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PRAÇAS DE GUERRA DO ALENTEJO NO SÉCULO XVIII

PLANOS-RELEVO E CARTOGRAFIA DA FRONTEIRA


Texto de José Paulo Berger e Paulo Santos Almeida, Maio de 2021

O ALENTEJO E A NECESSIDADE DA SUA DEFESA MILITAR

Em 1279, após um século de lutas constantes, Portugal, que já contava cem anos como reino
autónomo e era um país em pleno desenvolvimento, alcançou a sua plenitude territorial e reforçou a
sua consciência como uma Nação independente. Nesse longínquo ano, voltou-se uma página da nossa
História com a consolidação das raízes nacionais que iriam levar o país e o seu povo a uma permanente
e vigorosa resistência contra as ofensivas absorcionistas dos restantes povos da Península Ibérica.
Em qualquer parcela do território nacional a configuração natural do terreno exerce uma influência
preponderante nas operações dos exércitos. Sob o ponto de vista militar, é pela constatação da força
ou fraqueza de um território, pela consciência que se tem do terreno nele existente que pode ser difícil
ou impraticável, que se decide sobre a natureza e do plano da campanha, quais os movimentos que
podem ser executados pelas tropas e quais os itinerários logísticos mais apropriados.
Do estudo da geografia da Península Ibérica, facilmente depreendemos que para percorrer a menor
distância entre as duas capitais ibéricas, temos, obrigatoriamente, que passar pela Extremadura
espanhola e pelo Alentejo português. Analisando mais pormenorizadamente a orografia e hidrografia
do terreno também depreendemos que, sob o ponto de vista militar, este é o eixo de aproximação
com menos obstáculos, e aqueles que existem em muitos pontos da faixa fronteiriça são de fácil
transponibilidade, com excepção do rio Guadiana, no período do Inverno, que delimita, durante quase
cerca de 200 quilómetros, grande parte da fronteira política, desde Badajoz até desembocar no
Atlântico em Vila Real de Santo António. Assim sendo, não é de estranhar que a maioria das campanhas
militares se tenham travado em ambos os lados desta fronteira.
A História é, de tempos a tempos, abalada por mutações profundas, onde se vê a sociedade
transitar de uma realidade para outra, normalmente com maior progresso. A evolução da arte da
guerra do final da Idade Média levou a uma profunda alteração dos sistemas defensivos dos diferentes
núcleos populacionais, quer os da raia fronteiriça, ou de primeira linha da defesa, tanto como os de
apoio à retaguarda, ou de segunda linha.
O armamento, e o seu corolário, a fortificação, são resultados dessa evolução. Tanto a artilharia
como a fortificação conheceram desde inícios do século XV uma profunda revolução técnica. O canhão,
pelo seu poder de destruição e pelo seu elevado custo de produção, servia principalmente os
interesses dos chefes dos vários Estados e era utilizado em função das suas necessidades de defesa ou
de expansão, como se verificou em Portugal durante as guerras fernandinas com Castela (a primeira
vez que a artilharia é usada em terra e contra navios), ou em campanha, na batalha de Aljubarrota
(como também nos relata Fernão Lopes nas suas crónicas), ou na epopeia ultramarina empreendida
pela dinastia de Aviz (em que a artilharia é levada para as conquista das praças do Norte de África, tal
como se vê representada nas tapeçarias de Pastrana).
Esta breve introdução permite-nos facilmente afirmar que a parcela do território nacional do Reino
de Portugal que teve maiores necessidades em adaptar os seus sistemas defensivos face à ameaça do
opositor foi a província do Alentejo e, dos muros das suas fortificações, nos canos das suas espingardas,

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da sua artilharia e dos seus campos de cultivo dependeu sempre a independência nacional até aos
tempos contemporâneos.
Considerando que a fortificação é a arte de tornar mais forte o terreno para facilitar o combate, as
estruturas artificiais construídas em todo o território nacional, tais como as fortalezas, as estradas e as
pontes construídas ao longo da fronteira do Alentejo aumentaram a importância das defesas naturais
definidas pela orografia e hidrografia deste território e, por isso, tiveram que ser erigidas ao longo dos
séculos para garantia efectiva da defesa da nossa Independência.
Esta exposição estudada, preparada e executada pelo Gabinete de Estudos Arqueológicos da
Engenharia Militar, da Direcção de Infraestruturas do Exército, permite conhecer melhor o esforço
nacional que foi a defesa da fronteira do Alentejo nos séculos XVII e XVIII, mostrada pela apresentação
de planos-relevo das várias praças de guerra desta região, informação que é complementada pela
informação proporcionada pelas plantas cartográficas da época e que se encontram à guarda do
Gabinete.
Actualmente, algumas destas antigas fortificações, pela sua importância, estado de conservação e
história, foram reconhecidas, pela UNESCO, como Património Mundial, sendo aqui recordadas, neste
breve catálogo, como exemplos representativos da arquitetura militar portuguesa dos séculos XVII e
XVIII e que, como um dos Povos mais antigos da Europa, temos a obrigação de preservar e mostrar.

A EVOLUÇÃO DA ARTILHARIA E DA FORTIFICAÇÃO EM PORTUGAL ATÉ AO SÉCULO XVIII

Considerar a Fortificação como a arte de tornar mais forte o terreno para facilitar o combate, não
impede de a considerar também como fenómeno social resultante da ciência, facto que é logicamente
compreensível porque nesta arte se associa a técnica de construção defensiva com os princípios
científicos, impostos por condicionalismos geométricos, matemáticos, topográficos, estratégicos e
também estéticos, que levaram ao aparecimento de uma classe profissional com a responsabilidade
de estudar, planear, projectar e construir as fortalezas e outras obras complementares: foram e são
eles os engenheiros e arquitectos militares.
Desde o Paleolítico, que os grupos humanos que mantiveram preocupações gregárias, com a
sedentarização, também tiveram que assumir preocupações de defesa. Dos simples e baixos muros
passaram para muros altos duplos ou triplos, com fossos intercalares, depois desenvolveram as cercas
e muralhas medievais que circundavam os castelos que constituíam a principal protecção das grandes
urbes. Com a utilização da pólvora na Europa (uma mistura estável de enxofre, salitre e carvão de
madeira, conhecida desde há longa data pelos chineses, cujo segredo de fabrico foi divulgado no
Ocidente, pelo o monge inglês Roger Bacon, no século XII) foi possível desenvolver a artilharia
pirobalística, mas as primeiras bombardas, trons ou pedreiros, enviavam pequenos projéteis de pedra
que se fragmentavam com o impacto, sendo menos eficazes do que as catapultas, pelo que esta forma
primitiva da artilharia pirobalística não teve, nos século XII, XIII e XIV, praticamente qualquer
consequência para as fortificações nem influências relativamente ao seu projecto ou construção.
Em meados do século XV, coincidindo com o final da Guerra dos Cem anos, foram implementadas
no uso do canhão uma série de inovações sendo as mais importantes: a substituição do projéctil de
pedra por uma bala redonda de metal, obtida por fundição, e capaz de destruir, sem se fragmentar, as
alvenarias bem consolidadas das muralhas medievais; a produção de canhões mais ligeiros, fundidos
em bronze, mais manejáveis, montados em carretas de rodas, com possibilidade de fazer pontarias

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mais precisas; o doseamento das pólvoras e a sua experimentação que permitiam efeitos de tiro mais
regulares; e a grande energia inicial que permitia à bala manter durante quase oitenta metros uma
trajectória quase rectilínea pouco influenciada pela força da gravidade. A partir destas evoluções
tecnológicas, o sitiante, com a artilharia, ficou habilitado a efectuar tiros rasantes que permitiam bater
e varrer enorme quantidade de terreno e ser capaz de abrir brechas nas muralhas sem necessitar do
árduo e dispendioso esforço que consistia na abertura de minas sob as fundações das muralhas.
No início do século XVI, o material de artilharia conhece melhoramentos notáveis, tanto em
precisão como em alcance, graças a novos progressos de fabrico das bocas de fogo e à adopção de
uma fórmula de combinação mais precisa para o fabrico da pólvora.
A fortificação medieval revelou-se então incapaz de resistir ao poder de fogo da artilharia. Os
caminhos de ronda e as plataformas ameadas eram inutilizadas logo no início dos bombardeamentos,
telhados e casas eram derrubados pelos efeitos dos projéteis cujas trajectórias passavam por cima das
muralhas, portas e altas paredes de alvenaria eram completamente desmanteladas pelos golpes
directos do tiro das baterias atacantes. Face a estas condicionantes a fortificação medieval tornara-se
obsoleta. O castelo vai ser substituído pela fortaleza com bastiões e, posteriormente, com baluartes.
Mas será também o emprego dos fogos rasantes, cruzados à frente das obras defensivas, que irá ser a
solução para uma defesa eficaz que obrigará à reestruturação da concepção e construção das
fortalezas nos séculos seguintes. O sistema da fortificação abaluartada vai ser desenvolvido com a
finalidade de maximizar a ação da artilharia da fortificação e resistir aos fogos da artilharia inimiga,
levando ao aparecimento da escola de fortificar italiana, que viria a influenciar todos os Estados
europeus, dando origem à escola flamenga (holandesa) e mais tarde à escola francesa.
Em Portugal, estas alterações levaram algum tempo a serem introduzidas, especialmente na sua
fronteira terrestre, que beneficiava de certa estabilidade conseguida ao longo do século XV pela hábil
política diplomática levada a efeito por D. João II. Com D. Manuel, Duarte de Armas levanta e mostra-
nos, em 1509, toda a fortificação da raia portuguesa que praticamente não estava preparada nem
previa qualquer utilização da artilharia pirobalística.
Após o período das fortificações medievais, a idade moderna em Portugal começou com a criação
do império e com a chegada da designada “arquitetura militar de transição,” influenciada pela escola
de fortificação italiana, seguida logo depois pela “arquitetura abaluartada” refletindo a evolução da
escola italiana para a nova escola francesa. Com o Renascimento a fortificação conhecera um forte
desenvolvimento, tornando-se uma disciplina com fundamentos teóricos complexos, merecendo a
atenção de arquitectos, matemáticos e físicos. De todas as disciplinas matemáticas que se cultivaram
nessa época, a Ciência da Fortificação foi a que teve maiores progressos. As regras da geometria,
compiladas em tratados de fortificação, passaram a regular o desenho das fortificações. No fundo o
que diferenciava as escolas de fortificação umas das outras eram os métodos de geometria aplicados.
Perante o maior poder e precisão das armas de fogo pesadas, as fortificações tiveram que se
adaptar às novas exigências de protecção e defesa, sendo construídas ou reformuladas com muros
mais baixos e espessos, evitando o traçado rectilíneo puro e os espaços mortos, complementadas com
obras auxiliares exteriores destinadas a manter o inimigo afastado o mais possível das fortificações e
obrigar ao posicionamento da sua artilharia a muito maior distância. Aparecem os fossos largos em
redor das fortificações e os baluartes e revelins que permitirem um posicionamento mais eficaz da
artilharia defensiva. O espaço entre o defensor e o atacante era agora enorme, constituído pelo
terrapleno, escarpa, caminho de ronda, obras exteriores, fosso, contraescarpa, caminho coberto e
esplanada. No traçado e construção destas novas fortificações, o mais importante já não eram as
condições do terreno, mas sim as linhas de tiro, os princípios da cobertura e do tiro de flanco ou
enfiada. O perfil era definido e desenhado por modo a que uma arma de fogo dos sitiantes, colocada

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na esplanada não poderia atingir nenhuma parte da fortificação com um tiro direto, a menos que se
expusesse completamente aos tiros dos defensores.
O tiro de flanco, seria feito a partir de uma estrutura avançada em relação às cortinas, o baluarte,
propositadamente fortalecido e guarnecido de posições para a artilharia que dali poderia atingir a
infantaria que tentasse aproximar-se da cortina para tentar o assalto através da brecha. Esta estrutura
avançada, por sua vez, ficava exposta ao tiro da artilharia inimiga que concentrava os seus fogos sobre
as obras avançadas. Assim, os baluartes de forma pentagonal, baixos e com profundidade, eram
construídos com esquinas arredondadas, estando dotados de bocas de fogo de artilharia situadas nos
flancos entre os baluartes e as cortinas, ficando assim invisíveis ao inimigo que observasse a partir da
esplanada. A escola francesa, com Vauban, veio definir duas linhas de defesa, uma exterior com
baluartes destacados, e outra interior constituída por uma longa cortina apenas com pequenas
estruturas acasamatadas e abaluartadas na extremidade, acrescentando a construção de cavaleiros e
trincheiras interiores sobre o baluarte e o uso de revelins e tenalhas no fosso.
De um modo geral as fortalezas abaluartadas dispunham de artilharia muito desenvolvida que fazia
fogos potentes profundos e muito eficientes, com as bocas de fogo colocadas nos ângulos dos
baluartes enquanto o delineamento do flanco ia variando (na escola italiana e portuguesa era
perpendicular á cortina) mas com as outras escolas de fortificar passou a ser oblíquo segundo ângulos
variáveis de acordo com a teoria desenvolvida por cada uma delas. Os baluartes normalmente
dispunham das canhoeiras onde eram colocadas as bocas de fogo ficando as suas guarnições
protegidas do fogo inimigo. Nos baluartes a artilharia ficava nos flancos, protegida ou não por um
orelhão que servia para proteger as peças de artilharia de menor calibre que atiravam sobre o inimigo
quando este atravessava o fosso e atacava a cortina.
Se à espada se opunha a couraça, aos trons a muralha medieval e à artilharia da Idade moderna a
fortificação abaluartada, com o evoluir dos alcances e poder destrutivo das novas armas também a
fortificação moderna teve que evoluir para continuar a proporcionar uma defesa eficaz. Estas
alterações que resultaram da evolução da fortificação dos séculos XVI e XVII, só vieram a ser
seriamente consideradas no nosso território nacional com a aclamação de D. João IV como Rei de
Portugal, período da nossa história em que foi dada prioridade às fortificações de defesa da fronteira
terrestre no contexto das guerras da Aclamação e Restauração (1640-1668), período em que se
afirmou a fortificação abaluartada, que permaneceu durante os séculos XVIII e XIX enquanto a
artilharia não entrou na nova fase industrial, obrigando a remodelar novamente os sistemas de
fortificação na segunda metade do século XIX, em que as fortificações serão aperfeiçoadas em todas
as suas vertentes chegando-se ao ponto de se constituírem verdadeiros campos entrincheirados
praticamente inexpugnáveis por parte dos sitiantes,
Foi em pleno século XVII, a seguir à Aclamação do Duque de Bragança como Rei de Portugal, que,
para a coordenação e o controlo das principais medidas militares a desenvolver se constituiu o
Conselho de Guerra, órgão formado por dignitários de franca experiência castrense destinado a tratar
dos assuntos da longa guerra que vislumbrava no horizonte nacional. Também, em 1640, foi criada a
Junta das Fortificações, em cujas actividades e preocupações constavam os assuntos relacionados com
os projectos de reparação e modernização das fortificações. A guerra obrigou a uma nova fase de
construções ou reconstruções de fortificações, na fronteira terrestre, nos principais eixos de invasão
que passavam por Elvas, Valença e Almeida. Esta nova realidade da estratégia terrestre passou a ser
dominante considerando que a ameaça vinha do interior da Península e desvalorizando a orla costeira
que era agora considerada apenas como uma linha de defesa da retaguarda. Com base nesta estratégia
foram consolidados três grandes centros de fortificação, no Minho (Valença e Monção), na Beira
(Almeida) e no Alto Alentejo (Elvas, Campo Maior e Olivença) considerados sistemas defensivos, mas,

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também, servindo a táctica ofensiva, constituindo-se como bases de operações para lançar operações
militares e incursões em território do inimigo.
Nesta época surge também a nova concepção da divisão do Reino em teatros de operações
autónomos, constituindo cada província uma unidade estratégica autónoma, dotada das suas
fortificações, todas elas com utilizadas com a finalidade de retardar o avanço inimigo em direcção à
capital portuguesa. Com a guerra, foi criada, também, a Tenência, organismo que ficou com a
responsabilidade de fabricar artilharia e, pela primeira vez, foram fundidos, em Portugal, morteiros e
obuses de praça e os calibres das bocas de fogo passaram a ser definidos pelo peso da bala de ferro
em arráteis ou libras. Após a guerra a situação da artilharia viria a piorar ao não sofrer investimento
na sua modernização. Só no período da governação do Marquês de Pombal, durante a Guerra dos Sete
anos (1756-1763), com a reorganização militar do Conde de Lippe a artilharia voltou a ganhar
importância, quando foi reorganizada, tendo sido muito desenvolvida a produção nacional, com
muitos modelos que ainda chegaram a se utilizados na Guerra Peninsular.
Durante a Guerra da Restauração foram construídas e melhoradas a maior parte das fortificações
abaluartadas existentes em Portugal, com destaque para Valença, Almeida, Estremoz e Elvas,
representantes da designada fortificação moderna ou fortificação nova. O programa da fortificação da
Restauração constituiu assim um enorme esforço económico com especial preocupação para a raia
terrestre onde os inúmeros castelos medievais continuavam a servir quase, apenas, como atalaias de
vigilância, mas com um peso bastante relevante na defesa da fronteira, apesar de não preparados para
resistirem aos ataques da artilharia. O território continental foi dividido em províncias militares,
concentrando nas sedes de governo de armas os principais meios de defesa, de decisão relativamente
à fortificação regional e dos pesados custos para as populações locais com o recurso a expropriações,
demolições e aproveitamento de terrenos férteis que anteriormente tinham utilização ligada à
economia agrária.
A fortificação portuguesa dos séculos XVII e XVIII, colocada várias vezes à prova numa série de
conturbadas situações políticas e embora nem sempre capaz de responder às ameaças colocadas,
mostrou-se, no entanto, minimamente eficaz, designadamente pela alteração dos pressupostos
político-estratégicos para os quais tinham sido edificadas.

OS ENGENHEIROS MILITARES E O ENSINO DA FORTIFICAÇÃO

O ensino da fortificação em Portugal processou-se a partir do início do século XV nas instalações da


Casa da Índia e da Guiné, passando nos meados do século para o Paço da Ribeira, onde receberam
aulas os moços fidalgos da corte e o próprio D. Sebastião. A institucionalização desta Aula foi feita em
1577, tendo sido nomeado para seu lente, em 1594, o bolonhês Filippo Terzi. Esta influência italiana
manifestada durante todo o século XVI onde foi de grande importância a criação de fortificações para
a defesa da fronteira marítima, acompanhando o desenvolvimento da artilharia naval e da artilharia
das fortalezas que defendiam os pontos mais sensíveis do império, continuou nos reinados da Dinastia
Filipina, durante os quais vieram para Lisboa arquitectos e engenheiros de várias origens do imenso
Império Espanhol. Contudo, nesta altura, a política defensiva do espaço ibérico, no Mundo, era
eminentemente marítima, visando essencialmente a salvaguarda do importante império unido de
Portugal e Castela, e foram estes fortificadores que riscaram as fortalezas do imenso império

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português, que se encontrava ameaçado pelas incursões das emergentes potências marítimas
(Inglaterra, França e Holanda).
Grande parte das fortificações abaluartadas existentes no país foram construídas ou melhoradas
em meados do século XVII, durante a Guerra da Restauração, e com a intervenção de inúmeros
especialistas militares, engenheiros militares franceses e holandeses, chamados a Portugal que se
encarregaram dos primeiros projectos de renovação da fortificação. Este trabalho foi acompanhado e
levado a efeito com a colaboração de uma nova geração de engenheiros militares portugueses, sendo
as obras produzidas de carácter inovador uma vez que com efeito o país manteve a sua independência
e hegemonia territorial, de tal forma que e as suas plantas foram posteriormente apresentadas nos
principais manuais de fortificação editados no estrangeiro. Estas fortificações adaptadas ou levantadas
na fronteira portuguesa apresentam características mistas das chamadas escolas holandesa e francesa,
mas e ao mesmo tempo, uma certa flexibilidade e adaptação ao terreno específicas do pensamento
português, preconizado por Luís Serrão Pimentel (antigo aluno do colégio de Santo Antão) a partir de
1641, quando começou a trabalhar no Paço como cosmógrafo-mor do reino, sendo por ele teorizada
e hoje reconhecida como escola portuguesa de fortificar, desenvolvida entre 1642 e 1680, quando
engenheiro-mor do reino, e de cuja compilação resultou a publicação póstuma do “Methodo Lvsitanico
de Desenhar as Fortificaçoens das Praças Regulares, & Irregulares, Fortes de Campanha, e ovtras Obras
pertencentes a Architectura Militar”.
Não podendo esquecer que Portugal estava em guerra com Castela, por decreto de 13 de Maio de
1641, foi instituída a Aula de Artilharia e Esquadria e, a 13 de Julho de 1647, uma aula de fortificação,
então designada por Aula de Fortificação e Architectura Militar, a funcionar entre o Paço Real e a
Ribeira das Naus. Pouco depois, entre 1651 e 1675, passaria a designar-se Academia Militar da Corte.
Paralelamente à Aula de Fortificação e Architectura Militar do Paço da Ribeira, o Colégio Jesuíta de
Santo Antão, leccionava a matemática e era também ali que os engenheiros jesuítas, como arquitectos
e fortificadores, quer como conselheiros militares de uma forma geral, elaboravam muitos dos
pareceres sobre a fortificação nacional e ultramarina. É também, na segunda metade do século XVII
que começaram a aparecer as escolas de fortificação descentralizadas nem várias praças-fortes do
país, onde o ensino de artilharia estava ligado ao ensino da fortificação sendo as aulas ministradas
pelos jesuítas. A partir de 1651, por ordem do príncipe D. Teodósio, foram substituídas por escolas
destinadas ao ensino da fortificação, artilharia e castrametação, promovendo o ensino de aritmética,
geometria, trigonometria plana, noções fundamentais de artilharia, pólvora e fogos artificiais. A
primeira surge em Elvas (1651), depois no Castelo de S. Jorge, em Lisboa (1665), no Castelo de S. Filipe,
em Setúbal (1668). Posteriormente, já nos inícios do século XVIII, foram mandadas organizar aulas de
fortificação e artilharia em Elvas, Almeida e Viana do Castelo (1701), e por decreto de 24 de Dezembro
de 1732, D. João V determinou a criação de quatro academias militares em Lisboa, Viana, Almeida e
Elvas. Com a reforma do conde de Lippe surgem, a partir do decreto de 10 de Maio de 1763, as aulas
de artilharia, sempre associadas à arquitectura militar, nas sedes dos principais regimentos de
artilharia e na Madeira e nos Açores.
No século XVIII registou-se uma grande evolução no ensino militar científico, com escolas de
artilharia e de engenheiros, muito influenciadas pela escola francesa que se destacava pela afirmação
dos princípios do iluminismo e de influências do pensamento militar da época, como o de Frederico II
da Prússia, considerado no campo militar a mais importante autoridade da Europa. Neste período, na
transição do século XVII para o XVIII separaram-se os cargos de cosmógrafo-mor e de engenheiro-mor
e os assuntos da engenharia militar e da fortificação em Portugal estiveram intrinsecamente ligados à
figura de Manuel de Azevedo Fortes. Estudando em Espanha, no Colégio Imperial de Madrid e na
Universidade de Alcalá, seguiu para França onde estudou, e depois trabalhou na Universidade de Siena.
Regressado a Portugal, em 1720, foi um dos continuadores de Luís Serrão Pimentel, no cargo de

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engenheiro-mor do Reino e autor do manual prático de engenharia que era ensinado e lido na época:
“O Engenheiro Portuguez”.

O TERRITÓRIO PORTUGUÊS SOB O PONTO DE VISTA MILITAR

Lançando os olhos sobre qualquer mapa da Península Ibérica vê-se imediatamente que o seu
território é cortado por numerosas cadeias montanhosas, e atravessado por muitos rios. Cada uma das
suas regiões, sendo diferente, representa também um sistema distinto de defesa com as suas
condições especiais e características específicas sob o ponto de vista militar.
As suas formas físicas, orográficas e hidrográficas numa época em que a artilharia e a fortificação
tinham adquirido elevados estatutos de desenvolvimento proporcionavam às fortalezas portuguesas
da raia o imenso respeito que impunham na defesa do território, tornando cada vez mais difíceis as
incursões terrestres dos exércitos inimigos fazendo com que o território português fosse considerado
quase como inexpugnável.
As regiões do território nacional por onde era possível uma invasão através da sua fronteira
terrestre, localizavam-se: na fronteira norte, de entre Douro e Minho e Trás-os-Montes, estendendo-
se da foz do rio Minho até Miranda do Douro; na fronteira oriental, de Trás-os-Montes seguindo o
curso do Douro, desde Miranda do Douro a Castelo Rodrigo; ao centro, pela fronteira das Beiras Alta
e Baixa, desde Castelo Rodrigo ao Rosmaninhal, sobre o Tejo; a sul as fronteiras do Alentejo e do
Algarve, entendendo-se sobre uma única linha, desde o rio Tejo à foz do rio Guadiana.
Poucos eram os pontos onde a natureza permitia à comunicação fácil com o resto da Península
Ibérica. Contudo face a uma invasão por terra, duas eram as direcções gerais principais que
viabilizavam linhas de penetração para exércitos vindos de Espanha.
Uma, a mais apropriada, a partir de Madrid dirige-se para ocidente em direcção à capital
portuguesa, podendo ramificar-se em direcção da Extremadura, até Badajoz, seguindo com destino a
Lisboa, ou então da Andaluzia, até Cádis e Gibraltar. Podiam ligar-se, entre si, se pudessem ser
atravessados os cursos dos rios Tejo e Guadiana. A segunda direcção partia de Valladolid. Podia dirigir-
se a Salamanca, Ciudad Rodrigo, Coimbra e Lisboa, ou a Zamora e Porto. Por outro lado, mais a norte,
a Benavente e à Galiza, ou a Leão, Astúrias e Santander, permitindo a entrada em Portugal se
transposto o rio Minho.
Para o lado da Espanha, a fronteira de Portugal a partir do século XVII era considerada naturalmente
forte. Com cerca de novecentos quilómetros de extensão representava um dos mais formidáveis
obstáculos na Europa. Um olhar de relance ao mapa da Península levaria qualquer um, menos
conhecedor da sua orografia, a acreditar que um exército que partisse de Madrid ou de Valladolid
facilmente poderia invadir Portugal e deslocar-se para as planícies portuguesas percorrendo os vales
dos rios Tejo e Douro chegando facilmente a Lisboa ou ao Porto.
Mas esta presunção não poderia ser mais errada. Analisando o terreno da raia e desenvolvendo
esta análise começando a Sul, a fronteira era materializada primeiramente pelo rio Guadiana que não
dispunha de qualquer ponte. Depois era dominada pelo rio Caia e pela serra de Estremoz e protegida
pelas praças-fortes do Alentejo. Seguiam-se os contrafortes das serras de São Mamede e da Estrela
que, encontrando as margens do Tejo, apenas deixavam uma estreita passagem fazendo deste rio uma
torrente tortuosa e irregular que constituía mais um novo obstáculo e materializava grande parte da

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fronteira. Continuando pela Serra da Estrela surgiam os contrafortes que esta lançava por entre os rios
Côa e Águeda, vigiados pela praça de Almeida. Seguia-se o rio Douro com a sua cadeia montanhosa na
margem esquerda e os contrafortes entre os rios Sabor, Tua e Tâmega. Por último, a fechar, corria o
rio Minho que definia quase toda a fronteira Norte de Portugal.
A natureza agreste dos contrafortes das serras portuguesas restringia as passagens a poucas
estradas. Toda a fronteira Leste de Portugal oferecia, ao invasor que se dirigisse a Lisboa, apenas duas
estradas principais. Os cerca de cento e trinta quilómetros deste sector fronteiriço eram apenas
cruzados por essas duas estradas apropriadas ao tráfego de carros. A principal era a que vinha a norte
do Tejo a partir de Salamanca, por Ciudad Rodrigo, Almeida e Guarda, e seguia pelo vale do Alto
Mondego. A outra, como alternativa, seguia pelo vale do Guadiana, tomava a direcção de Mérida, mas
a partir de Alcântara seguia por Zarza la Mayor até Castelo Branco, atingindo o rio Tejo, em Abrantes.
A estrada a norte do Tejo passava pela fortaleza espanhola de Ciudad Rodrigo e era barrada pela
portuguesa de Almeida que tinha à sua frente também o forte de la Concepción. Enquanto que a de
sul passava pela fortaleza espanhola de Badajoz sendo em Portugal intersectada pela praça de Elvas,
que em conjunto com as de Campo Maior, Jerumenha e Olivença, vigiavam a de Badajoz e os seus
fortes circundantes. A posse destas fortalezas funcionava como uma chave estratégica para o controlo
das invasões terrestres em ambos os sentidos das fronteiras.
Em linhas gerais, e sob o ponto de vista militar, o território continental português sempre
apresentou três grandes regiões homogéneas: a faixa litoral Centro-Norte, a região Norte Interior e a
região Sul. A faixa litoral Centro-Norte, estende-se da foz do rio Minho à do rio Sado, constituindo uma
região decisiva e importante posição marítima de controlo onde se encontravam os principais portos
portugueses da costa atlântica e Lisboa, a capital, e objectivo principal para qualquer invasor.
A região Norte Interior, do rio Minho até ao rio Tejo, é a mais acidentada do território nacional,
dificilmente acessível e de difícil transitabilidade, sendo mais favorável à defensiva do que à ofensiva
e propícia ao combate de surpresa e ao estabelecimento de operações irregulares. Viseu constituía-se
como chave dos movimentos sobre o vale do rio Mondego, e Abrantes chave dos movimentos sobre
o vale do rio Tejo.
A região Sul entre o rio Tejo e o oceano Atlântico é a região mais acessível e transitável sendo por
isso a mais difícil de defender. Limitada ainda por uma suave fronteira terrestre apoiada apenas no rio
Guadiana e seus afluentes e nos afluentes da margem esquerda do rio Tejo é constituída por uma
imensa planície com elevações dispersas e separada do litoral algarvio por uma forte cadeia de serras.
Apesar da sua distância à capital portuguesa é por esta região que Lisboa se ligava normalmente ao
interior da Península Ibérica. Região extensa e quase desabitada estava dependente das posições de
Abrantes e de Santarém para controlar os movimentos ao longo do vale do Tejo. Nela, Évora foi sempre
o polo de todo o Alentejo e do Algarve. A região partilhava a fronteira com o território espanhol nas
regiões da Extremadura e da Andaluzia.
O conhecimento da cartografia terrestre do território de Portugal Continental dos séculos XVII e
XVIII era muito escasso. Foi só a partir de meados do século XVII que a figuração terrestre de Portugal
conheceu um especial incremento após a restauração da independência, em dezembro de 1640.
Nunca como até então o território foi alvo de tão detalhados reconhecimentos, com claros objetivos
geoestratégicos e militares. Havia a necessidade premente de planear e gerir a guerra.
Os reconhecimentos cartográficos realizados não foram, nem sistemáticos no tempo, nem
uniformemente abrangentes no espaço. Atendeu-se, naturalmente, às áreas mais vulneráveis: as
fronteiras e as cidades, para as quais houve a necessidade de fortificar. Se a fronteira marítima, por si
só, exigia toda uma organização especial de defesa, onde avultavam as vigias e as batarias para a

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vigilância e o controlo das praias de desembarque e entradas das barras dos portos mais comerciais,
tão grave, ou maior, parecia o perigo vindo dos denominados “corredores de invasão”: Valença,
Chaves, Almeida, Elvas e Castro Marim.
No entanto, e pelo facto de a menor distância entre as duas capitais ibéricas ser pela Extremadura
espanhola e pelo Alentejo português, a orografia desta parte do território, com menos obstáculos que
as restantes, torna-a, do ponto de vista militar, o eixo de aproximação mais provável, razão para que
grande parte das campanhas militares se tenha travado em ambos os lados da fronteira. A maioria das
campanhas não passou de escaramuças e razias, por parte de uns e de outros, com a destruição das
defesas militares, as ocupações temporárias de localidades, a morte violenta dos habitantes, e roubos
diversos. Mas aconteceram também grandes e decisivas batalhas com as quais se relacionam alguns
dos mapas elaborados. O contributo dos engenheiros militares nos levantamentos de campo e no
desenho dos mapas, na construção e reconstrução das fortalezas, no ataque e na defesa das praças de
guerra, foi notável e a escola cartográfica da Engenharia Militar Portuguesa foi, graças a eles,
decisivamente renovada. Neste quadro militar e geográfico para o conjunto do território, o Alentejo é
foi um cenário de primeiro plano. O território fronteiriço entre o Tejo e o Chança foi constantemente
figurado em mapas, porque era repetidamente cruzado e atacado pelo inimigo.
No universo hoje existente de cartografia militar dos séculos XVII e XVIII, o Alentejo fronteiriço é o
espaço português mais representado, pelas suas características geoestratégicas de espaço aberto,
propício para o emprego da Cavalaria, em face das inúmeras povoações fortificadas, constituindo
autênticas Praças de Guerra, que abrigavam não só as populações residentes, mas também as forças
que as defendiam, e que com elas partilhavam a mesma sorte. Da existência e manutenção das
fortificações no conjunto do sistema militar do Alentejo, bem como da força militar das suas
guarnições, dependeu a sobrevivência da capital e do País.
A atenção dada aos espaços da fronteira do Alentejo continuou ao longo do século XVIII face aos
diversos conflitos mantidos com o vizinho peninsular: a Guerra da Sucessão de Espanha, de 1703 a
1714; os momentos de grande tensão com Espanha com o eclodir de conflito luso-espanhol pelas
fronteiras da América do Sul, de 1735 a 1737; a Guerra Fantástica sob a influência organizadora do
Conde de Lippe, em 1762, no contexto da Guerra dos Sete Anos e do Pacto de Família; de um novo
conflito luso-espanhol no extremo no sul do Brasil e da Colónia do Sacramento, em 1776 e 1777, e
posteriormente as Campanhas do Rossilhão, de 1793 e 1794; e já entrado o século XIX, a Guerra das
Laranjas, em 1801 e, finalmente, as Invasões Francesas de 1807 a 1812. Relacionados com cada um
destes momentos foram elaborados mapas, e planos de fortificações, uns mais elementares, simples
croquis ou em borrão; outros mais cuidados, mais precisos, desenhados com maior minúcia; outros,
finalmente, gravados e editados em várias quantidades.
A política do ordenamento do território passaria, a partir de 1720, para a responsabilidade da Real
Academia de História Portuguesa, criada por D. João V. Nesta Academia, a escolha do responsável pela
coordenação da componente cartográfica de amplo projecto editorial de mapas recaiu em Manuel de
Azevedo Fortes, neste tempo engenheiro-mor do Reino. Sob a sua orientação os reconhecimentos e
levantamentos cartográficos realizados atenderam apenas, e naturalmente, às áreas mais vulneráveis:
as fronteiras e as cidades.

O APARECIMENTO DAS CIDADES-QUARTEL

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As profundas alterações dos sistemas defensivos, quer das povoações, quer dos métodos de ligação
e comunicação entre elas, modificaram profundamente a paisagem rural, como mudaram
fundamentalmente a geografia urbana, com o relegar dos velhos castelos para um segundo plano de
importância face à nova fortificação abaluartada das praças-fortes.
A transição do século XVII para o XVIII é a verdadeira charneira da alteração da fisionomia urbana
alentejana, principalmente nas povoações fronteiriças de primeira e segunda linha, tais como Castelo
de Vide, Marvão, Alegrete Portalegre, Arronches, Ouguela, Monforte, Campo Maior, Barbacena, Elvas,
Estremoz, Vila Viçosa, Borba, Olivença, Juromenha, Monsaraz, Mourão, Moura, Barrancos, Santo
Aleixo, Serpa, Forte de Santa Isabel e Asseiceira. O mesmo sucedeu, na sua continuidade, em diversas
povoações do Reino do Algarve tais como Alcoutim, Castro Marim, e Vila Real de Santo António, tendo
algumas delas visto melhoradas as suas velhas muralhas medievais ou sido dotadas de novas
fortificações abaluartadas como sendo: os fortes de Santo António, de São Sebastião, da Carrasqueira,
do Rato, do Pinheiro, ou a bateria do Registo.
Face à renovação do novo sistema defensivo da fronteira alentejana pela construção das
fortificações abaluartadas, houve a necessidade do guarnecimento das mesmas com os recursos
humanos e materiais necessários para a sua defesa eficaz. Neste sentido e após a Restauração da
Independência de 1640, o Conselho de Guerra decidiu deslocalizar contingentes do litoral para a faixa
fronteiriça, o que levou a que o recém-nomeado Governador das Armas da Província do Além Tejo,
Matias de Albuquerque, tivesse tido que anular os privilégios que algumas das povoações e populações
da raia detinham relativamente ao aboletamento de militares, desde que, em 1570, D. Sebastião
promulgara o decreto régio que obrigava as populações de fronteira a alojar, alimentar e tratar da
roupa e animais das guarnições aí estacionadas e que viessem de outras localidades, como foi o caso
das urbes de Elvas, Campo Maior, Olivença, Moura, etc., que, nalguns casos, pelos serviços e feitos
heroicos então prestados ao Reino tinham ficado isentas do dever de aboletar militares, tendo sido
este privilégio respeitado por Filipe II, em 1580 quando entrou em Portugal, tendo obrigado a que os
seus exércitos ficassem em abarracamentos ou acantonamentos fora dos muros da cidade.
No entanto face à nova conjuntura militar defensiva, estas cidades e as suas congéneres vizinhas
foram protegidas por guarnições que no total ultrapassavam de vários milhares de efectivos, tornando-
as em verdadeiras cidades-quartel, ou praças de guerra, para as quais foi criado, para sua
administração, um novo cargo, o de Quartel-Mestre, com a missão de coordenar e controlar os
alojamentos dos militares que utilizavam as habitações civis. Estas praças de guerra viriam a ser
classificadas por classes, sendo, no Alentejo, a de Elvas, de 1.ª classe, e as restantes de 2.ª classe.
Esta presença massiva de militares não era isenta de problemas para os habitantes, pois a sua
disseminação pelas diversas habitações provocava a sua dispersão e difícil controlo, sendo
frequentemente causas de indisciplina e de enormes conturbações sociais.
Por exemplo, é neste cenário difícil e caótico para a população civil, sofrendo as agruras provocadas
por Castela que frequentemente lhe queimava as colheitas ou lhe roubava o gado e, ainda, os abusos
constantes dentro das suas próprias casas por parte dos seus contemporâneos defensores do Reino
vindos de outras paragens, que a população de Elvas, em 17 Janeiro de 1643, se propõe pagar mais
um imposto a acrescer aos que já pagava, para a construção definitiva de quartéis para alojamento ou
apoio dos contingentes militares. Pagou este imposto durante 225 anos, um longo período durante o
qual foram construídos ou adaptados 36 quartéis, para contingentes que chegaram aos 34.600
militares, naquela que foi a maior praça-forte do Reino durante os séculos XVII a XIX. Este pioneirismo
de Elvas quer na criação e pagamento do Real de Água, quer no Real para a construção de quartéis,
veio posteriormente a aplicar-se em outras localidades com realidades semelhantes.

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A forte presença militar nestas paragens raianas criou um estilo de vida próprio nas suas gentes.
Também elas foram militarizadas desde o nascimento à morte, cumprindo os horários marcados pelas
distintas unidades militares, com os seus toques de clarim, dando anúncio à alvorada e até ao recolher,
bem patentes ainda na memória colectiva de gerações mais idosas, cujas tradições são testemunhos
de relatos de como as fanfarras ao desfilar pelas artérias das povoações assinalavam também o toque
de recolher, a partir do qual o silêncio era obrigatório para todos, e em que eram fechadas as portas
de entrada nas fortificações, tendo muitas vezes que pernoitar extra muros os moradores que se
atrasavam nas lavouras dos campos.
As novas fortificações passam a ser melhoradas com o incremento de obras exteriores, e se em
alguns casos estas obras se limitaram apenas à construção de novos revelins ou tenalhas, outros houve
em que se construíram obras coroas, meias luas, hornaveques e um ou mais fortes ou fortins para
suprir a existência de padrastos que dominavam essas mesmas fortificações, passando a constituir um
complexo sistema entrincheirado com apoio mútuo quer da artilharia quer da infantaria para manter
o sitiante o mais distante da praça-forte e na sua impossibilidade, canalizando-o através das obras
exteriores até aos fossos onde seria dizimado.
Também no subsolo os sistemas defensivos melhoraram, com a criação ou amplificação das redes
de contraminas por forma a detectar o mais prematuramente possível as minas do sitiante e anulá-
las; neste sentido muitas das redes de contraminas foram dotadas de paióis onde a pólvora era
armazenada para maior eficácia.
Afins e em complemento destes campos entrincheirados foram construídos ou ampliados os
edifícios de apoio logístico, tais como as cisternas para armazenamento de água, que continham uma
capacidade de água tal que permitiam resistir a um cerco de várias semanas, dando de beber quer a
homens quer a animais, ou os seus paióis independentes, para que em caso de explosão de um deles,
os riscos fossem minimizados para os outros. Foram também construídos os assentos de provisões de
boca, com capacidade para armazenar e alimentar, quer o exército, quer a população civil, durante
muitos meses seguidos sem abastecimento ou colheita.
Na imediação das fortificações também se procedeu à construção de campos de manobras militares
para infantaria, artilharia e cavalaria, destinados ao treino militar e aos exercícios permanentes dos
corpos do exército, que em conjunto com as sucessivas reorganizações estruturais orgânicas do
exército contribuíam para um melhor desempenho de conjunto do sistema defensivo português. As
reformas legislativas para reorganização, nas praças-fortes, quer das unidades militares, quer do seu
funcionamento administrativo, aliadas ao treino permanente dos exércitos, revolucionaram não só o
pensamento militar como os métodos de actuação, racionalizando e operacionalidade do exército
português e consequentemente a melhoria da eficácia da defesa do Reino.

MIGUEL LUIZ JACOB E OS PLANOS-RELEVO DAS PRAÇAS DE GUERRA DA RAIA ALENTEJANA

Na cartografia setecentista do Alentejo destaca-se um notável conjunto de dez plantas das


localidades fronteiriças fortificadas, desde Marvão a Mértola, publicado em 1755, o qual constitui a
Colecção de Plantas das Praças do Alentejo e dos seus contornos, da autoria de Miguel Luiz Jacob (c.
1710 – 1771), documento complementado pelas plantas das Praças de Elvas, de Estremoz, de Castelo
de Vide e de Olivença, todas do mesmo autor e ano, mas não incluídas naquela Colecção.

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A maioria destes documentos foram elaborados a partir dos elementos “tirados na vezita geral das
praças da província do Alentejo, no anno de 1755”, durante o período compreendido entre 1750 e
1756, em que era Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Sebastião José de
Carvalho e Melo, futuro primeiro-Ministro de Portugal, Conde de Oeiras e Marquês de Pombal, por
certo, na sequência da reorganização em curso do Exército de D. João V, que desde 1735, preparando
uma possível guerra com Espanha na Europa, vinha a ser realizada no seio militar com a constituição
da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em 28 de Julho de 1736, para
coordenar o trabalho dos diferentes organismos encarregues de gerir o Exército português, assim
como a diplomacia portuguesa.
Miguel Luis Jacob, engenheiro militar, nascido em Portugal, de ascendência francesa, foi formado
na escola portuguesa de engenharia militar e a sua obra reflete a renovação promovida pelo
engenheiro-mor do Reino, Manuel Azevedo Fortes, ao longo da primeira metade do século XVIII.

Jacob estudou na Academia Militar da Corte (antiga Aula de Fortificação e Arquitetura Militar), em
Lisboa, num período marcado pelas reformas e métodos do engenheiro-mor do Reino, Manuel de
Azevedo Fortes, que terá coordenado diretamente o desempenho de Jacob como projectista, que
desde cedo se destacou nos trabalhos de desenho de todo o tipo de plantas. Em 1737, iniciou a sua
carreira como ajudante de infantaria, com exercício de engenheiro, para as fortificações do Alentejo,
província onde desenvolveu o seu trabalho durante cerca de duas décadas, período longo no qual
procedeu ao levantamento de diversas praças de guerra, tendo produzido, entre outros documentos
cartográficos, a Colecção de Plantas das Praças do Alentejo e dos seus contornos.

A partir de 1759 vamos encontrar Jacob a trabalhar na província da Beira, para a praça de guerra
de Almeida, local onde terá casado e permanecido atá à sua morte, ocorrida em 1771. Em 1762, no
contexto da Guerra Fantástica e, na sequência dos estragos provocados pelo sítio espanhol daquele
ano na praça de Almeida, produziu, entre 1764 e 1768, uma completa coleção de desenhos, quer da
própria praça, quer dos edifícios militares da mesma, tendo sido responsável pela reparação ou
reconstrução.

Do trabalho deste Engenheiro Militar foram-nos deixadas numerosas peças desenhadas, em várias
escalas e de múltiplas características, demonstrando uma excecional qualidade técnica e estética. O
seu trabalho pode ser dividido em duas grandes coleções de cartas e plantas. O primeiro é relativo às
representações do levantamento de várias praças de guerra, bem como dos terrenos envolventes e,
em alguns casos, como é o das plantas do sítio efectuado em Almeida, em 1762, documento que
representa o espaço urbano com as trajectórias das balas de artilharia e os danos por elas provocados
na praça. O segundo grupo de desenhos documenta as obras de reparação e reconstrução das zonas
fortificadas e de numerosos edifícios de utilização militar, constituindo uma coleção de valiosos
documentos que estão elaborados como desenhos de arquitetura, regidos por uma escala e
mostrando no figurino a representação obrigatória de planta, alçado e corte.

Com base na cartografia integrante da Colecção de Plantas das Praças do Alentejo e seus contornos
e em outras da mesma época, bem como em trabalhos de campo, o Gabinete de Estudos
Arqueológicos da Engenharia Militar produziu, com materiais reciclados ou já utilizados, os planos-
relevo de praças de guerra da fronteira do Alentejo: Castelo de Vide, Ouguela, Campo Maior, Elvas,
Olivença, Juromenha, Monsaraz, Mourão, Estremoz e Vila Viçosa, baseados nas plantas desenhadas
por Miguel Luiz Jacob, mas actualizados por novos elementos, contemporâneos da época, obtidos
através dos achados de várias campanhas arqueológicas, fornecidos pelos serviços de arqueologia dos
referidos Municípios, aos quais se acrescentou as plantas de Marvão, de Arronches, de Noudar, de
Serpa e de Mértola.

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Os planos-relevo apresentados nesta exposição são trabalhos técnicos e artísticos que representam
as praças de guerra em meados do século XVIII e que pretendem mostrar sob uma forma
tridimensional a representação da época relativa às fortificações e outras construções do núcleo
urbano das Praças de Guerra do Alentejo como elas o teriam sido na época, sendo que hoje, quer pelo
desenvolvimento urbanístico envolvente, quer pela inclemência do passar dos anos ou pela incúria dos
homens, a realidade das fortificações da fronteira do Alentejo é bem diferente.

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