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subaquática”
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O crescente número de intervenções nas zonas ribeirinhas das cidades, onde surgem
vestígios destas vivências fluviais e marítimas, exige cada vez mais um trabalho
multidisciplinar integrando especialistas de várias ciências que possam contribuir para a
melhor compreensão destes ambientes, tornando crucial o cruzamento dos dados com a
arqueologia terrestre. O estudo destes ambientes deve também ter em conta vários aspetos
como as consequências das alterações da linha de costa e dos cursos fluviais, os estudos
de geomorfologia costeira para compreender as alterações do território litoral
(hidrodinâmica sedimentar, evolução da linha de costa, assoreamentos, tectónica) a
cartografia, documentação coeva, episódios naturais (sismos e/ou tsunamis). Analisando
a paisagem fluvial e marítima, através da identificação de pontos de abrigo, ancoragem,
com atividade portuária, e quais os casos em que há continuidades ou implantações ex
novo.
O Mar do Algarve dos séculos XV e XVI
O Algarve, pela posição privilegiada da sua costa virada ao Atlântico, proporcionou desde
a Antiguidade condições ideais à implantação de povos, que a partir do litoral se
expandiram pelo território. A sua distinta paisagem cultural marítima, com um barlavento
de arribas recortadas e um sotavento de ilhas-barreiras, deu ao Algarve um papel crucial
como zona de passagem e confluência de povos numa ligação entre o Atlântico e o
Mediterrâneo (Baptista, 2019). A extensa linha de costa portuguesa fomentou as
vivências ligadas ao Mar, influenciando a sua trajetória histórica. A partir do século XV,
os Descobrimentos e Expansão marítima portuguesa afirmaram o reino de Portugal como
uma importante formação política no domínio do “Mar-Oceano” e na descoberta de novos
territórios (Garcia, 2016, p.262). O navio1 foi o meio de transporte por excelência
empregue nestas descobertas marítimas, construídos com diferentes tipologias e
tonelagens, adaptados aos objetivos da Coroa, fossem eles de transporte, exploração e/ou
bélico. Desta forma, o contexto de naufrágio é em si um testemunho incalculável de valor
histórico e patrimonial, um túmulo coletivo de uma realidade do que foi o navio até ao
momento do naufrágio, uma verdadeira “capsula do tempo” (Ibid, p.263; Património
Cultural Subaquático, 2016). O mar dos séculos XV e XVI foi assim, uma imensa “estrada
líquida” caracterizada por uma significativa movimentação de embarcações, pessoas,
mercadorias e saberes, por episódios naturais, mas também por intensos episódios bélicos,
em consequência da conquista de Ceuta, dos ataques de corsários e pelos conflitos
associados ao período da união ibérica que se estendeu pelo século XVII. Assim, no início
do século XV, o estabelecimento da paz com Castela (1411), coincidiu com o momento
em que o reino de Portugal reunia todas as condições para desencadear uma expansão
ultramarina assente na guerra e no comércio, sustentada por uma nobreza sequiosa de
honra e riqueza, e por agentes económicos empreendedores, e legitimada pela Igreja. D.
João I apercebeu-se deste dinamismo e canalizou-o para uma expedição militar. Como
disse Zurara2, Ceuta era “a chave do Mediterrâneo” (Costa, 2014, p.32). A conquista de
Ceuta em 1415 provocou uma intensificação da navegação nas águas a sul do Algarve,
com a armada portuguesa aí ancorada antes da partida para o norte de África, composta
por 200 navios, 25 galés, com 45.000 homens de armas (Chagas, 2004, p.43).
Tavira teve então, um papel crucial na defesa das praças do Norte de África, não só de
Ceuta, mas de outras, como Alcácer-Seguer (1458), Tânger e Arzila (1471). A sua
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Navio – Segundo o Pª Fernando de Oliveira navio é “tudo aquilo em que se anda ou se leva algũa coisa per cima
daugua” (Leitão & lopes, 1990, p. 371). Compreende-se um barco de porte razoável ou grande, apto para fazer viagens
de cabotagem ou transoceânicas ou, ainda, viagens em rios ou grandes lagos. Os navios podem ser de madeira, metal
ou de construção mista (Leitão & Lopes, 1990, p. 371).
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Gomes Eanes de Zurara, 1410-1474
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localização, as capacidades do seu porto, as características dos seus homens do mar,
tornaram Tavira no principal porto de reabastecimento das praças africanas, no combate
à pirataria e corso muçulmano (Rodrigues, 2008, p.90).
O domínio filipino (1580-1640) trouxe novos paradigmas e mudanças na construção
naval, no comércio, na forma de fazer a guerra no mar e novos inimigos da coroa ibérica.
Assim, no final do século XVI, mais um episódio deixou marcas na história marítima da
costa algarvia, com o ataque do corsário inglês Francis Drake, a 24 de junho de 1596.
Com uma frota de 130 velas e 3.000 homens, aquando do regresso da expedição a Cádis,
desembarcou e saqueou Farrobilhas, no concelho de Loulé e no dia seguinte saqueou
Faro, registando-se significativos estragos no seminário e biblioteca da cidade (Chagas,
2004, p.63).
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Portal do Arqueólogo / Endovélico
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O porto de Tavira
A implantação de um porto tem normalmente uma forte componente geo-estratégica na
escolha do local e na sua posição em relação ao Mar e aos territórios envolventes. Pode
ser definido como um local de encontros e intercâmbios entre os ambientes terrestres,
fluviais e marítimos. É um espaço estratégico devidamente organizado, protegido e
controlado (Barros, 2016, p.26). A sua dimensão económica desenvolve-se em vários
aspetos: transporte, comércio, abastecimento, pesca, guerra, entre outros. Existindo uma
curta relação entre o porto, como centro económico e o seu hiterland, a região
alimentadora do seu tráfico (Ibid, p.27). A criação de um porto comporta vários aspetos
na organização física do espaço portuário: sistema fiscal e administrativo, construção e
manutenção de barcos, edifícios de apoio portuário (por exemplo os armazéns), entre
outros. Tavira enquadra-se na referida escolha régia pelas suas características ao
combinar um ótimo sítio defensivo, com uma boa localização portuária e comercial, a
jusante do limite da área de influência das marés, de um rio navegável, com uma posição
recuada ao mar, protegendo-a (Corvo, 2008, p.18). As ilhas-barreira tiveram e têm um
importante papel na sua implantação, desenvolvimento e proteção, pois são o primeiro
obstáculo a superar na aproximação por via marítima, protegendo-a, igualmente dos
fenómenos naturais (Ibidem). A expansão urbana para além das muralhas e a ocupação
junto às margens do rio, onde se desenvolviam as atividades portuárias, relacionadas com
o apoio à navegação e às atividade da construção naval, como acontecia em outras grandes
cidades como Lisboa e Porto, faziam do porto ou da denominada Ribeira de Tavira, a
mais meridional do reino. Em meados do século XVI, Tavira encontrava-se perfeitamente
estabilizada à volta da sua Ribeira, desenvolvendo-se ao longo da margem direita do rio,
para jusante da ponte, com uma área urbana de quarteirões consolidados, que ainda hoje
existem (Macieira e Manteigas, 2008, p.44). A importância e grandeza da sua Ribeira é-
nos demonstrada pelas normativas da coroa ao longo das centúrias. D. Manuel I em 1507
proíbe a construção de casas, junto ao Rio reservando o espaço ribeirinho para a
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Portal do Arqueólogo / Endovélico
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construção naval. Porém, a atividade do(s) estaleiro(s) seria de tal forma intensa que levou
D. João III a proibir, em 1562, o corte de árvores para proteger as matas de serem
devastadas, este facto demonstra-nos a grandeza desta indústria (Vasconcelos, 1937,
p.135). Desse século, mencionar estruturas que são indissociáveis da Ribeira, e que
contribuíram na história não só da região mas também do Reino, como foi o caso das
estruturas para a defesa da barra e consequentemente da cidade e por último, a indústria
da pesca, com destaque para o atum. No primeiro caso, destaca-se o Torrão do Lastro5 e
o Forte da Ilha das Lebres ou de Santo António (1573), o primeiro localizado na zona das
Quatro Águas, o outro frente à entrada da atual barra, ambos referidos por Alexandre
Massai, na sua visita entre 1617/1618 (Guedes, 1988, p. 100). No caso do Torrão do
Lastro, já desaparecido, o autor descreve-o já em estado de ruina, sugerindo a necessidade
da sua reconstrução, pela sua importância estratégica na defesa da barra e da cidade. Ao
mesmo tempo cede informações sobre as profundidades da barra e do canal assim como
as embarcações que aqui podem navegar (Ibidem). A profundidade na parte mais baixa
na maré vazia tem 7 palmos6 e na preia mar de “ágoás redondas”7 tem 16 palmos8 e
segundo os pilotos da cidade nas marés maiores entravam “navios de quilha (…) 40
tonelladas carregadaos e nas mais pequenas de ágoás de 20 áte 25” que chegavam até
ao denominado Torrão do Lastro (Ibidem). Estrutura de planta quadrada de taipa com “25
áte 30 palmos por lados” que se implanta sobre área de forma ovalada, sobre construído
de “fortissimo barro seguro p.ª sostento de estacadas (…) tem de largo 120 palmos E de
comprido 180 (Ibid, p.101). Analisando em breves palavras este topónimo “lastro”,
estamos provavelmente perante uma área de abandono de lastro dos navios. Isto porque,
nas operações de carga e descarga para equilíbrio dos navios havia a necessidade das
embarcações libertarem o seu lastro conforme iam executando estas ações, laçando-o
muitas vezes à água, criando zonas de acumulação que poderia trazer perigo e problemas
graves à navegabilidade. O lastro poderia ser composto por grandes pedras, cascalho
miúdo, areia, chumbo, ferro entre outros (Garcia, 2008, p. 132). A comprovar estes
abandonos em zonas portuárias, em documentação camarária do século XV e XVI relativa
ao Funchal (Madeira) e a Angra do Heroísmo (Açores), refere-se nas normas de
funcionamento “Posturas” o perigo de largar lastro, decretando proibições e sanções a
estes procedimentos (Garcia, 2020, p.93).
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Lastro – matéria pesada que se coloca nos porões do navio ou embarcação para lhe aumentar a estabilidade (Leitão
& Lopes, 1990, p. 319).
6 Palmo – medida de comprimento muito utilizada em Portugal. (LEITÃO & LOPES, 1990, p. 389). No texto de
Massai o mais provável é tratar-se da medida do palmo comum = 22 centímetros. Profundidade = c.1,50 metro
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Marés mortas
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Palmo comum= 22 cm. Profundidade = c. 3,50 metros
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Figura 2 – Localização do Torrão do Lastro
Excerto da planta da Barra de Tavira de Alexandre Massai (GUEDES, 1989, p.104)
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a grandes profundidades, inacessíveis em mergulho autónomo, apenas com recurso a
veículos remotos ou pelos pescadores, os quais têm a maior parte das vezes o primeiro
acesso aos espólios subaquáticos. Porém, normalmente os achados recolhidos são
escondidos ou devolvidos ao mar, dependendo do valor monetário ou da relíquia, sem
que haja comunicação de achado fortuito às autoridades competentes, para o
encaminhamento legal para a autarquia e/ou museu. O primeiro passo perante estes factos
é o de consciencializar as comunidades piscatórias para a importância da salvaguarda e
valorização desse património, tornando-os parte da história marítima da cidade, criando
uma ligação entre os pescadores e a comunidade científica. Parte desta história e deste
património é “invisível”, inacessível e frágil. Adicionando a esta conjuntura há que ter
em conta outros fatores, como os materiais perecíveis das embarcações e as estruturas
portuárias, que muitas vezes só se conservam se estiverem em ambientes anaeróbicos
como é o caso dos lodos das zonas estuarinas, fluviais ou lagunares. Os estudos lacunares
ou sobre o interface fluvial e marítimo são escassos e na sua relação com o território
verifica-se uma quase ausência do cruzamento desses dados entre a arqueologia terrestre
e a arqueologia náutica/subaquática. Assim, juntamente com as obras portuárias,
marítimas e de interface fluvial-marítimo, será fundamental para a preservação deste
património garantir que estas são acompanhadas por especialistas e que se aposta na
sensibilização e um maior investimento por parte das entidades (municípios e
universidades) no estudo do nosso “Mar Histórico”.
Bibliografia
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Nota biográfica
Brígida Baptista, licenciada em Arqueologia pela Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa (FL-UL). Pós-graduada em Arqueologia Náutica e Subaquática pela
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL)/Instituto Politécnico de Tomar (IPT). Mestre
em Arqueologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova
de Lisboa (FCSH-UN). Trabalhou na Direção Regional de Cultura dos Açores na gestão
da Carta Arqueológica Subaquática e Parques Arqueológicos Subaquáticos dos Açores.
Desenvolveu investigação sobre Tratados de Construção Naval dos séculos XVI/XVII no
CEMAR da UAL. Atualmente desenvolve investigação sobre pesca do atum,
embarcações tradicionais e comunidades piscatórias. É presidente da Lais de Guia –
Associação Cultural do Património Marítimo, trabalhando na valorização e salvaguarda
do património marítimo, com sede em Santa Luzia, Tavira.