspondido com o sonho de
Lúcio Costa e Niemeyer, mas Brasília não falhou como capital deste tão central país,
antes pelo contrário, mostrou na rebeldia e na rejeição do isolamento, o mais humano,
empático e social, tão característico do Brasil.
2 - IDENTIDADE/AUTOCOMPREENSÃO
3 - FERNANDO
TÁVORA: INCONDICIONAL
ESSÊNCIA PORTUGUESA
Curioso, mas conservador; viajante, mas comodista; polímata, mas cético. Terá sido
na viagem, que Fernando Tá vora fez pelo mundo, onde todas estas características
peculiares do arquiteto se avultaram. “Cada vez me convenço mais de que só
fazendo a mesma coisa vá rias vezes, numa vida ou ao longo de geraçõ es, é possível
refinar e chegar a soluçõ es com eternidade “. Debruçando-nos perante a sua
delicada reflexã o sobre o que viu, sentiu e devaneou ao passear pelas ruas e
montanhas do outro lado do oceano, inferimos que o seu conservadorismo quase
bucó lico português interveio no seu olhar sobre a arquitetura e a vida que
experienciara.
Em suma, a realidade emotiva e o só lido respeito pelo caracter histó rico que
solidificam a arquitetura e o pensamento de Fernando Tá vora surge como um
manifesto intrínseco ao sentimento português que seria, nesta fase, díspar,
contrastante e incompatível com este admirá vel mundo novo.