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2000
Resumo
o artigo que ora se dá à estampa. resulta de quatro campanhas de escavações empreendidas no Castelo de belmonte.
Apresentam-se pois os resultados alcançados. no que respeita à evolução do monumento. com base na estratigrafia detectada. bem
como na interpretação das várias estruturas exumadas.
Genericamente. foi possível distinguir cinco períodos que marcaram a sua história:
I. anterior à carta de Foral. outorgada em 1199. correspondendo à fase inicial de constituição de um pequeno núcleo
habitacional;
2. até 1392. período durante o qual o castelo foi edificado. sob o sebhorio do bispado de Coimbra. coincidente com a crise
dinástica de 1383/85;
3. até à criação da alcaidaria-mor do castelo. e sua doação a título hereditário. à família Cabral. em 1466;
4. período em que o castelo foi adaptado pela faInI1ia donatária em residência fortificada. até aos finais do séc. XVll;
5. fase de abandono do monumento, durante a qual o castelo entra em ruína. ainda que tenha tido algumas utilizações diversas.
Abstract
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The present article results from four archaelogical diggings that took place in Belmonte castle. Therefore, we present some
considerations about its evolution, according to the structural and stratigraphic information collected.
Briefly. we are able stratigraphic information collected.
I. before the belmonte's Privilege Chart, granted in 1199, when a first human sett1ementestablished in this site;
2. until 1392, during which periodo the cast1ewas built and owned by Coimbra' s Bishops, and faced the consequences of the
political and military instability resulting from dynastic crises of 1383/85;
3. until the donation of its lordship to the Cabral family, in 1466;
4. until the end of the XVII'h century, during which period the cast1ewas adapted to a fortified manor;
5. period characterised by its abandonment and consequent ruin, in spite of the different and ocasional uses that the
monumentt then knew
1 -Introdução('
A revitalização de um monumento histórico apresenta-se,à partida, como uma tarefa complicada, que
exige um esforço de interdisciplinaridade, que se socorre dos vários domínios científicos, assumindo aspectos
arquitectónicos, históricos, arqueológicos, etc. É pois, neste contexto, que a investigação histórico-
arqueológica tem cabimento, promovendo a reabilitação da Memória do edifício, minimizando, em
simultâneo, o impacto da intervenção arquitectónica, a qual pode sempre beneficiar do trabalho de
Arqueologia, rentabilizando o investimento que uma investigação desta natureza implica.
A realização de escavaçõesarqueológicas no Castelo de Belmonte(2),decorreu da execução do Projecto
de Revitalização do Castelo de Belmonte ( Ia fase) -1991(3) (Programa de Salvaguarda de Castelos),
promovido pelo Instituto Português do Património Arquitectónico, a que se associou a Câmara Municipal de
Belmonte.
Escavacões ArQueológicas no Castelo de Belmonte 0992-1995)
Deste modo, encetou-se todo um processo, que foi responsável por quatro campanhas de escavação,
tendo a primeira ocorrido em 1992, com carácter de urgência. Pretendia-se dar início, o mais brevemente
possível, às obras projectadas e aprovadas: instalação de um anfiteatro ao ar livre, afectando quase toda a
metade sul do perímetro muralhado; construção de instalações sanitárias e área de arrumos, junto à muralha
Oeste; e adaptação para bar/cafetaria, do interior do edifício anexo, localizado a nascente, na fachada do
castelo.
As restantes três campanhas de escavação, ocorreram nos anos seguintes, de 1993 a 1995, mercê
sobretudo, da determinação da autarquia local. Para o efeito disponibilizou meios, sobretudo de ordem
logística, científica e de mão-de-obra(4),com o intuito de recuperar o maior volume possível de informações
acerca do monumento. Estas escavaçõescontaram ainda com o apoio financeiro do I.P.P.AR, que se traduziu
na atribuição de um subsídio anual.
Apesar de já se ter escavado cerca de metade do interior do monumento, o seu estudo arqueológico não
está ainda completo, faltando escavar alguns espaçosmuito pontuais do seu interior, dos quais iremos dando
nota ao longo desta publicação, para além de quase toda a sua envolvente. ';
O artigo que ora se apresenta, não pretende de modo algum ser uma apresentação exaustiva das
escavações realizadas mas, somente, uma primeira abordagem às informações mais relevantes para o
conhecimento do monumento, entretanto avolumadas. Futuramente, seria de todo conveniente, proceder-se ao
estudo exaustivo do espólio exumado, nomeadamentedas cerâ1Ílicas,o qual, certamente, permitirá obter novas
informações e precisar outras, sem esquecero facto de constituir uma importante abordagem à cultura material
local, no que respeita às sucessivasépocas que o castelo atravessou.
2 -Localização
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Localizado na vila e sede de concelho que lhe dá o nome, o Castelo de Belmonte pertence ao distrito
de Castelo Branco, província da Beira Baixa. Situando-se próximo da fronteira com Espanha, o que terá sido
indubitavelmente determinante para a sua existência(5).
Geomorfologicamente enquadra-se no complexo da Cordilheira Central(6),concretamente, no extremo
Norte da denominada Cova da Beira, que resulta da formação de uma bacia tectónica. O Castelo está
implantado num dos inselberges existentes nesta sub-região, o qual é formado por três elevações, tendo a
velha fortaleza medieva sido edificada no cabeço mais a montante.
Geologicamente, este monte-ilha pertence à zona de rochas eruptivas hercinicas(7),de granito porfiróide
de grão grosseiro(8).Com um relevo que datará apenasdo Senoniano, altura em que, segundo H. Lautensach(9),
terão ocorrido alterações várias e complexas que originaram a Cova da Beira.
Do ponto de vista paisagístico, o castelo domina, para Poente, quase toda a encosta oriental da Serra da
Estrela e o vale formado pelo curso médio do Zêzere. Para Norte, controla ainda parte de Serra da Estrela e
do vale encaixado, onde o mesmo rio deixa o seu percurso de montanha, para entrar na Cova da Beira, onde
recebe outros cursos de água, depositando ao longo do seu leito ricos aluviões, responsáveis pela acentuada
fertilidade do seu solo e pela riqueza mineira aluvial da região que, na Antiguidade, foi marcante para a
economia local.
Para Nascente avista-se o prolongamento do sistema montanhoso da Cordilheira Central, contactando-
se visualmente com o castelo de Sortelha, dominando ainda, uma boa parte da Cova da Beira, que continua a
ser o acidente geográfico dominante para o Meio-dia.
3 -Metodologia
Tal como as demais ciências, a arqueologia rege-se por determinados preceitos metodo16gicos que lhe
conferem validade científica e utilidade prática. A definição de um método de intervenção revela-se, à partida,
como um fio condutor que orienta e normaliza a escavação, devendo o mesmo ser suficientemente flexível,
de forma a permitir uma adaptaçãoe uma reacção a todas as inesperadassituações decorrentes de um trabalho
desta natureza, no quadro de uma coerência científica.
Um primeiro contacto bibliográfico com o monumento alertou-nos, desde logo, para a controvérsia em
torno das origens do castelo de Belmonte, sendo várias as incongruências então detectadas,às quais se foram
somandooutras questões,de ordem científica, decorrentes do próprio andamento dos trabalhos arqueológicos.
Assim, considerando-seo método tradicional de Wheeler<IO), partiu-se da planta existente do castelo(II),
na qual se definiram dois sectores de 40 X 40 m, respectivamente:
-Sector IV, que corresponde aproximadamente à metade Norte do perímetro muralhado e, ainda, a
uma parte do seu exterior;
-Sector V, abrangendo a restante metade Sul onde, além do recinto, se inclui a Torre de Menagem e
o edifício anexo, existente junto à entrada principal do castelo, ainda que, neste último caso, esta estrutura se
reparta também por um outro sector (VI)(12).
Por seu lado, estes sectores foram subdivididos por uma malha de quadrados de 5 X 5 m.. aos quais
correspondeu, individualmente, um algarismo árabe. A definição deste tipo de c.oordenadas,permitiu uma
leitura horizontal dos vestígios exumados, mais rigorosa e devidamente referenciada, a que se acrescentaram
outras consideraçõesde carácter altimétrico.
De referir ainda, que, no caso do sector V, se consideraram isoladamente os espaços/compartimentos
passíveis de identificar individualmente. Referimo-nos, concretamente, à Torre de Menagem, ao edifício
anexo da entrada e outros que foi possível individualizar, quer in situ, quer na planta que esteve na base desta
intervenção, os quais foram referenciados com uma letra do alfabeto latino (A, B, C...), dentro dos quais se
numeraram as sondagensefectuadas (AI, A2...)
No que respeita à leitura vertical, esta é obtida através da estratigrafia, aliada às considerações
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altimétricas, relativas à sobreposição das várias estruturas que se foram exumando, e que foram sendo
registadasdurante os trabalhos de arqueologia. A individualização dos estratos identificados, e dos materiais
neles contidos, permitiu a fundamentação das várias informações recolhidas, designadamente com relação à
sua sucessãocronológica.
O facto de uma escavaçãoconstituir uma intervenção irreversível e destruidora do pontp de vista do seu
próprio objecto de estudo, levou-nos a dar uma especial atenção aos registos fotográfico e gráfico da
intervenção, para além dos registos escritos, conforme consta dos relatórios finais apresentados.
4 -A Escavação
Localizado a nascente da entrada principal do castelo, este edifício apresenta uma arquitectura que o
destingue do resto do castelo. Com efeito, ressalta logo de imediato que se trata de uma construção posterior,
encostadaà sua muralha primitiva, à qual, de resto, se encontra adossada,integrando-a como empena traseira.
Durante os trabalhos de campo, este espaço recebeu a designação de compartimento F, tendo apenas
sido realizada uma sondagem (F1) no canto NE, na qual se identificaram dois contextos estratigráficos
distintos. Superficialmente, tratando-se de um pavimento de terra batida, com pouca compactação,
distinguiram-se camadasde revolvimentos recentes, decorrentes do abandono e de algumas reutilizações, que
este teve durante o séc. XX, nomeadamente como prisão municipal.
Um outro contexto estratigráfico detectado, remete-nos para a construção deste módulo,
correspondendo ao aterro então colocado para nivelar o seu piso. Nesta camada recolheu-se bastante espólio
arqueológico, nomeadamente cerâmico, o qual, cronologicamente, abarca um período de tempo que vai da
Idade Média ao séc. XVIII. Assim, parece-nos que a sua construção terá ocorrido entre, os finais do séc. XVIII
e os inícios do séc. XIX. .
Verificou-se ainda, que tanto a sua parede Este, como a parede Norte, a qual corresponde à muralha do
castelo, definindo o cotovelo da entrada do castelo, assentavamdirectamente sobre a rocha granítica. Também
junto da entrada de acessoa este compartimento o afloramentb se encontrava logo à superfície, apresentando
este um acentuadodeclive, no sentido W/E, o que terá obrigado à deposição de entulhos de nivelamento, como
acima se referiu.
Muito embora não tenha sido possível recolher qualquer testemunho acerca da sua funcionalidade
primitiva, parece-nos que este espaço poderia ter servido de casa para o(s) feitor(es) da faIlll1ia Cabra! que,
durante os sécs. XVIII e XIX, mantendo-se como sua donatária, utilizou o castelo, já em ruínas, como
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armazém das rendas que arrecadava na região, facto de que, aliás, as Memórias Paroquiais do 1758 nos dão
conhecimento(15).
Espaço em forma de cotovelo, estruturado entre a entrada principal do castelo e uma segunda entrada
que dá acesso ao recinto muralhado do castelo. Durante a escavação teve a designação de compartimento E
.tendo apenassido feita uma sondagem (El), no canto NE, junto à segunda porta.
Infelizmente, o escassoe incaracterístico material exumado não nos permite tecer grandes comentários,
podendo os mesmos ser posteriormente revistos, caso se venham a efectuar novas sondagensneste espaço.
Todavia, foi possível identificar o que julgamos ser a camada (4) de enchimento e nivelamento deste
espaço, constituída por grandes pedras graníticas informes, onde se recolheram alguns escassosfragmentos
cerâmicos que, por analogia com outros encontrados na restante área intervencionada, parecem apontar para
que a estruturação deste espaço teriha ocorrido durante o século XIV. Uma segundacamada (3), composta por
areão, relativamente compacto, poderá corresponder ao primitivo piso, sobre o qual se depositaram as
restantes duas camadas identificadas, que atendendo ao espólio recolhido, revelam sinais de revolvimentos
recentes.
Parece-nos, portanto, que o acrescento deste espaço, em relação ao castelo primitivo, possa ter
decorrido das destruições provocadas pelos permanentes conflitos que marcaram toda a conjuntura política
nacional durante a segundametade do séc. XIV, ou mesmo durante esseperturbado período, correspondendo,
deste modo, a uma melhoria na eficácia defensiva do castelo. Não é, pois, de estranhar que, tal como sucedeu
no troço Norte da muralha (a que oportunamente nos referiremos), esta tenha sido, também aqui, parcialmente
destruída, muito embora não tenhamos, neste caso, qualquer indício arqueológico. Com efeito, em 1387, o rei,
a pedido do Bispo de Coimbra, outorga um couto de homiziados para Belmonte(16),com o fim de restaurar e
repovoar a vila e o castelo.
Por outro lado, e no que respeita à construção do edifício localizado a Norte, esta deverá ser posterior,
ou contemporânea,ao troço de muralha a Sul, conforme, aliás, se constatou no decurso da escavação nos
compartimentos C e D (cfr. 4.6). De referir, igualmente, a existência de uma troneira direccionada para a
primeira porta de acesso,certamente porque a sua colocação nesta parede teve em atenção esta pré-existência.
Regista-se,do mesmo modo, a existência de arranques de arco em ambas as paredes Norte e Sul, que
sustentariamum pavimento de cobertura superior onde, certamente, poderiam ter existido matacães, a partir
dos quais seria feita uma primeira recepção aos eventuais intrusos.
O facto de essamesma parede Norte apresentardois tipos de aparelho em granito distintos, empregando
na parte inferior exclusivamente cantaria e, ao nível do piso superior, pedra vã pequena, poderá apontar para
dois momentos distintos na sua construção. Por outro lado, na parte superior da parede, no cimo de uma das
suasportas, encontra-seum brasão da faIll11iaCabral, o que, aliado aos resultados obtidos pela escavaçãodos
compartimentos C e D, nos levam a crer que esta foi a primeira obra empreendida por est~ clã no Castelo de
Belmonte.
Neste módulo, que se convencionou designar por compartimento T,'apenas se efectuou uma sondagem
(TI) no canto SW. Não se previam obras de desaterro neste espaço, a não ser a abertura de valas para cabos e
saneamentoe execução de alguns alicerces, relativamente superficiais, para o assentamentode algumas novas
paredesde compartimentação do espaço,previstas pelo projecto de revitalização em curso.
A Torre de Menagem do Castelo de Belmonte, constitui uma estrutura sólida, feita em bons e bem
elaborados silhares de granito da região, siglados na face externa, sem que existam vestígios de qualquer
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ligante entre os mesmos. Tem uma forma paralelepipédica, fazendo-se, actualmente, o acessoao seu interior,
ao nível do piso térreo, através de uma porta existente na parede Norte; ao nível do primeiro piso~ através de
uma segundaporta, aberta nessa mesma parede, a qual deverá corresponder à primitiva e única porta desta
construção.
Ao realizar-se a referida sondagem, reparou-se que esta coincidia, na sua quase totalidade, com um
buraco aberto aquando da intervenção da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, na década
de 40 do séc. XX, o qual, como se constatou, levantou uma parte do lajedo aí existente, formado por lajes
informes e irregulares que, entretanto, se foi pondo a descoberto. No entanto, nomeadamentejunto aos limites
Norte e Este da sondagem, foi possível identificar e escavar na estratigrafia original, constatando-se que a
mesma era bastanteparca em materiais, ficando aquém do desejável.
Sobre o pavimento, registou-se a ocorrência de uma camada (2), composta por telhas e argamassas
amareladas,que deverão corresponder ao abatimento do telhado e do reboco interno que as paredes da torre
possuiram, certamente na época da família Cabral. A forma como os referidos sedimentos se encontravam
dispostos, sugere que esta deposição tenha sido progressiva, o que, obviamente, nos leva a concluir que tal se
tenha verificado durante a fase de abandono do castelo, tendo esta camada sido deliberadamente aterrada pela
intervenção dos anos 40.
Sob o lajedo, detectaram-se apenas duas camadas distintas. Uma primeira camada (3) relacionar-se-á
com a colocação deste pavimento, tendo-se exumado algum espólio cerâmico e numismático, que aponta para
cronologias entre o sécs. XV e inícios do XVI. A segunda camada identificada (4), sendo relativamente
compacta, era caracterizada por uma composição de saibro e bastantes lascas de granito, devendo ser coeva
da construção da Torre, mas sem qualquer vestígio antrópico, facto que não nos permitiu confirmar a
cronologia desta construção, a qual, segundo Damião Peres, terá ocorrido na segunda metade do séc. X111(17).
A abertura desta sondagem permitiu-nos, não obstante, constatar que a Torre assentava directamente
sobre o afloramento granítico, notando-se que nos locais onde este era mais inclinado e profundo, os alicerces
das paredes eram constituídos por silhares sobrepostos, em fiadas salientes, conferindo maior solidez ao
f';clifici0-
Escavações Arqueológicas no Castelo de Belmonte (1992-1995)
Uma vez terminada esta escavação, procedeu-se à remoção de todas as terras que cobriam o resto do
lajedo, com o objectivo de o vir a integrar no arranjo previsto pela Revitalização em curso, verificando-se que
o mesmo, em sítios onde o afloramento é mais superficial, o integra, sem se recorrer ao uso de lajes.
Podemos,pois, concluir que a Torre, após a sua edificação no séc. XIII, sofreu obras nos inícios do séc.
XVI, altura em que foi colocado o lajedo e, muito provavelmente, aberta a porta que hoje dá acessoao piso
inferior, bem como as portadas de varandas, existentes nas fachadas Se W, fechadas pela D.G.E.M.N. nos
anos 40. Em nosso entender, e à semelhançado que ocorria com outras Torres de Menagem de outros castelos,
primitivamente só existiria uma porta de acesso ao interior, ao nível do primeiro andar, à qual se acederia
através do adarve da primitiva muralha, ou, eventualmente, recorrendo a uma pequena escada levadiça.
4.4 -Compartimento A
Este compartimento localiza-se no canto formado pela par.edeNorte da Torre de Menagem e pela parede
onde se abre a janela manuelina. Antes do início das obras, existia um alicerce, bastante superficial, que o
separavado compartimento que se denominou com a letra E e que o delimitava a Este.
Tratava-se de um espaço onde o afloramento rochoso estava muito à superfície, tendo-se realizado
apenasuma sondagem (AI) no canto NE do compartimento, da qual apenas resultou a identificação de uma
camada humosa, bastante recente e arqueologicamente estéril, sob a qual se limpou, de imediato, o leito
rochoso.
No que respeita ao referido alicerce Este, constatou-se que este assentava na rocha, acompanhando a
sua configuração. Feito em pedras graníticas informes, sem qualquer tipo de ligante, foi limpa a soleira de uma
porta, através da qual se faria a comunicação com o compartimento E. O seu primitivo pavimento deveria ser
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de terra batida, integrando o próprio afloramento rochoso, no qual se encontraram alguns sinais de
desbastamentoe alisamento.
Assim, nada se adiantou acerca das expectativas de eventualmente vir a encontrar vestígios da primitiva
muralha, destruída, ou no séc. XIV pelas conflitos com Castela, ou já no séc. XVI, na sequência das obras
empreendidaspelos Cabrais, nomeadamentepara a construção da parede onde se abre a janela manuelina.
A realização de uma sondagem na metade Sul, poderá vir a fornecer elementos mais esclarecedores
acerca deste compartimento. Este local foi aterrado, em resultado das obras de revitalização, sem que se
tenham registado quaisquer remeximentos.
4.5 -Compartimento B
A Este do compartimento anterior, procedeu-se apenas à abertura de uma sondagem no canto SE,
formado pela parede da Torre, a Sul, e pela parede Oeste do compartimento C, a Este.
Após a remoção de uma primeira camada humosa e de cronologia recente, limpou-se uma calçada de
lajes graníticas informes, havendo, contudo, algumas mais ou menos rectangulares que, uma vez removidas,
se assemelhavam a pequenos silhares paralelepipédicos, o que nos leva a crer que se tratem de pedras
reaproveitadas, provavelmente retiradas de uma qualquer parede ou muralha então demolida, ou ainda de
destroços resultantes das destruições ocorridas durante a segunda metade do séc. XIV.
Ao proceder-se ao levantamento parcial do pavimento detectado, verificárnos que este assentavanuma
camada (3), a qual encerrava poucos materiais, atribuíveis aos sécs. XV/XVI, nomeadamente cerâmicas
vidradas e espólio vítreo. Entre aquela camada e a rocha identificou-se uma outra, idêntica à (4) da Torre de
Menagem a qual, todavia, também não nos forneceu qualquer tipo de informação, sendo arqueologicamente
estéril.
A realização desta sondagem permitiu-nos constatar que o alicerce da Torre de Menagem assentava
directamente sobre a rocha, registando-se também no exterior a sua construção em fiadas salientes de silhares
"~~-"S!,, BEIRA INTERIOR -História e Patri",nnio. Guarda. ?000
sobrepostos. Observou-se, de igual modo, que a parede Sul dos compartimentos C e D encostava à parede Este
da Torre sendo, contudo, solidária com a parede Este do compartimento B e, portanto arnbas contemporâneas.
Neste local a obra de revitalização promoveu o seu aterro, pelo que não houve prejuízos ao nível dos
vestígios arqueológicos.
4.6 -Compartimentos C e D
Estes dois compartimento situam-se no módulo construtivo que delimita, a Norte, a entrada em
cotovelo, localizando-se a Oeste da entrada do recinto muralhado. Ao iniciarmos estes trabalhos, era possível
identificar no seu interior, a existência de doi~ espaços distintos, delimitados pela ruína (alicerce) de uma
parede existente ao meio, com orientação s/r;it. Desta forma, designou-se por C o compartimento a Oeste
daquela parede central e por Do coinparti.tne6to localizado a Este.
Uma outra particularidade que na altura se registou, foi o facto de os primitivos pavimentos eql tijoleira,
se encontrarem ainda parcialmente conservadose à superfície, pelo que se apresentavambastante fragilizados
e fragmentados.Apenas no compartimento D, junto à parede Este, existia um espaço em que o pavimento era
formado por pequenaslajes de granito informes, tratando-se, como posteriormente se constatou, de um arranjo
mais recente.
No que respeita ao compartimento C, procedeu-se à abertura de duas sondagens, uma no canto SW,
designadacomo Cl, e uma segunda, denominada por C2, no canto NE, encostada ao alicerce da parede que
separaos dois compartimentos.
Uma vez levantado o referido pavimento, notou-se que existia uma camada (3), para assentamentoda
tijoleira, na qual se recolheram, entre outros, materiais cerâmicos (faianças, cerâmicas vidradas, etc.) e vidros,
cujo horizonte cronológico aponta para inícios do séc. XVI. Esta mesma camada, na sondagem C2 cobria a 259
sapatada parede Este, revelando-se, por conseguinte, como um estrato de enchimento colocado aquando da
divisão deste espaçoem dois compartimentos distintos.
Entre a camada (3) e a rocha registou-se a ocorrência de outras duas camadas, (8) e (9), com interesse
arqueológico. Sendo que a camada (8), parece ter sido interrompida para a construção da parede Este, sem
que, infelizmente, se tenha recuperado espólio que nos permita aferir qualquer informação de ordem
cronológica. O mesmo sucedecom a camada (9), a qual, assentavadirectamente sobre a rocha, caracterizando-
-se por bastantescarvões e alguns fragmentos de telha de cano, o que poderá indiciar uma qualquer destruição,
sobre a qual foi construído este módulo.
No que respeita ao compartimento D, também se procedeu à abertura de duas sondagens: a sondagem
Dl, no canto SW; e a sondagem D2, no canto NE. De salientar que o espaço de implantação da D2
correspondia ao local onde a tijoleira dava lugar a um pavimento em lajes de granito, como já se havia
referido.
Na sondagem Dl a camada (3), de assentamentoda tijoleira, à semelhança do que referimos para o
compartimento C, dava lugar a uma outra camada (6), sobre a qual se limpou uma estrutura circular, encostada
à parede Sul do compartimento, formada por cinco grandes pedras graníticas informes, em cujo centro existia
uma pedra de cantaria, com um pequeno talhe quadrangular na face superior (fot. 1). No interior desta
estrutura, sobre a referida pedra, encontrou-se uma panela cerâmica completa (fig. 18), se bem que
fragmentada, o que nos sugere que se possa tratar de uma lareira, apesar da camada (4), que lhe estava
associada,não possuir muitos carvões.
A referida camada (6), sendo bastante solta, revelou não se tratar de um primitivo pavimento deste
módulo, mas sim o enchimento colocado aquando da construção deste módulo, no qual se recolheram diversos
fragmentos cerâmicos (comum e alguns frags. vidrados) que apontam para uma cronologia entre os finais do
séc. XIV e inícios do XV (fig. 6).
A abertura da sondagem D2 permitiu constatar que o lajedo existente era posterior ao pavimento em
tiioleira, bem como observar que as paredes Este e Norte eram solidárias ao nível dos alicerces. De referir
Escavações ArQueol6j(icas no Ca"telo de Belmonte ( 1992-1995)
ainda que foram identificadas diversas incursões recentes, nomeadamente a base de dois postes de madeira,
que, certamente, terão pertehcido às estruturas de madeira, colocadas por diversas vezes durante o século XX,
para a realização de touradas.
Deste modo, podemos concluir que todo este núcleo, em que se localizam estes dois compartimentos,
terá sido erguido ainda na primeira metade do séc. XV, ou seja durante aquela que considerámos com a 3afase
do castelo (cfr. 5), tratando-se, inicialmente, de um único espaço amplo. No que respeita à sua funcionalidade,
a existência de uma eventual lareira (fot. 1), limpa no compartimento D, como atrás referimos, sugere-nos a
existência de uma área habitacional, provavelmente para o alcaide e para os seus homens. Como afirmámos
anteriormente (cfr. 4.2), julgamos que este edifício poderá corresponder à primeira obra levada a cabo pela
falll11iaCabral no castelo.
Ainda a respeito da parede Sul que, como se disse, delimita a entrada em cotovelo, ela apresenta, no
lado Oeste, uma troneira oblíqua, a que já nos referimos (cfr. 4.2), com uma boca de fogo circular,
direccionada para a porta principal, tratando-se este de um elemento arquitectónico que começa, a partir dos
finais do séc. XIV, a ser introduzido na arquitectura militar, como resposta ao desenvolvimênto da arte militar
pirobalística(18).
A construção de uma nova parede ao centro, no século XVI, veio compartimentá-lo, dando-lhe,
certamente, uma nova funcionalidade, já num outro contexto 0° percurso histórico deste monumento, ao qual
nos referiremos mais adiante.
No que respeita à intervenção da obra neste local, convém referir que, actualmente, aqui se encontra
instalado o palco do anfiteatro, tendo o mesmo sido construído em desaterro, implicando a remoção dos
alicerces das paredes central e Norte, utilizando como limites a paredes Sul, Este e Oeste da edificação que
ora nos conceme, as quais delimitam e servem de fundo à sua cena.
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Dentro do perímetro a céu aberto definido pela muralha do castelo, o espaço repartiu-se pelo sector que
se convencionou designar por V, que corresponde, aproximadamente, à metade Sul, pertencendo a restante
área Norte, ao sector denominado como IV. Como já se referiu, foi no sector V que o projecto de revitalização
do castelo teve um impacto mais acentuado.
Com vista à minimização do impacto decorrente das obras de engenharia previstas, a primeira
campanha de escavações visou sobretudo este sector, procedendo-se à abertura de diversas sondagens,
privilegiando-se sempre os locais onde a obra incidisse em desaterro. De referir que neste espaço se
detectarambastantesestruturas, para as quais nem sempre foi possível definir um contexto claro e inequívoco.
No presente artigo não enumeraremos, nem tão pouco descreveremos, todas as estruturas descobertas, mas
apenasaquelas que se nos afiguram como sendo as mais importantes, reveladoras das sucessivasocupações
identificadas.
Ao centro, onde seriam instaladas as bancadas do anfiteatro(19),abriram-se as sondagens25, 28, 34, 35
e 36, do sector V; junto à muralha Oeste, escavaram-seas sondagens49, 50, 57 e 58 do sector V, e as 56, 63
e 64 do sector IV, no local destinado à construção de um edifício para sanitários e arrumos.
Assim, no que respeita à intervenção feita nas sondagensV. 25, 28, 34, 35 e 36, convém referir que,
relativamente às quatro últimas, foram poucos os resultados obtidos, uma vez que neste local o afloramento
rochoso estava bem à superfície, apresentando,em alguns locais, sinais de ter sido afeiçoado, desconhecendo-
-se, todavia, quando tal tenha ocorrido. No que respeita à estratigrafia, esta revelou tratar-se de uma zona
sujeita a revolvimentos recentes, eventualmente dos anos 70, altura em que, segundo alguns autóctones, foi
aberta uma grande vala de orientação E/W, aparentementesem qualquer objectivo concreto.
No caso da sondagem V.25, a sua escavaçãocolocou a descoberto uma conduta em pedras graníticas
(fi!!. 1). com orientacão e inclinacão SW/NE Que.atendendo à estrati!!rafia Que lhe estava associada.terá sido
~~IR A INTERIOR -História e p"trimnnin. Guarda. 2000
t"'o.
pgs. -~~
253-286 ---
construídajá no século XVI (fig. 7). Esta estrutura faria a ligação entre a ala Oeste do Paço dos Cabrais e o
poço/cisterna,identificado posteriormentenas sondagensIV. 23 e 24, ao qual adiante nos referiremos. Podemos,
pois, estar perante uma tentativa de arrnazenamento de águas pluviais, respondendo a problemas de
abastecimentode água que o castelo certamenteteria, decorrentesnão somente da sua localização topográfica,
mas tarnbémdos Verões secose quentes,que caracterizam a região.
Nesta mesma sondagem, foram limpos dois silos (figs. 7 e 8) escavados na rocha, cujos entulhos
[camadas (18) e (19), no caso do silo 1, e (21) no silo 2], atendendo ao considerável espólio exumado(20)
(cerârnicas(21)
e monetário(22J),
apontam para que os mesmos tenham sido desactivados nos finais da segunda
metade do séc. XIII (figs.14, 15, 16 e 17). Estas estruturas de arrnazenamento constituem, assim, um
testemunhoda ocupação deste espaço, durante os séculos XII/XIII, ainda com fins habitacionais.
No que respeita à restante estratigrafia identificada, a camada (16) parece corresponder a um grande
aterro colocado na segundametade do séc. XV (fig. 7), o qual cobria dois alicerces de pedras graníticas, sem
ligante entre si, existentes do lado Este da sondagem, os quais, estando implantados directamente sobre a
rocha, certamente corresponderam a estruturas anteriores ao séc. XV. Acrescente-se, ainda, que er~ sobre esta
séc. XVII.
E.cavacõe. Aroueo1ó"ica. no Ca.t.e1ode Re1mont.e(11)1)2-11)1)5)
Ainda neste mesmo espaço, descobriu-se um alicerce que, pela sua superficialidade, diferença
tipológica e contextualização estratigráfica, deverá ter pertencido a uma construção do século XVIII, altura
em que, de acordo com as Memórias Paroquiais a que já aludimos (cfr. 4.1), o castelo foi utilizado como
armazém das rendas que os Cabrais arrecadavam na região.
No lado Oeste da porta Norte do castelo, as escavaçõescolocaram a descoberto outros alicerces que
estariam ligados à fase cabralina do castelo.'Estes assentavam numa camada de aterro (4), que encerrava
materiais dos sécs. XV /XVI (nomeadamente faianças brancas e azuis e brancas, cerâmicas vidradas, vidros,
etc.) devendo, nesta zona, ter funcionado áreasde serviço e de arrumo, de apoio ao Paço. Com efeito, a forma
como os alicerces do séc. XVI, limpos nos quadrados IV.46/53/54, terminam (fig. 1), sem que exista um outro
alicerce transversal, sugere que, neste espaço, os compartimentos se estruturassem em telheiros, tendo-se
limpo, no quadrado IV.44/45, o fundo de um tanque escavadono afloramento (fot. 8), o qual ainda conservava
alguns vestígios das respectivas paredes laterais, em lajes de granito afeiçoadas unicamente na face interna da
estrutura.
No que respeita a vestígios da ocupação medieval nesta area, procedeu-se à li)Jlpeza de dois alicerces
que, implantados sob os outros acima referidos e pela sua contex!Ualização estratigráfica, c"bertos pela
referida camada (4), parecem estar associadosàs camadas IV.53 (6), (7), (7a), (8) e (9). Destas, a camada (6)
parece corresponder ao derrube de um telhado, sob o qual surgiu um estrato, exclusivamente constituída por
saibro, cinzas e carvões (7a), que deu lugar à (7), na qual se recolheram diversos fragmentos cerâmicos
atribuíveis aos séc. XIII.
De referir, ainda, que relativamente a estes alicerces, o alicerce limpo nos quadrados IV.53/54/62,
apresenta uma configuração pouco vulgar (fot. 6), pois, nascendo na muralha, com uma orientação
aproximada de E/W, subitamente flecte, assumindo uma orientação NW/SE, estando o mesmo implantado, ora
262 sobre a rocha, ora sobre a camada (10) de saibro, arqueologicamente estéril. Parece-nos,por conseguinte, que
se trata do resto de uma construção efectuada durante, aquela que consideramos ser a segunda fase da
ocupação do castelo (cfr. 5).
No que respeita ao alicerce da muralha, constata-se que, neste local, tal como nos restantes espaços
intervencionados, esta se implanta directamente sobre a rocha. Contudo, o seu sistema construtivo é diferente,
distinguindo-se pela verticalidade do seu paramento, sem fiadas salientes, e com silhares que apresentamum
tratamento mais irregular, se compararmos com os alicerces da Torre de Menagem. Aliás, esta diferença
construtiva é visível, sensivelmente, a partir do local onde foi construída a escadade acessoao adarve, no lado
Oeste, coincidindo com o quadrado IV.63.
No que respeita à intervenção realizada junto à muralha Este, a maior parte dos alicerces estão, mais
uma vez, relacionados com a ala Este do paço cabralino. De acordo com a estratigrafia subjacente [camada
(10) IV. 15/23 e (13)IV.16], esta parte do paço deverá ter sido edificada entre o terceiro e quarto quartel do séc.
XV, tendo sido recolhido espólio cerâmico diverso (incluindo algumas faianças brancas) e ceitis de D. Afonso
V, entre outros materiais.
Ainda relativamente às estruturas cabralinas, no quadrado IV.22 limparam-se os resquícios do
pavimento primitivo de um compartimento, feito em pequenaslajes de granito informes. Já no quadrado IV. 16
foi possível limpar um outro pavimento igual, melhor conservado, sem que, porém, se tenha escavado a
totalidade do compartimento em que está inserido, uma vez que os trabalhos da obra, então em curso
simultaneamente, procederam ao aterro de todo o espaço a Sul desta sondagem.
Sobre o pavimento acima referido, decaparam-seduas camadas (fig.5), (6) e (8) que, atendendo à sua
composição, com muitas areias soltas e em conglomerados, também deste lado indiciam a existência de
construçõescom utilização de taipa. A ocorrência de bastantescarvões, no caso da camada (8), e muitas telhas
partidas na (6), parecem denunciar o abandono deste espaço, ao qual se terá seguido um incêndio. Os poucos
materiais arqueológicos exumados na camada (6), nomeadamentecerâmicas de vidrado verde e amarelo com
pasta esbranquiçada,bem como faianças azuis e brancas, ao que se poderá acrescentara inexistência de outras
cerâmicasmais recentes, encontradasnoutros contextos estrati~ráficos do castelo, não nos permitem datar este
pgs. 253-286
abandonopara além do séc. XVI/inícios do XVII, o que nos leva a supor que esta ala tenha sido desactivada
e descurada,ainda durante a fase de permanência da faIn11iaCabral no castelo.
De referir, também, a limpeza de um outro pavimento no quadrado IV.15 (fot. 3), com características
muito particulares. Com efeito este piso, que apresentava Un}a configuração semicircular, era composto por
seixosrolados, bem compactados numa camada de saibro, sendo delimitado por um anel de pedras graníticas
informes, bem imbricadas. Infelizmente ignoramos a sua funcionalidade, todavia, a proximidade com o
poço/cisternapoderá sugerir-nos uma qualquer relação entre estas duas estruturas.
No que respeita aos testemunhos da ocupação anterior à transformação do castelo em paço senhorial,
apenasnos podemos referir com segurançaa três alicerces exumados, os quais, no entanto, se reportam a duas
fases distintas da época medieval, como adiante veremos. São eles o alicerce limpo nos quadrados
IV.20/21/28/29, junto ao ângulo formado pelo cunhal, que a muralha descreve neste local; um pequeno
alicerce posto a descoberto no quadrado IV.15, imediatamente a NE do poço/cisterna; e ainda um alicerce
semi-destruído, no quadrado V.17.
Relativamente à primeira estrutura referida, verifica-se que ela apreseJltauma boa técnica construtiva,
mais uma vez sem recurso a qualquer tipo de ligante, com silharia de formato irregular, que osctla entre o
rectangular e o quadrangular (fot. 5), colocada em duas fiadas paralelas, com enchimento de pedras e saibro,
com as faces expostas relativamente bem afeiçoadas. Está implantada directamente sobre a rocha, no caso do
alicerce Sul (fig. 2), e sobre a camada (19) o alicerce Oeste, relacionando-se a última com o saibro natural.
Com a continuação da escavaçãopara Este, procedendo-se à abertura dos quadrados IV.20/21, notou-
se que ela encostava à muralha, denunciando tratar-se de uma construção posterior; registou-se, de igual
modo, que assentavasobre uma outra camada (25), na qual se recolheram exclusivamente cerâmicas dos sécs.
XII/XIII, devendo, portanto, tratar-se de uma edificação ligada à segunda fase de ocupação (cfr. 5).
Do lado Norte da estrutura, foi possível identificar as camadasde destruição (11) e (12) que lhe estavam 263
associadas,caracterizadas por carvões e pedras de tamanho maior, cujo espólio exumado é constituído,
sobretudo, por material cerâmico, semelhante ao encontrado nas camadas mais antigas, coevas dos
sécs.XIII-XIV, identificadas durante estestrabalhos arqueológicos, juntamente com dois fragmentos vidrados
verdes(23)(fig. 10) que, de acordo com algumas analogias, nos obrigam a avançar a cronologia desta estrutura
para a primeira metade do séc. XIV.
Ainda neste espaço, observa-se que a muralha apresenta uma configuração diferente, quando
comparada com os restantes troços a que já aludimos, apresentandoum cunhal em ângulo quase recto, mais
vulnerável no que respeita a uma tentativa de desmontagem perpetrada por eventuajs ataquesde forças hostis.
Com efeito, ela encontra-se construída sobre uma sapata de pedras, muito bem imbricadas, (fot. 5) sem
qualquer ligante, assentandosobre o alicerce Oeste da estrutura referida no parágrafo anterior, sobrepondo-se
igualmente às camadas (11) e (12), que serão contemporâneas da camada (17), detectada no lado Sul da
sondagem(figs. 2 e 11).
Ao observar-seo corte estratigráfico da fig. 2 poderíamos considerar que a camada (6) corresponde ao
estrato associado à sua construção, todavia, considerando o tipo de materiais que esta encerrava,
nomeadamentefaianças brancas e vidrados verdes e amarelos com pastas esbranquiçadas, julgamos que a
mesma se relaciona com as obras de edificação do Paço cabralino, já em meados da segunda metade do séc.
XV, ou mesmo posteriormente, as quais, como já referimos, foram, certamente, responsáveis por grandes
remeximentos do subsolo, quer neste local, quer em todo o perímetro do castelo.
Relativamente ao alicerce detectado no quadrado IV.15, a profundidade a que ele se encontra (cerca de
3,5 metros), a sua implantação e o seu contexto estratigráfico (fig. 4; fot. 4) -coberto por uma camada de
aterro (24) colocada com a construção do troço Este da muralha, na qual se recolheram dinheiros e fragmentos
cerâmicos coevos dos séculos XII/XIII(24) -apontam para que se trate da estrutura mais antiga detectada,
anterior à edificação do que hoje subsiste do castelo de Belmonte. Trata-se de um pequeno fragmento de
alicerce, em pedra vã, assentedirectamente sobre a rocha, que terá sido desbastadapara o efeito, num local
onde a topo~rafia do terreno parece ter sido, primitivamente, bastante acidentada.
Escavações Arqueológicas no Castelo de Belmonte (1992-1995)
No quadrado V.17 colocou-se à vista um outro alicerce que, como se referiu, se apresentavabastante
destruído, também em pedra vã granítica, não afeiçoada. De referir que esta estrutura se implantava. do lado
Oeste, directamente sobre a rocha, no entanto, do lado Este, ele sobrepunha-se à camada (24a), na qual se
exumou o mesmo tipo de materiais da camada de aterro do troço Este da muralha e, ainda, alguns escassos
fragmentos cerâmicos, de pasta alaranjada e avermelhada mais fina, que apontam já para uma cronologia
posterior, certamente dos meados do séc. XIV.
Um outro vestígio da ocupação medieva do castelo está patente nos dois silos que foram limpos no
quadrado IV.23, em cujo entulho (27) se recolheu material cerâmico, bastante fragmentado, e dois meios
dinheiros, atribuíveis ao séc. XIII (fig. 9; fot. 4).
A realização de escavações nesta área do recinto muralhado do castelo, permitiu identificar a
estratigrafia que se articulava com a edificação do pano amuralhado a Este (fig. 4). Assim, constatou-se que
a mesma terá sido edificada na segunda metade do séc. XIII, atendendo ao enorme aterro então colocado,
assinalado pelos estratos (24), (28) e (29) que, além de cobrirem um alicerce a que já nos referimos,
promoveram o nivelamento do terreno. Aliás, a observação do' corte da fig. 4 permite-nos, de igual modo,
identificar um segundo grande aterro, este colocado aquando da edificação da ala Este do Paço cabralino,
representado pelas camadas (10) e (21), pese embora a primeira se relacione, mais directamente, com o
pavimento semi-circular em seixos, a que atrás fizemos refer~ncia, e cujo alçado N se pode observar nesse
mesmo desenho estratigráfico.
Ainda neste espaço identificou-se um outro elemento que é, em termos estratégicos, vital para a
existência e funcionalidade do castelo -o poço/cisterna(25) (fot. 7), designação que assumimos, uma vez que a
sua escavaçãonão foi ainda concluída. Não obstante, a existência de uma conduta inclinada na sua direcção,
com orientação SW/NE nos induza a interpretar esta estrutura como sendo uma cisterna.
264 De salientar o facto de, ao longo das várias alterações topográficas a que o espaço foi sendo sujeito, as
paredes, feitas em cantaria bem afeiçoada nas faces internas, que lhe dão uma forma aproximadamente
quadrangular, terem sido alteadas, acompanhando os sucessivos aterros realizados, devendo, deste modo ser
um dos elementos mais antigos deste conjunto arqueológico.
A escavaçãoiniciada neste elemento revelou que o mesmo terá sido desactivado durante o séc. XVI,
eventualmente XVII, porquanto, no entulho entretanto removido(26),não foi encontrado qualquer elemento que
nos permita definir uma cronologia mais tardia, nem tampouco nos parece o entulho usado ter resultado da
deposição de destroços pós-incêndio, dada a quase inexistência de carvões. Na parte superior, a existência de
pedras de cantaria com um rebordo alteado, formando como que uma moldura em todo o seu redor, sugerem
que o mesmo teria lajes que, estando colocadas na vertical, formariam a sua boca.
4.8 -Exterior
Na envolvente do castelo apenas se intervencionou no lado Norte, junto à porta traseira existente,
vulgarmente tida como sendo a porta da traição. A existência à superfície de uma estrutura em silharia,
encostadaà muralha, com orientação N/S, do lado Este da referida porta, terá constituído o leitmotiv para a
realização de escavaçõesneste local. Deste modo, procedeu-se à abertura dos quadrados IV.18/l9/26/27, do
lado Este da porta traseira, e dos quadrados IV.43/44/52/53, do lado Oeste.
No que respeita à intervenção do lado Este, limpou-se a estrutura do que nos pareceu ser um torreão ou
cubelo, que ocupava cerca de metade deste espaço, até ao cunhal descrito pela muralha, preservando-seainda,
o seu alicerce Oeste, o qual, aliás era visível antes da intervenção.
Trata-se de uma estrutura em boa silharia de granito, bem talhada, siglada com elementos muito simples
(X, cruzes e traços), substancialmente diferentes das siglas existentes na Torre de Menagem. No que respeita
à sua técnica construtiva, o alicerce assentava directamente sobre o afloramento rochoso, notando-se nos
locais onde os silhares já haviam sido removidos, que o mesmo foi "esculpido" por forma a que os blocos de
granito encaixassemna própria rocha (fot. 9)(27).No caso dG-alicerce Oeste, a silharia está disposta em duas
fiadas paralelas, com enchimento de pedras e saibro bem compactado.
No que respeita à estratigrafia, constatou-se que, infelizmente, toda esta zona havia sido sujeita a
remeximentos recentes. Todavia, atendendo às informações recolhidas no interior do recinto, acerca da
construçãodeste troço de muralha, parece-nosque a sua construção deverá datar dos inícios do séc. XV, altura
em que a mesma foi reparada, observando-se que a muralha e o alicerce Oeste do torreão não são solidários.
De referir igualmente, que nesse mesmo lado Oeste da referida estrutura se limparam algumas lajes
graníticas, ainda in situ, que certamente denunciam a existência, em épocas anteriores, de uma servidão
lajeada de acesso à porta, assentessobre a camada (5), relativamente compacta, ainda que apresente alguns
sinais de revolvimento, a qual, sendo parca em materiais arqueológicos, não permitiu informações
cronológicas seguras.
A Norte do torreão descoberto, limpou-se um alicerce de pedra vã em granito que acompanha,
aproximadamente, o percurso da muralha a uma distância que varia, de Este para Oeste, entre 7 e 4 metros.
Este alicerce parece ter sido construído em duas fases distintas, uma vez I que apresenta dois muros que
encostam, sem que imbriquem um ao outro. Julgamos que, apesar da sua aparente pouca s~idez (daí
provavelmente o seu posterior reforço), se trataria de um murete de contenção de terras, que preservaria a.
existência de uma pequenaplataforma neste local, impedindo o deslize de terras pela encosta, eventualmente
pertencentea um dos baluartes referidos por Pe. Luís Cardoso em meados do séc. XVIII(28).
Relativamente à escaváçãodos quadrados IV.43/44/52/53, além de se ter continuado a limpar o suposto
murete de sustentaçãode terras (fot. 10), que neste local era bastante residual, constatou-se que a muralha
deverá ter sofrido um arranjo posterior à sua construção primitiva. Com efeito, ao limpar-se o seu alicerce,
observou-seque este não coincide com a actual face da muralha, assentandosobre uma sapataem pedra, cuja
face exposta se apresentabem afeiçoada, semelhante à restante cerca, ao contrário da sapata limpa no IV.28, 265
devendo certamente corresponder ao traçado inicial da muralha, anterior à destruição do séc. XIV. Por
conseguinte, parece-nosque a mesma terá sido reconstruída com menor espessura,e a sua porta d~ "traição"
deslocada mais para Nascente, em relação à sua localização primitiva, tal como se observa pela flexão
arredondadaexistente na face inicial da muralha (fot. 10).
Ainda no exterior, no afloramento granítico em que o castelo assenta,do lado Oeste, próximo da parede
que ostenta a janela manuelina, registámos a ocorrência de uma linha de sulcos escavadosna rocha, mais ou
menos contígua à muralha, presumivelmente para assentamentode construções. Também em frente à Torre de
Menagem, nesse mesmo afloramento, se observa a existência residual de alicerces, que se preservaram
encaixados nos sulcos abertos na rocha.
No que respeita aos vestígios acima referidos, muito embora não disponhamos de qualquer informação
arqueológica, entendemos que os mesmos poderão estar relacionados com os baluartes descritos no séc.
XVIII, não sendo todavia de excluir a hipótese de os mesmos estarem igualmente relacionados com algum
tipo de barbacã, de construção anterior, o que neste último caso poderia explicar os dois muros encostados,
limpos no lado Norte, aos quais já nos referimos.
De referir, também, a existência de uma segundatroneira na estreita parede que liga a muralha, à parede
da janela manuelina, a qual nos parece estar descontextualizada, devendo ter sido remontada neste local, no
séc. XVI, por razões de ordem estética, ou de prestígio.
5-CONCLUSÕES
com o recém restaurado bispado egitaniense, com sede na cidade da Guarda, em 1199. Só nos finais do séc.
XIII, após intervenção papal, o pleito entre as duas Sés, pelo domínio "espiritual" neste espaço geográfico,
terminará(40)
.
Deste modo, já em plena posse do espaço e com as devidas autorizações, o bispo de Coimbra
empreenderáa construção da actual fortaleza, alterando substancialmente a topografia do terreno, confonne
nos dão nota os resultados das escavaçõesarqueológicas, nomeadamente do lado Este, como analisámos ao
longo deste trabalho.
Desta fase -para além da muralha, construída logo num primeiro momento, a qual posterionnente,
ainda sofrerá algumas alterações -datarão, de igual modo, algumas outras construções feitas no interior do
recinto que esta definiu e dos quais encontramos alguns vestígios de alicerces descontextualizados.
Concretamente,e a título de exemplo, podemos referir a estrutura exumada no lado NE, provavelmente com
fins militares, uma vez que, além dos interesses particulares do bispado, a sua função politico-militar, no
contexto nacional, não pode ser ignorada.
Com a assinatura do Tratado de Alcanizes em 1297, que deterrnin'ará o desvio da fron~eira luso-
castelhanamais para Oriente, a sua importância estratégico-militar decai, contudo, o castelo de Belmonte
assumeas suas funções militares, integrando-se numa segunda linha de defesa da fronteira que, durante as
guerras femandinas, se mostrará activa.
A construção da Torre de Menagem, separada do recinto fortificado ter-lhe-á então conferido um
aspectosemelhanteao que actua1menteapresentao castelo de Vilar Maior (Sabugal), devendo corresponder,
estanova edificação, a segundo momento construtivo do monumento, certamente ainda antes da assinatura do
referido Tratado.
Em nosso entender esta fase terminará com a destruição parcial do castelo, acompanhada pelo
despovoamentoprovocado pelas Guerras Femandinas, assim como pela crise dinástica dos finais do séc. XIV.
267
3a fase
Como afirmárnos anteriormente, o afastamento da fronteira para nascente, após 1297, tirou alguma da
importância estratégico militar do castelo. No entanto, com a instabilidade política e os permanentes conflitos
com o vizinho reino de Castela e Leão, que caracterizaram a segunda metade do séc. XIV, o Castelo de
Belmonte reafIrmará o seu desempenho na defesa da integridade nacional, sendo claros os sinais que este
estudo de arqueologia permitiu recuperar e aos quais já nos referimos mais detalhadamente, ao longo do texto.
Resumidamente, sabemos que deste conturbado período resultou a destruição parcial da muralha da
parte Norte e, eventualmente também, no lado oposto. Esta situação é-nos de resto confirmada pela Carta de
Couto para vinte homiziados que, em 1387, O. João I outorga a Belmonte, a pedido do Bispo de Coimbra, que
"...nos disse que o sseu castello de bellmonte he muy despouado por Rezam desta gerra... "(41).
Assim, durante esta fase, que se poderá localizar entre 1387 e 1466 (doação, a título hereditário, do
castelo e senhorio de Belmonte à faffillia Cabral), registou-se arqueologicamente a reedificação do troço de
muralha Norte a que já aludimos. A estruturação da actual entrada em cotovelo, com a construção simultânea
do edifício localizado a Norte, e no qual, como se referiu, existe uma troneira direccionada para a primeira
porta (cfr. 4.2), também terá ocorrido durante esta fase.
Ainda que as informações arqueológicas recolhidas não tenham, neste aspcto, sido muito concludentes,
parece-nosque o torreão/cubelo descoberto no exterior, do lado Norte do castelo, também tenha sido erigido
nesta fase (cfr. 4.8).
Sem entrar em grandes detalhes de âmbito historigráfico, parece ser, de igual modo, durante este
período, que o senhorio do castelo é permutado, em 1392, pelos bispos de Coimbra, com Martim Vasquesda
Cunha, em troca do senhorio de Coja e S. Romão, com consentimento régio. Em 1397, O. João I confisca-o
ao seu novo tenente, passandoo rei, a partir de então, a nomear para a alcaidaria do castelo um homem da sua
~nnf1"n('" () p..~colhidofoi Luís Álvares Cabral, ao qual sucederá, por nomeação do monarca, o seu filho
Escavações Arqueolój(icas no Castelo de Belmonte (!992-1995)
Fernando Álvares Cabral e depois o seu neto, Fernão Cabral que, como já se referiu, em 1466, verá esta
nomeaçãoganhar um carácter heredit~io, por vontade de D. Afonso V, elevando a sua alcaidaria a alcaidaria-
-mor.
43 fase
S3 f~~e
o abandonoa que o monumento é votado, na sequência do referido incêndio, não é, todavia total. Com
efeito, durante este período que se estende praticamente até aos nossos dias, o castelo irá, pontualmente,
desempenharoutras funções.
Conforme já referimos (cfr. 4.8), existem indícios de que ainda durante o século XVII, provavelmente
nos finais, o castelo de Belmonte tenha ressurgido com a sua função militar primitiva, sendo-lhe, então,
construídosos baluartes de que nos dá conta o Pe. Luís Cardoso em 1751. Certamente que a construção destas
estruturas terá resultado das Guerras da Restauração, à semelhança do que ocorreu relativamente à Casa da
Torre em Caria, onde ainda hoje se conservam os baluartes seiscentistas.A este respeito, apenasa continuação
das escavaçõesarqueológicas no exterior poderá proporcionar mais informações.
Por outro lado, as escavações arqueológicas também colocaram a descoberto estruturas, que sendo
coevas deste período, certamente, estariam adstritas à armazenagem das rendas que a família recolhia na
região. A estepropósito, nas Memórias Paroquiais de 1758, consta o seguint~: "...Dentro contem a~ Casas dos
Cabrais, a maior parte arruinadas, e só se conserva com alguma capacidade um quarto delas, onde assistem
osfeitores, e se recolhem osfrutos da mesma casa." (43).
Será também desta fase, o edifício localizado a Nascente da entrada principal, cuja construção terá
ocorrido entre os finais do séc. XVIII e os inícios do séc. XIX. Provavelmente destinado à substituição das
arruinadas casasonde os feitores da famtlia "assistiam". Contudo, reza a memória colectiva local que, entre
finais do século XIX e inícios do século XX, nele se teria instalado a prisão municipal.
Assim, e até à intervenção da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, na década de 40
do século XX, o processo de ruína do castelo foi-se acelerando, acentuando-se o seu estado de abandono, o
que não impediu que o seu recinto fosse utilizado para a realização de touradas, por ocasião da realização de
269
festas na vila.
Actualmente está em curso todo um processo de revitalização física do monumento, procurando-se-lhe
atribuir de novo um papel activo, no quadro socio-cultural em que o mesmo se insere, ao qual irá certamente
corresponder a uma nova fase da sua existência.
Estamos certos de que o presente trabalho, apesarde incompleto, constitui desdejá uma nova luz sobre
a história de um castelo, que juntamente com os demais, representa uma força e um pilar para a aflfll1ação da
nacionalidade portuguesa. Recuperar a sua Memória revelou-se, para nós, como o melhor prémio, ou tributo,
que se pode ofertar a este centenário monumento português.
Notas'
(I) Este trabalho contou, desde o início, com o apoio técnico da Direcção Regional de Coimbra do I.P.P.AR., nomeadamente dos
Drs. Artur Corte-Real e Helena Frade, a quem apresentamos os nossos agradecimentos pelas valiosas apreciações que nos foram
transmitindo, bem como dos desenhadores, Dr. José Luís Madeira (nas campanhas de 1992 e 1993) e José Augusto Dias,
responsáveispela elaboração da planta e de outros desenhos, tendo todas as tintagens sido efectuadas por estes técnicos. Gostaria
ainda de agradecer aos jovens de Belmonte que, desde o início, constituíram uma equipa motivada e interessada que, sol a sol,
durante os seus períodos de férias, foram pondo a descoberto as raizes do castelo que acolheu a vila que Ihes pertence. Uma
palavra de agradecimento deverá ainda ser dirigida ao anterior Presidente da Câmara, António Júlio Garcia, pelo incentivo,
entusiasmo e apoio revelado desde as primeiras horas, e ainda à actual Câmara por ter pennitido a continuação deste estudo, nos
anos de 1994 e 1995. Uma palavra também para o Dr. Artur Mendes de Carvalho, então aluno do curso de História que,
voluntariamente, prescindiu de parte das suas férias, para colaborar neste estudo.
(2) De referir que o Castelo de Belmonte é Monumento Nacional, classificado pelo decreto n°. 14425 de 15/10/1927, com Zona
Especial de Protecção definida no Diário do Governo, 2.. Série, no.179, de 3/8/1966.
(3) Da autoria do Sr. Arquitecto João Rafael.
{4' n.,T"nt.e a!; três últimas campanhas a C. M. de Belmonte financiou um programa de ocupação de Verão para jovens do concelho.
Escavacães Araueol61!icas no Castelo de Belmonte !!992-1995)
(5) Com as coordenadas UTM 29TPE404692, localiza-se na folha nO.225 da Carta Militar Portuguesa 1:25000, de 1966, a uma
altitude de 611 m. -
(11) Planta do piso térreo 1: 100, n°. ll-A, do Projecto de revitalização do Castelo de Belmonte (1991).
(12) O qual não foi considerado, tendo-se deste modo incluído todo este espaço no sector V.
(13) Cfr. Planta das Escavações (fig. 1).
(14) O anel superior das bancadas seria construído em aterro, acima da cota, então existente.
(15) Torre do Tombo, Dicionário Geográfico, vol. 6, m. 85.
(16) TAVARES, MARQUES; s.d., p. 3. SAM PAYO; 1971, p. V.
(17) A este propósito, aquele autor refere um documento, no qual D. Afonso III terá autorizado o Bispo de Coimbra a construir a Torre
de Menagem (PERES; 1969: 371-373), acrescentando que este é o documento mais antigo que se refere ao castelo.
(18) BARROCA; 1990/91. ,
(19) Acrescente-se que estas foram construídas parcialmente em desaterro, no caso dos lugares mais .próximos da cena, 'endo os
lugares superiores sido construídos em aterro, o que neste último caso não implicou a remoção de terrenos.
(20) Nomeadamente no caso do silo 1, que foi o maior encontrado no castelo.
(21) No que respeita à cerâmica encontrada, não sendo nosso objectivo pr,oceder, no presente artigo, à sua publicação, ainda que a
título de exemplo façamos desdejá uma selectiva e breve apresentação de alguns fragmentos, convém, não obstante, referir que
ela é técnica, tipológica e decorativamente semelhante a acervos identificados e publicados noutros locais do norte do país, como,
por exemplo, em St".Cruz da Vilariça (RODRIGUES, REBANDA; 1998), Baldoeiro (RODRIGUES, REBANDA; 1995), Aguiar
da Pena (BARROCA, MORAIS; 1985/1986), em Castelo Branco (RmEIRO; 1981). A estas cerâmicas é-Ihes atribuida uma
cronologia entre os séculos XII -XIII.
(22) De referir o aparecimento de dinheiros de D. Sancho I(?) e de D. Sancho II.
270 (23) Relativamente ao fragmento cerâmico apresentado, convém referir que este, do ponto de vista da sua pasta e do seu vidrado,
apresentaparalelos com outros encontrados nas escavaçõesarqueológicas realizadas na Casa do Infante, no Porto (REAL, et alii;
1995: pp. 177- 178), que correspondem a produções dos sécs. XIII/XIV, da região de Paris. O tipo de decoração, com rostos
antropomórficos, associado a este tipo de revestimento, é uma característica da denominada cerâmica de Saintonge -França
(DAVID, GABET; 1972: pp. 221 -222, 248), sendo as incisões circulares uma característica da cerâmica de "olho de perdiz"
(BUCUR, et alii; 1984), ainda que esta não seja vidrada.
(24) Cfr. nota 21.
(25) De referir que esta estrutura foi acidentalmente posta a descoberto, na sequência da derrocada do corte representado na fig. ,
após alI campanha de escavações,tendo então sofrido uma destruição parcial, que fragilizou a sua construção, obrigando-nos a
que não prosseguíssemoscom a escavação que iniciámos na campanha seguinte, uma vez que asjuntas entre as pedras, não tendo
qualquer tipo de ligante, estavam a abrir.
(26) Atingiu-se uma profundidade de 6,20 m. Foram consideradas, além de uma camada superficial revolvida, duas camadas, bastante
parcas em materiais arqueológicos, ambas com alguma pedra, muito pouca cerâmica, ainda que tivéssemos identificado alguns
fragmentos de faiança.
(27) Aliás, à semelhança do que sucede com as muralhas da alcáçova do castelo da Guarda (FERNANDES, et alii; s.d.).
(28) CARDOSO; 1751. pp. 142-144.
(29) ALMEIDA; 1945. pp. 403-406.
(30) LIMA; 1932. pp. 319-321.
(31) BEÇA; 1922. P. 23.
(32) PERES; 1969. Pp. 371-373.
(33) Apesar do levantamento documental empreendido simultaneamente, não nos foi ainda possível ler o texto deste documento, uma
vez que Darnião Peres não refere o seu paradeiro.
(34) TAVARES, MARQUES; s.d. P. 3.
)
(35) Agradecemos as informações que a arqueóloga responsável pelas escavações arqueológicas na Torre de Centum Celas, Dra.
Helena Frade, nos disponibilizou.
(36) Torre do Tombo, Cabido da Sé de Coimbra, 1" Incorporação, Maço 11, na.s 12-b e 12-d. Uma vez que não temos formação na
área de paleografia, limitamo-nos apenas a utilizar a informação constante das respectivas fichas de inventário.
(37) No doc. 12-d conseguimos "decifrar" o que nos parece ser a alusão a uma muralha e a uma rua: ...una casa qua~ habemus in
castelo et dividit cum muro et cum(...) et per ruam et cum... Parece-nos que a leitura destes documentos por um especialista seria
de todo conveniente.
pgs. 253-286 BEIRA INTERIOR -História e Património. Guarda. 2000
(38) Mais uma vez salientamos que o mesmo não foi por nós localizado, devendo-se a sua citação, ao que a seu respeito refere
Darnião Peres.
(39) Torre do Tombo, Cabido da Sé de Coimbra, Documentos Reais, Maço I, Doc. 21.
(40) A este respeito consulte-se GOMES; 1981.
(41) SAM PAYO; 1971, p. V.
(42) SANTA MARIA, 1711: PP. 70-74.
(43) Torre do Tombo, Dicionário Geográfico, vol. 6, m. 85.
Bibliografia:
ALMEillA; 1945- João de. Roteiro dos Monumentos Militares Portugueses, vol. 1, Lisboa. ,
.
BARROCA; 1990-91- Mário. Do castelo da reconquista ao castelo românico (séc. IX a XII), "Portugália", Nova Série, 11-12, Porto.
pp.86-136.
BARROCA, MORAIS; 1985/1986- Mário; António J. Cardoso. A Terra e o Castelo- uma experiência arqueológica em Aguiar da
Pena, "Portugália", Nova Série, 6-7, Porto. pp. 35- 81.
BUCUR, et alii; 1984- I. La céramique à« oeil de perdix » et la poduction deLa Hardeliere à Laval (Mayenne), "Archéologie
Médiévale", 14, Caen. pp. 169- 193.
DAVID, GABET; 1972- P.; C. La Poterie Mediévale Saintongeaise, "Archéologie Médiévale", 2, Caen. Pp. 221- 232.
271
FERNANDES, et alii; [s.d] -Lídia Marques. A Alcáçova da Guarda -Proposta de reconstituição, "AI madan", no prelo.
PERES; 1969- Damião. A gloriosa História dos mais belos castelos de Portugal, s.l.
REAL, et alii; 1995- Manuel. Conjuntos cerâmicos da intervenção arqueológica na Casa do Infante -Porto: elementos para uma
sequência longa -séculos N- XIX, in "I Jornadas de Cerâmica Medieval e Pós-medieval- métodos e resultados para o seu
estudo", Porto. pp. 171- 186.
RIBEIRO; 1981 -João Henriques. Cerâmica Medieval das escavações do castelo de Castelo Branco (Portugal), in "ll Coloquio
Ceramica deI Mediterraneo Occidental", Toledo. pp. 277- 281.
Jornadas de Cerâmica Medieval e Pós-medieval- métodos e resultados para os seu estudo", Porto. pp. 101- 126.
SAM PAYO; 1971- Luís Vaz de. Subsídios para uma biografia de Pedro Álvares Cabral, " Revista da Universidade de Coimbra",
SANTA MARIA; 1711- Fr. Agostinho. Santuário Mariano e História das Images milagrosas, vol. 3, Lisboa.
SERVIÇOS GEOLÓGICOS DE PORTUGAL; 1965- Carta Geológica de Portugal- Notícia explicativa da folha 21- A, Sabugal,
Lisboa.
TAVARES, MARQUES; s.d. -Joaquim Cardoso; Manuel. Subsídios para uma monografia da vila de Belmante, 3. ed., Covilhã.
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Fig. 4- Corte estratigráfico da parede Norte dos quadrados IV. 15/23, observando-se, igualmente, a face Norte do anellítico que
circunda o pavimento de seixos rolados, bem como a implantação do muro mais antigo escavado no castelo.
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Fig. 7 -Corte estratigráfico da parede Oeste do quadrado V.25, no qual está representado o silo 2, com as respectivas camadas de
enchimento.
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CORTE A- B
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Escavações Arqueol6gicas no Castelo de Belmonte (1992-1995)
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Fig. 10- IV.28.(12).1 -Aplique decorativo. Mascarão com rosto ovalizado, com nariz, olhos circulares impressos,
com representação da boca e barba. Cerâmica vidrada a verde, com pasta laranja clara com elementos plástico de
calibre médio, superfície alisada no interior. Cozedura oxidante. Al~ máx. do rosto conservada -3,7 cm; largura
máxima do rosto -2.6 cm. Séc. XIV. ..
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Fig. II .IV Z, O I
Fig. ll-IV.29.(17).1 -Tigela. Fragmento de bordo contínuo, extrovertido, com inflexão carenada para o interior;
decoração incisa, com traço ondulante e linha contínua de "grãos"; lábio direito, com parede convergente. Pasta
beije, com bastantes elementos plásticos, nomeadamente mica. Cozedura oxidante, com arrefecimento oxidante.
Diâmetro de 19.5 cm. Sécs. XII/XIII.
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Fig. 12 -V.50.(24 ).1 -Tigela. Fragmento de bordo contínuo, direito, com inflexão para o interior; com decoração
profusa. com uma linha incisa dentículada e outra ondulante, sob as quais surge uma terceira de "grãos" também
incisos. Pasta cinzenta clara, com bastantes elementos plásticos, nomeadamente mica. Cozedura oxidante. Diâmetro
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pgs. 253-286 BEIRA INTERIOR -História e Património. Guarda. 2000
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Fig. 13 -IV.64.(8).1 -Alguidar. Fragmento de fundo em disco, com base plana saliente, decorada com impressões digitais ao longc
do rebordo; arranque de paredes convexas. Pasta beije, com elementos plásticos grosseiros e bastante rnica. Ambas as faces são
alisadas. Cozedura oxidante. Diâmetro -22,5 cm. Sécs. XII/Xm.
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Fig. 15- V.25.(19). 6- Palmatória. Fragmento com asa na face superior, entre o bordo e o
"fÓculo" central. Circular, com base plana. Asa em fita, decorada com "grãos" incisos ao
centro, maiores, e lateralmente, mais pequenos, tal como sucede com os bordos do "fóculo"
que tem lábio direito no interior e pronunciado para o exterior. O bordo da base é direito,
ligeiramente saliente, com impressões digitais; na base também existem linhas incisas de
"grãos", dispostas do centro para a extremidade. Pasta cinzenta escura, com bastantes
elementos plásticos grosseiros, incluindo mica. Cozedura redutora. Diâmetro -18 cm. Sécs
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Escavações Arqueológicas no Castelo de Belmonte (1992-1995) .,
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Fig. 18- V.DI.(4).1 -Panela. Bordo extrovertido, com inflexão, boleado para o exterior. Asa plana com depressão longitudinal,
que arranca do lábio, no qual foi feito, após a cozedura, um talhe para verter líquidos. Fundo plano, ligeiramente alteado. Pasta
castanha com elementos plásticos de calibra médio, incluindo alguma mica; alisada no exterior, apresenta sinais evidentes de fogo.
Cozedura oxidante/redutora. bastante irregular. Diâmetro: fundo -9 cm; bordo -15,5 cm. Séc. XV.
pgs.253-286 BEIRAINTERIOR-Históriae Património,
Guarda,
2000 ~
281
~nt 2- A"necto das estruturas e do pavimento em calçada, pertencentes à ala Oeste do Paço cabralino.
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Aroueoló,,;cH" no CH"telo de Relmonte {1992-1 99~)
Fot. 6 -Muro medieval, da segunda fase de ocupação do castelo, sobre o qual se sobrepõe um outro,
contemoorâneo do período cabralino.
Escavações Arqueológicas no Castelo de Belmonte (1992-1995)
Fot. 8 -Fundo e arranque das paredes laterais do tanque limpo do lado Oeste da porta Norte do castelo.
pgs.253-286 BEIRAINTERIOR-Histó~a e Património,
Guarda,
2000 \
Fot. 9 -Ponnenor do trabalho feito no aflorarnento, para assentamento dos silhares pertencentes ao torreão
loc31i7ado no exterior..
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