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REDONDAS
A MEMÓRIA ÁRABE DA NOBREZA MOÇÁRABE
PORTUCALENSE (SÉCULOS X - XIII)
ABSTRACT: The ancient Portuguese nobility lived, dominated and ruled the north of
Portugal, the region between the Douro and Minho rivers, from the Xth to XIIIth
centuries. That nobility consisted of Five Lineages: the Lords de Sousa, the Lords of
Maia, the Lords of Baião, the Lords of Bragança and the Lords of Riba Douro.
We call them "portucalenses", because they were a warrior nobility, whose origin dates
back well before the emergence of the Kingdom of Portugal; and also designated them
1. Introdução
A Nobreza Portucalense Moçárabe foi aquela que dominou no Norte de
Portugal, na região entre os rios Douro e Minho, desde o século X até ao século XIII.
Chamamo-lhe de “portucalense” por se tratar de uma nobreza guerreira cuja
origem é bastante anterior à do surgimento do Reino de Portugal; e também a
designamos de “moçárabe” porque ela foi marcada, indelevelmente, pela situação
intermédia, entre o norte cristão e o sul islâmico.
E, como veremos adiante, não foram apenas os condicionalismos geográfico e
cultural que os foi tornando elementos de simbiose cultural. Foi também, e
principalmente, e disso deixaram relação, a simbiose genética ou biológica.
Aquela nobreza foi constituída por Cinco Linhagens, ou ao menos foi dessas que
nos consta memória: os Senhores de Sousa, os da Maia, os de Baião, os de Bragança e
os de Riba Douro1.
Mas foi a partir da linhagem dos Senhores da Maia que a ascendência árabe
chegou a todas aquelas outras famílias de senhores portucalenses.
Tudo isto nos chegou através do mais antigo Livro de Linhagens de toda a
Europa, e matriz da genealogia senhorial de toda a Hispânia. Referimo-nos
concretamente ao Livro Velho de Linhagens.
2 Livros Velhos de Linhagens [Livro Velho e Livro do Deão]. ed. crítica de J. Piel e J. Mattoso
(Portugaliae Monumenta Historica. Nova serie, I). Lisboa: Academia das Ciências, 1980 (1. ed.: Os
Livros de Linhagens. ed. Alexandre Herculano. Portugaliae Monumenta Historica. Scriptores, I,
Academia das Ciências de Lisboa, 1861); J. Mattoso, “Livros de Linhagens”. in Dicionário da
Literatura Medieval Galega e Portuguesa. Lisboa: Ed. Caminho, 1993, pp. 419-421.
3 E dentro da tipologia de genealogia-prosopografia é um dos primeiros da Europa, onde os nobiliários
eram, bastas vezes, esquálidas árvores genealógicas, elencando as gerações de senhores de um domínio,
sem mais informações acerca deles, e ignorando ramos colaterais, a não ser que a linha primogénita se
extinguisse por varonia e o domínio em causa passasse ao irmão seguinte ou à descendência desse irmão.
4 José Mattoso oscilou na direção da moçarabização dos Infanções, mas assentou a sua dúvida em relação
a essa possível realidade, no facto de o domínio político-militar islâmico a norte do Douro ter sido muito
breve (V. Idem, Ricos-Homens, Infanções e Cavaleiros. Lisboa: Guimarães & Cª. Editores. 1982, p.
39). Sabe-se, no entanto, que, desde sempre, os fluxos culturais e comerciais ultrapassam, sempre, as
fronteiras políticas. Estas não podem conter aqueles. As marcas do sul islâmico entraram fortemente no
norte cristão. Não esqueçamos o pormenor que se encontra no episódio da Lenda da Gaia, de o rei
Ramiro ao se dirigir à serva moura que encontrou junto ao poço, o ter feito “pela aravia”. Pode ser uma
mitificação, mas também pode ser uma realidade: os senhores cristãos do norte, os monarcas
inclusivamente, saberiam árabe o suficiente para se comunicarem oralmente, e de forma satisfatória, com
os do sul.
5 Luís KRUS. A Concepção Nobiliárquica do Espaço Ibérico (1280-1380). Lisboa: FCG / JNICT,
1994, p. 70, n. 60.
6 Sobre Martim Gil (I) de Riba de Vizela, v. Leontina Ventura. A Nobreza de Corte de Afonso III. II
vols. Coimbra: FLUC. Dissertação de Doutoramento, 1992, policop.; J. Mattoso, “Livros de Linhagens”.
in Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa. Lisboa: Ed. Caminho, 1993, pp. 419-421;
A. Rei, “Os Riba de Vizela, Senhores de Terena (1259-1312)”, Callipole 9 (2001), Câmara Municipal de
Vila Viçosa, pp. 13-22, para aquele senhor, especialmente pp. 17-19.
7 A. Rei, “Os Riba de Vizela, Senhores de Terena (1259-1312)”, passim.
9 Al-Mansûr quando regressou da sua expedição a Compostela, ao despedir-se, em Lamego, dos condes
moçárabes do actual norte português, de entre Minho e Mondego(as cabeças das casas de Infanções
naquele momento), e que o tinham acompanhado naquela mesma expedição, ofereceu-lhes os chamados
“mantos de honra” com que os soberanos de Córdova costumavam presentear alguns dos seus mais
importantes convidados ou principais súbditos. Eram feitos com os filamentos do chamado “abû
qalamûn”, os quais lhes davam particularidades únicas, de beleza e sumptuosidade (sobre este material,
sua identificação e origem, A. REI, “Santarém e o Vale do Tejo, na geografia árabe”. Arqueologia
Medieval, nº 9, Mértola / Porto, CAM / Afrontamento, pp. 61-75,especialmente as pp. 72-74. Mais
antigo, não tão específico, mas ainda sobre este material, v. J. VALLVÉ, “La Industria en al-Andalus”,
Al-Qantara I (1980), pp. 209-241, p.228).
10 Luiz de Mello Vaz de São Payo. A Herança Genética de D. Afonso Henriques. Porto: Centro de
Estudos de História da Família da Universidade Moderna, 2002, p. 235, § 317.
11 A primeira acessão surge em José Mattoso (in “A família da Maia no século XIII”. Nobreza Medieval
Portuguesa. A Família e o Poder. Lisboa: Estampa, 1994, pp. 331-342, p. 331), e a segunda acessão em
Luís Krus (in “O Discurso sobre o passado na legitimação do senhorialismo português dos finais do
século XIII”. Passado, Memória e Poder na Sociedade Medieval Portuguesa. Estudos. Redondo:
Patrimonia, 1994, pp. 197-207, p. 202).
12 Luiz de Mello Vaz de São Payo afirma que o “Rei Ramiro” progenitor dos da Maia (que apenas mais
tarde o LL do Conde D. Pedro chama de “Ramiro II”), não seria o monarca que figurou na História com
aquele nome, mas antes um seu tio homónimo, filho de Afonso III, o Grande, que em 925, após a morte
de seu irmão Fruela II, se proclamou Rei, sem sucesso, pois acabou sendo reconhecido seu sobrinho
Afonso IV, filho de Ordonho II (v. Luiz de Mello Vaz de São Payo, “Ramiro II, sobrinho da Condessa
Mumadona e Ramiro II progenitor da linhagem Maia”, in Genealogia & Heráldica, nºs. 5/6 (2001),
Porto, Univ. Moderna, pp. 230-245).
13 O Liber Testamentorum de Lorvão refere o rei Ramiro naquele cenóbio na Era de 971 (ano de 933), ou
seja menos de dois anos depois de se ter tornado rei (v. António Losa, “Moçárabes em território português
nos séculos X e XI: contribuição para o estudo da antroponímia no «Liber Testamentorum» de Lorvão”,
in Islão e Arabismo na Península Ibérica. Actas do XI Congresso da UEAI, Universidade de Évora,
1986, pp. 273-289 + 3 ilustrações, ilustração I).
14 Fonte historiográfica composta no século XI d. C. / V h. pelo historiador IbnHayyân, o qual dispôs
para o seu trabalho de muita documentação oficial autógrafa, pelo facto de ser filho de um secretário
pessoal do famoso hâjib al-Mansûr (m. 1002 d.C. / 393 h.). O tomo V da obra em causa, que abarca o
período entre 912 e 942, foi editado por Pedro Chalmeta (Madrid, Instituto Hispano-Árabe de Cultura,
1979), e traduzido para castelhano por Maria Jesús Viguera e Federico Corriente (Textos Medievales, 64,
Saragoça, 1981).
15Muqtabis V, ed., p. 345 (ár.); trad., p. 259.
16 Este excerto da Crónica de Sampiro surge na tradução castelhana do Muqtabis V (v. supra n.19), p.
156, n. 6. Queremos referir ainda que, curiosa e significativamente, a antiga heráldica municipal de Gaia e
de Viseu fizeram eco da memória que liga ambas as localidades ao episódio do rei Ramiro e durante o
qual terá nascido o epónimo dos da Maia (v. Armando de Mattos. A Lenda do rei Ramiro e as armas de
Viseu e Gaia. Ass. Cultural Amigos de Gaia. Porto, 2001 (ed. fac-sim. da de 1933).
17 A questão, não importante do ponto de vista genealógico, que subsiste, será se o seu filho, epónimo
dos da Maia, Cid Alboazar Lovesendo Ramires, terá nascido quando o próprio Ramiro ainda era infante,
entre 925 e 931, ou já depois de rei, após 931.
4.1. “Alboazar”
اﺑﻮاﻷﻋﺻﺎﺮﺴﯿﺪ
SayyidAbû l-A’ṣâr
“Alboazar” sendo a transcrição da expressão árabe supra Abû l-A’ṣâr18, que é
traduzível por “pai, epónimo ou origem das linhagens”, ou seja, concorda plenamente
com a explicação medieval anterior: “padre […] de muito boa fidalguia”. Se se lhe
juntar o “Cid”19 (presente no relato similar constante no Livro de Linhagens [LL] do
Conde D. Pedro), e que significa “Senhor”, teremos a reconstituição completa da
expressão árabe que aparece atribuída à fala do rei Ramiro.
O termo “Alboazar”, que transcreve a sinónima expressão árabe, terá tido uma
função de título, de identificação dos primórdios da linhagem, pois surge integrado na
onomástica das primeiras gerações dos da Maia. O filho do monarca asturiano, que
aparece apenas designado por um conjunto de titulaturas, poder-se-ia chamar
Lovesendo Ramires, ser filho de Ramiro e pai de Alboazar Lovesendes. Este último,
poderia ter nascido por volta de 950, e teria cerca de 28 anos quando da fundação do
mosteiro de Stº Tirso, em 978. E assim poderá ser resolvida a questão: porque razão
18 “Abû l-‘Asâr” é literalmente “Pai dos tempos [: o chefe carismático]”; mas também tem a leitura, que
cremos, neste contexto, muito mais significativa, de, “Pai das linhagens”, ou seja epónimo, tronco de
linhagem, progenitor). Cf. Federico Corriente. Dicionário Árabe-Español. 2.ed., Madrid: Instituto
Hispano-Árabe de Cultura, 1986, p. 514.
19 “Cid”, forma dialectal magrebi para “Sayyid” (Senhor, no sentido de Dominus. Em propriedade
designa o descendente do Profeta que vem pelo neto Al-Hussayn; o que vem pelo neto Al-Hassan é
chamado de “Sharîf”: “Nobre”).
4.2. “Artiga”
que o nome seria, efetivamente «‘Arîqa» ﻋﺮﯿﻗﺔe ao qual, por lapso de copista, nalgum
ﯿ ﺘ
momento, a yâ ( )foi escrita como tâ( ), tendo os pontos diacríticos inferiores passado a
20 Esta última variante em “O” em vez de “A”, será mais um sinal de tafkhîm, fenómeno fonético
prevalecente na fonética do árabe falado no Gharb al-Andalus, enquanto no demais da Península
dominava a imâla. Sobre estas questões relativas á fonética do árabe e à sua evolução fonética, v.
Federico Corriente. A Gammatical Sketch of the Spanish Arabic Dialect Bundle. Madrid: IHAC,
1977, as pp. 25 e 29, e especialmente as notas 10 e 15.
21 Lapso extremamente comum nos manuscritos árabes, com toda a problemática grafológica e
linguística que naturalmente acarreta.
22 Não é incomum a presença da herança cultural árabe nos meios monásticos portugueses, pois no verso
de alguns documentos que tinham perdido o seu valor probatório, aparecem exercícios de caligrafia árabe
e cópia de pequenas frases no mesmo idioma, como, por exemplo, num documento de meados do século
XIII, proveniente do Mosteiro de Alcobaça e hoje na Torre do Tombo, (v. ANTT. Alcobaça M6, doc.21).
23 Sobre esta tradução do chamado Livro de Rasis de árabe para português, v. António Rei. O Louvor da
Hispânia na Cultura Letrada Peninsular Medieval. Das suas origens discursivas ao Apartado
Geográfico da Crónica de 1344. Tese de Doutoramento em História Cultural e das mentalidades
Medievais, FCSH-UNL, 2007, policop.; IDEM. Memória de Espaços e Espaços de Memória. De Al-Râzî
a D. Pedro de Barcelos. Lisboa: Colibri, 2008, especialmente pp. 69-85; IDEM, O Redactor do Livro de
Rasis. in VI Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval, em Batalha, Alcobaça, Porto de Mós, 6,
7 e 8 de Novembro 2008; IDEM, A tradução do Livro de Rasis e a memória da Casa Senhorial dos
Aboim-Portel, in Cahiers d’Études Hispaniques Médiévales, nº 33 (2010), Lyon, ENS Éditions, pp.
155-172.
Proposta Genealógica
Queremos terminar este estudo com uma Proposta Genealógica assente,
basicamente, em três fontes, uma árabe, a Jamhara, tratado genealógico hispano-árabe
da autoria de IbnHazm 24 (grande erudito hispano-árabe dos séculos X-XI d.C.); o Liber
Testamentorum de Lorvão25 e o Livro Velho de Linhagens.26
24 Apud Elías Terés, Linajes Arabes en al-Andalus (primera parte). Al-Andalus. t. 22, fasc.1 (1957) p.
55-111; Idem, Linajes Arabes en al-Andalus (conclusión). Al-Andalus. t. 22, fasc.2 (1957) pp. 337-376;
Idem, Dos familias marwaníes de al-Andalus. Al-Andalus. t. 35, fasc.1 (1970) pp. 93-117.
25 Apud António Losa. Moçárabes em território português nos sécs. X e XI: contribuição para o estudo da
antroponímia no "Liber Testamentorum" de Lorvão. Actas do XI Congresso UEAI – Islão e Arabismo
na Península Ibérica. Univ. Évora, 1986, pp. 273-289.
26 Apud Alexandre Herculano. Portugaliae Monumenta Historica. ed. Academia Real das Sciencias,
Lisboa, 1860.
27 António Rei, Descendência hispânica do Profeta do Islão – exploração de algumas linhas primárias., in
Armas e Troféus. IX série, 2011-2012, Instituto Português de Heráldica, Lisboa, pp. 31-59.
Peço a licença para iniciar minha intervenção com algumas palavras sobre meu
percurso no estudo da narrativa cavaleiresca de João de Barros. Há alguns anos tenho
me dedicado ao estudo dessa matéria. O caminho até ela não se deu por um encontro
elevado de epifania de investigador, pelo contrário, é desses breves acidentes que
definem um percurso ou uma paixão por toda vida. No mestrado dediquei-me ao estudo
das traduções latinas realizadas por Duarte de Resende, analisei o texto latino e o
correspondente em língua vulgar e detive-me principalmente aos valores de uso das
traduções ciceronianas nas cortes portuguesa, mais no que diz respeito aos proveitos
morais e em certa medida no que diz respeito à elocução da língua vulgar nas matérias
dos tratados ciceronianos. Com isso, acompanhei os esforços de leitura dos antigos
latinos desde o século XV, o célebre Livro dos Ofícios de D. Pedro de Coimbra, a
atividade letrada de Vasco Fernandes de Lucena a serviço do infante de Coimbra e de
D. Afonso V, os aconselhamentos de D. Duarte no Leal Conselheiro sobre o uso de
palavras não latinadas nas vulgarizações etc. Pois bem, para não os enfadar com meu
ainda entusiasmado interesse pelo assunto, vou mais rápido ao encontro acidental.
Nessa busca de compreender os valores de uso, preocupou-me também saber um pouco
mais sobre a geração dos fidalgos latinados da corte de D. João II, D. Manuel e de D.
João III, frequentada e educada por Humanistas como Cataldo Sículo e de onde saíram
letrados como Damião de Góis, André de Resende, Sá de Miranda, Jerônimo Osório,
Diogo de Teive, Bernadim Ribeiro, Antônio Ferreira, Jorge de Montemor, Diogo
Bernardes, Pero de Andrade Caminha e tantos e tantos outros que, a quem interessar
possa, sugiro buscar a fartamente documentada e eruditíssima obra de José Sebastião da
Silva Dias, intitulada A política Cultural da Corte de D. João III, em dois consideráveis
tomos. Enfim, nesse afã, dei-me com a dedicatória que João de Barros oferece a Duarte
de Resende da Rópica Pnefma, pequeno tesouro alegórico moral do século XVI
português, também da lavra de nosso autor. Nessa dedicatória, há vários aspectos acerca
dos fazeres letrados e dos interesses livrescos que nos chamam atenção: João de Barros
cobra a Resende que lhe devolva seus exemplares dos tratados morais de Cícero,
A obra eu lhe confesso ser boa, pois é ocupação de louvor vosso, mas milhor
é pera Germão que pera mim: porque a ele dais-lhe proveito em ofício e a
mim pedis-me o vosso natural, cousa pera eu muito recear e a ela não vos
obedecer, dado que digais quão bem vos pareceo o meu Clarimundo quando
foi ter convosco em Moluco.” (Dedicatória da Ropica Pnefma, João de
Barros ao senhor Duarte de Resende)
***
Feito este proêmio, passo a tratar daquilo a que pretendo mostrar-lhes mais
detidamente. O verbo mostrar é propositalmente utilizado aqui e é sobremaneira
eloquente nesse nosso encontro dedicado à imagem nas cavalarias medievais, já que
meu intento é falar de demonstração, de figuração, de ekphrasis, traduzida pelos latinos
como descriptio, utilizada como procedimento retórico, com fim na enargeia, termo da
1
HANSEN, João Adolfo. Categorias epidíticas da ekphrasis. RevistaUSP, n. 71, 2006, pp. 85-105.
2
HERMOGÈNE. L’art Rhetorique. Traduction française intégrale, introduction et notes par Michel
Patillon. Lussaud, L’age d’homme, 1997, p. 148.
3 Cf. Idem, nota 1 da pág. 49.
4 A tradução inglesa da Loeb Classical Library traduz: “Vivid Description is the name for the figure
which contains a clear, lucid and impressive exposition of the consequences of an act”. (p. 357).
(...) e chegando ao mais baixo e escuro lugar daquele vale, viu um coruchéu, que seria da
altura de trinta braças coberto de pedra negra, e leonado com extremos de pardo, e sustinha-se sobre
quatro colunas de metal de quinze braças, e da grossura necessária para tamanho peso, as quais eram
lavradas ao buril de histórias antigas; e debaixo desse coruchéu estava uma sepultura à maneira de essa
(cenotáfio), que tinha cinquenta degraus de pedra negra, e nos cantos da quadra estavam estas quatro
alimárias feitas de metal que a sustinham sobre si: um leão, um tigre, um touro e um grifo, feitos tão
artificiosamente e com tal espírito e agudeza nos olhos, e em todas as outras feições, que enganavam a
vista para os temer, e não para folgar de os olhar. E cada alimária destas tinha entre as mãos um círio
negro, que ardia sem se consumir, tão altos que chegavam à maior altura daquela essa. Nos outros
cantos da quadra que o derradeiro degrau fazia, estava em cada um uma imagem de gigante armado
com todas as suas armas, somente a cabeça descoberta, porque no rosto mostrava maior ferocidade,
Essa ekprasis é a introdução para uma das cenas mais marcantes de tantas que o
Clarimundo contém: depois de enfrentar as estátuas de pedra, que por maravilha
animadas, tentam impedir-lhe a entrada no túmulo, Clarimundo toma a chave e abre a
arca de barro: nela encontra-se a cabeça de um rei feita de ouro, “com uma coroa de
pedraria de grande preço). Para espanto e maravilha, como o próprio narrador ressalta, a
cabeça começa a falar e o seu discurso justifica toda a amplificação que o texto compõe
em torno de si. A narrativa, na fala da cabeça, suspende seu curso e dá ao rei a primeira
voz, em discurso direto, apresentando os lamentos de um monarca de vida atormentada
pelas injustiças feitas no exercício do poder:
Todas as noites, tanto que me recolhia em minha câmara dos negócios do dia,
vinha alma de meu pai, que era passado deste mundo, e com umas vergas de
ferro me açoutava tão cruelmente, que me parecia não poder chegar a pela
manhã, segundo me deixava atormentado; porém tanto que se partia de mim
ficava livre daquela dor. (1953: vol. II, 206)
Palácio de Lindanor
E com este prazer que todos mostravam, levaram-no a uma câmara tão artificiosamente lavrada,
que tempo desfaleceria para contar as suas cousas, porque em uma das quatro paredes estavam todas as
verduras, ribeiras, florestas e outras saudades, que os alegres campos na força de sua graciosa idade têm, e
entre aqueles arvoredos havia montarias, nos vales caças de damas tão naturais, e de tal parecer, que
assim venciam o coração, como enganavam os olhos. Na outra parede defronte estava a História de Troia,
e todas as particularidades dela, com aquela morte de Gregos e Troianos tão viva na pintura, que era
piedade ver uns e outros; e que mor mágoa dava era ver o alvoroço alegre com que os Troianos metiam
na cidade aquela grande máquina e sua destruição; porque os meninos, e todo o outro povo, com suas
capelas de flores na cabeça, levavam aquela graça no rosto que o prazer dá quando o coração sente. A
outra parede tinha a grandíssima frota que Xerxes trouxe quando entrou em Grécia. E o mais maravilhoso
daquela pintura era o romper das águas que as naus faziam, e a ferocidade esperta com que a rainha
Artemisa cometeu os inimigos.
Na outra defronte desta estavam todos os namorados, que neste mundo deixaram de si memória,
padecendo os males que em vida sofreram. E certo nessa parte não havia coração tão duro, que os olhos
não abrandasse com lágrimas, vendo a menina Tisbe tomar por remédio de seu mal a espada de seu
amante Piramo, e o sangue dele correr tão natural pelas ervas, que se não podia ter quem ali chegava, que
não olhasse com o dedo se não era verdadeiro. Em outra parte estava o enganado Narciso contando as
suas mágoas à imagem de sua formosura, lançando de bruços naquela triste fonte causa de seus primeiros
amores, e quando lhe as lágrimas caíam, que turvavam as águas, deleitação dos seus olhos, não havia
olhos que enxutos o pudessem ver. E ver em outra parte o remar de braços que Leandro fazia,
desfalecando-lhe as forças para chegar ao lume, que era de seus olhos, desejáveis de lhe emprestar as
vossas por não acabar um perigo duas vidas.
Outras mil piedades se viam de muitos amantes nesta pintura para se poder sentir, e chorar, e não
escrever. (1953: vol. II, 306-307)
«Il ne s’agit plus d’étudier simplement le vocabulaire des images ou de les classer en champs
notionnels, il s’agit aussi de rendre compte d’une syntaxe de l’imaginaire.»
Philippe Walter (1998: 52)
1 A título de exemplo vejam-se Cascudo (1977 e 1984), Ourique e Jachement (1997), Meyer (1995),
Pereira (1984), Silva (2001) e Hidalgo (1988), designadamente para diferentes países e regiões.
«je ne pouvais rien écrire qui fut plus vrai que ces événements au cœur
desquels je me suis personnellement trouvé, dont j’ai une connaissance
assurée pour les avoirs vus se dérouler, comme on dit, sous mes propres
yeux» (EGINHARD, 2014: 91).
«je n’hésite pas à affirmer comme étant hors de doute les détails de ses hauts
faits admirables et ses triomphes dignes d’éloge sur les Sarrasins d’Espagne
et de Galice, que j’ai vus de mes propres yeux pendant les quatorze ans au
cours desquels j’ai parcouru l’Espagne et la Galice avec lui et ses armées»
(GICQUEL, 2003: 525).
Ainda que os factos históricos nem sempre confirmem o enunciado das obras,
quanto à presença dos narradores, escrevê-los na primeira pessoa imprime desde logo
uma autoridade acrescida ao texto. O primeiro texto refere ainda os seus antepassados,
as esposas e os filhos (EGINHARD, 2014: 40-9); em ambos se menciona a sua proteção
e apoio à Igreja (EGINHARD, 2014: 60-3), (GICQUEL, 2003: 535).
Importa também registar desde já algumas imagens decorrentes destas obras.
Dos dois primeiros textos emergem duas imagens de Carlos Magno não completamente
sobreponíveis: uma, descrita por Eginhard, que apresenta um Carlos Magno corpulento
e robusto, de cara feliz e sorridente 2, de 7 pés de altura, dedicado à caça, à equitação, à
natação, ao estudo e às línguas (EGINHARD, 2014: 52-3, 58-9), e trajando
habitualmente à maneira franca (EGINHARD, 2014: 54-5); outra, apresentada por
Turpim, revela um Imperador corpulento e robusto, mas de tez rosada e cara sisuda3, de
cabelo castanho 4, com barba de palmo, de 8 pés de altura (GICQUEL, 2003: 561), tendo
feito representar as Sete Artes Liberais no seu palácio (GICQUEL, 2003: 580-2). Destas
duas figuras complementares, a que vai perdurar na iconografia é a imagem de Turpim:
são bastante raras as iluminuras que mostram Carlos Magno sem barba. Tanto nas
2. a permanência da imagem
A Historia Karoli Magni et Rotholandi parece ser dos raros textos dedicados a
Carlos Magno. A Chanson de Roland é o canto de Rolando.
A imagem do Imperador e estes textos vão dar forma, de modo mais ou menos
direto, a vários outros textos ao longo dos séculos seguintes, até aos nossos dias. Ainda
durante a Idade Média podemos encontrar várias obras decorrentes das personagens, dos
motivos e dos temas veiculados pelos textos mencionados, verdadeiramente fundadores.
Estas obras carolíngias dão origem, em França, a um conjunto de canções de gesta em
torno dos cavaleiros do Imperador a que hoje a crítica se refere como ciclo do Rei ou
Carolíngio. E as literaturas da Europa ocidental vão também conservar, reconfigurando-
os, alguns motivos e várias personagens surgidos naqueles textos.
Além da recorrência da onomástica ao longo dos séculos, e recordemos que o
nome é uma «memória mítica» como diz Philippe Walter (1998: 54), a batalha entre
cristãos e sarracenos ganhará outros contornos literários logo a partir da Idade Média.
No âmbito da Literatura Portuguesa, Márcio Muniz (2014: 169) já registou o
isomorfismo simbólico das palavras mouro, turco e maometano a pretexto do teatro
vicentino, simbolismo ao qual podemos juntar o do sarraceno.
Mas ainda no século XII, surge uma outra obra fundamental para a nossa
perspetiva: Fierabras (ou Conquêtes de Charlemagne, como também é conhecida),
escrita por volta de 1190. Nela se conta a conquista de Espanha, três anos antes de
Roncesvales (778), país onde Carlos Magno deve recuperar as relíquias que Balan
(Balão) confiscou a São Pedro de Roma. Este texto coloca frente a frente o cavaleiro
homónimo, Fierabras, rei de Alexandria e senhor da Babilónia, e Olivier, companheiro
de Roland, acabando a batalha entre ambos por levar à conversão do adversário. A irmã
de Fierabras, Floripas, converte-se também e casa com um cavaleiro cristão, Gui de
Bourgogne.
Floovant, outra canção de gesta, anónima, também de finais do século XII, alia
duas gestas distintas (a de Clovis e a de Carlos Magno), e retoma o tema do casamento
do cavaleiro herói com uma sarracena, tal como o seu companheiro Richier.
5 Divide-as Firmin Didot no seu Essai de Classification Méthodique et Synoptique des Romans de
Chevalerie. Paris: A. Firmin Didot, 1870, mas Claude Faurieljá as mencionara como «romans
carlovingiens» em 1832. É a classificação de Fauriel que Pascual de Gayangos (1857: XII-XXI)
considera.
6 Traduzida do castelhano por Hironymo Moreyra de Carvalho, publicada em Coimbra, na Officina de
Joseph Antunez da Sylva, Impressor da Universidade (Dividido em Quatro Livros). Em 1737, em Lisboa,
Na Officina de Mauricio Vicente de Almeyda, a obra é impressa com primeira e segunda partes.
O século XX verá ainda duas edições da primeira versão desta obra, a última das
quais em 1940. De resto a versão curta, em folheto, atesta o sucesso da tradução de
Jerónimo Moreira de Carvalho, na medida em que:
A Matéria de França, como a apelida Teófilo Braga (1905: 40), não era
desconhecida na Idade Média portuguesa como vimos, mas será posteriormente que o
registo escrito das façanhas do Imperador e dos seus Pares será mais notório na
Literatura Portuguesa, ainda quando de modo indireto.
Em Palmeirim de Inglaterra, de Francisco de Moraes, obra de 1543 ou 44,
também cristãos e turcos batalham. A família textual assumida pela narrativa é múltipla:
o ciclo castelhano dos Palmeirins e a Matéria de Bretanha. As referências a Palmerín de
Cristãos Turcos
Palmeirim d’Inglaterra seu irmão, .Soldam de Persia
o príncipe Florendos, .el rei de Etolia
Graciano, .Arjelao, principe d’Arfasia
9 Ali, em perfeita simetria face aos cristãos surgem: o sobrinho de Marsílio é o primeiro, seguindo-se-lhe
Falsaron, irmão de Marsílio, o rei Corsablis, Malprimis de Brigant, um emir de Balaguer, um almançor de
Moriane, Turgis de Tortelose, Escremis de Valterne, Esturgant e Estremarit, Margarit de Sevilha e
Chernuble de Munigre (DUFOUNET 1993: 130-141).
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RESUMO: Dom Dinis, além de rei também foi o trovador português do qual
preservaram-se o maior número de composições que se dividem entre as denominadas
cantigas de amor, amigo e escárnio e maldizer. No que diz respeito ao primeiro gênero
podemos destacar algumas temáticas abordadas pelo rei-trovador, dentre as quais
encontra-se o elogio à senhor, a qual pode ser relacionada com o enaltecer da dama
presente na literatura medieval através do ideal do amor cortês, por meio do qual o
homem se transforma no vassalo amoroso da dama. Tal concepção amorosa foi
transmitida pelos trovadores provençais considerados mestres na arte de trovar que
contribuíram para a disseminação de um ideal amoroso do qual utiliza-se Dom Dinis
que mostra, assim, ter conhecimento de uma tradição poética além da ibérica. Nesse
sentido, para a compreensão da imagem da dama nas cantigas de amor de Dom Dinis se
faz necessária a análise do próprio contexto peninsular que permitiu a existência de
trocas culturais que influenciaram a própria formação do rei, a sua obra e a sua
personificação como trovador e vassalo amoroso das damas portuguesas.
ABSTRACT: Dom Dinis, beyond king was also the Portuguese troubadour which were
preserved the largest number of compositions which are divided between the so-called
songs of love, friend and scorn and cursing. With regard to the first kind we highlight
some themes addressed by the king-troubadour, among which is the praise to the Lord,
1 Esse termo foi utilizado para designar, no século XIII, o jogral que além de executar também compunha
as cantigas, porém, não foi nesta acepção que o termo foi empregado pelos investigadores do assunto.
Além desses personagens do movimento trovadoresco também existiam as soldadeiras, dançarinas ou
cantoras que acompanhavam os jograis. Sobre esse assunto vide: LANCIANI, Giulia; TAVANI,
Giuseppe. Dicionário da literatura medieval galega e portuguesa. Lisboa: Caminho, 1993.
Percebe-se, portanto, que as ações de Dom Dinis, tanto no campo político quanto
no cultural unem-se em torno de um mesmo objetivo: a afirmação de uma identidade de
um reino que se percebe integrante de uma “comunidade”, seja ela cristã ou
trovadoresca, mas também se reconhece como distinto buscando, inclusive, se afirmar a
partir da diferença, como podemos observar na retórica poética de Dom Dinis. Na
cantiga anteriormente mencionada podemos identificar, como afirma Graça Videira
Lopes,
a defesa de uma diferença entre esses proençaes que soem mui bem trobar e o
eu que aqui canta – diferença cujo enunciado a adversativa “mas”, no
princípio do terceiro verso, introduz – o que, como também tem sido desde
sempre notado, não deixa de constituir uma interessante declaração de
autonomia da arte galego-portuguesa face aos modelos provençais admirados
(mesmo no que toca à cantiga de amor, como é o caso). Distinguindo entre
um eles e um nós, de que o trovador, mesmo se a título pessoal, se faz porta-
voz, D. Dinis parece postular claramente essa diferença. (LOPES, 2009: 3).
2 Dor, sofrimento.
Nesta cantiga, Dom Dinis confessa sofrer pela sua senhor e pergunta a quem
poderá contar sofre esse sofrimento. Segundo as regras da mesura ele não deve contar a
ninguém, pois ninguém deve saber a quem devota o seu amor. Assim, ele canta o seu
pesar na cantiga, para a sua amada. Dinis joga com os lugares-comuns do amor cortês,
afirmando que não há como se ter mesura sem um indício de desmesura (NOBRE,
2001: 56). É nessa perspectiva que também podemos analisar outra cantiga:
A senhor aqui cantada, assim como a das demais cantigas, não se compara a
nenhuma outra no mundo. Deus a fez sem par, tanto no julgamento quanto no falar.
Porém, nesta cantiga acrescenta-se mais uma característica extremamente interessante.
A senhor é tão perfeita que erades bõa pera rei. Ou seja, ela era perfeita para um rei.
Que senhor seria perfeita para o rei Dom Dinis? Sim, rei. Nesta cantiga não é somente a
voz do trovador que aparece. Dom Dinis não tira a coroa ao trovar. E, se a dama do
amor cortês é superior ao trovador, quem seria a dama superior ao trovador que é
superior a todos?
Para alguns estudiosos esta cantiga foi inspirada em Isabel de Aragão (1270-
1336), esposa de Dom Dinis, rainha culta e santa. Pode-se dizer que Isabel foi escolhida
a dedo. Um enlace com a filha do rei de Aragão traria inúmeras vantagens políticas. Ela,
XI ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOSMEDIEVAIS. IMAGENS E NARRATIVAS
53
de fato, tinha muitos pretendentes, e o escolhido foi Dom Dinis, também um excelente
partido. Dessa forma, o casamento de Dinis e Isabel foi um bom negócio. Como deveria
ser um casamento no período medieval. Isabel era culta e uma rainha extremamente
ativa, auxiliando o reinado de Dom Dinis com suas habilidades diplomáticas com
Aragão e com seu próprio filho que se insurge contra o pai e com suas atividades de
caridade e assistência. É possível afirmar, então, que Isabel foi uma excelente rainha.
Além disso, cumpriu seu papel de mulher: deu um herdeiro a Dom Dinis, o futuro
Afonso IV, além de uma filha, Constança, que seria rainha de Castela.
Então, diante disso, poderíamos afirmar que a cantiga foi destinada a Isabel.
Podemos dizer que é possível. Isabel, de fato, era boa para rei. Era boa para ser rainha,
como o foi. Porém não há como comprovar. Além do mais, devemos lembrar que Dom
Dinis tinha amantes, ou barregãs para nos atermos ao termo da época. Os nomes de
algumas delas eram conhecidos e constam no Livro de Linhagens do conde Pedro de
Barcelos, um dos filhos bastardos do rei. Inclusive, um destes bastardos teria sido o
motivo pelo qual Afonso, o filho legítimo, se insurge contra o pai, por conta do poder
que o irmão, Afonso Sanches, estaria recebendo no comando do reino. Uma luta gerada
por ciúme. Mas um ciúme político. Afonso não fez nada mais que assegurar o seu trono.
Diante disso, fica a questão: quem era boa para rei? As regras do amor cortês
impedem Dinis de dizer. Ele nunca diria, pois ele é um trovador, de fato. E não o é
simplesmente por ter sido o mais profícuo trovador português, com 137 composições,
mas também pela sua qualidade e por promover “uma condensação, recapitulação e
síntese da tradição poética em que se formou e, ao mesmo tempo, uma espécie de
confronto criativo com os textos que ‘cita’ ou aos quais ‘alude’” (PIZARRO, 2008:
321).
Assim, ao fazer o elogio à senhor Dom Dinis faz um elogio ao trovadorismo
galego-português, a si e ao seu reino. Tanto ele quanto os provençais irão afirmar a
perfeição do seu fazer poético e cada qual quer que o seu seja o mais sincero. Através
do elogio à senhor que se mantém nos moldes do amor cortês e da pretensa vontade de
querer trovar como os provençais, como sugere a cantiga Quer’eu em maneyra de
proençal, o rei-trovador, na verdade faz um elogio ao seu reino. Utilizando-se da
emulação, que é um tipo de imitação, mas que se pretende diferente porque sua meta é
superar os provençais. E, para tanto, atualiza a recepção de forma consciente
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RESUME : L’Arbre des batailles est un traité de droit de guerre dédié au roi français
Charles VI (1380-1422) dans lequel son auteur, le prieur Honoré Bovet, né en Provence,
licencié en Droit et docteur en décrets, présente la guerre, pendant les conflits de la
Guerre de Cent Ans, comme un phénomène salutaire à la société, pourvu que le concept
de « guerre juste » soit respecté. Tout au long de son livre, en se servant de l’image de
l’arbre, Bovet établit une hiérarchie concernant les mouvements de guerre et définit la
nature des batailles, qui sont les agents légitimes à y agir et comment. Le prieur
caractérise à plusieurs reprises l’activité des chevaliers et par conséquent, il donne des
repères à propos de la chevalerie en tant que groupe légitimé par le roi et à son service.
Nous nous concentrerons sur les chapitres où Honoré Bovet détaille les caractéristiques
les plus dignes d’éloges chez les chevaliers et ainsi nous chercherons à identifier les
éléments qui révèlent les différences et les continuités en ce qui concerne l’activité
militaire entreprise par ces gens d’armes en France au Bas Moyen Âge.
5
Os conflitos na região da Provença a que Honoré Bovet se refere se deram durante a disputa pela
sucessão da região, após a morte da regente Jeanne I, rainha de Nápoles e condessa da Provença (1326-
1382). ComoJeanne havia feito de Louis d’Anjou, filho do rei francês Jean II, le Bon, seu herdeiro por
adoção, a coroa francesa se colocou no direito de assumir a província, mas isso não foi bem aceito pelos
nobres da primeira casa de Anjou,que já estavam sediados ali. Essa disputa recebeu o nome de guerra da
União de Aix, referência à capital, Aix-en-Provence (1382-1387).
6
A Biblioteca Britânica descreve o diagrama da árvore da dor, como também é designada na obra, da
seguinte forma: a árvore é encabeçada pela Fortuna e sua roda, em seguida, sobre os galhos, a figura dos
dois papas, Clemente VII e Urbano VI com as faces rasuradas; na sequência, os reis da França, Charles
VI, e da Inglaterra, Ricardo II; o rei de Jerusalém e de Nápoles, Louis d’Anjou; o duque da Borgonha,
Philippe le Hardi; os reis de Castela e Leão, João I, e de Portugal, Fernando; o rei dos Romanos e o rei da
Hungria e Polônia. Abaixo, já em solo, os respectivos cavaleiros e suas mesnadas batalhando entre si.
7
Sem dúvida, apesar de os juristas da época de Honoré Bovet se prevalecerem das reformulações da São
Tomás de Aquino sobre a guerra justa, é preciso relembrar que a legislação conciliar da Paz de Deus e em
seguida da Trégua de Deus, defendida a partir dos concílios episcopais desde o século X, era com
frequência reiterada nos discursos moderados pela Igreja que afirmava com certa veemência que a guerra
deveria poupar os inermes. Afinal, numa concepção tripartite da sociedade, os bellatores deveriam
defender os laboratores (LAURANSON, 2002: 1035-1037).
Era, portanto, também lícita a guerra mortal (a guerra de fogo e sangue) que,
segundo o comportamento dos combatentes, entenda-se, nada mais era do que o conflito
compreendido dentro do conceito de guerra justa em que atos de violência eram
permitidos. A este conceito de guerra opunha-se o de guerra guerreável ou leal que
tratava de conflitos em que eram respeitados os preceitos da justiça de armas, isto é, não
haveria entre os combatentes nem má intenção e nem perversa atitude (CONTAMINE,
1979: 84). Dessa forma, é possível compreender como Bovet explica, segundo seu
entendimento de guerra justa, os conflitos entre reinos cristãos: as gentes de armas
seriam nada mais do que o flagelo de Deus para punir os pecadores, e se as guerras
atingiam os bons e os justos, isso seria creditado para sua glória quando recebidos nos
céus (BOVET, 1883:150).
Bem, sendo conhecido o contexto um tanto conturbado desse início de reinado
de Charles VI face aos tios, apesar do relativo apaziguamento dos conflitos com a
Inglaterra, qual seria o objetivo de um futuro conselheiro do rei em realizar um tratado
de casuística jurídica de guerra, visto que assim podemos designar o trabalho de Bovet,
ao levar em conta que do total de 171 capítulos da obra, 132 compõem a quarta parte
que trata do assunto especificamente?
Como hipótese a essa indagação, lançamos a ideia de que A Árvore das batalhas
se insere em um mesmo contexto de produção escrita do qual participaram outros
intelectuais ligados à corte francesa de Charles V e de seu filho Charles VI. Engajados
também com o registro dos acontecimentos, estavam, por exemplo, Philippe de
Mézières (Songe du viel pelerin, 1389; La Chevalerie de l’Ordre de la Passion, fim do
séc. XIV) e Christine de Pizan (Le Livre des fais et de bonnes meurs du Roi Charles V,
1404; Livre des fais d’armes et de chevalerie, 1410) que, além das referências a
Vegécio e das cópias entre si, compartilhavam com Bovet um ideal cavaleiresco que ora
mantinha preceitos bem tradicionais, como o debate sobre as virtudes de um bom
cavaleiro, ora lançava noções um tanto originais para a época, como a discussão sobre o
respeito aos direitos civis por parte de cavaleiros e senhores, bem como o serviço à
Veremos, portanto, a partir deste ponto, como Honoré Bovet buscou aconselhar
o rei Charles VI, de quem viria o “remédio para os males da cristandade”, sobre o que
seria um bom cavaleiro, isto é, o que seria um bom militar então a serviço do rei e do
reino franceses8, e não apenas um assoldadado defendendo seu senhor a quem devia
fidelidade vassálica. Não intentamos com isso afirmar que as relações pessoais já
haviam caído em desuso no contexto cavaleiresco no final do século XIV na França, ao
contrário, era agora a figura do próprio rei que passava a ser mais próxima dos capitães
e consequentemente de suas mesnadas enquanto alvo de proteção contra os outros que, a
tal ponto da Guerra dos Cem Anos, eram os inimigos da coroa francesa, representados
em geral pelos ingleses.
A organização dos capítulos da terceira e da quarta partes do livro de Bovet, com
oito e cento e trinta e dois capítulos respectivamente, obedece ao que se conhece dentro
da tradição universitária da escolástica como procedimento da “questio”: a questão que
serve de título e tema ao capítulo e que introduz duas respostas, uma “pro” e outra
“contra” antes que o autor proponha a sua própria “solutio” (DUVAL, 2007:260), com
direito a expressar suas opiniões pessoais, nem sempre convencionais para a época9. E
8
Ambos medievalistas, Bernard Guenée concorda com Philippe Contamine, na resenha que faz de sua
obra Guerre, État et Société à la fin du Moyen Âge de 1972, que no início da Guerra dos Cem Anos, o
soberano francês Philippe VI não dispunha de uma força militar organizada nem fixa, devendo assoldadar
aqueles que respondiam a seu apelo, ou seja, indivíduos oriundos da sociedade civil e não militar. Trinta
anos depois, constatando que tal estratégia não dera bons resultados, Charles V, por sua vez, intentou
manter unidades permanentes, no entanto a força da nobreza não permitiu que os homens de armas
fossem recrutados segundo suas habilidades, exceto em casos bem pontuais, sendo mantido um efetivo
mais ligado às linhagens, o que evidentemente não era garantia de sucesso nos empreendimentos de
guerra (GUENÉE, 1974:1533-1534). Ainda assim, o que se vê é o rei e as instâncias próximas a ele
arregimentando os combatentes.
9
Tratando-se de opiniões pouco convencionais, vemos que, por exemplo, Bovet lança a pergunta se se
deve ordenar batalha contra os judeus (IV, cap. 63): sim, desde que apoiada nas Escrituras, embora antes
todos devam saber que Deus espera pela conversão dos judeus e que eles fazem lembrar da paixão de
Mas não digo que a Deus não seja possível promover a paz em qualquer
lugar desde que os homens sejam bons e sábios, assim não lhes seria
Cristo e ainda que se os judeus não fazem bem aos cristãos, estes por sua vez, também não fazem bem
àqueles. Em outro capítulo (IV, cap. 88), Bovet se refere à prática corrente na época de ingleses que
mantinham seus filhos na Universidade de Paris e que vinham visitá-los, a questão posta é se se pode
fazer desses ingleses prisioneiros de guerra, diz ele que não, contrariando a opinião dos cavaleiros, pois a
razão seria que não há “amor maior no mundo do que o de um pai pelo filho”, o que justificaria a
presença desses ingleses na cidade. Em outra ocasião (IV, cap. 2), Bovet se questiona sobre a
legitimidade de se guerrear contra os sarracenos: “Se para receber o santo batismo nós não podemos lhes
fazer guerra, por que poderíamos fazê-lo para tomar os bens que possuem? ” (BOVET, 1883:86).
10
A referência que Bovet evoca seria um “longo debate” entre o papa Urbano V e o rei francês Jean II, le
Bon sobre um duelo em campo fechado entre um cavaleiro francês e outro inglês supostamente ocorrido
na região de Avignon: o pontífice teria proibido ao público de acompanhar a luta e ao rei coube, portanto,
prevenir que a batalha não fosse adiante para que não houvesse prejuízo dos costumes reais.
11
Christine de Pizan, por exemplo, na parte que dedica à cavalaria em sua biografia real oficial de
Charles V, Le Livre des fais et de bonnes meurs du Roi Charles V, realiza o que se pode chamar de um
verdadeiro compêndio das práticas militares mais eficazes para a época, instruindo como realizar a
tomada de um castelo, como golpear e com quais armas, como privar o inimigo de seus víveres, como
aproveitar a oportunidade de uma batalha que se mostra fácil, enfim, adaptando o conhecimento sobre os
embates vindo de tratadistas anteriores, Pizan atualiza e confirma que os laços sanguíneos não eram
garantia das vitórias de que tanto necessitava a França ante as investidas inglesas.
12
Tudo isso remete a uma ideologia cavaleiresca da Baixa Idade Média que, além do que já foi apontado
neste trabalho, também recorreu a procedimentos narrativos objetivando difundir no seio de uma
sociedade aristocrática e laica o perfil do cavaleiro ideal, a serviço da coroa francesa e não apenas do
Cristo, obedecendo doravante ao comando das hostes do reino e não ao de um senhor feudal.
Pois se eles [os cavaleiros] observam ser vantagem e bom cavalgar, assaltar
castelos, pilhar e roubar tanto no dia de Páscoa quanto durante a Quaresma,
que o façam para a utilidade pública, pois seriam desculpados por todo o
mundo do pecado segundo uma opinião, e Deus sabe bem como hoje
preocupamo-nos com a utilidade pública13 (BOVET, 1883: 145).
Podemos concluir que, ao tecer tão nítido retrato da cavalaria francesa da Baixa
Idade Média, Bovet também “expressava na realidade a emergência de uma reflexão
sobre o direito internacional da guerra14, [pois] a ética cavaleiresca continuou a ser o
fermento da sistematização jurídica da guerra” (CARDINI, 2006:486). Era, portanto, de
grande valia informar e aconselhar o rei Charles VI sobre tais homens, aqueles que
mereciam ser tratados com honra até mesmo pelos inimigos, como o escritor mesmo
sustenta: “Diremos nós que quando um cavaleiro é tomado durante a batalha, que
devem fazer a ele todas as honras do mundo, festejá-lo, mantê-lo em grande alegria e
diversão por ter tão nobremente se comportado” (BOVET, 1883: 154). E ainda, esses
homens seriam os detentores da cavalaria, referida como uma dentre as qualidades
morais a que se poderia almejar, desejo que mesmo o rei deveria cultivar15.
13
Considerado por Honoré Bovet como um argumento favorável à guerra lícita, o conceito de “utilidade
pública” ou “bem-comum” a que o intelectual se refere pode ser compreendido entre as causas justas da
guerra permitida pelo movimento conciliar da Paz de Deus. Nesse contexto, a “utilidade pública” poderia
ser assegurada tão somente pelo rei, seu soberano senhor e garantia, em oposição aos usos particulares e
violentos da guerra privada, por exemplo.
14
Além das referências aos pais ingleses em visita aos filhos, Bovet traz vários exemplos que envolvem
estrangeiros, como castelhanos, alemães, italianos, escoceses e outros casos referindo embaixadores de
territórios inimigos à França. Todas as questões são trabalhadas pelo tratadista a partir de exemplos
concretos da guerra: salvo-conduto, prisões e resgates, apreensão de bens e valores, etc.
15
A Árvore das batalhas se encerra com um capítulo dedicado às atitudes próprias a um virtuoso, sábio e
discreto rei, o que inscreve o capítulo no gênero clássico dos “espelhos de príncipe”. Em certa altura,
Bovet aconselha o rei, enunciando o seguinte: “[...] ele deve ser muito discreto e comedido ao ceder aos
delitos carnais, ou seja, que ele não mantenha seu corpo deliciosamente nutrido, pois assim ele não estaria
apto à guerra para a qual dizemos que a cavalaria de hoje não apresenta mais a ousadia que apresentou no
passado, pois segundo as leis antigas, os cavaleiros comiam vagens, toucinho e carnes pesadas. Eles
dormiam em solo duro e vestiam armaduras a maior parte do tempo. Permaneciam fora da cidade e
apreciavam o ar do campo retirando-se nas bastidas e das fortalezas, preferindo voluntariamente os
campos. Assim, não guardavam o costume de beber o melhor vinho, bebiam água pura e por isso tinham
capacidade para suportar todo tipo de mal e grandes trabalhos” (BOVET, 1883:255).
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1. Introdução:
As demandas educacionais, hoje, caminham no sentido de uma modernização
das abordagens e dos recursos utilizados nos processos de ensino e aprendizagem,
colocando o uso de tecnologias num patamar de destaque. O ensino de História, que
ainda explora muito pouco os potenciais dessas tecnologias, pode ser bastante
enriquecido por elas quando elaborado com vistas a proporcionar maiores diálogos entre
os conhecimentos produzidos nas escolas superiores e básicas. Pode, também, se
3. Questões Metodológicas:
Para desenvolver a proposta aqui apresentada, é necessária a compreensão de
que sua composição se origina em pelo menos três áreas do conhecimento que, embora
sejam interligadas, requerem reflexões particulares para serem devidamente exploradas.
Assim, os procedimentos a serem adotados se pautarão na consideração de etapas
fragmentadas que, posteriormente, se unirão em seus resultados, possibilitando a
conclusão e veiculação do objeto de aprendizagem.
A pesquisa histórica, etapa fundamental de todo o planejamento, conduzirá toda
a produção material e assumirá o protagonismo da proposta de inovação pedagógica,
uma vez que a pretensão, aqui, é a de tornar relevante um conteúdo histórico até então
desfavorecido (ou, mais precisamente, ignorado) pelas escolas básicas.
Para localizar essa pesquisa histórica em sua dimensão pedagógica, portanto,
serão necessárias reflexões de cunho educacional capazes de conduzir diagnósticos
acerca das relações entre os diversos ambientes de ensino e aprendizagem.
Uma vez considerados os elementos supracitados, será preciso ponderar formas
eficazes de promover, em âmbito prático, recursos que aproximem os conteúdos das
linguagens atuais. E pensar na dimensão tecnológica das práticas de ensino, no entanto,
requer também reflexões de caráter teórico que propiciem uma visão crítica e mais
consciente do uso de recursos midiáticos para além de suas dimensões recreativas e
extrapolando a transposição do conhecimento.
Ao serem concluídas essas etapas de especulação teórica, é para a execução
efetiva das tirinhas que se voltarão os esforços. Processos de roteirização com base nos
conteúdos históricos, esboço, finalização da arte, digitalização e elaboração de
sugestões para o uso e veiculação do material serão, então, contemplados, possibilitando
a conclusão do trabalho proposto.
REFERÊNCIAS:
ALBERTO, Rodrigo Moraes. O Amadis de Gaula e o ideal cavaleiresco ibérico: a
herança literária e o 'fazer cavalaria' no final da Idade Média, edos - Revista do Corpo
Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS, v. 3, p. 85-103,
2011.
ARAÚJO, Ulisses Ferreira. Temas Transversais e a estratégia de projetos. SP:
Moderna, 2003.
BARBOSA, Katiuscia Quirino. A Imagem do Cavaleiro de Avis à Época de D.
Duarte e Afonso V. (1433 – 1481). 2010. 160p. Dissertação – UFF. Niterói, 2010.
BARTHELEMY, Dominique. A cavalaria: da Germânia antiga à França do século
XII. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 2010.
__________. Violência guerreira e cortesia medieval: depoimento. [2012]. Unicamp,
São Paulo. Entrevista concedia a Neri de Barros Almeida. Disponível em:
<historianovest.blogspot.com/2012/.../violencia-guerreira-e-cortesia.html>. Acesso em:
28 jun.2015.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos.
São Paulo: Cortez, 2005.
CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de; CAMÕES, Luís de; POE, Edgar Allan;
AZEVEDO, Aluísio; VICENTE, Gil; ASSIS, Machado de; Dante Alighieri; SHELLEY,
Mary Wollstonecraft; DIAS, Gonçalves; PESSOA, Fernando. Clássicos em HQ. São
Paulo: Peirópolis, 2013. 255 p.
COSTA, Ricardo Luiz Silveira. A guerra na Idade Média: estudo da mentalidade de
cruzada na Península Ibérica. Rio de Janeiro: Edições Paratodos, 1998.
DUBY, Georges. A sociedade cavaleiresca. Lisboa: Teorema, 1989. 211p.
_________. Guilherme marechal, ou, O melhor cavaleiro do mundo. 2. ed. Rio de
Janeiro: Graal, 1988.
FEENBERG, Andrew. Ten Paradoxes of Technology. Bienal Meeting of the Society
for Philosophy and Technology, 2009.
FLORI, Jean. A Cavalaria. A origem dos nobres guerreiros da Idade Média. Trad. Eni
Tenório dos Santos. São Paulo, Madras, 2005.
FONSECA, Selva G. Didática e prática de ensino de História: experiências, reflexões
e aprendizados. São Paulo: Papirus, 1992.
Cinthia M. M. Rocha
PPGH-UFF
Doutora em História
2 Com exceção de Santo Agostinho, chamado pelo autor de “santo sem atributo”, e de Santo Domingos
de Gusmão, referido como “santo Dominicano com livro” nossa identificação coincide com a realizada
por Wethey. Vale destacar que, quando escreve, a imagem de São Tomás de Aquino estava no sepulcro
do Infante Dom Alfonso e a estátua da rainha estava no sepulcro de Juan. (WETHEY, 1936: 32-33).
3 Essas imagens recebem identificação em dourado abaixo. A análise de seus atributos confirmou a
identificação, com exceção da Fé e Prudência, cujas legendas estão intercambiadas. (WETHEY, 1936:
36).
4 Dois exemplos de relevo são o Doctrinal de Príncipes de Diego de Valera e o Regimiento de Príncipes
de Gómez Manrique.
5 “se entiende… por el Fuerte, Sansón”. (VALERA, 1959: 200).
Y deve el príncipe ser muy más ligero en perdonar sus injurias e ofensas que
en las agenas; paresciendo a nuestro Señor, cuyo lugar tiene en la tierra, el
qual muy más ligeramente perdona los errores que contra Él cometemos, que
las injurias o dapños que a nuestros próximos fasemos.(VALERA, 1959:
194)
6 “E David dezía: Yo paresceré ante Ti en mi justicia; e: No permanescerán los injustos ante tus ojos”.
(VALERA, 1959: 176).
BIBLIOGRAFIA
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GARCÍA DE CORTÁZAR, José Ángel; AGUIRRE, Ruiz de; TEJA, Ramón (Coord.).
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Cláusulas e A Iconografia Cartusiana do Rosário por um Cartuxo. Salzburg: FB
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NOGALES RINCÓN, David. La representación religiosa de la monarquía
castellano-leonesa: la Capilla Real (1252-1504). Madrid, 2009. Tese (Doutorado em
História) —Departamento de Historia Medieval, Universidad Complutense de Madrid,
Madrid, 2009.
1) Introdução
Essa pesquisa visa investigar a expulsão e ou conversão dos judeus em Portugal
em 1496-1497, durante o reinado de D. Manuel I (1495-1521). Para tanto, faz-se
necessário compreender a situação desses personagens no reino antes do decreto do
Édito (1496). Assim, é valido ressaltar que os judeus já se encontravam na Península
1 Somente a partir de 1140, surgiram sinais de alguma individualização do território português e de seu
chefe, quando o título de rei português foi reconhecido pela Santa Sé. Parece, ter havido um processo
deliberado que corria lentamente para dar forma ao documento público. Em dezembro de 1143, Afonso
Henriques escreveu uma carta ao papa, se declarando subordinado da Santa Sé, pedindo-o que defendesse
sua honra e dignidade de seus sucessores e de sua terra. (MARQUES, 1996: 28).
2 Embora a intenção do soberano fosse conceder residência a um número limitado de judeus, as 600
«casas», o facto é que muitos outros escolheram Portugal como local de permanência temporária. Um
número indeterminado entrou clandestinamente. Sobre estes, por não lhes ter sido concedida autorização
para entrarem em Portugal e sobre os que ficaram insolventes, a justiça real caiu dura: a servidão foi o
seu castigo. Jacob tornou-se escravo da estrebaria real. Bernáldez calcularia na ordem do milhar o número
de judeus castelhanos que se teriam tornado servos do rei (BERNALDEZ, 1856: 258).Para estes, D. João
II publicou em 19 de Outubrode 1492, urna lei tendente a atraí-los à conversão, concedendo-lhes amplos
privilégios e a possibilidade de regressarem á sua terra de origem. Aos que recusassem o baptismo e
estivessem na situação de devedores da coroa ou de clandestinos, o soberano mandar-lhes-ia tirar os
filhos que entregaria a Álvaro de Caminha, em 1493. O seu destino seria S. Tomé, ilha atlântica que o
soberano desejava povoar, além de nela desenvolver a cultura da cana sacarina. Apesar de toda a
crueldade que revestiu o acto, régio, D. João II não os deixou ao abandono, ficando o próprio capitão e
donatário da ilha responsável por eles, segundo o próprio testemunho, que deixou exarado no seu
testamento: «quamdo viim de Portuguall trouxe allvara del rrei dom Joham que Deus teem para a cada
cimquo mogos dar hüu escravo e hüua escrrava pera suas mamtemgas ou os dar a quem os guovernase em
quamto nom fosem pera per sy vyverem e porque niquem os podia milhor aguassalhados e curados teer
que eu memcarreguey delles thomamdos em minha casa guovernados com os ditos sseus escrravos e com
outros que dos del rrei pera isso thomey» (MARQUES, 1971: 504). Apesar de caber ao soberano o vestir
e a alimentação destes jovens judeus que ele baptizara e que foram educados em S. Tomé, a verdade é que
a vida não era fácil para ninguém e muito menos para crianças. A fome, a doença e os animais selvagens
viriam a dizimar muitas delas, o próprio Álvaro de Caminha afirmou: «muyito gedo tyve a comy disso
que avya no mato e mandey mogos fora pellas amgrras pera sserem mamtheudos ». Aos filhos dos judeus
castelhanos que sobrevivessem, deixava os bens que possuía como donatário de S. Tomé, Pedro Álvares,
seu familiar, que ele instituía como sucessor no cargo de capitão e donatário da ilha, ficava com a
incumbência de cuidar das crianças «e saber com sam limpos castiguados e emsignados e em sseus
mamtimentos e em todo ho all que pera consservagá de suas vidas e emsinos comprir» (TAVARES: 354-
355).
3 Apesar de D. João II ter três filhos, o príncipe D. Afonso (1475-1491), D. Jorge de Lancastre (1481-
1550) e D. Brites (1485 - 1521), apenas o infante D. Afonso era filho legítimo, fruto de seu matrimônio
com D. Leonor de Viseu e/ou de Portugal, os demais eram bastardos, provenientes de relacionamentos
aventureiros (grifos meus).
4 D. Manuel cresceu no seio de uma família poderosa, eram íntimos do rei D. João II e do príncipe
herdeiro Afonso, mas tratava-se de uma família que era constantemente assaltada pela morte. Mas, retinha
em suas lembrançasapenas a imagem de seu irmão D. Duarte, pois o seu outro irmão D. João falecera
quando ele ainda era pequeno (COSTA, 2011:.72).
5 “Até à expulsão consumada em 1497 os físicos judeus praticavam a medicina livremente em Portugal,
inclusivamente na Corte. A sua prática assentava nos conhecimentos de Galeno, eram os principais
divulgadores desta forma de abordagem da medicina. Para além de desempenharem a função de médicos,
astrônomos e matemáticos participaram activamente nos progressos que levaram às descobertas
marítimas, um empreendimento que envolveu activamente a Coroa. Entre os séculos XII e XIV destaca-
se a família Ibn Yahya cujos membros foram eminentes médicos sendo um dos mais conhecidos Ibn
Yahya ben Salomon ligado ao rei D. Fernando de Portugal. Destacaram-se ainda, Moisés Navarro, rabi-
mor e médico de D. João I e D. Pedro I, mestre Abraão Guedelha, físico de D. Duarte e de D. Pedro II,
mestreTomás da Veiga e mestre Rodrigo da Veiga, médicos de D. Afonso V 3, e também José Vizinho,
físico e conselheiro de D. João II. Mestre José, como também era conhecido, traduziu do hebraico para
latim o Almanach Perpetuum do salamanquino Abraão Zacuto, também ele conselheiro do Príncipe
Perfeito entre 1493 e 1496/97, tradução essa onde introduziu diversos melhoramentos fruto da sua própria
experiência e, provavelmente, com a anuência do autor” (FRADE e SILVA, Sefarad, vol. 71:1, 2011: 51-
94).
6 Os trabalhos desenvolvidos por esse astrólogo possibilitaram a Vasco da Gama e a outros
“descobridores” a concretização de diversos planos marítimos. Coube a ele o aperfeiçoamento das tabelas
astronômicas elaboradas por Isaac Ibn Sid, denominadas por Tabelas Afonsinas. Compôs as tabelas do
sol, da lua e das estrelas, objetivando facilitar sua utilização nas viagens marítimas. Realizou o cálculo
aperfeiçoado visando melhorar o instrumento de medida da altura das estrelas que eram utilizados pelos
marinheiros, substituiu os astrolábios de madeira pelos de metais. (REMÉDIOS, 1895: 279-281).
7 Tamanha era a influência de Zacuto nas decisões tomadas por D. Manuel I quanto as empreitadas
marítimas, que Rodrigo José de Lima Felner, em Collecção de monumentos para história das conquistas
dos portuguezes em África, Ásia e América, aponta que antes de Vasco da Gama iniciar a viagem que
originou a chegada dos portugueses às Índias, D. Manuel I, solicitou o aval do astrólogo de sua confiança
para alçar as velas nesta empreitada.
8 A palavra marrano refere-se aos judeus portugueses que foram forçados a se converterem ao
cristianismo nos reinos cristãos da Península Ibérica, mas que continuavam a praticar clandestinamente
seus costumes e religião anterior. (ROUTH, 1959).
9 Em 1278, uma missiva de D. Afonso III ao concelho municipal de Bragança mencionou pela primeira o
cargo de arrabi-mor, criado para centralizar a justiça interna entre os judeus e a recepção dos seus
impostos. Em Castela e Aragão, já existia o termo “rabino da corte”, tendo esses dois reinos instituído
igualmente o alcaide-mor como chefe de todos os muçulmanos. A função de rabi-mor viria a adquirir em
Portugal estabilidade sem igual nos reinos vizinhos. Um interlocutor constantemente junto ao rei se
revertia em vantagens para os judeus, em contrapartida permitia à coroa o controle indireto sobre a vida
comunitária judaica (WILKE, 2009: 24).
10 Essa afirmativa se faz notória na obra, Moisés e o monoteísmo de Sigmund Freud, o qual busca
explicar que as perseguições pelas quais passaram os judeus ao longo da história perde o sentido quando
observa-se que não foram eles que pediram para ser o povo eleito de Deus, mas foi Deus que através de
Moisés os escolheu. Há dois fatores circunstanciais que não podem ser desprezados quando se trata de
Moisés e o monoteísmo. O primeiro deles, refere-se ao fato de o livro ter surgido em um tempo de
acirradas perseguições aos judeus - o que era o prenúncio do que veio a se constituir numa das maiores
tragédias históricas dos últimos séculos -, perseguições estas que atingiram o próprio Freud. O segundo é
ter sido esse um dos últimos (se não o último) escritos de Freud, criado na sua mais elevada maturidade
intelectual, tendo recebido, certamente, pinceladas de influências de suas questões pessoais. Tendo em
vista essas duas considerações, é possível propor que Moisés e o monoteísmo consiste em um texto que
deve ser analisado em estreita relação com a história e o momento de Freud ao escrevê-lo e publicá-lo,
isto é, a sua condição judaica e o período de sua transferência para Londres em consequência do ódio que
se abatera, contra os judeus. (FREUD, 1996).
A princesa D. Isabel era filha mais velha dos Reis Católicos e sua herdeira
presuntiva, no caso de faltar o príncipe D. João, único fiador da sucessão
masculina ao trono de Castela. Casando com ela, o rei de Portugal via em
perspectiva, ao menos como possível, a reunião das duas coroas da Península
numa só cabeça (HERCULANO, 1975: 114).
11 Trata-se de um historiador e rabino alemão, que realizou seus estudos em Berlim, seguindo a escola de
Leopold Von Ranke, ainda jovem, dedicou-se à história e, particularmente, à literatura judaica na
Península Ibérica. Tinha apenas 28 anos de idade quando publicou, em 1859, o primeiro livro acerca do
tema, um estudo sobre “sefarditas” – judeus originários da Península Ibérica–. (KAYSERLING, 2009:
30).
Fontes e Bibliografia
a) Fontes Impresas
FONTES DIGITALIZADAS
FONTES LEGISLATIVAS
b) Bibliografia
ATTALI, Jacques. Os Judeus, o dinheiro e o mundo. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010.
BALANDIER, Georges. O poder em cena. Trad. Luiz Tupy Caldas de Moura. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1982.
BETHENCOURT, Francisco e CURTO, Diogo Ramada. Expansão marítima
portuguesa -1400-1800.Lisboa: Edições 70, 2010.
COSTA, João Paulo Oliveira. Reis de Portugal: D. Manuel I. Lisboa: Temas e
Debates, 2011.
DOMINGOS, Francisco Contente. Navios e marinheiros. In: Lisboa Ultramarina,
1415-1580: a invenção do mundo pelos navegadores portugueses. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar,1992, p.49-69.
FELNER, Rodrigo José de Lima. Collecção de monumentos para história das
conquistas dos portuguezes, em África, Ásia e América. Academia das Ciências de
Lisboa, 1858.
FREUD, Sigmund (1913). Totem e tabu. Rio de Janeiro: Imago, 1996 (Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 13).
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FRÓES, Vânia Leite. Missionação portuguesa e encontro de culturas. In. Actas do
Congresso Internacional de História. Braga: 1993.
GODINHO, Vitorino Magalhães. Os descobrimentos e a economia mundial. Lisboa:
Editorial Presença, 1963-1971, 4 vols.
HERCULANO, Alexandre. As origens da Inquisição em Portugal em 1536. Lisboa:
Editorial Presença, 1959.
KAYSERLING, Meyer. A História dos judeus em Portugal. São Paulo: Perspectiva,
2009.
LE GOFF, Jacques. O imaginário medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1994.
______. O homem medieval. Lisboa: Ed. Presença, 1989.
ARTIGOS DE PERIÓDICOS
DISSERTAÇÕES
SOUSA, Cleusa Teixeira de. Os judeus nos reinados de D. Dinis e D. Afonso IV: uma
análise da legislação portuguesa, nos séculos XIII e XIV. 170 f., 2012. Dissertação (de
Mestrado) - Faculdade de História, Universidade Federal de Goiás, Goiás, 2012.
Cynthia Valente
NEMED/UFPR.
Mestranda História
RESUMO: O Reino Visigodo de Toledo não apresentou muita tolerância com relação à
comunidade judaica. A repressão régia e eclesiástica demonstrou-se ora mais dura, ora
mais branda, dependendo do monarca no governo. Destacamos, no entanto, que a
tolerância foi maior no período dos reis arianos. Alarico, por exemplo, aboliu a maior
parte das leis romanas com relação aos judeus, mantendo apenas a proibição de
casamentos mistos, também proibidos pela comunidade judaica, mas seus ritos
permaneceram tolerados. Mesmo durante o bispado de Masona de Mérida, já durante o
reinado de Leovigildo, o bispo, árduo defensor niceísta, mostrou tolerância com judeus
e pagãos. Parece-nos que a questão judaica tomou contornos mais sérios e violentos
após o III Concilio de Toledo e a conversão católica do reino visigodo. Durante a
cristianização da Hispania visigoda, algumas crenças não ortodoxas foram consideradas
ameaças à unidade eclesiástica e régia. Após a conversão católica do reino pelo monarca
Recaredo em 589, a presença de judeus ocupou lugar nos debates dos Concílios
Toledanos, mostrando que a presença de uma religiosidade oposta ao rito niceísta
merecia atenção e, principalmente, atuação que a coibisse.
ABSTRACT: The Visigoth Kingdom of Toledo did not show much tolerance in
regards to the Jewish community. The royal and ecclesiastical repression was shown
sometimes softer, depending on the monarch in the government. We emphasize,
however, that tolerance was higher in the period of the Aryan kings. Alaric, for
example, abolished most of the Roman laws regarding to the Jews, keeping only the
prohibition of mixed marriage, also forbidden by the Jewish community, but their rites
remained tolerated. Even during the bishopric of Masona of Merida, during the reign of
Leovigildo, the Bishop, a strong niceistic defender, who showed tolerance towards Jews
and pagans. It seems that the Jewish question took most serious and violent contours
after the III Council of Toledo and the Catholic conversion of the Visigoth Kingdom.
During the Chritianization of the Visigoth Hispania, some unorthodox beliefs were
considered threats to the ecclesiastical and royal unit. After the conversion of the
kingdom by the Catholic Monarch Recaredo in 589, the presence of Jews took place in
the debates of Toledan Counsils, showing that the presence of an opposing religious rite
to niceistic deserved attention and specially a restraining performance.
3 Para maiores informações sobre este estema, recomendo também a leitura de XAVIER, N. A. Distinção
Religiosa no Reino Visigodo: uma análise do III Concílio de Toledo. Revista Labirinto, Porto Velho-
RO, n. XIV, v.20, p.173-183, 2014.
4 Neste tema, sobre Isidoro de Sevilha, recomendo a leitura de FRIGHETTO, R. A regra monástica de
Isidoro de Sevilha e a questão dos limites entre as províncias eclesiásticas na Baetica Hispano-Visigoda
(século VII). Revista Tiempo y Espacio, Chillán, v. 14, p.31-42, 2004.
¿Qué dices, judío? ¿Qué propones? ¿Qué inventas? ¿Que opones? ¿Que
objetas? He aquí que nuestra virgen es tuya por estirpe, tuya por raza, tuya
por descendencia, tuya por país, tuya por pueblo, tuya por generación, tuya
por origen. Pero por fe es nuestra.
Los judíos bautizados , en cualquier lugar que se hallen el resto del año, sin
embargo, en las fiestas principales consagradas en el nuevo testamento, y en
aquellos días que en otro tiempo tenían como solemnes por determinación de
la ley antigua, mandamos que los celebren en las ciudades con públicas
reuniones, en unión de los sumos sacerdotes de Dios, para que el obispo
conozca su modo de proceder y su fe, y en ello se ajusten a la verdad. El
violador de esta ley, según lo permita su edad, será castigado con azotes, o
con abstinencia.
5 Sobre este personagem, recomendo a leitura da obra de RIVERA RECIO, J. F. San Ildefonso de
Toledo. Biografia, época y posteridad. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1985; bem como
ROMÃO, P. M. De Isidoro a Ildefonso, Teologia Política e Política eclesiástica na Hispania Visigoda
do século VII. Dissertação de Mestrado.UFPR. Curitiba, 2004.
...mandamos que por sentencia de este nuestro decreto sean castigados con
irrevocable censura:...se trate de extirparlos con más rigor, privándoles de
todas sus cosas, y aplicándolas al fisco, quedando además sujetos a perpetua
esclavitud en todas las provincias de España las personas de los mismos
pérfidos, sus mugeres, hijos y toda su descendencia, espelidos de sus lugares,
y dispersándoles, debiendo servir á aquellos á quienes la liberalidad real los
cediera; ni por ningun motivo mientras sigan en la obstinacion de su
infedilidad, les permita volver al estado de ingenuidad (libertad), porque
quedaron completamente infamados por el gran numero de sus maldades. Y
decretamos también que por elección de nuestro principe se designen algunos
de los siervos cristianos de los mismos judios, para que reciban por via de
peculio de la propiedad de estos lo que el referido Señor nuestro quisiere
darles por la serie de las autoridades ó por las escrituras de la libertad; y que
los referidos siervos contribuyan sin alegar escusa alguna con lo que hasta
aquí han pagado al fisco los mismos judíos." (...) Y respecto a los hijos de
ambos sexos decretamos que luego como cumplan los siete años se los
separe de la compañía de sus padres, sin permitirseles ningún roce con ellos,
debiendo entregarlos sus mismos señores á cristianos fidelísimos para que los
eduquen, con objeto de que los varones lleguen a casarse con mujeres
cristianas y viceversa...( )
As rigorosas leis impostas por Égica aos judeus foram, no entanto, aliviadas por
alguns membros da igreja, os quais consideravam todas elas rigorosas demais. Mas esse
afrouxamento não ocorreu em outras partes do reino, onde a comunidade judaica sofreu
com a intensa intolerância visigoda.
Nesse sentido, devido às leis antijudaicas e às diversas perseguições então
sofridas dentro do reino hispano visigodo, judeus conversos auxiliaram a invasão
muçulmana que ocorreu desde Gibraltar7; estes judeus apoiantes foram motivados pelas
notícias de certa tolerância por parte dos governantes muçulmanos em relação aos
judeus e cristãos, nos territórios do norte da África por eles comandados. Somente após
esse feito, de fato, a comunidade judaica pode continuar seus rituais religiosos,
exercendo inclusive atividades dentro da corte muçulmana. Mas isso, ressaltamos,
somente seria alcançado no século VIII.
6 Conforme verificamos em: ESPAÑA VISIGODA: Los Concilios de Toledo sobre los esclavos de la
Iglesia; y sobre la esclavitud y los judíos. Disponível em: www.cedt.org/visigod2.htm. Acesso
21/06/2015
7 Recomendo a leitura de MORENO, L.A.G. El fin del reino Visigodo de Toledo. Decadencia y
catástrofe, una contribución a su crítica. Madrid: Universidad Autônoma de Madrid, 1975.
SITES:
ESPAÑA VISIGODA: Los Concilios de Toledo sobre los esclavos de la Iglesia; y
sobre la esclavitud y los judíos. Disponível em: <www.cedt.org/visigod2.htm>. Acesso
em: 21 jun. 2015.
eHumanista - Journal of Iberian Studies. Vol. 29. Disponível em:
http://www.ehumanista.ucsb.edu/volumes/volume_29/index.shtml. Acesso em: 20 jun.
2015.
RESUME: Étude sur les vitraux de la cathédrale de Chartres qui represent les offices et
les organisations confraternales urbaines, specialement les boulangeurs. Sur le point de
vue espacial, au-délà de la cathédrale, on prend la référence de la ville qui la situe et
qu’il est établit une relation. On part du principe que les donnés figuratifs se structurent
dans les quadres imaginaires du christianisme et dans les narratifs bibliques. Ainsi, on
ne considere pas que le rapport image/texte comme un reflexe direct de la réalité ou
simplement structuré dans un contexte. L’idée centrale est que existe une culture
visuelle présente dans ces répresentations, ces dernières sont une structuration de cet
univers. En effect, les fonctions de l’image sont multipliés et rendent présents les grands
ideaux du christianisme.
Mots-clés: Vitraux a Chartres, Corps de métiers, boulangeurs
1 Projeto orientado pela Profa. Dra. Vânia Leite Fróes, titular de História Medieval da Universidade
Federal Fluminense.
2
Todas as imagens utilizadas neste estudo foram captadas por Debora Santos Martins, autora da pesquisa,
em visita científica à catedral de Chartres entre os meses de maio e junho de 2013, com equipamento
digital Cannon SX50HS.
Planta baixa da catedral de Chartres onde estão marcados os vitrais doados pelos padeiros.
7 Cinco desapareceram, restam 45 vitrais doados pelas corporações ainda hoje na catedral de Chartres,
num total de 176 janelas.
Detalhe dos três medalhões que compõem a assinatura do vitral História dos Apóstolos
Detalhe do primeiro medalhão do vitral História dos Apóstolos, onde se percebe o rosto do Senhor
na massa sovada pelo padeiro
BIBLIOGRAFIA:
Santo Agostinho
O filósofo cristão é portador de uma das biografias mais conhecidas. Porém,
diante dos nossos propósitos investigativos, é importante pontuarmos alguns momentos
da vida dele. Agostinho nasceu em 354 d. C., em Tagaste, norte da África, na região do
Baixo Império. Filho de Mônica, católica e corresponsável pela sua conversão ao
cristianismo, e Patrício, pagão, que se esforçou para que Agostinho tivesse uma
Educação Liberal. Pelo empenho do pai, teve uma boa formação, o que o levou,
ulteriormente, a Cartago e a ter contato com disciplinas como Gramática e Retórica.
“Antes, porém, de se interessar pelas questões intelectuais, sua atenção estava voltada
para as coisas mundanas” (PESSANHA, 2004:6). Assim sendo, em relações amorosas –
majoritariamente, conturbas e luxuriosas –, envolveu-se com uma mulher, com quem
teve um filho, Adeodato, que morrera ainda muito infante. Entre os desejos intelectuais
e os desejos carnais, Agostinho empenhou-se e se destacou no Magistério de maneira a
conseguir o privilégio de ir para “Milão para ensinar oficialmente retórica, cargo que lhe
havia sido atribuído pelo prefeito Símaco” (SANTIDRIN, 1997: 15).
Muito inquieto e especulativo, viveu impulsionado por uma procura incansável
pela verdade. Nessa busca, percorreu um itinerário, no qual encantou-se e se envolveu
com a filosofia a partir de Hortensius, de Cícero (Confissões, VIII, 7, 17);
Experimentou o “licor” do dualismo maniqueísta; passou do conflito binário maniqueo
a um período de “ceticismo e um ecletismo”, porém, “não muito consistentes”
(PESSANHA, 2004: 7); recebeu intensos influxos do mundo das ideias de Platão e dos
ideais místicos neoplatônicos de Plotino (SANTIDRIN, 1997: 15); percorreu o
pensamento plotiniano, que seria como uma via, por certas similitudes com a teologia
cristã (PESSANHA, 2004: 7), até ele ser seduzido e persuadido pelos posicionamentos
do bispo de Milão, Ambrósio.
Contudo, o principal acontecimento que o convenceu “definitivamente” foi seu
encontro com um petiz que cantarolava: “Tolle et lege, Tolle et lege” [Toma e lê, toma e
As Confissões e a Misoginia
Dos escritos agostinianos, o que mais chama atenção é a sua “autobiografia”,
isto é as Confissões, pois nela, de uma só vez, encontram-se reunidos, além do relato de
“uma” vida, há um itinerário hagiográfico, filosófico e teológico. Ademais, de acordo
com José Américo Motta Pessanha (2004: 10) é igualmente nas Confissões, que o bispo
de Hipona “se revela admirável analista de problemas psicológicos íntimos tanto quanto
de questões puramente filosóficas”. Philip Schaff (s.d.: 13) declara que Agostinho, na
obra supracitada, da mesma forma que Davi no Salmo 50, confessa a Deus o que
sucedeu durante sua vida – sem reservar os pecados de sua juventude – ao mesmo
tempo em que pede a Deus a Graça de livrá-lo das trevas, conduzi-lo para a luz e
chamá-lo para servir no Reino de Cristo.
Outro aspecto que se destaca, ante a produção dessa obra, é a repercussão delano
período de seu aparecimento e nos séculos seguintes. O período posterior foi dominado
“pela palavra do bispo de Hipona, pois ninguém como ele tinha conseguido, na filosofia
ligada ao cristianismo, atingir tal profundidade e amplitude de pensamento”
(PESSANHA, 2004: 23). No que concerne ao prestígio dos escritos agostinianos, Pedro
Carlos Louzada Fonseca (2015) salienta que os “ensinamentos de Santo Agostinho
foram de grande influência na cristandade ocidental, exercendo notável influência e
direcionamento sobre ela por cerca de mais de um milênio”. Assim, vemos que as
reflexões bíblico-teológicas agostinianas alcançaram grande repercussão, e, por
conseguinte, influenciaram questões fundamentais para a concepção da sociedade
medieval.
A vida do homem e da mulher medievais, os aspectos inerentes a cada um, que
os condicionavam dentro de parâmetros de convivência individual e coletiva,
inevitavelmente, passava pelo crivo bíblico (D’HAUCOURT, 1994), também,
disseminado graças a Agostinho. É nesse sentido que se é possível observar a relação
RESUMO: Seria possível que tivesse existido uma “arte poética” em Portugal, escrita
entre os séculos XIV e XVI, a exemplo das poéticas de Juan Alfonso de Baena, Juan del
Encina ou do Marquês de Santillana, contemporâneos do compilador do Cancioneiro
Geral, Garcia de Resende? Segundo afirma Alan Deyermond em Poesía de Cancionero
del siglo XV, “sería imprudente no contemplar la posibilidad de que la pérdida de uno o
más cancioneiros pudiera habernos privado de la obra de una floreciente generación de
poetas galaico-portugueses posterior a Dinis.” Adverte também sobre algumas alusões a
tais cancioneiros, valendo-se de estudos e do registro feito por Dom Pedro, o
Condestável, em seu Proêmio ao Marquês de Santillana, em 1449, no qual descreve um
cancioneiro que havia visto quando jovem. A existência de outros cancioneiros é
revelada inclusive em uma das esparsas do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende
(núm. 871). Nela, Resende pede a Diogo de Melo, que partia para Alcobaça, que lhe
trouxesse “ũ cancioneiro d'ũ abade que chamam Frei Martinho”, dizendo: “Decorai polo
caminho, / té chegardes ò moesteiro, / qu'ha-de vir o cancioneiro / do abade Frei
Martinho.”
Nestes supostos cancioneiros perdidos, poderia existir algum texto em que se
discorresse sobre a arte de trovar? Nesta comunicação, proponho entrever uma possível
arte poética implícita no Cancioneiro Geral, tendo em conta os estudos de Francisco
López Estrada. Parece-me que o cancioneiro resendiano, além de apresentar gêneros e
poemas de “alto grado de perfección”, pode revelar um sistema poemático, uma “arte
poética”, enfim, que reúne a forma, de modo inovador e elegante, em todos os sentidos
do termo.
ABSTRACT: Is it possible that there had been a "poetic art" in Portugal, written
between the fourteenth and sixteenth centuries, like the poetry of Juan Alfonso de
Baena, Juan del Encina or the Marquis of Santillana, texts contemporary to Garcia de
Resende’s Cancioneiro Geral? According to Alan Deyermond in Poesía de Cancionero
del siglo XV, “sería imprudente no contemplar la posibilidad de que la pérdida de uno o
más cancioneiros pudiera habernos privado de la obra de una floreciente generación de
poetas galaico-portugueses posterior a Dinis.” The existence of other songbooks is also
revealed in one of Garcia de Resende’s sparse (num. 871). In it, Resende asks Diogo de
Melo, who was leaving for Alcobaça, to bring him “ũ cancioneiro d'ũ abade que
chamam Frei Martinho”, dizendo: “Decorai polo caminho, / té chegardes ò moesteiro, /
qu'ha-de vir o cancioneiro / do abade Frei Martinho.” In these supposed lost songbooks,
there could be some text that elaborates on the art of trovar? In this paper, I propose a
glimpse of a possible implicit poetics in the Cancioneiro Geral, taking into account the
studies of Francisco López Estrada.
1
A característica original desse último grupo é a mescla de várias formas em uma só composição. Tome-
se como exemplo o texto que abre o Cancioneiro Geral, conhecido por “O cuidar e sospirar”. Trata-se de
146 poemas de formas mistas, em que se desenvolve um único tema: 116 trovas, uma sextilha, cinco
quadras, uma quintilha, 22 cantigas e um vilancete. Igual a esse poema, selecionei outros 95, cuja forma é
mista. O editor do Cancionero General de Hernando del Castillo, Joaquín González Cuenca, refere-se a
casos em que dois ou mais textos estão “vinculados”, o que revela a mistura. Para explicar a distribuição e
numeração dos poemas que reeditou, Cuenca comenta que “ocurre a veces que un poema largo incluye
uno o más poemas menores, generalmente canciones o cuarteta, que tienen autonomia propia.”
(CASTILLO: 2004, 135).
2
Encina trata tudo isso em pormenores nos capítulos V ao IX (final).
3
Para as referências ao Cancioneiro português, utilizei a sigla CGGR. A edição do Cancioneiro Geral de
Garcia de Resende utilizada é a mais recente, de 1990-1993, levada a cabo por Aida Fernanda Dias, cf.
Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, Fixação do texto e estudo por Aida Fernanda Dias, Maia,
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1990-1993, Tomos I-IV. A estudiosa escreveu também uma edição
crítica (“A Temática”, 1998) e organizou um Dicionário Comum, Onomástico e Toponímico (Volume
VI), de 2003. Essas publicações são da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Maia. Dessa forma, todas as
referências ao número dos poemas, volumes e páginas em que estes se encontram remetem à edição da
estudiosa.
influyendo desde el ejemplo magistral que representan las obras que han
adquirido prestigio por el alto grado de perfección (eficacia comunicativa)
que muestran; al mismo tiempo esta Poética establece los principios por los
cuales las obras se agrupan en ‘géneros’ reconocidos por determinadas
características comunes (ESTRADA, 1984: 11).
5
Note-se que Garcia de Resende alude a textos perdidos, corroborado por Deyermond.
6
As referências ao Prólogo de Garcia de Resende encontram-se nas páginas 9 a 11 da edição usada para
este estudo.
Ó divina sapiencia,
de todos tam desejada
Todo o Prólogo do CGGR é uma apologia aos “mui e muitos grandes feitos” dos
portugueses. Garcia de Resende usa o verbo que resume os “grandes feitos” –
“navegar”, que será mote para muitas composições. Diz Resende “que nenhũas armadas
do Soldam nem outro nenhum gram rei nem senhor nom ousam navegar com medo das
nossas, perdendo seus tratos, rendas e vidas”. Nos poemas em que navegar é motivo
para poetar, a ação e o verbo adquirem conotação alegórica e quase nunca o resultado é
somente exaltação – é razão também de insegurança e de temor.
Ainda no Prólogo, Garcia de Resende discorre sobre o ato de fazer poesia, à arte
de trovar e faz com certo ressentimento pelo descaso com que os portugueses tratam a
gaia ciência: “muitas cousas de folgar e gentilezas sam perdidas, sem haver delas
noticia, no qual conto entra a arte de trovar” – arte que para ele é a mais “dina” de todas.
Sua Compilação vem, de certa forma, preencher o vazio deixado por tantas “cousas
perdidas”, pois é “polos rimances e trovas [que] sabemos suas estórias [as dos
imperadores, reis e pessoas de memória]”; e ela “nas cortes dos grandes princepes é mui
necessaria na jentileza, amores, justas e momos”, enfocando onde se desenvolve a gaia
ciência e através de que: da poesia cortês, da exaltação do amor, da poesia disputativa e
teatral. Sem dúvida, aqui Resende resume boa parte de seu Cancioneiro, uma vez que a
temática cortês, amatória, disputativa e dramática – ainda que incipiente, mas bem
representada pelos gêneros dialogados – é o cerne de sua Compilação. Quanto a essa
arte “dina”, Resende discorre sobre uma série de poemas que tem por alvo aqueles
cortesãos que, pelos “maos trajos e envenções [que] fazem, per trovas sam castigados e
lhe dam suas emendas, como no livro ao diante se veraa”, ressaltando a poesia que tem
por função desenfadar por meio das “cousas de folgar”, mas também uma poesia
didático-moralista, já que os que infringem a sociabilidade cortesã “sam castigados”.
A palavra “invenção” é recorrente nas artes trovadorescas desde as provençais
até as castelhanas. Se no Prólogo Garcia de Resende a toma no sentido de “novidade”
especificamente ligada à vestimenta, parece- me que sua intenção era maior justamente
porque a ela se refere toda a arte de trovar. A essa palavra, creio, está ligado o termo
Creio, então, que o uso do termo tem muito a ver com o ato de fazer poesias, e
este ato deve ser ousado. Sem dúvida, Garcia de Resende usou “invenção” não apenas
para se referir à vestimenta; seu sentido é mais amplo e vem da tradição, aplicada agora
a um novo modo de poetar cortesão, de fins do Quatrocentos e início do Quinhentos,
cuja expressão máxima é o Cancioneiro Geral. Para se ter uma dimensão da
importância desse termo no CGGR, encontram-se, nos poemas de formas mistas, 63
recorrências à palavra, assim enunciadas: inventurus, envenções, envençam, envenção,
invencion, envencion, inventadores, envencionar, envencionado, enventar, enventou,
inventar, enventados. Dessas ocorrências, apenas cinco não se relacionam com a
vestimenta ou indumentária: duas relacionadas ao amor, uma à crítica política, uma aos
costumes e outra ao preconceito. Vinculados à acepção de “novidade”, aparecem nos
poemas mistos os termos “fantasia” (fantesia, fanteseando), no sentido de imaginação,
criatividade – dezoito ocorrências, sendo apenas cinco relacionadas à
vestimenta/indumentária. Outro termo em íntima ligação com as novidades da
“invenção” é “maravilha” (maravilho, maravilheis, maravilhado), no sentido de algo que
traz admiração; são 15 ocorrências e, entre elas, somente sete relacionadas à vestimenta;
além desses termos, vem a palavra “novidade”, nas seguintes derivações: emnovar,
renovar, novidades, nova, enovada; aparecem sete vezes, sendo quatro ligadas aos
trajes. É interessante notar, nessa numerosa aplicação de termos relacionados ao ato de
“criar”, de “aparecer com algo novo”, de “destacar-se”, que o cortesão sentia
necessidade de se superar – em tudo, nos trajes exuberantes e luxuosos, mas também
como poeta, em um trabalho que deixasse registro de sua dedicação à arte de trovar. O
Prólogo de Garcia de Resende parece exíguo nas alusões à arte da poesia, se se tomar
como paradigmas os proêmios de seus contemporâneos castelhanos, mas não deixa de
Pregunta.
E vós lá galantear
e eu com foce e padam,
vós damejar,
eu enxertos enxertar,
O subgênero ajuda é inovador e único no CGGR, pois não há registro dele, por
exemplo, no Cancionero General de Hernando del Castillo; neste, existe uma seção
especialmente dedicada a Preguntas y respuestas, composta de 56 poemas.7 Não se trata
a ajuda de pergunta nem de resposta, mas o poeta, ou poetas, é instigado a ajudar o
proponente e, quase sempre, é este quem a pede. Le Gentil comenta que
les ajudas rappelent, aussi bien par leur forme que par leur contenu, les
esparsas, les unes et les autres remontant, semble-t-il, aux coblas esparsas
des Provençaux. Il est curieux de voir ainsi renaître et se développer, en plein
XVe. siècle, un genre qui paraissait oublié... (LE GENTIL, 1949: 221).
7
Para os dados comparativos como um todo, usei somente a edição de 1511 do Cancionero General. Isto
me parece razoável, pois, uma vez que Resende inspirou-se no Cancionero de Castillo, é mais provável
que o tenha feito tomando como paradigma aquela edição; a de 1514, anterior à do cancioneiro português
em apenas dois anos, estaria demasiado próxima à edição do CGGR, daí que parece impossível que o
compilador português tenha se baseado nas duas edições.
8
As didascálias prevalecem em qualquer das artes poéticas da Idade Média. Esse procedimento assimila-
se às razós que antecediam as composições de alguns trovadores provençais, apesar de que, nesse caso,
havia uma intenção não só de explicar a motivação dos poemas de determinado trovador, mas também
apresentar, em prosa, seus dados biográficos.
Ses formes préférées seront encore des formes médiévales, venues il est vraie
d’Italie. Mais ici encore, un acte de foi artistique transfigurera la preciosité
traditionelle en quelque chose qu’on pourra véritablement appeler, par
opposition à la simple virtuosité technique, le culte de la forme (LE GENTIL,
1952 : 476).
Creio que é através da forma que os poetas do CGGR querem registrar a história
da poesia do Quatrocentos e do Quinhentos, uma poesia marcada pela irregularidade
que, longe de ser defeito, é qualidade e distinção de um novo mundo, descoberto não
somente pelos “grandes feitos”, mas pela arte de arrumar as palavras e delas se servir
para a expressão de novidades, ainda que calcadas na longa tradição.
9
Deixo de citar outras recorrências que Paul Zumthor especifica quanto aos Grands Rhétoriqueurs e que
são patentes no CGGR. Estes casos podem ser verificados em minha tese de doutorado, disponível em:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8150/tde-15092011-130549/.
BAENA, Juan Alfonso de. Prologus baenensis. In: LÓPEZ ESTRADA, Francisco (ed.).
Las poéticas castellanas de la edad media. Madrid: Taurus, 1984, pp. 29-38.
CANCIONEIRO GERAL de Garcia de Resende. Fixação do texto e estudo por DIAS,
Aida Fernanda. Maia: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1990, ts. I-IV.
CASTILLO, Hernando del. Cancionero General. Ed. CUENCA, Joaquín González.
Madrid: Ed. Castalia, 2004, ts I-V.
DEYERMOND, Alan. Baena, Santillana, Resende y el siglo silencioso de la poesía
cortesana portuguesa. In __________. Poesía de cancionero del siglo XV. [Valência,
ES]: PUV Publicacions Universitat de València, 2007, pp. 135-156.
DIAS, Aida Fernanda. Cancioneiro Geral de Garcia de Resende – A Temática. Maia:
Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1998, Vol. V.
__________. Cancioneiro Geral de Garcia de Resende – Dicionário (Comum,
Onomástico e Toponímico). Maia: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2003, Vol. VI.
ENCINA, Juan del. Arte de poesía. In: LÓPEZ ESTRADA, Francisco (ed.). Las poéticas
castellanas de la edad media. Madrid: Taurus, 1984, pp. 77-93.
LE GENTIL, Pierre. La poésie lyrique espagnole et portugaise à la fin du Moyen
âge: les thèmes, les genres et les formes. 2 vols. Rennes : Plihon, 1949-1952.
LÓPEZ ESTADA, Francisco. Las poéticas castellanas de la edad media. Ed. LÓPEZ
ESTRADA, Francisco. Madrid: Taurus, 1984.
MOGELLI, Lênia Márcia (org.). Fremosos cantares. Antologia da lírica medieval
galego-portuguesa. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
OLIVEIRA, Terezinha (org.). Luzes sobre a Idade Média. Maringá: Eduem, 2002.
RUGGIERI, Jole. Il canzoniere di Resende. Genève: Leo S. Olschki, S.A., 1931.
SANTILLANA, Marqués de. (Íñigo López de Mendonza). Comiença el prohemio e
carta quel Marqués de Santillana envio al Condestable de Portugal con las obras suyas.
In: CORTINA, Augusto (ed.). Obras. Madrid: Espasa-Calpe, 1956, pp. 29-41.
SANTILLANA, Marqués de. (Íñigo López de Mendonza). Proemio e carta. In: LÓPEZ
ESTRADA, Francisco (ed.). Las poéticas castellanas de la edad media. Madrid: Taurus,
1984, pp. 51-63.
ZUMTHOR, Paul. Le carrefour des rhétoriqueurs. Intertextualité et Rhétorique.
Poétique, n. 27 (1976), Paris, pp 317-337.
RESUMO: Seria possível que tivesse existido uma “arte poética” em Portugal, escrita
entre os séculos XIV e XVI, a exemplo das poéticas de Juan Alfonso de Baena, Juan del
Encina ou do Marquês de Santillana, contemporâneos do compilador do Cancioneiro
Geral, Garcia de Resende? Segundo afirma Alan Deyermond em Poesía de Cancionero
del siglo XV, “sería imprudente no contemplar la posibilidad de que la pérdida de uno o
más cancioneiros pudiera habernos privado de la obra de una floreciente generación de
poetas galaico-portugueses posterior a Dinis.” Adverte também sobre algumas alusões a
tais cancioneiros, valendo-se de estudos e do registro feito por Dom Pedro, o
Condestável, em seu Proêmio ao Marquês de Santillana, em 1449, no qual descreve um
cancioneiro que havia visto quando jovem. A existência de outros cancioneiros é
revelada inclusive em uma das esparsas do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende
(núm. 871). Nela, Resende pede a Diogo de Melo, que partia para Alcobaça, que lhe
trouxesse “ũ cancioneiro d'ũ abade que chamam Frei Martinho”, dizendo: “Decorai polo
caminho, / té chegardes ò moesteiro, / qu'ha-de vir o cancioneiro / do abade Frei
Martinho.”
Nestes supostos cancioneiros perdidos, poderia existir algum texto em que se
discorresse sobre a arte de trovar? Nesta comunicação, proponho entrever uma possível
arte poética implícita no Cancioneiro Geral, tendo em conta os estudos de Francisco
López Estrada. Parece-me que o cancioneiro resendiano, além de apresentar gêneros e
poemas de “alto grado de perfección”, pode revelar um sistema poemático, uma “arte
poética”, enfim, que reúne a forma, de modo inovador e elegante, em todos os sentidos
do termo.
ABSTRACT: Is it possible that there had been a "poetic art" in Portugal, written
between the fourteenth and sixteenth centuries, like the poetry of Juan Alfonso de
Baena, Juan del Encina or the Marquis of Santillana, texts contemporary to Garcia de
Resende’s Cancioneiro Geral? According to Alan Deyermond in Poesía de Cancionero
del siglo XV, “sería imprudente no contemplar la posibilidad de que la pérdida de uno o
más cancioneiros pudiera habernos privado de la obra de una floreciente generación de
poetas galaico-portugueses posterior a Dinis.” The existence of other songbooks is also
revealed in one of Garcia de Resende’s sparse (num. 871). In it, Resende asks Diogo de
Melo, who was leaving for Alcobaça, to bring him “ũ cancioneiro d'ũ abade que
chamam Frei Martinho”, dizendo: “Decorai polo caminho, / té chegardes ò moesteiro, /
qu'ha-de vir o cancioneiro / do abade Frei Martinho.” In these supposed lost songbooks,
there could be some text that elaborates on the art of trovar? In this paper, I propose a
glimpse of a possible implicit poetics in the Cancioneiro Geral, taking into account the
studies of Francisco López Estrada.
1
A característica original desse último grupo é a mescla de várias formas em uma só composição. Tome-
se como exemplo o texto que abre o Cancioneiro Geral, conhecido por “O cuidar e sospirar”. Trata-se de
146 poemas de formas mistas, em que se desenvolve um único tema: 116 trovas, uma sextilha, cinco
quadras, uma quintilha, 22 cantigas e um vilancete. Igual a esse poema, selecionei outros 95, cuja forma é
mista. O editor do Cancionero General de Hernando del Castillo, Joaquín González Cuenca, refere-se a
casos em que dois ou mais textos estão “vinculados”, o que revela a mistura. Para explicar a distribuição e
numeração dos poemas que reeditou, Cuenca comenta que “ocurre a veces que un poema largo incluye
uno o más poemas menores, generalmente canciones o cuarteta, que tienen autonomia propia.”
(CASTILLO: 2004, 135).
2
Encina trata tudo isso em pormenores nos capítulos V ao IX (final).
3
Para as referências ao Cancioneiro português, utilizei a sigla CGGR. A edição do Cancioneiro Geral de
Garcia de Resende utilizada é a mais recente, de 1990-1993, levada a cabo por Aida Fernanda Dias, cf.
Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, Fixação do texto e estudo por Aida Fernanda Dias, Maia,
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1990-1993, Tomos I-IV. A estudiosa escreveu também uma edição
crítica (“A Temática”, 1998) e organizou um Dicionário Comum, Onomástico e Toponímico (Volume
VI), de 2003. Essas publicações são da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Maia. Dessa forma, todas as
referências ao número dos poemas, volumes e páginas em que estes se encontram remetem à edição da
estudiosa.
influyendo desde el ejemplo magistral que representan las obras que han
adquirido prestigio por el alto grado de perfección (eficacia comunicativa)
que muestran; al mismo tiempo esta Poética establece los principios por los
cuales las obras se agrupan en ‘géneros’ reconocidos por determinadas
características comunes (ESTRADA, 1984: 11).
5
Note-se que Garcia de Resende alude a textos perdidos, corroborado por Deyermond.
6
As referências ao Prólogo de Garcia de Resende encontram-se nas páginas 9 a 11 da edição usada para
este estudo.
Ó divina sapiencia,
de todos tam desejada
Todo o Prólogo do CGGR é uma apologia aos “mui e muitos grandes feitos” dos
portugueses. Garcia de Resende usa o verbo que resume os “grandes feitos” –
“navegar”, que será mote para muitas composições. Diz Resende “que nenhũas armadas
do Soldam nem outro nenhum gram rei nem senhor nom ousam navegar com medo das
nossas, perdendo seus tratos, rendas e vidas”. Nos poemas em que navegar é motivo
para poetar, a ação e o verbo adquirem conotação alegórica e quase nunca o resultado é
somente exaltação – é razão também de insegurança e de temor.
Ainda no Prólogo, Garcia de Resende discorre sobre o ato de fazer poesia, à arte
de trovar e faz com certo ressentimento pelo descaso com que os portugueses tratam a
gaia ciência: “muitas cousas de folgar e gentilezas sam perdidas, sem haver delas
noticia, no qual conto entra a arte de trovar” – arte que para ele é a mais “dina” de todas.
Sua Compilação vem, de certa forma, preencher o vazio deixado por tantas “cousas
perdidas”, pois é “polos rimances e trovas [que] sabemos suas estórias [as dos
imperadores, reis e pessoas de memória]”; e ela “nas cortes dos grandes princepes é mui
necessaria na jentileza, amores, justas e momos”, enfocando onde se desenvolve a gaia
ciência e através de que: da poesia cortês, da exaltação do amor, da poesia disputativa e
teatral. Sem dúvida, aqui Resende resume boa parte de seu Cancioneiro, uma vez que a
temática cortês, amatória, disputativa e dramática – ainda que incipiente, mas bem
representada pelos gêneros dialogados – é o cerne de sua Compilação. Quanto a essa
arte “dina”, Resende discorre sobre uma série de poemas que tem por alvo aqueles
cortesãos que, pelos “maos trajos e envenções [que] fazem, per trovas sam castigados e
lhe dam suas emendas, como no livro ao diante se veraa”, ressaltando a poesia que tem
por função desenfadar por meio das “cousas de folgar”, mas também uma poesia
didático-moralista, já que os que infringem a sociabilidade cortesã “sam castigados”.
A palavra “invenção” é recorrente nas artes trovadorescas desde as provençais
até as castelhanas. Se no Prólogo Garcia de Resende a toma no sentido de “novidade”
especificamente ligada à vestimenta, parece- me que sua intenção era maior justamente
porque a ela se refere toda a arte de trovar. A essa palavra, creio, está ligado o termo
Creio, então, que o uso do termo tem muito a ver com o ato de fazer poesias, e
este ato deve ser ousado. Sem dúvida, Garcia de Resende usou “invenção” não apenas
para se referir à vestimenta; seu sentido é mais amplo e vem da tradição, aplicada agora
a um novo modo de poetar cortesão, de fins do Quatrocentos e início do Quinhentos,
cuja expressão máxima é o Cancioneiro Geral. Para se ter uma dimensão da
importância desse termo no CGGR, encontram-se, nos poemas de formas mistas, 63
recorrências à palavra, assim enunciadas: inventurus, envenções, envençam, envenção,
invencion, envencion, inventadores, envencionar, envencionado, enventar, enventou,
inventar, enventados. Dessas ocorrências, apenas cinco não se relacionam com a
vestimenta ou indumentária: duas relacionadas ao amor, uma à crítica política, uma aos
costumes e outra ao preconceito. Vinculados à acepção de “novidade”, aparecem nos
poemas mistos os termos “fantasia” (fantesia, fanteseando), no sentido de imaginação,
criatividade – dezoito ocorrências, sendo apenas cinco relacionadas à
vestimenta/indumentária. Outro termo em íntima ligação com as novidades da
“invenção” é “maravilha” (maravilho, maravilheis, maravilhado), no sentido de algo que
traz admiração; são 15 ocorrências e, entre elas, somente sete relacionadas à vestimenta;
além desses termos, vem a palavra “novidade”, nas seguintes derivações: emnovar,
renovar, novidades, nova, enovada; aparecem sete vezes, sendo quatro ligadas aos
trajes. É interessante notar, nessa numerosa aplicação de termos relacionados ao ato de
“criar”, de “aparecer com algo novo”, de “destacar-se”, que o cortesão sentia
necessidade de se superar – em tudo, nos trajes exuberantes e luxuosos, mas também
como poeta, em um trabalho que deixasse registro de sua dedicação à arte de trovar. O
Prólogo de Garcia de Resende parece exíguo nas alusões à arte da poesia, se se tomar
como paradigmas os proêmios de seus contemporâneos castelhanos, mas não deixa de
Pregunta.
E vós lá galantear
e eu com foce e padam,
vós damejar,
eu enxertos enxertar,
O subgênero ajuda é inovador e único no CGGR, pois não há registro dele, por
exemplo, no Cancionero General de Hernando del Castillo; neste, existe uma seção
especialmente dedicada a Preguntas y respuestas, composta de 56 poemas.7 Não se trata
a ajuda de pergunta nem de resposta, mas o poeta, ou poetas, é instigado a ajudar o
proponente e, quase sempre, é este quem a pede. Le Gentil comenta que
les ajudas rappelent, aussi bien par leur forme que par leur contenu, les
esparsas, les unes et les autres remontant, semble-t-il, aux coblas esparsas
des Provençaux. Il est curieux de voir ainsi renaître et se développer, en plein
XVe. siècle, un genre qui paraissait oublié... (LE GENTIL, 1949: 221).
7
Para os dados comparativos como um todo, usei somente a edição de 1511 do Cancionero General. Isto
me parece razoável, pois, uma vez que Resende inspirou-se no Cancionero de Castillo, é mais provável
que o tenha feito tomando como paradigma aquela edição; a de 1514, anterior à do cancioneiro português
em apenas dois anos, estaria demasiado próxima à edição do CGGR, daí que parece impossível que o
compilador português tenha se baseado nas duas edições.
8
As didascálias prevalecem em qualquer das artes poéticas da Idade Média. Esse procedimento assimila-
se às razós que antecediam as composições de alguns trovadores provençais, apesar de que, nesse caso,
havia uma intenção não só de explicar a motivação dos poemas de determinado trovador, mas também
apresentar, em prosa, seus dados biográficos.
Ses formes préférées seront encore des formes médiévales, venues il est vraie
d’Italie. Mais ici encore, un acte de foi artistique transfigurera la preciosité
traditionelle en quelque chose qu’on pourra véritablement appeler, par
opposition à la simple virtuosité technique, le culte de la forme (LE GENTIL,
1952 : 476).
Creio que é através da forma que os poetas do CGGR querem registrar a história
da poesia do Quatrocentos e do Quinhentos, uma poesia marcada pela irregularidade
que, longe de ser defeito, é qualidade e distinção de um novo mundo, descoberto não
somente pelos “grandes feitos”, mas pela arte de arrumar as palavras e delas se servir
para a expressão de novidades, ainda que calcadas na longa tradição.
9
Deixo de citar outras recorrências que Paul Zumthor especifica quanto aos Grands Rhétoriqueurs e que
são patentes no CGGR. Estes casos podem ser verificados em minha tese de doutorado, disponível em:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8150/tde-15092011-130549/.
BAENA, Juan Alfonso de. Prologus baenensis. In: LÓPEZ ESTRADA, Francisco (ed.).
Las poéticas castellanas de la edad media. Madrid: Taurus, 1984, pp. 29-38.
CANCIONEIRO GERAL de Garcia de Resende. Fixação do texto e estudo por DIAS,
Aida Fernanda. Maia: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1990, ts. I-IV.
CASTILLO, Hernando del. Cancionero General. Ed. CUENCA, Joaquín González.
Madrid: Ed. Castalia, 2004, ts I-V.
DEYERMOND, Alan. Baena, Santillana, Resende y el siglo silencioso de la poesía
cortesana portuguesa. In __________. Poesía de cancionero del siglo XV. [Valência,
ES]: PUV Publicacions Universitat de València, 2007, pp. 135-156.
DIAS, Aida Fernanda. Cancioneiro Geral de Garcia de Resende – A Temática. Maia:
Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1998, Vol. V.
__________. Cancioneiro Geral de Garcia de Resende – Dicionário (Comum,
Onomástico e Toponímico). Maia: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2003, Vol. VI.
ENCINA, Juan del. Arte de poesía. In: LÓPEZ ESTRADA, Francisco (ed.). Las poéticas
castellanas de la edad media. Madrid: Taurus, 1984, pp. 77-93.
LE GENTIL, Pierre. La poésie lyrique espagnole et portugaise à la fin du Moyen
âge: les thèmes, les genres et les formes. 2 vols. Rennes : Plihon, 1949-1952.
LÓPEZ ESTADA, Francisco. Las poéticas castellanas de la edad media. Ed. LÓPEZ
ESTRADA, Francisco. Madrid: Taurus, 1984.
MOGELLI, Lênia Márcia (org.). Fremosos cantares. Antologia da lírica medieval
galego-portuguesa. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
OLIVEIRA, Terezinha (org.). Luzes sobre a Idade Média. Maringá: Eduem, 2002.
RUGGIERI, Jole. Il canzoniere di Resende. Genève: Leo S. Olschki, S.A., 1931.
SANTILLANA, Marqués de. (Íñigo López de Mendonza). Comiença el prohemio e
carta quel Marqués de Santillana envio al Condestable de Portugal con las obras suyas.
In: CORTINA, Augusto (ed.). Obras. Madrid: Espasa-Calpe, 1956, pp. 29-41.
SANTILLANA, Marqués de. (Íñigo López de Mendonza). Proemio e carta. In: LÓPEZ
ESTRADA, Francisco (ed.). Las poéticas castellanas de la edad media. Madrid: Taurus,
1984, pp. 51-63.
ZUMTHOR, Paul. Le carrefour des rhétoriqueurs. Intertextualité et Rhétorique.
Poétique, n. 27 (1976), Paris, pp 317-337.
1 Para Silviano Santiago (2014), Antônio Cândido foi quem conseguiu melhor definir a ideia de
“formação” como “o trabalho indispensável dos cidadãos privilegiados e letrados para que o adjetivo
‘nacional’ aposto à literatura ─ ou à nação e sua história, economia, etc. ─possa se afirmar como
autêntico e se manter estável e rentável no conjunto das nações modernas do Ocidente”.
2 Mantemos no texto a acentuação original e correspondente ao período em que ostrabalhos foram
escritos.
4 Objetivamente falando, a nossa investigação mostrou que, em um conjunto de 12 livros, apenas dois
apresentam (breve) conteúdo sobre o medievo ibérico, sendo ambos de um mesmo autor, Flávio Campos
(também em coautoria), não por acaso especializado no tema.Os dois são utilizados em escolas públicas:
Ritmos da História.7º ano. São Paulo: Escala Educacional, 2009; e Jogo da História nos dias de hoje.
(ensino fundamental). São Pau7lo: Leya, 2012.
5 CARDINI, (2005:59), apoiado em Jean ZIGLER, aponta para as elites similares dispersas pelo mundo,
ainda que concentradasnos seguintes países e continentes: EEUU,Canadá, Europa, Japãoe Austrália.
6 Cardini afirma que a sociedade ocidental é tributária das contribuições islâmicas no medievo europeu: o
renascimento do comércio e da civilização urbana, o nascimento do sistema monetário e do crédito
moderno, as traduções de árabes, judeus e cristãos incansáveis, que trabalhavam de comum acordo,
notadamente em Espanha, promovendo o nascimento de um centro científico e cultural sobre teologia,
filosofia, astronomia, física, química, medicina, matemática e tecnologia moderna. Sem o Islã, que
reciclou a cultura helenística e divulgou a persa, a indiana e a chinesa, então desconhecidasna Europa, não
haveria as belas catedrais e universidades europeias. Por isso ele confessa sua eterna gratidão ao
islamismo moderno de Avicena, Averróis, IbnKhaldun, sem os quais não haveriaAbelardo, Tomás de
Aquino, Dante, Maquiavelou Galileu, ressalvando que, naturalmente, o Islã hoje não é mais o que era
naquela época.
7 Conforme Ferreira (2004), trata-se de palavra da língua portuguesa utilizada como interjeição para
expressar o desejo que algo aconteça, tendo como sinônimo "tomara" ou "queira Deus" e,como origem, a
expressão árabe in shaaAllaah, cujo significado é “se Deus quiser”. Em espanhol, seu desenvolvimento
deu origem à palavra ojalá, exatamente com o mesmo significado.
Considerações finais
Diante do exposto, e a título de conclusão, gostaríamos de propor uma reflexão
sobre duas questões de longa duração histórica, no âmbito, quer das relações
4. REFERÊNCIAS
AGOSTI, Aldo. Reflexões sobre 11 de setembro, Revista História, São Paulo, n.21,
p.285-294, 2002.
ANDRADE, Oswald. Pau-brasil. Paris: Sans Pareil, 1925.
ANDRADE, Mario. Macunaíma. O herói sem nenhum caráter. Belo Horizonte: Editora
Villa Rica, 1997.
Atas da VII Semana de Estudos Medievais ─ Por uma longa duração: os estudos
medievais no Brasil. Brasília: PEM (UNB)/Casa das Musas, 2010.
BARBOZA FILHO, Rubem. Tradição e artifício. Iberismo e barroco na formação
americana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.
BASCHET, Jérôme. A civilização feudal. Do ano mil à colonização da América. São
Paulo: Globo, 2006.
BURKE, Peter (Org.). A Escrita da História. Novas perspectivas. Trad. Magda Lopes.
São Paulo: UNESP, 1992.
BIN LADEN ameaça EUA com novos ataques. O Estado de São Paulo, São Paulo, p.
4, 08 out. 2001. Internacional/Especial.
CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. São
Paulo: Martins, 1959. 2 v.
1 Para Silviano Santiago (2014), Antônio Cândido foi quem conseguiu melhor definir a ideia de
“formação” como “o trabalho indispensável dos cidadãos privilegiados e letrados para que o adjetivo
‘nacional’ aposto à literatura ─ ou à nação e sua história, economia, etc. ─possa se afirmar como
autêntico e se manter estável e rentável no conjunto das nações modernas do Ocidente”.
2 Mantemos no texto a acentuação original e correspondente ao período em que ostrabalhos foram
escritos.
4 Objetivamente falando, a nossa investigação mostrou que, em um conjunto de 12 livros, apenas dois
apresentam (breve) conteúdo sobre o medievo ibérico, sendo ambos de um mesmo autor, Flávio Campos
(também em coautoria), não por acaso especializado no tema.Os dois são utilizados em escolas públicas:
Ritmos da História.7º ano. São Paulo: Escala Educacional, 2009; e Jogo da História nos dias de hoje.
(ensino fundamental). São Pau7lo: Leya, 2012.
5 CARDINI, (2005:59), apoiado em Jean ZIGLER, aponta para as elites similares dispersas pelo mundo,
ainda que concentradasnos seguintes países e continentes: EEUU,Canadá, Europa, Japãoe Austrália.
6 Cardini afirma que a sociedade ocidental é tributária das contribuições islâmicas no medievo europeu: o
renascimento do comércio e da civilização urbana, o nascimento do sistema monetário e do crédito
moderno, as traduções de árabes, judeus e cristãos incansáveis, que trabalhavam de comum acordo,
notadamente em Espanha, promovendo o nascimento de um centro científico e cultural sobre teologia,
filosofia, astronomia, física, química, medicina, matemática e tecnologia moderna. Sem o Islã, que
reciclou a cultura helenística e divulgou a persa, a indiana e a chinesa, então desconhecidasna Europa, não
haveria as belas catedrais e universidades europeias. Por isso ele confessa sua eterna gratidão ao
islamismo moderno de Avicena, Averróis, IbnKhaldun, sem os quais não haveriaAbelardo, Tomás de
Aquino, Dante, Maquiavelou Galileu, ressalvando que, naturalmente, o Islã hoje não é mais o que era
naquela época.
7 Conforme Ferreira (2004), trata-se de palavra da língua portuguesa utilizada como interjeição para
expressar o desejo que algo aconteça, tendo como sinônimo "tomara" ou "queira Deus" e,como origem, a
expressão árabe in shaaAllaah, cujo significado é “se Deus quiser”. Em espanhol, seu desenvolvimento
deu origem à palavra ojalá, exatamente com o mesmo significado.
Considerações finais
Diante do exposto, e a título de conclusão, gostaríamos de propor uma reflexão
sobre duas questões de longa duração histórica, no âmbito, quer das relações
4. REFERÊNCIAS
AGOSTI, Aldo. Reflexões sobre 11 de setembro, Revista História, São Paulo, n.21,
p.285-294, 2002.
ANDRADE, Oswald. Pau-brasil. Paris: Sans Pareil, 1925.
ANDRADE, Mario. Macunaíma. O herói sem nenhum caráter. Belo Horizonte: Editora
Villa Rica, 1997.
Atas da VII Semana de Estudos Medievais ─ Por uma longa duração: os estudos
medievais no Brasil. Brasília: PEM (UNB)/Casa das Musas, 2010.
BARBOZA FILHO, Rubem. Tradição e artifício. Iberismo e barroco na formação
americana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.
BASCHET, Jérôme. A civilização feudal. Do ano mil à colonização da América. São
Paulo: Globo, 2006.
BURKE, Peter (Org.). A Escrita da História. Novas perspectivas. Trad. Magda Lopes.
São Paulo: UNESP, 1992.
BIN LADEN ameaça EUA com novos ataques. O Estado de São Paulo, São Paulo, p.
4, 08 out. 2001. Internacional/Especial.
CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. São
Paulo: Martins, 1959. 2 v.
RESUMO: Este texto tem como objetivo analisar o Mosteiro da Batalha no Testamento
do rei D. João I (1426). Partimos da premissa de que este mosteiro enquanto panteão
régio da casa de Avis teve um papel fundamental enquanto aparato de poder na
construção simbólica da dinastia no século XV. A escolha do mosteiro enquanto
panteão fúnebre de D. João I e seus sucessores têm dois eventos como marcos
principais: a trasladação do corpo da rainha D. Filipa de Lencastre em 1416 para o
panteão, visto como o marco inicial, e dez anos depois a oficialização do mosteiro no
testamento do rei. Portanto, o conteúdo deste Testamento permite-nos problematizar
sobre as construções simbólicas desta dinastia, cujo panteão régio, para muitos
historiadores, é o maior símbolo político, de poder e de memória física da Casa de Avis
e do reino português no século XV.
ABSTRACT: This text proposes to analyze the Monastery of Batalha in king John I’s
Testament (1426). We assume that this monastery as a royal pantheon of the House of
Avis had a key role as an apparatus of power in the symbolic construction of the
dynasty in the fifteenth century. The choice of the monastery as funeral pantheon of
King John I and his successors have two events as the main landmarks: the queen’s
body repatriation in 1416 to the Pantheon, seen as the starting point, and ten years later
the monastery official in the king's Testament. Therefore, the content of this Testament
allows us to question about the symbolic constructions of this dynasty, whose royal
pantheon, for many historians, is the largest political symbol of power and physical
memory of the House of Avis and the Portuguese kingdom in the fifteenth century.
Estando hi o muito alto, ilustriximo dom Joham pela graça de Deus Rei de
Portugal e do Algarve e Senhor de Çepta e com el os muitos altos e nobres
senhores Ifantes seus filhos e os nobres condes e cavaleiros e ricos homees e
fidalgos dos seus senhorios e outrossi muitos muitos honrrados e discretos
bispos e abades e priores de sua terra e muito clerigos e religiooes dos seus
Regnos que por seu mandado foram chamados pera traladarem aa mujto alta
e nobre ilustrixima sua molher dona Philipa Rainha dos dictos Regnos em
cuja gloria Deus acreçente, do Moesteiro d Odivelas onde primeiramente foy
sopultada ao dicto Moesteiro de Sancta Maria da Batalha. (LOURENÇO,
1985 in GOMES, 2002: 93).
O ato de se realizar missas para propagar a memória dos reis falecidos também
era comum no mosteiro. Como visto, D. João havia deixado registrado seu desejo de
que se realizassem missas cultuando seu reinado após sua morte. Esta solenização da
morte dos reis representava uma afirmação pública do poder monárquico e de
propaganda política. (MATTOSO, 2001: 145). No ano de 1438, cinco anos após a morte
do Mestre de Avis, e último ano de reinado de seu filho e sucessor, D. Duarte, nota-se
no registro do frade dominicano Mestre Gonçalo, a necessidade de se realizar as missas
cultuando o aniversário da morte do casal real (D. João I e D. Filipa). Este deixou
registrado que:
Asy he que de domingo que foy aos nove dias andados do mes de Novembro
Era de myl quatrocentos e xxxbiii anos sse ffez huum ssolene anyversaryo
por os senhores do muy notavel e grande memorreael Rey dom Joham e a
Raynha dona Fylipa coja as almas Deus aja em o qual dia eu Mestre Gonçalo
prior e provynçyall da ordem de Ssam Domingos disse a mysa do dicto
anyversario. (LOURENÇO, 1985 in GOMES, 2002: 226).
O rei, ao definir que “nom lamçe nehuum de qualquer estado e comdiçam que
seja na capella primçipall e mayor do dito Moesteiro”, definiu o espaço de sacralidade
régia que se tornaria a principal Capela do Mosteiro da Batalha. Nesta, apenas os reis e
seus descendentes poderiam dotar de jazigos e assim, constituindo-se de monumentos
fúnebres para o culto à memória do seu fundador e a dinastia de Avis. Os sucessores de
D. João I, D. Duarte e posteriormente D. Afonso V, além de outros infantes, também
manifestaram em seus testamentos o desejo de serem sepultados no Mosteiro da
Batalha, e nestes reforçam a sacralidade do fundador da dinastia. Assim, posterior à
oficialização do mosteiro como panteão régio no testamento do Mestre de Avis, para
Saul A. Gomes:
REFERÊNCIAS
LIVROS E ARTIGOS
ALBUQUERQUE JR., Durval. História: a arte de inventar o passado. Bauru.
SãoPaulo: EDUSC, 2007.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Trad. Fernando Tomaz. (português de
Portugal) – 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
BLOCH, Marc. Os Reis Taumaturgos - O caráter sobrenatural do poder régio: França
e Inglaterra, SP: Companhia das Letras, 1993.
COELHO, Maria Helena da Cruz. D. João I. In: MENDONÇA, Manuela. (Org)
História dos Reis de Portugal – Da Fundação à perda da independência. Lisboa:
Academia Portuguesa de História. 2010, p. 440- 490.
______. Memória e propaganda legitimadora do fundador da monarquia de Avis. In:
NOGUEIRA, Carlos. (Org.). O Portugal Medieval: Monarquia e Sociedade. São
Paulo, Alameda. 2010, p. 61-79.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
FERNANDES, Fátima Regina. A Monarquia Portuguesa e o Cisma do Ocidente (1378-
85). In: Marcella L. Guimarães e Frighetto. (Coord). Instituições, Poderes e Juridições
na Baixa Idade Média Portuguesa. Curitiba: Juruá, 2007.
GOMES, Saul Antônio. O Mosteiro de Santa Maria da Vitória no Século XV.
Subsídios para a História da arte portuguesa. Coimbra. Faculdade de Letras. 1990.
1 E-mail: myle.mestrado@gmail.com
2 Docente de Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa no Instituto Federal Baiano, campus
Valença. Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Literatura e Cultura da Universidade Federal da
Bahia, com o projeto de tese intitulado “A relação cortesania-rusticidade na cena ibérica: Gil Vicente,
Juan del Encina e Lucas Fernández” sob orientação do professor Márcio Ricardo Coelho Muniz.
2.
Juan del Encina já inaugura sua dramaturgia com dois pastores em cena, no
Natal de 1492, em uma sala principal do palácio dos duques de Alba, Dom Fadrique
Alvarez Toledo e sua esposa. O diálogo da Égloga representada en la noche de la
Natividad gira em torno de Juan y Mateo na sala onde estavam os duques. A conversa
entre os pastores nada tem a ver com a cena do presépio, mas sim com a vida do próprio
autor/dramaturgo. A expressão que se encontra no texto inicial da peça – “se introduzen
dos pastores [...] en la sala adonde el Duque y Duquesa estavan [..]” – sugere um jogo
de ilusão muito próprio da linguagem do teatro. O jogo da vida dentro da convenção
teatral converte-se em possível cena real composta de pastores castelhanos que chegam
De certa maneira, a écloga está a serviço do poeta para demonstrar seu valor
pessoal quando afirma que «no avrá cosa mal trobada», bem como busca valorizar sua
obra frente aos seus mecenas. A personagem-autor traça o próprio percurso literário de
Juan del Encina, na medida em que o «autor» (se) conta e “se dá em espetáculo” as
habilidades de poeta/dramaturgo. E, interpreta ainda, o estilo pastoril como uma opção
estética, não importa se for de «pastores» ou «trobas mayores» o poeta afirma que «de
todo sé».
3 Esta visão critica já foi sinalizada por José María Díez Borque em seu texto “La obra de Juan del
Encina: Una poética de la modernidad de lo rústico pastoril” (1987). Para o crítico espanhol, as
explicações que precedem às peças dramática de Juan del Encina podem ser um testemunho de
dignificação do estilo rústico pela vida.
3.
Duas décadas depois, em território português, a chegada de um vaqueiro na
câmara da rainha parece repetir esse jogo de ilusão entre a vida e a convenção teatral.
Estamos a falar, como informa a didascália da peça, da primeira “cousa que o autor [Gil
Vicente] fez e que em Portugal se representou”, o Auto da Visitação, de 1502. A ocasião
é o nascimento do príncipe D. João III, grande motivo de festa na corte real portuguesa,
pois agora estava assegurada a sucessão varonil da dinastia real. Na explicação que
precede à peça consta que estavam no castelo, a assistir a representação, o pai e a mãe
do recém-nascido, Manuel e Maria, e, ainda, a avó e as tias do nascituro, Beatriz, Lianor
e Isabel. O texto afirma que “estando esta companhia assi junta, entrou um vaqueiro”.
Novamente a expressão «entrou um vaqueiro» produz uma ilusão cômica de que um
suposto vaqueiro, com língua e costumes próprios do campo, «entrou» nos paços do
Castelo São Jorge de Lisboa com intuito de homenagear o nascimento do futuro rei de
Portugal.
No texto vicentino, essa «entrada» ainda enfrenta metafórica e simbolicamente
entraves, barreiras. O homem disfarçado de pastor trava uma luta para abrir caminho
entre os guardas reais, diz ter sido enviado da vila e deseja saber se é verdade a notícia
do nascimento. No contexto dramático, a entrada é surpresa e violência: «Pardiez / siete
arrepelones / me pegaron a la entrada / mas yo di una puñada / a uno de lós rascones»
(vv. 1-5). Desse modo, o jogo cênico da peça expressa simbolicamente o processo de
incorporação do estilo rústico à corte portuguesa. Ainda mais quando compartilhamos
4.
Estas circunstâncias de produção e recepção favorecem e nos fazem pensar de
que maneira se deu o processo de reconhecimento do «estilo rústico» enquanto recurso
estético, indo ao encontro da poética culta cortesã. Resulta claro através de uma análise
comparada que Juan del Encina é considerado o iniciador, na cena ibérica, na
valorização da cultura rústica. O crítico espanhol, José María Díez Borque, afirma que
“lo que Enzina se propuso [...] fue otorgar carta de naturaleza literaria, contando con el
gusto cortesano, a un mundo cultural considerado inferior; para «gente baja e de servil
condición» [...]” (DÍEZ BORQUE, 1987:147). Compreende-se então que a pretensão do
dramaturgo espanhol é suprimir os limites estabelecidos entre a poesia culta e a poesia
pastoril. O crítico espanhol acrescenta que
Mas por no engendrar fastidio a los letores desta mi obra, acorde de la trobar
en diversos géneros de metro y en estilo rústico, por consonar con el Poeta,
Com efeito, o amor entre os plebeus não é visto da mesma maneira que o do
amor cortês. Não serão poucos os exemplos que atestarão a diferença entre eles.
Reiteradamente na obra dos nossos autores fica evidente que o domínio da arte de amar
se restringe aos nobres. Na Farsa ou cuasi comedia de Donzella, Pastor y el Cavallero,
4 Sobre este tema analisa o crítico espanhol José Maria Diez Borque (1970) em “Aspectos de la oposición
‘caballero-pastor’ em el primer teatro castellano (Lucas Fernández, Juan del Encina, Gil Vicente)”.
Esta visão não escapa ao dramaturgo português Gil Vicente. O caso de amor
excêntrico, na Tragicomédia de D. Duardos, entre Camilote e Maimonda, sua amada,
possuidora de uma feiura exótica, leva o Imperador a analisar o caso de amor extremo.
A fala do Imperador expressa o grau de convencimento de que o amor é elemento
distintivo do nobre:
Son los milagros de amores
maravillas del Copido.
Oh, gran Dios!
Que a los rústicos pastores
das tu amor encendido
como a nos! (vv. 271-276).
REFERÊNCIAS:
AUERBACH, Erich. Adão e Eva. In: _________________ Mímesis: a representação da
realidade na literatura ocidental. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1976.
BERNARDES, José Augusto Cardoso. Sátira e Lirismo no Teatro de Gil Vicente.
Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2006.
CURTIUS, Ernst Robert. Literatura Europeia e Idade Média Latina. Brasília:
Instituto Nacional do Livro, 1979.
DÍEZ-BORQUE, José María. Aspectos de la Oposición Caballero/Pastor en el
Primer Teatro Castellano (Lucas Fernández, Juan del Encina, Gil Vicente).
Bordeaux :Institut d’ Études Ibériques et Ibero-Américaines de l’Université de
Bordeaux, 1970.
DÍEZ-BORQUE, José María. La obra de Juan del Encina: una poética de la modernidad
de lo rústico pastoril. In.: DÍEZ-BORQUE, José María. Los géneros dramáticos en el
siglo XVI: el teatro hasta Lope de Vega. Madrid: Taurus Ediciones, 1987.
ENCINA, Juan del. Teatro completo. Edición de Miguel Angel Pérez Priego. Madrid:
Cátedra, 1991.
FERNÁNDEZ. Lucas. Teatro Selecto Clásico. Edición, prólogo y notas de Alfredo
Hermenegildo. Madrid: Escelicer, 1972.
MATEUS, Osório. Visitação. Lisboa: Quimera, 1990.
PÉREZ PRIEGO, M. A. Introducción. In: ENCINA, Juan del. Teatro completo.
Edición de Miguel Angel Pérez Priego. Madrid: Cátedra, 1991. p. 11-94.
SALOMÓN, Nöel. Lo villano en el teatro del Siglo de Oro. Madrid: Castália, 1985.
TAÚLER, Álvaro Bustos. Sonriéndome estoy»: Juan del Encina y sus pastores ante la
tradición cómica y dramática. In.: DÍEZ-BORQUE, José María. Hacia el gracioso:
comicidad en el teatro español del siglo XVI. Madrid: Visor Libros, 2014.
ABSTRACT: In the nineteenth century literature was populated by the past with traces
of a bourgeois social recognition. The medieval and Renaissance past were no
exceptions to the scope of the nineteenth century written culture: many characters have
had their historical existence observed as if we could find them behind the curtain, as a
privileged spectator. One of the characters transfigured by bourgeois sensibility was
Lucrezia Borgia, Pope Alexander VI's daughter (1431-1503). Lucrecia Borgia (1874)
was written by the German historian Ferdinand Gregorovius; in the book he operated
the junction of literary elements and historiographical, united by nineteenth-century
aesthetic values. We seek to understand how this capture works in the romance genre
written by a historian.
1 E-mail: jhingridi@gmail.com
BIBLIOGRAFIA
GALLO, Renata Altenfelder Garcia. “A teoria do romance” e “o romance como
epopeia burguesa”: um estudo comparado da concepção de romance em Georg
Lukács. São Paulo, 2002.
GREGOROVIUS, Ferdinand. Lucrecia Borgia. New York: Appleton, 1903.
LUKÁCS, Georg. A teoria do romance. São Paulo: Ed. 34, 2009.
ZUMTHOR, Paul. Falando de Idade Média. São Paulo: Perspectiva, 2009.
1 Projeto de pesquisa: Artes e saberes nas manifestações católicas populares – Chamada Pública
005/2012.
Pirenópolis surge em 1727 na busca pelo ouro às margens do Rio das Almas
(JAYME, 1971). Conforme o referido autor a denominação de Minas de Nossa Senhora
do Rosário de Meia Ponte advém da prerrogativa de homenagear os santos católicos do
dia mais próximo à chegada.
De tal modo a toponímia local foi designada, mas outras ordens deveriam ser
obedecidas para a constituição de uma comunidade: a ereção de uma capela Matriz, cujo
orago deveria render homenagens à padroeira, sendo no mesmo Largo levantada
também uma Casa de Câmara e Cadeia. O Largo deveria ainda ter comunicação com o
manancial aurífero e ser o centro irradiador da povoação em formação.
Considerando estas premissas baseadas na aliança entre Estado (Coroa
Portuguesa) e a Igreja Católica, implantou-se a continuidade de uma política de poder
instituída pela noção de Império Cristão, que segundo Flori “Carlos Magno exalta e
revivifica” (2013: 35).
A partir da exaltação, das vivências e das experiências pirenopolinas com uma
de suas manifestações culturais mais conhecidas na atualidade, as Cavalhadas, é que
propomos investigação sobre esta representação medieval que ocorre no Cerrado: as
Cavalhadas em Pirenópolis, tendo como componente principal de estudo o Museu das
Cavalhadas, o único destinado a esta temática no Brasil — mesmo que as Cavalhadas
sejam representadas em mais de quinze das Unidades Federativas do país.
Pretende-se desenvolver uma breve narrativa sobre as Cavalhadas, basicamente
a partir do acervo de imagens e de objetos expostos no Museu das Cavalhadas que, além
disso, conta a história de vida de Maria Eunice Pereira e Pina, a fundadora do Museu e
mãe de dois ex-cavaleiros que participou cada um, por mais de vinte e cinco anos das
encenações das Cavalhadas em Pirenópolis.
Considerações Finais
Indagar sobre ações ocorridas na Idade Média a partir de reflexões sobre o
presente foi possível por meio de algumas referências bibliográficas sobre o
medievalismo, em especial as que abordam sobre o “Ciclo de Carlos Magno”, quando
se faz possível considerar que “numa sociedade em que a cavalaria desempenhava um
papel ativo, não havia o menor problema para o recrutamento; bastava sensibilizar os
cavaleiros, excitar-lhes o fervor e as ambições para conseguir um exército” (ROUSSET,
1980:15).
Transpondo para a realidade das Cavalhadas em Pirenópolis é verificável que há
situações dicotômicas. No passado a ausência de Cavalhadas era explicada pela falta de
interesse de pessoas em ser cavaleiros, mas com o advento da popularização e da
intensa presença da mídia e dos apoios institucionais, inclusive com verbas destinadas
aos cavaleiros, a situação foi alterada e há filas de espera para se tornar um cavaleiro.
Sobre as adaptações de aspectos culturais medievais no Cerrado, é possível
afirmar que cada vez há menos elementos de ligação, principalmente após a construção
do Cavalhódromo. Sendo o espião mouro em terras cristãs, que é caracterizado como a
onça da Cavalhada, que permite também maior familiaridade e identificação com a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2008, 38f. (Trabalho apresentado na III Jornada de Migração e Emigração em Açores).
________. Museu das Cavalhadas: um museu casa. Pirenópolis: UEG, 2013. 47f.
1 Agradeço ao Prof. Dr. Eugênio Rezende de Carvalho, pois esta reflexão foi possível graças as
discussões calorosas feitas na sua disciplina Tempos da História e dos Historiadores, que cursei no
doutorado.
2 Fizemos uma análise mais abrangente acerca do reinado de D. Sancho II em nossa dissertação de
mestrado, intitulada Rei, Reino e Papado: a destituição de D. Sancho II de Portugal (Séc. XIII), sob
orientação da Profa. Dra. Armênia Maria de Souza, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal de Goiás e defendida em 11 de fevereiro de 2015.
3 Intencionalmente, estamos fazendo uma clara referência às duas categorias meta-históricas de
Koselleck, o campo de experiência e o horizonte de expectativa.
4 A bula de deposição foi inserida no Apêndice da crônica de Fr. António Brandão. Dessa maneira,
quando referirmos ao documento, destacamos o seu número naquela obra, respeitando a forma como
dispôs o autor. Optamos aqui, por fazer o comentário direto do texto da bula. Inserimos o documento
completo nos anexos de nossa dissertação de mestrado, referida em nota anterior.
5 A Vita Karoli Magni (Vida de Carlos Magno), referência na qual os canonistas buscam o caso de
Childerico, elucida que o último rei merovíngio foi deposto, tonsurado e confinado em um mosteiro pelo
Pontífice de Roma, Estevão II. A representação desse governante era a de alguém que apenas ostentava o
título de rei, sem exercer efetivamente o seu poder. A imagem atribuída a esse personagem é associada a
uma espécie de rei sombra ou rei fantasma, pois o poder no reino era exercido de fato por alguns
funcionários do palácio, verdadeiros detentores da autoridade. Na obra, o monarca estava contente com o
nome de rei, sentando-se no trono com seus cabelos longos, figurando a imagem do poder. Segundo
Eginhardo, o rei não era útil e toda a administração do reino era assumida pelo maior domus. Cf.
BARNWELL, P. S. Einhard, Louis the Pious and Childeric III. Historical Research, vol. 78, n. 200,
2005, p. 129.
6 Fazemos essa observação, pois o chanceler não estava entre os confirmantes de um diploma régio,
justamente de abril de 1246 (BERNARDINO, 2003: 360; doc. 86).
REFERÊNCIAS
Fontes
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ANEXO
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Bragança, 07 a 10 de Outubro de 1996, Comissão de Arte Sacra de Bragança-Miranda,
Bragança, 1997, p. 25.
1254 Fevereiro 11, Latrão. Carta do Papa Inocêncio IV, na qual isenta a comunidade
Villa Bracaretia de ter cometido traição para com seu antigo rei.
ABSTRACT: The Portuguese maritime expansion of the fifteenth century was essential
in changing ways of thinking about space and geography, especially the Atlantic Area,
which happens to be seized in a human dimension. This cultural dimension of the ocean
space gives not only the relations that established browsers each other, but mainly by
interactions with the people who inhabited the African Atlantic coast.
The expansionist movement brought notable technical contributions with regard to
shipping practices involving knowledge of the most varied. In this sense, we highlight
innovations in cartographic production, although still find it very linked to the great
"schools" of the Mediterranean cartography, begins to show specifics concerning the
Atlantic reality and navigation of long distance. Therefore, this communication aims to
examine two Portuguese charts of the second half of the fifteenth century, namely, the
Charter of Modena and the Letter of Peter Reinel, in order to understand the impacts of
actual findings on the Atlantic Ocean and West Africa in cartography coeval.
Introdução
Entende-se que a expansão marítima portuguesa do século XV foi essencial para
a alteração das maneiras de conceber a geografia e o espaço, sobretudo o espaço
Atlântico, que passa a ser apreendido em uma dimensão humana, como um espaço
vivido. Essa dimensão cultural do espaço oceânico dá-se não somente pelas relações
Há indícios de que seja uma carta hidrográfica, pois se observa em sua superfície
a existência de picadas de compasso nos troncos de léguas, denotando uma intensa
utilização. Ademais, os elementos de ornamentação são relativamente simples,
indicando o pragmatismo com o qual fora concebida. É uma carta em pergaminho,
apresentando a conformação completa do corpo do animal, inclusive o pescoço que
ocupa o lado norte do mapa, o qual possui 711mm x 948mm de dimensão. Seu sistema
de construção conta com uma rosa dos ventos central e dezesseis periféricas. Ressalta-
se, a partir da análise tipológica da rosa dos ventos, que assim como a Carta de Módena,
a Carta de Pedro Reinel ainda é considerada de transição, muito embora apresente
menos características mediterrânicas do que a de Módena (ibidem: 42)
No que tange às características decorativas da carta, esta possui duas grandes
figuras na África: uma grande leoa com a bandeira portuguesa, para além de Serra Leoa
como que defendendo essas paragens no Golfo da Guiné e da Costa da Mina e a
segunda é uma enorme cruz na foz do rio Zaire que parece marcar os limites das
explorações portuguesas à época. Além disso, a carta tem três escudos nas ilhas
britânicas e vinte e seis bandeiras, das quais quinze estão na África. Outro detalhe
interessante é a assinatura do cartógrafo, Pedro Reinel, que aparece em primeira pessoa.
Conclusão
Os avanços da tecnologia náutica e da cartografia permitiram que os portugueses
findassem o século XV com o completo domínio da navegação da costa ocidental
africana, alcançando o “maravilhoso” Oceano Índico e as riquezas do Oriente e
construindo um novo espaço oceânico e um “mundo-Atlântico”. A proeza lusa não se
deu ao acaso, sendo fomentada por questões de ordem política, econômica, ideológica e,
obviamente, tecnológicas, inseridas em um contexto de transformações do reino
português no final do século XIV e ao longo de todo o Quatrocentos.
Os feitos portugueses no século XV consistiram em ir além das fronteiras
conhecidas e imaginadas, pois como assinala da Luís Adão da Fonseca, “ o Atlântico
antes de ser descoberto foi imaginado” relativizando verdades que antes eram absolutas
e doravante passam a formar um espaço que mescla elementos reais com aqueles
BIBLIOGRAFIA
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VALLEJO, Eduardo Aznar. Viajes y descubrimientos en a Edad Media. Síntesis,
1994.
RESUMO: Ao subir ao trono em 1279, uma das primeiras atitudes tomadas pelo
monarca português D. Dinis (1279-1325) foi resolver os conflitos existentes entre a
coroa, a nobreza e o clero que vinham se arrastando praticamente desde o reinado de D.
Afonso II (1211-1223), e que foram agravados posteriormente no reinado de D. Afonso
III (1245-1279). Somente depois de um prolongado período as negociações tiveram um
fim, resultando na promulgação das concordatas, o alvo principal dessa proposta de
pesquisa. Ao todo foram promulgadas três concordatas, duas no ano de 1289, uma com
40 e outra com 11 artigos, e uma terceira, em 1309, contendo 22 artigos. Por meio
destes documentos podemos perceber a complexa e conflituosa relação entre a coroa, a
nobreza e o clero na sociedade medieval portuguesa. Entendemos que, além da
pacificação, as concordatas também contribuíram, juntamente com outros mecanismos
implantados por D. Dinis, para diminuir a influência e o poder da nobreza e do clero e,
consequentemente, fortalecer e centralizar o poder nas mãos do monarca. Finalmente,
percebemos que as concordatas não puseram fim às intrigas que havia entre as diversas
ordens do reino, mas amenizaram essa relação, e já não era mais preciso recorrer à
Santa Sé para pôr fim às querelas entre a coroa, a nobreza e o clero no reino lusitano.
ABSTRACT: To the throne in 1279, one of the first actions taken by the Portuguese
King D. Dinis (1279-1325) was to resolve conflicts between the crown, the nobility and
the clergy that had been dragging virtually from the reign of Afonso II (1211-1223),
which were later aggravated in the reign of King Afonso III (1245-1279). Only after a
long time the negotiations were ended, resulting in the enactment of concordats, the
main target of this research proposal. In all three compositions were promulgated two
for the year 1289, and the other one with 40 to 11 items, and a third in 1309, containing
22 articles. Through these documents we can see the complex and conflicting
relationship between the crown, the nobility and the clergy in medieval portuguese
society. We understand that in addition to pacification, concordats also contributed,
along with other mechanisms deployed by D. Dinis, to reduce the influence and power
of the nobility and the clergy and hence strengthen and centralize power in the hands of
the monarch. Finally, we realized that the compositions do not put an end to the
intrigues which were among the diverse realm of orders, but eased this relationship, and
it was no longer necessary to resort to the Holy See to put an end to the quarrels
between the crown, the nobility and the clergy in lusitanian kingdom.
2 Visitação: Pagamento em gêneros, quando o prelado fazia a visita canônica. Também conhecida por
parada, jantar, procuração, censo, direito pontifical. Lutuosas: Pagamento por morte de abades, priores e
reitores de mosteiros e igrejas, em quantitativo variável, segundo os bens do defunto ou do benefício.
Sinodático: Pagamento em prova de sujeição ao bispo diocesano.
4 Os “ricos-homens” compõem o grupo social mais alto da nobreza, seguida pelo escalão médio dos
cavaleiros ou infanções e o mais baixo dos escudeiros.
5 Já o vassalo no vocabulário feudal significou “fiel do rei”, aquele que lhe era fiel na guerra e em
contrapartida recebia segurança.
6 Cavaleiros era o nome que se dava aqueles pertencentes a média nobreza ou infanções.
Considerações finais
Nestes artigos, verificamos que a violência e os abusos cometidos contra os
eclesiásticos já vinham sendo praticados desde a fundação de Portugal como reino
independente, desde os tempos de D. Afonso Henriques, e que com o tempo só foram se
agravando, até chegar a um ponto em que a situação acabou se tornando insuportável
para os dois lados, tanto para o poder temporal como para o poder eclesiástico,
carecendo de uma solução.
Percebemos também que as violências e os abusos que eram cometidos pelo rei,
seus funcionários e membros da nobreza e que foram mencionados nos artigos aqui
analisados, grande parte não aconteceu durante o reinado de D. Dinis, eram queixas com
relação aos monarcas anteriores. Isso ocorreu provavelmente devido ao fato de o
monarca D. Dinis agir diplomaticamente e não bater de frente com a Igreja como
7 Ao todo D. Dinis promoveu diversas inquirições no reino português, ocorreram em 1284, 1288, 1301,
1303-1304 e 1307-1311, fato que demonstram a sua determinação, em controlar os abusos senhoriais.
FONTE
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ABSTRACT: The loving allegiance during the Middle Ages, as seen in artistic texts,
was characterized by a complete surrender from men towards their love done, elevating
her a plateau near full worshiping. Michel Pastoureau (1989) draws attention to the fact
that this love is virtual, and, therefore, has it's own counterpart only in literature. The
"courtly love" is not restricted to the Middle Ages, but perpetuated through out literature
and kept being used in poems and prose. Our research will analyze, based on the Teoria
da Residualidade (PONTES, 1999), two pieces from the Pequeno Romanceiro, by
Guilherme de Almeida, namely, "Lenda" and "Dona Tareja", in which we observe there
currence of love in medieval style, in texts from 1957, reiterating the residual
characteristic of "courtly love" in Brazilian literature.
Nas produções artísticas medievais, poucas não foram as vezes em que se falou
sobre a matéria amorosa. O assunto esteve de maneira tão presente nos textos e no
imaginário medieval que chegou a caracterizar todo um período, como o século XIII,
com as cantigas trovadorescas — as de amor e as de amigo. Por volta do século XV, o
tema ainda deu vazão a inúmeros textos como os do romanceiro oral da tradição, em
que encontramos evidências do sentimento amoroso ao modo trovadoresco,
caracterizado pela idealização e entrega do homem à mulher amada (cantigas de amor) e
pelo lamento saudoso da mulher que espera o retorno do amado (cantigas de amigo),
como esclarece Maleval (2002: 14-15).
Essas narrativas receberam esse nome, antes de tudo, porque eram vazadas na língua
vulgar, uma variação do latim culto. Com o tempo, devido à presença do recurso rímico, surge a
denominação “rimance”, uma explícita aglutinação entre os dois termos. Para Faria Júnior
(2009), isso teria acontecido por volta do século XV: “Ao que parece, é apenas com a entrada de
cantos assonantados, de matiz popular, na Corte castelhana, na segunda metade do século XV,
que o vocábulo ‘romance’ passa a denominar um tipo relativamente específico de texto
literário.” (FARIA JÚNIOR, 2009: p. 8).
Voltando-nos, portanto, para Guilherme de Almeida, encontraremos o resgate desse
modo poemático, que é o romance oral da tradição, a fim de constatar a remanescência do amor
ao modo trovadoresco nos textos selecionados para a análise. O primeiro deles é “Lenda”:
Vem ai um cavaleiro
solitário a cavalgar:
traz a viseira descida
sobre a tristeza do olhar,
e a cabeça do rei mouro
na lança em riste, a sangrar.
(ALMEIDA, 1957: 19-21)
O herói deve estar a serviço dos fracos, dos indefesos e dos injustiçados, por isso, de
acordo com seu código de honra, devem prezar pelas donzelas, como é o caso do romance em
análise. Por elas, arriscam-se às várias situações, dispostos a matar ou morrer. A imponência em
que aparecem, bem vestidos e reluzentes, é reflexo da glória em que os cavaleiros viviam e
desejavam morrer. Assim, na segunda estrofe, devidamente caracterizados em suas armaduras,
Movidos, então, pelo desejo de resgatar a donzela das mãos do rei mouro, os cavaleiros
seguem para a lida. Entretanto, há um detalhe para o qual o narrador atenta, não podendo passar
despercebido de nossa análise, afinal, ele justifica o final do poema. Trata-se da sequência dos
últimos quatro versos da segunda estrofe: “O que livrar a princêsa/ com ela se há de casar;/ o
que por ela morrer,/ esse a donzela há de amar” (ALMEIDA, 1957: 20). Nesse trecho
apresentam-se as condições amorosas aos pretendentes. A ideia do sacrifício mais extremo pelo
amor era encarada de maneira muito sublime, pois, mais nobre que a ideia de salvar a donzela
era a de morrer por lutar em seu favor. Isso se configura de tal maneira a colocar aquele que
morresse na condição privilegiada de angariar o amor da mulher cortejada, enquanto o outro
desfrutaria apenas do matrimônio.
Como Pastoureau (1989) explica, durante a época medieval, casamento e amor não
estavam necessariamente atrelados. Inúmeras vezes casava-se por convenção social ou por
interesses políticos, ainda que não descartemos a motivação amorosa em outros casos:
Por um lado, vários indícios tendem a demonstrar que não existe afeição
conjugal: diferenças de idade entre os cônjuges; papel dos pais no arranjo
do casamento; papel do dinheiro nos contratos; desinteresse pelos filhos;
frequência da viuvez e das segundas ou terceiras núpcias. Mas, por outro,
documentos nos mostram que os casamentos clandestinos, sem o
Fica, portanto, evidente que, em “Lenda”, a figura central feminina é cortejada por dois
jovens cavaleiros, os quais cumprem todos os preceitos do amor cortês, próprio do imaginário
amoroso medieval encontrado nas cantigas trovadorescas: o objetivo é servir à dama da forma
mais elevada possível, a fim de conquistar o seu amor.
Guilherme de Almeida também imprimiu as notas desse amor cortês ao romance “Dona
Tareja”. Nesse texto, contrário ao de “Lenda”, a figura feminina aparece com maior destaque,
pois há a confissão direta do amante a sua dama. O poema é composto em discurso direto, desde
o primeiro verso, excetuando-se a última estrofe, em que a voz poética direciona-se à dona
Tareja em terceira pessoa:
Seguida à proposta de lançar-se às águas, o vassalo enfatiza a sua Senhora que somente
por ela é capaz de fazer tudo aquilo, ao ponto de cogitar roubar para ela o Santo Graal, se isto
não fosse um pecado imperdoável. Entretanto, enquanto ele não lhe pode dar o Cálice sagrado,
facilmente poderia alcançar o sol ou a lua, se assim lhe fosse ordenado.
O esforço por agradar sua senhora, servindo-a inteiramente é imensurável, tendo por
limite apenas o dar “nada”. Na última estrofe, o eu lírico finaliza: “só nada não posso eu dar!”
(ALMEIDA, 1957: 81).
A entrega plena do amante à mulher amada é evidente no romance de Guilherme de
Almeida, como o é nas cantigas de amor medievais, fazendo-nos entender que o sentimento
amoroso, em que a figura feminina é colocada em posição de plena adoração é um elemento que
subsiste desde então até a modernidade.
Se lermos o trecho a seguir da cantiga “Assi and’eu por serviço que fiz”, de Gil Peres
Conde, notamos como o vassalo se mostra desolado por, apesar de servir sua Senhora em tudo,
ainda assim ela não lhe correspondeu:
1
Cantiga retirada do site da Universidade Nova de Lisboa, www.cantigas.fsch.unl.pt. Referência completa
ao final do artigo.
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1 “mantenimiento del mundo, que faze a los omes bevir vida ordenada naturalmente, e sin pecado, e sin
el qual los otros seys Sacramentos non podrian ser mantenidos, nin guardados.”
2 “por esta palabra, Familia, se entiende el señor della, e su muger, e todos los que biuen so el, sobre
quien ha mandamiento, assi como los fijos, e los siruientes, e los otros criados. Ca Familia es dicha
aquella, en que biuen mas de dos omes al mandamiento del señor, e dende en adelante; e no seria família
fazia suso. E aquel es dicho, Paterfamilias, que es señor de la casa, maguer que non aya fijos. E
Materfamilias es dicha la muger, que biue honestamente en su casa, o es de buenas maneras. Otrosi son
llamados Domesticos tales como estos; e demas, los labradores, que labran sus heredades, e los
aforrados”.
3 O único sentimento que não está presente na relação retributiva entre senhores e servos, mas que está
presente nas demais, é o “amor”.
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d' Alphonse X le Sage. E-Spania, 2008.
ABSTRAC: Historia Albigensis is one of the most important French sources of the
Albigensian Crusade. Its author, Pierre des Vaux-de-Cernay, had access to many
official documents, and based on them and on his own testimony made a report of the
first years of that enterprise which caused several changes in Occitania's lords
relationships. Seen as a supporter of the crusades’ acts on that region, the Cistercian
monk and his narrative suffered severe critics for his monastic partiality, and also to
contribute to a nationalist version on the historical construction of the ideal of a unified
France. Among the actors of the Crusade, the chronist presents Simon de Montfort as a
knight of strong faith and moral virtuous. In the chronicle, De Montfort’s name is
followed by the best qualities for a Christian in those days. Considering that deference
that Pierre had for the crusade’s military leader, this work intends to analyse the image's
elaboration of Simon de Montfort as a martyr instead of a cruel warrior.
Era 25 de junho de 1218, um dia depois da festa de São João Batista e havia
nove meses que o Conde de Montfort estava engajado no sítio de Toulouse. Como era
1 Corresponde a uma narrativa poética, escrita em provençal por Guilherme de Tudela e seu sucessor
anônimo, sobre a empresa cruzadista na região do Languedoc. O texto completo da Canso é traduzido
para o francês como Chanson de la croisade albigeoise. Foi utilizada neste trabalho a edição mais recente
da obra, traduzida para o inglês por Janet Shirley, conforme citada nas referências bibliográficas.
Quão sábia a escolha dos líderes do exército, quão sensata a aclamação dos
cruzados! Por ter escolhido um homem de tão grande fé como defensor da
verdadeira fé; por ter elegido um homem tão em sintonia com todo o mundo
cristão para assumir o comando do sagrado serviço de Jesus Cristo na luta
contra a contaminação da heresia! (HA, §105)
A narrativa das qualidades e grandes feitos ganha uma solenidade tão enfática
que o cronista consegue fazê-la obscurecendo o caráter atroz de quaisquer ações
impiedosas que precise relatar. Os atos são justificados por conta de uma traição, ou
como uma desforra igual à afronta, ou pela resistência à fé verdadeira. Todos os sítios, a
destruição de muros, a queima de centenas de hereges, parecem lugar comum para
Pierre des Vaux-de-Cernay que defende, constantemente, que Simão de Montfort não
agia de modo violento por prazer, mas compelido pela força da necessidade.
Diversos relatos chamam a atenção ao longo da narrativa, como a captura de
traidores e seu enforcamento no castrum de Montlaur, logo após a chegada da Condessa
Alice de Montfort ao Sul. O Conde não dera o mesmo fim a todos os habitantes porque
parte deles tinha conseguido fugir. Entre as alusões mais cruentas, todavia, está o
ocorrido em Bram – um castrum localizado na planície Lauragais, entre Carcassone e
Castelnaudary. O lugar foi, de acordo com o relato, sitiado e capturado em três dias, por
O Conde realizou essa punição não porque a mutilação dava a ele algum
prazer, mas porque seus oponentes tinham sido os primeiros a se perderem
em atrocidades e, algozes como eram, massacravam qualquer de nossos
homens que eles pudessem capturar para mutilá-los. (...) O Conde nunca teve
prazer na crueldade ou na tortura de seus inimigos. Ele era o mais gentil dos
homens e as palavras do poeta cabem-lhe mais competentemente: ‘um
príncipe lento para punir, rápido para recompensar, que sofre quando é
levado a ser duro’. (HA. §142)
2 Uma pequena divergência quanto à data de escrita da obra Dialogus Miraculorum: Roquebert afirma
que a terrível frase teria sido relatada pelo monge de Heisterbach pouco depois da data em que Guilherme
de Puylaurens escreveu sua Chronica e que teria sido uns quarentas anos depois do início da cruzada.
(ROQUEBERT I, 2006:366). Enquanto, Jacques Berlioz fala dos escritos de Pedro Cesário no período
que compreende os anos de 1219 e 1223. (BERLIOZ, 1994:06).
3 Presente na obra Mémoire sur Le Sac de Béziers dans la guerre des Albigeois et sur le mot “Tuez-les
tous” attribué au légat Du pape Innocent III (Paris, 1862). ROQUEBERT I, 2006:366, 743-744.
Em outras palavras, Bloch (1995), com sua análise das imagens ambivalentes
entre o antifeminismo e a cortesania, considera os vários aspectos críticos relativos à
representação do feminino pela mentalidade e pela visão de mundo da época. Ainda
segundo o autor, a articulação patrística dos sexos é construída a partir da analogia entre
o mundo da inteligência e o mundo dos sentidos, de fundas raízes platônicas. Por esse
viés, o homem é associado à racionalidade, à inteligência e à mente, e a mulher, ao
corpo, ao apetite e às faculdades animais. Nessa distinção entre mente e corpo, a mulher
assume a projeção do medo ligado à incontrolabilidade do corpo, de seus membros e
impulsos. Daí o fato de os escritos dos primeiros padres da Igreja depositarem na
mulher uma desconfiança, em parte, atribuída a um desejo de distanciamento ou
refreamento contra a presença contumaz do corpo feminino, seja ele o corpo da mulher
ou a mulher no corpo de cada homem (BLOCH, 1995: 40). De certo modo, é esse o
mundo de Pizan, que a faz partilhar a mesma visão do feminino que seus opositores. Por
XI ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOSMEDIEVAIS. IMAGENS E NARRATIVAS
301
natureza, a mulher só poderia ocupar um lugar secundário na sociedade medieval.
Segundo Christiane Klapisch-Zuber (2006: 137),
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PIZAN, Christine de. La Cité des Dames. Texte traduit et presenté par Thérèse Moreau
et Eric Hicks. 4.ed. Paris: Stock, 2000.
Ela partirá [suas rendas] em cimquo maneiras- a primeira parte será pera os
pobres; e a segunda pera despesa em sua casa[...]; a terceira pera pagar seus
oficiaaes e suas molheres; a quarta será pera dõões d’estranjeiros e doutros
que o merecem, fora de suas ordenanças; a quinta será posta em tesouro; e se
mais sobejar, será pera seu prazer, assi como roupas e joias e corregimentos
(p. 152).
1 O culto mariano temseu marco inicial no Concílio de Éfeso em 431(PELIKAN, Jaroslav, 2000),
consolidando-se, a partir do século XII, com as catedrais a ela dedicadas.
2 A Retidão preparou um palácio na cidade das damas para morada de Maria. Todas as mulheres devem,
à sua entrada, saudá-la como Rainha do Céu (p. 126).
3 Empregamos o termo paratopia no sentido que Dominique Mainguenau lhe dá: a perspectiva
adotadapelo escritor.Neste caso Christine propicia a extensão dos ensinamentos religiosos à sociedade
civil.
4 Jorge Borges de Macedo ressalta a importância política do casamento cristãoem “Mulheres e política no
século XV português: considerações críticas”, Oceanos: Mulheres no Mar Salgado, nº 21.
5 A respeito das ressonâncias do sacramento do matrimônio, leia-se o capítulo “O Cristianismo libertou
as mulheres”, extraído de Uma longa Idade Média, de Le Goff.
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CRISPIM, Maria de Lourdes. Introdução. In: PISAN, Christine. O livro das três
virtudes a insinança das damas. Lisboa: Caminho, 2002, p.15-31.
ABSTRACT: A few years ago, in Santiago de Compostela, studies were published and
a reconstitution of the Ordo Prophetarum, highlighting the relationship of the
1 Esta comunicação retoma estudos por mim anteriormente desenvolvidos, como o que apresentei no
Congresso Internacional “Teatro y Fiesta popular y religiosa”, realizado em Cusco pela Universidad del
Pacífico / GRISO - Universidad de Granada de 4 a 7 de junho de 2012, intitulada“Teatro medieval ibérico
e(m) festividades religiosas”.
2 No século V a. C. constituía uma sátira violenta, lançando mão amiudemente do grotesco e do obsceno,
como podemos constatar em um dos seus mais famosos cultores, Aristófanes.
19 Alfonso Zulueta de Haz, presidente do CCG, in Ordo Prophetarum. Drama litúrgico do século XII.
Santiago de Compostela: Conselho da Cultura Galega, 2006, p. 12.
20 Paris, Biliotèque Nationale, Ms. Lat. 1139, fols. 55v-58r).
21 CASTIÑEIRAS, 2006, p. 15.
22 CASTIÑEIRAS, 2006, p. 16.
23 CASTRO, Rosalía. Obra poética. 8. ed. Madrid: Espasa-Calpe, 1975, p. 98.
24 Considerada santa e cultuada, não há no entanto comprovação de que tenha sido canonizada (Cf. PAZ,
Xosé Carlos Santo, 1999: 17)
25 Cf. DRONK, Peter, p. 181.”Ordo Virtutum. The Play of the Virtues, by Hildegard of Bingen”. In Nine
medieval latin plays. Cambridge University Press, p. 147-184.
26 Cf. PAZ, Xosé Carlos Santo, 1999, p.30.
27 Certamente que os papéis de Alma e das Virtudes foram interpretados pelas freiras de Ruperstberg,
dirigido por Hildegard, segundo PAZ, Xosé Carlos Santo, 1999, p. 29.
28 Cf. VICENTE, Gil. As obras de Gil Vicente .vol. I. Ed. por José Camões. Lisboa: IN-CM, 2002.
ABSTRACT: The study of cultural practices described in wills of the colonial Bahia,
like the ritual of "good death", which includes prayers, observance of the sacraments
and bulky donations to religious organizations, which are mandatory items in this
spiritual preparation, shows how the medieval mentality is preserved in individuals’
attitude in that society, in order to ensure that the death does not reap the unsuspecting
soul, when coming by surprise. Based on Diplomatics, type of science that provides
methods for establishing the characteristics and authenticity of documents, and on the
Cultural history or History of mentalities, which is a kind of history that proposes the
inclusion of new study objects, such as man's attitudes towards life and death, their
beliefs, their religious and social behavior, this article aims to expand the understanding
of the relationships established in Bahia’s society in the period between the sixteenth
and seventeenth centuries, in its religious aspect and its socio-historical context.
Therefore, four testament text plans translated from the Livro Velho do Tombo of São
Bento’s Monastery in Bahia will be examined, observing the correlation between such
social practices and medieval thought.
INTRODUÇÃO
A leitura de testamentos escritos entre os séculos XVI e XVII revela a
recorrência de práticas culturais descritas no chamado “testamento espiritual” a exemplo
[...] fui creado; Jtem donde quer que eu falleser me imterrarão no habito de Sam Bem
to hauendo ahi Mosteiro de Sua Ordem, onde me imterraram, e não hauendo Ma
neira deste habito, e hauendo Mosteiro de Sam Francisco, me emterarram no Seu
habito, e os Relligiozos dambas estas ordens me acompanharam e a cada hum darão
de Esmolla Sinco mil Reis, e pello habito des Cruzados; Jtem se Deus for serui
do que eu falesa nesta Cidade e Capitania meu Corpo sera emterrado em sam [...]
(TESTAMENTO DE GABRIEL SOARES DE SOUZA 1584: 164r, L. 42-47).
Bento da dita Cidade na Capella Mor, onde se me pora huma Campa com
hum Letreiro que diga aqui jas hum pecador, o qual estara no meio de hum Escudo que
[...] (TESTAMENTO DE GABRIEL SOARES DE SOUZA 1584: 164v, L. 1-2).
[...] zados / Jtem acompanharmeão dous pobres com cada hum sua tocha ou Cirios na
maos e daram daluger a comfraria donde forem hum cruzado de cada huma e a cada
pobre pellas leuarem dous Tostoins/ Jtem não dobraram os signos por mim
e somente se fararão os signais que se fazem por hum pobre quando morre / Jtem [...]
(TESTAMENTO DE GABRIEL SOARES DE SOUZA 1584: 164v, L. 08-11).
Deste modo, os rituais exemplificam toda a contradição presente na tensão posta entre a
vivência dos gozos mundanos e a necessidade de garantir o perdão divino
experimentada pelo homem barroco, que volta aos valores da religiosidade medieval
para reconciliar-se com o sagrado e assim assegurar os ideais de vida eterna.
Os testamentos
Os documentos notariais constituem-se em fontes privilegiadas para um melhor
conhecimento das práticas e representações culturais do passado, permitindo, entre
outras coisas, uma melhor compreensão da situação linguística de cada período e uma
maior percepção acerca das práticas culturais e do contexto sócio-histórico no qual os
documentos foram produzidos.
Conforme analisa o jurista Gouvea Pinto (1844:3) “A origem dos testamentos se
perde na escuridão dos tempos”. Afirmam os estudiosos que a arte de testar foi
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Marla Oliveira. Uma porta para o passado: edição de documentos dos
séculos XVI e XVII do Livro I do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia. 2010.
342f: il. + DVD. Dissertação (mestrado), Salvador: ILUFBA, 2010. 342 f.: il. + DVD.
RESUMO: A formação dos reinos cristãos ibéricos durante a Idade Média está
intimamente ligada à chamada Reconquista, a retomada pelos cristãos dos territórios
sob domínio islâmico, estabelecido desde o século VIII. Durante este processo de
conquista territorial, dentre a participação dos diversos reinos ibéricos, a hegemonia do
reino de Castela na península se pronunciou a partir do século XII, mas foi no século
XIII que se tornou o maior em extensão territorial, graças à atuação de Fernando III, que
conseguiu unificar definitivamente os reinos de Leão e Castela e realizou o maior
avanço sobre o sul da península. No entanto, conquistar e efetivamente dominar são
processos distintos, e coube a Alfonso X a tarefa de integrar os antigos territórios
islâmicos ao reino cristão de Castela. Não por menos, Alfonso X foi notadamente
reconhecido como rei ordenador pela historiografia, por ter empreendido um vasto
projeto de reorganização territorial, especialmente da recém-conquistada Andaluzia. O
presente trabalho pretende analisar a atuação deste monarca no processo de colonização
e reordenação da Andaluzia através das cartas de doação de propriedades, contidas no
Diplomatario Andaluz de Alfonso X, tendo em perspectiva o caráter centralizador de seu
reinado e de seu esforço em integrar as distintas partes do reino, assim como os entraves
impostos a esse projeto político.
ABSTRACT: The formation of the Christian kingdoms in the Iberian Peninsula during
the Middle Ages is closely linked to the called Reconquest, the resumption by
Christians of territories under Islamic control, established since the eighth century.
However, since that century Castile managed to impose its hegemony in the peninslula,
and became the largest in area in the thirteenth century. It was thanks to Fernando III’s
acting, who managed to definitely unify the kingdoms of Leon and Castile and made the
biggest advance on the southern peninsula. Nevertheless, conquering and effectively
dominate territories are distinct processes, and fell to Alfonso X the task of integrating
former Islamic territories to the Christian kingdom of Castile. Not least, Alfonso X was
ably recognized as an ordenador king by the historiography, having undertaken a vast
project of territorial reorganization, especially in the newly conquered Andalusia. This
paper aims to analyze the acting of this monarch in the process of colonization and
reordering of Andalusia through the properties donation diplomas, contained in
Diplomatario Andaluz de Alfonso X, taking into perspective the centralizing character of
his reign and his efforts to integrate the different parts of the kingdom, as well as the
obstacles imposed on this political project.
1 GONZÁLEZ JIMENEZ, Manuel (ed.). Diplomatario Andaluz de Alfonso X. Sevilha, 1991, doc. 38,
42, 81, 121, 501 e 524.
2 Idem, doc. 24, 185, 206, 230, 369.
3 Diplomatario Andaluz de Alfonso X, doc. 33, 64, 71, 90, 104, 105.
4 Idem, doc. 19, 29, 44, 46.
5 Idem, doc. 148.
6 Idem, doc. 20, 21, 22, 23, 35, 47, 48, 65, 66, 69, 78, 84, 94, 95, 98, 101, 109, 109bis, 159, 160, 161,
172, 175, 178, 226, 232, 235, 251, 270, 277, 282, 288, 331, 395, 504.
7 Idem, doc. 155.
8 Idem, doc. 12.
BIBLIOGRAFIA:
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GONZÁLEZ JIMENEZ, Manuel (ed.). Diplomatario Andaluz de Alfonso X. Sevilha,
1991.
ABSTRACT: The representation of woman in the thought and literature of the Middle
Ages, examined in the light of the historical and ideological formations of Western
culture, presents essentially formed by a strong misogynist disposition about the female
reality. Given the assumptions of that statement, the objective of this work is the
examination of significant texts of the medieval thought and literature that can be
considered as fundamental for the formation of the ideas of this peculiar misogyny
cultivated in the Middle Ages, from its roots planted in classical antiquity, through the
Judeo-Christian tradition, patristic and its medieval legacy literature, until the formation
of not only a special kind of satirical literature about woman written in medieval Latin
but also significant vernacular writings of anti-woman stance of the late medieval
period. In the examination of those misogynist literary and intellectual sources, their
ideas and imagination about women are analyzed in the work in a critical-analytical and
theoretical perspective in order to privilege content and thematic aspects vis-à-vis
formal and technical-expressive resourcers of misogyny discourse. Thus, representative
voices of that medieval misogyny will be referred, from a Tertullian to a Chaucer.
* Este trabalho apresenta-se como produto parcial do projeto de pesquisa intitulado Mulher Difamada e
Mulher Defendida no Pensamento Medieval: Textos Fundadores, que integrando a Rede Goiana de
Pesquisa sobre a Mulher na Cultura e na Literatura Ocidental, é coordenado pelo Prof. Dr. Pedro Carlos
Louzada Fonseca, com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás
(FAPEG) para o período de 2014-2016.
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RESUMO: Desde a Grécia antiga até os tempos modernos, diversos pensadores têm
despendido esforços para descrever as características de um “bom governante”. Nesse
sentido, o rei aparece como uma figura emblemática por ser considerado um ser de
exceção, capaz de agenciar uma série de valores caros para a organização em sociedade.
Ao escrever a Comédia de Diu, Simão Machado, poeta e dramaturgo do século XVI,
lança mão de um argumento histórico/épico no qual a construção das características
morais, ou seja, o Ethos da personagem do rei Bandur nos possibilita pensar na tensão
entre o “ser” e o “parecer ser”, segundo, sobretudo, a ótica das ideias de Nicolau
Maquiavel, no livro O príncipe. Dessa maneira, o presente trabalho pretende analisar de
que forma o Ethos do rei se configura na Comédia de Diu, perpassando, para tanto, pelo
exame da própria ideia de virtude que, via de regra, está associada a um governante de
um povo.
RESUMEN: Desde Grecia antigua hasta los tiempos modernos, diversos pensadores
han desprendido esfuerzos para describir las características de un “buen gobernante”. En
este sentido, el rey aparece como una figura emblemática por ser considerado un ser de
excepción capaz de agenciar una serie de valores bastante caros para la organización en
sociedad. Al escribir la Comedia de Diu, Simão Machado, poeta y dramaturgo del siglo
XVI, lanza mano de un argumento histórico/épico en el cual la construcción de las
características morales (o sea, Ethos) de la personaje del rey Bandur nos posibilita
pensar en la tensión entre ser/parecer ser, según, sobretodo, la óptica de las ideas de
Nicolau Maquiavel, en el libro El Príncipe. De esa manera, el presente trabajo pretende
analizar de qué forma el Ethos del rey se configura en la Comedia de Diu, pasando, para
tanto, por el examen de la propia idea de virtud que, normalmente, está asociada a un
gobernante de un pueblo.
1
“By the ‘morality’ of a culture I mean the principles, criteria and values which underlie its responses to
this familiar experience. By ‘moral philosophy’ or ‘ethics’ I mean rational, systematic thinking about the
relationship between morality and reason […]” (DOVER, 1974, p.1)
Vendo em mi desconfiança
entenderá que o entendo
porá em si mor segurança.
A partir dessa intriga amorosa, na qual tanto o rei quanto o seu conselheiro
Cojosofar estão apaixonados pela esposa do leal vassalo Rau, a construção do ethos do
rei ganha, aos olhos do espectador, os sentidos mais ignóbeis em decorrência da “pouca
virtude” com que o monarca pauta suas ações, já que o rei Bandur é “arrastado por uma
paixão sexual incapaz de dominar que o impede de respeitar as conveniências”
(CAMÕES, 2009: 19). Isso fica evidente num diálogo no qual Bandur assedia Glaura,
que recusa, com honradez, as investidas amorosas do seu rei:
Bandur [...]
Dexa tocar Glaura hermosa
mi boca tus manos belas
ya que com tan fácil cosa
como el tocamiento delas
las puedes hacer dichosa
Glaura Señor, bien tiengo entendido
que las honras que en ti hallo
son hechas a mi marido
que por tu leal vassalo
te las tiene merecido.
[...]
Bandur No huyas com tal presteza
de uma alma que a tu beleza
dexas de todo rendida.
Espera, por qué no quieres
ver cuán rendido te estoy?
Glaura Si te olvidas de quien eres
No me olvido de quien soy.
(I, v. 596-615)
2
Informação verbal, proferida 8º Ciclo de conferências: “Visões da História” – Academia Brasileira de
Letras, setembro de 2012. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=JKCI37rahpI>. Acesso
em: 10 abr. 2015.
Nesse sentido, Felipe Charbel explica que, de acordo com a ótica maquiavélica,
não basta ser prudente, mas considerar a análise das circunstâncias com base nos
ensinamentos dos antigos e na experiência particular do presente. Sendo assim, é
forçoso que o rei esteja familiarizado com os jogos retóricos, para que não se deixe
enganar por conselheiros de má-fé, a exemplo do Cojosofar, em Cerco de Diu.
Muito distante disso, é imperativo que o rei consiga criar mecanismos que
sirvam para acentuar suas qualidades, favorecendo, assim, a pintura de uma boa imagem
perante seu povo. Ao entrelaçar as ideias de Maquiavel e o contexto da dramaturgia
machadiana, observa-se que esses mecanismos se dão, principalmente, através dos
movimentos retóricos que constroem o caráter da personagem por meio da linguagem.
Quer seja pelo bem narrar das ações gloriosas quer seja por tornar conhecível a
“competência” e “fidelidade” dos subordinados do rei Bandur.
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Lisboa: Edições Colibri, 2011.
CAMÕES, José. Comédias de Simão Machado. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, 2009.
ABSTRACT: Meat plays a central role in the diet of medieval nobility. The highlight
men of that time give the meat should be the mythical that it has long been surrounded.
Roasted, seasoned, bloody juicy and plentiful, the meat is from a long time, a symbol of
power, strength, wealth, sexual potency, virility, vital energy and a major manifestation
of joy - to eat it abundantly around of the table. In a society ruled by warriors and
gentlemen, the meat helps to reinforce the legend that relates to their intake physical
strength and lasting power.
Embora o vinho não fosse restrito somente à nobreza, ele recebia uma série de
critérios antes de ser consumido, iniciando com a escolha das uvas, as técnicas de retirar
Se for numa cisterna, não utilize a água, mas, se for num poço, você deve
esvaziá-lo e drená-lo primeiro. Se você não pode fazer tal exame, então
umedeça completamente um pano fino e de linho branco na água e dobre-o
livremente sem apertar; após dobrá-lo, deve amarrá-lo com uma corda,
suspendê-lo ao sol ou no ar, e , quando secar, desdobrá-lo. Se aparecer
manchas nele, independentemente da cor, com certeza a água deve estar
contaminada, mas, se não tiver manchada, a água é saudável (VILANOVA,
1992: 132-133).
Mais proveitosa ainda é a comida feita de cevada, cozida até que se quebre, e
que depois seja lavada com muita água fria e cozida e amassada com muito
leite de amêndoas até que seja indistintamente encorpada. Tal comida é muito
conveniente àqueles que têm hemorroidas pulsantes. (idem: 136).
IX.I – Dos feijões e dos grãos-de-bico: Dentre os legumes menos danosos aos
corpos, estão os feijões redondos, os grãos-de-bico e as favas, e dentre esses
três, os feijões redondos e brancos, são os menos danosos. Esta deve ser a
regra geral: quando forem preparados os legumes, isto é, sem carne, deve-se
fritar uma cebola redonda e branca, cortada bem picadinha e frita com muito
azeite doce, e só depois acrescentar o legume. No fim, deve-se colocar leite
de amêndoas. Isso é especialmente necessário caso se comam favas,
sobretudo favas frescas. (REGIMEN SANITATIS, 2011:101).
Capítulo IV. I: Qual hora é conveniente para comer: Uma coisa é o corpo que
sente a necessidade de comer, pois manifestadamente tem fome. Por isso, é
mais necessário àqueles que têm o corpo temperado e abundante de sangue
que somente comam quando tem fome, já que a natureza do corpo não recebe
o que não deseja, pelo contrário, a recusa e, por isso, a comida que é recebida
sem o desejo da natureza é conduzida pelo ventre e pelos outros membros
como um fardo e se corrompe mais do que se transforma (...)”.(idem: 67).
FONTES:
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ABSTRACT: This communication sets out to address the imagery of the symbolic
instruments and their applicability in the punishment of sin souls in the medieval Hell
space in the Portuguese version of the manuscript Tnugdal Vision (code 244). In this
work, Túndalo has its soul elevated, temporarily, to the beyond to live and experience
the spiritual torments destined to the souls who did not follow the teachings of clerics
getting thus in death several punishments. Thus, we present in this narrative the
penalties objects used by the devils in the spiritual punishments upon the souls who
died. This is of fundamental importance to the reality of infernal punishments and for
the salvation process mediated by the medieval Church.
[...] staua todo cheo de muitos demoes que stauan prestes e aparelhados
pera atormentar almas. E estes diaboos tynham en suas mâaos gadanhos de
ferro muyto agudos e outros aparelhamentos con que enpesauan as almas.
E dauan com ellas dentro no fogo. E desiertirauannas do fogo. (VT, 1895:
103). (grifo nosso).
1 O quadro 1 possui semelhança com a dissertação de mestrado defendida em 2014 pela autora, p. 90:
Imaginário e ideologia cristã uma versão portuguesa do Além medieval na Visão de Túndalo.
[...] E a alma quando uiu que auia de passar pola ponte disse ao angeo. Esta
ponte e estas penas son daqueles que furtaron [...] e tu merecias de entrar en
elas [...] Mais conuen que ora passes per Ella sem my e passaras contego
huma ua cabra ua que tu furtaste a huun teu conpadre. (VT, 1895: 105).
FONTES E REFERÊNCIAS
FONTES
Visão de Túndalo (VT). Ed. de F.H. Esteves Pereira, Revista Lusitana, 3, 1895, p. 97-
120.
ESTUDOS
BASCHET, Jérôme. Diabo In: Dicionário Temático do Ocidente Medieval. São
Paulo: EDUSC/Imprensa Oficial do Estado, v. I, 2002, p.319-331.
RESUMO: Com ramificações por toda Europa durante a Idade Média, a folia de Reis é
uma herança cultural que ao transformar e desdobrar se fez presente em várias regiões
do Brasil. Trata-se de uma prática do catolicismo popular que adquiriu especificidades e
singularidades em cada localidade. Em Pirenópolis, esta manifestação cultural é
representativa da vida social, não sendo possível precisar o início dos giros pelo
município surgido da mineração do ouro. Contudo, a persistência dessa tradição sobre o
tempo é resultante dos ensinamentos passados de geração para geração, da influência
das migrações e do entendimento daqueles que lideram a peregrinação. O presente
trabalho parte da fenomenologia percebendo as Folias como um fenômeno passível de
descrição, compreensão e interpretação, apesar de sua subjetividade e das dificuldades
da apreensão de uma manifestação que adquire sentidos e significados diversos para
quem o vivencia. Os apontamentos aqui apresentados foram colhidos por meio de
observações realizadas nas folias de Reis do município de Pirenópolis desde 2013.
ABSTRACT: With ramifications throughout Europe during the Middle Ages, the kings
revelry (Folia de Reis) is a cultural inheritance that, when transformed and unfolded was
present in several regions of Brazil. It is a practice of popular catolicism that acquired
its own specificities and singularities in each locality. In Pirenópolis, county emerged
from the gold mining, this cultural manifestation is representative of the social life, not
being possible to determine its beggining. However, the persistence of this tradition
over time is the result of past teachings from generation to generation, the influence of
migration and understanding of those who lead the pilgrimage. The present dissertation
starts from the phenomenology perceiving the revelries as a phenomenon subject to
description, comprehention and interpretation, despite its subjectivity and the dificulties
of seizure of a manifestation that acquires different senses and meanings to those who
live it. The notes presented here were collected by means of observations on the kings’
revelries in the city of Pirenópolis since 2013.
1 As percepções aqui apresentadas são resultantes das observações realizadas nas folias de Reis do
município de Pirenópolis para compor o projeto vinculado que conta com o apoio da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás — FAPEG, conforme Chamada Pública nº 005/2012.
Os magos do oriente
2 E, TENDO nascido Jesús em Belem da Judeia, no tempo do rei Herodes,
eis que uns magos vieram do oriente a Jerusalém,
² Dizendo: Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? porque vimos a
sua estrela no oriente, e viemos a adorá-lo.
³ E o rei Herodes, ouvindo isto, perturbou-se, e toda Jerusalem com ele
(BÍBLIA, Mateus, 1977:2, 1-3).
A trama urdida no emaranhado que justapõe o fato original, se é que este existiu,
e os fatos originados da vivência sensível do homem vão tecer o enredo que darão
sustentação à trama. Ao longo de Idade Média vários fatos vão servir como fios
condutores na tessitura histórica das folias de Reis, da visita dos magos ao menino
Jesus, passando por diversas localidades da Europa até sua ambientação do Brasil - o
giro foi longo. Num “recuo histórico-iconográfico” Pessoa demonstra a dispersão da
devoção aos Reis Magos pela Europa,
isso se deve à chegada dos restos mortais destes três entes míticos, lendários,
imaginários, mas, enfim, tão reais na cultura popular brasileira; à catedral de
Colônia (Alemanha), em 1164. Para lá foram trasladados de Milão (Itália)
como despojos de guerra numa conquista de Frederico Barbarrocha. E para
Milão teriam sido levados no século IV ou V como presente especial da
Imperatriz Helena, de Constantinopla (2005:77).
a história, ainda que se mantenha como uma narrativa, vai passar a incluir
aspectos explicativos, procura-se uma justificação dos acontecimentos. Os
mitos continuam a ser utilizados, em conjunto com a realidade histórica, mas
Este contato estabelecido nos momentos de festa vão comunicar o saber popular,
as práticas dos foliões, e o saber erudito - que na Idade Média era ditada pela Igreja –
confrontando-os, constituindo a cultura popular, que segundo Bakhtin, “constrói-se de
certa forma como paródia da vida ordinária, como um ‘mundo ao revés’” (2013:10)
responsável por perpetuar acontecimentos que chegam ao presente com uma densa
carga de tradições.
Os foliões reúnem-se numa casa onde ocorre o “junta” da folia, ali comem,
bebem, rezam, benzem a bandeira de Reis, cantam e tocam instrumentos musicais.
Assim começa o giro da Folia, uma peregrinação em direção às casas, as quais serão
visitadas, durante alguns dias. Algumas folias perfazem esse trajeto durante o dia, mas
outras o realizam à noite.
Os grupos de folia são organizados dentro de uma hierarquia, o folião recebe sua
divisa e obtém determinada função. Os alferes são os responsáveis por comandar a folia
e portar a bandeira durante a peregrinação, o embaixador é o encarregado das músicas e
dos músicos e o regente é uma espécie de coordenador que atua diretamente com os
demais foliões, principalmente durante a distribuição da comida. Estes compõem as
companhias de Santos Reis que perfazem um caminho circular – saindo do leste e para
o oeste - visitando os devotos, colhendo esmolas e distribuindo graças.
Uma personagem enigmática que acompanha o grupo de “viajantes” é o palhaço,
este se apresenta sozinho ou em duplas – um masculino e outro feminino – e recebe
nomes variados, tais como: Catarina, Caetano, Coisa Ruim ou simplesmente Palhaço.
São enigmáticos por figurarem num espaço limiar entre o bem e o mal, dentro da trama
da folia é entendido como o que afasta as energias negativas ou a própria negatividade
representando a perseguição de Herodes ao menino Deus. Corporifica a alegria e possui
a missão de proteger a bandeira, contudo sua presença na sala da lapinha não é bem
A cantoria da folia está presente em todos os rituais, não tem folia sem músicos,
pois o trajeto é permeado de canções embaladas num ritmo contínuo. Os versos são
improvisados, estes descrevem, pedem e agradecem os elementos encontrados nos
arcos, nos altares, as esmolas e os alimentos ofertados. Estes articulam as aspirações
pessoais e interpretam a visão do mundo aos olhos de seus participantes, os quais fazem
referências aos Reis Magos como intermediadores da relação com Deus, transformando-
os em verdadeiros santos.
A chegada à residência do devoto é envolto de devoção. O grupo é conduzido
pela bandeira, seguida dos músicos e demais foliões que adentram o espaço onde o
cenário da natalidade foi artisticamente elaborado para o momento. Os três Reis
estampados na bandeira representam o encontro dos magos com Jesus e o propósito não
mais de levar presentes – ouro, incenso e mirra – mas de receber do dono da casa
donativos comumente para finalidades filantrópicas.
No interior da casa, se tiver presépio, canta novamente, pois geralmente a
música retrata o período em que Jesus nasceu ou mesmo a viagem de Melchior, Baltasar
e Gaspar. Após rezarem e pedirem proteção e harmonia para casa, os foliões pedem a
esmola. Prosseguem assim por vários dias, visitando as casas, que fazem parte do
itinerário pré-estabelecido pelos foliões.
Durante os dias de festejo, tem o “pouso”, que foi previamente combinado.
Neste local a bandeira, símbolo maior da festividade descansa no altar e os foliões se
entregam à farta mesada de comida, as danças, comumente o Catira e o Chá – danças
tradicionais coreografadas que intercalam palmas e batidas de pés –, e as alegres
músicas que misturam moda de viola e músicas modernas. A festa é o encontro com o
A Chegada
O cristianismo adotado como religião oficial do Estado pelo Imperador
Constantino no ano de 337 vai se espalhar pela Europa durante a Idade Média,
chegando ao Novo Mundo. Sua propagação se deu, em parte pela imposição da fé
refletida nas ações missionárias e nos condicionamentos simbólicos, pela espacialização
proporcionada pela migração de pessoas e crenças religiosas que se sobrepôs às culturas
em várias localidades e pela constituição da concepção de tempo ensinada por meio das
narrativas e de rituais que estruturavam o tempo mítico das festividades em homenagens
aos santos e seus feitos.
Estas ações aparentemente externas e movidas por questões econômicas e
políticas vão desenvolver raízes mais profundas manifestas no cotidiano capazes de
comunicar formas e fenômenos que se revelam, o que se mostram em si mesmo
(HEIDEGGER, 2009). As festas populares são um desses fenômenos que oferecem uma
visão do mundo, do homem e das relações humanas, que permitem infinitas
compreensões. A vivência da fé é muito mais complexa do se imagina e se
compreendidas à luz dos ensinamentos e da imposição do poder oficial da Igreja ficam
reduzidas e empobrecidas.
Os entendimentos passam pela percepção da dualidade entre um mundo social e
outro individual da vida humana, analisadas por Bakhtin (2013) com base nas ideias de
Rabelais e cujo, percurso é um interessante condutor na compreensão das manifestações
da cultura popular nos dias atuais. Esta que é marcada pelo riso, pela subversão dos
valores oficiais, pelo caráter contestador da ordem imposta pela hierarquia social e
diretamente pela Igreja.
O estudo das folias de Reis como manifestações culturais em Goiás demonstram
a riqueza do saber local, as experiências coletivas e as práticas subjetivas que garantem
e compõem as identidades territoriais e religiosas dos goianos. O envolvimento popular
com a festividade demonstra a importância para a comunidade que as realiza, uma vez
que é experienciada por várias gerações. Esta prática religiosa coletiva estruturada numa
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RESUMO: A veneração dos santos teve início ainda na Igreja Antiga (fundada por
Cristo e difundida pelos apóstolos Pedro e Paulo), contudo, foi no período medieval,
devido à expansão do Cristianismo, que se intensificou o culto aos santos, quando
surgiram métodos institucionais para a oficialização da santidade e com a consolidação
da literatura hagiográfica. Conforme Andréa Cristina L. F. da Silva (2008), os textos
hagiográficos têm como temática a vida, os trabalhos realizados, os milagres e o culto
de uma pessoa considerada santa. Na diversidade de santos explorados pela
Dramaturgia Hagiográfica Portuguesa do Século XVI, Santa Maria é aquela que mais se
destaca nas narrativas, visto que desempenha um dos papéis mais caros à Igreja
Católica: Theotókos (Mãe de Deus). Buscar-se-á neste trabalho apresentar como Maria
se configura como personagem e discutir como se dá o diálogo dela com as demais
personagens presentes nos autos medievais e, por fim, como seu culto torna-se a
expressão e reafirmação dos dogmas católicos neste período.
RESUMEN: La veneración de los santos tuvo inicio aún en la Iglesia Antigua (fundada
por Cristo y difundida por los apóstolos Pedro y Paulo), pero, fue en el periodo
medieval, debido a la expansión del Cristianismo, que se intensificó el culto a los
santos, cuando surgieron métodos institucionales para la oficialização de la santidade y
con la consolidación de la literatura hagiográfica. Conforme Andréa Cristina L. F. de
Silva (2008), los textos hagiográficos tienen cómo temática la vida, los trabajos
realizados, los milagros y el culto de una persona considerada santa. En la diversidad de
santos explorados por la Dramaturgia Hagiográfica Portuguesa del Siglo XVI, Santa
María es aquella que más se destaca en las narrativas, visto que desempeña uno de los
papeles más caros a la Iglesia Católica: Theotókos (Madre de Dios). Buscar-se-á en este
trabajo presentar como María se configura como personaje y discutir cómo se da el
diálogo de ella con las demás personajes presentes en los autos medievais y, por fin,
como su culto se hace la expresión y reafirmación de los dogmas católicos en este
período.
a distância entre Deus e o seu povo e até Cristo, que era medianeiro entre o
Pai e este povo, parecia fora do alcance da maioria. Em consequência, criou-
se o hábito de procurar ajuda para se dirigirem a Deus e a primeira pessoa a
quem apelavam era Maria. Ela era vista como a que mais provavelmente
poderia desviar a ira e o juízo de Deus e a devoção que lhe era prestada, que
tivera sempre um papel importante na Igreja do Oriente, desenvolvia-se agora
no Ocidente (BICKERS; HOLMES, 2006:149).
3 Na Bíblia, as palavras Senhor e Altíssimo são aplicada a Deus e ao Messias-Rei, enquanto representante
de Deus. A partir disso, encontram-se na História da Igreja Católica vários relatos acerca da presença de
Maria em diversos acontecimentos, promovendo intercessões ou milagres, meio pelo qual poderiam os
fiéis retornarem ao caminho da fé cristã.
Ó judaica crueldade
onde me levas meu bem?
Ó cruel Hierusalém
mantador sem piedade
dos profetas que a ti vem
que te fez o meu cordeiro
filho do meu coração
por que tanto sem rezão
condenaste ao madeiro
toda tua salvação?
(CET, Pranto da Senhora, vv. 5-24)
A justaposição do texto bíblico com palavras simples, faz com que haja a
aproximação do povo com a Bíblia sem o intermédio do alto clero, posto que no século
XVI as edições que existiam da Bíblia eram feitas em latim e somente tinham acesso a
Neste trecho, é feita a louvação do morto, mostrando que Cristo fora amado, e a
salvação e condenação do cristão, o que constitui mais uma característica do pranto. Em
seguida, entram as personagens de Nicodemus e Josef ab Arimatia, o diálogo também
pode ser encontrado no Evangelho de João, realçando o caráter intertextual do auto com
5 “Depois, José de Arimateia [...] pediu a Pilatos que lhe permitisse retirar o corpo de Jesus [...].
Nicodemos, aquele que anteriormente procurara Jesus à noite, também veio [...]. Eles tomaram então o
corpo de Jesus e o envolveram em faixas de linho com aromas [...]” (19, 38-40).
6 Uma compilação de textos hagiográficos, de grande valor moral e pedagógico, divididos de acordo com
o tempo no qual eram utilizados pela Igreja.
Um triste desconsolado
mal pudera/poderá consolar
senhora teu gram pesar
porque sangue tam chegado
nam se roga em tal lugar
ver meu Deos e meu senhor
sofrer cruezas tamanhas
ver tuas dores estranhas
me dão tam estranha dor
que me rasgam as entranhas.
(CET, Pranto da Senhora, vv. 94-103).
7 “Tem piedade de mim, ó Deus, por teu amor!Apaga minhas transgressões, por tua grande
compaixão!Lava-me inteiro da minha iniquidade e purifica-me do meu pecado!Pois reconheço minhas
transgressões e diante de mim está sempre o meu pecado;pequei contra ti, contra ti somente,pratiquei o
que é mau aos teus olhos” (SALMO 50, 3-7).
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literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2015, p. 125-150.
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BRAGA. Teófilo. História da Literatura Portuguesa: Os seiscentistas. 3. ed.
Imprensa Nacional - Casa da Moeda: Lisboa, 2005. Vol. III.
ABSTRACT: The fear of death was quite present in the medieval mentality. In a
society focused on salvation, alternatives were sought in order to guarantee it, avoiding
the risks of Hell and overcoming the punishments of Purgatory. The alive ones, being
responsible for softening the sufferings of the souls that waited for salvation in
Purgatory, continually offered masses, songs and prayers for those who died. At the
same time, those rites undertaken in favour of the dead played a fundamental role in the
maintenance of the collective memory and, therefore, in the invigoration of the sense of
belonging to a community. On the other hand, the dead, besides favouring their closest
relatives or friends and certain institutions in their wills, left indications of how their
memory should be preserved and their souls saved. Among the speeches about death
which are present in the narratives and in the wills of the end of the Middle Ages, the
reciprocal solidarity bonds established among the alive one and the dead stand out. This
work aims to analyse such bonds based on the context of London in the 15th century,
fromThe Canterbury Tales narrative, written by Geoffrey Chaucer, and the Calendar
regarding the wills inventoried in the Court of Hustings, especially, in the second half of
the 15th century.
1The Friar’s Tale, 1624-1638. A efeito de comparação, disponibilizamos a versão em prosa do extrato da
fonte: “Ao vê-la rogar a praga de joelhos, perguntou-lhe o diabo: “‘Mabel, minha avozinha querida, você
está falando sério?’ / ‘Sim!’ repetiu ela. ‘A menos que se arrependa, o diabo pode leva-lo agora mesmo,
com panela e tudo!’ / ‘Arrepender-me, vaca velha?!’ interveio o beleguim. ‘Nunca! Jamais hei de
arrepender-me de esfolar você. Eu bem que gostaria de levar também o seu manto e todas as suas roupas!’
/ ‘Irmão’, falou o diabo, ‘não fique zangado comigo, mas acho que tenho direito a seu corpo e a esta
panela. Esta noite você vai comigo para o inferno, onde irá conhecer nossos segredos mais que um
professor de teologia.’” (CHAUCER, 1988:163).
John de Evenefeld descreve o local onde deve ser enterrado, no interior da igreja
e próximo ao túmulo de sua falecida esposa, estendendo, assim, os seus laços em vida
ao seu descanso eterno. O testador detalha ainda como deseja ser sepultado e, para isso,
deixa os recursos pecuniários necessários.
Em seguida, os testamentos apresentam, em geral, a prescrição da quantidade de
missas e orações a serem realizadas pela alma do falecido. Por vezes, a data de sua
morte é escolhida como celebração perpétua, para o que se direciona uma generosa
soma à paróquia de origem ou à paróquia de sua fraternidade. Lista-se, então, as somas
deixadas em favor das paróquias, ordens religiosas, hospitais, obras de piedade, obras
em favor da cidade e fraternidades de sua preferência. Por fim, atestam-se os bens a
serem herdados por sua família e, em alguns casos, amigos. Essas informações sobre os
favores prestados pós-morte, assim como o local de sepultamento, são indicações
2 'Wills: 43 Edward III (1369-70)', in Calendar of Wills Proved and Enrolled in the Court of Husting,
London: Part 2, 1358-1688, ed. R R Sharpe (London, 1890), pp. 123-134 http://www.british-
history.ac.uk/court-husting-wills/vol2/pp123-134 [accessed 5 July 2015].
3 'Wills: 35 Edward III (1361-2)', Calendar of wills proved and enrolled in the Court of Husting,
London: Part 2: 1358-1688 (1890), pp. 13-64. URL: http://www.british-
history.ac.uk/report.aspx?compid=66902 Date accessed: 10 September 2014.
4 'Wills: 9 Richard II (1385-6)', in Calendar of Wills Proved and Enrolled in the Court of Husting,
London: Part 2, 1358-1688, ed. R R Sharpe (London, 1890), pp. 248-259 http://www.british-
history.ac.uk/court-husting-wills/vol2/pp248-259 [accessed 5 July 2015].
5 'Wills: 40 Edward III (1366-7)', in Calendar of Wills Proved and Enrolled in the Court of Husting,
London: Part 2, 1358-1688, ed. R R Sharpe (London, 1890), pp. 92-98 http://www.british-
history.ac.uk/court-husting-wills/vol2/pp92-98 [accessed 5 July 2015].
6 'Wills: 49 Edward III (1375-6)', in Calendar of Wills Proved and Enrolled in the Court of Husting,
London: Part 2, 1358-1688, ed. R R Sharpe (London, 1890), pp. 167-186 http://www.british-
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Introdução:
Este trabalho apresenta resultados parciais da pesquisa desenvolvida no
Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul (UEMS), sob orientação da Profª Drª Ana. A. Arguelho de Souza. A pesquisa tem
por objetivo levantar fontes e realizar um estudo acerca dos elementos míticos, literários
e históricos no poema germânico medieval A Canção dos Nibelungos. O trabalho
vincula-se à linha de pesquisa Historiografia Literária, do referido programa de Pós-
Graduação, e ao grupo de estudos e pesquisa Literatura e Humanidades, coordenado
pelo Profº Drº Daniel Abrão.
Nesta comunicação foram identificados, discutidos e relacionados com a obra
alguns dos elementos históricos que possibilitaram a elaboração das diferentes lendas
perpetuadas através da consciência poética dos povos germânicos. Bem como a maneira
com que a preparação estética e temática da obra reflete esses elementos.
Para a análise aqui realizada, considerou-se a observação da história e de suas
transformações como conteúdo social para as criações artísticas. Esta consideração
pressupõe a afirmação de uma natureza histórica da obra literária e a adoção da crítica
A obra:
A Canção dos Nibelungos, compilada por volta de 1200, é escrita em forma de
versos e dividida em cantos, 39 cantos ao todo. Podem, ainda, ser percebidas duas
partes claramente distintas: uma composta de 19 cantos com origem supostamente
lendária, onde são narradas as origens e aventuras do bravo herói Siegfried e de sua
esposa, Kriemhild, bem como a morte de Siegfried; e outra parte composta de 20 cantos
com origem de base supostamente histórica, onde se narra o casamento de Kriemhild
com Etzel, soberano dos hunos, e seu plano de vingança contra os assassinos de seu
primeiro esposo.
A obra apresenta uma parte totalmente embasada em mitos anteriores. As
principais sagas, mais antigas que ela, nas quais se identificam elementos ali presentes
são as Eddas, a Volsunga Saga e a Saga Thidreks. Todavia, há, entre os estudiosos de
literatura, quem considere o caráter histórico como o principal da obra. Um desses
estudiosos é Otto Maria Carpeaux, que ainda vê na Canção... “a maior façanha de toda a
literatura dos cavaleiros” (2013: 17). Segundo ele:“[...] Em todo caso, versão da saga
nórdica só é a primeira parte do poema, a menos importante, contando as causas e os
motivos da agonia trágica pela qual passarão os Nibelungos na segunda parte; [...]”
(CARPEAUX, 2013:16, grifo nosso).
A segunda parte de que fala o autor é a recordação histórica do ataque dos hunos
liderados por Átila (Etzel, no poema) contra as tribos germânicas, que no poema tem
1 Sobre a influência da Canção dos Nibelungos na obra de Wagner, especificamente, foi publicado um
estudo comparando as duas obras em um artigo intitulado História e Intertextualidade em O Anel do
Nibelungo de Richard Wagner: as fontes literárias (2013).
E sobre os dons proféticos das moças, bem como sobre a consideração de seus
conselhos, ainda é Tácito que afirma que elas não eram desprezadas, pois os homens
consideravam que elas teriam algo de santidade e de providencial.
Acerca do matriarcado, Anderson (2000) também dá conta que ao tempo em que
os romanos tiveram o primeiro contato com os bárbaros germanos, por volta do
primeiro século da Era Cristã, encontraram um povo predominantemente pastoril e com
um modo de “produção comunal primitivo”. Segundo ele, foi somente no contato com
os romanos que o matriarcado começou efetivamente a ser substituído por uma
linhagem patriarcal que marcava propriedades dentro da tribo e posições sociais,
especialmente nos conselhos de guerra.
Considerar os conselhos das mulheres, na cultura delineada na obra, não apenas
era importante, era vital. Assim agem os reis burgúndios na Canção..., sempre
Ainda segundo esse autor, o direito dos germanos opunha-se, dessa maneira, ao
direito dos romanos, que era escrito. O direito do primeiro povo considerava cada caso
único e realçava, em cada um dos casos, as circunstâncias particulares que o
envolvessem (Id. Ibid. : 16).
A afirmação de Oliveira, sobre a prática da justiça, refere-se ao tempo por volta
do século IV. Como foi por essa época que os germanos tiveram seu primeiro contato
com os hunos, deduzimos que a segunda parte da Canção... alude, em grande parte, a
esse período. A falta de leis escritas, o direito a vingança familiar e a formação de
conselhos específicos para cada caso também ficam refletidos na obra.
Para cada batalha, para cada caso de traição ou julgamento que precise ser feito
há uma deliberação diferente, isso abre a possibilidade de Hagen estar sempre
influenciando o rei Gunther no poema. Quando Siegfried é assassinado por Hagen em
uma caçada, os guerreiros de seu séquito querem iniciar uma guerra imediatamente, mas
sua esposa os aconselha a esperarem, pois estão em terra estrangeira e em grande
desvantagem. Mas ali mesmo todos os guerreiros de Siegfried juram lealdade à rainha
Kriemhild e juram também ajudá-la a executar sua vingança. O excerto abaixo
demonstra como a rainha e os pais de Siegfried recebem a notícia de sua morte, e, um
pouco adiante, a confirmação do assassinato e o juramento de vingança:
O excerto é longo, mas reflete com verdadeira beleza literária o valor dado à
honra familiar e ao sentimento de vingança, bem como resgata crenças populares como
a de que um corpo voltaria a sangrar caso seu assassino dele se aproximasse.
A estrutura social encontrada no primeiro contato entre romanos e germânicos
foi modificada com a chegada, e ocupação, dos romanos à região compreendida entre o
Reno e o Elba no século I d. C. Um comércio foi estabelecido entre as tribos germânicas
e o Império. Mercadorias de luxo dos romanos passaram a ser trocadas por gados ou por
escravos capturados em incursões germânicas sobre outras tribos para esse fim. Esse
comércio teria produzido rapidamente “uma crescente estratificação interna dentro das
tribos germânicas” (ANDERSON, 2000: 104), tornando mais desigual e menos
frequentes a distribuição das terras, e distribuindo-as diretamente para os indivíduos,
não mais para os clãs.
O comércio que abastecia os germanos de mercadorias de luxo também fica
evidenciado no poema, no episódio em que Kriemhild prepara roupas para que seus
irmãos e o estrangeiro Siegfried se apresentem na corte de Brünhild:
Sua mãe era uma poderosa rainha chamada Uote, e seu pai, que ao
morrer lhes deixara terras e tesouros, chamava-se Dankrat. Era um homem de
grande bravura, e em sua juventude também conquistara grande renome.
Como já disse, estes três reis eram de grande coragem, e tinham às
suas ordens os melhores guerreiros de que já se ouviu falar, fortes,
destemidos e fiéis nas mais árduas batalhas. (ANÔNIMO, 2001: 09-10)
O mesmo autor segue pontuando que boa parte da literatura dos cavaleiros seria
de índole política, muitas vezes com inspiração mística. Mas não seria, a princípio, uma
literatura de corte. Segundo ele, a aristocracia alemã medieval jamais teria conseguido,
ou sequer pretendido, submeter completamente seus vassalos. Essa mesma aristocracia
teria guardado ampla independência em seus castelos. E teria tempo e ócio para dedicar-
se aos ideais de natureza pessoal (Id. Ibid).
As mudanças e substituições feitas, no entanto, não trouxeram uma fórmula
política que ainda permanecesse ao final da Idade Média, o abandono de algumas
tradições da Antiguidade levou a uma queda no nível de sofisticação dos Estados. A
expansão islâmica no Mediterrâneo, no início do século VII e o consequente
fechamento do comércio e bloqueio da Europa Ocidental, aliados ao crescimento
demográfico, fizeram toda Europa voltar-se à economia rural. A realização mais
positiva dos bárbaros no período foi a conquista da Germânia, completada pelos
merovíngios no século VI.
Considerações finais:
Posicionamos, nesse trabalho, historicamente os povos germânicos que
formaram a nação alemã, bem como seus movimentos históricos que os identificaram
inicialmente como povos bárbaros e, posteriormente, como povos vivendo no interior
do Império Romano, incorporando suas instituições, sua forma política e sua religião.
Essa incorporação não ocorre sem conflitos (bélicos, políticos e ideológicos) que são
refletidos em obras produzidas no período e, neste caso particular, na Canção dos
Nibelungos.
Consideramos, no desenvolvimento dessa pesquisa, o valor do tema para o
avanço dos estudos mitológicos e literários na perspectiva marxista. Especialmente
BIBLIOGRAFIA:
ANDERSON, P. Passagens da antiguidade ao feudalismo. Tradução de Beatriz
Sidou. São Paulo: Brasiliense, 2000.
ANÔNIMO. A Canção dos Nibelungos. Tradução de Luís Krauss. São Paulo: Martins
Fontes, 2001. Coleção Gandhära.
ANÔNIMO. A Canção dos Nibelungos. Tradução de Shcmidt Patier. Brasília:
Thesaurus, 2013.
CARPEAUX, O. M. A História concisa da Literatura Alemã. São Paulo: Faro
Editorial, 2013.
ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do estado. Tradução de
Leandro Konder. Rio de Janeiro: Best Bolso, 2014.
OLIVEIRA, W. F. Os primeiros reinos medievais: os reinos germanos. Salvador:
Centro Editorial e Didático da UFBA, 1988.
SOUZA, A. A. A. Literatura e marxismo: a natureza histórica da obra literária. In:
SOUZA, Ana Aparecida Arguelho de; FRIAS, Regina Barreto (Org.). O processo
educativo na atualidade: fundamentos teóricos. Campo Grande: UNIDERP, 2005, v.
1, p. 51-64.
TÁCITO, P. C. Germânia. Tradução de João Penteado Erskine Stevenson. São Paulo:
eBookLibris, s/d. Versão para E-Book.