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Universidade do Algarve

Faculdade de Ciências Humanas e Sociais


Doutoramento em Estudos de Património

Sal e as
O
Salinas de Castro Marim
Breve introdução ao tema

Disciplina de Património Cultural e


Arquitetura Tradicional

Ano letivo 2023/2024 Patrícia Fernandes


BREVE HISTÓRIA DO SAL PORTUGUÊS

Produto indispensável ao homem e à conservação


de alimentos, o sal aparece intimamente
relacionado com todas as manifestações da vida
humana desde a antiguidade.

Segundo refere Charles Lepierre, o primeiro


documento que se refere ao sal marinho e à
importância da exploração de sal pode ser o da
História Natural de Plínio, onde este refere que
“nada há mais útil do que o sol e o sal”
BREVE HISTÓRIA DO SAL PORTUGUÊS

A costa norte de Portugal definiu-se, durante o


século XIII, como o principal centro produtor e
exportador de sal

Este sal possibilitou o surgimento de uma


relação muito próxima entre Portugal e a
Holanda, permitindo a existência de uma
“Ponte Marítima de Sal” entre os dois países,
provocando trocas comerciais intensas entre a
Europa do Norte e Portugal e enfatizando o
poderio marítimo lusitano
BREVE HISTÓRIA DO SAL PORTUGUÊS

A história do sal português representa uma


história de poder, de lutas de poder e de
rivalidades pelo controlo da tributação desta
riqueza
D. Sebastião, em 1576, impôs o monopólio da
venda do sal pela Coroa, onde todos os
produtores ficaram obrigados a vender o terço
da sua produção aos celeiros reais
Após a Guerra da Restauração de Portugal
(contra Espanha), por volta do ano de 1660,
uma das maiores riquezas disponível no país
era o sal, e os marnotos que ensinassem aos
galegos a arte das salinas, eram punidos com
pena de morte
BREVE HISTÓRIA DO SAL PORTUGUÊS

Em 1695, uma ordenança proibiu a emigração


dos marnotos, com a finalidade de impedir a
divulgação, no estrangeiro, da sua experiência e
saber-fazer técnico nesta atividade
Para denotar a importância do sal, este é
referido na narrativa de Cadamosto, navegador
veneziano que se uniu à empresa do Infante D.
Henrique de Portugal, onde narra num
manuscrito em italiano, datável de 1463-4,
como se trocava sal por ouro, nas costas da
Guiné
BREVE HISTÓRIA DO SAL PORTUGUÊS

As drailles (caminhos Durante o Verão, enquanto os rebanhos de ovinos


percorridos pelos permaneciam nas pastagens o sal marinho estava a ser
rebanhos) de produzido
transumância, que
iam da costa No Outono, percorrendo o caminho inverso as
mediterrânica em caravanas muares, transportando sal, dirigiam-
direção às zonas se para as alturas através de vales, enquanto os
montanhosas rebanhos desciam para as suas pastagens de
interiores, já Inverno
coincidiam com os
caminhos traçados Na Primavera, acompanhados dos mantimentos para os
com o pastores e seus animais os rebanhos trocavam as suas
aprovisionamento de pradarias de Inverno pelos lugares de transumância
sal
BREVE HISTÓRIA DO SAL PORTUGUÊS

A partir dos séculos XV e XVI, a expansão europeia foi sustentada por técnicas
relativas às salinas, salientando-se como inovação de importantes consequências
sociais a salga do peixe

Os pescadores europeus, e particularmente os portugueses, pouco depois da


descoberta da América, partiam para a pesca do bacalhau ao largo da Terra Nova,
tendo esta pesca de longo curso baseado-se sobre a conservação dos alimentos,
sendo os navegadores desta época pioneiros da indústria das conservas
PAISAGEM CULTURAL E UNIDADES DE PAISAGEM ENQUANTO PATRIMÓNIO

Paisagem
uma parte do território, cujo caráter resulta da ação e interação de fatores naturais e
ou humanos, podendo esta paisagem ser protegida através de ações de conservação
ou manutenção dos seus traços significativos e caraterísticos, consoante o seu valor
patrimonial resultante da sua configuração natural e ou da intervenção humana
(Convenção do Conselho da Europa sobre a Paisagem)

“a extensão do território que se abrange de um só lance de vista, que se considera


pelo seu valor artístico, pelo seu pitoresco” (Gonçalo Ribeiro Telles, In Paisagem)
Cultural
marcas simbólicas derivadas das necessidades do homem, onde através do Ano
Europeu do Património Cultural (2018) o conceito de “paisagem cultural” surge aliado
ao património cultural sendo este lido como um testemunho de identidade relevante
na história da humanidade
PAISAGEM CULTURAL E UNIDADES DE PAISAGEM ENQUANTO PATRIMÓNIO

Unidade de paisagem

é uma área onde a paisagem apresenta um determinado caráter associado a um


padrão específico, cuja definição deve integrar as componentes objetiva ou material e
a subjetiva, de modo a identificar as caraterísticas que a diferenciam de outras
unidades de paisagem.
ALGARVE como UNIDADE DE PAISAGEM

Por todo o território do atual Algarve, desde os tempos do Paleolítico Inferior, até ao
Neolítico, que as comunidades humanas deste território, a partir do 5.º milénio a.C.,
exprimem as suas necessidades de ordenar o seu espaço quer fisicamente, quer
simbolicamente, onde as paisagens salineiras operadas pelo homem desde há
milénios, impregnam a essência de uma cultura intimamente ligada ao mar
ALGARVE como UNIDADE DE PAISAGEM

De acordo com a obra “Contributos para a Identificação e Caraterização da Paisagem


em Portugal Continental” o Algarve carateriza-se por ser uma Unidade de Paisagem
onde se definem duas faixas bem particulares, o Barrocal e o Litoral
O Barrocal está encaixado entre a serra algarvia e o litoral, com largura variável possui
substrato calcário e um pronunciado relevo ondulado de baixa altitude.
O Litoral, encontra-se mais artificializado através da urbanização, e contrasta com o
Barrocal devido ao seu declive mais aplanado.

A rematar esta região encontra-se, a oriente, a Foz do rio Guadiana


Devido ao seu contexto bioclimático muito favorável e pela existência significativa de
valores naturais e de uma paisagem com uma riqueza cromática de relevo, denotando
a sua identidade mediterrânica, o Algarve tem sido alvo do interesse turístico
ALGARVE como UNIDADE DE PAISAGEM

Apesar da forte pressão urbanística, a arquitetura vernácula do Algarve tem um


precioso legado

“O monte algarvio carateriza-se pela articulação de vários elementos (casa do


proprietário, casa do caseiro, instalações agrícolas e pecuárias) que se fundem num
conjunto unitário, constituindo, com a paisagem envolvente, um universo
arquitetónico, económica e ecologicamente coerente. (…) À medida que se caminha
para o século XVIII multiplica-se uma nova tipologia, a quinta de recreio, sobretudo à
volta de Faro (Horta dos Macacos, Quinta do Rio Seco, etc.), de Tavira (Quinta do
Ribeirinho, Quinta de Sto. António), sendo ainda de especial interesse a casa nobre
suburbana de Loulé, que embora constituindo quintas de produção e lazer formam
verdadeiras frentes urbanas como o solar dos Mendonças (…) e o dos Gama Lobo (…).”
(Fernandes, José Manuel, et al. Arquitectura no Algarve dos primórdios à atualidade, uma leitura de
síntese)
FOZ DO GUADIANA – SUBUNIDADE DE PAISAGEM

De acordo com a obra “Contributos para a Identificação e Caraterização da Paisagem


em Portugal Continental” a Foz do Guadiana carateriza-se por ser uma Unidade de
Paisagem onde sobressai a presença do sapal de Castro Marim, do Rio Guadiana e do
mar, nitidamente mediterrânea, com fortes valores naturais e culturais, onde é
constante um complexo sistema húmido adjacente ao Rio Guadiana

A salinicultura integra uma das atividades que melhor descreve a relação do rio com o
mar, resultando numa paisagem identitária que emana um forte cheiro a sal e que se
traduz numa grelha quadriculada esbranquiçada que, em determinados momentos do
ano, irradia uma panóplia de cores ocres e rosáceos.
FOZ DO GUADIANA – SUBUNIDADE DE PAISAGEM

Como aglomerados urbanos que caraterizam este território e que merecem destaque,
surge a vila de Castro Marim onde a cartografia antiga evidencia um sítio muralhado
de forma a guardar o seu porto e a cidade de Vila Real de Santo António que surge
espraiada na planura da foz do Guadiana

Vista sul de Castro


Marim, reproduzida
do “Livro das
Fortalezas do Reino”
de Duarte d`Armas
(cerca de 1509)
ALGARVE SALINEIRO

A indústria salineira, desde muito cedo, foi explorada em território algarvio, datando
os primeiros vestígios dessa exploração em época anterior à dominação romana.

Nessa época a configuração da linha de costa era muito diferente da que conhecemos
hoje, tendo sido necessário esperar pelo fim da conquista portuguesa, que ocorreu
com a submissão da cidade de Faro no Algarve, em 1249, para que Portugal ficasse
com a sua linha de costa estabilizada
ALGARVE SALINEIRO

Devido às vicissitudes enunciadas anteriormente, é provável depreender que muitos


dos vestígios ligados à exploração dos recursos marinhos é possível perceber onde
estariam as abras e os estuários que propiciavam portos naturais de abrigo,
permitindo assim diversas atividades relacionadas com o mar, como é exemplo a
extração de sal

Parte desses locais, da Idade Média, encontram-se ainda ativos nos nossos dias,
podendo-se citar o sapal de Castro Marim e as rias Formosa e de Alvor

Nas imediações destes locais surgiriam as salinas que produziam e forneciam o “ouro
branco”, produto essencial à produção de salgas, molhos e pastas de peixe
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensando na simples ideia de uma paisagem natural que antropicamente foi
modificada pelo Homem, surgem as paisagens culturais que representam não apenas
uma unidade física, mas simultaneamente unidades ideológicas que foram sendo
esculpidas ao sabor das vontades dos seus colonizadores.

A paisagem cultural das salinas de Castro Marim desvela-se como poemas


geométricos que foram imprimidos na paisagem pelos seus escultores e matemáticos
da vida, que ao deixarem fluir os seus instrumentos como um pintor naif pincela as
suas telas, sem um manifesto conhecimento científico, mas que com as suas mãos e
experiência do seu fado criam uma obra de tal magnitude que se carrega
infinitamente com o seu Genius Loci, improvável de encontrar e de se confundir em
qualquer outro local do planeta

Assim é a paisagem salineira de Castro Marim.

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