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ACTAS – 3.

º CONGRESSO CASA NOBRE

A Propriedade Senhorial nas Inquirições


dos Finais do Século XIII
Coutos e Honras, Quintãs, Paços e Torres
no Entre Minho e Ave

José Augusto de Sottomayor-Pizarro


Faculdade de Letras/CEPESE – UP

In memoriam
Marieta Dá-Mesquita*

1. INTRODUÇÃO

No I Congresso Internacional sobre a Casa Nobre – um património para o futuro, já lá vão 6 anos,
apresentei como conferência de abertura uma reflexão onde procurava definir as principais características
do grupo nobiliárquico ao longo da Idade Média, particularmente quanto à sua dimensão material. Tentava
transmitir, a partir dessa espécie de observatório, uma perspectiva objectiva sobre a realidade que, desde
o meu ponto de vista, enquadrava a evolução da aristocracia medieval portuguesa – despindo-a assim de
fantasias ou de ideais e presunções mais ou menos longínquos de grandeza –, oferecendo desde o início
um cenário mais concreto onde ensaiar as análises que os meus colegas tão empenhadamente ofereceram
durante os agradáveis dias de Congresso passados nos Arcos de Valdevez1.
A tentativa de definir a verdadeira escala da nobreza medieval portuguesa, de resto, e necessariamente
por comparação com a das suas congéneres peninsulares, espreitando também, em alguns casos, a dos
reinos situados para além dos Pirenéus, tem sido o denominador comum das minhas últimas pesquisas, e
aquele texto foi mesmo uma das primeiras reflexões sobre o tema.
Indo ao encontro da temática do Congresso, e como então sublinhei, procurei encontrar um fio condutor
que me permitisse compreender a evolução e as principais características dos edifícios de habitação da
nobreza medieval portuguesa, desde os primórdios da Nacionalidade até ao dealbar da construção do
Império Ultramarino. Fui então obrigado a constatar que à paisagem portuguesa faltava um elemento
essencial – até pela sua natureza desejavelmente visível –, comum no recorte do horizonte francês, inglês,
italiano ou alemão, e também espanhol, ou seja, os castelos e palácios dominadores, amiúde deslumbrantes

* Tragicamente desaparecida nas vésperas do III Congresso, Marieta Dá-Mesquita era Professora na Faculdade de Arquitectura da
Universidade Técnica de Lisboa e Membro da Comissão Científica dos Congressos Internacionais Casa Nobre – Um Património para o
Futuro. Como publicamente referi antes da apresentação da comunicação, a sua rara sensibilidade estética e a sua intuitiva compreensão
da forma arquitectónica foram sempre oferecidas com generosidade nas inestimáveis reflexões partilhadas nas sessões de trabalho da
Comissão Científica; a sua natural discrição e a refinada educação e cultura fizeram da sua companhia um privilégio que os seus Amigos
recordam com saudade. Inclino-me perante a sua Memória, oferecendo-lhe um texto que seguramente ganharia com os seus comentários.

1 Entretanto publicado nas respectivas actas – José Augusto de SOTTOMAYOR-PIZARRO, Da Linhagem ao Solar. Algumas reflexões
sobre a evolução da Nobreza - Séculos XII a XV (Separata de 1.º Congresso Internacional – Casa Nobre. Um Património para o Futuro.
Actas, Arcos de Valdevez, Câmara Municipal, 2007, pp. 3-7).

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de grandeza e esplendor, testemunhos materiais do imenso poder que a aristocracia daqueles reinos tinha
alcançado ao longo das épocas medieval e moderna.
Pelo contrário, a reduzida dimensão da casa nobre portuguesa, particularmente para os séculos da
Idade Média – contivesse ou não elementos defensivos ou fosse estritamente de habitação, estivesse
inserida em ambiente rural ou em espaços urbanos, excepção feita a um ou outro paço régio ou episcopal
–, revelava uma nobreza materialmente pouco poderosa. Como então sublinhei, na minha perspectiva essa
era uma das provas mais evidentes de como o grupo nobiliárquico assentava em famílias cujo património
era pouco extenso e muito fragmentado, fruto da prática de um sistema de partilha hereditária ao longo das
gerações, em benefício de todos os descendentes, impossibilitando dessa forma a concentração do poder
patrimonial numa única linha ou indivíduo. Só assim, com efeito, ou seja, privilegiando uma única linha
de sucessão – preferencialmente a linha primogénita varonil –, teria sido possível acumular um volume
patrimonial suficientemente vasto para, também materializado através da construção de casas de morada
condignas do seu estatuto, demonstrar de forma inequívoca o seu poder social, político e económico.
Por outro lado, os estudos que posteriormente dediquei à questão da dimensão da nobreza portuguesa,
a partir de perspectivas muito variadas, como seja a verificação da sua efectiva participação na Reconquista
ou nas Ordens Militares2 ou, como é natural, quanto ao património3, ou ainda quanto às relações entre o
poder nobiliárquico e o poder régio4, por exemplo, mais acentuaram a ideia que já tinha formulado aquando
do meu estudo sobre a nobreza dionisina5, e que esses trabalhos posteriores reforçaram, isto é, que
apontava para uma nobreza claramente enfraquecida devido à partilha hereditária do património e que, ao
mesmo tempo, sofrera a pressão continuada de uma Coroa precocemente centralizadora e, logo, pouco
dada a dádivas patrimoniais generosas.

*
* *
*

2. O Testemunho das Inquirições Dionisinas

A referida partilha patrimonial, verdadeiramente “pulverizadora” dos domínios senhoriais, digamo-lo


assim, devido à sucessiva divisão dos bens, geração após geração, transmitidos tanto por via masculina

2 José Augusto de SOTTOMAYOR-PIZARRO, “A Participação da Nobreza na Reconquista e nas Ordens Militares”, in As Ordens Militares
e as Ordens de Cavalaria entre o Ocidente e o Oriente. Actas do V Encontro sobre Ordens Militares. 15 a 18 de Fevereiro de 2006 (Coord.
de Isabel Cristina F. Fernandes), Palmela, Câmara Municipal - GEsOS, 2009, pp. 143-155 (on-line: “The participation of the nobility in the
reconquest and in the military orders”, in e-Journal of Portuguese History, vol. 4, n º 1 (Summer 2006), pp. 1-10).
3 IDEM, “Território, Senhores e Património”, capítulo da Monografia de Marco de Canaveses (em co-autoria com Lúcia Maria Cardoso Rosas),
Marco de Canaveses, Câmara Municipal, 2009, pp. 81-116; IDEM, “Nobreza e Território”, in I Congresso Internacional da Rota do Românico
(28, 29, 30 de Setembro de 2011). Comunicações (Coord. de Rosário Correia Machado|Rota do Românico), Lousada, Centro de Estudos do
Românico e do Território, 2012, pp. 31-35.
4 IDEM, “De e Para Portugal. A Circulação de Nobres na Hispânia Medieval (Séculos XII a XV)”, in Anuario de Estudios Medievales, vol. 40,
nº 2 (julio-deciembre de 2010), pp. 889-924; IDEM, “Conquistar e Controlar: o domínio da fronteira como expressão do poder régio em Portugal
(séculos XI-XIII)”, in La Historia Peninsular en los Espacios de Frontera: las “Extremaduras Históricas” y la “Transierra” (Siglos XI-XV) (org. por
Francisco García Fitz y Juan Francisco Jiménez), Madrid, Sociedad Española de Estudios Medievales, 2012, pp. 41-65.
5 IDEM, Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e Estratégias (1279-1325), vol. II, Porto, Centro de Estudos de Genealogia,
Heráldica e História da Família/Universidade Moderna (Porto), 1999, pp. 565-592 e 617-622.

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como por via feminina, aparece bem plasmada nos textos das Inquirições Régias dos séculos XIII e XIV,
alguns deles já há muito publicados6. Devidamente avaliados evidenciam com a maior clareza não só a
fragilidade dos patrimónios senhoriais como a sua enorme dispersão por vários proprietários – de ambos
os géneros, sublinhe-se de novo, o que uma vez mais reforça a minha tese sobre a adopção tardia, em
Portugal, do sistema linhagístico7.
A referência àqueles inquéritos, por outro lado, permite-me agora referir a base empírica utilizada para
este trabalho sobre a propriedade senhorial do território compreendido entre o rio Minho e o rio Ave no final
do século XIII. As primeiras Inquirições Gerais, realizadas por D. Afonso II em 1220, procuraram fazer o
levantamento da propriedade régia e dos direitos devidos à Coroa numa área que grosso modo correspondia
ao arcebispado de Braga, com alguns prolongamentos para sul do rio Ave. Alguns anos depois foi a vez
de o seu filho, D. Afonso III, promover um novo inquérito. As Inquirições Gerais de 1258, porém, não só
procederam ao levantamento dos bens e direitos de todo o tipo de proprietários como a área inquirida foi
substancialmente mais alargada, abrangendo a maior parte do território situado a norte do rio Douro e a
uma parte considerável da Beira Alta e da parte norte da Beira Litoral. Assim, e depois do avô e do pai, foi a
vez de D. Dinis promover novas inquirições, instrumento que utilizou por diversas vezes no decurso do seu
longo reinado ao serviço de uma política de reforço do poder régio que conduziu de forma muito intensa e
continuada8.
As primeiras, efectuadas em 1284 numa área bastante circunscrita, em torno do vale inferior do rio
Vouga, tiveram um carácter que se poderia designar como “exploratório”, ou seja, sendo aparentemente
muito semelhantes às realizadas pelo pai, em 1258, continham na estrutura do próprio inquérito uma
orientação mais claramente dirigida para detectar os eventuais abusos cometidos contra os bens da Coroa.
Os protestos que suscitaram, quer junto das autoridades episcopais quer da mais influente nobreza da
Corte, a começar pelo próprio irmão do monarca, o Infante D. Afonso, Senhor de Portalegre, levaram
D. Dinis a propor em Cortes que se promovesse um novo inquérito, por forma a apurar com rigor o que
de direito pertencia a cada um, evitando-se assim a ingerência dos oficiais régios nas terras imunes das
instituições da Igreja e da Nobreza.
As Inquirições Gerais de 1288, com as respectivas Sentenças, emitidas pelo tribunal régio em 1290,
revelam bem, como em nenhuma das anteriores, esse carácter fragmentário da propriedade senhorial,
uma vez que a intenção primeira daquele inquérito foi o de proceder ao levantamento dos bens honrados e
isentos de tributação régia, tanto na posse dos senhores laicos como dos eclesiásticos. Julgado a julgado
e freguesia a freguesia, a comissão de inquiridores obteve um quadro bastante fiel da distribuição da
propriedade privilegiada desde o rio Minho ao rio Tejo, cobrindo uma área verdadeiramente impressionante,

6 As Inquirições Gerais dos reinados de D. Afonso II e de D. Afonso III, efectuadas em 1220 e em 1258, respectivamente, foram editadas
entre 1888 e 1977 – cfr. Portugaliae Monumenta Historica a saeculo octavo post Christum usque ad quintum decimum. Inquisitiones, Vol.
I (Fascículos I a IX), Lisboa, Academia das Ciências, 1888-1977.
7 Bernardo de Vasconcelos e SOUSA e José Augusto de SOTTOMAYOR-PIZARRO, “A Família – estruturas de parentesco e casamento”,
in História da Vida Privada em Portugal (dir. de José Mattoso). Volume I – A Idade Média (coord. de Bernardo de Vasconcelos e Sousa),
Lisboa, Círculo de Leitores, 2010, pp. 126-133. Mais recentemente também tive a ocasião de analisar a “cronologia” da utilização do conceito
de linhagem – cfr. José Augusto de SOTTOMAYOR-PIZARRO, “Linhagem e Estruturas de Parentesco – algumas reflexões”, in Legitimação e
Linhagem na Idade Média Peninsular. Homenagem a D. Pedro, Conde de Barcelos (org. de Georges Martin e José Carlos Ribeiro Miranda),
Porto, Estratégias Criativas, 2011, pp. 427-439 (on-line: e-Spania. Revue interdisciplinaire d’études hispaniques médiévales, nº 11 (2011) –
Légitimation et Lignage.
8 Sobre a política régia de controlo senhorial durante este reinado, cfr. José Augusto de SOTTOMAYOR-PIZARRO, D. Dinis (1261-1325),
1.ª ed., Lisboa, Círculo de Leitores, 2005.

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e que coloca esta fonte do final do século XIII entre uma das mais expressivas e importantes de toda o
Ocidente Europeu.
Convidado pela Academia das Ciências de Lisboa para dar continuidade a uma “Nova Série” dos
Portugaliae Monumenta Historica, que contemple a edição das inquirições ainda inéditas dos reinados
de D. Dinis e de D. Afonso IV, já foram publicadas, em 2007, as acima referidas Inquirições Gerais de
12849, prevendo-se para o final do próximo ano a publicação do primeiro tomo relativo às Inquirições
Gerais de 1288 e Sentenças de 1290. Este primeiro tomo do Volume IV10 da referida “Nova Série” rondará
as 1000 páginas, abarcando o território compreendido entre o rio Minho e o rio Ave, o que corresponde
sensivelmente aos actuais distritos de Viana do Castelo e de Braga11.
A comissão de inquiridores, constituída por D. Pedro Martins, prior do mosteiro de Santa Marinha
da Costa, pela parte dos senhores eclesiásticos, por Gonçalo Rodrigues Moreira, cavaleiro, pelos
interesses dos fidalgos e, finalmente, em nome do Rei e da Coroa, pelo advogado Domingos Pais de
Braga – acompanhados pelo público tabelião de Guimarães, Paio Esteves, responsável pela recolha e
registo dos testemunhos –, iniciou o seu périplo a partir de Melgaço, onde se encontravam no início de
Agosto, chegando no final desse mês a Ponte de Lima. Não são conhecidas outras datas, mas é facilmente
aceitável que o inquérito só terá sido concluído pelos finais do ano ou mesmo já nos primeiros meses de
1289, depois de passarem pelo vale do Tejo, junto à fronteira e se dirigirem aos julgados mais orientais
do que é o actual distrito de Coimbra. No início do mês de Novembro de 1290 o tribunal régio emitiu as
respectivas Sentenças, facto inédito relativamente às inquirições anteriores, procedendo-se de imediato,
facto ainda mais notável, às primeiras Execuções, ainda em Dezembro, mas sobretudo entre Janeiro e Abril
de 129112.
Em termos quantitativos, a referida comissão inquiriu 751 freguesias, agrupadas em 47 unidades
jurídico-administrativas (39 julgados e 8 coutos13), assim distribuídas:

9 Portugaliae Monumenta Historica a Saeculo Octavo Post Christum usque ad Quintumdecimum iussu Academiae Scientiarum
Olisiponensis Edita. Nova Série. Volume III – Inquisitiones. Inquirições Gerais de D. Dinis. 1284 (Introdução, leitura e índices por José
Augusto de Sottomayor-Pizarro), Lisboa, Academia das Ciências, 2007 (XX-134 páginas).
10 Para que o leitor não se sinta um pouco confuso com a sequência dos volumes, esclareça-se que o retomar da publicação dos
Portugaliae Monumenta Historica começou com a reedição dos nobiliários medievais, correspondendo aos dois primeiros volumes da
nova série – Portugaliae (...). Nova Série. Scriptores. Volume I – Livros Velhos de Linhagens (Editados por Joseph-Maria Piel e José
Mattoso) e Volume II (Tomos 1 e 2) – Livro de Linhagens do Conde D. Pedro de Barcelos (Editado por José Mattoso), Lisboa, Academia
das Ciências, 1980.
11 Entretanto publicado – cfr. Portugaliae Monumenta Historica a Saeculo Octavo Post Christum usque ad Quintumdecimum iussu
Academiae Scientiarum Olisiponensis Edita. Nova Série. Volume IV/1 – Inquisitiones. Inquirições Gerais de D. Dinis de 1288. Sentenças
de 1290 e Execuções de 1291 (Introdução, leitura e índices por José Augusto de Sottomayor-Pizarro), Lisboa, Academia das Ciências,
2012 (LXVIII-954 páginas) – a partir de agora cit. como PMH-Inq 1288-90. O tomo 2 do volume IV compreenderá o território correspondente
aos distritos do Porto, de Vila Real e de Bragança, enquanto o tomo 3 será relativo ao território situado entre o Douro e o Tejo, com uma
grande parte dos distritos de Aveiro, Viseu, Guarda e Castelo Branco, e a parte mais oriental do de Coimbra.
12 Sobre todos estes aspectos, cfr. PMH-Inq. 1288-90, pp.

13 Como é natural, havia muito mais coutos, mas apenas oito configuravam as referidas unidades, podendo até englobar várias freguesias,
enquanto os outros podiam coincidir com a totalidade de uma freguesia, ou corresponder apenas a um lugar ou aldeia, etc.

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Inquirições de 1288-1290 / Divisão Judicial-Administrativa

Freguesias Coutos Julgados


Entre Minho e Lima 166 0 10
Entre Lima e Cávado 230 3 14
Entre Cávado e Ave 355 5 15
Totais 751 8 39

Quadro I – Distribuição de Freguesias, Coutos e Julgados

Quanto àquelas unidades, distribuíam-se da seguinte forma: a área compreendida entre o rio Minho e o
rio Lima englobava os julgados de Caminha e Cerveira, Froião, Melgaço, Monção, Pena da Rainha, Ponte
de Lima, Valadares, Valdevez, Valença e Viana; entre o rio Lima e o rio Cávado localizavam-se os coutos
de Correlhã, Domez e Facha, e os julgados de Aguiar de Neiva, Barcelos, Bouro, Entre-Homem-e-Cávado,
Geraz do Lima, Lalim, Moure, Neiva, Nóbrega, Penela, Prado, Regalados, Souto e Rebordões, e Vila Chã;
finalmente, entre o rio Cávado e o rio Ave encontravam-se os coutos de Pedralva, Rio Covo, Tibães, Várzea
e Vimieiro, e os julgados de Braga, Cabeceiras de Basto, Faria, Freitas, Guimarães, Lanhoso, Montelongo,
Penafiel de Bastuço, Penafiel da Ribeira de Soaz, Roças, S. João de Rei, Travaçós, Vermoim, Vieira e Vila
Boa do Barreiro.
Tendo em conta que as inquirições foram realizadas com a finalidade expressa de apurarem o património
honrado e imune, o que de resto ficava bem expresso na questão com que os inquiridores iniciavam a sua
missão, perguntando às diversas testemunhas “se em esta freguisya ha honrra algũua feyta per Rey” ou “se
em esta freguisya ha cassa de cavaleyro ou de dona que se deffenda per honrra”, pode-se inferir do enorme
volume de dados contidos numa fonte, a todos os títulos excepcional, em particular sobre a propriedade
senhorial. Por outro lado, e como é evidente, a inquirição revelou imensas situações de usurpação de
direitos régios, como também apurou, diga-se desde logo, muitas propriedades legitimamente honradas e
imunes, cuja origem remontava a tempos que as testemunhas já não podiam recordar, nem mesmo aquelas
muito idosas que testemunhavam pela memória dos próprios avós.
Além disso, há mais dois aspectos que, desde o meu ponto de vista, devem ser devidamente
sublinhados. Em primeiro lugar, e quanto às situações de usurpação de direitos régios, nenhum grupo
social podia eximir-se a responsabilidades. Na verdade, as infracções eram perpetradas por todo o tipo
de proprietários, mesmo herdadores ou vizinhos de vilas régias, ainda quando, como é óbvio, na maioria
dos casos se trate de proprietários do grupo da aristocracia. Em segundo lugar, e creio que esta reflexão
deve ser introduzida para matizar alguns juízos de valor excessivamente vulgarizados e que são quase
um lugar-comum relativamente ao comportamento da nobreza, na generalidade dos casos muito pouco
abonatórios, creio que alguns dos supostos abusos não seriam entendidos de facto como tal; ou seja,
muitas das práticas consideradas abusivas e mesmo lesivas para os interesses da Coroa, em 1288, eram
assumidas como direitos que legitimamente assistiam aos proprietários, transmitidos consuetudinariamente
geração após geração, e que só a “recente” afirmação dos poderes públicos emergentes com a afirmação
do poder régio tinham transformado em usurpações e em práticas ilegais e, por isso, como se verificou com
as Sentenças de 1290, condenadas pelos juristas da Corte.

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Coutos e Honras, Quintãs, Paços e Torres no Entre Minho e Ave

Seja como for, e como é evidente, o número impressionante de informações proporcionadas pelas
Inquirições de 1288 não podia ter deixado de revelar todo o tipo de ilegalidades que se possam imaginar,
umas bastante engenhosas e rebuscadas, outras efectuadas com actos de grande violência, todas,
em suma, com prejuízo para a Coroa, como é evidente, mas também contra o património episcopal ou
monástico.
Não sendo esta a ocasião adequada para referir alguns desses casos, registe-se apenas o enorme
volume de notícias sobre a prática do amádigo, ou seja, a criação de filhos de nobres para honrar o local
onde aquela tinha tido lugar, com uma incidência muito particular nos julgados situados entre o Minho e o
Lima, fenómeno que me parece merecer uma investigação mais demorada.

*
* *
*

3. Coutos, Honras e Quintãs entre o Minho e o Ave

Como se referiu num primeiro momento, a imagem patrimonial que fica depois de uma apreciação
conjunta das inquirições, tanto destas, de 1288, como de resto ocorria com as anteriores – quer as de
1220 quer as de 1258, o que significa não ter havido uma alteração significativa –, é a da sua enorme
fragmentação. Com efeito, e se nos abstivermos de pensar em alguns coutos monásticos, a maioria dos
patrimónios aristocráticos encontravam-se divididos por numerosíssimas parcelas de pequenas dimensões.
É óbvio que aqui ou ali uma linhagem podia deter a totalidade de uma freguesia, ou até de duas – e não
virá agora para o caso averiguar se a situação era ou não legal –, mas a sua posse era repartida pelos
diferentes membros daquela em simultâneo - “(…) a hi huum couto de filhos e sobrinhos de Pero Moniz
d’Outiz”. Este modelo de grande divisão patrimonial, por outro lado, também acabava por se reproduzir nos
bens detidos pelas instituições eclesiásticas, episcopais como monásticas, como reflexo de um património
que fora acumulando, ao longo dos anos, através de várias doações pias de proveniência aristocrática.
Seja como for, a verdade é que as Inquirições Gerais de 1288 são um instrumento absolutamente
excepcional para compreender a verdadeira dimensão da propriedade nobre nos finais do século XIII e,
mais ainda, como funcionavam todos esses senhorios em termos jurisdicionais.
O texto das referidas inquirições também nos revela um quadro de diversificada tipologia de propriedades,
desde o mais simples e comum casal até aos extensos coutos monásticos ou catedralícios, englobando
diversas freguesias; de igual modo, a nobreza, particularmente algumas famílias mais conhecidas e muito
bem implantadas nestes territórios, como os Cunhas ou os Correias, para dar um par de exemplos, possuíam
coutos ou honras muito antigos, constituídos por mais de uma freguesia ou por uma simples quintã ou casa
de morada com os casais adjacentes.
Na grande maioria dos casos, portanto, o património era sobretudo constituído por alguns casais
ou herdades, cuja dimensão seria muito variável, o mesmo acontecendo com as quintãs, relativamente
frequentes, mas cuja descrição permite compreender que ali apenas se considerava honrada a casa de
morada e pouco mais. Depois, mais expressivos vinham os coutos ou as honras, também com dimensões
presumivelmente muito variadas. E, naturalmente com um interesse mais particular para este congresso,

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alguns paços e torres. Vejamos, em primeiro lugar, alguns números relativos a estas cinco categorias, ainda
divididos pelas três áreas consideradas:

Propriedade Senhorial – Tipologias

Coutos Honras Quintãs Paços Torres


(Mapa1) (Mapa2) (Mapa3) (Mapa4) (Mapa5)
Entre Minho e Lima - 166 fgs. (Mapa 6) 24 28 70 9 2
Entre Lima e Cávado - 230 fgs. (Mapa 7) 59 19 87 24 5
Entre Cávado e Ave - 355 fgs. (Mapa 8) 37 51 176 36 7
Total - 751 fgs. (Mapa 9) 120 98 333 69 14

Quadro II – Distribuição Geográfica e Quantitativa

A diferença do número de freguesias entre os três espaços considerados parece justificar uma
evolução quase proporcional desde o rio Minho até ao rio Ave. Como é natural, a cartografia que acompanha
estas páginas permite analisar com muito mais rigor toda a diversidade de situações14. Só a leitura do
texto das inquirições, porém, permitirá compreender todos os detalhes e variações. Creio que o caso dos
coutos poderá ser um bom exemplo. Com efeito, a sua simples enumeração não permite compreender a
enorme diversidade de situações que a rudeza dos números esconde; parece-me que o quadro seguinte é
elucidativo:

Coutos (Mapa 1)

Nobres Rei Sés O. Mil. Most. Paróquia


Entre Minho e Lima 9 1 2 1 10 1
Entre Lima e Cávado 12 2 12 8 24 1
Entre Cávado e Ave 11 0 3 0 20 3
Total 32 3 17 9 54 5

Quadro III – Distribuição por Proprietários

No seu conjunto, os coutos laicos representavam quase 30% da totalidade, números por certo bem
significativos e que seguramente deverão surpreender todos quantos ainda pensam que os coutos são
apenas eclesiásticos. Por outro lado, creio que se deve fazer aqui um breve comentário quanto ao facto
de estarmos perante um território globalmente homogéneo, quer em termos geográficos quer em termos
políticos, como é óbvio, mas não em termos diocesanos. Com efeito, creio que de alguma forma os mapas
denunciam o facto de o território situado entre o rio Minho e o rio Lima estar eclesiasticamente enquadrado

14 Não posso deixar de exprimir aqui toda a minha gratidão ao Dr. Miguel Nogueira, responsável pela Oficina do Mapa, da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, pelo excepcional trabalho que desenvolveu para a cartografia que acompanha a edição das Inquirições
Gerais de 1288, bem como para os mapas que ilustram este texto.

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Coutos e Honras, Quintãs, Paços e Torres no Entre Minho e Ave

pelo bispado de Tuy, enquanto o entre Lima e Ave estar sob a alçada do arcebispado de Braga. De resto,
o equilíbrio entre os coutos laicos e os eclesiásticos na parte da diocese de Tuy é bastante claro (10 para
14), ao passo que o desequilíbrio é bastante pronunciado no conjunto dos dois territórios que integram a
arquidiocese bracarense (25 para 71). Somos levados a admitir, assim, que o rio Lima, e o território que
delimitava setentrionalmente constituíam uma verdadeira fronteira, concentrando-se junto dela uma boa
parte dos coutos referenciados para o Entre Lima e Cávado, tal como se percebe uma maior concentração
de coutos junto ao rio Minho.

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(MAPA 1 – COUTOS)

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(MAPA 2 – HONRAS)

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Pelo contrário, e quanto às honras, uma expressiva maioria de 88 % estava nas mãos da nobreza,
e mesmo algumas das honras na posse de instituições eclesiásticas, à data das inquirições, tinham sido
originariamente daquela, e quase em exclusivo situadas a sul do rio Cávado:

Honras (Mapa 2)

Nobres Sés O. Militares Mosteiros


Entre Minho e Lima 27 0 0 1
Entre Lima e Cávado 19 0 0 0
Entre Cávado e Ave 40 4 1 6
Total 86 4 1 7

Quadro IV – Distribuição por Proprietários

Olhando para o conjunto dos dois mapas, percebe-se que o equilíbrio existente entre o Minho e o Lima
desaparece transposto este último rio, com o elevado número de coutos monásticos a impor-se sobre as
honras; com menos coutos episcopais e menos mosteiros nas proximidades do coração da arquidiocese,
as honras tornam-se claramente maioritárias desde o Cávado até ao Ave.
Seja como for, parece evidente um crescimento constante do número de honras de norte para sul,
acentuando, por um lado, o maior número de freguesias e, logo, uma maior densidade demográfica e, por
outro, e quase como consequência da razão anterior, o maior número de famílias referidas nas Inquirições
para sul do rio Lima.
Finalmente, e uma vez que se citou agora a fonte a partir da qual se retiraram todos estes elementos,
uma referência às numerosas situações ali relatadas sobre o alargamento ilegal do perímetro original
daqueles domínios, tanto coutos como honras, a obrigar as testemunhas inquiridas a exercitarem os seus
dotes de memória e avivarem a recordação, própria ou das gerações anteriores sobre as suas delimitações
originais. Em suma, oferecendo ao investigador imensos detalhes sobre as antigas confrontações, entre as
quais se destacam elementos da maior utilidade para historiadores e para arqueólogos, como sejam velhas
estradas e caminhos, pontes, paços, mamoas, castros, ou marmoirais.
A propriedade mais numerosa, porém, é a das Quintãs, tal como ficou expresso no Quadro II, e como
facilmente se percebe pela análise do mapa correspondente:

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Coutos e Honras, Quintãs, Paços e Torres no Entre Minho e Ave

(MAPA 3 – QUINTÃS)

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A perspectiva que transmite é bastante sugestiva, desde logo pela quantidade, mas também pela forma
da distribuição. Assim, percebe-se uma larga vantagem para os territórios situados a sul do rio Lima, mas
entre estes há uma divisão bastante equilibrada, quer em termos quantitativos quer quanto à forma como as
quintãs se distribuem homogeneamente entre o Lima e o Ave, o litoral e o interior. Entre o Minho e o Lima
também ficam bem patentes as manchas concentradas nos julgados de Ponte de Lima e de Valdevez, com
um terceiro polo mais junto ao rio Minho, nos julgados de Valadares e de Pena da Rainha, entre Melgaço
e Monção.
Em relação às quintãs não se justifica um quadro onde se possam analisar algumas diferenças de
natureza social ou institucional, uma vez que na sua quase totalidade pertenciam a fidalgos. E mesmo
quando pertenciam a membros do Clero percebe-se na maioria dos casos que se tratava de bens familiares;
outras, poucas, então na mão de lavradores, tinham outrora pertencido a cavaleiros ou escudeiros que as
tinham alienado ou perdido, mas que indevidamente ainda mantinham o estatuto privilegiado dos antigos
proprietários. Recorde-se, a este título, a interessante passagem das Inquirições Gerais de 1288 a propósito
de uma situação bem mais frequente do que se poderia imaginar no seio da pequena nobreza regional, mas
que nos não deve estranhar tendo em conta o que ficou dito nas páginas iniciais deste trabalho, ou seja, a
debilidade de muitos patrimónios nobiliárquicos – o caso de duas mulheres que talvez descendessem de
fidalgos, mas que então exerciam práticas bem pouco distintas – “(…) que se defendian per filhas d’algo e
sachan e estercan”.

*
* *
*

4. Paços e Torres no entre Minho e Ave

Falta apenas analisar brevemente os elementos recolhidos sobre as edificações mais significativas
em termos de prestígio social e político, e de importância material e arquitectónica, mas quantitativamente
pouco impressivos, sobretudo o das torres.

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A Propriedade Senhorial nas Inquirições dos Finais do Século XIII
Coutos e Honras, Quintãs, Paços e Torres no Entre Minho e Ave

(MAPA 4 – PAÇOS)

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ACTAS – 3.º CONGRESSO CASA NOBRE

(MAPA 5 – TORRES)

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A Propriedade Senhorial nas Inquirições dos Finais do Século XIII
Coutos e Honras, Quintãs, Paços e Torres no Entre Minho e Ave

É verdade que a fonte utilizada faz por diversas vezes referência a “casas de morada”, mas não é
possível aquilatar da sua importância e, pelo contrário, a própria expressão leva a admitir que não se
trataria de edifícios com especial importância, por oposição àqueles que efectivamente se destacavam
sobre os outros – os Paços e as Torres; assim, os números referidos no Quadro II não devem afastar-se
muito da realidade, ou seja, 69 paços e 14 torres.
A análise da cartografia, por outro lado, volta a acentuar as habituais diferenças do entre Minho e Lima
para os dois espaços a sul, quer o entre Lima e Cávado quer o entre Cávado e Ave, com os dois últimos a
concentrar a grande maioria de paços e de torres, com uma distribuição razoavelmente equilibrada entre
ambos (vd. Quadro II).
Os detalhes deixados pelas inquirições, por outro lado, e que poderiam ser fundamentais para
compreender a estrutura dos edifícios, são infelizmente muito pouco esclarecedores. Claro que não era
essa a sua finalidade; daí que normalmente apenas registem a existência do paço e o nome do proprietário:

- “item disse que a hi huum paaço” (fg. Calheiros, c. Ponte de Lima).


- “fez hi huum paaço ora novamente” (fg. Cepões, c. Ponte de Lima).
- “ha dous paaços de filhos d’algo” (fg. Laúndos, c. Póvoa de Varzim).
- “huum paaço que foy de Martim Lourenço da Cuynha” (fg. Arcos, c. Vila do Conde).
- “o paaço que foy de dom Paay Correia o Velho” (fg. Monte de Fralães, c. Barcelos).
- “que a hi dous paaços de filhos e netos de Lourenço Fernandez da Cuynha” (fg. Argivai, c. Póvoa de Varzim).

Outras vezes, e para além dos dados já referidos, acrescentam o nome específico do paço ou como era
conhecido habitualmente, havendo por vezes referências um pouco ambíguas:

- “o paaço que a nome Prença é provado que é onrra” (fg. Sandiães, c. Ponte de Lima).
- “a casa que foy de Roy Vicente de Penela que a nome Paaço Vedro” (fg. Marrancos, c. Vila Verde).
- “o Paço d’Ayram” (fg. Airão, c. Guimarães).
- “ha hi huum paaço que chamam da Fonte que ora he de Pero Soveral” (fg. Alvelos, c. Barcelos).
- “disse que a hi dous paaços que chaamam Pereyra e huum deles he paaço velho” (fg. Pereira, c. Barcelos).
- “item a quintaa que chamam o Paaço e a casa de Corutello” (fg. Freixo, c. Ponte de Lima).

Para além da nobreza, como se disse, havia alguns paços que se encontravam nas mãos de outros
proprietários, como homens do clero ou do monarca, sendo neste caso particular destinados à estadia do
próprio Rei ou do Tenens:

- “ha y huum paaço del Rey de pousa” (fg. Ginzo [Alvito], c. Barcelos).
- “e estam y paaços que era pousa del Rey” (fg. Mondim [Panque], c. Barcelo).
- “ha hi huum paaço que chamam Paaço da Fonte Maa e disse que he poussa del Rey” (fg. Fonte Bo, c. Esposende).
- “ha hi huum paaço do moesteyro de Souto” (fg. S. Cosme de Lobeira [Atães], c. Guimarães).
- “que ha hi outra cassa que chama o Paaço da Fonte e he do Arçebispo” (fg. Adaúfe, c. Braga).

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ACTAS – 3.º CONGRESSO CASA NOBRE

Muito poucas vezes, finalmente, lá acrescentavam algum detalhe mais directo sobre as construções ou
o seu estado de conservação:

- “e em esse couto ha huum paaço derribado (...) que foy feito muy de longe” (fg. Capareiros [Barroselas], c. Viana
do Castelo).
- “fez hi gran quintaa e muytos paaços” (fg. S. Adrião de Riba Vizela, c. Vizela).
- “o logar que chamam o Paaço (...) forom casas dos Condes (...) e levaram ende a pedra” (vila de Guimarães).
- “e disse aynda esta testemunha que quando dom Ramiro avya esta cassa nom era senom casa palhaça pequena
e depois que a gaanhou dom Joham Lourenço e dom Gomez fezerom grandes paaços” (fg. Figueiredo, c. Braga).

As poucas referências que se podem recolher, parecem apontar na generalidade dos casos para
construções que se destacavam claramente das correntes “casas de morada”, ainda quando pertenciam a
cavaleiros ou genericamente a “filhos d’algo”, mas que não se devem presumir de escala muito grandiosa;
apenas um ou outro, podemos admitir, seriam efectivamente imponentes, ou melhor, “grandes paaços”,
mas deles muito pouco terá chegado aos nossos dias, perdidos os materiais perecíveis, e destruído ou
incorporado o restante pelas edificações posteriores.

* * *

Finalmente, e quanto às Torres, não há muito a dizer, a não ser esclarecer um detalhe relativo ao
Quadro II, onde se registam 14 casos desta tipologia. Na verdade, em todo o texto das Inquirições Gerais
de 1288 e das Sentenças de 1290 apenas se referem expressamente duas torres, a de Penegate (j. de Vila
Chã) e a de Quintiães (J. de Aguiar de Neiva). A razão pela qual resolvi acrescentar os outros doze casos
tem unicamente a ver com o facto de ser muito pouco provável que uma quintã ou um paço se designassem
“da Torre” sem terem um qualquer elemento arquitectónico que o justificasse. Admito, em minha defesa, que
em alguns desses casos os inquiridores não tenham sido suficientemente claros na designação utilizada
e que fosse dado mais ênfase à propriedade e não ao edifício de morada que a dominava. Aqui ficam as
referências, uma relativa a um paço, nove a quintãs e ainda duas relativas a topónimos15:

- “item ho logar que chamam a Torre som quatro casaaes” (fg. Brunhais, c. Póvoa de Lanhoso).
- “nos logares que chamam Torre e Frexeeiro e dizem de vista e d’ouvida que estes dous logares forom honrrados
de vedro” (fg. Landim, c. Vila Nova de Famalicão).

- “a hi hua quyntãa que chamam a Torre e foy d’homeens filhos d’algo” (fg. Dornelas, c. Amares).
- “a hi hua quintãa que chamam da Torre” (fg. Rio de Moinhos, c. Arcos de Valdevez).
- “e a quintaa da Torre que foy dos Magudos” (fg. Quinchães, c. Fafe).
- “a quintaa que chamam a Torre” (fg. São Salvador de Souto, c. Guimarães).
- “a quintaa que chamam a Torre que he de Gomes Fernandez [do Vale]”16 (fg. São Cosme do Vale, j. Vila Nova de
Famalicão).
- “a hi outra quyntãa que chamam a Torre e he d’homeens filhos d’algo” (fg. Cequiade, c. Barcelos).

15 Estas duas últimas referências talvez sejam mais discutíveis, mas aqui ficam como apontamento.

16 Creio que se trata da Torre da família Vale, pelo que admito se tratasse efectivamente de uma torre.

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A Propriedade Senhorial nas Inquirições dos Finais do Século XIII
Coutos e Honras, Quintãs, Paços e Torres no Entre Minho e Ave

- “a quintaa da Torre”17 (fg. Paço Vedro de Magalhães, c. Ponte da Barca).


- “disse que ha hi huua quintãa de Rodrig’Affomso que a nome Torre de Jolha” (fg. Santa Maria Madalena de Jolda,
c. Arcos de Valdevez).
- “que a hi huua quyntãa que chamam Torre de Jussãa e disse que foy de Gonçalo Coronel” (fg.
Sequeira, c. Braga).

- “o paaço que chamam da Torre” (fg. Nevogilde, c. Vila Verde).

Mesmo sendo as edificações mais importantes encontradas pelos inquiridores, nada ficou nos registos
que deixasse transparecer alguma distinção quanto à sua imponência ou história. Por outro lado, e uma vez
que se pretendia inventariar os bens honrados, será agora mais fácil datar a quo a maioria das torres destes
territórios.

17 Também suponho que se trataria da torre da família Magalhães.

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ACTAS – 3.º CONGRESSO CASA NOBRE

(MAPA 6 – A PROPRIEDADE SENHORIAL ENTRE MINHO E LIMA)

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A Propriedade Senhorial nas Inquirições dos Finais do Século XIII
Coutos e Honras, Quintãs, Paços e Torres no Entre Minho e Ave

(MAPA 7 – A PROPRIEDADE SENHORIAL ENTRE LIMA E CÁVADO)

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ACTAS – 3.º CONGRESSO CASA NOBRE

(MAPA 8 – PROPRIEDADE SENHORIAL ENTRE CÁVADO E AVE)

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A Propriedade Senhorial nas Inquirições dos Finais do Século XIII
Coutos e Honras, Quintãs, Paços e Torres no Entre Minho e Ave

(MAPA 9 – A PROPRIEDADE SENHORIAL ENTRE MINHO E AVE)

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ACTAS – 3.º CONGRESSO CASA NOBRE

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* *
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5. CONCLUSÕES

Os quatro mapas que precedem estas linhas finais parecem-me bastante eloquentes. Depois de se
ter proposto algumas leituras a partir da cartografia de cada tipo de senhorio e de propriedade, ou das
construções de residência mais importantes, pode-se agora, através de uma focagem mais larga em
direcção ao entre Minho e Lima, repartido nos três territórios já mais de uma vez enunciados, creio que
se ganham novas perspectivas, nomeadamente a comparação entre coutos e honras, por um lado ou,
por outro, o grande volume de quintãs, expressivo em quase todas as localizações e, por fim, os paços
e as torres, expressões materiais de maior visibilidade no quadro do património senhorial, mas que se
apresentaram de forma bastante tímida e com uma distribuição muito pouco homogénea.
Neste sentido, o último mapa torna-se verdadeiramente ilustrativo daquilo que foi sendo enunciado
desde o início. Na verdade, a crueza dos números apenas reforça a sensação que fica após a leitura das
Inquirições Gerais de 1288 na perspectiva da propriedade senhorial:

a) Um espaço retalhado por pequenas propriedades – onde aqui e além se destacavam alguns domínios
mais extensos, particularmente associados a instituições monásticas ou catedralícias;
b) A grande maioria desses bens encontrava-se partilhada entre diferentes proprietários (irmãos,
parentes em vários graus, ou sem ligação que se perceba);
c) Um número bastante significativo de referências a honras e a coutos, muito embora se deva relativizar
a importância de muitos deles, apenas integrados por alguns poucos casais;
d) Sem ser notável, ainda assim um número interessante de referências a paços, infelizmente sem
qualquer detalhe descritivo.
e) Em contrapartida, creio que o número de torres é bastante mais reduzido do que seria expectável,
o que, por outro lado, confirma a datação da maioria das torres que chegaram até aos nossos dias,
ou seja, são maioritariamente dos séculos XIV e XV, sobretudo desta última centúria, o que poderá
ser explicado pelo facto de os reis portugueses, sobretudo até meados de Trezentos, raramente
admitirem a sua construção.

Como voto final, espero que esta análise possa ter servido como um contributo válido para um
aprofundamento dos nossos conhecimentos sobre a temática que a todos congrega nesta reunião científica,
e que tenha conseguido chamar a atenção para a qualidade excepcional das Inquirições, quer pela sua
diversidade tipológica quer pela variedade e número de informações que nos oferece para um melhor
conhecimento da sociedade medieval portuguesa.

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