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A presente obra acrescenta valor ao patrimônio histórico de

orgulho açoriano que se encontra associado ao povoamento do


Rio Grande do Sul, à formação do município de Triunfo e ao
legado dos seus filhos ilustres.
Importa, por isso, saudar a meritória iniciativa dos respetivos
autores – Luciana Nedel, Odila Pacheco, Fabrício Júnior Viegas,
Célia Ávila, Flávio Wunderlich, Odila Vasconcelos, Ruben de
Oliveira, Cláudio Ehlers e João Batista Garcia – que, curiosamente,
são tantos quantos as nove ilhas dos Açores.
Este livro começa pelo princípio da nossa história comum,
com a chegada dos casais açorianos ao porto emblemático de Rio
Grande de São Pedro no ano determinante de 1752, ocupando o
litoral gaúcho até Conceição do Arroio e trilhando terreno interior
até Cachoeira, com passagem estratégica e paragem prevalecente na
geografia própria de Triunfo.
Aqui subsiste a genética insular que o tempo não apaga, antes
evoca e celebra na comemoração promissora dos 270 anos do
povoamento açoriano de Rio Grande do Sul, em que este trabalho
coletivo de interessante pesquisa adequadamente se insere.
Por estas páginas se evocam os nomes de sucessivas
personalidades que triunfaram na história de Triunfo, desde o
padre Tomás Clarque e o patriarca Jerónimo de Ornelas até aos
artistas Iracema de Alencar, Olegário Triunfo e Gildo Campos,
passando pelo revolucionário Bento Gonçalves, o deputado Luiz
Barreto e o professor José Joaquim de Campos Leão.
Bendita é a terra que reconhece e enaltece o contributo individual
para o desenvolvimento coletivo, como agora faz Triunfo com os
seus filhos maiores neste ano estadual de celebração identitária.
Uma terra sem vontade retrospetiva é uma terra sem capacidade
prospetiva.
Em Triunfo o passado é um presente com futuro.

José Andrade
Diretor Regional das Comunidades do Governo dos Açores
Luciana Nedel

Luciana Nedel (1970) nascida em Montenegro, Rio Grande do


Sul, Brasil, é professora pós-graduada, concursada no município de
Triunfo há 20 anos. Pesquisadora, escritora, presidente do Núcleo
Luso Açoriano e do Conselho de Politica Cultural, Turismo e
Patrimônio de Triunfo. Fez escola de música, teatro e dança clássica
na Fundarte em Montenegro, teve colunas semanais nos jornais de
Montenegro por dois anos (Jornal Ibiá e Progresso). Foi editora da
Antologia Autres Luso Brasileiros de Triunfo de 2020, participou
como escritora da Antologia Autores Luso Brasileiros de Santo
Antônio da Patrulha de 2021.
A PRESENÇA AÇORIANA
NO RIO GRANDE DO SUL
E A FORMAÇÃO
DO MUNICÍPIO DE TRIUNFO

Fonte: Wikipédia, “infante d henrique padrao dos


descobrimentos”

INTRODUÇÃO

Apresentar as origens de cada sociedade, os lugares


onde cada uma delas se formou e as relações daí resultantes,
é fundamental para um estudo que pretenda mostrar a história
das mudanças por que passou a região e seu processo de
desenvolvimento. Os primórdios, ou os tempos mais antigos, têm
um resgate neste texto que procura evidenciar os elementos que
constituem ou constituíram aquilo que poderíamos chamar de
início da construção sócio histórica do espaço geográfico onde se
localiza o atual município de Triunfo.
O ano de 1752 é o referencial cronológico que assinala o
desencadear da imigração açoriana para o Rio Grande do Sul, a
partir de sua chegada ao porto do Rio Grande de São Pedro, segundo
Vera Lúcia Barroso (Açorianos no Brasil. Porto Alegre: EST, 2002,
p.11) e Maria Luiza Bertulini Queiroz (A Vila do Rio Grande de
São Pedro. Rio Grande: FURG, 1987). Em anos anteriores, os
açorianos já desembarcaram no cais da então Vila do Rio Grande,
porém a política dos casais se configurou em 1752 com a chegada
de grande número de ilhéus. Este capítulo épico no povoamento
do Rio Grande do Sul acarretou o surgimento de várias cidades
gaúchas como Porto Alegre, Triunfo, Taquari, Rio Pardo, Santo
Amaro, Gravataí, Viamão, Santo Antônio da Patrulha entre tantas
outras, com isso a difusão de hábitos alimentares, de linguajar,
de práticas agrícolas, de adaptações arquitetônicas expressos nas
singularidades da cultura luso-açoriana.
Na Vila do Rio Grande de São Pedro, assim denominada
administrativamente a partir de 1751, os açorianos tiveram um
papel civilizatório essencial para o seu desenvolvimento urbano,
demográfico, e econômico. São os primórdios de um povoamento
que se difundiu e marcou a formação e povoamento de muitas
localidades do Rio Grande do Sul a partir do período colonial.
A ocupação do sul do Brasil pelos portugueses ocorreu
tardiamente em relação aos demais pontos do território brasileiro,
praticamente duzentos anos depois do “descobrimento de Cabral”.
Produto das relações entre Portugal e Espanha, a dilatação da
fronteira para o sul foi se dando pela estratégia militar econômica
concebida pelos lusitanos nesta vasta região.
O ARQUIPÉLAGO DOS AÇORES

Mapa do arquipélago dos Açores. Fonte: WordPress.com

Portugal é dividido geográfica e administrativamente em parte


Insular(arquipélago da Madeira e dos Açores no Oceano Atlântico)
e parte Continental, situada em território europeu.
O arquipélago dos Açores localiza-se no Atlântico Norte, estando
dividido em três grupos de ilhas: grupo Oriental, constituída
por Santa Maria e São Miguel; grupo Central, constituído pelas
Terceira, São Jorge, Pico, Faial e Graciosa; e o grupo Ocidental,
formado pelas ilhas Flores e Corvo. Atualmente, o território possui
uma área de aproximadamente 2.333km 2. A Ilha de São Miguel é
a de maior área, com 750 km 2, seguida da Terceira, com 500 km
2, a menor é a do Corvo, com 15 km 2.
Os Açores estão distantes 800 milhas da costa de Portugal,
estando sob o domínio português desde 1432. O arquipélago
foi historicamente povoado por descendentes de portugueses e
flamengos (Flandres e Bélgica). O clima dos Açores é temperado
marítimo e com intensa umidade relativa do ar. A situação
geográfica do arquipélago, isolado no Oceano Atlântico e com
fenômenos vulcânicos, fez com que os ilhéus estivessem voltados
para o mar; ao mesmo tempo que impôs a solidão, despertou a
criatividade para a sobrevivência nas limitações do espaço através
da expressão cultural. O Oceano acabou sendo a fronteira da
expansão agrícola que instigou a expectativa de dias melhores e de
fartura em terras que o homem tornaria produtivas pelo trabalho.

ANTECEDENTES DA COLONIZAÇÃO

O Rio Grande do Sul luso-brasileiro da primeira metade do


século XVIII se restringia a poucos núcleos populacionais, cujo
centro estava na Comandância do Presídio do Rio Grande de São
Pedro, centro administrativo e militar que demarca efetivamente a
orientação da diplomacia portuguesa em garantir domínio sobre
o atual Rio Grande do Sul. Grande parte do espaço almejado, o
centro e o nordeste, estava sob o controle da Coroa Espanhola com
o projeto civilizatório jesuítico-guarani das Missões, constituída
por sete cidades e amplas estâncias missioneiras para a criação do
gado. Os portugueses buscavam o controle do litoral e sul, com
as fortificações em Rio Grande e também na direção da atual
fronteira com o Uruguai (Forte de São Miguel), buscando a ligação
com a Colônia do Sacramento do Rio da Prata. Nos quadros do
uti possidetis, a legitimação do direito de posse através do efetivo
povoamento dos territórios almejados, os açorianos foram vistos
como os potenciais desbravadores a ocuparem os espaços deixados
pelas ações diplomáticas e bélicas lusitanas. Com o tratado de
Madri de 1750, a necessidade de povoamento da região missioneira
a ser abandonada pelos guaranis intensificou a busca de um efetivo
povoamento pelos açorianos nesta região litigiosa. Por uma série
de fatores históricos, isto não acabou se efetivando, porém, a
participação populacional açoriana fez surgir vários povoamentos
e o desenvolvimento de atividades econômicas essenciais ao longo
do século XVIII. O Tratado de Madri estabeleceu, como condição
para a vigência de uma paz definitiva entre Portugal e Espanha, que
a Colônia do Sacramento passasse à Coroa castelhana, e que, em
troca, entregava à soberania portuguesa o território ao Norte do
Ibicuí, onde estavam as Missões Jesuítico-guaranis. Para demarcar
a linha do Rio de Janeiro e Minas, Gomes Freire de Andrade;
na qualidade de embaixador e representante de Portugal e chefe
supremo da Comissão Demarcadora, sendo, com iguais títulos,
representante de Espanha, o Marquês de Val de Lyrios.
Já em consulta datada de 26 de agosto de 1738, o Conselho
Ultramarino português dirigiu-se ao rei, sugerindo que casais das
ilhas fossem enviados ao Presídio do Rio Grande de São Pedro:
(...) visto se achar estabelecida a fortificação do Rio Grande de São
Pedro que V. Majestade se sirva querer tomar a última resolução
nas consultas que o Conselho tem posto na real presença de V.
Majestade para os transportes dos casais das Ilhas para o mesmo
estabelecimento porque só por este meio se poderá evitar a grande
despesa que precisamente se há de fazer com os transportes dos
mantimentos do Rio de Janeiro por falta e cultivadores que
naquelas vastíssimas terras os fabriquem, além de ficarem, estes,
também igualmente servindo para a sua necessária defesa, e ser
do interesse do Estado acrescentarem-se o número de povoadores,
o que para crescer consideravelmente as rendas reais do mesmo
Estado, assim nos dízimos das terra que cultivavam como também
os direitos as alfândegas dos gêneros a que precisamente hão de dar
consumo, matéria esta que faz digna da alta e grande compreensão
de V. Majestade ``. (ver coleção de documentos de José da Silva
Paes – 1949).
Apesar de migrarem para promoverem o desenvolvimento de
atividades agrícolas, as quais, por exemplo, foram implementadas
inclusive com o plantio do trigo, os açorianos foram, ao longo das
décadas, transformando-se em colonos agricultores e fazendeiros-
criadores. Os primeiros estancieiros do Rio Grande do Sul, cuja
distribuição de sesmarias teve início oficial em 1732, procediam de
Laguna e também da Colônia do Sacramento e, a partir da década
de 1750 os açorianos passaram a ocupar estes espaços.
O aspecto mais destacado que impulsionou a colonização
açoriana no Sul do Brasil deveu-se à pressão demográfica e
à concentração territorial, associada a um fraco crescimento
econômico das ilhas. Além disso, o arquipélago foi assolado por
vulcanismo, abalos sísmicos e cataclisma que deixaram apreensiva
a população.

NORMAS PARA OS EMIGRANTES

Fonte: Brainly.com.br
O governo de Portugal acompanhava as aspirações dos ilhéus e,
através do Conselho Ultramarino, definia as estratégias geopolíticas
para a expansão territorial e populacional do Império ultramarino
lusitano. Em 31 de agosto de 1746, foi publicado, nas ilhas dos
Açores, um edital que abre inscrições para os casais que almejam
transferir-se para o Brasil. Por esse documento, o Rei acenava com
uma série de privilégios e regalias aos que quisessem lançar-se até o
local de origem por conta da Fazenda Real. O critério básico para
inscrição era uma idade limite de 40 anos para os homens, e de 30,
para as mulheres.
Quando desembarcassem no Brasil, as mulheres que
tivessem idade superior a 12 anos e inferior a 20, casadas ou
solteiras, receberiam uma ajuda de custo individual de 2$400 réis.
Os casais receberam 1$000 por cada filho. Os artífices receberam
7$200 de ajuda. Ao chegarem ao local de povoamento, receberam
“uma espingarda, duas enxadas, um machado, um enxó, um
martelo, um facão, duas facas, duas tesouras, duas verrumas, uma
serra com uma lima e travadoura, dois alqueires de sementes,
duas vacas e uma égua”. Enquanto preparava as terras para o
cultivo agrícola, esperando as primeiras colheitas, sustentadas pela
Fazenda Real. No primeiro ano, conforme edital: “se lhes dará a
farinha que se entende basta para o sustento, que são três quartas
de alqueire de terra por mês para cada pessoa, assim os homens,
como as mulheres, mas não às crianças que não tiverem sete anos;
e, aos que tiverem até quatorze, se lhes dará quarta e meia para cada
mês”. O edital prometia isenção do serviço militar para os homens.
Cada casal deveria receber uma data de terra de um quarto légua
quadrado, ou seja, 272 hectares. No caso de uma família ser muito
numerosa e necessitar de maior quantidade de terras para cultivar,
poderiam fazer a solicitação. O edital ainda previa a vinda de casais
de estrangeiros, desde que não pertencessem a outras nações que
tivessem domínios na América. Para melhor disciplinar o assunto,
a Coroa resolveu estabelecer em 4.000 o número máximo de
casais que deviam ser transportados; e para facilitar, bem como
ordenar o referido transporte, arrematou-se a Feliciano Velho
Oldenberg, que no ano seguinte desembarcava no Rio de Janeiro
os primeiros contingentes. O único critério de seleção era o limite
de idade e a prática da religião católica. Dadas estas providências,
outro documento disciplinou o seu estabelecimento no Brasil.
Por este documento, se vê que os casais deveriam ser fixados em
número de 60 nas terras devolutas de cada localidade, onde se faria
a distribuição das datas. Entre as dadas assim distribuídas, deveria
destinar-se uma légua quadrada para o logradouro público. Nele,
deveria ser assinalado o quadrado da praça, que seria de quinhentos
palmos de face, e um dos lados deveria edificar a Igreja. Como se
vê, trata-se do planejamento de núcleos habitacionais que seriam
as futuras vilas ou cidades do Brasil Colonial.
Cultivadores de trigo, de cevada, de legumes, de vinho, de
frutas, de hortaliças, criadores de ovelhas e de gado, agricultores, os
açorianos eram pequenos agricultores ou pequenos proprietários.
Agricultores de tradição, entre eles, os homens se distinguiam quase
que exclusivamente pela sua maior ou menor riqueza agrícola. A
opulência era avaliada pela quantidade de trigo que recebiam dos
seus rendeiros. No Sul do Brasil, a formação pecuarista definia
a riqueza num mercado fundado no gado, e que teve como
referência histórica o território da antiga Colônia do Sacramento
do rio da Prata, cuja economia baseava-se na criação de gado e
aproveitamento e comércio de couros. Dessa atividade econômica,
participavam os portugueses da Colônia do Sacramento, espanhóis
de Buenos Aires, Santa Fé e Corrientes. Em 1695, o porto do Rio
de Janeiro exportava 5.000 couros de procedência platina e sul-
rio-grandense, o que mostra a importância deste comércio, que
atrairia também os açorianos, além dos lagunenses e paulistas que
motivaram a valorização econômica e a interação do rio Grande do
Sul a partir da rota Sacramento-São Paulo.
Os conflitos entre espanhóis e portugueses pela posse da
Colônia do Sacramento determinaram a ocupação do território
Rio-Grandense cujo valor econômico foi destacado pelo brigadeiro
José da Silva Paes: “Ainda não se sabe lá dos grandes e fortíssimos
campos deixados de seus domínios desde o Rio Grande e Serra de
São Miguel a Passo de Chuí...”A defesa da Colônia do Sacramento
tornava onerosas as ações militares lusitanas. Era necessário ocupar
a área almejada para edificar uma barreira à expansão espanhola.
Nesse contexto, surge a iniciativa de promover o povoamento com
ilhéus.
O documento oficial disciplinador dos núcleos de
povoadores refere-se a povoados de 60 casais como número
ideal para povoamento, porém, o deslocamento dependia da
disponibilidade de transporte marítimo para o envio, conduzindo
números diferenciados de casais que começam a chegar em grande
número ao porto de Rio Grande, a partir de 1752. Um documento
enviado junto com o ofício de 22 de setembro de 1780, do vice-rei
Luís de Vasconcelos e Souza para o governador Sebastião Xavier da
Veiga Cabral da Câmara, traz o nome dos primeiros colonizadores:
“Relação dos primeiros casais e filhos dos ditos que foram para o Rio Grande
na Sumaca N. Sra. da Conceição, Santo Antônio e Almas, de que é mestre José
Joaquim de Freitas Lisboa.
José Rodrigues e sua mulher Ana Jacinta. Filhos: Manuel, Maria, Ana e Rosa.
João Duarte e sua mulher Teresa Maria. Filhos: Manuel, José, Antônio, João,
Maria, Tereza e Catarina.
Cada um destes cabeças de casal recebeu uma enxada, uma espingarda,
uma serra, uma foice, um machado, uma picareta, uma enxó, uma fechadura e
um martelo.
Casais que ficaram para ir na primeira ocasião que se oferecer:
1. Jorge da Serra e sua mulher Josefa Teresa. Filhos: Francisca, Antônia,
José, Ana e Maria.
2. Manuel Francisco e sua mulher Maria Rosa. Filhos: José, Manuel,
Maria, Ana e Rosa.
3. José Antônio e sua mulher Rosa Clara. Filhos: Francisca, Antônio,
Catarina e Maria.
4. Antônio Inácio da Silveira e sua mulher Maria Jacinta. Filhos:
Manuel, Diogo, Mariano, Antônio.
5. João Francisco de Souza e sua mulher Genoveva Inácia. Filhos: José, Manuel,
Clara, Teresa, Mariana e Mariana Rosa, cunhada dos ditos.
6. Antônio Alvarás, solteiro”.

A VIAGEM

Fonte: Colonização e Presença Açoriana no RS. Vera Lucia Maciel Barroso.


O deslocamento dos açorianos das Ilhas para o Brasil envolveu
as normas oficiais da Coroa Portuguesa, o transporte marítimo e
as difíceis condições de sobrevivência durante a viagem. A travessia
marítima pelo Atlântico no século 18 era demorada, e com riscos
consideráveis à saúde dos passageiros. Antecedendo à migração
alemã e italiana do século 19, os açorianos sofreram de forma
ainda mais dramática as dificuldades de deslocamento até a terra
da promessa: o Brasil.
O primeiro empresário responsável pelo transporte dos
açorianos, o contratador de tabacos Feliciano Velho Oldenberg,
recebeu do rei de Portugal a autorização para comercializar
livremente, no Brasil em troca do transporte gratuito de um casal
de açorianos para cada cem toneladas de carga transportada. A
participação de Oldenberg foi muito criticada, inclusive pelas
autoridades, devido às péssimas condições do transporte e pelo
grande número de mortos e doentes durante a viagem.
Para Miguel Frederico do Espírito Santo, a viagem,
que levava de dois a três meses, era extremamente penosa, não
discrepante das viagens comuns do século a bordo do navio. A
falta de higiene tornava precária a convivência a bordo do navio.
Não havia o hábito do banho, e no navio não havia água disponível
para este fim. Como os passageiros não mudavam a roupa, o
cheiro a suor e a sujeira acumulavam-se. O local onde dormiam,
mesmo sendo diariamente lavado, não chegava a secar, fazendo
com que a umidade aumentasse a pestilência do ar. “O transcurso
era extremamente penoso. O ambiente no barco era promíscuo,
os alimentos eram escassos, a higiene era deficiente, e a água
apodrecia poucos dias depois de começada a viagem. A maior parte
dos passageiros adoecia: febres, infecções intestinais, pneumonias,
crises de fígado, escorbuto. A mortalidade era grande. Os corpos
eram jogados ao mar. O escorbuto, ou mal de Luanda, era o que
mais estrago gerava, provinha da carência de vitamina C, e era
caracterizado por hemorragias”.
Conforme o historiador Henrique Wiedersphan, o
Regimento Régio de 5 de agosto de 1747 buscava garantir a ordem
nos navios e promoveu o isolamento das mulheres só contato com
os demais passageiros. “O Regimento chegará a impor um regime
de verdadeiro enjaulamento, como se as mulheres estivessem em
prisões, recebendo seus alimentos através de pórticos, etc. Somente
o cirurgião e o capelão podiam penetrar nos alojamentos delas,
que aí viajavam com seus filhos menores, e, assim mesmo, apenas
para tratá-las ou para sacramentá-las, tudo na presença obrigatória
do comandante do navio. Permita-se também falar com elas os
respectivos maridos, filhos e irmãos, embora a hora da refeição
principal, e sem se achegarem muito delas”.
Na interpretação do historiador catarinense Oswaldo
Rodrigues Cabral, as mulheres eram as maiores penalizadas durante
as viagens. Segundo ele, “quando nos dias santificados celebra se
o capelão, poderiam as mulheres sair a ouvir missa ao pé ao altar,
passando, na ida e na volta, entre alas de guardas armados que se
separavam do resto dos homens, colonos e tripulantes. Durante
os ofícios, ficavam à frente, separadas sempre pela dita guarda, e,
acabada a cerimônia, regressavam à prisão, na qual se sujeitam à
disciplina imposta por duas dentre todas, de maior graduação e
capacidade”. Os alojamentos eram mal arejados e superlotados,
e os espaços destinados às mulheres eram minúsculos, “não se
pode permitir nem ao menos o pensamento de estas câmaras,
em que as pobres mulheres faziam a travessia, com raríssimas e
rapidíssimas saídas, pudessem oferecer, para amenizar todo o
rigor do isolamento, qualquer sombra de conforto. Os melhores
cômodos eram para as pessoas de qualidade e para os capelães.
Se algum homem ousasse dirigir-se a qualquer das mulheres, sem
as imunidades do parentesco, arriscava-se a ter diminuída a sua
ração, com prisão na casa da bomba – que não havia de ser muito
confortável -, ou a ser metido a ferros por tempo variável, de acordo
com a gravidade da transgressão”.
Ainda segundo Oswaldo Rodrigues Cabral, “não é
de admirar, com semelhantes disposições, que a viagem se
transformasse num verdadeiro tormento, principalmente para
as mulheres e para as crianças que lhes faziam companhia, as
quais, não poucas, não puderam resistir, adoecendo e morrendo
durante os meses da travessia”. Infelizmente, “muitos dos que
abandonaram as ilhas na esperança de melhores dias do Brasil
desejado, foram sepultados nas águas do Atlântico, com os seus
sonhos e com as suas ilusões. E os que resistirem chegaram ao seu
destino como verdadeiros espectros”. Com a deterioração da água
após poucos dias e com a alimentação “exclusivamente composta
de gêneros em conserva, pobre de víveres frescos, começassem já os
viajantes a sofrer as consequências, com o aparecimento das mais
variadas afecções. Na promiscuidade dos alojamentos, as afecções
iam passando de uns para os outros. Surgia a parasitose. Surgiam
as disenterias. E, com o decorrer dos dias, quando a viagem se
adiantava, em meio do caminho entre o céu e o mar, aparecia o
pior: o mal de Luanda”.
O pesquisador da temática açoriana João Borges Fortes, no
livro Casais, relatou que, em 1750, Francisco de Souza Fagundes
substituiu Feliciano Velho Oldenberg no transporte dos açorianos
ao Brasil. Porém, o tratamento não melhorou. Um navio levava
até três meses de viagem até à Ilha de Santa Catarina, e, quando
nesta chegava, “eram doentes, mortos e moribundos no meio
de um montão de estropiados que desembarcavam, num desfile
tétrico ante o povo e autoridades”. Manuel Escudeira de Souza,
governador da Ilha de Santa Catarina, fez um relato ao rei sobre
um desembarque dos migrantes. “Três navios haviam chegado
com pouca diferença um do outro. O último aportou no dia 20
de janeiro (1750), trazendo mortos 10 adultos e dezesseis crianças,
outros morreram ao desembarcar, e 130 se recolheram doentes a
dois hospitais, com malignas e correção escorbútica”.
Borges Fortes também se refere à desgraça que atingiu
duas outras embarcações: “A 23 e 25 de maio desse terrível ano de
1753, ocorreu o doloroso naufrágio de duas sumacas carregadas
de famílias açorianas que se encaminharam para o Sul. O trágico
acontecimento deu-se na barra Sul de Santa Catarina, na ponta da
Ilha, que desse fatal sucesso recebeu o nome sinistro de Ponta dos
Naufragados. Dos infelizes náufragos, só se salvaram 77 pessoas,
que tudo perderam do que lhes pertencia, tendo de recorrer à
bondade de seus semelhantes e do governo local, sendo todos
de manifesta generosidade para com os desgraçados. Desses 77
salvos, poucos foram para o rio Grande, a maior parte preferiu
estabelecer-se na Vila Nova de Laguna, hoje cidade de Imbituba.
Temos portanto. Temos portanto, positivamente, que, até o ano de
1753, a estatística de 278 casais entrados no Rio Grande não sofreu
oscilação sensível, portanto os desastres marítimos não permitiram
acrescentar o saldo das remessas”.
Constata-se que a viagem era o primeiro grande desafio a
ser vencido. Tanto na rota Açores-Santa Catarina quanto na viagem
em embarcações menores para o Rio Grande. Desafio que seria
acrescido de outros, ligados à posse da terra, à produção agrícola, à
adaptação sociocultural e a sobrevivência destes colonos açorianos
no Brasil.

AÇORIANOS NA VILA DO RIO GRANDE DE SÃO PEDRO


(1752-1763)

Mapa das localidades do Litoral do Continente de São Pedro 1780. Fonte: organizado por Marcos
Daniel S. Aguiar

Desde janeiro de 1748, os casais açorianos começaram a


desembarcar no porto de Desterro em Santa Catarina, porém, à Vila
do Rio Grande de São Pedro eles só chegaram na década seguinte.
A expectativa da vinda dos casais açorianos está contextualizada
nas tratativas do Tratado de Madri, assinado em janeiro de 1750,
quando a efetiva ocupação das terras, o uti possidetis, era o desafio
que a Coroa de Portugal buscou enfrentar com um povoado
planejado com os ilhéus. A consolidação dos portos do Desterro,
na Ilha de Santa Catarina, e do Rio Grande, no canal do Rio
Grande de São Pedro, garantia o controle do litoral meridional,
propiciando a expansão colonizadora lusa em direção ao oeste, a
almejada região ocupada pelas Missões Jesuítico-Guaranis.
A vinda de casais açorianos para o Rio Grande já estava
ventilada em documento da Coroa portuguesa (1735), o qual
permitia que “em cada navio que partisse das Ilhas dos Açores para
o Brasil se enviasse cinco casais para os presídios da Ilha de Santa
Catarina e Rio Grande de São Pedro”. Portanto, antes da efetivação
da ocupação do canal sul, a Coroa já incentivava o povoamento
açoriano. A pressão para a efetivação de uma sistemática migração
foi feita nas Ilhas pelos açorianos, especialmente a partir de
1746. O contrato com o empresário responsável pelo transporte,
Feliciana Velho Oldenberg, foi assinado em 1747,na expectativa
de transportar 1.000 pessoas até a Ilha de Santa Catarina. Outro
empresário foi Francisco de Souza Fagundes, que, entre 1749 e
1754, foi responsável pelo transporte de ilhéus, os quais, segundo
Walter Piazza, totalizaram aproximadamente 6.071 pessoas que
chegaram até a Ilha de Santa Catarina.
O deslocamento para Rio Grande ainda dependia, segundo
o governador da Ilha de Santa Catarina Manuel Escudeiro, em
“selecionar aqueles que ainda estivessem em condições de poder
suportar um acréscimo de vários dia aos que já traziam de viagem”,
e também em “conseguir embarcações de pequeno calado capazes
de transpor o porto do Rio Grande”. O Conselho Ultramarino
instruiu para que “todas as embarcações que se destinavam ao Rio
Grande fizessem escala em Santa Catarina, para transportar os
casais em condições”. Esse transporte assistemático e possivelmente
em grupos reduzidos dificultando uma conclusão de quantos casais
vieram para Rio Grande. Conforme a historiadora Maria Luiza
Queiróz, o primeiro assentamento de casais na Vila remonta a 22
de novembro de 1750, indicando uma pequena entrada neste ano.
Para Queiróz, a Vila do Rio Grande foi a porta de entrada da
corrente açoriana que se deslocou da Ilha de Santa Catarina para
o continente do Rio Grande. Atendendo ao objetivo principal
de sua imigração, os casais deveriam ser deslocados em grupos
para o interior, e lá aguardar a ocasião para ocupar a região das
Missões. Entretanto, a resistência indígena, já a partir de 1753,
e a consequente Guerra Guaranítica, que se estendeu até 1756,
tornaram impossível a concretização desses planos e determinaram
a permanência da quase totalidade do contingente açoriano na
própria Vila de Rio Grande. É provável que, entre 1752 e 1754,
grupos de casais tenham apenas passado pela Vila, seguindo logo
para o interior, nessa época, Gomes Freire fortificava à região a ser
incorporada; Santo Amaro, onde se estabeleceu os armazéns de
abastecimentos do Exército, Rio Pardo, onde ergueram o Forte de
Jesus-Maria-José para garantir aquela fronteira, e o porto do Arraial
de Viamão, base de manutenção dos outros dois pontos. Os
historiadores João Borges Fortes e Oswaldo Cabral apontam o mês
de abril de 1752 como referência para a vinda dos casais açorianos
de Santa Catarina. Mesmo que esporadicamente tenham chegado
desde 1750, é neste ano que a presença açoriana é quantitativa
nos dados demográficos da Vila do Rio Grande. O impulso da
colonização açoriana está demarcado no ano de 1752, o que pode
ser constatado nos batizados da população livre açoriana, que, em
1751, teve quatro registros, e, em 1752, passou para 42 registros.
Queiroz acentua que a importância da imigração para a Vila
do Rio Grande, em termos demográficos, foi excepcional. Ela
representou um acréscimo, em menos de cinco anos, de pelo menos
1.273 pessoas adultas brancas, a uma população que, incluindo
todos os grupos raciais, na metade da década anterior, teria 1.400
almas. De acentuada relevância foi o povoamento da Vila do Rio
Grande de São Pedro, pelo contingente açoriano até 1763. Porém,
em outras localidades do Rio Grande do Sul, os açorianos ficaram
abandonados do apoio estatal prometido. O drama épico da saída
das ilhas e chegada ao Brasil persistiu nas décadas posteriores à
sua chegada. O assentamento previsto na Provisão de 9 de agosto
de 1747 foi protelado por décadas. Portugal, neste período, estava
com a balança comercial deficitária. A ocupação do território
missioneiro, a partir do previsto no Tratado de Madri, frustrou as
expectativas dos casais, pois a área continuou sob controle da Coroa
Espanhola. A economia mineradora no Brasil colonial apresentava
queda na produção, e a cotação internacional do açúcar era baixa.
Os custos de manutenção das tropas e a reconstrução de Lisboa,
que foi destruída pelo terremoto e maremoto de 1755, deixou
deficitário o Erário Régio lusitano. Uma situação metropolitana
e ultramarina complexa em que a colonização açoriana inseriu-se
é que os colonos sentiram severamente os efeitos, inclusive com a
dominação espanhola na Vila de Rio Grande. Após a retomada
lusitana e expulsão espanhola, durante os governos do brigadeiro
Marcelino de Figueiredo (1769-1780) e do brigadeiro Sebastião
da Veiga Cabral e Câmara (1780-1801), é que o povoamento
açoriano, que já havia difundido-se, passou a ser organizado com
legalização de terras em núcleos como Porto Alegre, Viamão,
Osório, Mostardas, Santo Amaro, Triunfo, Cachoeira, etc. Novas
conjunturas e perspectivas abriram-se aos colonizadores dos Açores
nas duas últimas décadas do século XVIII. Após a viagem marítima,
o drama do abandono e do conflito com os espanhóis, novos
desafios aguardavam os colonizadores açorianos nos primórdios
do século XIX.

AÇORIANOS RUMO A TRIUNFO

Fonte: Viamão (RS), Prefeitura 2011. Disponível em: http://www.viamão.rs.gov.br

Essa região, que hoje chamamos de estado do Rio Grande


do Sul, foi retratada pela primeira vez em 1531, quando os
navegadores portugueses Martim Afonso de Souza e Pero Lopes
passaram pela costa, mas não desembarcaram. Apenas para saber
onde estavam, batizaram a barra com o nome de Rio Grande de
São Pedro. Alguns anos depois, lá foi aberta a passagem para os
navios, do oceano para a Laguna dos Patos.
Os atuais estados do sul do Brasil, na época da “terra
de ninguém” só abrigava indígenas, entre elas, a Guarani. Esses
grupos, com uma orientação agrícola e com uma dinâmica de
deslocamentos, optaram por se instalar inicialmente nas férteis
várzeas ao longo dos rios e arroios de maior porte. A região sofreu
incursões de tribos indígenas como os Minuanos, Charruas e
Tapes. Com a chegada dos Portugueses e Espanhóis em busca de
índios para escravizá-los, os índios foram abandonando suas terras
e navegando pelos rios, subindo às suas nascentes e estabelecendo-
se às suas margens.
Depois vieram os missionários jesuítas que foram expulsos.
A partir daí, durante os séculos XVII e XVIII, houveram intensas
disputas entre as duas nações pelo território.
Em 1680 os portugueses fundaram a Colônia de
Sacramento, dois anos depois, os jesuítas aproveitaram que o foco
dos bandeirantes estava no ouro e retornaram. Fundaram então
o primeiro núcleo urbano: São Francisco de Borja, atualmente
cidade de São Borja.
Esse território passou a ficar cada vez mais sob a influência
da Coroa Espanhola, mas não era oficial. Em 1726, os espanhóis
fundaram a cidade de Montevidéu, a leste da Colônia de
Sacramento, para reduzir de vez a influência portuguesa.
Em resposta, os portugueses fundaram o Forte de Jesus
Maria José em 1737, hoje correspondente à cidade do Rio Grande.
Logo depois, o primeiro grupo de povoadores oficialmente
apoiados pelo governo, veio das Ilhas do Arquipélago dos Açores,
em 1740. Eles se instalaram na região de Porto de Dorneles, dando
origem à cidade de Porto Alegre.
Quando Jerônimo de Ornelas Menezes e Vasconcelos
chegou à então Capitania de São Pedro, não havia o Rio Grande
do Sul e a extremidade meridional do Brasil-Colônia mal chegava
à enseada catarinense de Laguna. Foi quando dali saíram as irmãs
paulistas Lucrécia e Beatriz, incentivando os maridos Jerônimo
d’Ornellas e Dionísio Rodrigues Mendes para que tentassem
puxar a fronteira lusitana até as margens do Guaíba. E assim se
levantou, em território também pretendido pelos espanhóis, o
Porto do D’Ornellas – mais tarde Porto Alegre.
Lucrécia trazia consigo quatro filhas: Fabiana, Rita, Antônia
e Maria.
Haviam se instalado, desde 1732, no lugar chamado Porto
Viamão, que viria a se tornar a capital, e que em sua época ficou
conhecido como Sítio do Dorneles. Na mesma época instalaram-
se outros dois sesmeiros em áreas distintas da capitania. Ornelas
construiu sua casa no Morro de Sant’Ana, próximo onde nos
tempos atuais está a divisa entre Porto Alegre e Viamão (perto dos
fundos de onde é a Escola Técnica de Agronomia) que, na época,
era um vasto terreno despovoado; cuja carta recebeu de D. Luís
Mascarenhas em 5 de novembro de 1740.
Daí a um tempo, Antônia casou com o lusitano Manuel
Gonçalves Meirelles e incentivou-o a que ocupasse terras mais para
oeste, às margens do rio Jacuí, no rumo das prósperas Missões
então mantidas pelos jesuítas espanhóis. O Governador-Geral das
Capitanias, General Gomes Freire, prometeu conceder-lhes uma
sesmaria de terras, desde que reservassem meia légua quadrada para
erguimento de uma capela comunitária. Assim se estabeleceu, em
1747, a Sesmaria da Piedade (o significado de ‘Piedade’, voltando
à época, onde tudo era desabitado, entende-se como um pedido
de fé, amparo e piedade aos seus, por estarem em um lugar tão
sozinhos). Tudo era difícil, dificílimo, os índios não aceitavam se
sujeitar ao trabalho sob as ordens do homem branco, as cabeças
de gado, arrebanhadas às “vacarias” missioneiras, eram por sua vez
realizadas pelos mestiços “gaudérios” – andejos sem rei nem lei. A
dona-de-casa precisava desdobrar-se desde o plantio de alimentos
até o tecer de abrigos contra a intempérie. Além do mais, ainda não
conseguira ajudantes para erguer a capela comunitária. Mas eis que
vê chegar sua irmã Rita, com o marido Capitão Francisco Xavier
de Azambuja, e toma um fôlego. A longínqua barra do Rio Grande
até parece que ficou mais perto e o redobrado esforço culmina em
9 de janeiro de 1757 com a tão desejada instalação da paróquia de
São Bom Jesus do Triunfo.
Antônia entrou em vibração e mandou um convite aos
pais para que abandonassem a solidão de Porto Alegre e fossem
participar do erguimento do novo povoado, na junção dos rios
Taquari e Jacuí.
Com a vinda dos colonos açorianos, Jerônimo de Ornelas
Menezes e Vasconcelos, “encheu-se de aborrecimentos” e sua
instalação em suas terras a partir de 1752 forçaram-no a mudar-se
do morro para a freguesia de Triunfo, em 1757; três anos depois
(1760), seu filho José Raimundo Dorneles matou um agricultor e
este grave incidente precipitou-lhe a decisão de vender a sesmaria e
a seguir, mudar-se para Triunfo.
Começa então a epopéia de gradativa ocupação das terras à
margem esquerda do rio Jacuí, com efetiva conquista do território
contíguo à barra – o “Continente” do Rio Grande. Uma das netas
de Lucrécia, Faustina Maria, junto ao marido Victoriano José
Centeno vai se assentar na sesmaria do Butiá. E outra das netas, a
Perpétua, casada com o capitão-de-dragões Joaquim Gonçalves da
Silva, desce até o rio Camaquã e, na foz de suas águas na Laguna
dos Patos, implanta a Estância do Cristal.
Manuel Gonçalves Meirelles vem a falecer em Triunfo, a
28 de agosto de 1777. De sua sexta filha, Dona Perpétua da Costa
Meirelles, casada com o Capitão Joaquim Gonçalves da Silva,
português da Santa Marinha Real, nasceu Bento Gonçalves da
Silva. No ano de 1754, foi requerida a criação da Capela do Senhor
Bom Jesus do Triunfo.
Em 1756, Jerônimo de Ornellas levantou a bela Igreja
Matriz, dando assim, origem ao povoado que teria na história do
Rio Grande do Sul, papel importante, sobretudo pelo nascimento
de filhos que glorificaram e engrandeceram o povo gaúcho. A
portaria de 4 de setembro de 1756, determinada pelo Bispo do
Rio de Janeiro, Dom Antônio do Desterro, determina que o Padre
Thomas Clarque, organize a terceira paróquia do Rio Grande do
Sul, instalando-a em 9 de Janeiro de 1957, e traçando-lhes os limites,
escolhendo o lugar da sede da igreja e também o padroeiro. É dessa
época em diante, que o lugar começou a chamar-se Freguesia do
Bom Jesus do Triunfo. A elevação à categoria de Vila foi criada pelo
Decreto da Regência, em nome do Imperador Dom Pedro II, de
25 de outubro de 1831. A elevação à categoria de cidade ocorreu
em 31 de março de 1938, pelo Decreto Estadual 7199. Desde
os primórdios, a cidade de Triunfo, ficou estreitamente ligada a
história de nosso Estado, pois sua origem provém diretamente da
introdução de casais açorianos para o povoamento. Foi a partir
do século XIX, considerada uma das melhores Vilas da Província,
entrou para a página mais brilhante de nossa história, dando-nos
heróis da estirpe de Bento Gonçalves da Silva, Luiz José Ribeiro
Barreto, Manoel José de Leão, Pe. Juliano de Faria Lobato, Mingote
Martins e outras figuras importantes. Durante a Revolução
Farroupilha foram travados violentos conflitos nos campos de
Triunfo a na Sanga da Ilha do Fanfa, onde foi preso a 4 de Outubro
de 1836, o General Bento Gonçalves.

TRIUNFO DOS LUSO AÇORIANOS

Vista da rua dos plátanos para a confluência do rio Taquari e Jacuí em Triunfo.

A presença do homem luso-açoriano ainda hoje é nítida e


pulsante em todos os setores de nossa vida. O povo açoriano, o
povoador, o desbravador por excelência, foi o mais sofrido, sem
status e sem riqueza. Apenas com a rápida boa vontade para erguer
uma choça e tomar a enxada para tirar da terra o pão inicial da
sobrevivência. E trabalhou. E cultuava o seu Divino. E progredia
também. E criou riqueza, visível e nítida já nos oitenta anos
seguintes.
O amor à terra que, em nascendo de mãe açoriana, foi
a primeira a recebê-los. Nessa terra nasceram. A terra lhes deu o
nome e se tornou a sua verdadeira e única pátria. E ele, de açoriano,
vai tornar-se farroupilha. De farroupilha torna-se senhor - dono da
terra - o luso-açoriano gaúcho.
A influência dos ilhéus em Triunfo é visível e inconfundível.
Andar pelo núcleo da Cidade é um verdadeiro passeio pelo
arquipélago dos Açores. As janelas tipo guilhotina, as casas junto
às calçadas, as “eiras e beiras” e a Pomba do Divino (duas telhas
levantadas nas cumeeiras, pedindo proteção ao Divino Espírito
Santo), são marcas que evidenciam nas construções a crendice
religiosa, a praticidade e a aristocracia que ora reinou em Triunfo,
trazidas e vividas pelos açorianos nestas terras. Aqui encontramos
ainda, o Império (único no estado) onde se cultivava o Divino
Espírito Santo, construção genuinamente açoriana. Segundo José
de Araújo Fabrício; a Freguesia de Nosso Senhor Bom Jesus do
Triunfo (revista do Instituto Histórico e Geográfico do RS, 1948,
POA), vieram das Ilhas dos Açores para este Município, até 1786,
164 pessoas, ou seja, a metade da população local na época. A
colonização Açoriana em Triunfo data de 1752 e 1753, formando
assim um núcleo populacional definitivo na criação urbana, isto
é, imigrantes das Ilhas é que foram a população civil em torno da
fortaleza, do acampamento e da igreja.
Fonte: Férias.tur

Os triunfenses ainda trazem muitas marcas dos Açorianos, eles


têm em comum com os Ilhéus: a melancolia, o gosto pelas águas
e pela pesca, a religiosidade, o gosto pela natureza, a hospitalidade
entre tantos outros aspectos.
Grandes homens e mulheres nasceram desse caldeamento
de raças que caracteriza a cidade de Triunfo. escritores, poetas,
músicos, artistas plásticos, líderes políticos e historiadores.
Homens e mulheres que trazem em seu sangue a fibra e coragem
dos primeiros povoadores do Rio Grande do Sul, que honram às
mães açorianas (algumas chegaram até com crianças ao colo), que
com a língua, espiritualidade e com a prática do trabalho, geraram
filhos e filhas que nesta terra deram os primeiros passos, fizeram a
sua e nossa pátria - a pátria gaúcha que hoje a todos irmana.
Odila Pacheco
Odila Hermenegilda Casagrande
Pacheco, possui licenciatura plena pela
UFRGS em Geografia e História, tendo
se formado em 1956. É moradora de
Triunfo desde maio de 1961.
Reinstalou o Museu Farroupilha
de Triunfo na casa onde nasceu Bento
Gonçalves, tendo para isso estudado e
pesquisado por nove meses na Casa de
Cultura Mario Quintana, no Museu
Júlio de Castilhos e no Museu de Porto
Alegre, entre outros. Este trabalho foi
incentivado pelo professor Dante de
Laytano, que era Cidadão Honorário
da cidade e queria preservar sua cultura.

Padre Tomás Clarque

“Tudo o que é do presente tem a sua raiz no passado; assim é


impossível dar começo a qualquer narrativa, seja ela a da história
de um homem, seja a de um acontecimento, sem que um olhar a
ele seja lançado.” (Alexandre Dumas)
O que me levou a procurar dados sobre a vida e obra do padre
Tomás Clarque é a grande importância de sua vida em Triunfo e as
consequências de seu trabalho realizado na região da atual cidade
e suas vizinhanças, uma vez que o município de Triunfo possuía
uma área muito maior do que a atual. Ao Norte ia até Caxias do
Sul e ao sul, ia até os limites de Pelotas. No município de Cristal
está edificada a casa de Bento Gonçalves, que anteriormente estava
dentro da área do município de Triunfo.
Padre Clarque tinha um tino colonizador muito grande, e suas
ações foram de grande importância na fixação da população nas
áreas de Triunfo.
Jerônimo de Ornelas foi, possivelmente, amigo do Padre Clarque,
pois os dois tinham uma grande visão e viviam próximos. Hoje os
restos mortais dos dois estão na Igreja do Bom Jesus de Triunfo,
um frente ao outro. Imagino quantos diálogos maravilhosos estes
dois devem ter tido.

BIOGRAFIA

Padre Tomás Clarque nasceu e foi batizado em Miragaia, na


Paróquia de São Pedro extra muros da cidade de Porto. Filho
legítimo do capitão João Clarque de nacionalidade inglesa, porém
católico romano como seus pais e avós, e Mariana Clarque, também
natural de Miragaia. O sobrenome originalmente Clark indica a
origem inglesa.
O pai do Padre Tomás Clarque nasceu na cidade de San
Cristovan de La Laguna, nas Ilhas Canárias, sem prejuízo de sua
nacionalidade inglesa. Filho de John Clark, natural da Antuérpia,
e de Maria Sirac, natural de La Laguna. Eram negociantes de
vinhos da firma John Clark e Cia. Tinha, ao que parece, barco
próprio, onde transportava o vinho das Ilhas Canárias para a
Inglaterra. Faleceu em Londres no ano 1722 depois de trinta anos
de casamento, deixando ao que consta oito filhos. Tomás tinha
nesta época 22 anos.
A mãe do Padre Tomás, Mariana Jason nasceu em San Pedro
de Miragaia, Porto, filha de Domingos Ramos e Tomásia Ramos;
era neta materna do inglês Duarte Jason e de Catarina Costa,
moradores de Cima da Serra, na freguesia de San Nicolau, Porto.
Padre Clarque tinha mais dois irmãos sacerdotes, os Padres
Raimundo e Ricardo Clarque, dos quais não se tem notícias.
Ficaram em Portugal uma irmã, Teresa Raimunda, que foi religiosa
no Convento de Santa Clara, em Portugal. Um dos seus sobrinhos,
José Clarque Lobo, foi Tenente Coronel do Primeiro Regimento
da Bahia, destacado no Rio de Janeiro, filho da irmã Clara Isabel.
Foi pelo Padre Clarque nomeado “Universal Herdeiro de todo o
remanescente de seus bens” (do testamento do Padre Clarque).
Outro sobrinho ilustre foi Tomás Antonio Gonzaga da
Inconfidência Mineira (autor de Marília de Dirceu), que recebeu o
nome em homenagem ao Padre Tómas Clarque, nasceu no Porto e
também foi batizado na Paróquia São Pedro de Miragaia no ano de
1744. Era filho de Tomásia Isabel Clarque, irmã do Padre Tomás,
falecida em 1745 em Miragaia, e o pai, Dr. João Bernardo Gonzaga,
natural do Rio de Janeiro, primo irmão do Padre Tomás Clarque,
matriculou-se em 1726 na Universidade de Coimbra, indo morar
na casa da tia, (mãe do Padre Tomás Clarque) onde se enamorou
da prima Tomásia Isabel.
Padre Tomás era filho de pais ricos, porém deixou o patrimônio
para a mãe viúva e seus irmãos. Abandonou tudo em Portugal
para ser missionário neste fim de mundo onde viveu sua santa e
sacerdotal vida por mais de trinta anos. Padre Tomás, como era
costume na época, possuía escravos. Na relação dos paroquianos
de 1750 consta como dono de quatro escravos. Quando faleceu em
1779 possuía três. Eram bem tratados, conforme depoimento de
Antônio José Clarque, que foi seu escravo. Este, em 1817, pediu à
sua esposa que mandasse celebrar quatro missas pela alma do Padre
Clarque, sendo que faziam 38 anos de seu falecimento.
No testamento do Padre Tomás Clarque, consta seu pedido que
suas roupas fossem distribuídas entre seus escravos.
A primeira vez que aparece o nome do Padre Clarque é nos
livros de registro em Viamão em 07 de agosto de 1748, no batizado
de uma criança. Surge novamente, com maior frequência, a partir
do ano de 1751 com a criação da Vara Eclesiástica de Viamão, da
qual foi escrivão até assumir a Paróquia de Triunfo.
Nos inúmeros documentos que redigiu como escrivão do Juízo
Eclesiástico de Viamão e nos milhares de registros nos livros de
Triunfo no decorrer dos seus 23 anos de paroquiato, sua letra
inconfundível e seu estilo inigualável demonstram a grande
instrução, inteligência clarividente e o espírito de exatidão de que
era dotado. Durante diversos anos, enquanto apenas existiam as
Paróquias de Rio Grande e Viamão, preparou quase metade dos
casamentos que se realizaram no Rio Grande do Sul; habilitações
cuidadosamente preparadas e redigidas, que se conservam em
grande parte até nossos dias, fornecendo a biografia de muitos dos
primeiros fundadores rio-grandenses.
Padre Clarque, já ambientado em Viamão, onde gozava de
grande fama, se embrenha a pedido do Bispo, pelo Rio Grande
a dentro, para em Triunfo começar tudo de novo. A retidão de
atitudes e o consequente conceito de que gozava se percebem na
portaria da criação da Paróquia de Triunfo, onde consta que entre
o pároco da freguesia de Viamão e seus fregueses é dado crédito a
ele de todo progresso na construção da Igreja Matriz de Viamão. O
Padre Tomás, por ter assumido pouco depois a nova paróquia, não
pôde se encarregar da Igreja de Viamão. Construiu, no entanto,
a histórica igreja de Triunfo, que é a terceira mais antiga do Rio
Grande do Sul, sendo a primeira a de São Pedro de Rio Grande
e a segunda a de Nossa Senhora da Conceição de Viamão. Como
a comunidade não era rica, lutou com muitas dificuldades, desta
forma, até a renda da travessia do Rio Jacuí, de Triunfo para São
Jerônimo contribuiu para a construção da Igreja.
Por ocasião da organização da Paróquia de Triunfo, em fins
de 1756 confeccionou um mapa com a localização de todas as
fazendas (este mapa se encontra no arquivo do Arcebispado do Rio
de Janeiro já bastante danificado pela ação do tempo). A cópia deste
mapa pode ser encontrada no Jornal Correio do Povo de junho
de 1970 e uma cópia restaurada encontra-se também no Museu
de Triunfo. O mapa não traz data nem autor, entretanto a letra
é conhecidíssima e inconfundível do Padre Tomás Clarque. E o
mapa é feito com seu capricho insuperável e desenhos costumeiros.
É considerado o dia 04 de setembro de 1756 como a data da
criação da Paróquia de Triunfo, conforme portaria epsicopal. Até
essa data não havia sede, nem padroeiro e nem aparece o nome
de Triunfo. O Padre Clarque foi encarregado de fundar uma nova
paróquia ainda sem padroeiro, traçar os limites, escolher o lugar da
sede e da igreja.
Sobre a boa localização de Triunfo, o Bispo do Rio de Janeiro
em visita pastoral em 1815 elogia “a situação do lugar é soberba,
sobre uma colina alta na confluência dos rios e que domina vastos
horizontes de campinas e colinas povoadas”.
Quanto ao padroeiro, conforme correspondência entre o Padre
Ruben Neis e o Pároco de Miragaia, se esclarece que a devoção
tem fundamento na infância do Padre Clarque, pois um altar da
igreja de sua infância é dedicado ao Bom Jesus com figuras muito
semelhantes.
Em 23 de janeiro de 1957, o Padre Clarque escreveu o termo de
abertura do livro de registro de óbitos “desta paróquia do Senhor
Bom Jesus do Triunfo”. Parece que é a primeira vez que em algum
documento é citado o nome de Triunfo. O termo de abertura do
livro de registro de batismos termina com as palavras “Freguesia do
Triunfo” em 28 de janeiro de 1757.
Além de pároco de Triunfo, o Padre Clarque foi, a partir de
1761 até a sua morte, vigário da vara de juízo Eclesiástico de
Triunfo, abrangendo as Paróquias de Taquari e Santo Amaro. Em
1768, recebeu também, a faculdade de crismar nas paróquias de
sua jurisdição.
O Padre Clarque foi sepultado em 06 de agosto de 1779 sob a
Capela Mor da Igreja de Nosso Senhor do Bom Jesus do Triunfo.
Posteriormente foi exumado e seus restos mortais encontram-se na
parede da mesma Capela Mor.
Fabricio Junior Viegas
Me chamo Fabricio Junior Viegas, tenho 20 anos
e trabalho na secretaria de Turismo e Cultura
de Triunfo, curso Bacharelado em História pela
universidade UNINTER, moro no interior do
município de Triunfo juntamente com meus pais
e meu irmão mais novo, aprendi a gostar das “li-
das do campo” que desde criança participei, mas
isso não me impediu de começar uma carreira em
história que sempre foi algo que me atraiu muito.
Também sou autor de algumas poesias, uma delas
em 2017 foi premiada com o 1º lugar da categoria
adulto pela produção e também o 1º lugar como intérprete, no Festival de
Poesias Reinaldo Leal de Triunfo. Em 2020 fui convidado para participar da
edição do livro de Autores Luso-Brasileiros da Sala Açoriana de Triunfo, nova-
mente esse ano recebi o convite para participar da mesma edição, porém sendo
a sede a Sala Açoriana de Santo Antônio da Patrulha. Minha participação
nesse livro dos Filhos Ilustres de Triunfo conta a história do madeirense Jerô-
nimo de Ornelas Menezes e Vasconcelos, contando um pouco sobre a sua vida
no Brasil e no Rio Grande do Sul, procurei além dos relatos textuais, também
registros visuais, o que eu considero muito importante para que o leitor possa
“ver a história”, esse é o meu primeiro trabalho de pesquisa historiográfica e
espero que possam aproveitar desse material.

Jerônimo de Ornelas Menezes e


Vasconcelos
Para falarmos do estancieiro Jerônimo de Ornelas, devemos
antes mostrar um pouco do Rio Grande do Sul e a transformação
que a região sul estava sofrendo, deixando de ser um lugar inóspito
e somente conhecido pelas missões jesuíticas, para se tornar um
lugar de acolhida de imigrantes, de uma nova terra, porém, ainda
desconhecida e cheia de perigos.
O povo gaúcho antes de 1730, era baseado em pouquíssimas
vilas, ao noroeste se encontravam as missões jesuíticas, ao sudoeste
se encontrava a colônia do Sacramento, fundada em 1680, do
lado direito do Rio da Prata, de frente com a cidade argentina de
Buenos Aires, vale lembrar que a colônia do Sacramento ficava
no atual território que se encontra o Uruguai, na época, Portugal
estendeu seus limites territoriais para aquela região, porém as
posições nunca foram definitivas, devidos aos seguidos combates
por disputa de território.
Para levar suprimentos até a colônia do Sacramento, foi criada
uma base de apoio em Laguna, os tropeiros que saiam da região
sudeste, trazendo gado, cavalos dentre outros animais, cruzavam
por Laguna e adentravam o território gaúcho até chegar ao seu
destino, porém ao invés de percorrer todo a costa litorânea do Rio
Grande do Sul e contornar pelo Chuí, como já faziam a tempos,
acabaram tomando uma rota diferente, por Tramandaí, onde
seguem pelas várzeas do Rio Gravataí, chegando ao atual território
de Porto Alegre.

Mapa das rotas dos tropeiros depois de 1680, indo até a colônia do Sacramento pelo
litoral. Fonte; https://radiocaxias.com.br/portal/noticias/definido-o-novo-trajeto-da-
rota-dos-tropeiros-63300
Jerônimo de Ornelas Menezes e Vasconcelos, nascido em 1690
(algumas fontes discordam, propondo que ele teria nascido em
1691) na vila de Santa Cruz, Ilha da Madeira, filho de João Pestana
Veloso e dona Antônia Muniz, não irei comentar sobre sua infância
e mocidade da Ilha da Madeira devido à falta de informações e de
livros sobre essa parte da vida de Jerônimo de Ornelas, sabe-se que
veio para o Brasil antes de 1721 estabelecendo-se inicialmente em
Minas Gerais, mudou-se após para Guaratinguetá, São Paulo por
volta de 1721, onde foi padrinho de batismo de algumas crianças,
contraiu núpcias em 1723, com dona Lucrécia Leme Barbosa,
nascida nesta mesma cidade, a título de curiosidade Jerônimo
e Lucrécia ainda mantiveram uma porção de terras na região de
Morro das Pitas, próximo a Guaratinguetá, a qual fizeram a doação
dessas terras para a Capela de Nossa Senhora Aparecida, em 1751,
visto que já não pretendiam voltar a São Paulo. Com Lucrécia,
Jerônimo teve dez filhos, ao qual sua descendência é toda feminina
já que o casal teve oito filhas que casaram e os dois filhos faleceram
solteiros, uma de suas filhas, Antônia da Costa Barbosa casou-se
com Manoel Gonçalves Meirelles, desse casal nasceu Perpétua da
Costa Meirelles que deu a luz ao general Bento Gonçalves da Silva,
líder da Revolução Farroupilha, sendo bisneto de Jerônimo de
Ornelas.
Certidão de batismo de Jerônimo de Ornelas. Fonte; http://genearc.net/index.
Transcrição do texto: Em os dezoito dias do mes de janeiro de mil e seiscentos e noventa e tres annos,
eu o Cura Domingos da Matta, nesta Igreia do Salvador da vila de Sancta Cruz, baptizei e pus
os santos oleos a Antonio, digo, a JERONIMO, filho de Joam Pestana de Velosa e de sua mulher
Dona Antonia Monis da Costa, moradores nesta vila, freguezes desta Igreia, foi padrinho Manoel
de Menezes Tello, morador na vila de Machico, que assinou este termo era ut supra.

Imagem retratando uma parte da ascendência de Bento Gonçalves da Silva, fonte; https://
gw.geneanet.org/valdenei

Ainda sobre seus futuros descendentes, Jeronimo teve um filho


chamado Lourenço Dorneles de Menezes, filho esse que teve com
Maria Cardoso, índia natural de Lagoa Dourada-MG, Lourenço
nasceu na freguesia de São José dos Pinhais bispado de São Paulo
hoje pertencente ao estado do Paraná. Teve também outra filha,
por nome Maria Esperança Filha, filha de Jerônimo e de Luciana da
Luz, teve assim com três mulheres, doze filhos e cem netos. Dizem
os genealogistas que a metade do Rio Grande do Sul descende de
Jerônimo de Ornelas Menezes e Vasconcelos.
Sua chegada ao Rio Grande do Sul tem em parte muito
relacionado com a cultura dos tropeiros, que vimos anteriormente,
em 1727 se estabeleceu em Laguna-SC, onde se encontrava pelos
idos de 1729, e fixando-se, em caráter definitivo, nos conhecidos
“campos de Viamão” por volta de 1732 próxima às margens de uma
lagoa a qual os índios davam o nome de Guaybe, atual Guaíba.
Como Jerônimo já estava ocupando aquela porção de terras a
alguns anos, estabelecendo propriedade com sua família ele teve o
direito de reclamar legalmente a posse de suas terras. E em cinco
de novembro de 1740 essa posse foi concedida tendo as seguintes
limitações; abrangia as terras da vertente ocidental do Morro de
Santana, entre o rio Gravataí e o arroio Jacareí, que caracterizamos
atualmente sendo o arroio Capivara, que corre paralelamente ao
rio Gravataí na distância de três léguas.

Carta de 1754, que cita a carta de 1740, onde concede a Jerônimo de Ornelas, a Sesmaria de
Santana, fonte; http://www.assi.com.br/santaisabel.htm
Transcrição do Texto; Sesmaria de Santana. Concedida a Jerônimo de Ornelas Menezes e
Vasconcelos por carta de 5 de novembro de 1740 – assinada por Dom Luiz de Mascarenhas,
Comendador da Ordem de Cristo, do Conselho de Sua Majestade e Capitão General da Capitania
de São Paulo e Minas Gerais, em nome de Sua Majestade Confirmada por Carta Régia de 23
de janeiro de 1744 e registrada a 11 de dezembro do mesmo ano no Livro de Ofícios e Mercês de
Lisboa, no Porto de Viamão, Visada a 20 de julho de 1754 pelo Governador; Conde de Bobadela
General Gomes Freire de Andrade – Obras e benfeitorias iniciais.
Quando recebeu a carta de doação das terras de D. Luís
Mascarenhas, Jerônimo de Ornellas já ocupava o local com
aproximadamente cem pessoas, contando com sua família parentes
e agregados, logo o local passou a ser conhecido como Sítio do
Dorneles, tendo também o Porto do Dorneles que ficava na foz de
um pequeno riacho, onde atualmente está localizada a Ponte de
Pedra do Largo dos Açorianos. A estância de Jerônimo de Ornelas
fazia limites com outras estâncias; ao Norte, a estância de Pinto
Bandeira, sendo a divisa o Rio Gravataí; a Leste a propriedade
de Jerônimo Xavier de Azambuja, tendo a divisa o atual arroio
Feijó e seu afluente mais tarde conhecido por arroio Dornelles;
ao Sul o latifúndio de Sebastião Francisco Chaves, tendo a divisa
o rio Jacareí (mais tarde chamado de arroio Dilúvio); a oeste era
banhada pelas águas do Guaíba. De acordo com pesquisadores,
estima-se que a estância de Jerônimo tinha 14 mil hectares.

Mapa mostrando as dimensões


geográficas das terras de Jerônimo de
Ornellas e seus limites. Fonte; https://
litera.mus.br/a-historia-de-porto-alegre-
uma-cidade-mal-assombrada
Após o ano de 1740 a propriedade de Jerônimo de Ornelas de
destacou, com criações de gado bovino, cavalar e muar, as terras
férteis também foram usadas para plantações de alimentos para os
habitantes e trabalhadores da estância, do alto do morro Santana,
sua casa foi erguida e dali acompanhou o avanço de sua propriedade
e de seus vizinhos, o objetivo não era de povoar e construir ali uma
cidade, mas sim, de recolher o gado que vivia solto pela região,
criar os animais para reprodução, e estabelecer comércio de gado
com a região de Minas Gerais, juntamente com sua família, mesmo
sem perceber, Jerônimo de Ornelas dava os primeiros passos para
a povoação do lugar, pois mesmo antes da chegada dos açorianos,
sua estância já ultrapassava as cem pessoas, para um lugar que
antes servia apenas de passagem, acabou se tornando um ponto
de referência dentre as pouquíssimas sociedades ali estabelecidas.
Porém a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul iria
sofrer uma mudança que traçaria um novo destino para essa região,
impondo novos limites territoriais para a província, o Tratado de
Madri assinado em 13 de janeiro de 1750, substituindo o tratado
de Tordesilhas (1494).

Mapa mostrando os três tratados que


delimitaram as fronteiras do Brasil ao
longo dos anos. Fonte; http://penta2.
ufrgs.br/rgs/historia/tratadoMadri.
htm
O Tratado de Madri trocava a Colônia de Sacramento
(pertencente a Coroa Portuguesa), pelas sete reduções jesuíticas do
leste do rio Uruguai (pertencente a Coroa Espanhola), deixando o
território gaúcho mais parecido com o que temos atualmente.
Tendo em mãos o território missioneiro, a Coroa Portuguesa
queria logo povoar aquela região, por dois motivos; a falta de
portugueses na região das missões e a super população na região dos
Açores (pertencente a Coroa Portuguesa), porém havia um grande
empecilho no caminho dessa colonização açoriana nas missões, os
padres Jesuítas e os povos indígenas que estavam nessas missões,
a Coroa Portuguesa ordena que esses habitantes se desloquem
para o lado oeste do Rio Uruguai, entretanto os guaranis liderados
por Sepé Tiaraju, recusaram a ordem de mudança, dando início
a Guerra Guaranítica (1753-1756), que afetou a colonização
açoriana, pois a ideia primaria era mandar esses casais para a região,
porém quando estes ficaram sabendo da Guerra Guaranítica,
resolveram desembarcar em 1752 no então “porto do Dorneles”,
que pertencia a sesmaria de Jerônimo, em torno de 400 pessoas
assentaram-se na atual rua da Praia, pois ficaram sem assistência do
governo português e se estabeleceram naquela região.
Jerônimo de Ornelas, totalmente inconformado com a
situação, viu sua sesmaria, da qual possua documentos provando
sua titularidade, invadida, naquele momento, por açorianos
que também incertos quanto ao seu lugar de desembarque e
desassistidos pelo governo português ficaram ali, iniciando aos
poucos uma povoação.
Não satisfeito com os acontecimentos dos últimos anos e vendo
o número de imigrantes dos Açores aumentando cada vez mais,
Jerônimo, após residir por mais de duas décadas no alto do morro
Santana, decide se mudar para a recém criada vila de Triunfo em
1757, juntamente com seus familiares, pois alguns de seus genros
já possuíam terras na antiga Sesmaria da Piedade.
Fazendo uso da Tese de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal Fluminense de Fábio Kühn em 2006, que
encontrou através de registros notariais, a chegada de Jerônimo
“em pousadas” do tabelião Ignácio Osório Vieira, onde registrou
uma procuração, nomeando representantes seus em diversas
localidades: na própria freguesia de Viamão, na freguesia de
Triunfo, em Rio Grande, em Santa Catarina e no Rio de Janeiro,
dos dezessete procuradores que nomeou, quatro eram seus
genros, nota-se a sua preocupação com os maridos de suas filhas
como herdeiros e representantes de seus negócios depois que
ele morresse, nota-se também que seus genros não pertenciam a
uma “elite econômica”, sendo três deles estancieiros, outros eram
fazendeiros e comerciantes.
Outro fato curioso para a época era que Jerônimo passou quase
toda sua fortuna para as filhas no ato do matrimônio, todas teriam
recebido ao casar, “um par de escravos” (com valor aproximado de
200$000 réis no total, em conversão aproximada para o real no
valor de R$24.600), além de 100 cabeças de gado e 50 cavalos, vale
ressaltar que eram oito filhas e mais o seu filho José Raymundo que
recebeu dote idêntico (com exceção das cabeças de gado). Percebe-
se então que Jerônimo de Ornelas foi distribuindo seu patrimônio,
constituindo um capital inicial para seus descendentes, mesmo
sendo um fazendeiro de classe média para os padrões da época,
ainda fez que com sua descendência prosperasse, estabelecendo
novos núcleos familiares que se formavam através do casamento
de suas filhas com seus genros, o próprio ato de doar escravos
não era comum na sociedade colonial, eram poucos cidadãos
que efetuavam dotes através de escravos, pois era algo fora de
alcance dentre membros mais pobres da sociedade. Seu modelo
igualitário da repartição de seus patrimônios também era diferente,
pois como podemos ver na elite canavieira paulista existia um
herdeiro “favorito”, que ficava com boa parte do patrimônio na
hora da repartição dos bens, no caso de Jerônimo a partilha foi
rigorosamente igualitária entre os herdeiros. Vendo que Jerônimo
não fez doação de terras para seus herdeiros, supõe-se que o mesmo
não as possuía mais.
Em 1760 um fato agravou ainda mais a situação de sua sesmaria
de Santana quando seu filho José Raymundo assassinou um
agricultor açoriano, fazendo com que Jerônimo de Ornelas fizesse
a venda de sua freguesia para Inácio Francisco de Melo por oito
contos de réis (em valores convertidos aproximados de quase um
milhão de reais), porém o processo de compra e venda dessas terras
é confuso até os dias de hoje, pois a justiça tomou essas terras em
função do assassinato ocorrido em 1760, porém a justiça também
precisava de terras para assentar os açorianos que a mais de uma
década estavam naquela região, até o momento desassistidos
pelo governo. Outra versão seria de que após a venda para Inácio
Francisco de Melo, o governador da Capitania do Rio Grande de
São Pedro, Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda, mais conhecido
no Brasil como José Marcelino de Figueiredo, teria desapropriado
a sesmaria para o assentamento dos açorianos. O antigo Porto do
Dornelles, habitado agora pelos colonos açorianos, passou a ser
chamado de Porto de Viamão (e, mais tarde denominado Porto de
São Francisco dos Casais), sendo o primeiro núcleo urbano que
deu origem à vila de Porto Alegre.
Já em Triunfo, Jerônimo requereu terras pelos serviços
prestados e por ter sido desapropriado das que possuía em Porto
do Dornelles, acabou recebendo oficialmente essas terras apenas
em 1814, 43 anos depois de sua morte.
Seus filhos também se estabeleceram pela região, formando uma
boa parte do centro populacional da atual região metropolitana
de Porto Alegre, devido a dimensão da família de Jerônimo de
Ornelas.
Jerônimo de Ornelas se estabeleceu em Triunfo, já mais velho, e
sem a energia dos tempos de tropeiro, fez a sua casa no atual centro
histórico do município, a casa que serviu de moradia, também
foi o ambiente de trabalho de outro filho ilustre de Triunfo, o
artista plástico Olegário Triunfo, que por muitos anos trabalhou e
montou um centro de artesanato na casa onde morou Jerônimo de
Ornelas, a conhecida “Casa do Artesão” sofreu com a morte de seu
renomado artista assim como há mais de 200 anos, sofrera com a
morte de seu construtor.
No começo do ano em que esse livro foi lançado (2021), a casa
após um período de abandono, passou por um grande processo
de reforma, com nova pintura e reforma geral, sem perder seu
valor histórico. A frente do restauro estava o secretário municipal
de Turismo e Cultura de Triunfo, Rogério Antônio Pisetta, que
estabeleceu na casa a Secretaria Municipal de Turismo e Cultura
de Triunfo, na rua João Pessoa, Nº 225, bairro Centro, Triunfo-RS.
A casa segue o padrão colonial luso-brasileiro, com duas janelas
e duas portas frontais, nas duas laterais é composta por grandes
janelas, e nos fundos possui duas janelas e duas portas menores.
Foi restaurada no começo desse ano como já dito e repintada com
as cores mais tradicionais para a época, branco nas paredes e azul
nas aberturas da casa. Por dentro três detalhes são chamativos na
casa de mais de 250 anos, primeiro; a espessura das paredes, na
época as paredes das casas e da própria igreja Matriz eram bem
reforçadas, devido ao tamanho das pedras e pela uniformidade
das mesmas, segundo; as vigas de madeira, fazendo arcos nas
entradas dos cômodos, as vigas de madeira, algumas ainda da
época que foram construídas, chamam a atenção pelo seu estado
de conservação, terceiro; as “janelas” que mostram a arquitetura da
época, não somente na casa de Jerônimo como em outros prédios
históricos do município é possível observar alguns pedaços da
parede que seguiam o modelo antigo, isso foi feito para mostrar
como era as edificações na época que foram feitas, deixando sem
reboco de cimento alguns espaços para que os visitantes possam
observar com clareza a arquitetura que em grande parte superam
os 200 anos, nos fundos do prédio existe também um pátio muito
bem decorado com flores e plantas ornamentais, ainda aos fundos
do pátio fica a atual Casa do Artesão, com bonitas peças artesanais
feitas por triunfenses.

Fotografia - Frontal da casa


de Jerônimo de Ornelas,
hoje secretaria municipal
de Turismo e Cultura
de Triunfo reformada no
começo desse ano.
Fotografia - Frontal da casa, dando
destaque para as aberturas em azul.

Fotografia - Corredor central da casa,


também é possível notar as vigas de
madeira que fazem arcos nas entradas
dos cômodos.

Fotografia – Sala de entrada da


casa de Jerônimo de ornelas, é
possivel perceber a espessura das
paredes e também o espaço de
observação da construção em seu
modelo antigo, realçado por uma
moldura.

Fotografia – Fundos da casa,


onde fica um pátio muito bem
decorado com plantas e flores.
Em 27 de setembro de 1771, com 80 anos Jerônimo de Ornelas
morre, e é sepultado, como prática comum na época, dentro
da Igreja Matriz Bom Jesus em Triunfo, onde de acordo com a
publicação no Caderno do Correio do Povo de 13 de junho de
1970, consta que nos livros de Registros de Óbitos de Triunfo
que de 3.700 pessoas falecidas naquela paróquia, entre 1757 e
1851, 2.000 foram enterradas dentro da igreja matriz, 700 no adro
e 1.000 fora da igreja e no cemitério que hoje é a praça Bento
Gonçalves, que fica no centro da cidade. Ainda sobre a pesquisa
feita pelo padre Ruben Neis, diz que na única sepultura existente
na capela-Mór, além da do 1° Vigário Padre Tomaz Clarque,
foram enterradas 10 pessoas, sendo Jerônimo de Ornelas um dos
primeiros, e Antônio da Cunha Pacheco, o último.
Em seu inventário, aberto um ano após a sua morte
pela sua viúva, Lucrécia Lemes Barbosa, consta 6 escravos no
valor de 337 mil réis (em valores convertidos aproximados de
quase R$40.000 reais), 446 bovinos (entre vacas de campo, bois,
terneiros e terneiras) avaliados no total em 343 mil réis (em valores
convertidos aproximados em mais de R$40.000 reais), 303 equinos
(entre mulas, burros, éguas de crias, potros e potrancas) avaliados
no total de 517 mil réis (em valores convertidos aproximados de
quase R$70.000 reais), uma casa na freguesia de Triunfo coberta
de capim, avaliada em 38 mil réis e uma chácara no subúrbio,
avaliada no mesmo valor, juntas somando 76 mil réis (em valores
convertidos aproximados de quase R$10.000 reais), em seu
inventário também existiam outras coisas como; ferramentas,
mobília, vestuário, utensílios domésticos e outros materiais que
no total chegam no valor de 77 mil réis (em valores convertidos
aproximados de quase R$10.000 reais).
Ao todo seu patrimônio ao fim da vida chegava a 1.350.000
de réis (em valores convertidos aproximados de R$163.000 reais).
Vale sempre lembrar ao leitor que a conversão, não é exata, apenas
para dar uma dimensão dos valores, seu inventário está presente,
junto com diversas informações no site genearc.net. Para os
padrões da época seu patrimônio não era consideravelmente alto,
vendo pelos dados acima citados a fortuna desse pioneiro não
causa grande impressão, porém como já foi mostrado nesse texto,
temos de lembrar que ele fez a partilha de seus bens com as filhas
quando essas casaram (eram 8 filhas) e seu filho José Raymundo
que morreu quando ainda era solteiro.

Certidão de óbito original de Jerônimo de Ornelas Menezes e Vasconcelos.


Transcrição do texto; Aos vinte sete dias do mês de Setembro de mil sete centos setenta e hum annos,
nesta freguesia do Senhor Bom Jesus do Triunfo, faleceu da vida presente, com oitenta annos,
JERONIMO DE ORNELLES MENEZES, natural da ilha da Madeira, marido de Lucrécia
Leme Barbosa, natural de Guaratinguetá. Levou os sacramentos da Penitencia, Eucaristia e
Extrema Unção. Foi encomendado na forma do Ritual Romano acompanhado com a Cruz da . .
. e sepultado Capela Mor da Matriz. E por tudo constar na verdade, eu Thomas Clarque Vigário
encomiado nesta paróquia acima declarada por este termo de assento que assigno
Placa de mármore que se encontra
dentro da Igreja Matriz Bom Jesus em
Triunfo, indicando o sepultamento
de Jerônimo de Ornelas dentro da
Igreja

Igreja Matriz Bom Jesus em Triunfo, construída


em 1754, seguindo o estilo barroco colonial,
sendo a sede da terceira paróquia mais antiga do
Rio Grande do Sul.

Fotografia – Altar da Igreja Matriz,


com a imagem do padroeiro de Triunfo,
o Bom Jesus, nas paredes é possível
perceber as duas placas em mármore, a
da esquerda é de Jerônimo de Ornelas e
a da direita do 1º Vigário Padre Tomaz
Clarque que dirigiu a igreja entre 1757
até sua morte em 1779.
Imagem do interior da Igreja Matriz, com destaque para as imagens sacras que antecedem o altar.
Fonte; http://otriunfense.com.br/

Fotografia – Entrada da Igreja


Matriz, com atraente decoração
interna em madeira, incluindo
significativa estatuária de origem
portuguesa
A importância histórica e sociológica de Jerônimo de Ornelas
é muito significativa, não somente na região de Porto Alegre, mas
também em Triunfo, já que sua família se expandiu grandemente
na região, ele em sua mente, não tinha o interesse de instalar um
centro urbano que mais tarde se tornou a capital Porto Alegre, ele
somente queria construir ali sua moradia, sua estância, criando
gado e cavalos juntamente com sua família, mas ao fazer isso,
acabou contribuindo para o povoamento não somente da região
metropolitana, mas de uma parte significativa do Rio Grande do
Sul.
Jerônimo de Ornelas não nasceu em Triunfo, e morou aqui
cerca de 14 anos, porém o simples fato dele e de sua família terem
vindo para essa cidade fez com a população aumentasse, elevando
cada vez mais a região.
Sua história passa por muitas figuras e lugares históricos,
como o padre Tomaz Clarque, e os lugares por onde passou, Ilha
da Madeira, Minas Gerais, Guaratinguetá, Laguna, Sesmaria de
Santana e por fim Triunfo. Seu bisneto Bento Gonçalves da Silva
que nasceu 17 anos depois da morte de seu bisavô que se tornou o
líder da maior revolução do país. A vida de Jerônimo, primeiro de
tropeiro, depois como estancieiro, nos mostra a povoação do nosso
estado, mesmo que sem intenção sua sesmaria deu origem a capital
Porto Alegre.
Mesmo não sendo um filho de Triunfo, sua existência contribuiu
muito para a cidade e deve sim ser lembrado, também merece ter
seu mérito reconhecido e um resumo de sua história se encontrará
registrado nesse livro, sendo “titularmente” um dos filhos ilustres
de Triunfo, que mesmo não nascendo aqui, contribuiu muito para
que a pequena freguesia se tornasse uma linda cidade.
Único registro da possível fisionomia de Jerônimo de Ornelas, idealizado por Fernando Corona,
vale ressaltar que não é uma fotografia e sim uma tentativa de representação visual.
Célia Ávila
Nasceu no interior de
Triunfo/RS, onde vive. Filha de
agricultores traz em seu perfil,
fortes traços do regionalismo
rural mesclados com sua
trajetória de professora.
É graduada em Letras pela
Unisinos e pós-graduada em
Educação Inclusiva.
Em 2012, depois da
aposentadoria do ofício de professora, começou escrever, mas sem o intuito
de editar livros. Incentivada pela família, editou seu primeiro livro Vaga-Lumes
o que a levou ao mérito de receber a Comenda Qorpo Santo da Câmara de
Vereadores de Triunfo.
A experiência bem sucedida e a boa aceitação pelo público escolar serviram
de incentivo para continuar a escrever.
Patrona de várias Feiras Literárias escolares e da XVII Feira do Livro de
Montenegro é atuante no universo educativo com oficinas e/ou levando a sua
poesia para o público estudantil.
É autora dos livros:
Vaga-Lumes - 2012
POEMARIA, Tudo é Poesia - 2014
Das Cinzas à Chama - 2016
Sassarico e Saracote – 2018
Versos e Causos de Aurora – 2019 (poemas e contos)
Todos do gênero poético.
BENTO GONÇALVES DA SILVA
Filho ilustre de Triunfo

“Veneramos tua espada


como relíquia de glórias
pois foi pincel da história
que tracejou nosso mapa,
e esta indiada, pronta e guapa
que te olha com reverência,
é da mesma descendência,
da velha estirpe farrapa”
— trecho de Bento Gonçalves da Silva, poema de Jayme Caetano Braun
O NASCIMENTO

Casa onde nasceu Bento Gonçalves, atualmente, Museu Farroupilha


– Triunfo/RS

Corre um sentimento de orgulho e de respeito a Bento


Gonçalves, entre o povo gaúcho. Sendo o maior líder da Revolução
Farroupilha, deixou exemplos de coragem, de bravura, de galhardia,
de sensibilidade. Foi firme nos seus propósitos, enfrentou
dificuldades, mas sem demonstrar fraqueza ou desânimo. Grande
estancieiro foi bom filho e bom pai. De caráter modesto e generoso.
Muito sábio e prudente. Conhecedor da História Romana.
Bem humorado e escrevia com afeto aos amigos. Ídolo dos seus
concidadãos, o herói farroupilha era valente e feliz. Nunca temeu
o inimigo e nem se acovardou diante do perigo. Criou o correio a
cavalo como meio de comunicação. Chefe militar, líder político e
primeiro presidente republicano em terras brasileiras.
Arquétipo dos cavaleiros. Um homem alto e esbelto. Bem
feito de corpo. Cabeça pequena e redonda. A cavalo, sua figura se
aproximava a de um centauro. Ágil e garboso quando cavalgava.
Sua história começa em Triunfo/RS no dia 23 de setembro
de 1788, data em que nasceu na casa que, ainda hoje, pode ser
visitada. Essa casa é uma construção de 1771 e está localizada
próximo à igreja, no centro histórico da cidade. Pertenceu ao avô
materno de Bento Gonçalves, o primeiro colonizador da Freguesia
do Nosso Senhor Bom Jesus do Triunfo.
Bentinho era décimo filho dos quatorze do casal Joaquim
Gonçalves da Silva e Perpétua da Costa Meireles, ele português e
ela uruguaia.
Já ao nascer, os pais de Bento decidiram que ele seria padre,
ao que nunca demonstrou nenhum interesse. Observando o
comportamento do menino, resolveram não forçá-lo a nada.
Desde muito jovem, o que lhe aprazia era a lida de campo. Exímio
cavaleiro, ele transitava entre as estâncias de seu pai e a de seu irmão
mais velho. Sempre a cavalo, vivia levantando os quero-queros, em
meio ao gado que pastava naqueles campos. Muito responsável e
dinâmico, sentia-se confortável e prazeroso nesse ofício.
Seu pai escreveu em carta “sabe o que é trabalhar e cuidar do
que se encarrega e eu, sem ele, não posso estar um dia”.

O GURI BENTO GONÇALVES


Para o orgulho dessa terra
Onde corre o Jacuí
Nascia mais um bebê
E gritaram: - É guri!

Entre a cruz e a espada


Vinha ao mundo o Bento
Já nascia com talento
Nessas terras triunfenses
Cresce forte e logo vence
A escolha da espada
Sua história registrada
É contada em prosa e verso
Para mostrar ao universo
As curvas de sua estrada.

Desde mocito mostrava


Que aquilo que mais gostava
Era o lombo dos cavalos
Sair ao cantar do galo
Só chegar de tardezita
Transitando com coragem
Entre o gado e a pastagem
Nas fazendas do entorno
Sentindo o vento morno
E a beleza das paisagens.

Ele nem imaginava


Que a sina lhe reservava
O destino de guerreiro
Lutas e entreveiros
No tinido das espadas
Batalhas ensangüentadas
Liberdade e cativeiros.

Célia Ávila

A CARREIRA MILITAR

Fazenda Leonche
A carreira militar era mesmo a vocação de Bento, o que só se
manifestaria, definitivamente, na idade adulta, quando chegou aos
23 anos.
Em 1811 apresenta-se à Companhia de Ordenanças de D.
Diogo de Souza, que preparava a invasão da Banda Oriental
(atual Uruguai). Ao final da guerra, desincorporado como cabo,
estabelece-se uma fazenda com criação de gado e uma casa negócios
de produtos pastoris e outros, em Cerro Largo (atual Melo, no
Uruguai).
Aos poucos, devido à sua habilidade militar, ascendeu de posto,
chegando a coronel em 1828, quando foi nomeado comandante
do Quarto Regimento de Cavalaria de 1a. linha, estabelecido em
Jaguarão. Passou a exercer também os postos de comandante da
fronteira e da Guarda Nacional naquela região.
Provavelmente já era maçom nessa época, pois consta que
organizou várias lojas maçônicas em cidades da fronteira. É certo,
contudo, que sua influência política já era grande, pois o posto
de comandante da Guarda Nacional era um cargo eminentemente
político.
Pouco depois, em 1814, compra uma estância chamada
Leonche e se fixa em definitivo na região. Aí conhece Caetana
Garcia, aquela que seria sua esposa. Nessa data ele tinha 26 anos.
Juntos tiveram os filhos: Joaquim, Bento, Caetano, Leão, Marco
Antônio, Maria Angélica e Ana Joaquina. Caetana era considerada
uma mulher guerreira e muito empenhada na proteção de sua
família, descrita como uma bela uruguaia de olhos verdes, sendo
que jamais renunciou sua língua pátria.
Bento Gonçalves e Caetana Garcia –
https://almanaquenilomoraes.blogspot.com/2020/02/dona-caetana-primeira-dama-da-republica

Nessa época, muitos rio-grandenses haviam se estabelecido na


Banda Oriental, já anexada ao Brasil. Alguns tinham aderido ao
movimento republicano, inclusive naturalizando-se para melhor
participar da luta dos federalistas uruguaios.
Saint Hilaire se referia a acontecimentos de 1816, quando
Bento organizara um pequeno grupo de guerrilha para proteger
sua fazenda e a de vizinhos contra o roubo de gado, praticado pelas
facções sem luta.
Naquele ano, seus homens chegaram a ocupar Cerro Largo. O
historiador argentino José Domingo Sarmiento sustentou que o
pastoreio no pampa garantia aos estancieiros as mesmas condições
dos cidadãos livres de Esparta ou Roma. O gado substituía
o escravo, como sustentáculo da vida material, deixando aos
proprietários o tempo livre para se dedicar à política ou à guerra, o
que frequentemente era a mesma coisa.
A campanha se dividia em comandâncias, de que faziam parte
todos os habitantes. As milícias eram tropas ocasionais “surgindo
ou se dispersando com a mobilidade indispensável à guerra no
pampa”.
O comandante era sempre um estancieiro, “pronto para agrupar
a gauchada da zona”. O Estado “recorria aos chefes prestigiosos
entregando-lhes os comandos”. Ter propriedade rural, charqueada
ou comércio e se dispor a fardar e armar seus guerreiros eram
condições indispensáveis para ser um oficial de milícias.

BENTO MILITAR E PAI DE


FAMÍLIA

Apresentou-se ao Uruguai Casou-se com Caetana


Pra lutar em terra alheia De sobrenome Garcia
Não fugiu da peleia Formaram a grande família
Nem se mostrou acovardado A estância, sua morada
Foi um valente soldado De Leonche foi chamada
Daí em diante seguiu Nela viveram com os filhos
Na luta que lhe surgiu Até surgirem empecilhos
E, sem trégua, continuou E obstáculos na estrada.

Degrau a degrau alcançou Foi repontando querências


O posto de coronel De espada e lança nas mãos
À frente de seu plantel Marcando sua existência,
Comandante em Jaguarão Lutando por este chão
Defendendo a região Sem afrouxar nenhum tento
Com coragem e honradez Foi seguindo seu intento
Nunca mostrou timidez Liderando sempre à frente
Ou maldade no coração. Comandante competente
Ficou na história Bento
Célia Ávila.
A REVOLTA DOS GAÚCHOS

A Guerra dos Farrapos, na qual Bento Gonçalves se destacou,


aconteceu, principalmente, por causa da insatisfação dos
estancieiros gaúchos com a política fiscal do governo brasileiro.
No século XIX, a província do Rio Grande do Sul tinha como
principal produto o charque, que era vendido para alimentar os
escravos no Sudeste e Nordeste do Brasil.
O charque era produzido pelos charqueadores, que compravam
a carne bovina dos estancieiros, os criadores de gado do Rio
Grande do Sul. A grande insatisfação destes estava relacionada com
a cobrança de impostos realizada pelo governo sobre a produção
de charque da região. O charque gaúcho recebia uma pesada taxa
de cobrança, enquanto o que era produzido pelos uruguaios e
argentinos tinha uma taxação diminuta.
Esse quadro tornava o produto gaúcho menos competitivo,
uma vez que seu preço era maior. A principal exigência dos
estancieiros era que o charque estrangeiro fosse taxado para tornar
a concorrência entre o produto nacional e o estrangeiro mais justa.
No entanto, outras razões ajudam a entender o início dessa revolta:
Insatisfação com a taxação sobre o gado na fronteira Brasil–
Uruguai; insatisfação com a negativa do governo em assumir os
prejuízos causados por uma praga de carrapatos que atacou o gado
na região em 1834; insatisfação com a centralização do governo e a
falta de autonomia da província; circulação dos ideais federalistas
e republicanos na região.
A soma desses fatores levou os gaúchos a rebelarem-se contra o
governo central em 20 de setembro de 1835.
A REVOLTA DOS GAÚCHOS.
Povo vencendo o cansaço O imposto que pagavam
No labor da lida dura Pela carne que charqueavam
Não admite a ditadura A peso de puro sal
Dos mandos imperiais O insumo principal
Não pode deixar, jamais Pra preparar a iguaria
Extorquir o seu capital, Se a taxa só subia
Mas o governo imperial O lucro só escasseava
Vinha passando da conta A revolta aumentava
É aí, então, que desponta Até que um dia estourou
O alvoroço gaudério Bento Gonçalves liderou
Pois lhes “tirava do sério” A guerra que se formava.

Célia Ávila
BENTO GONÇALVES NA REVOLUÇÃO FARROUPILHA

Imagens Google
Em 1832, Bento Gonçalves foi indicado para ser o comandante
da Guarda Nacional do Rio Grande do Sul, um dos cargos de
maior importância na província. Soube utilizar essa posição por
ocasião da Revolução Farroupilha. Neste cargo comandava todos
os corpos da guarda Nacional, cujos oficiais, eram membros da
elite regional.
Em 1833 foi denunciado pelo Marechal Sebastião Barreto
Pereira Pinto, comandante das armas na província, por proteger o
caudilho uruguaio Lavalleja. Foi, então, chamado a se explicar no
Rio de Janeiro. De lá, saiu vitorioso, mas não voltou à província
como comandante de fronteira, embora tivesse conseguido que
fosse nomeado para presidente da Província, Antonio Rodrigues
Fernandes Braga, o qual Bento derrubaria do poder em 1835,
quando se iniciava a Revolução Farroupilha.
Quando retornou ao Rio Grande do Sul, continuou com suas
idéias liberais e afastava-se, cada vez mais, de Braga que era tido
como prepotente e arbitrário pelos Farrapos.
Em abril de 1835, Bento Gonçalves foi eleito para a primeira
Assembléia Legislativa da Província. Na primeira reunião, Bento já
foi apontado como um dos deputados que queriam a separação do
Rio Grande do Sul do restante do Brasil.
Foi a partir daí que se acirravam as acusações mútuas entre
os liberais e os conservadores. Os jornais se encarregavam de
publicar as falas dos dois lados. Enquanto isso, Bento Gonçalves
prenunciava a tomada do poder, que teve início em 20 de setembro
de 1835.
No dia 21, Bento Gonçalves entrou em Porto Alegre ficando
por pouco tempo. Deixou a cidade para comandar as tropas
revolucionárias que operavam na Província. Chefiou as tropas
Farroupilhas até o dia 2 de outubro quando foi preso, junto com
outros líderes, no combate da ilha de Fanfa, em Triunfo, terra onde
nasceu e viveu sua infância.

A PRISÃO DE BENTO GONÇALVES.

Anamaria Teles / Agencia RBS


No Fanfa, há um mapa em mármore com a localização das tropas federalistas e farrapas. Ele
conta um pouco dessa batalha, que durou quatro dias e terminou com a prisão de Bento pelos
imperialistas.
– Chegou ao ponto de não ter mais munição. Estavam rodeados pelas barcaças imperiais do
comandante Gliffer e, no morro, pelo Bento Manoel. Ele se entregou para salvar os soldados que
tinha.
https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/viagem/noticia/2016/09/conheca-tres-cidades-que-guardam-vestigios-da-
revolucao-farroupilha-7514199.html
De Viamão, Bento parte com sua tropa, seguindo a várzea do
Rio Gravataí marchando para são Leopoldo. Atravessou o rio dos
Sinos e o rio Cai. Deslocando-se pela margem do rio Jacuí, para a
junção de reforços que tinha pedido a Neto.
Disse aos seus comandados que o único jeito de atravessar o rio
é pela Ilha de Fanfa. “Conheço bem esses caminhos. Aqui é a terra
em que eu nasci e morei até meus 15 anos.”
O rio estava muito cheio com fortes correntezas. Era época de
chuvas, mês de outubro de 1836. Aquela era a parte mais rasa,
daria para atravessar. Não sabia o chefe farrapo que os imperiais
haviam preparado uma emboscada.
Ao cruzar o rio, lá estava a tropa imperial com seiscentos
homens. Ocorreu um combate sangrento, onde muitos guerreiros
perderam a vida. Um das mais significativas e injustas de todas as
batalhas.
A ilha fica no interior da cidade, a 24 quilômetros do centro, e foi
cenário de uma das tantas batalhas. O único jeito de chegar até lá é de
barco, em uma travessia curta. É uma propriedade particular, mas quem
quiser conhecer é sempre bem-vindo. A entrada é gratuita, mas deve-se
agendar a visita junto à Secretaria de Turismo, já que não há uma balsa
fixa que faça a travessia regularmente.
https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/viagem/noticia/2016/09/conheca-tres-cidades-
que-guardam-vestigios-da-revolucao-farroupilha-7514199.html

Bento foi preso, mas pediu que liberassem seus homens.


Obrigados a entregar suas armas, muitos guerreiro negaram-se a
fazer isso, jogando-as dentro do rio.
Dali, o líder farroupilha foi mandado para a Fortaleza de lage,
no Rio de Janeiro, de lá tentou fugir, mas desistiu em solidariedade
ao seu companheiro de cela, Pedro Boticário que por ser muito
gordo não conseguiu passar pela janela.
Foi, então, transferido para o forte do Mar em Salvador na Bahia.
Mesmo preso foi eleito presidente da República Rio-Grandense,
em seis de novembro de 1836.

A FUGA DE BENTO GONÇALVES

https://jornalibia.com.br/destaque/de-preso-a-presidente-da-republica-rio-grandense/

Além do apoio farroupilha, Bento Gonçalves contava com a


ajuda da Maçonaria, da qual fazia parte. Sua fuga da prisão em
1837 seria facilitada com o apoio maçônico.
No dia em que fugiu Bento fingindo que iria tomar banho
de mar, começou a nadar, em frente ao forte e, aproveitando
um descuido de seus guardas, seguiu nadando por cerca de cem
metros em direção a um barco da Maçonaria, que estava à sua
espera. Depois foi levado para a ilha de Itaparica, numa viagem
de cinquenta minutos a partir do Forte. Lá se disfarçou de civil
chegando até Florianópolis de onde veio a cavalo até o Rio Grande
do Sul. Chegando a Piratini, imediatamente, tomou posse no
cargo, para o qual havia sido eleito - Presidente da Província. Em
seguida, passou o comando ao seu vice, José Mariano de Mattos
para poder seguir liderando o exército farroupilha. Embora se
mantivesse como presidente, a partir de então sua vida seria nos
combates e campanhas.

O DUELO ENTRE BENTO E DAVID CANABARRO

http://www2.al.rs.gov.br/memorial/ImagensGerais/ImagensHist%C3%B3ricasII

Desgostoso com as divergências que surgiam entre os farrapos,


em 1843 resolveu renunciar ao cargo passando para José Gomes
Jardim de Vasconcelos a presidência e o comando do exército
para David Canabarro, enquanto assumia apenas um comando de
tropas.
As intrigas que causavam divergências entre os farroupilhas
culminaram num triste episódio. Bento, sabedor de que Onofre
Pires – outro líder farroupilha – lhe fazia acusações e o chamava,
inclusive, de ladrão, desafiou-o propondo-lhe um duelo, em 1844.
Nesse duelo, Onofre Pires foi gravemente ferido por Bento e
morreu dias depois.
Com o objetivo de acabar com o conflito no sul, o governo
imperial mandou Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias,
comandar uma ação para promover um acordo entre os dois lados
revolucionários.
Só em 1845 que os farroupilhas aceitaram a proposta e a
Revolução Farroupilha, depois de dez anos, chegou ao fim.

A SAGA DE BENTO GONÇALVES


Bento segue a trajetória Dali levaram o guerreiro
Escrevendo sua história Para distante Bahia
A espada e ponta de lança Onde passou muitos dias
Durante suas andanças Pensando em voltar pra casa
Enfrentou tristeza e dor E aproveitando uma vasa
A ingratidão de traidor Largou-se a nado no mar
Mas perdeu a esperança. Tinha um barco a lhe esperar
Que lhe trouxe até a terra
No grande combate da ilha Quem enfrenta a guerra
O sangue escorreu na trilha Enfrenta em qualquer lugar.
Fanfa palco ensanguentado
Do maior combate do Estado Da província presidente
Jacuí testemunhou Apossou-se no mesmo instante
Triunfo inteiro chorou Do cargo que lhe cabia
Com tamanha mortandade Mas passou, no outro dia
Bento preso na cidade O cargo para o parceiro
Que também lhe viu nascer E saiu com os guerreiros
Sem nada poder fazer Combatendo a injustiça
Pra impedir essa maldade. Sem cansaço nem preguiça
Bento honrou o seu torrão
Levado pra outro Estado Que prima pela união, pela paz e a justiça.
Preso, foi contrariado
Parar no Rio de Janeiro Célia Ávila
A MORTE DE BENTO GONÇALVES.

https://www.facebook.com/PHBENTOGONCALVES/

Bento Gonçalves estava doente. Pobre e sem dinheiro. Apenas


com as terras que tinha em Camaquã. Voltou pra lá. Viu a sua
casa abandonada e os campos vazios. Com ajuda de alguns amigos
recomeçou sua vida. Porém duraria pouco o seu recomeço. Muito
doente se dirigiu até Pedras Brancas, hoje município de Guaíba,
para procurar seu velho amigo e companheiro, o médico-prático e
famoso José Gomes de Vasconcellos Jardim que tinha um hospital.
Mas nem chegou a ser, devidamente, tratado. A pleurisia que se
apresentou violentamente provocou sua morte. Era dia 18 de julho
de 1847.
Seu corpo foi levado para Camaquã, onde ficou até o ano de
1909. Neste ano, o Intendente de Rio Grande mandou levantar um
monumento e pediu aos herdeiros autorização para levar os restos
mortais de Bento para depositar no alicerce daquela construção.
Joaquim Gonçalves
da Silva, filho de
Bento, segurando os
restos mortais de seu
glorioso pai.

O HERÓI ETERNIZADO Do corajoso guerreiro


Com o acordo assinado Seus amigos e companheiros
O herói já bem cansado Choraram em sua partida.
Retorna à sua fazenda
Que se encontra miseranda O herói eternizado
Cenário desolador Mesmo morto e enterrado
O pobre herói lutador Vive no imaginário
Viu sua casa abandonada Conduzindo o ideário
A fazenda mal cuidada Desse Rio Grande leal
Os campos largos vazios No alto do pedestal
Passaram-lhe arrepios Segue servindo de exemplo
Ele se sentindo doente E de dentro do seu templo
Acudiram-lhe muita gente O povo gaúcho inspira
Para restaurar sua morada Acendendo a grande pira
Mas a sina mal traçada Da coragem e amor ao estado
Trouxe-lhe a enfermidade Num hino que redobrado
Dirigiu-se à cidade Diz que essa terra dono
Para curar o seu mal Observando do seu trono
Porém a doença fatal Os frutos do seu legado.
De repente roubou-lhe a vida
Foi triste a despedida Célia Ávila
A VELHINHA E SEU CAVALO
Segundo as lendas farroupilhas, durante o retorno para o Rio
Grande do Sul, Bento Gonçalves teria chegado a uma estância,
entre o Paraná e Santa Catarina e pediu um cavalo. Ele precisava
trocar o animal porque a viagem era longa. A dona da estância,
uma velhinha, disse “eu só tenho um cavalo escondido que me
resta, porque meus bois, meus cavalos e até meu marido foi levado
pela Revolução. Eu só daria meu cavalo se fosse pessoalmente para
o general Bento Gonçalves”. Daí ele disse “Minha senhora, eu sou
Bento Gonçalves”.
Essa história é contada como uma coincidência, mas Flávio
Patrício Vargas desmente a versão. “Essa velhinha era descendente
de maçons que estavam dando cobertura para a fuga de Bento
Gonçalves e essa história era uma senha”, relata. “Eles chegaram
ali sabendo onde chegar. Não foi nada de coincidência”, afirma o
historiador.

Monumento a Bento Gonçalves na


Praça Almirante Tamandaré e Rio
Grande.
Por ironia, a cidade mais antiga do Estado – Rio Grande –
onde repousam os restos mortais do grande herói farroupilha, não
aderiu a causa farroupilha durante os dez anos que permaneceu a
luta dos liberais.

Monumento a Bento Gonçalves


em Porto Alegre. Pichado e
vandalizado.

BIBLIOGRAFIA
https://www.jornaldocomercio.com › especiais › 2020/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_Farroupilha_%28Triunfo%29
https://almanaquenilomoraes.blogspot.com/2017/07/a-morte-de-bento-
goncalves.html
https://jornalibia.com.br/destaque/de-preso-a-presidente-da-republica-rio-
grandense/
Tabajara Ruas – Os Varões assinalados, Montenegro:AAF; Triunfo
COPESUL.2000 – LIVROS 1;2; 3; 4; 5; 6; 7; 8; 9; 10.
História Ilustrada do Rio Grande do Sul
https://almanaquenilomoraes.blogspot.com/2020/02/dona-caetana-primeira-
dama-da-republica
https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/viagem/noticia/2016/09/
conheca-tres-cidades-que-guardam-vestigios-da-revolucao-farroupilha-7514199.
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Flávio Augusto Canto Wunderlich

Flávio Augusto Canto Wunderlich,


nasceu em Rio Pardo, cidade histórica
luso-açoriana/ Rio Grande do Sul,
Brasil. Formado Bacharel em Turismo,
a 22 anos desenvolve Projetos ligados ao
Turismo Cultural, enaltecendo a cultura
luso-açoriana, para escolas, faculdades,
instituições de lazer, turistas, através
de cursos, visitas guiadas pela cidade,
mostrando o legado deixado principalmente
pelos açorianos como: gastronomia,
artesanato, costumes, religiosidade.
Presidente do Conselho do Municipal
de Turismo da cidade a mais de 10 anos
e a 16 anos membro do Centro Regional
de Cultura, que envolve 26 cidades através da educação, artes e danças, são
trabalhos voluntários. Atualmente Diretor do Núcleo Luso-Açoriano de Rio
Pardo.

LUIZ JOSÉ RIBEIRO BARRETO


No ano de 1808, nasceu um grande homem, com sua
personalidade forte e marcante, regada de bondades e ideais
inovadores, deixou seu legado inegável, principalmente no
município de Triunfo. Foi no dia 25 de agosto que Luiz José
Ribeiro veio ao mundo e a partir deste fato, uma história estava
começando, o local em questão era a antiga Vila de Santo Antônio
da Patrulha.
Militarismo, arte, medicina, advocacia, questões rurais, entre
outras, seriam suas habilidades, um marco referencial na história
do Rio Grande do Sul.
Filho de Manoel José Ribeiro, nascido no Bispado do Porto
e de Candida Clementina de Oliveira, do Rio de Janeiro. Avós
paternos Manoel Ribeiro e Maria da Rocha, maternos, Domingos
Alves Martins e Anna Luizados Santos.

Luiz Barreto sempre esteve


a frente do seu tempo, um dos
primeiros empregos que se
tem notícia foi de atendente
farmacêutico no boticário do
Alferes Gabriel Antônio, na Vila
de Santo Antônio e neste local,
após o falecimento do mesmo,
surge um fato curioso, ele adota
o sobrenome do falecido devido
a grande amizade, tornando-
se a partir daí, a denominar-se
efetivamente como “Barreto”. Além do sobrenome, casou-se aos
17 anos com Rosa Maria de Jesus Fernandes, a viúva, na época
com 27 anos.
Em 1826, já com 18 anos, mudaram-se para Triunfo. Apesar
de não terem tido filhos, adotaram oito crianças: Vitor 1868,
Sebastião e Maria 1871, Maria José 1872, Marciliano 1873, José
Luiz 1874, Sergio 1876 e Ernestino em 1880. De farmacêutico
passa a médico homeopata.
CASA ONDE MOROU LUIZ BARRETO, Rua João Pessoa, n°52-, Triunfo)

Como estancieiro, foi proprietário da maior parte da Sesmaria


da Piedade e dono de muitos prédios no centro urbano da cidade
de Triunfo. Existe até hoje no trajeto Porto Alegre Santa Maria,
uma localidade chamada “volta do Barreto”, onde o trem cruza o
Rio Jacuí.
Na sua carreira pública alcançou êxito reconhecido, assumindo
a comunidade triunfense, tendo sido vereador e presidente da
Câmara Municipal por longos anos. Foi também Promotor das
Guardas e muitas outras posições de prestígio.

Antiga Câmara de Vereadores de Triunfo.


Após o início da Revolução Farroupilha, seguindo seus ideais,
no ano de 1839 é eleito deputado para a Assembléia Constituinte
e Legislativa da República Rio-Grandense, o qual fica em décimo
lugar do total de 36 contemplados, fazendo 2.627 votos. Exerce seu
mandato com maestria e após, finaliza sua carreira política como
Ministro da Fazenda.
Durante a revolução foi um dos primeiros que propôs no dia
12 de março de 1844, reconciliação honrosa com o Império, mas
apesar de ter sido apoiado nesse intento por Bento Gonçalves,
não conseguiu que fosse o mesmo aprovado. Bento por sua vez,
encarrega Dionysio Amaro da Silveira, de ir entender-se com Duque
de Caxias, iniciando assim as tratativas de paz, que se concretizam
um ano depois no Tratado de Ponche Verde.
Gostava de ser chamado de “secretário de Bento Gonçalves,
secretário do cidadão geral em chefe”
Da marcante personalidade de Luiz José Ribeiro Barreto, fala
bem alto a numerosa correspondência por ele expedida no decênio
farroupilha e atualmente transcrita no volume 4-1980 dos anais do
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, dado o inestimável valor
histórico da referida correspondência. Segue uma réplica a seguir:
Aqui uma carta do Vereador e um comunicado do Ministro:

“Ilmo. Sr. Domingos José de Almeida


Com bastante prazer recebi sua estimadíssima carta com data de 9 do pretérito
em que me comunica estar restituído ao seio de sua honrada família de que lhe
dou muitos parabéns.
Bem sensível me tem sido a notícia por V. Mcê enunciada na mesma do estado
ameaçador a que tem chegado as (Quilombolas) do distrito maximé por me
dizerem que algumas inocentes vítimas tem sucumbido aos golpes de tão detestáveis
assassinos; é para lastimar que cenas tão detestáveis estejam diariamente a
repetir-se em nossa cara Pátria; Porque? Pela imbecilidade e inaptidão do Governo
Provincial que entregue a uma facção adversa à causa da Pátria não cura se
não de satisfazer paixões rancorosas e vinganças vis, perseguições sistemáticas;
é admirável de ver-se como se conserva na presidência quem tem perdido toda a
força moral, faltando-lhe igualmente a física; um caso extraordinário o fora agora
expirar e sucumbir algum pequeno partido que o rodeava, é esta a sanção de
iníquia imposição dos direitos nos campos; esta medida tem merecido a execração
de homens de todos os credos políticos e quando de fato não caia por alguma
deliberação legislativa na futura sessão é certamente inevitável a desordem na
Província, segundo observo os ânimos dos povos; a Câmara Municipal desta vila
na primeira sessão dela pretende dirigir uma representação ao Presidente nesse
sentido contra este e outros tributos extremamente gravosos aos povos; consta-me
que iguais representações se fazem em outras partes, não sei afinal qual será o
resultado.
A flexibilidade e condescendência, ou melhor, falta de energia do Governo Central
é causa de todos os males que ora sofremos e temos sofrido; praza a Deus um dia
se não esgotem os sofrimentos dos rio-grandenses livres, que então adeus déspotas
infames, adeus tirania, tudo sucumbirá.
Qualquer incidente interessante tendente à causa pública eu não serei omisso
em lhe comunicar e desejo ter igual retribuição. Sua criada muito lhe agradece as
recomendações e da Ilma. Sra. D. a quem dirige os mais sinceros votos de amizade
e gratidão. Muito desejarei que me empregue em alguma coisa de seu serviço, no
que terei (2r.) excessivo prazer para mostrar que ingenuamente sou de V. Mcê.,
amigo, patrício e criado.

Triunfo, 15 de agosto de 1835.


a) Luiz José Ribeiro Barreto

P.S. - Cumprindo com o que determina em sua carta, a apresentei ao Cidade


e Sabino; ambos muito lhe agradecem e se recomendam saudosos, e todos nós
anelamos o tempo em que possamos reunir em tão alegre e jovial sociedade qual
outrora passada.

Triunfo, 15 de agosto de 1835.


(a) Luiz José Ribeiro Barreto”

“Exmo, cidadão General


Participo a V. Exa, que ontem tomei a meu cargo as Secretarias de Estado da
Fazenda e interinas da Guerra e Marinha, e que me desempenho dos deveres a
que as mesmas me ligam terei sumo prazer se for a V. Exa. prestável.
Nutro a lisongeira esperança que V. Exa, se dignará prestar-me sua ingênua
coadjuvação para o bom desempenho da árdua tarefa que sobre mim pesa.

Deus guarde a V. Exa.


Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda e interinas da Guerra e Marinha
em Alegrete, 14 de dezembro de 1842.
(a) Luiz José Ribeiro Barreto
S. da R.
Ao Exmo, cidadão General
João Antonio da Silveira,
Chefe do Estado-maior e
Comandante interino do Exército.
Aonde se achar.
Do Ministro da Fazenda e Guerra.”
Logo depois da revolução farroupilha surge um grande
movimento cultural em 1848, liderado por Barreto que sempre
foi um incentivador das artes cênicas. É erguido então o Teatro
União, com traços neoclássicos é terceiro mais antigo do Rio
Grande do Sul. Funda a Sociedade União. O prédio é doado a
Prefeitura Municipal em 1914. Passou por um restauro completo
no ano de 2004.

TEATRO UNIÃO,
Rua Luiz Barreto, 1912,
Triunfo
Faleceu na sua cidade adotiva em julho de 1888, e está sepultado
em um túmulo único, com formato de torre em um antigo
cemitério na rua Antônio Canabarro. Na placa existente consta
a seguinte descrição: “Túmulo de Luiz Barreto. Neste túmulo jaz
o ilustre cidadão triunfense Luiz José Ribeiro Barreto nascido em
Santo Antônio da Patrulha em 25.08.1808 veio para Triunfo aos
18 anos onde permaneceu até 1888”

Foto túmulo Luiz


Barreto, Triunfo

No dia 18 de dezembro de 2012, em Santo Antônio da Patrulha,


é criada a lei N° 6.617 que dá nome a Praça ode está localizada a
Fonte Imperial, conforme foto a seguir.
Genealogia de Luiz José Ribeiro Barreto
Pesquisa feita por Clemente Milton Barreto - Estrela/RS

Manoel José Ribeiro, cas. Cândida Clementina de Oliveira, nasc. Santo Antônio
da Guarda Velha, são país de:

F-1 Luiz José Ribeiro, nasc. 25/08/1808 e +24/07/1888 cas. Rosa Maria de
Jesus, em Triunfo, em 22/11/1828, viúva de Gabriel Antônio Ferreira. Após o
casamento, passou a usar o sobrenome Barreto.

F-2 Floriano José Ribeiro, lº cas. Maria Madalena Andrade e são pais de:
(Também acrescentou o sobrenome Barreto como o irmão)

N-1 Floriano José Ribeiro Barreto, nasc. em Santo Antônio. 1° cas. Edwirges
Alves Massena, 2º cas. Adolfina Lampert

N-2 Manoel José Ribeiro Barreto, 1° cas. Maria Cândida de Andrade, pais de:

Bn-1 Maria Cândida Ribeiro Barreto, cas. Ulisses Brandão

Bn-2 Maria das Dores Ribeiro Barreto, cas. Francisco de Paula Fernandes
Bn-3 Francisco José Ribeiro Barreto, cas. Cândida Saraiva.

Bn-4 Floriano Ribeiro Barreto, 1° cas. Eduwirges Alves Massena 2° cas. Adolfina
Lampert.

N-2 Manoel José Ribeiro Barreto, 2° cas. Maria Idalina de Andrade são pais de:

Bn-5 Manoel José Ribeiro Barreto Filho, 1° cas. Maria Amália Lampert são
pais de:

3n-1 Maira Idalina Ribeiro Barreto, cas. Lídio Alves de Oliveira

3n-2 Maria Luiza Ribeiro Barreto, cas. Noé Martins Gravina

3n-3 Manoel Carlos Ribeiro Barreto (faleceu com 28 anos)

BN-5. Manoel José Ribeiro Barreto Filho, 2° cas. Clementina Lampert,são pais
de:

3n-4 Walter (faleceu com 2 anos)


3n-5 Amália Fantina Ribeiro Barreto, cas. Nelson Moreira

3n-6 Zaira Ribeiro Barreto, cas. Álvaro de Andrade Machado

3n-7 Ciloson Ribeiro Barreto, cas. Geni Furtado

3n-8 Ernestina Edeli Barreto, (faleceu solteira-69 anos)

3n-9 Luci Ribeiro Barreto (faleceu solteira-20 anos)

3n-10 Francisco Zenon Ribeiro Barreto (faleceu com 15 anos)

3n-11 Clemente Milton Ribeiro Barreto, cas. Nely Theresinha Bueno são pais de:

4n-1 Christine Bueno Ribeiro Barreto Lenhard, cas. José Roberto Lenhard e são
pais de:

5n-1 Jaqueline Barreto Lenhard

5n-2 Rafael Barreto Lenhard

4n-2 Denise Bueno Ribeiro Barreto

5n-3 Gabrielle Barreto Pompeo

4n-3 Dayse Bueno Ribeiro Barreto

3n-12 Aida Maria Ribeiro Barreto, cas. Irineo Camargo. Obs. Manoel José
Ribeiro Barreto havia sido noivo de Ernestina Maria Lampert, que faleceu
durante o período de noivado. Ela era irmã de suas duas esposas.

BN-6 Luiz José Ribeiro Barreto (Lulu), cas. Alvina Lampert

BN-7 Hugo Ribeiro Barreto, cas. Etelvina Marques

Obs. Maria Cândida e Maria Idalina de Andrade eram irmãs. Mario Amália
Clementina e Alvina Lampert eram irmãs.
Odila Lourdes Rubin de Vasconcelos
Nasceu em 06 de fevereiro de 1955
em Caiçara/RS, última filha de uma
família italiana de 10 irmãos, pai Francisco
Cesar Rubin e mãe Graciosa Luísa
Gardin Rubin. Formada em Magistério
pela Escola Nossa Senhora Auxiliadora
em Frederico Westphalen e Letras pela
URI – Universidade Regional Integrada
em Frederico Westphalen. Trabalhadora
aposentada da Extensão Rural – Emater/
RS-Ascar, atuou em Seberi, Frederico
Westphalen, Butiá, Porto Alegre e Triunfo.
Foi diretora de Seguridade da FAPERS
– Fundação Assistencial e Previdenciária
da Extensão Rural no Rio Grande do Sul.
Hoje residente em Triunfo/RS, casada com
Antônio de Vasconcelos Rocha, mãe de
Lourelisa, Jonas e Álvaro. Idealizadora da
Fundação Cultural Qorpo-Santo e defensora
da importância e relevância deste nobre filho e sua obra literária e dramatúrgica.
Premiada em várias edições do Concurso de Poesias Reinaldo Leal em Triunfo.
Escritora de Esquetes e Peças Teatrais. Escritora integrante do Livro Atores
Luso-Brasileiros 2020 pela Sala Açoriana de Triunfo. Conselheira do Conselho
Comunitário Consultivo do Polo Petroquímico do Sul. Empresária na nova
economia.
Depois de ter a oportunidade de assistir, ler inúmeros trabalhos literários,
livros, ver peças teatrais e participar de palestras sobre sua vida e obra, escrever
aqui pode ser um trabalho simples ou complexo, depende do ponto de vista.
Vou tentar tornar essa tarefa aprazível.
Considero-me uma pessoa apreciadora da obra literária e dramatúrgica de
Qorpo-Santo e estar envolvida desde 2007 com pessoas que pesquisam, escrevem
e encenam sua obra, isto me trouxe uma bagagem que quero compartilhar de
forma generosa e quem sabe interessante.
É um privilégio poder dissertar sobre um dos nomes dos protagonistas deste
livro, José Joaquim de Campos Leão Qorpo-Santo em 2021, na década em que
comemoraremos seu bicentenário de nascimento (2029).
JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO *QORPO-SANTO
Contexto Histórico:
Na primeira metade do século IXX, o Brasil passava por uma série
de conflitos armados por disputas de território entre portugueses,
espanhóis, imperiais e republicanos. Aqui na Província de São
Pedro, o nosso Rio Grande do Sul teve a Revolução Farroupilha
de 1835 a 1845. Triunfo por ser a terra natal do General Bento
Gonçalves, um dos grandes protagonistas desse embate e território
que foi palco de vários combates, inclusive na Ilha de Fanfa onde o
próprio General Bento foi preso e, incontáveis farroupilhas foram
mortos ali.
Um pouco antes deste período de batalhas da Revolução
Farroupilhas nasceu em Triunfo o nosso personagem José Joaquim
de Campos Leão, em 19 de abril de 1829, um ariano inquieto, mas
seguro de si e de suas ideias.

A família de QS:

Francisco Machado Leão, avô materno de Qorpo Santo,


nascido em 1748 em Norte Grande, Ilha de São Jorge, Açores.
Francisco casou-se em 1768 com Maria Joana do Nascimento,
nascida na mesma ilha em 1749 e assassinada em 1819 em Triunfo,
pelo escravo Joaquim – o primeiro condenado a ser enforcado em
Porto Alegre em 1821. Do casamento de Francisco e Maria houve
14 filhos, dentre eles: Joaquina Maria do Nascimento, que seguiu
o nome de devoção materno, e nasceu em 1793 em Triunfo. Ali,
Joaquina casou-se em 1810 com Miguel José de Campos, natural de
Florianópolis/SC, filho de Alexandre José de Campos e Francisca
Clara Luiza. Dessa união, nasceu José Joaquim de Campos Leão,
o Qorpo Santo, dia 19/4/1829 em Triunfo. Seu pai Miguel José
de Campos, foi um dos primeiros professores do RS, o primeiro
de Triunfo e diferente do que se pensou durante muito tempo, sua
família tinha sim “eira e beira”, ou seja, tinha condições financeiras
e sociais e eu acrescentaria culturais.
Rua Demétrio Ribeiro nº 70 em Triunfo, foi o ambiente onde
nosso menino José Joaquim nasceu, aprendeu a andar, falar, mexer
nos livros do seu pai, correr e apreciar a bela paisagem e o encontro
das águas do Taquari e Jacuí. Com seus irmãos deve ter brincado
com bodoque para caçar passarinhos que na época deviam ser
em bandos numerosos nos bosques que margeavam os rios. Deve
ter trepado em árvores para colher e comer frutas nativas. Foi à
escola fundada por seu pai e, provavelmente frequentou as missas
celebradas pelo Padre Thomas Clark, outro personagem deste livro.
A partir dos seus 10 anos de idade iniciaram os desafios e o
maior deles, acredito que foi, a perda de seu pai, morto em uma
emboscada da Revolução Farroupilha. Provavelmente essa dor
imensa o acompanhou pela vida a fora, como acompanharia
qualquer um de nós.
Porque falo isso? Para que vejamos o nosso menino, como uma
criança normal que foi e um adulto trabalhador e respeitador das
leis e da religião.
A Vila de Triunfo no período de revolução retrocedeu
econômica e culturalmente e, muitas famílias que aqui residiam
e prosperavam com seus negócios agropecuários e comerciais se
mudaram para outros lugares. Nesta leva estava a família de nosso
menino José Joaquim, agora chefiada por sua mãe Joaquina Maria,
viúva que preferiu mudar-se para Santo Antônio da Patrulha.
Nosso inquieto menino já estava focado em qualificar-se para
ser professor, talvez para seguir os passos do saudoso pai. Também
iniciou carreira no comercio onde teve a oportunidade de aprender
muito e viajar pelo estado, mais precisamente para Alegrete, no
ano de 1857. Com 28 anos de idade casou com Inácia Maria de
Campos Leão. Mais adiante teremos a linha do tempo de Qorpo-
Santo completa.

Trineta

Aqui um capítulo especial com a colaboração de Eloah de


Freitas Lima Ventura, trineta de Qorpo-Santo, que já esteve em
vários eventos realizados pela Fundação Cultural Qorpo-Santo,
em especial, na 1ª Távola Cultural do Tryumpho de Qorpo-
Santo, no ano de 2016, na Câmara de Vereadores de Triunfo, em
homenagem a Qorpo-Santo vereador com a participação de vários
nomes expoentes da literatura do estado e do país: Luiz Antonio
de Assis Brasil, Antônio Carlos de Sena, Inês Alcaraz Marocco,
Maria Aparecida Ramos Dias, Maria Clara Gonçalves e Eloah de
Freitas Lima Ventura .
Na oportunidade, Eloah nos trouxe uma detalhada informação
sobre sua árvore genealógica até a 7ª geração, que tem a peculiaridade
singular de todos os integrantes terem curso universitário, alguns
mais de um e muitos ligados ao ensino, às artes e ao direito.

QORPO-SANTO, segundo sua trineta:

Eloah de Freitas Lima Ventura - trineta de Qorpo-Santo;


professora estadual aposentada, nascida em Sobradinho-RS,
residente em Santa Maria, no coração do estado do Rio Grande
do Sul. Em sua infância ouvia falar do parente distante como um
“gênio”, mas também como um “louco”. Na família predomina
a imagem carinhosa de um parente que sofria as agruras de estar
muito à frente de seu tempo. Foi bem mais tarde que Eloah passou
a se interessar pela obra literária do seu ascendente familiar.
Descobriu então com grande interesse a atualidade de sua obra,
procurando resgatar o seu passado no seio da família. Eloah nos
conta quais são os descendentes do “Gênio Louco”, cujo legado
é o gosto pelas artes e, especialmente, a paixão pela literatura e
dramaturgia. Também nos diz que o reconhecimento é essencial
e, o que mais importa é a obra, tesouro herdado por todos os
admiradores de Qorpo-Santo.
Dramaturgo, escritor, poeta, jornalista, tipógrafo e gramático
brasileiro. Vereador eleito. Professor. Nascido em Triunfo no dia
19 de abril de 1829 e falecido em Porto Alegre em 1º de maio de
1883, aos 54 anos de idade.
Comerciante, fundador de escola, autor de artigos em jornais.
Na “compulsão” tudo escreve.
“Ele formulou uma proposta de mudar o português para
aproximar a escrita da fala.” Luis Augusto Fischer.

COMO FORAM E COMO SÃO OS SEUS DESCENDENTES?


O QUE PODEM TER HERDADO DO FAMOSO ANCESTRAL?

José Joaquim de Campos Leão, Qorpo-Santo casou-se com


Inácia Maria e teve quatro filhos:
*Idalina Carlota
*Lídia Marfísia
*Plínia Manuela
*Tales José

ARVORE GENEALÓGICA A PARTIR DE LÍDIA MARFÍSIA

LÍDIA MARFÍSIA – segunda filha de Qorpo-Santo é a minha


bisavó. Casou-se com Albino Monteiro – este, filho de Tristão José
Monteiro, fundador da cidade de Taquara-RS.
Idalina de Campos Monteiro – filha de Lídia e neta de Qorpo-
Santo, minha avó materna.
A bisavó Lídia morou e terminou seus dias sendo cuidada por
vovó Idalina.
Vovó Idalina casou-se com o advogado Henrique de Freitas
Lima, teve oito filhos, sendo que dois faleceram ainda crianças.
Como seu avô Qorpo-Santo Idalina optou, profissionalmente,
pelo magistério, que exerceu por mais de quarenta anos com muita
probidade, tanto é que teve seu nome escolhido para denominar
uma escola estadual, em Alvorada, Escola Idalina de Campos
Monteiro.
BISNETOS de Qorpo-Santo filhos de Idalina e Henrique:
*Hélio – advogado e Juiz de Direito, sem filhos;
*Hillo – iniciou o curso de Medicina, porém, no segundo
ano teve a oportunidade de tornar-se representante comercial de
medicamentos e deixou a faculdade. Gostava de declamar poesias,
não sei se também escrevia versos, sem filhos;
*Henrique – meu pai. Ingressou na faculdade de Direito,
mas tendo conseguido nomeação como Juiz Municipal, deixou a
faculdade, trabalhou nas cidades de Santo Antônio da Patrulha,
quando se casou com Addy minha mãe. Juntos foram desbravar
o centro do estado, residindo em Sobradinho. Trabalhador
inteligente, poeta, homem de visão, criou com mamãe uma família
com bases sólidas e de convívio, amor, progresso e educação.
Tiveram seis filhos, dos quais falarei ao denominar os trinetos,
entre os quais me incluo. Meu pai deixando o cargo de Juiz
municipal, habilitou-se como advogado e jornalista colaborador,
tendo o vínculo legal com a OAB – Ordem dos Advogados do
Brasil e com a ARI – Associação Riograndense de Imprensa.
*Hyrtaco – Cursou faculdade de jornalismo e foi jornalista do
Correio do Povo e professor de jornalismo na PUCRS, sem filhos.
* Idália – Cursou a faculdade de Filosofia e era especialista em
Português. Lecionou sempre no Colégio “Júlio de Castilhos”, em
Porto Alegre, onde obteve título honorário pela sua admirável
atuação como Mestra. Não teve filhos.
* Idalina – Cursou a faculdade de Medicina, especializou-se
em Tisiologia. Trabalhou no Rio de Janeiro, depois especializou-
se também em psiquiatria, quando já casada com Dr. Antônio
Campos e com dois filhos: Hélio – engenheiro nuclear da NASA –
EUA e Rafael – Advogado, exerceu sua profissão em Brasília. Hélio
e Rafael são trinetos de Qorpo-Santo, como eu.
TRINETOS de Qorpo-Santo, filhos de Henrique de Freitas
Lima Filho – meu pai.
*Henrique – primogênito, Bacharel em Direito na UFRGRS e
Promotor de Justiça concursado e depois Procurador de Justiça.
Poeta, cantor, declamador, instrumentista de gaita e violão. Foi
grande incentivador do nativismo no Rio Grande do Sul sendo
um dos fundadores da Califórnia da Canção Nativa e seu primeiro
presidente. Deixou alguns CDs gravados com músicas e poesias.
Como profissional foi muito respeitado. Faleceu em 2005;
*Nelma – Licenciada em Filosofia pela faculdade de Bagé,
foi professora estadual em Sobradinho, Cachoeira do Sul como
diretora de escola; em Porto Alegre foi vice-diretora do Colégio
“Paula Soares”. Faleceu em 2005.
*Helena – Bacharel em Direito pela UFSM, é professora estadual
aposentada, tendo atuado em Cachoeira do Sul e Santa Maria,
no setor de processos da 8ª coordenadoria Regional de Educação.
Reside atualmente em Santa Maria.
*Hélia – Licenciada em Pedagogia, foi professora universitária
e titular de cadeira de Didática da Universidade Federal de Santa
Catarina em Florianópolis, onde havia concluído sua formação
acadêmica. Faleceu em 2012.
*Adí– Licenciada em História Natural pela UFSM, pós-
graduada, exerceu o magistério em Santa Maria, Encruzilhada do
Sul e Pelotas. Agora –aposentada- reside em Porto Alegre.
*Eloah – Bacharel em Artes Plásticas, licenciada em Desenho
e pós-graduada em Educação, exerceu o Magistério em Cachoeira
do Sul e Santa Maria, onde completou seu tempo de serviço no
estado com a chefia do Grupo Funcional de Informática da 8ª
Coordenadoria Regional de Educação. Tem o gosto em escrever,
tem dois livros publicados. Participou, como colaboradora
convidada, em diversas obras publicadas em Santa Maria onde
reside.
Após o falecimento de mamãe, papai teve mais dois filhos de
um novo relacionamento:
*Hélio – Militar da Brigada e
*Telma – Corretora de Imóveis.
TATARANETOS – 5ª geração
São treze:
*Walkiria – Filha de Nelma, alfabetizadora, licenciada em Artes
Plásticas pela Escola Superior de Artes Santa Cecília em Cachoeira
do Sul, escreveu um livro didático, para ser publicado, reside em
Cachoeira do Sul;
*Henrique – filho de Henrique, Bacharel em Direito e Cineasta,
diretor dos filmes “Lua de Outubro” e “Concerto Campestre”
reside em Porto Alegre;
*Júlio, também filho de Henrique. Engenheiro Agrônomo e
fazendeiro, residente em Santiago/RS.
*Addy – filha de Hélia, Licenciada em Pedagogia, exerceu o
magistério e, agora é assessora na Secretaria de Estado da Justiça e
Cidadania, em Florianópolis;
*Artur – filho de Hélia, Médico formado pela UFSC, atuando
no município de Socorro em São Paulo. Pela admiração granjeada
com sua atuação profissional, tem seu nome numa das salas
especiais do Hospital onde atua.
*Adriana – filha de Hélia, Bacharel em Direito e Administração,
exerce atividades no Tribunal de Justiça em Florianópolis;
*Andréa – minha filha – Bacharel em Administração pela
UFSM, com especialização em Administração Pública e Gestão
de Cidades, pela ININTER, empresária. Quando estudante fez
teatro, participou e venceu concurso de poesia. Faz atividades
filantrópicas. É sempre interessada no que diz respeito a Qorpo-
Santo;
*Deisy – minha filha, Bacharel em Direito pela UFSM, com
Mestrado em Santa Maria e Paris. Doutora em Direito pela
Universidade de Sorbonne-Paris. É professora da USP- Universidade
de São Paulo-titular na Faculdade de Saúde Pública (USP) Quando
estudante venceu concurso literário de crônica e ganhou prêmio
de melhor atriz em teatro. Tem mais de 15 livros editados e, escreve
em revistas científicas. Um dos seus artigos aceito para publicação
é “O Papel do Teatro na Formação em Relações Internacionais:
experiências no campo dos Direitos Humanos”. É também
interessada no que diz respeito ao Qorpo-Santo e sua obra literária
e Dramatúrgica.
*André – filho de Adí – Bacharel em Direito, atua no Fórum de
Passo Fundo – RS. É violinista e cantor.
*Tiago – filho de Adí – Bacharel em Direito, atua na Caixa
Econômica Federal em Porto Alegre.
Também descendentes de Henrique de Freitas Lima Filho,
meu pai:
*Bruna – filha de Telma – Bacharel em Direito pela ULBRA em
Cachoeira do Sul;
*Iuri – filho de Hélio – Cursa Artes Cênicas;
*Luíza – filha de Hélio – Cursa Medicina Veterinária.

TATARANETOS – 6ª geração
*Aloma – filha de Walkyria – Bacharel em Publicidade e
Propaganda, empresária, falecida em 2017; Deixou a filha Agatha.
( da sétima geração)
*Douglas – filho de Walkyria – Bacharel em Administração,
atua no Banco do Brasil – como Gerente;
*Júlia – filha de Addy – Bacharel em Administração, pós
graduada, atua em escritório;
*Bruno – filho de Addy – Bacharel em Direito, pós graduado,
possui escritório;
*Roberta – filha de Adriana – um filho, Carlos Eduardo da
sétima geração de Qorpo-Santo;
*Rodrigo – filho de Adriana – Cursa Administração na UFSC;
*Rafaela – filha de Adriana – estudante do ensino médio.
*Filipe – meu neto –filho de Andréa. Cursa Desenho Industrial
na UFSM, juntamente comigo, aos 8 anos lançou um livro em
homenagem à escola onde estudava, escreve poesias, toca violão e
piano.
*Luísa – minha neta –filha de Andréa. Trabalha em Curso de
Idiomas;
*Venâncio – filho do Júlio – estudante;
*Artur – filho do Artur – estudante;
*Henrique – filho de Henrique – estudante.
*Bento – filho de André, neto de Adí.

TATARANETOS – 7ª geração
*Agatha – filha de Aloma – estudante;
*Carlos Eduardo – filho de Roberta – estudante.
Após essas inéditas informações sobre os descendentes da
segunda filha de Qorpo-Santo, Lídia Marfísia vamos retornar ao
nosso personagem, agora um cidadão trabalhador, questionador,
propositivo, por vezes rebelde, mas muito inteligente e obstinado
por Justiça, tanto que até teve um jornal com esse nome.
QORPO-SANTO CIDADÃO
Esteve em Alegrete por
motivos de saúde, uma
moléstia do peito, durante
os anos de 1857 a 1961.
Nesta época o nosso jovem
cidadão José Joaquim já se
destacava por sua cultura,
habilidade com as pessoas
e espírito elevado quanto
ao seu propósito de vida
em sociedade. Na cidade de
Alegrete, podemos dizer que,
participou ativamente da
política como vereador eleito,
da ordem pública como subdelegado, da imprensa como jornalista
para o periódico local, da cultura como professor e fundador do
colégio Alegretense de primeiro e segundo grau e, atuou também
como comerciante.
Hoje em sua homenagem Alegrete promove a “Parada do
Orgulho Louco” aprovada por Lei Estadual 14.783/15 tendo
como tema principal a Saúde Mental.
Aqui em Triunfo denominada através da Lei 432 de 30 de
setembro de 1981 temos a Escadaria Qorpo-Santo, que fica ao
lado da casa onde QS nasceu e ali encenam esquetes teatrais e
declamam poesias, no dia de seu aniversário de nascimento 19 do
mês de abril e, neste mesmo dia 19 é homenageada também outra
ilustre triunfense Ida Hermínia Kerber, Iracema de Alencar que
tem um capítulo especial neste livro.

Desde 22 de julho de 1994, tem


a Escola Qorpo-Santo que através de
um projeto está ganhando um novo
prédio com recursos federais.
Um grupo de pessoas ligadas à
cultura em Triunfo criaram o Centro
Cultural Qorpo-Santo em 11 de março
de 1985, com o objetivo de congregar
atividades culturais, porém em 1º de
março de 2008 foi criada a Fundação
Cultural Qorpo-Santo e neste
movimento estão conterrâneos e pessoas que chegam a Triunfo
e que estão envolvidos com a cultura e no Grupo de Teatro Cena
QorpoSantesca.

Casa onde nasceu Qorpo-Santo

V á r i a s
tratativas já foram
lideradas pela
Fundação para
resgatar a casa
onde nasceu QS,
porém sempre
algum empecilho
aparece..., mas movimentos envolvendo escolas são frequentes e as
ruínas da casa sempre servem de cenário para o abraço.
Voltando ao nosso personagem
Escolheu o seu codinome “Qorpo-Santo” aos 34 anos, quando
acreditava estar imbuído de missão divina. A justificativa era
viver afastado do mundo das mulheres. Se o corpo se pretendia
santo, o mesmo não se pode dizer dos textos. Era um homem que
tinha bons contatos com pessoas importantes na área da cultura
e em 1862 iniciou um trabalho de criação de uma gramática
diferenciada onde, por exemplo, a palavra qorpo escrito com Q.
Vou transcrever aqui o que o próprio Qorpo-Santo propôs sobre a
reforma da ortografia:

Sobre Ortographia

*José Joaquim de Campos Leão


Frontispício para hum jornal qe denominarei a saúde.
Fundado no sábio poeta português Castilho, no literato
brasileiro António Alves Pereira Coruja e em meu distinto Mestre
de tantas artes, de tantas ciências Marquês de Maricá, desde 1862
que levado de uma força irresistível, e do mais veemente desejo
de ser de qualquer modo louvável útil a meus semelhantes, e
especialmente a meus alunos, ensaiei a Ortografia de que pouco
a pouco me vou servindo, e transmitindo aos sábios a cuja crítica
sujeito.
O primeiro suprimia por exemplo o U na palavra Que, em
seu abecedário para aprender-se a ler nas escolas; o segundo diz e
exemplifica em uma nota de sua gramática Qe o que se pode fazer
com menos, não se deve fazer com mais!
O terceiro, ensinou-nos que a civilização moderna é mais devida
a derrubada de erros antigos que a descoberta de verdades novas.
Qualquer deles felizmente para mim prova tão evidentemente o
qe afirma, qe nada fica a desejar, a combater ou contestar.
Sou de sua opinião, por gênio, por índole e inclinações, por
costume, por hábito, por conveniência, nunca vacilei pois, nem
jamais o farei, para que tão grandes melhoramentos que se podem
efetuar nesta quarta parte da gramática nacional, se vão pouco a
pouco introduzindo!
As minhas obras quase só eu as entendo tantas foram as
inutilidades por mim suprimidas! Acho porém cedo para que
desde já se faça tanto!
Os timoratos se receiarião: os aterrados às outras línguas, e
principalmente à latina não qererião, como não querem perder uma
coisa inútil para nós só pelo simples fato de tal coisa ser naquela
indispensável, como se não fosse loucura cometermos todas as más
ações; vícios e erros de nossos pais só porque eles os praticaram!
Quiçá outros levados de alguns outros prejuízos,
muitos de condenável preguiça, também a rejeitassem!
Assim pois entendemos dever adiantar somente o
que nos parece mais fácil, e de pronta aceitação.
Entram neste número as seguintes reformas:
1° Supressão do U em todas as palavras que não soa.
2° Supressão de uma das letras que usam dobrar inutilmente.
3° Escrever Q em palavras em que o X e outras letras furtam o
som desta.
4° Empregar sempre o G com o som forte que tem em Gado,
Guerra etc. cuja segunda palavra se pronunciará do mesmo modo,
escrevendo-se Gera.
5° Supressão do H em palavras que não soa, nem serve para
distinção alguma.
6° A figura Z para soar sempre ere; como em Para etc. ficando
esta para só ter som forte entre vogais, e assim escrevermos — Caro
— pronunciarmos como o fazemos em Carro. E cazo, etc.
7° Uso do S em todas as palavras que se pode dispensar o C
cedilhado. Esta letra eu suprimo, pois para soar Q temos esta, e
para soar S, temos também esta.
8° Não empregar dois S, senão quando o primeiro soa com a
primeira sílaba e o segundo com a segunda. Nem com o som Z,
senão nas palavras compostas como em dés-e-seis, des-obstruir,
des-arranjar etc.
9° Inutilizar o uso do ch, qer para o som de X visto que temos
este, quer para o som de Q, visto também haver este para assim
soar. E por isso em vez de escrevermos Sexo e pronunciarmos
Seqso, escrevamos deste segundo modo: tenho ouvido muita jente
já velha, que andou anos em escolas, pronunciar ainda do primeiro
modo que acima escrevi.
10° Não soar o X, S, como muita jente uza em Felix e em outras
palavras, nem também dar tal som ao Z, porq não precisamos:
muitos o fazem entretanto em dez, pez, gaz, arroz, e em infinitas
outras palavras.
11° O Y por inútil deve desaparecer do Alfabeto como aconteceu
ao desuzado W. (Qorpo-Santo, Vol 7ª Saúde, p. 19 e 20, em 23 de
abril de 1868)

A Ensiqlopédia:

Qorpo-Santo escreveu sua ‘Ensiqlopédia ou seis mezes de huma


enfermidade’ no período em que já estava em processo de ser
interditado pela justiça e, portanto, não conseguiu ninguém que
aceitasse imprimi-la. Foi aí que teve a certeza de que ele mesmo o
teria que fazer. Em 1877 buscou uma autorização para ter sua própria
tipografia e então passou a imprimir seus escritos. O resultado
foram nove volumes de uma grande produção desconexa, feita de:
versos, relatos, reflexões sobre política, moral, ética jornalística,
provérbios, anúncios, interpretações dos Evangelhos, bilhetes,
confissões autobiográficas, comédias, projetos literários. Enfim,
fragmentos que, no seu conjunto, apresentam uma vasta visão
de vida, trabalho e mundo. Trabalhando com coisas e situações
banais, mas tratando-as de forma a perturbar qualquer ordem ou
organização que pudesse estar presente, Qorpo-Santo descontrói o
cotidiano e o torna estranho para quem o lê.

No primeiro volume encontramos resumida sua proposta em


‘Obras’ (Qorpo-Santo, 1877, p.12):
Quatro volumes – fazer eu hei de
Das varias produções minhas;
Terceiro – cartas requerimento;
Segundo – longos, curtos discursos;
O primeiro será – poezias;
Quarto – pessas theatraes, scenas!

Quanto mais observamos sua produção, temos cada vez mais


certeza de que nosso autor/escritor tem muito conhecimento
de um mundo cheio de materialidade e significação, cores, sons,
texturas, gestos.
Em ‘Objectos de conversação’ (Qorpo-Santo, 1877, p.19),
lemos:
Fala-se com as flores,
Fala-se com os fructos,
Fala-se com as cores,
Fala-se com os brutos!
-
Fala-se com a tinta,
Fala-se com o papel,
Fala-se com pinta,
Fala-se com o pincel!
-
Fala-se com as vozes,
Fala-se com os jestos,
Fala-se com as nozes,
Fala-se com os restos!

Em relação à sua dramaturgia, observamos a forma como Qorpo-


Santo lidava com os personagens: alguns mudam de nome durante
o desenrolar das cenas sem qualquer motivo aparente, outros
desaparecem durante o enredo. Para Eudinyr Fraga que escreveu
“Qorpo-Santo: Surrealismo ou Absurdo?”, não existe, nessas peças,
qualquer preocupação de coerência psicológica na construção
de personagens, que “deambulam por espaços inexplicáveis, nos
quais o tempo se torna, ele próprio uma ficção. [...] São indivíduos
sempre à beira de um colapso existencial, tentando se afirmar no
território movediço de uma organização social incompreensível e
injusta” (Fraga, 2001, p.11).
Na peça ‘Hoje sou um, amanhã outro’, Qorpo-Santo explica
essa sua concepção de mundo por meio de um personagem:
Que nossos corpos não são mais que os invólucros de espíritos,
ora de uns ora de outros; que o que hoje é Rei como Vossa Mercê,
ontem não passava de um criado, ou vassalo meu, mesmo porque
senti em meu corpo o vosso espírito e convenci-me, por êsse fato,
ser então eu o verdadeiro Rei, e vós o meu Ministro! [...] Que pelas
observações filosóficas, êste fato é tão verídico, que milhares de
vêzes vemos uma criança falar como um general; e êste como uma
criança. (Qorpo-Santo, 1969, p.124)

Sobre seu processo de criação

Qorpo-Santo também escrevia frequentemente. Entre as poesias


que tratam da sua relação com aquilo que produzia, vejamos essa,
‘Produções’ (Qorpo-Santo, 1877, p.69):
Bom ou mau – o que vedes ahi vai,
Do Campos Leão, ou d’alma sahe!
-
Ovelha; cabrito; tenho dito;
Feio, bonito – irá escripto!
-
Grande, pequeno; ervas ou feno;
Tenho dito; irá escripto!
-
Verso bemfeito; ruim, malfeito;
Tenho dito; irá escripto!
-
Pensares meus, eu tenho dito;
Sublime ou não irá escripto!
-
Verdades ou não, eu tenho dito;
O que descobri – irá escripto!
-
Produções minhas, eu tenho dito;
Goste-se ou não; irá escripto!

Suas poesias tem musicalidade e ritmo, parece ter urgência,


como se fosse preciso escrever tudo logo, imprimir tudo antes que
algum fato novo e impeditivo acontecesse.
Qorpo-Santo também pedia auxílio ao leitor, ou àqueles que
porventura viessem a encenar suas peças de teatro, para alterações
e correções de possíveis erros: “As pessoas que quiserem levar à
cena qualquer das Minhas Comédias – podem; bem como fazerem
quaisquer ligeiras alterações, corrigir alguns erros e algumas faltas
quer de composição, quer de impressão, que a mim por numerosos
estorvos foi impossível” (Qorpo-Santo, 1877, p.10).

A recepção da obra

Qorpo-Santo ansiava por uma interlocução. Escrever era


extremamente importante, mas publicar também, buscar seu
público, partilhar sua criação. Quais seriam os interlocutores de
sua obra e que relação estabeleceriam com ela?
Sua Ensiqlopédia não teve nenhuma repercussão no meio
literário e artístico da época, mas também nenhuma repercussão nos
meios psiquiátricos. Naquele tempo não havia nada que articulasse
arte e saúde mental. Seus escritos e seu trabalho na tipografia não
foram levados em consideração, pelos médicos, como atividade
terapêutica. Ele costumava dizer que sua dor e enfermidade lhe
proporcionavam melhora, saber, força e poder. Ciente do descaso
de que era vítima na sociedade da época, Qorpo-Santo mesmo
dizia que seus escritos poderiam não ser compreendidos, porém
não podiam ser censurados porque relatavam a realidade que ele
via.

Referências Bibliográficas

https://biblioteca.pucrs.br/acervos/colecoes-na-biblioteca/
acervos-especiais/qorpo-santo/
https://www.portalsaofrancisco.com.br/biografias/qorpo-santo
http://otriunfense.com.br/seminario-sobre-qorpo-santo-
lembra-que-morto-que-e-amado-nunca-para-de-morrer-como-
assegura-mia-couto/
h t t p : / / w w w. r e p o s i t o r i o . u n i c a m p . b r / b i t s t r e a m /
REPOSIP/330464/1/Goncalves_MariaClara%20_D.pdf
Vista do Revisitando a dramaturgia de Qorpo Santo em seu
contexto original (usp.br)

O encontro com as Marias:


Após a criação da Fundação Cultural Qorpo-Santo, em
01 de março de 2008 e a divulgação das ações que realizamos
em conjunto com a comunidade triunfense, nos meios de
comunicação local e regional e virtual, proporcionou que pessoas
fossem se aproximando e nos trazendo informações e ideias de
projetos. Para citar alguns que a Fundação já realizou: Cordel
Qorpo-Santo, Saraus, Livro, Workshop, Semanas, Oficinas de
Teatro, Fruição, os projetos: ‘Pelo Triunfo de Q-S”, ‘Seminário
Internacional de Q-S’, ‘1ªBienal de Dramaturgia Qorpo-Santo’ e
por último dois projetos com recursos da Lei Aldir Blank que
socorreu o Setor Cultural neste período de Pandemia: ‘Teatro
União Digital 172 anos de história’ e ‘Histórias que nos contam,
contos, causos e lendas da região de Triunfo’. Neste contexto de
trabalho da Fundação é preciso dizer que a aceitação do tema
Qorpo-Santo não foi tarefa fácil e na comunidade ainda gera
desconforto para alguns. Você está convidado a visitar as Redes
Sociais da Fundação Cultural Qorpo-Santo: Facebook, YouTube
e Instagram para conhecer mais sobre a Fundação e seu patrono.
Posso dizer que o encontro com as Marias contribuiu muito
para que eu despertasse ainda mais meu interesse por esse nosso
personagem até então incompreendido em sua própria terra natal,
Triunfo/RS. Maria Clara Gonçalves pesquisadora em nível
nacional e Maria Aparecida Ramos Dias pesquisadora em nível
regional. As duas dedicam vários anos de suas vidas pesquisando
sobre nosso Professor, Diretor, Escritor, Dramaturgo e Patrono
José Joaquim de Campos Leão. Para enriquecer este capítulo sobre
o personagem Qorpo-Santo, quero trazer os textos produzidos por
estas duas pessoas que tenho o privilégio de ter em minha relação
de grandes amigas e integrantes do Fã Clube QS.

REVISITANDO A DRAMATURGIA DE QORPO-SANTO EM


SEU CONTEXTO ORIGINAL.

*Maria Clara Gonçalves: (São Paulo, 1984)


Formada em Letras pela UNESP/Assis, mestre em literatura e
vida Social pela mesma universidade. Doutora em Teoria e História
Literária pela Unicamp. Realizou o estágio de pós-doutorado em
Literatura Brasileira na USP.
Maria Clara Gonçalves dedicou mais de 10 anos de sua vida à
pesquisa sobre Qorpo-Santo, sua importância no contexto literário
e dramatúrgico gaúcho e brasileiro e nos apresenta apreciações
sobre a vida e a produção literária de José Joaquim de Campos
Leão. Com muita propriedade Maria Clara relata aspectos
literários e estéticos peculiares na forma de escrever utilizadas pelo
escritor e dramaturgo José Joaquim de Campos Leão Qorpo-Santo
(1829-1883), além de trazer informações sobre o contexto cultural
no qual se desenvolveu o escritor traçando uma correspondência
entre a cena teatral gaúcha e sua dramaturgia. Em sua pesquisa
nos periódicos gaúchos oitocentistas ela relata que havia uma
preferência por espetáculos romântico-naturalista. Por nos
disponibilizar gentilmente suas pesquisas e participar diretamente
em eventos realizados pela Fundação Cultural Qorpo-Santo
recebeu o título de Sócia Benemérita. Trago agora partes do rico
trabalho de pesquisa que ela apresentou em seu mestrado.
Curiosidade: Vejamos que nos traz Maria Clara: “José Joaquim,
católico fervoroso, ao incorporar Qorpo-Santo ao nome, –
provavelmente inspirado no Frei Pedro González Telmo - uma
espécie de alter ego carregado de ares divinos e com características
excêntricas, fez de seu “novo eu” uma figura bastante propositiva
em seu contexto social. No O Constitucional de 04 de fevereiro
de 1873 o escritor anunciou um novo comércio de “secos e
molhados”, cuja finalidade era erguer, em poucos anos, a igreja São
José de Leão em uma das montanhas mais altas da cidade – apesar
de seus esforços, não há registros da construção da igreja e nem da
abertura do comércio.” (Gonçalves, M C, 2021, p.2)
Sobre a Enciclopédia: A pesquisadora ressalta que a coleção
está disposta da seguinte maneira: “volume I – composto de duas
partes, “Poesia e Proza” e “Prosa”; volume II – “Pensamentos e
poemas”; volume III – não encontrado; volume IV – “Romances
e comédias”; volume V – não encontrado; volume VI – não
encontrado; volume VII – constam os dois periódicos do escritor,
“A Justiça” e “A Saúde”; volume VIII - “Micelania Qurioza”;
volume IX – dividido em quatro partes: “Interpretaçoes: pontos
qe parecem qcontraditorios no novo testamento de nosso senhor
Jezusqristo”; “Alguns pençamentos esqritos por mim nestes últimos
tempos”; “Restos qe qreio, julgo ou pênso não terem sido impreços
em algum dos meus oito livros”; e “Introdução (reprodução de
livro anterior)”. (Gonçalves, M C, 2021, p.3) Também nos traz
uma preciosidade dita pelo próprio escritor: Os trambolhões em
que tenho vivido desde 1864 julho, até o prezente 1875 Septembro
–obrigam-me a publicar o que hei escripto desde Julho de 1862 –
sem ordem quanto as dactas sem distinção do que produzi antes de
assignarme Qorpo-Santo, e depois assigno este nome: sem dividir
completamente – proza, de verso como pretendia. O farão meus
filhos, se tiverem gosto para estas couzas (QORPO-SANTO, 1877,
volume I, p. 130).
Maria Clara nos diz que: “o escrito mais antigo da Ensiqlopédia
data do ano de 1853. Contudo, em sua maioria, os textos foram
produzidos a partir de 1862, mesmo ano em que o escritor foi
dispensado do magistério por sofrer de “alucinações mentais”
(termo usado pelo governo imperial em Relatórios dos Presidentes
das Províncias Brasileiras: Império – 1830 a 1889, na seção
“Professores Licenciados” em que José Joaquim era destituído
de suas funções como professor). O diagnóstico dos médicos
foi “monomania” assim denominada pelo francês Jean-Étienne-
Dominique Esquirol (1772-1840), que designava uma alteração
mental que não comprometia completamente a vida social do
indivíduo. A partir dessa data, ele e sua esposa, Inácia Maria de
Campos Leão, iniciaram uma disputa para administrar os bens
da família que duraria até a morte do escritor, em 1º de maio de
1883.” (Gonçalves, M C, 2021, p.1)
O volume IV: O conjunto das peças teatrais de Qorpo-Santo
encontra-se no volume IV, cujo título, apesar de aludir aos
romances, traz apenas o conjunto das dezessete comédias do autor
escritas entre janeiro e junho de 1866, comenta Maria Clara.
O hóspede atrevido ou O brilhante escondido;
A impossibilidade da santificação ou A santificação transformada;
O marinheiro escritor;
Dois irmãos;
Duas páginas em branco;
Mateus e Mateusa;
As relações naturais;
Hoje sou um; e amanhã outro;
Eu sou vida; eu não sou morte;
A separação de dois esposos;
O marido extremoso; ou o pai cuidadoso;
Um credor da fazenda nacional;
Um assovio;
Certa Entidade em busca de outra;
Lanterna de fogo;
Um parto;
Uma pitada de rapé (incompleta).
Por meio do estudo documental (crônicas, críticas e anúncios
de espetáculos), obtêm-se informações sobre as circunstâncias
histórico-sociais da cultura em Porto Alegre entre os anos de 1852
e 1878 – o recorte temporal que Maria Clara Gonçalves justifica
por corresponder a um período de acontecimentos decisivos para a
constituição do escritor Qorpo-Santo. “Com atenção às ideias em
circulação na imprensa e às tendências artísticas que ganharam os
palcos, observando as características do público local, seus gostos
e gêneros afins à sua sensibilidade, os periódicos constituíram um
importante veículo para a propagação e discussão de ideais teatrais
do período.
Na Ensiqlopédia há inúmeras alusões aos periódicos que eram
lidos por Qorpo-Santo, como: Echo do Sul, Jornal do Commercio,
O Mercantil, Sentinela do Sul (todos do Rio Grande do Sul),
Imprensa Acadêmica (São Paulo), Diário do Rio de Janeiro e Jornal
do Commercio, ambos da corte. O escritor possuía conhecimento
das manifestações teatrais consagradas pelos críticos, contudo
optou por desenvolver uma dramaturgia em que os elementos
cômicos fossem mais bem elaborados do que as características do
teatro edificante.” (Gonçalves, M C, 2021, p.2)
O Cenário dos fatos: Os documentos analisados por Maria
Clara neste estudo possuem informações capazes de auxiliar no
debate sobre a ligação entre a produção dramática de Qorpo-Santo
e seu contexto teatral. Ela relata: A tarefa de analisar o ambiente
em que o autor formou seu perfil artístico permite visualizar as
tendências e discussões estéticas que ocorreram em Porto Alegre,
além dos espetáculos artísticos que circularam na cidade. A leitura
das comédias de Qorpo Santo, em diálogo com sua época, oferece
corrimão seguro para que as considerações críticas a respeito de
sua produção não se percam em anacronismos sugeridos pela
aparente atmosfera de vanguarda que as cerca. A existência desse
singular escritor convida, pois, à reavaliação da história literária
que “elegeu” alguns autores e condenou ao ostracismo tantos
outros que subverteram alguns parâmetros teatrais da época,
tanto na linguagem quanto na exposição dos fatos. A dramaturgia
qorpo-santense demanda uma análise em que se coadunem as
particularidades de seus escritos com o contexto histórico, de
modo a entendê-la de maneira mais ampla. Vista do Revisitando
a dramaturgia de Qorpo Santo em seu contexto original (usp.br)
(Gonçalves, M C, 2018, p.12)
A Enciclopédia começou como um produto de luxo limitado
principalmente à elite da corte e da capital. Mas depois de assumir
uma forma mais modesta e de seu preço baixar até as possibilidades
da classe média, ela se disseminou pela bourgeoisie d’Ancien
Régime, uma burguesia que vivia de rendas, cargos públicos e
serviços, e não da indústria ou do comércio. A burguesia capitalista
moderna também tinha poder aquisitivo à altura da Enciclopédia,
e alguns comerciantes esclarecidos de fato a compraram, porém
foram tão poucos que se tornam insignificantes em comparação
com os privilégiés e profissionais liberais, que adquiriram a maioria
das cópias (DARTON, 1996, p. 406) (Gonçalves, M C, 2021, p.7)
Nossa pesquisadora Maria Clara ainda salienta com
propriedade e finaliza: “Pesquisar o movimento artístico das
cidades torna-se uma alternativa para abranger o olhar sobre o
teatro brasileiro oitocentista, compreendendo que os palcos do
país foram ocupados por diversas manifestações artísticas numa
sequência que não obedece ao tempo das escolas literárias, como
o romantismo, realismo etc. Entender o ambiente em que Qorpo-
Santo formou seu perfil artístico, as tendências com as quais poderia
ter tido contato e as possibilidades oferecidas pelo contexto para a
criação de sua obra oferecem subsídios que ajudam a compreender
o ambiente em que o escritor se formou como leitor, espectador e
dramaturgo.” Vista do Revisitando a dramaturgia de Qorpo Santo
em seu contexto original (usp.br) ) (Gonçalves, M C, 2018, p.12)

Gonçalves, Maria Clara - Revista de Literatura, História e


Memória ISSN 1983-1498 Unioeste /Cascavel - p. 245-264 V. 17
– N. 29 - 2021 - Bing

AFINAL, QUEM É QORPO-SANTO?


*Maria Aparecida Ramos Dias
Maria Aparecida Ramos Dias - Nasceu em São Jerônimo/
RS, em 9 de maio de 1964. É Especialista em Pedagogia da Arte
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com
Graduação em Filosofia e Licenciatura Curta em História pela
Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS/RS). Possui formação
em Magistério, pela antiga Escola Estadual de 1º e 2º Graus São
Jerônimo (IEE - SJ), Teatral, pelo Teatro Escola de Porto Alegre
(TEPA/RS) e Centro do Teatro do Oprimido (CTO/RJ), também,
em Yoga e Meditação pela simples.mente.yoga/SP. Tem forte
atuação em Movimentos Sociais como, feminista, ativista cultural,
sócia fundadora do Movimento Pró Cultura de São Jerônimo/
RS e sócia benemérita da Fundação Cultural Qorpo - Santo de
Triunfo/RS. É diretora teatral, produtora cultural, cantora, artista
plástica, atriz e escritora. Atuou como Coordenadora de Projetos,
Programas de Saídas de Campo, Pesquisa Científica e Eventos
Pedagógicos, Arte Educadora e Professora de Filosofia na CNEC
São Jerônimo, Arroio dos Ratos e Charqueadas/RS, por 19 anos,
destacando sua Coordenação no Projeto de Educação Intercultural
Brasil x Chile 2014/2017. Atualmente, atua em pesquisas na área
de educação, arte, filosofia e yoga. Atuou em 2018/19, como
Contadora de História e de Musicalização, na Rede Municipal
de Educação de Garopaba e de Yoga Teatro na APAE Garopaba.
É membro do Coletivo Anita Garibaldi de Garopaba/SC, da
Academia de Letras do Brasil de Santa Catarina e do Núcleo de
Contadores de Histórias de Garopaba – Seccional Garopaba/SC.
Autora de: - São Jerônimo em Cordel. Graphimax, São Jerônimo/
RS, 2012. - Qorpo Santo à Luz do Trágico em Nietzsche. Editora
Saraiva, e-book, 2015. - Y GARA MPABA Poéticas Alinhavadas:
Projeto Saia Cultural Literária. Editora Rio das Letras, Santa
Maria/RS, 2019. ANITA, para pintar e bordar... Editora Rio das
Letras, Santa Maria/RS, 2021.
Maria Aparecida Ramos Dias que em seu trabalho de conclusão
do Curso como Especialista em Pedagogia da Arte pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, nos deixa o livro Qorpo Santo à Luz
do Trágico em Nietzsche e também aqui neste texto, gentilmente
nos situa num contexto da região e do estado e, pontua de forma
bem detalhada e inédita sobre os casais portugueses e sua missão
junto a Coroa Portuguesa; as atividades comerciais que percorriam
os rios em gondolas e barcos entregando mercadorias vindas do
Reino e da Europa; os pesquisadores registrando sobre as riquezas,
fauna e flora da região. Mas o mais importante de tudo nos traz
uma linha do tempo sobre o nosso personagem José Joaquim de
Campos Leão e sua influência na sociedade oitocentista, também,
como foi o processo de criação da sua obra literária e dramatúrgica
que para a época foi considerada fora do contexto, porém após
sua descoberta pela academia passou a ter uma identidade própria
e é estudada mundo a fora até hoje como uma obra precursora
do Teatro do Absurdo. Por estar conosco em vários projetos e em
vários eventos realizados pela Fundação Cultural Qorpo-Santo
hoje Maria Aparecida Ramos Dias é Sócia Benemérita. O trabalho
feito por ela, com certeza, nos traz fatos inéditos que vão se somar
aos nossos conhecimentos sobre Qorpo-Santo.

AFINAL, QUEM É QORPO-SANTO?

Como em tudo que gira entorno da vida e da obra desse


extemporâneo1, controvérsias se apresentam. Nos seus próprios
escritos, bem como, nos registros historiográficos transcritos, até
então, as informações muitas vezes não se confirmam. As pesquisas
sobre tão instigante conterrâneo, são ainda muito recentes, sendo
que, Qorpo-Santo2 e sua obra, só foram redescobertos na década
de 60 do século passado, XX. Sua obra se apresenta entre nós
contemporâneos, em fragmentos desconexos, por vezes, nos
1 Que não é próprio de seu tempo em que sucede ou se faz: esse pedido é extemporâneo
(adj). Que é fora de tempo. Precoce, prematuro, temporão. Improvisado. Impróprio para os padrões
convencionais de sua época. (Dicionário Virtual)
2 Sobre o apelido que acrescentou ao nome, diz-nos ele próprio: “Se a palavra corpo-
santo foi-me infiltrada em tempo que vivi completamente separado do mundo das mulheres,
posteriormente, pelo uso da mesma palavra hei sido impelido para esse mundo.” - Enciclopédia, ou
Seis Meses de Uma Enfermidade, Vol. H, p. 16.Como quer que seja, em homenagem ao seu esforço
de precursor, ficou pelo menos uma lembrança de tal sistema ortográfico na grafia do seu apelido;
seja ele para sempre, na sua gloria de dramaturgo, o invulgar - Qorpo-Santo. (Miscelânea Quriosa,
de Denise Espírito Santo, em autobiografia)
deixam inúmeras lacunas, ao mesmo tempo em que, nos remetem
e apontam à lucidez de seu gênio criador. Tentarei dar corpo ao
imaginário social do então, “Arrayal da Freguezia Nova ou Vila
do Tryumpho”3, do começo do século XIX, onde José Joaquim
Campos de Leão ou somente Qorpo-Santo, nasceu e passou sua
infância.
Sabemos que, o que compõe um humano e sua subjetividade
é a contingência onde se forja. Não é, portanto, diferente com a
vida de Qorpo-Santo. A trama que tece nosso imaginário, nossa
genética, entrelaça nossa vida social e cultural. Nesse sentido,
parece claro, para mim, que a carga dramática do entorno, onde
esse humano se gerou e estruturou seu emocional, foi de um
cenário bucólico e trágico ao mesmo tempo, me deixando a pensar,
que foram muitos os motivos que levaram um homem impecável a
se tornar um monomaníaco4 em sua vida adulta.
Conforme livro documental de batismo5 de José Joaquim de
Campos Leão (ANEXO A) o avô de Qorpo-Santo se chamava
Francisco Machado Leão, nascido em 1751, na Ilha de São Jorge,
Arquipélago de Açores, que veio junto com outros europeus
colonizar SC e o RGS, - que, segundo Guilhermino César em
História do Rio Grande do Sul (p. 133. 1979), através da política
dos casais6 lançada por Portugal, vão fazer parte de uma rota
originária e estratégica do povoamento do RGS - vindo a falecer
3 Escrita ortográfica encontrada em alguns registros e documentos da época, que usarei
algumas vezes, por questões poéticas e estéticas.
4 Quem sofre de monomania; S.f. Anomalia mental em que a inteligência e a afetividade
são alteradas em uma só ordem de ideias ou de sentimentos; atividade dirigida para uma ideia fixa.
No caso de QS, a escrita compulsiva. (MDLP. Silveira Bueno.p.439,1999)
5 Livro 5º de Batismos de Triunfo, pág. 140 verso – Arquivo Histórico da Cúria
Metropolitana de Porto Alegre [AHCMPA]
6 Estratégia da coroa portuguesa para povoação do RGS no cumprimento do Tradado de
Madri(1750) e principal meio de assegurar as terras e guardar fronteiras e conquistas diante dos
espanhóis. (HRGS.GC.p.132,1979)
em Triunfo no dia 23 de abril de 1801; um homem de posses e
terras, aqui documentadas (ANEXO B), casou com Maria Joana
do Nascimento e teve dez filhos, entre eles, uma que se chamava
Joaquina Maria Leão, mãe de Qorpo-Santo. Também, descobriu-se
que Qorpo-Santo leva o sobrenome final e principal da mãe, pois
por ser abastada e de família de elite, era usual tal prática, mesmo
seu pai Miguel José de Campos, tendo um papel importante
na sociedade, um dos cinco primeiros professores no estado
e o primeiro professor público que veio para a Vila, em 1820.
(MARISTANY, p. 24, 2002)
Na obra qorposantense, Miscelânea Quriosa, organizada por
Denise Espírito Santo (p. 19, 20, 2003) em “Notícia Biográfica”,
há dados que não se confirmam aos dados expostos acima, como,
a data do casamento dos pais de Qorpo-Santo que, conforme a
autora transcreveu, se deu em 1810, assim como, teremos dados
desconexos em sua “autobiografia” dada por Guilhermino
César (p.13,14,15, e 32,1980) quanto ao que afirma o “Termo
de Recomendação” que diz, que o mesmo teria falecido aos 50
anos, mas esse dado, não bate com a sua data de nascimento, pois
se QS nasceu em 1829 e morreu em 1883, tinha portanto 54
anos. Ficando claras as controvérsias que giram ao redor de sua
vida enigmática. Mas o que importa no instante, não é dar conta
de tal discussão e sim, tentar saber, como viviam as pessoas e a
aproximação das mesmas, ao universo imaginário e real da infância
e da vida de Qorpo-Santo.
Em pesquisa minuciosa e recente, a Historiadora Margarida
Tiburi (2008), nos revela que, até o Tradado de Madri (1750) o
povoamento do RGS se deu ao mar e depois a marcha da colonização
açoriana se dá em direção contrária, rumo ao interior, formando a
rota dos casais, caminho trilhado por muitos, rumo a Viamão, Santo
Antônio da Patrulha, Alegrete e Rio Pardo, a partir da construção
do Forte Jesus Maria José, quando se promove a ocupação efetiva
do vale do Jacuí, tornando-se área de alta circulação na época, isso
confirmado por Guilhermino César (p.133. 1979). Nos chama
atenção a partir de então, os escritos sobre o povoamento de tais
paragens, da Freguesia do Triunfo e do Passo do Novo Triunfo,
hoje respectivamente, Triunfo e São Jerônimo, cidade onde nasci.
Por isso, trato Qorpo-Santo como conterrâneo, por ser filha dessa
terra, mas também, porque meus antepassados maternos viveram
e conviveram com ele e seus familiares, desbravando terras,
plantando sesmarias de trigais e laranjeiras nas ilhotas do Jacuí,
antes de tal lugar, tão promissor, virar caminho para revoada dos
abutres, leito das sanguinolentas charqueadas e palco de sangrentas
batalhas farroupilhas, onde eram vizinhos e lindeiros (ANEXO C).
Também porque, compartilharam as mesmas calçadas, ruelas e até
a mesma casa na Província de São Pedro conforme inventários de
ambos (ANEXO D). Portanto, afirma Tiburi (2008), na mesma
linha de Kuhn7 que, tais famílias faziam parte da possível elite
econômica e política das margens do Jacuí, defendendo a ideia
sobre os mecanismos encontrados por essa elite agrária em garantir
a posse da terra, a segurança de seus moradores e a posição social.
Para melhor elucidar a estratégia da coroa portuguesa em enviar
casais para tal missão, Tiburi esclarece:
“Ao redor dos fortes como os de Rio Pardo e de Santo Amaro,
nas encruzilhadas dos rios e ao redor das capelas paroquiais,
7 Professor Doutor, orientador da monografia de Tiburi, Fábio Kunh, defendeu em sua
tese de doutorado GENTE DE FRONTEIRA: FAMÍLIA, SOCIEDADE E PODER NO SUL
DA AMÉRICA PORTUGUESA-SÉCULO XVIII. Rio de Janeiro, UFF, 2006.
surgiram colônias agrícolas, no meio do séc. XVIII cultivadas pelos
açorianos, que plantavam trigo, milho e outros cereais, para aliviar
a escassez de alimentos das tropas que guarneciam as longínquas
fronteiras do Brasil.” (LEITMAN apud TIBURI, p. 81, 1979)

Confirmando o que postulo, Leitman ainda, diz:


“Alguns viajantes estrangeiros percorreram o Rio Grande do
Sul no século XIX e trazem em seus diários, descrições preciosas
sobre o rio Jacuí e a região do Baixo Jacuí. Essa região é objeto de
estudo do presente trabalho, onde vamos avaliar algumas atividades
econômicas e os indivíduos nelas envolvidos. Logo, apresentamos
algumas citações que julgamos importantes para melhor entender
a relevância do Jacuí e das propriedades em suas margens, uma vez
que hoje os rios perderam a posição comercial que possuíam no
passado. Arséne Isabelle descreve o Jacuí em vários pontos de sua
trajetória e dedica o terceiro capítulo para detalhá-lo, assim como
as paisagens que o cercam, com sua configuração geográfica, fauna,
flora, vilas e povoações e transações comerciais.” (TIBURI, p.18,
2008)
E é nesse contexto geográfico, econômico e social que nasce e
vive durante sua infância Joaquim José Campos de Leão Qorpo-
Santo.
Arséne nos remete a uma cena bucólica, longínqua e de
rara beleza, que vivenciou em viagem ao RGS no início do século
XIX, descrevendo suas vivências e andanças em navegações pelo
rio Jacuí:
“O Jacuí estava baixo quando chegamos; apesar disso tinha
ainda dez pés de profundidade no meio de seu leito; suas margens
possuem escarpas de vinte pés; a descida da margem direita e a
subida da margem esquerda são dificultosas para as carretas. O
curso desse rio de segunda ordem dirige-se nesse lugar de oeste
para leste; é sinuoso e rápido; no entanto, os barcos que são
chatos podem subir longe. Descendo do norte, através da serra, faz
primeiro muitas curvas para leste, depois dirige definitivamente
seu curso para sudeste, por espessos matos, margens pantanosas,
até Porto Alegre, passando pela cidade de Cachoeira e Rio Pardo e
as Vilas de Santo Amaro, Freguesia Nova (hoje cidade de Triunfo)
e as charqueadas.” (TIBURI, p.18,2008)

O rio, sinuoso e rápido, profundo e pantanoso, nos diz muito


a respeito da própria personalidade de QS, que haveria mais tarde,
em sua vida adulta, ficar à margem ou as margens do seu meio
social, o menino que, em sua trajetória foi um inquieto navegante
caminhante.
Descreve Tiburi, através de autores da época:
“O passo do Jacuí é de muito trânsito; é um movimento
permanente de carretas, cavalos, mulas, bois, viajantes e mercadorias
cruzando-se no rio. (p 42) O Jacuí, principalmente, é sulcado por
botes de carga e elegantes barcos (gôndolas) ocupados no transporte
de inumeráveis produtos da Europa, América do Norte e de outras
províncias do Brasil, para Rio Pardo e Cachoeira, pequenas cidades
suscetíveis de tomarem grande crescimento; a primeira, sobretudo,
poderá passar a armazém de abastecimento do norte da província,
compreendendo a serra propriamente dita e as missões do Uruguai.
(p 66) Nicolau Dreys, viajante francês, natural de Nancy, faz uma
rica descrição do Rio Grande do Sul durante a Guerra Civil, em sua
obra ―Notícia Descritiva da Província do Rio Grande do Sul, em
que narra suas experiências como comerciante. Suas informações
detalhadas sobre a população, núcleos urbanos e, principalmente,
a economia com informações amplas e muito bem especificadas
serão largamente utilizadas nessa monografia. Primeiramente os
relatos e observações sobre o rio Jacuí, confirmando algumas já
registradas por Isabelle Arséne e citadas acima. Entre os numerosos
afluentes do Jacuí, não se pode deixar de notar o Taquari, que se
une quase junto e acima da freguesia do Triunfo, com um volume
d‘água pouco inferior a do mesmo Jacuí, depois de uma carreira
bastante extensa, principiada mais ou menos debaixo do mesmo
meridiano e a pouca distância das cabeceiras do Jacuí. As margens
do Taquari são ainda ricas de madeiras de qualidade superior,
apesar de fornecerem desde longos anos a alimentação necessária
a quase todas as construções da província, para as quais bem
longe estão de chegar. O Rio Jacuí dá navegação a embarcações
de 20 a 30 toneladas, desde sua foz até o confluente do Rio Pardo;
isto é, numa extensão de mais ou menos 40 léguas (264 Km),
esta navegação acha-se somente interrompida temporariamente
nas grandes embarcações dessa carreira, e mesmo, as canoas. A
região, devido as suas características geográficas, foi uma área de
grande atração populacional depois da segunda metade do séc.
XVIII, dedicados à agricultura, pecuária e também a atividade
Charqueadora”. (TIBURI, p. 18-19, 2008)

Tais descrições nos dão a confirmar a importância do rio na vida


de tais famílias, povoados e região, na construção e desenvolvimento
econômico e cultural do nosso estado, mas, também, o quanto o
rio esteve presente, nas idas e vindas de Qorpo-Santo e sua família.
Contam também, diversos historiadores que, por conta das
pestes que atingiram as lavouras de trigais, a economia se forjou
nas terras baixas de pastagem nutritiva, com muita força para
criação de gado, fazendo assim, da atividade charqueadora a mais
pujante e importante da época no estado.
É nesse contexto movimentado e de fluxo intenso, à margem
esquerda, onde se encontram as águas e se fundem os dois rios,
Jacuí e Taquari, que em 19 de abril de 1829, num dia de outono,
nasce, em Triunfo, descendente de açorianos, José Joaquim Campos
de Leão, na Rua Demétrio Ribeiro, casa nº 70, casa essa, que jaz
em ruínas, resiste ao tempo, como que, para reafirmar a cada dia
e trazer à luz de todos nós, a importância desse nascimento. As
famílias triunfenses moravam nas terras altas e ensolaradas, donde
se avistava do outro lado da margem, passando o olhar por cima
do rio, o Passo do Novo Triunfo, onde ficavam as terras baixas e de
pastagens, em que se fundaram as charqueadas, hoje São Jerônimo.
Lugar onde nasci e me criei, atravessando muitas vezes o rio e outras
me banhando em suas profundas e rápidas águas, o Jacuí, o mesmo
rio que muitas vezes Qorpo-Santo transitou e navegou, mas não
nas mesmas águas, já que, “são diferentes as águas que cobrem aos
que entram no mesmo rio”, como nos diz Heráclito, inspirador de
Qorpo-Santo, de Nietzsche, meu e de tantos outros que pensam
que a vida se dá em fluxo, movimento e na tensão entre opostos.
Para melhor elucidar o contexto geográfico, histórico e o
imaginário social da infância de Qorpo- Santo, cito através de
Tiburi, Saint-Hilaire, que descreve poeticamente, cenas daqueles
dias, em poucas palavras, mostra através de seu percurso e do rio, a
vida e a época de uma região em movimento de opostos, pois nos
relata o belo e o feio, a vida e a morte, a prosperidade e a miséria,
nas páginas de seu diário de bordo, como se apreciasse ao longo de
sua viajem a uma obra de arte:

As Charqueadas

Sobre a atividade charqueadora, Saint-Hilaire descreve muito


bem suas atividades em Pelotas e as das margens do Jacuí são citadas
no seu trajeto de retorno de Rio Pardo a Porto Alegre entre os
dias 14 e15 de maio de 1821. Da Estância dos Dourados passamos
durante algum tempo na charqueada do Curral Alto ou de São
João da Fortaleza, onde o patrão deveria embarcar uma partida de
carne seca. Antes de chegarmos, sua presença nos foi anunciada por
nuvens de urubus, que escureciam o céu. Terminara o tempo dos
abates, no entanto, ainda havia muita carne ao sol e vísceras de bois
em putrefação, espalhando um odor infecto ao redor da casa. Essa,
além do mais, se localiza em posição privilegiada. A colina sobre a
qual foi construída domina vasta extensão de terras; a espessa mata
que margina no Jacuí se estende no campo e esse rio deixa ver, a
intervalos, grandes trechos de seu curso que se assemelha a lagos.
Antes da chegada ao Curral Alto, percorremos a embocadura do
Francisquinho, que corre à direita do rio. Deparamos, em seguida,
a foz de um outro riacho, o Arroio do Carajal, que vem do mesmo
lado e, pouco antes de anoitecer, passamos pela vila de Santo
Amaro, sede de uma paróquia. A localidade onde está construída
essa aldeia é descampada, mas à direita e à esquerda há matas.
A igreja fica no topo de uma colina e sobre seu declive vêem-se
pequenos grupos de casas, entremeados de laranjeiras e gramados.
Essa aldeia seria insignificante se apenas fosse composta de casas
que se avistam do rio; mas asseguram-me que na encosta da colina
há muitas casas. Após cruzarmos Santo Amaro, ainda deixamos,
à nossa direita, o Arroio do Conde. (SAINT-HILAIRE p. 369,
TIBURI, p.20,21,2008)

E, continua a descrever a paisagem e a passagem por São


Jerônimo e Triunfo:
Sobre o Jacuí, a três léguas de Porto Alegre, 15 de maio. Com o
tempo bom e um soberbo luar, navegamos durante parte da noite.
Próximo ao lugar onde paramos, passamos pela Cachoeira de Dona
Rita, a última ao descer o rio. À nossa direita deixamos o riacho
do Jacinto Roque. Em seguida, percorremos uma aldeia, situada
a margem esquerda do rio, denominada Freguesia Nova. Diante
desta, pouco mais abaixo, inúmeras charqueadas. É próximo
a Freguesia Nova que o Taquari, bastante volumoso e vindo da
Coxilha Grande, reúne suas águas às do Jacuí; torna-se então muito
mais largo; no entanto, continua salpicado de matas semelhantes às
que ontem descrevi. Abaixo da Freguesia Nova, vê-se a direita uma
ilha habitada de, aproximadamente, uma légua de comprimento. A
uma légua da Freguesia Nova existem ainda charqueadas a direita,
transpomos o Arroio dos Ratos. Enfim, passamos, sucessivamente,
diante de várias ilhas; algumas das quais inominadas, sendo as
mais notáveis a ilha do Fanfa, medindo uma légua, a ilha Rasa,
habitada, e por fim, a ilha do Boticário.” (SAINT-HILAIRE, p 370
apud TIBURI, p.21, 2008)

O rio e o encontro das águas, a Freguesia Nova e as inúmeras


charqueadas a direita, de quem desce o Jacuí. O lugar de Qorpo-
Santo e de meus e nossos antepassados. Lugar esse que de próspero,
se tornou berço de guerra e decadência, lugar de uma história que
se perdeu no tempo, mas que, assim como, a de Qorpo-Santo, aos
poucos está sendo revelada. Teríamos nós, filhos de tais freguesias,
sofrido e impregnado em nossos inconscientes coletivos, o estigma
proveniente dos açorianos, do segredo estratégico da coroa
Portuguesa, que, em sua política dos casais, prevenia aos que aqui
vieram segredo e sigilo total sobre a vinda deles a essas paragens?
Com o intuito de não serem, tais desbravadores, descobertos pelos
espanhóis, tal prática foi comum durante décadas e creio que
séculos, ou simplesmente deixado de lembrar e de contar a nossa
peculiar história?
Mas muitas dessas famílias, vieram carregando consigo, uma
cultura forte do além mar, pois pasmem, o pai de Qorpo - Santo,
Miguel José de Campos, além de ter sido um dos cinco primeiros
professores do Rio Grande do Sul e primeiro professor de Triunfo,
em 1832, fundou a primeira Escola de Meninos de Triunfo e na
primeira lista de alunos a irmã de Qorpo-Santo, Maria Augusta
de Campos Leão e meninos das famílias Villanova e Menezes
(ANEXO E), se fazem presentes, conforme registros da Câmara
de Vereadores de Triunfo, vasculhados por Margarida Tiburi
e que traz assinando junto ao tal feito os importantes cidadãos,
Rogério Villanova e Luiz José Ribeiro Barreto, que foi Deputado
da Assembleia Constituinte e Legislativa Farroupilha , Ministro da
Guerra e aguerrido combatente na Batalha do Fanfa. Luiz Barreto,
também, foi o fundador do Teatro União, segundo mais antigo do
nosso estado, com a participação da comunidade, comprovando,
que a pequena Freguesia tinha raízes culturais elevadas, logo, um
berço profícuo e um solo fértil, para gerar, seres elevados e geniais.
Outra passagem que nos faz imaginar como viveu Qorpo-
Santo e que Denise Espírito Santo (p.19,2003) coloca em “Notas
Biográficas” é que, em 1835 “um levante popular haveria de
mudar o rumo da política e da vida no sul do país” com a Revolta
Farroupilha liderada por Bento Gonçalves, filho de Triunfo, uma
dura e sangrenta guerra forjada pelos estancieiros rio-grandenses
contra o Império, por conta da alta taxação do charque, com a
importante participação dos charqueadores do Baixo Jacuí e
batalhas acirradas na então Freguesia de Triunfo. Também sabemos,
que duas dessas batalhas sangrentas, se deram nessa freguesia, a
Batalha do Fanfa e o Combate do Pontal, levando-nos a perceber,
o cenário de tensão, em que viviam os habitantes daquele pequeno
lugar. Fico curiosa em saber, diante disso, como os humanos
pensavam e sentiam àqueles dias? Imagino uma criança, esperta e
sensível, a viver durante longo período o terror da guerra em seu
quintal. Imagino essa mesma criança, junto a sua mãe e irmãos,
correndo, se escondendo de farroupilhas ou pior de saqueadores
imperialistas. Amanheciam e dormiam em constante estado de
guerra. Imagino, ainda, por mais natural que pareça a guerra em
época de guerra, como teria se forjado um humano inteligente e
culto, como Qorpo-Santo, em meio a isso tudo?
Creio haver múltiplas respostas, outras tantas, nunca saberemos,
mas as evidências nos levam a crer, que de alguma forma essa
irracionalidade e dor dilaceradas, que fazia parte do entorno de
José Joaquim, possa ter influenciado e desencadeado sua crise
de “monomania” em sua vida adulta. Mas por sua trajetória de
vida, vamos ver que, além, de seu cotidiano ser repleto de tensão,
dor e morte, nota-se certo poder de superação e de sublimação
desse horror e dor através de suas criações. Quem sabe, tivesse
ele o mesmo poder de lidar com a dor como “os gregos”, assim
como Nietzsche afirma em O nascimento da Tragédia, quando no
início da sua obra primeira, coloca: “Uma questão fundamental é
a relação dos gregos com a dor, seu grau de sensibilidade [...] o seu
cada vez mais forte anseio de beleza, de festas, de divertimentos,
de novos cultos brotou da carência, da privação, da melancolia,
da dor.” Tratando especificamente da origem da tragédia, da arte
trágica assim como a cômica, diz ter a mesma brotado, da loucura
dionisíaca. (NIETZSCHE, p.15,2010)
Diante da morte trágica de seu pai, morto na emboscada
preparada por Moringue, ou Francisco Pedro de Abreu, mais tarde
Barão do Jacuí, numa verdadeira chacina, a qual se encontrava o
Coronel José Manoel Leão, que conforme o descente da família
Leão, Diego de Leão Pufal, teria sido morto e atirado aos pés da
esposa e filha pequena8 e igualmente, Francisco Leão, na charqueada
3 e 4 da família Leão, conforme mapa desenhado por Felippe
Von Normann, o mesmo engenheiro que projetou o Theatro São
Pedro, em Porto Alegre (ANEXO C), no Passo do Novo Triunfo, a
margem direita do Jacuí, em setembro de 1839, ficando o menino
8 Segundo contam os descendentes de Juca Leão, o Barão do Jacuí teria assassinado a
sangue frio os irmãos Leão em uma emboscada na madrugada do dia 18-09-1839. Após praticar o
ato, fez questão de levar à viúva e à filha pequena de José Manuel o seu poncho todo ensanguentado,
inquirindo-as se sabiam a quem pertencia, tendo depois exposto o seu cadáver. Deste ataque ainda
decorreram outras mortes, além de “confiscados” animais e pertences outros da charqueada de Juca.
A participação na Revolução Farroupilha da família Leão, embora não revelada nos livros que
tratam da matéria, foi um tanto quanto significativa, não só em razão do acima narrado, mas
também em virtude das cartas existentes no Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul (em
grande parte publicadas nos seus Anais), das quais se extrai o contato direto de José Manuel de Leão
com os principais líderes revolucionários, David Canabarro, Bento Gonçalves da Silva, Domingos
José de Almeida, Antônio Vicente da Fontoura, Manoel Cardoso de Menezes e outros, bem assim o
impacto e a revolta de sua morte dentre os seus pares. (PUFAL, 2016)
José Joaquim, órfão de pai aos dez anos e a família à margem da
paternidade, tendo o mesmo, que assumir junto com mãe, desde
cedo, os negócios e a família. Pergunto, suportaria tamanho peso
e responsabilidade por muito tempo, aquele precoce menino, que
pela sua biografia ideal, nos relata suas percepções e traumas sexuais
que sofrera aos três anos de idade? Quem sabe desde lá, a sua busca
pela “lanterna de fogo”, que seu pai teria lhe dado quando criança,
o último presente, que traz a luz e o princípio de todas as coisas de
Heráclito, que está no fogo, simboliza a busca do próprio pai em si?
Quanto e de que forma, tudo isso que presenciou na infância, teria
refletido, diretamente em sua vida e obra? Que cenas, das mais
lindas e bucólicas, as mais trágicas e violentas, teria ele vivenciado
e como isso o tocou ou ficou registrado em sua mente e “qorpo”9?
Como teria ele, elaborado a perda da infância, da adolescência e
do próprio pai?
Creio diante de tais conexões, entre registros documentais e na
própria obra de Qorpo-Santo, que sua infância e pré-adolescência,
que no século XIX, ainda não eram pensadas, vistas e entendidas
como tal, foram marcadas por um fluxo de opostos, de vida e morte,
de abastança e miséria. Proveniente de família abastada e muito
culta para época e lugar, coisa que não vimos ainda ser tratado,
suponho que isso deva ter influenciado e muito em sua formação,
em sua poética e estética pessoal. As famílias que vieram povoar
essas margens trouxeram com elas, da Europa e de Portugal, um
arsenal cultural evidente diante de tais estudos, isso está posto em
vários inventários da época. Pois o número de livros, obras de arte,
os bens arrolados, seus percursos e viagens que faziam, levam a crer
9 Esta e algumas outras palavras, escreverei, com as re-
gras ortográficas sugeridas por Qorpo-Santo.
que, Qorpo-Santo fazia parte de “uma possível elite econômica e
social da época, no Baixo Jacuí”. Época que, mesmo em meio de
guerra, começa a ser cogitada a construção, em Triunfo, do segundo
teatro do RGS, ressaltando tal fato, por vir a relacionar esse fato,
ao nível cultural dessa comunidade, evidenciando a importância
dessa região na construção e desenvolvimento de nosso estado, não
fosse, talvez, a estigma da invisibilidade e da decadência, em meio e
pós, Revolução Farroupilha. Crendo, de certa forma, estarem tais
fatos, também, impregnados no imaginário de Qorpo-Santo.
Com a morte do pai, ele, a mãe e os irmãos, parecem seguir
ao avesso o percurso natural da rota dos casais, saem de Triunfo,
que vivia em constante estado de guerra e período de decadência
e partem, em 1840, para Santo Antônio da Patrulha, onde tinham
terras e bens. Consta em sua autobiografia, o seguinte: “Fui
crismado pelo nosso primeiro Bispo D. Feliciano, na Vila de Santo
Antônio da Patrulha em 1853 [...] Falecido meu pai em 1839, vim
para esta cidade em 1840 estudar gramática nacional e aplicar-
me à espécie de trabalho lucrativo que mais conviesse a mim e a
minha família.” (GUILHERMINO CÉSAR, p.14,1980) Prova da
responsabilidade que teve que assumir, em escritos seus, se auto
declara um homem importante e bem sucedido até então.10
Sabemos, que José Joaquim preparou-se, em pouco mais de um
ano, entrando para casa comercial de José Francisco dos Santos
Pinto, onde após, durante os próximos quatro anos, resolve viajar a
trabalho pela campanha fazendo cobranças. Em 1848, com intenção
10 Por grata recordação noto: 1º Que em 1852 - fui eleitor especial na Vila de Santo
Antônio da Patrulha; 2° Que em 1860 - fui eleito vereador da Câmara Municipal da cidade
de Alegrete; 3° Que em 1859 - fui nomeado subdelegado de polícia dessa mesma cidade; 4° E
finalmente, que em 1857 estudante, um mês depois de iniciado na Fidelidade e Firmeza, fui
honrado com o grau de Mestre. José Joaquim de Campos Ledo Qorpo-Santo Porto Alegre, julho 22
de 1876. (Podemos ver, que alguns dados e datas, não batem com outros escritos ou documentos,
aqui está um dos mistérios dessa mente irreverente)
de se estabelecer em Cachoeira, se vê impossibilitado, diante da
horrível enfermidade da sua única irmã. Dois anos depois, em
1850, habilita-se no Magistério Público, exercendo a profissão de
professor de primeiras letras, provando até então ser um homem
equilibrado, bem sucedido, lúcido e de prestígio, confirmando que,
nesse mesmo ano, assina como principal testemunha no inventário
de meu ancestral, José Martins Menezes (ANEXO F), estancieiro
e charqueador, pertencente a possível elite do Baixo Jacuí, junto
a outras pessoas idôneas da sociedade da época, entre elas, Alice
Aviz de Menezes, proveniente da Dinastia de Aviz de Portugal,
bem como sua mãe, a inventariante Genoveva Joaquina de Aviz.
Isso denota seu padrão cultural e moral, que mais tarde parece
inverter entre ambas as partes, ou seja, o até então “apolíneo”11
José Joaquim Campos de Leão vira e morre como “dionisíaco”12,
o “louco da província”, na verdade uma província insana a da sua
época, protetora da moral e bons costumes, estigmatizou o homem
lúcido que fora Qorpo-Santo, que em 1851 adquire o grau de
Mestre, lecionando até 1855, deixando seu ofício para amparar
a mãe que se encontrava doente e que, supõe-se ter falecido
nesse mesmo ano. Também, em 1855, casa-se com D. Inácia de
Campos Leão e “quriosamente”, por procuração (ANEXO G),
ela a noiva, não compareceu no próprio casamento, uma “relação
(nada) natural”, que começou cheia de simbolismos inconscientes,
talvez por parte dele, com a morte da mãe, eclodira seu complexo
de Édipo mal resolvido, já por parte dela, fica posta e suposta a
ausência de si mesma, em um dos momentos importantes na vida
11 Nietzsche, chamou de apolíneo (relativo ao deus Apolo) o princípio que representa a
razão como beleza harmoniosa e comedida, organizada.
12 Nietzsche, denominou dionisíaco (relativo ao deus Dioniso) o princípio que representa
a embriaguez, o caos, a falta de medida, a paixão.
de uma mulher, isto deve ter deixado em Inácia, dores impostas
pelo machismo e autoritarismo da época, que mais tarde vem à
tona em ambos, ele sublimando a dor em escrita monomaníaca
e ela em raiva pela exclusão do marido através do divórcio e
consequentemente da sua interdição.
Nesse meio tempo, escreve para jornais da Província, já se
queixando das primeiras perseguições, quanto as suas ideias
amaldiçoadas. Em, 1853, funda junto com Francisco Polly o
Colégio São João, durante o surto de cólera morbus. No ano
seguinte, contagiado por moléstia no peito, vai morar em Alegrete,
onde funda o Colégio Primário e Secundário Alegretense,
deixando claro seu apreço e preocupação pela educação. Em 1862,
iniciam as primeiras manifestações mentais, diagnosticada como
monomania. D. Inácia solicita, então, a interdição do marido.
Qorpo-Santo vai ser avaliado por dois médicos que discordam
quanto ao diagnóstico final de sua insanidade mental. Aos 34 anos,
acreditava estar imbuído de uma missão divina, uma crença que
vinha do auto, assim como, através da transmigração das almas,
afirmava se encontrar com Napoleão III e se comparava com Jesus
Cristo. Denise Espírito Santo diz que Qorpo-Santo é o Arthur
Bispo do Rosário do teatro e que na verdade sua mente dada como
inferior, não passa de uma mente genial. Em 1863, é eleito, um
procurador para receber os vencimentos de Qorpo-Santo, época
em que foi vítima de atos violentos, voltando à então Vila de
Triunfo, como o bom filho que para casa retorna, em busca, quem
sabe, de paz, em busca de si, da sua lanterna de fogo, da infância
perdida, da casa, da rua, da cidade, da identidade, do seu lugar e de
suas raízes e assim começar a tecer seus fios e suas teias escritas em
seu solo sagrado, da sua obra genial e única, que ficaria eternizada
como ele próprio e de certa forma, previra. Trazido por outras
águas, certamente, não as mesmas que o levaram, rumo à rota dos
casais e à vida. O mesmo rio que o conduziu correnteza a fora, o
trouxe em caminho oposto, como se o embalasse, quem sabe, em
gôndolas elegantes de volta ao lar, para que tomasse um fôlego de
tudo o que se tornara vítima e dali começasse a escrever sua obra
enciclopédica, que para mim, está longe da insanidade e, sim, se
apresenta como obra de arte pura e da “irracionalidade” em que se
forjam as grandes obras primas, a arte e o artista, princípio este, do
“trágico dionisíaco” dos gregos, tão bem defendido por Nietzsche
em o Nascimento da Tragédia. É nas águas desse rio que nunca é o
mesmo, segundo Heráclito, que se deu o movimento vivo e latente
da obra qorposantense. Descrito em sua própria biografia, quando
diz: “Foi exatamente quando começaram tais atos violentos que
eu comecei também a tomar notas para nesta data escrever a
Enciclopédia.” (GUILHERMINO, p.16,1980)
Em 1864, sai o primeiro relatório oficial sobre os distúrbios
mentais que supostamente sofria. Em janeiro do ano seguinte, mais
uma trágica perda, morre sua filha Décia Maria de Campos Leão.
Já separado, em 1866, Qorpo-Santo, toma ciência de que suas
filhas Idalina, Lydia e Plínia, viviam sob a guarda da mãe na Vila
de São Jerônimo, em companhia de irmãos menores (DENISE E.S,
p.24,2003) É nessa fase de sua vida que, justamente é tomado por
um surto compulsivo pela escrita de suas comédias, algumas com
pitadas de tragédia. Teria sido a dor, da perda da filha e a interdição
judicial movida pela esposa D. Inácia, somatizadas as outras dores
de sua vida, a desencadear tal surto de “irracionalidade” criativa e
criadora, onde o próprio, quase que em estado catártico se encarna
em sua própria obra e se funde e confunde com seus próprios
personagens e sua história, como que, para expurgar sua dor?
Culminando nesse momento o nascimento do dramaturgo, do
artista excepcional rio-grandense, nascido em Triunfo a margem do
Jacuí, que como nos coloca Guilhermino César, que, “acomodava-
se entre os extremos - realidade e ficção, lucidez e loucura, pondo a
serviço da ação uma extraordinária capacidade inventiva.” Fruto de
uma mente febril, que trabalhou sem pausa e que criou uma obra
teatral imprevista, intempestiva, criativa e cheia de originalidade,
comparando-se a Jarry, Ionesco, um dos inventores do Teatro do
Absurdo e outros geniais criadores extemporâneos.
Em 1867 a 1871, redige respectivamente em Alegrete e na
Província de São Pedro, o Jornal a Justiça. Nesse ínterim, o médico
Carlos Benjamin Petrasi declarou Qorpo-Santo no gozo perfeito
de suas faculdades mentais. Mesmo assim, o lúcido Joaquim José
Campos de Leão, não foi aceito com tal pelos cães13 provincianos.
Em maio 1868, vai par o Rio de Janeiro e interna-se no hospício de
Pedro II, em busca de sua própria lucidez e de lá vem apto a gozar
de seu livre arbítrio atestado pelo Dr. João Vicente Torres Homem
e que, em seu relatório coloca o quão nocivo era sim, o julgamento
ao qual padecia e o quanto seu afastamento do trabalho, da família
e posse de seus bens e a privação de sua plena liberdade o tornava
em pior estado emocional e afetava sua sanidade mental. Mas, nem
assim, o escárnio social da Província e os “cães” dela habitantes,
dispensaram seus preconceitos, chacotas e o rótulo de louco que
13 No livro Cães da Província, obra de Luís Antônio de Assis Brasil a denúncia é feita
constantemente, mostrando a mediocridade de espírito da sociedade que é, facilmente, igualada
a um cão, os cães da província. Isto porque essa população é, realmente, domada e obediente às
normas e costumes impostos pela época. (1988)
impunham ao excêntrico Qorpo-Santo.
Em 1877, excluído totalmente do círculo social da Província
de São Pedro do Sul, como o “louco do guaíba”, abre sua própria
tipografia, preparando os nove volumes para publicação da sua
obra Enciclopédia ou Seis Meses de Uma Enfermidade, onde
consta no Volume 2 a sua obra prima “EU SOU VIDA, EU NÃO
SOU MORTE” (ANEXO H). A então Província, um universo
louco e doentio, que ocultava os crimes da Rua do Arvoredo, das
gentes esquartejadas por um casal de açougueiros, que usavam a
carne humana para fazer linguiças e vende-las a toda gente, não
se dava conta que o motivo de censura e chacota era ela e não a
lucidez absurda de Qorpo-Santo, que viera para se eternizar com
sua obra14 e encher de orgulho Triunfo, o RGS e o Brasil.
Mas o menino, nascido na casa número 70, (que ainda resiste
as intempéries e descaso) da rua Demétrio Ribeiro, em Triunfo/
RS, tem assinatura de caligrafia firme e equilibrada, fotos em
pose altiva e saudável (ANEXO I), que comprovadamente veio
de berço cultural forte, de família nobre para época e local, com
ancestralidade, genealogia e raízes profundas (ANEXO J), não
está mais velado, tem procedência, tem identidade e é um súdito
brasileiro, dentre tantas citações de Guilhermino césar, o Sr. José
Joaquim de Campos Leão Qorpo-Santo, “descrito pelo Exmo. Sr.
14 Sua obra trata dos mais diversos e existenciais conceitos e temas, através de poemas,
poesias, charadas, matérias jornalísticas e da dramaturgia de suas comédias, algumas “que mais
parecem tragédia” e que foram escritas compulsivamente em seis meses, tais como suas peças de
teatro. São as seguintes e datam de: Fevereiro de 1866, dia 12 – A Impossibilidade da Santificação
ou A Santificação Transformada; dia 16 - 0 Marinheiro Escritor; dia 24 - Dous Irmãos. Maio de
1866, dia 5 - Duas Páginas em Branco; dia 12 - Mateus e Mateusa; dia 14 - As Relações Naturais;
dia 15 - Hoje Sou Um; e Amanhã Outro; dia 16 - Eu Sou Vida; Eu Não Sou Morte; dia 18 - A
Separação de Dois Esposos; dia 24 - 0 Marido Estremos04 ou 0 Pai Cuidadoso; dias 26/27 - Um
Credor da Fazenda Nacional. Junho de 1866, dia 6 - Um Assovio; dia 10 - Certa Entidade em
Busca de Outra; dia 10 - Lanterna de Fogo e dia 16 - Um Parto. Dos nove livros da Enciclopédia
de QS, dois ainda, encontram-se desparecidos.
Conselheiro Chefe de Polícia, na Secretaria da Polícia da Corte
em 16 de junho de 1868, natural do Rio Grande do Sul, aos 39
anos, casado, professor público, estatura regular, rosto comprido,
cabelos castanhos, olhos azuis, cor branca, barba bastante: o qual
segue para a Província do Rio Grande do Sul”, tinha família, pai
e tinha mãe (ANEXO K). Esse sr, o tal Qorpo-Santo, se tornou
um excêntrico, que vivia com seu escravo alforriado, “ora um, ora
outro”, o tal Inesperto, tão bem romanceado por Assis Brasil em
Cães da Província, numa casa, na atual rua da Ladeira em Porto
Alegre, onde entrava por uma das janelas, em uma escada que o
conduzia para seu último lar, de forma estranha, que para muitos
até então, era quase “sem eira nem beira”, ou quem sabe um filho
da macega, que sim, teve um solitário fim.
Longe de sua família, da esposa de quem se divorciou em nome
da dignidade, da carne e dos corpos aos quais não podia manter
“As relações Naturais”, contrai a doença dos românticos, de quem
ama demais e sofre de amor, adoecendo o órgão que corresponde
à tristeza, o pulmão. Vindo a falecer, em 1º de maio de 1883, de
tuberculose, na idade de 54 anos, deixando como herdeiros, a
mulher, D. Inácia Maria de Campos Leão; as filhas, Idalina, Lydia,
Plínia, o filho, Tales e os genros, Albino Monteiro casado com
Lydia e José Rousselet Filho com Plínia, com muitos inventariados,
ao qual, me aproximei o bastante para observar e descobri, que
uma de suas casas, seu primeiro bem arrolado, pertenceu a minha
tetravó materna, Senhorinha Cardoso de Menezes. Isso vem provar,
mais uma vez, a proximidade das famílias que faziam parte da elite
do Baixo Jacuí e o quanto de alguma forma, estão enredadas e
implicadas, nessa história entre conterrâneos.
Mas, realmente, não é isto que importa, pois dentre seus bens,
o MAIOR, foi justamente aquele que não foi arrolado, a sua obra
escrita, única, inusitada, criativa, fundamentada, inspirada, pirada,
surreal, cômica, trágica... infinita... genial, que trata de filosofia,
política, poesia, aforismos, trava-línguas, charadas, dramaturgia,
jornalismo, medicina, de vida, vida sexual, vida homossexual,
de corrupção na vida, de assédio e violência contra as mulheres,
de amor na velhice, de abandono e problemas existenciais,
demasiadamente humanos...
E, o MAIOR ato, democrático e de generosidade, deixar escrito,
ao fechar sua obra, sem fechar, que fizéssemos dela o que melhor
nos conviesse!
Aproveito para ressaltar aqui, que no ano de sua morte ocorreu
o nascimento de Zaratustra, o “super-homem” de Nietzsche
e gosto de pensar que foi para sinalizar um novo tempo para a
humanidade e preencher o vazio que Qorpo-Santo deixaria por
cem anos até a redescoberta de sua obra dramatúrgica a partir 1966
e sua redescoberta, por Aníbal Damasceno, por Antônio Carlos
sena, por alunos do DAD/UFRGS, por Guilhermino César, por
Eudinyr Fraga, por Flávio Aguiar, por Denise Espírito Santo e
por muitos/as outros/as, que vieram e virão desvelar e revelar, a
verdadeira história desse ser humano ímpar e dar visibilidade ao
até então invisível, dar a ele, o que é dele, dar a José, o que é de
José, dar “qorpo a seu qorpo”, dar sua vida e não a sua morte,
em fim, dar o triunfo a quem merece triunfo, definitivamente: “O
TRYUMPHO DE QORPO-SANTO!”
BATISMO DE JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO

REGISTRO DAS TERRAS DO AVÔ DE QORPO-SANTO

MAPA “O DO RIO DE JACUHY” OU DAS CHARQUEADAS


INVENTÁRIOS CASA PORTO ALEGRE QORPO-SANTO E SENHORINHA

REGISTRO DA PRIMEIRA ESCOLA DE MENINOS DE TRIUNFO


INVENTÁRIO AVIZ DE MENEZES ASSINATURA DE QORPO – SANTO

CERTIDÃO DE CASAMENTO DE INÁCIA E JOAQUIM JOSÉ

FOTOS ENCICLOPÉDIA “EU SOU VIDA, EU NÃO SOU MORTE”


FOTOS DA CASA EM TRIUNFO, FOTOS DE QORPO SANTO E ASSINATURA
DE JOSÉ JOAQUIM

ÁRVORE GENEALÓGICA DE JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO


GENEALOGIA QORPO - SANTO
Alexandre José de Campos = paternos <AVÓS> maternos = Fransisco Leão Machado
Fransisca Clara Luíza Maria Joana Nascimento

Miguel José de Campos (pai) + Joaquina Maria Leão (mãe)

José Joaquim de Campos Leão Qorpo Santo


+
Inácia de Campos Leão

Lídia Marfisa de Campos Leão Monteiro(filha)


Idalina Monteiro de Freitas Lima(neta)
Henrique de Freitas Lima Filho(bisneto)
Eloah Lima Ventura(trineta)
Walkyria(tetraneta)
Aloma(pentaneta)
Agatha(hexaneta)

CERTIDÃO CASAMENTO PAIS DE JOSÉ JOAQUIM


Considerações Finais
Encerro, com orgulho, minha participação neste livro idealizado
por nossa presidente do Conselho de Cultura e Patrimônio
Histórico de Triunfo, Luciana Nedel. Agradeço de maneira muito
especial a trineta de Qorpo-Santo, Eloah de Freitas Lima Ventura
que nos trouxe com detalhes um histórico de família, bem como,
às minhas amigas “Marias” pesquisadoras, por gentilmente nos
deixarem seus textos repletos de detalhes sobre a vida e obra do
nosso personagem Qorpo-Santo.
Juntamente com os demais colegas escritores, espero ter
contribuído para deixar registrado, informações de relevância
pertinentes ao personagem a mim confiado, o nosso professor,
diretor, vereador, sub delegado, comerciante, escritor e dramaturgo
José Joaquim de Campos Leão, um ser repleto de energia, inspiração
e vocação por ensinar e que nos deixou uma Enciqlopédia como
um legado o que nos orgulha e, é alvo de estudo acadêmico em
todo o mundo.
A poesia que deixo como homenagem ao nosso ilustre
personagem veio em momento muito especial de minha inspiração.

Santo Corpo... Qorpo-Santo

Nas vielas do casario da aldeia...


Um metro e oitenta milhões de células
Traídas, revoltadas, sofridas...
O cosmos, o futuro... Uma luz de candeia.

Dotes despertam cobiça


Algozes decretam sentença
“Louco” é a premissa.
Para afastar sua presença.

Refugiado em seu “qorpo-santo”


Escreveu livros..., jornais
Seu pensamento taxado absurdo
Criou inúmeras, inéditas peças teatrais.

Sua retórica considerada insana


Seu corpo, sua mente, sua alma...
Tombam, para cumprir a profecia.
“Louco, sem eira nem beira.”

À luz dos modernos tempos


Homenagem a seus talentos
Privilegiado por seus frutos
Triunfo lhe rende tributos.

Vencedora do Festival de Poesias Reinaldo Leal – Triunfo 2007.

*Odila Lourdes Rubin de Vasconcelos


Ruben Francisco de Oliveira (Rubinho)
Ruben Francisco de Oliveira
(Rubinho) foi conselheiro de estado
da cultura, Diretor do natal luz de
Gramado, foi secretário Municipal
de cultura 17 anos, Foi diretor do
Instituto Estadual de Ares Cênicas
do RS ,atuando nas áreas de Artes
cênicas e cultura há mais de 40 anos
, atualmente coordenador do Sistema
estadual de Cultura.

Iracema de Alencar: o começo de tudo


Após tremenda gripe
espanhola, 1918, a CIA
Dramática Nacional,
tendo como primeira
atriz Itália Fausta e como
Diretor Gomes Cardim
realizava sua temporada
no teatro Recreio, um dia
GastaoTojeiro foi autor
então famoso, entra no
camarim da atriz Davina
Fraga, acompanhado de uma mocinha loira de olhos azuis, muito
bonita.
Em 2016 por um gentil convite de minha amiga, Odila Rubin
Vasconcelos presidente da Fundação Cultural Qorpo-Santo, dia
19 de abril para falar de “Qorpo santo“ casualmente dia 19 de
abril também aniversario de Iracema de Alencar, coincidência
ou destino dois Ícones do teatro no Mundo nascidos em Triunfo
no RS e no mesmo dia, voltando ao convite estávamos eu minha
amiga pesquisadora Elma Sant’Ana falando do aniversariante e sai
da conversa para falar da outra aniversariante, Iracema de Alencar,
expressei naquele momento toda a minha paixão pela história
dessa mulher que sai de Triunfo aos 12 anos, e muito jovem deixa
porto alegre para trilhar seu caminho de sucesso no Rio de janeiro,
“frase da noite” ganhar notoriedade e ser famosa ter prestigio nos
dias de hoje e fácil, mas como seria isso tudo para o ano de 1915
“ Iracema conseguiu, ouvi muito de Iracema principalmente pela
minha querida e grande amiga Carmen Silva, atriz gaúcha que
sempre lembrava seu início de carreira na companhia de Iracema
de Alencar e também foram grandes amigas.
Voltando ao início de nossa estrela, seu nome era Ida Kerber
que acaba de ser contratada pelo cardim, veio do Rio Grande do
Sul para tentar a carreira de atriz, Davina Fraga era a segunda atriz
da Cia e de grande generosidade era uma mulher de tal bondade
que lhe rendeu o nome ...melhor colega..., espantado Gomes não
hesitou na pergunta, menina você veio assim sem mais sem menos,
sozinha do sul que idade você tem ..de imediato Ida respondeu:
tenho 22 anos e apaixonei-me por um estudante de direito que é
ator, e como gosto de teatro vim para o Rio com ele. Davina sorriu
a mentira era evidente, (a menina deveria ter 17 ou 18 anos não
teria 22 m o apaixonado de Ida era o ator Aldirio Ferreira, não
fez carreira de grande ator, mas fez carreira como um brilhante
advogado. Assim apareceu a menina Ida Kerber, para o teatro e
depois veio a ser a Grande Iracema de Alencar. Hoje para todo
a história do teatro e Gloriosa Iracema de Alencar, mas Gomes
Cardim seu protetor inicial não gostava do nome Kerber, para o
teatro. Mario Nunes crítico do jornal do Brasil, lançara então um
jornal especializado chamado “palco e tela”, vendo o impasse para
a escolha de um nome para a jovem atriz, lançou em seu jornal
um concurso, vencendo o nome Iracema de Alencar, e assim aos
18 anos, nascia a estrela Iracema de Alencar fazendo uma pequena
participação.
Iracema de Alencar se dizia uma mulher submissa, casou
se quatro vezes e as quatro ficou viúva, esteve na companhia de
Leopoldo Fróes por dois anos, depois criou junto com Armando
Macedo sua própria companhia e saíram a percorrer o Brasil, em
31 volta ao Rio para companhia de Jaime costa, a seguir onde fez
grande sucesso com “Berenice”, Ítalo Curci a leva novamente a
circular pelo Brasil e após 4 anos, Iracema resolve deixar o teatro
pelo rádio, mas não por muito tempo em na CIA de Marlene n
e Luiz Delfino no teatro Rival, com grande sucesso em “Angelina
e o dentista “e “Mayá”, após em 1954, Carlos Brand vai buscar
Iracema para ingressar na “Cia dos Artistas Unidos” daí parte para
grandes sucessos, como “Lola” e “É preciso viver”.
A última conquistando a crítica e ganhando a medalha de ouro
como melhor atriz.
Iracema e sua história 
Iracema ao ser entrevistada por
Henrique Oscar, crítico teatral
Mario Brasini, Dramaturgo, ator
e diretor teatral e Maria Clara
Machado, dramaturga, e diretora
teatral define sua história assim,
depondo no memorial do teatro
Brasileiro de comedia.
Sem nunca ser apegada
a papéis pois a todos ela dava sempre o melhor dela. Iracema
responde com categoria:
Qual o momento mais significativo de sua carreira de atriz,
respondeu: “Deus do céu, são 54 anos, foram tantos, não lembro
qual o mais significativo.”
E dentre os papéis que interpretou o que mais sentiu-se
melhor, respondeu categórica,
foi Berenice e come
backlittlesbeeba.
Berenice fez ao lado de Jaime
Costa no teatro João Caetano
em 1938, um sucesso onde
Leopoldo Froes lhe enviou uma
carta uma carta muito bonita a
respeito do espetáculo. Então
Iracema relembra que quando
menina não se podia pensar em
fazer teatro as famílias ficavam escandalizadas, e ainda em Porto
Alegre no Rio Grande do Sul uma moça fazer teatro era feio. Aliás
nem era feio era indecente, assim nossa grande Iracema namorou
um rapaz, a família foi contra o namoro e ela e seu namorado
então resolveram fugir para o Rio de janeiro, e assim que chegou
abandou o namorado, e foi para Argentina sozinha e se ligou a
companhia de opereta da Irase, da argentina. Como a mesma
diz o rapaz foi a melhor maneira de sair de casa. Na Argentina
o teatro poético, tudo espanhol eu não era cantora, e ainda veio
um diretor de cena dar em cima de mim, e não era isso que eu
queria, eu queria era fazer teatro, e Iracema afirma que nunca
havia visto teatro na sua vida. Então Iracema volta ao brasil volta
para o seu namorado mas logo busca conhecer o mundo teatral, a
pergunta que não quer calar a quem nunca havia feito teatro que
te fez fazer teatro: resposta gostava de fazer, o tio do meu primeiro
marido disse: “É interessante essa moça nunca viu teatro e nunca
assentiu uma companhia de teatro e como gosta de fazer, Iracema
chegava a pagar para representar.
Na operetas que não deixaram
grandes lembranças para Iracema
a mesma tinha apenas 18 anos.
A grande Iracema estreou no
Rio de janeiro em 1919, no teatro
Recreio, na peça “Remorso vivo”,
num pequeno papel, era muito
graciosa, muito bonita, loura, a
direção era de Rubens cardim, e
assim o secretário de Leopoldo
Froes foi assistir à peça e logo levou a novidade ao Froes: (CARTA )
“Dr. Froes, há uma pequena que veio do Rio Grande do Sul muito
interessante e de muito talento, seria interessante traze- lá para nossa
companhia.”. Froes então determinou a contratação de Iracema.
Estreando logo em seguida no espetáculo O rapto de Fernanda,
e Alexandre Azevedo, que dirigia o teatro Fênix, que conhecendo
Iracema se encantou e precisando de uma menina combinou com
Froes um empréstimo, e assim foi acertado e Iracema estreia no seu
primeiro papel principal com a peça “O Homem da Academia”. Na
época dos ensaios, os principais não ensaiavam muito pois usam
muito o ponto (“Ponto” era um profissional do teatro responsável
por “assoprar, em voz baixa, as falas que deviam ser repetidas em
voz alta pelos atores. A localização do ponto, é instalada num
alçapão situado no centro-baixo do palco. Note que ele se encontra
escondido por uma proteção curva, planejada para projetar o som
de sua voz, sussurrada, para o fundo da cena. A vantagem desse
recurso era que os atores não precisavam decorar todo o texto e
mesmo que o decorassem, o ponto os socorria em caso de perda
súbita da memória. Embora a estratégia não seja mais utilizada
no teatro, a tecnologia permitiria, aos dias de hoje, que o ponto
fosse substituído por equipamentos eletrônicos, à semelhança do
que ocorre em programas de televisão, em que o diretor, muitas
vezes, conduz a fala dos apresentadores.) era uma vida duríssima,
o salário de um principal era de 300 mil reias. Na sua linha de
composição da personagem, na primeira leitura de mesa do texto já
se encontrava com personagem, os diretores que dirigiam Iracema
sempre diziam isso a ela, Iracema não precisava ser dirigida. Ela
entrava para ensaiar já como personagem. Eis a grande vantagem
que essa grande atriz. Segundo alguns depoimentos na comédia
era maravilhosa ou no drama, na comedia Angelina e o dentista o
próprio diretor não conseguia conter o riso, da forma engraçada de
Iracema na personagem.
Quando as companhias
circulavam, havia sempre um dia
que acontecia um festival do ator
em cada praça, nesse dia o ator
mostrava seu talento Iracema,
como não cantava e não dançava
no seu dia nesse dia dizia versos,
uma vez lhe perguntaram: “A
senhora gosta de dizer versos?”,
ela respondeu de forma categórica: “Não, eu sempre tive receios de
dizer versos não gosto de dizer”. No espetáculo de 1955 diálogo das
carmelitas Iracema arrebata o público de emoção num dos grandes
momentos de sua vida. Uma das maiores personagens fazendo a
madre superiora.
Num personagem forte drama
e emoção, aliás, Iracema em sua
carreira nos dramas provocou uma
legião de admiradores e seguidores
e alguns apaixonados de forma
platônica que passaram a assisti-la,
sempre que subia ao palco, era uma
multidão tão grande de seguidor
que por muito anos a seguiam
e afirmavam que ninguém fazia
melhor no gênero drama do que Iracema, e isso nunca mexeu com
a vaidade de Iracema. Iracema sempre recebeu muitos prêmios,
uma pela peça backlittlesbeeba, com um certo desafeto com uma
colega sua, que concorria
também a gaúcha Maria
dela Costa, que todos
apontavam para ser a
premiada e na última
hora o prêmio foi para
Iracema.
Iracema sempre
conviveu bem com a
crítica embora sempre
ficasse nervosa em
representar diante dos
grandes críticos, mas que os mesmos nunca pouparam elogios a
ela.
Iracema foi muito brasileira, com sua companhia e seus
espetáculos sempre priorizou roteirizar os menores recantos
brasileiros, apresentou-se em teatro sem cadeiras onde os moradores
levam cadeiras, apresentou-se
em fábricas, em troca de tecidos
para atores da companhia, em
teatro com cadeiras quebradas
e cheio de morcegos, dormia
em redes no norte do pais,
Iracema nunca teve dificuldade
de relação ao representar tanto
para um público
critico como do eixo
Rio e São Paulo ou os
longínquos recantos
do Brasil, ela sempre
foi muito brasileira,
na época também
compravam cadeiras
por assinaturas, as famílias já tinham suas assinaturas, isso garantia
a praça.
Enfim, Iracema chega à televisão, sempre disse: “Gosto mesmo
de teatro, mas a televisão nos remunera melhor.”. Gostou muito do
cinema, além do teatro sua grande paixão era sua filha “Marilu”,
a qual dedicou parte de sua vida, Iracema teve quatro casamentos,
viúva, finaliza sua vida morando no famoso Palácio Quitandinha
em Petrópolis/RJ, suíte 401 e sua última participação no teatro foi
em crime terapia.

Iracema e sua família

Ao circular com sua companhia de teatro pelo interior do Rio


Grande do Sul, mais precisamente na década dos anos 40 no
Alegrete.
Estando nessa cidade, encontra um pequeno circo, casualmente
nessa temporada uma das atrizes da companhia de Iracema de
Alencar adoeceu, e Iracema saiu a procura de alguém para substituir
a referida atriz e logo ao chegar num pequeno circo encontrou a
mulher do atirador de facas se chamava Geni França, seu nome
de batismo. Geni França Corrêa Fagundes, com seu marido ......
e com dois filhos a pequena Marilu que havia nascido em pelotas
e o seu irmão, partiram na companhia de Iracema de Alencar, e
logo Marilu virou para sempre Biluca, e assim o casal ingressa na
companhia de Iracema e a mesma vem a ser madrinha da menina
e pouco tempo depois a adota como sua filha, assim as famílias
passam muito anos sempre juntos, e Biluca passa a conviver de
perto com a vida agitada do teatro e suas andanças e Marilu passa
a ocupar parte da vida de Iracema de Alencar, onde sempre
expressou grande amor a sua filha. Biluca era uma criança muito
sapeca, adora brincar pelas coxias e camarins, sua companheira
de brincadeiras era Bibi Ferreira, certa vez ao brincar com Bibi
pulando sobre os caixotes de figurinos, Biluca caiu, tendo uma
fratura no nariz, nada tirava alegria e inteligência de Biluca, que
se mantém uma pessoa extremamente carinhosa e dedicada a
sua família, a filha de Iracema teve um tempo em colégio interno
para estudar, mas sempre esteve ao lado da mãe Iracema sempre
permaneceu até sua morte. Conta, que Iracema casou se quatro
vezes, sendo a última vez com seu padrinho o diretor e produtor
Armando do Rego Macedo, a quem Iracema ficou viúva já morando
em Petrópolis no Palácio Quitandinha suíte 401, e isso por ser
viúva 4 vezes virou piada, Biluca conta que certa vez estavam no
teatro sentados com sua mãe esperando a hora de ensaiar e um ator
colega estava se lamentando da vida, por estar passando momentos
difíceis, dizendo que preferia a morte do que as dificuldades, um
outro colega engraçado, para quebrar o triste assunto olhando para
Iracema diz, se você quer morrer? aconselho a casar se com Iracema,
você morre logo, referindo aos quatro vezes que Iracema foi viúva
(risos) Biluca estudou e estava indo para Israel fazer carreira na
área diplomática internacional, quando uma grande amiga lhe
convidou para sair e apresentou um procurador da república
cearense, assim se conheceram passou um tempo em Israel, Biluca
ao voltar perguntou a amiga pelo procurador então ela disse está
querendo saber de você, foi assim que saímos e para dançar, Biluca
casou-se com o grande intelectual professor e procurador geral
da república, Vicente de Paula saraiva, grande homem com vasto
conhecimento das ciências jurídicas, autor de vários livros, juntos
construíram uma linda família com seus filhos Armando do Rego
Macedo filho e Igor Macedo uma família regada de afetos e muita
religiosidade, Marilu uma senhora dedicada e vida religiosa e de
vasto laços sociais em Brasília também possui uma residência em
Fortaleza, terra natal de seu esposo, e pós falecimento do chefe da
família a liderança passa para Biluca, ela um ser humano com força
inabalável, inteligente, delicada e amorosa aos seus, e todos que lhe
rodeiam, tem a sua residência em Brasília ainda guarda relíquias de
sua mãe Iracema de Alencar como diplomas, cartas e fotos, troféus,
comendas e uma vasto legado de memória. Costura os afetos da
família. Delicadamente nos recebeu, numa manhã linda sentamos
em sua grande mesa com um café da manhã inigualável em seu
elegante apartamento, onde comunga da companhia de filhos e
netos e de seu dedicado e gentil Mordomo meu sósia “Rubinho”
a quem não podemos esquecer, Rubens Albernas Leiva Costa.
Iracema era uma atriz inconformada com os baixos salários que
recebiam os atores ao chegar à aposentadoria e como sempre teve
prestigio e boas relações.
Certa vez foi ao governador da Guanabara Francisco Negrão de
Lima pedir pela revisão da aposentadoria, nada conseguiu, sempre
bem relacionada com pessoas influentes e de todos os partidos,
ela jogava cartas com dona Cila Medice, também não se furtou
em pedir ao presidente da república, essa era Iracema que sempre
foi uma mulher de coragem e nunca pensou só em si mas sempre
na categoria, Biluca conta que Iracema sempre teve vontade de
visitar a terra natal Triunfo, amava o sul, a quem a me sempre que
podia lembrava e tinha vontade de regressar, entusiasmada com a
possibilidade de reatar os laços partidos há quase um século, feliz
em ver a vida de sua mãe materializada nessa obra e ver a cidade
que Iracema nasceu acordar ao Rio grande do Sul, para falar dessa
mulher tão importante, essa obra só não garante a posteridade de
Iracema mas acende a luz de um século de mulheres esquecidas, e
a justiça a quem deu grande contribuição para a cultura Brasileira,
que Iracema de Alencar, Biluca em vários momentos expressa
sua satisfação, ao ver a memória daquela que em tempos difíceis
para as mulheres, falamos de 1900, sair ao mudo falar e fazer arte,
romper com os conceitos, transgredir as regras. Hoje podemos falar
de teatro com dignidade, o Rio Grande do Sul o resgate de uma
história que dormia anônima e silenciosa porque os tempos nos
ensinam a não falar na coragem das mulheres, isso era coisas para
caudilhos, assim chamamos as cigarras, para acordarem a história,
provocamos o tempo a maior obra de para sempre Iracema, e trazer
Iracema de Alencar de volta para casa, trazer Iracema de volta ao seu
pago, trazer ela e sua coragem, sua dignidade e sua sensibilidade, o
maior desafio dessa obra é trazer ela para olhar o rio caudaloso e
silencioso, admirar os beirais históricos de Triunfo, venha Iracema
volte para casa as crianças de Triunfo acordaram cedo e orgulhosas
prepararam um punhado de poemas para você, assim nossa Irmã,
volta para casa e para sempre Iracema fica entre nós, seus irmãos.

Iracema e sua vida Petrópolis RJ

Iracema se refugiou em Petrópolis para ter uma vida mais


tranquila com a família.
Ao contrário que consta nas redes sociais sobre o fim da vida de
Iracema, visitamos Petrópolis, conversamos com amigos de dona
Iracema, com o médico dela, visitamos o palácio quitandinha
hoje hotel do SESC, todos unânimes em falar de Iracema, como
um pessoa amável, educada, gentil e carinhosa com a família, os
amigos e o público. Conversamos com o gerente do hotel e com um
dos agentes funerários no cemitério onde Iracema está sepultada
localizando a sepultura um túmulo de pedras ele disse: “Aqui está
sepultada a atriz da Globo” e foi conversando com muitos e na
nossa busca incansável que chegamos a encontrar a família de
Iracema sua Filha Marilu,
Texto Iracema
Iracema de Alencar é uma atriz veterana do rádio e do teatro cinema e
televisão. Com a estreia ainda na fase muda e o retorno às telas nos anos
1950, nasceu em Triunfo no Rio Grande dos sul, em 19 de abril de 1898,
A gaúcha Ida Herminia Kerber adotou o nome artístico de Iracema de
Alencar ao ser escalada para o filme mudo de Vittorio Capellaro, Iracema,
em 1917. Antes disso, porém, a atriz sempre foi apaixonada pelo mundo
artístico, daí as encenações teatrais ainda em época de escola. Em Porto
Alegre onde fez parte de seus estudos, e é no teatro que Iracema de Alencar
vai construir grande parte de sua carreira, atuando em companhias de Itália
Fausta, Leopoldo Fróes e Jaime Costa. Na televisão, Iracema de Alencar
vai atuar também em novelas, como a primeira versão de A moreninha,
em 1965, protagonizada por Marília Pêra. A atriz vai retornar ao cinema
nos anos 1950, época em que inicia sua parceria com o cineasta J.B.
Tanko, atuando em quatro filmes do diretor – Garota enxuta (1959);
Rua descalça (1971); Som, amor e curtição (1972) e Salve-se quem puder
(1973).
Nos anos 1960, Iracema de Alencar atuou em dois filmes importantes
do Cinema Novo – Garota de ipanema (1967), de Leon Hirszman, e
Brasil, ano 2000 (1970), de Walter Lima Jr. Seu grande momento no
cinema brasileiro se dá em 1970 no filme Em família, de Paulo Porto,
como Dona Lu, em que faz inesquecível parceria com Rodolfo Aren.
Em 1975 faz seu último espetáculo de teatro, crimeoterapia, com
direção de João Bittencurt, ao lado de Beatriz lyra e Mauro Mendonça,
em 1977 fez seu último trabalho na Rede Globo de televisão o especial
feliz aniversário, há muitas e interessantes passagens na vida dessa que
foi considerada uma das maiores atrizes brasileiras consagrada tanto pela
crítica como pelo público, amada pelos colegas, : Descendente de franceses.
Também atuou como empresária teatral montando sua própria companhia.
em 07 de março de 1978 faleceu em Petrópolis RJ
Depoimentos
Iracema uma vida dedicada a arte de representar, seja teatro,
cinema, televisão e de construir amigos, defensora dos amigos nos
períodos da república e da censura quando tínhamos restrições as
manifestações sempre estiveram ao lado dos amigos como foi com
Mario lago, alguns amigos falaram de Iracema sempre como Dona
Iracema uma diva merecedora de muitos elogios e afeto,
Bibi Ferreira, Iracema era uma das atrizes amorosas no palco e
fora dele, honesta e dedicada.
Beatriz Lyra - O encantamento de conversar com Beatriz
Lyra, numa tarde de setembro0, no seu lindo e aconchegante
apartamento de Botafogo, Beatriz relata suas experiências com
Iracema: “Lembro muito de Iracema quando ela chegou em 1973
para fazermos o espetáculo Crimeterapia com Direção de João
Bittencourt, lembro que família de Iracema já não a aconselhava
fazer esse temporada devido a sua idade ou sua saúde, mas lembro
ela chegado nas primeiras leituras, ainda meio frágil, mas uma
semana após ela estava maravilhosa, deslumbrante, Iracema era
isso, uma pessoa educada, afável e uma grande atriz, lembro que foi
muito bom fazer com ela e com Mauro Mendonça esse espetáculo,
muito engraçado foi que uma noite no espetáculo a Iracema fazia
minha ria e ela me chamava de dentro da coxia (parte interna
entre o camarim e o palco) mas quando chegou na hora ela não
me chamou, o silêncio me deixou nervosa, eu não sabia que fazer
resolvi então provocar dizendo ‘a senhora me chamou tia’, aí então
ela acordou pois a Iracema estava cochilando. Não vê que Iracema
ficava na coxia sentada em uma cadeira de rodas com as pernas
cobertas e ali estava quentinho o ar do teatro funcionando, ela foi
que e ela dormiu, Iracema vinha de uma época mágica do teatro
brasileiro era um atriz completa, tinha tido a sua própria companhia
de teatro, acumulava conhecimento de amor a profissão.
Lafayette Galvão - Atuei com Iracema de Alencar em rua
da matriz, ela era sem dúvida uma grande atriz, muito séria e
profissional, tinha um grande talento, lembro muito de Iracema,
conversamos com ele no auge de sua lucidez, no seu apartamento
no retiro dos artistas, acompanhado de sua esposa a atriz. Dilce
Galvão, muito interessante ouvir Lafaiete e seu depoimento que
atuou com Iracema na mini serie em 1965. Rua da Matriz foi uma
série produzida e exibida pela TV Globo ainda no seu primeiro
dia de existência (26 de abril de 1965), às 18h30. Foi sua primeira
produção dramatúrgica e acabou por ir ao ar no mesmo dia que
o sinal da emissora começou a ser transmitido. A minissérie foi
escrita por Lygia Nunes, Hélio Tys e Moysés Weltman, e teve
direção de Graça Mello.
Isabel Tereza - atuou com Iracema de Alencar, lembra muito dela
no espetáculo de 1966 Rasto atrás com um grande elenco texto
de Jorge Andrade, lembra ainda de Iracema sempre uma grande
dama, sempre impecável no seu trabalho de atriz e no tratamento
com os colegas, ela realmente era maravilhosa.
Fernanda Montenegro – 1971 lembro muito do filme que
fizemos “em Família” querida colega e grande Atriz.
João Procópio Neto - Foi um prazer enorme receber o convite
do amigo Rubinho de Oliveira para que eu falasse um pouco de
Iracema de Alencar e meu avô. Bem, a primeira coisa que posso
falar é de um conselho que recebi de meu avô quando fui com
ele assistir um ensaio do espetáculo “O BEM AMADO” de Dias
Gomes no teatro Princesa Isabel. No carro ele me disse: “Para ser
um bom ator é importante observar outros atores”. Então esta
foi a minha primeira aula dada por meu avô, OBSERVAÇÃO,
atentar ao gestual, as expressões e a importância da palavra. Ele
me apresentou aos colegas de cena e entre eles estava uma senhora
com um sorriso que guardava uma ingenuidade peralta: Iracema de
Alencar. Eu me considero um sortudo por ter tido a oportunidade
de conhecer, mesmo não sabendo exatamente quem eram quanto
ao vulto, pessoas incríveis, geniais e talentosas, Iracema era uma
destas atrizes raras que despertavam um encanto ao conhecer por
sua simplicidade genuína e simpatia. Além é claro do humor. Com
o tempo outras curiosidades foram apontadas como o ano de
nascimento de Iracema de Alencar, 1898, mesmo ano em que meu
avô nasceu, a importância da atriz e mudanças que vieram através
de seu trabalho no teatro, cinema e televisão. Sua memória deve
ser preservada para todos, referência de talento e de mulher.

Nathália Timberg – fizemos no teatro “Oito Mulheres” (1963),


uma delícia atuar com Iracema uma atriz disciplinada e muita
generosa.

JMaia – maior diretor de cena e contra regra uma das mais lúcidas
memórias do teatro, da televisão e do cinema brasileiro morador do
retiro dos artistas, e chama-se jmaia. Nasceu em 1941 em Manaus.
Ao decidir ser artista partiu no navio almirante alexandrino com
14 anos chegou direto a praça Tiradentes, indo para o teatro Silva
Filho no teatro Carlos gomes, j maia e um dos mais conceituados
cenógrafos, contra regra e ensaiador, consagrando-se já com 14
anos no domínio da profissão, chamado pelo seu diretor de gênio
da ribalta, ou para muitos a joia da ribalta maia e dono de uma
das mais brilhantes história querido das grandes damas como BiBi
Ferreira, Iracema de Alencar, Ducina de Morais, onde ele grada
centenas de fotos e sua bulhaste memoria, 60 anos dedicado ao
teatro fala da grande contribuição de dona Iracema na fundação
do Retiro ao lado Leopoldo Froes, onde hoje nosso retiro faz
homenagem a essa grande dama do teatro Brasileiro dona Iracema
com nosso teatro aqui que tem o nome de “teatro Iracema de
Alencar”.
Retiro dos artistas
Retiro dos Artistas, também conhecido como Casa dos Artistas,
localizado em Jacarepaguá, Rio de Janeiro, é uma instituição que
acolhe artistas idosos que passam por dificuldades financeiras
e emocionais, são abandonados pela família ou não têm onde
morar. Os internos abrigados no local recebem alimentação,
fazem fisioterapia e passam até por cuidados em um salão de
beleza. Seu funcionamento depende de doações de dinheiro,
roupas, alimentos, eletrodomésticos, móveis e também de trabalho
voluntário.
Mais forte que as histórias de edificações, são as histórias das
pessoas. O Retiro dos Artistas é um local habitado por muitas
memórias de muita gente cheia de coisas a dizer.
Nas primeiras décadas do século XX, o teatro e algumas
outras formas de arte no Brasil, muitas vezes, recebiam apoio de
empresários europeus, principalmente portugueses. Contudo, um
fato abalou essa estrutura. Em 1914, começou a Primeira Guerra
Mundial e a Europa entrou em uma crise econômica. Muitos dos
empresários que apoiavam os artistas brasileiros e estrangeiros (que
viviam aqui) tiveram que cortar gastos. Sendo assim, muita gente
ficou desamparada.
Há quem diga que são nos piores momentos que vêm as melhores
ideias. Nesse caso, essa fez sentido. Em 1915, um grupo de donos
de companhias de atores, liderado por Leopoldo Fróes, deu início
a primeira tentativa de se organizar uma instituição que socorresse
o artista idoso e desempregado, que não podia mais contar com as
aposentadorias informais que eram pagas por empresários.
A inspiração para essa ideia veio da Association dês Séccours
Muteuels dês Artistes Dramatiques Français, criada pelo Barão
Taylor nos arredores de Paris para amparar artistas aposentados. A
versão brasileira da Associação francesa foi oficialmente fundada
em 13 de agosto de 1918, no teatro Trianon, por 68 profissionais.
A diretoria foi eleita seis dias depois, no velho Cine Teatro Pathé.
O nome era Casa dos Artistas
Para homenagear o ator João Caetano, a data oficial da fundação
passou a ser dia 24 de agosto de 1918. A partir daí, a data de
aniversário de morte de João passou a ser comemorada como o
Dia do Artista.
“No final do século XIX e início do século XX, muitos artistas
brasileiros se sentiam prejudicados pelas companhias de teatro
estrangeiras, que tinham mais apoio financeiro que as nacionais.
João Caetano lutou muito por essa igualdade. Homenagem mais
do que justa essa feita para ele”, afirma o historiador Maurício
Santos.
Com o tempo, a Casa dos Artistas passou a precisar de cada
vez mais apoio e se uniu ao trabalho assistencial do Retiro, em
Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Virou
Retiro dos Artistas.
Apoio que ainda é muito necessário. O funcionamento do
Retiro depende de doações de dinheiro, roupas, alimentos,
eletrodomésticos, móveis e também de trabalho voluntário.
Atualmente, os residentes do Retiro têm aulas de yoga,
fisioterapia, tratamentos odontológicos, salão de beleza e
hidroginástica. Além de atenção, amor e carinho, que são muito
mais importantes. Isso sem contar que os artistas que moram lá
ainda expõem seus trabalhos em um centro cultural e dão aulas
para iniciantes. Artista é artista. Iracema de Alencar consta sua
assinatura como uma das fundadoras junto com Leopoldo Froes
e outros atores, e ali foi construído um lindo teatro e a ela foi
conferido a homenagem de denominar o teatro do retiro teatro
Iracema de Alencar
CLAUDIO EHLERS

Cláudio Ehlers, Poeta, escritor e


compositor gaúcho, da cidade de Triunfo-
RS, concursado na área da educação,
funcionário público municipal, cursando
Faculdade de Filosofia.
Participou de diversas Antologias,
Concursos e Prêmios Literários Nacionais,
entre eles, Autores Luso Brasileiros
do Instituto Cultural Português, Sala
Açoriana de Triunfo em 2020, Antologia
Determinação, Poemas, Poemas e Contos do Clube dos Autores 2020, Antologia
Princesa Isabel da Editora Mundo Cultural World em 2021, Coletânea Rio de
Flores , entre outros.
Autor do Livro de Poesias “Esculturas de Palavras e Sentimentos”.
O pré-lançamento ocorreu na 30ª Edição da Feira do Livro da cidade de
Triunfo e devido a pandemia, postergou-se o lançamento para o ano de 2022.

VÂNIUS OLEGÁRIO
MACHADO
( OLEGÁRIO TRIUNFO)

Dona Selma Olegário


Machado deu à luz ao nosso
saudoso artista em 10 de maio de
1934, vindo, ele, a ser mais uma
alegria na vida do exator estadual
Olavo de Andrade Machado.
Tio Vaninhus, para os mais
chegados, principalmente para a
molecada que, como eu, brincava na praça do Chafariz ou nos
fundos da casa do Barcelos, na Rua João Pessoa, em Triunfo.
Vanius Olegário Machado adotou o codinome Olegário Triunfo,
em homenagem e pelo amor à sua cidade Natal.
Após um namoro de 4 anos e do casamento ocorrido em
outubro de 1957, com sua amada companheira Tereza Pereira
Machado, tiveram seus quatro filhos,
Ivanize de Fátima Pereira Machado, Luiz Henrique Pereira
Machado, Luiz Augusto Pereira Machado e Vanuza Leopoldina
Machado dos Santos.
Destes, vieram os 09 netos. Paloma, Luiz Diego, Luiz Gustavo,
Schaiana, Luiz Iago, Luiz Alexandre, Luma, Lara e Luiz Matheo.

Em 1998, uma de
suas maiores tristezas,
Sua esposa, Tereza
quando perdera sua
amada esposa Tereza. Com o luto, interrompeu sua arte.
Na lápide da esposa, encontra-se um poema de autoria do
próprio Olegário, transcrito a seguir:

“Menina
Menina linda, linda menina,
te conheci jovem ainda.
Felicidade, Amor que não finda,
namoro, noivado, casamento
nas nossas vidas, grandes momentos.
Meu sogro Bento, Minha Sogra Emídia
obrigado por terem me dado
a Tereza minha esposa minha namorada, minha Santa,
minha noiva, meu grande Amor.
companheira amada, minha luz.
minha Deusa, meu tudo,
minha lagrima, minha paixão
minha Virgem Maria,
do tanto que te amo,
as palavras
que te diria todos os Poetas do Mundo,
não inventaram
Ainda.”
Somente dois anos mais tarde, a dor sendo amenizada pelo
tempo, mas jamais esquecida em seu coração, pintou um único
quadro, de Nossa Senhora grávida, que lhe rendeu uma menção
honrosa e um prêmio no concurso
Jesus Cristo - Novo Milênio na Mitra
de Porto Alegre. Em 1964, durante a
Ditadura Militar, aos seus 30 anos,
foi perseguido e preso em regime
domiciliar, durante um mês, sob
acusação de conduta insurgente e
comunista. Na prisão, foi acometido
de uma úlcera que o levaria à morte
anos depois. Na época da anistia,
o Estado do Rio Grande do Sul o
indenizou pelo período em que esteve preso. A prisão não refletiu
em sua arte, mas infelizmente afetou sua saúde pois além da ulcera,
teve que receber tratamento psicológico. Tudo isto ocorreu antes
de começar a expor seu trabalho nos anos 70.
Vânius Olegário foi candidato e eleito vereador, pelo
MDB, no município de Triunfo em 1972, exercendo mandato
entre 1973 e 1976. Enquanto vereador, priorizou a cultura.
A Semana Cívico Cultural de Triunfo – foi um projeto
seu. Assim como o Camping da cidade, e a criação de uma
estrada asfaltada ligando o Polo Petroquímico à Triunfo.
Importante registrar uma das maiores batalhas perdidas por Vanius
Olegário, um sonho não concretizado. Lutou incessantemente
para trocar os restos mortais de Bento Gonçalves que estão na
Praça Almirante Tamandaré em Rio Grande, pelos restos mortais
do próprio Almirante Tamandaré, Patrono da Marinha do Brasil,
nascido em Rio Grande, que se encontram no Rio de Janeiro,
sem sucesso. Como vereador comprou brigas ao batalhar pela
aprovação de um projeto seu que propunha o tombamento dos
prédios do Centro Histórico do
município, também uma realidade
importante nos dias atuais. “Quando
estou fazendo um quadro, penso
que é melhor mostrar para as
pessoas, presas em apartamentos e
automóveis, a pureza do interior e a
calma que existe na minha cidade. [...]
Eu quero mostrar a criança de pé no
chão, o misticismo, a crença em algo
superior”. (OLEGÁRIO apud AGLAUROS, 1982, pg.21).
A religiosidade da pacata Triunfo e que não se vê mais na
cidade grande foi motivo frequente em seus retratos, nos casarios
e procissões.

Até seu envolvimento político teve um fim na preservação da


cultura e da história de Triunfo. Mesmo depois de frequentar
o sofisticado meio artístico, não se deslumbrou, continuou
simples e fortemente ligado às suas raízes, à sua gente.
Um cidadão devotado, que preservou até o fim da vida a
ingenuidade do interior, o artista foi também autor do brasão
da cidade, que estampou inclusive na parede de sua própria casa.
Pintor autodidata, exercitou seu talento artístico desde criança,
com pequenos projetos de aviões em madeira e desenhos. Na
calçada em frente à casa da família, passava horas desenhando
nas lajes com um prego e um pequeno martelo que ganhara do
pai. Gostava de fazer pinturas gauchescas, com cavalos, bois e a
figura de gaúchos em couro. Adotou
Triunfo como nome artístico, como uma maneira de homenagear
sua cidade. É considerado símbolo da arte popular no estado.
Descobriu-se artista com aproximadamente vinte anos, época em
que era funcionário público estadual e municipal. Pintava para
os vizinhos, que sempre escoltavam turistas e compradores até
sua casa. Em uma dessas visitas que lhe disseram que sua arte se
classificava como primitiva. A grande chance aconteceu no começo
dos anos 70, quando leu em um jornal que o Museu de Belas Artes
do Rio de Janeiro preparava um levantamento para exposição de
pintores primitivos e ingênuos do Brasil. Olegário foi para Porto
Alegre para mostrar seus quadros ao crítico de arte Jaime Mauricio,
que era o responsável pela seleção no Estado. Hospedou-se no
mesmo hotel que o crítico, e apresentou-se a ele. Todos os seus
quadros foram selecionados e levados para a exposição no Rio de
Janeiro.
Com este incentivo, resolveu comprar um espaço no Mercado
das Artes, no Largo da Epatur, em Porto Alegre, para realizar
sua primeira exposição. A partir dali não parou mais de expor.
Recebeu apoio de personalidades como Tânia Carvalho, primeira
apresentadora do Jornal do Almoço, Tatata Pimentel, apresentador,
jornalista e professor, Danúbio Gonçalves, pintor, desenhista
e escritor, Roberto Gigante, ator, Paulo Santana, jornalista,
Gasparoto, jornalista, entre outros. Diversos artistas eram amigos
do pintor e costumavam frequentar sua casa. Retratava, a vida em
sua mais simples expressão, temas
como crianças, vacas, cachorros,
procissões e as casas açorianas de
sua terra natal. Mais conhecido
por sua faceta de pintor naïf1,
Olegário Triunfo era, também,
escultor, historiador e poeta.
Os poemas tinham como
temas recorrentes a cidade de
Triunfo, a família e seu trabalho.
Troféus, para edições de um
festival de música tradicionalista
de Triunfo, chamada Escaramuça
Busto de Bento Gonçalves, na Câmara
de Vereadores de Triunfo, restaurado por da Canção, foram confeccionados
Olegário.
por ele, além de carros alegóricos para a Festa da Uva em Caxias
do Sul, Festa do Arroz em Cachoeira do Sul e carnaval de São
Jerônimo e Porto Alegre. Olegário foi o responsável pela mais
recente restauração interna na igreja da cidade, com intervenções
nos afrescos e nas pinturas, restaurou o busto de Bento Gonçalves
que se encontra na Câmara de vereadores de Triunfo.
Realizou mostras no Museu de Arte do Rio Grande do Sul
(MARGS), e, com artistas do mesmo gênero, na Galeria de Arte
Independência, em Porto Alegre. Pouco antes de sua morte, pintou
madonas e namorados, temas que originaram uma exposição em
Montevideo, capital uruguaia.
Faleceu aos 67 anos em uma fria noite de 23 de julho de 2001, no
Hospital São Francisco, na capital dos gaúchos. Seu sepultamento
contou com, além dos amigos e familiares, autoridades locais
que acompanharam o cortejo, inclusive contando com a Banda
Municipal. Entre as personalidades que possuem trabalhos
confeccionados por Olegário, está o ex-presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso, que recebeu um troféu assinado pelo
artista durante uma visita ao Polo Petroquímico de Triunfo. Há
quadros de Olegário também na Alemanha e Estados Unidos. Na
praça denominada Praça do Chafariz, praticamente quintal de sua
casa, em Triunfo, há uma escultura sua, em metal, que representa
um gaúcho. Definido por pessoas próximas a ele como uma
pessoa simples e acessível, Olegário Triunfo tinha a casa sempre
cheia de amigos. No entanto, não foi uma personalidade muito
reconhecida pela cidade que acolheu no próprio nome, segundo
testemunhas. O prestígio ficava mais entre a família e parceiros de
profissão.
“De Triunfo, um escultor,
Um sonhador, um anjo amigo,
Primitivo artista, pintor
Levando arte consigo

Pacato amante de tudo


Por Tereza nutriu ardor
Fez dela sua vida, seu mundo
Até a morte levar seu amor

Sentiu na pele e na alma


A ditatura do poder
Fez-se dor, tortura sem calma
Dos sentimentos, até morrer.”
CLÁUDIO EHLERS

Depoimento de Roberto (Tatata) Pimentel

“Olegário Triunfo, antes de tudo, é um homem completamente


de acordo consigo mesmo. Seu universo mental é a sua obra. Seus
olhos só veem as cores em um mundo encantado e de reminiscências
da infância, sua composição é a mesma de sua cidade da qual até
adotou o sobrenome.” (CORREIO DO POVO, 1982)‫‏‬

Depoimento de Ado Malagoli

“Olegário Triunfo capta aspectos da vida popular com profundo


senso de observação, onde transparece discreto humor suburbano.
De uma técnica simples, sua pintura é direta, luminosa e retrata
com espírito o próprio ambiente do pintor.” (MALAGOLI, 1978
apud GALERIA DE ARTE BEAL).
Poema de Luiz Coronel para Olegário Triunfo
Triunfo como Olegário
Arte de menino travesso?
ou de um anjo estabanado?
Só os olhos da inocência
veem o mundo como Olegário.
Naquele armazém de esquina
só vendem tintas vivazes?
Os personagens de Olegário
habitam um mundo recém-criado
Negrinho do Pastoreio
sai de dentro uma chama.
Trapezistas e palhaços,
Fiéis de navegantes
formam a extrana [sic] fauna
do mundo ingênuo de Olegário.
Triunfo como Olegário
e tenho certeza tamanha
seriam assim os quadros
fosse pinto o Quintana.
Poema de Odila Lourdes Rubin de Vasconcelos
Poesia Vencedora, na categoria Comunidade, no Festival de Poesias Reinaldo
Leal – 2014

Triunfo de Olegário.
De tanto amor pela cidade
Adotou “Triunfo” em seu nome.
Pintor desde a tenra idade
Autodidata, simples... um grande homem.

Olegário vereador, preso na ditadura


Com sua saúde abalada
Buscou justiça na magistratura
E teve sua condenação indenizada.

Pintou muito sobre sua cidade natal


Via belezas e inspiração em todo canto...
Cofundador do Centro Cultural
Em homenagem a Qorpo-Santo.

Em suas obras queria mostrar


Calma, simplicidade e a pureza do interior,
Crianças de pés descalços,
Misticismo, casarios..., o amor.

Considerado símbolo da arte popular


No Museu de Belas Artes foi parar.
Montevidéu, Alemanha, Estados Unidos...
Tem por lá, seus quadros a enfeitar.

Foi poeta, escultor e historiador


Brasão de Triunfo; foi o autor
Igreja do Bom Jesus; o restaurador
Olegário Triunfo... merece nosso amor!
O artista Vanius OLEGÁRIO TRIUNFO (1934-2001) foi
um representante da cultura que se desenvolveu no âmbito da
Depressão Central do Rio Grande do Sul. A cultura açoriana é
intimista, de fala baixa e de pequenos gestos domésticos contrasta
com a cultura da Campanha de grandes espaços geográficos, de
fala forte e de gestos públicos dramáticos.

Recanto de Olegário Triunfo, na Rua João Pessoa em Triunfo

Vânius Olegário era um homem introvertido na maioria do


tempo, caseiro. Considerava sua casa, seu “paraíso particular”.
Apreciador de vários ramos da arte, cultivava em sua casa, peças
importantíssimas e de grande valor histórico, usadas na Guerra
dos Farrapos.

Vânius sorria com os olhos


Pois o desbotar do sorriso, com anos,
Transformou sua alegria
E esta passou a se refletir
Através de sua íris
E não mais de seus lábios ou dentes
Mostrava a alma de artista,
Até quando, de calor suava,
De seus poros expelia arte,
Que, assim como a lágrima, e sua alma artística,
Nasceram puras
...nunca vi tanta gente em uma só pessoa
Vânius era assim...
CLÁUDIO EHLERS

Fonte de pesquisa:

Ivanize de Fátima Pereira Machado, filha,

Luiz Augusto Pereira Machado, filho,

com informações e imagens de extrema importância e relevância.

https://www.trabalhosfeitos.com/ensaios/Olegario -Triunfo/289867.html
João Batista Garcia
João Batista Garcia (1971) nascido em
Triunfo, Rio Grande do Sul, Brasil, é advogado
pós-graduado, escritor, músico e boêmio.
Publicou 50 crônicas no Jornal Sentinela, na
coluna “Obras que Fazem a Cabeça”, de sua
criação; o conto “Reflexos”, que faz parte da
Antologia “Entre tantos, Nós”, organização
Tiago Novaes Lima. - 1.ed. -- São Paulo: Delalus,
2020; e a crônica de viagem “Lusas origens”,
que faz parte do Livro Autores luso-brasileiros
2020 – Sala Açoriana de Triunfo. Porto Alegre:
Edições Caravela / Autor LB. 2020. Certificado
como Autor Luso-Brasileiro pelo ICP - Instituto
Cultural Português, em 2021. Escritor no blog
Panapanã (www.panapana.medium.com/) desde
fevereiro de 2021.

Gildo Campos, o Cará!


Um Filho Ilustre da terra do Bom
Jesus do Triunfo, mesmo após décadas
de périplos pelos palcos musicais do Rio
Grande e do vasto território nacional,
ainda transita contemplativo pela
charmosa Rua dos Plátanos, pela Praça
Bento Gonçalves, pelo casario açoriano
da Rua Osvaldo Aranha, pelo Teatro
União, pelos bares e restaurantes de sua
cidade natal, pelos lares dos conterrâneos
que disputam sua presença musical e sua
visão poética da vida.
Décadas antes, no auge da
beatlemania, da Tropicália, do fenômeno de Woodstokc, da
chegada à Lua e de incontáveis acontecimentos que marcaram o
mundo nas décadas de 1960/70, o jovem triunfense assimilava
toda essa efervescência cultural e moldava seus primeiros passos
tocando e cantando “para fora”, enquanto germinava uma obra
musical que se tornaria uma das canções gaúchas mais tocadas e
regravadas contemporaneamente no Brasil, inscrevendo o nome
desta terra de Bento Gonçalves como berço de um dos grandes
artistas nacionais.

Música gaúcha!

Um gênero musical brasileiro que parece ter brotado da cultura


popular do Cone Sul é conhecido como “música gaúcha”, cujas
características mais marcantes são os temas recorrentes das letras
das composições: churrasco,
chimarrão, cavalo, fandango
e mulher. Os Gaúchos
parecem contemplar em seus
cantos aquilo que a escola
literária do parnasianismo
define como uma ode à
natureza e ao ambiente onde
se vive, o chão, os costumes;
a narrativa é essencialmente
poética e resgata valores
ancestrais.
É consenso que o estilo
musical gaúcho nunca angariou forças para cair no gosto popular
nas demais regiões do Brasil, porém um jovem músico e poeta -
nascido nas plagas triunfenses e que, após experienciar vivências
na capital do Estado, voltou a residir na casa onde foi parido – fez
explodir em ritmo e jargão uma música que há quatro décadas é
cantada pelos quatro cantos do país.

A Gênese

Gildo José Moreira Campos, segundo filho de Nauro Viana de


Campos e de Maria Antônia Moreira Campos, nasceu no campo
aberto pelas mãos da sua avó materna, a parteira Alaídes Leote
Moreira - Dona Milucha -, na Localidade de Passo Raso , 3º distrito
do município de Triunfo, aos 22 dias do mês de setembro do ano
de 1948. Descobriu sua vocação musical quando aprendeu a
tocar gaita de botão aos 4 anos de idade. Sozinho e sem qualquer
noção de teoria musical, executava suas primeiras harmonias em
apenas duas semanas de descobertas intuitivas dos sons daquele
instrumento, sempre sob o olhar orgulhoso e devotado do pai, um
apaixonado por música e festas. Aos nove anos começou a tocar
vilão também de forma autodidata, e aos dez anos já arriscava
composições românticas autorais, escalada que projetou o guri
prodígio para os palcos da vida.
Os avôs - paterno e materno - eram descendentes de portugueses,
e as tradições lusitanas foram ainda mais incisivas na formação
cultural do jovem Gildo, considerada a imigração açoriana que
influenciou os traços culturais e arquitetônicos da antiga Freguesia
de Nosso Senhor Bom Jesus do Triunfo. (1)
Os pilares.
Depois de cursar as séries iniciais na Escola Estadual Nestor
Viana de Campos – colégio que ficava a poucos metros do pátio de
sua casa e cuja personagem que lhe serve de topônimo era seu tio e
padrinho de batismo -, Gildo Campos foi para a vizinha cidade de
Montenegro cursar o que se chamava de “ginásio”, na escola Jacób
Renner. Após dois anos de estudos, voltou para Triunfo onde
cursou o 3º ano ginasial na Escola Afonso Machado Coelho, tendo
concluído o “1º Grau” na Escola Bom Jesus, ambas no centro
da cidade. Nesse período de retorno ao chão triunfense, Cará
também buscou experiências profissionais para sua mantença,
conquistando seu primeiro emprego como serrador de peças de
madeira junto a empresa Sorema Brixner, no Bairro Olaria. Era
início da década de 1970, e ali surgia sua primeira parceria musical
com o primo Gildomar, um inventor autodidata que construíra sua
própria guitarra com alguns pedaços de madeira. Gildo o ensinou
a tocar guitarra e a cantar em segunda voz, e passaram a fazer parte
do grupo boêmio da Olaria, que realizava serenatas nas janelas das
casas e animava as festas locais.
Cará começou a tocar profissionalmente em uma banda de
bailes chamada Os Espaciais, da vizinha cidade de São Jerônimo.
Esta banda já contava com o talento de outro exímio instrumentista
triunfense, o Clóvis Viana Miguel, popularmente conhecido como
Naba. Após, ingressou como guitarra solo na banda de baile local,
a Super Som, formada por músicos do Bairro Estaleiro: os irmãos
Paulo (contrabaixo) e Mauro (violão e voz), Vilson Funileiro na
bateria, Leo do Foguinho no vocal. Quando Mauro assumiu a
guitarra solo, Cará passou a tocar teclado. Foi o genro de Leo do
Foguinho, João Oscar Gamalho, que convidou Gildo para ir tentar
a vida na noite porto-alegrense, oferecendo sua casa como base
para a epopeia que forjaria a evolução do artista.

Do desbravamento da Capital.

Um dos motoristas da frota de taxis do João Oscar levou Cará


na SBACEN (Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e
Escritores de Música), sediada no centro de Porto Alegre, e o então
presidente da entidade Amilton Chaves - jornalista, compositor
e Secretário de Estado no governo Brizola – imediatamente
convenceu-se do talento daquele jovem e o apresentou ao conjunto
tradicionalista Os Açorianos, um grupo de baile e de folclore
gaúcho que necessitava de um gaiteiro para substituir a já famosa
artista Berenice Azambuja, que partira para carreira solo e estava
preparando um disco pela gravadora Continental.
De 1975 a 1979 animou bailes, bares e restaurantes com Os
Açorianos, com o qual lançou um LP. Nas folgas do conjunto,
Gildo e o baterista Lara complementavam a renda tocando na
Boate da Edith, um bordel que ficava no Bairro Guarujá, zona sul
de Porto Alegre.
Ao perceber que seu colega e vocalista do conjunto, Eduardo
Jansen, apresentava ótimas interpretação de sucessos italianos nos
momentos de descontração da banda, Gildo o convenceu a tentar
a sorte cantando na Cantina do Bino, um restaurante italiano de
muito sucesso na gastronomia de Porto Alegre da época, mas que
não explorava a música ao vivo em seu estabelecimento. Tocaram
por gorjeta, Gildo no cavaquinho e Jansen no violão, e ganharam
fama e dinheiro lá.
A Cantina do Bino foi palco dos covers de Gildo Campos
mesmo depois da saída de Jansen, onde consolidou-se com voz
e violão até o ano de 1984. Depois, várias casas noturnas de
Porto Alegre disputavam nosso filho ilustre como atração para
seus estabelecimentos. Ele recebia amigos e convidados músicos
naquele palco, bem como retribuía as visitas nas casas noturnas
da cidade, o que lhe propiciou o contato e aprendizado com os
maiores nomes da noite porto-alegrense da época.

Da obra transcendente:

No ano de 1977, Gildo Campos testemunhava a onda cultural


nativista que tomava conta da capital dos gaúchos, um fenômeno
musical originado em um festival realizado na cidade de Uruguaiana
desde 1971, batizado de Califórna da Canção Nativa. O que se
convencionou chamar de “movimento nativista” no estudo da
música de Rio Grandense, dentre os diversos gêneros musicais
que caracterizam a “música gaúcha”, é construída em cima de
um temática mais intimista, com letras em geral conotativas e
metafóricas, com forte apego às tradições. Estava lá a receita para
o despretensioso desejo de homenagear seu pai através da música,
e assim compôs aquele que seria seu grande sucesso, “É disso que
o velho gosta”.
Algum tempo depois, Gildo estava tocando com Os Açorianos
no restaurante Gota D´água, que se localizava no andar de cima
do famoso bar boêmio Sandália de Prata, na esquina das ruas José
do Patrocínio com a Joaquim Nabuco, no boêmio bairro Cidade
Baixa, na capital dos gaúchos. Berenice Azambuja, que estava
escolhendo músicas para gravação de mais um disco na gravadora
Continental, adentrou no restaurante e solicitou aos ex-colegas
de palco músicas inéditas para gravá-las. Gildo, seu substituto no
conjunto musical, lhe mostrou a composição que havia feito para
o pai. Imediatamente, a gaiteira reivindicou o direito de gravar a
música e, na condição de artista com renome local, argumentou
que só gravava músicas com parceria, ou seja, Cará teria que ceder
metade dos direitos autorais para ela.
Em 1980, sua música foi lançada pela primeira vez, através do
disco de Berenice Azambuja intitulado Romance de Terra e Pampa
(2), e fez um grande sucesso nas paradas musicais do Rio Grande
do Sul.
A música foi regravada em 1986 pelo cantor nacional Sérgio
Reis e, em 1995, pela dupla sertaneja Chitãozinho & Xororó,
alcançando sucesso nacional. Nesta época, cerca de 30 artistas e
bandas por todo o Brasil, de variados gêneros e estilos, já estavam
regravando a canção.
Em entrevista a um site (3), Gildo Campos revelou os detalhes
de sua inspiração: “Meu pai era uma pessoa hospitaleira, simples e
que tinha muito orgulho de eu ser artista. Então me inspirei nele”,
conta Gildo.
O refrão escancara a influência nativista – tanto pelo estilo de
vida “gaudério” de seu pai quanto pelo recorte cultural/folclórico
do Estado -, já que inicia por Churrasco e bom chimarrão, que,
segundo ele, remete à criação de ovelhas e aos hábitos de seu ídolo:
“Meu pai criava ovelha somente para carnear e oferecer aos amigos
que nos visitavam e tomava chimarrão o dia inteiro”, relata.
A letra recorre ao elo cultural com as tradições em diversos
trechos. Eu sou um peão de estância nascido lá no galpão, por
exemplo, relembra a infância do artista. “Nasci em uma chácara,
no Passo Raso, 3º distrito de Triunfo, onde moro até hoje. Não foi
nada forçado, um dia me sentei para escrever e comecei a lembrar
do meu pai, que já havia falecido e a letra foi fluindo. Essa música
é uma homenagem póstuma ao meu pai que é o meu ídolo, e foi o
meu alicerce”, revela.
“É Disso que o Velho Gosta” foi um grande sucesso de vendas e
uma das mais tocadas nas rádios nacionais quando do lançamento
do disco gravado por Chitãozinho & Chororó em 1986, no
álbum “Clássicos Sertanejos”. Em um dos eventos de lançamento
deste trabalho, a dupla afirmou ao apresentador Gugu Liberato
- no programa Viva a Noite, que ia ao ar aos sábados, na grade
de programação do SBT -, que o álbum havia vendido mais de 2
milhões de cópias antes mesmo de ser distribuído para as lojas de
disco, e que a canção de Gildo Campos – nominado pelos cantores
neste episódio, em rede nacional – era a segunda música do álbum
mais executada na mídia da época.

Da técnica instrumental e do “chip” de memória:

Gildo também é reconhecido por sua técnica instrumental.


Com um estilo próprio e inconfundível de dedilhar harmonias em
seu violão, ele atribui essa virtuose aos exercícios que o amigo e
grande violonista gaúcho - triunfense de berço - Valmir Pinheiro lhe
ensinou. A técnica consiste em um exercício de escalas e velocidade,
sempre compassada pelos bordões, o que denota um altíssimo grau
de dificuldade, domínio e ritmo na execução. Gildo concluiu por
inseri-la no contexto harmônico de melodias, tornando-se uma de
suas marcas registradas como instrumentista.
Os intermináveis exercícios de escalas lhe propiciou um
complexo entendimento do braço do violão, resultando em
combinações de acordes e solos quase que simultâneos, o que lhe
permite improvisos de alta qualidade com resultados aprazíveis,
tudo obviamente pautado pelo ouvido absoluto.
A memória pródiga de Gildo Campos também é uma de suas
virtudes, eis que pode tocar e cantar por horas seguidas sem o
auxílio de qualquer consulta, e a infinidade de clássicos brasileiros,
latinos e italianos, assim como a versatilidade de estilos musicais que
caracteriza seu repertório, fazem com que desperte a sensibilidade
do espectador de qualquer preferência musical.
A disponibilidade e a boa vontade do artista para participação
em todos os eventos a que era convidado ou contratado ainda
acabou por moldar-lhe mais uma habilidade inusitada: a de
tocar violão dormindo. A agenda interminável de cantador e a
boemia desde a mocidade o fez trocar o dia pela noite, porém sua
capacidade de “pegar no sono” a qualquer momento demonstram
a simbiose formada entre seu corpo musical e seu violão, eis que
ele dorme em determinado momento da apresentação, geralmente
quando sola o choro “Brasileirinho”, de Waldir Azevedo. A soneca
não chega a comprometer a execução da música, e apenas os mais
atentos percebem quando o braço direito despenca e provoca um
acorde confuso, mas esta anomalia de fração de segundos lhe serve
de despertador, e os dedos ágeis de Gildo retomam a sequência
melódica instantaneamente.
O lado B.
A obra autoral concebida
por Gildo Campos não
pode ser definida por seu
inquestionável sucesso “É disso
que o velho gosta”. Embora
não difundidas, inúmeras
composições imaculadas
revelam o inesgotável cardápio
de estilos, gêneros musicais e
poéticos deste triunfense.
Na época dos LPs, era regra
editorial gravar a música de trabalho (aquela que os produtores
musicais consideravam de maior potencial comercial) no lado “A”
do disco, deixando a música gravada no lado “B” do vinil para a
percepção apenas dos ouvintes com sensibilidade musical e não
afetos às canções chiclete.
Nesse contexto, considerando que “É disso que o velho gosta”
foi o “lado A” da carreira musical de Gildo, composições nunca
gravadas poderiam revelar ao mundo um artista eclético, que
transita da vaneira ao samba de gafieira ou às toadas românticas
com a mesma competência. Suas letras são em primeira pessoa e, ao
contrário de seu grande sucesso cujo enredo relata sua admiração
pelo pai, as demais criações poéticas geralmente retratam um eu
lírico, como bem faz exemplo a letra da canção “Eu Sou”, cujo
protagonista narrador remete a uma ideia de ente espiritual,
conforme se pode constatar a seguir:
EU SOU
AQUELA NOTA MUSICAL JAMAIS OUVIDA
SOU A MENSAGEM DE UMA CARTA NUNCA LIDA
EU SOU O VERSO QUE O POETA NÃO ESCREVEU.
EU SOU
EU SOU O BARRO E O PÓ DA SUA ESTRADA
EU SOU A FÉ DE QUEM NÃO ACREDITA EM NADA
EU SOU O FRUTO QUE JAMAIS NINGUÉM COLHEU.
EU SOU
SOU A LEMBRANÇA QUE FICOU NO ESQUECIMENTO
UM IDIOMA NÃO FALADO NO MOMENTO
PORQUE NINGUÉM ENTENDERIA O QUE ELE DIZ.
EU SOU
SOU A TRISTEZA DA ALEGRIA NÃO CONTIDA
EU SOU O AMOR QUE SIMBOLIZA A PRÓPRIA VIDA
POR ISSO QUERO
QUERO VER VOCÊ FELIZ.

Da riqueza:

Mesmo tendo desenvolvido inúmeras atividades paralelas aos


palcos (servidor público, professor de violão, dono de pizzaria),
Cará não acumulou patrimônio ou dinheiro no banco. Os direitos
autorais que sempre recebeu desde que a música foi gravada
pela primeira vez em 1980, sustentaram os sete filhos que gerou.
Ademais, Gildo Campos é notadamente um homem simples,
humilde, desprovido de ganância, benevolente e altruísta, e o
dinheiro que arrecadou sempre fora consequência de seu estilo e
missão de vida, que é o de cantar e tocar para a alegria coletiva.
Seu maior tesouro é o respeito – conquistado e ofertado – para
com seus conterrâneos, para com os professores e alunos da rede
de ensino de Triunfo - que sempre o esperam, solenes, nas escolas,
durantes os festejos farroupilhas do mês de setembro -, para com
os velhinhos das casas
de repouso, enfim... por
todos os contemporâneos
que conhecem sua obra
cultural. Segundo o
próprio, sua fortuna reside
na descendência: os filhos
Elisiane de Souza Campos,
Daniel Simões Campos,
Rafael Simões Campos,
Gabriel Simões Campos, Juliana de Paula Campos e Jeferson de
Paula Campos, e os netos.
Vaidade também não combina com Gildo. É comum a citação
de seu grande sucesso musical como sendo de autoria de outros
artistas nacionais que gravaram “É Disso que o Velho Gosta”,
porém, sua reação é sempre de conformismo, justificando que,
se não fosse por Berenice Azambuja, Sérgio Reis, Chitãozinho e
Chororó e tantos outros cantores que difundiram sua obra, talvez
a canção tivesse o mesmo destino das inúmeras composições que
apenas sua memória e a de seus fãs registram.

Depoimento do autor:

Tarefa hercúlea a de biografar uma personagem tão complexa,


principalmente pelo fato de que a criatura guarda seu legado
apenas na privilegiada memória. É que Gildo Campos não é
afeito a organização, tampouco apegado a documentar seu
legado. Todas as informações e causos registrados neste trabalho
tiveram duas fontes principais: a descontraída entrevista que lhe
fiz, e as vivências que tive o apanágio de compartilhar ao longo
de minha história com essa figura ímpar. Por sorte ou pela graça
divina, este depoimento autoral pode ser acareado com qualquer
contemporâneo triunfense do biografado. Por isso, tenho a grata
satisfação de poder rasgar elogios ao cidadão, ao homem, ao pai
e avô, ao amigo, ao caridoso, ao voluntário e filantropo, ao poeta
menino Gildo Campos, com a tranquilidade de ser avalizado por
todos aqueles que desfrutam da magia de conviver com ele.
A cena cultural de Triunfo, desde a segunda metade do
Século XX, sempre poderá ser revisitada através de seu legado.
Figuras imortais como Toninho Brasil, Xuxu da Gaita, Pinduca,
Volnei Teixeira e a casta boêmia que ainda difunde e emoldura
a arte local, sempre puderam contar com o acompanhamento e
sensibilidade musical deste artista.
Tabajar Carvalho - tradicionalista, trovador e poeta local -
cunhou um jargão que tem sido difundido entre os afortunados
que desfrutam do convívio com o Cará: “...Contaremos para
nossa descendência que fomos testemunhas da sua arte, e isso já
é uma herança...”. Eis aqui, então, o objetivo lúdico deste texto:
deixar registrado, como herança cultural, os passos deste filho
ilustre de Triunfo.
Homem de muitos amores, no crepúsculo da vida ele se dedica
ao convívio com os filhos e netos, dividindo incansavelmente seu
dom artístico com a boemia, tudo regado a causos e relatos que
cada vez mais emolduram e consolidam sua biografia e a obra de
arte que tem sido sua existência terrena.
Fonte de pesquisa:
1- IHGRGS. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do RS, Porto Alegre,
1948.
2- Berenice Azambuja in Wikipedia. Disponível em: <pt.wikipedia.org/wiki/
Berenice_Azambuja>
3- Rybar, Maiara. Beta Redação. Perfil: Gildo Campos. 2015. Disponível em:
<www.betaredacao.com.br>perfil-gildo-campos>

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