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villas

e
cidades
As
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Monarchia
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ÀS CIDADES E V1LLAS
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MOMRCHIA PORTIGUEZA

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VoLtII I.

LISBOA
TTPOGRAPHIA DO PANORAMA.
TRAvESSA BAW.TORtA, 73

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AS CIDADES E V1LLAS
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MONARCHIA PORTUGUEZA
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QUE TEEM BRASÃO DARIAS.

POR

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VOLUME I.

LISBOA
TYPOGRAPHIA DO PANORAMA.
TRAVESSA DA "VICTORIA, 73.

1860.
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PROLOU).

Nas festas daacclatuagào do senhor D. Pedro v


avultaram entre os ornamentos da praça do Com-
mercio os brasões das cidades e villas da monarchia
portugueza. Este pensamento foi geralmente ap-
plaudido.
Poderia o architecto, que dirigiu os trabalhos pa
ra este festejo, inventar outras decorações mais vis
tosas, inais bellas, c de mais aprimorado gosto ;
inas não podia, certamente, idear nenhuma mais si
gnificativa e apropriada ao assumpto.
Achavam-se os portuguezes tão fatigados de luc-
ctas ingtorias ; tão desalentados por verem mallo-
grarem-se todas as suas esperanças de progresso,
no meio das contiuuas discordias, que consumiam
improductivamente a sua vitalidade, e esterelisa-
vam os recursos do paiz ; que a todos se antolhou o
joven monarcha, na sua ascenção ao throno, como
o lris, que depois de tantas tempestades, lhes an-
nunciava bonança, e promettia felicidade.
Não era isto um sonho d'homens acordados ; nem
um simples desejo, que o mal estar trausforma em
esperança ; nem uma illusão ephemera de quem
precisa illudir-se. Era uma esperança fundamenta
da. Era quasi uma fé.
O principe, que ia cingir a coroa de D. João iv,
era o primeiro dos nossos reis nascido sob o regi
men constitucional ; educado nos principios da li
berdade e da mais sã moral ; instruido em variados
ramos dos conhecimentos humanos ; dotado de um
caracter serio e grave ; e de um talento applicado.
A singeleza dos seus costumes ; a lhaneza natural
das suas maneiras ; o seu amor da justiça e do paiz;
o zelo, emfim, com que procurava empregar util
mente o seu tempo ; eram coisas geralmente conhe
cidas. Não havia pessoa alguma que deixasse de sa
ber um ou outro facto caracteristico de tão pro-
mettedoras qualidades.
Além de tantos dotes, que o recommendavam ás
sympathias publicas, ainda tinha em seu favor mais
uma circunstancia, casual, porem de muita valia
para uma nação no estado em que se achava Portu
gal. Era um principe estranho a todas as nossas dis-
sençoes, e puro de todas as maculas politicas, que
nas grandes revoluções raras vezes poupam a pur
pura real.
Por todas estas razões saudaram os portuguezes
com verdadeiro jubilo esse dia em que se ia estrear
tão auspicioso governo.
Nunca, desde o começo das nossas luctas civis, se
apresentou uma festividade nacional tão acceita'e
desejada em toda a monarchia como a acclamação
do senhor D. Pedro v. Foi, portanto, uma idéa mui
to feliz, a que fez representar nessa grande sotem-
nidade todas as cidades e principaes villasda mo
narchia por meio dos seus brasões dermas, que pe
la maior parte commemoram feitos gloriosos.
A apparição d'osses brasões n'aquelles feste
jos, ao mesmo tempo que lisonjeou as provincias,
apertando os laços de fraternidade, que as devem
unir á capital, excitou a curiosidade publica, edeu
origem a algumas controversias ácorca da exacti
dão dos ditos brasões.
Resolvendo então os editores de dois jornaes lit-
• terarios d'essa epoca, onde collaboravamos, publi
car em estampas esses escudos d'armas com as
correcções, que fosse possivel introduzir-lhes, pe-
diram-nos algum trabalho litterario, que acompa
nhasse aquella serie de estampas.
Afigurou-se-nos logo o encargo bastantemente
difficil, pela carencia de estudo sobre a materia, pe
Ia falta que ha de elementos para um estudo regu
lar, e pela estreiteza do tempo, que nos davam pa
ra essa tarefa, pois que pediam as conveniencias
dos dois alludidos jornaes, que se começasse essa
publicação, em quanto se achava excitada a curio
sidade publica.
Todavia, querendo satisfazer, do modo que pu
dessemos, aquelles razoaveis desejos, acedtamos a
incumbencia com muita repugnancia ; pois que aos
motivos expostos, ainda se acerescentava outro, que
não pouco nos contrariava, como era termos de es
crever sobre o mesmo assumpto, e ao mesmo tem
po, para dois jornaes.
Em tal aperto de circunstancias, tomámos a reso
lução de escrever para um dos jornaes as lendas,
que deram origem a muitos dos referidos brasões ;
e para o outro as noticias historicas e descriptivas
das terras, a que pertenciam os escudos d'armas.
Ainda assim este ultimo trabalho não podia dei
xar de ser muito imperfeito, tanto pela urgencia da
publicação, como pelos acanhados limites, que a
economia do jornal impunha a similhantes artigos.
Apezar disso, quiz o editor ir tirando desde lo
go dos prelos uma edição á parte, em corpo de vo
lume.
Cessando o jornal a sua publicação , quando a
nossa obra ia em mais de meio do segundo volume,
julgámo-nos então em mais liberdade para a conti
nuar; e d'ahi por diante, como se verá d'ella, de
mos mais largas aos seus capitulos.
Sirvam, pois, todas estas razões, que expomos
em resumido quadro, para que nos sejam releva
dos muitos erros e omissões, que certamente se hão
de encontrar n'esta obra.
»
A VILLA DE ABRANTES.

E' esta vil la uma das mais antigas não só da


provincia da Estremadura, mas de Portugal. Attri-
bue-se a sua fundação aos gallos celtas, 308 an-
nos antes do nascimento de Christo.
Esteve prospera sob o dominio dos romanos, os
quaes lhe deram o nome de Tubuci. posto que al
guns antiquarios querem que esta denominação
pertencesse á villa de Tancos.
Destruido o imperio romano pelos povos do nor
te, em breve estes invadiram a peninsula hespanica
(annode 409) e assim passou Abrantes successiva-
mente de uns a outros possuidores.
Durante o governo dos godos, ao que parece,
se começou a chamar Aurantes , pela razão do
muito oiro, que ahi se tirava das arêas do Tejo.
Invadida novamente a peninsula pelos arabes
no seculo vin, vencidos a seu turno os godos, e
aniquilado o seu poder, ficou Abrantes sob o jugo
sarraceno. Os moiros chamaram-lhe Libia.
No anno de 1148 foi conquistada pelas armas
enristãs, tendo á sua frente a D. Affonso Henri
ques, o illustre fundador da monarchia. Passados
trinta e um annos veiu por-lhe cerco com pode
roso exercito Aben Jacob, filho do Miramolim de
Marrocos. N'este estreito assedio obraram os seus
moradores singulares proesas, até que tiveram a
fortuna de ver o inimigo, desbaratado e desalen
tado, levantar seus arrayaes, e recolher-se às suas
1
terras. Em remuneração (Teste feito coneedeu-lhe
D. AlTonso Henriques muitos privilegios.
Com a expulsão dos moiros perdeu logo o nome,
que estes lhe tinham dado, pois que os portugue
ses começaram a chamar-lhe Arrantes, corrupção
do de Aurantes. Aquelle tambem com o tempo se
corrompeu no de Abrantes, que actualmente tem.
Querem alguns autores, que em uma reunião de
cortes a que concorreram os procuradores d' esta
villa, se travara entre estes e os deTorres Novas
uma acalorada disputa sobre a precedencia de usa
rem da palavra, e que el-rei decidindo a questão
em favor dos primeiros, lhe dissera — Habtad antes
(fallae antes), d'onde se originou á villa o nome
de Abladantes, corrupto depois em Abrantes. Na
historia dos godos vem denominada Ablantes. Com-
tudo a primeira ethymologia parece-nos a mais
verdadeira.
Está situada a villa de Abrantes na margem di
reita do Tejo, em logar elevado, o que lhe dá a
vantagem de desfructar deliciosas vistas do rio,
e dos aprasiveis campos e montes, que a rodeiam,
onde se vêem muitas hortas e pomares. .
No seu principio constava unicamente de duas
grandes ruas, chamadas — a rua Nova, e a doCas-
tello, que corriam junto d'esta fortaleza, que lhe
fícava a cavalleiro. Depois arruinaram-se aquellas,
e foi-se estendendo a villa pelo dorso do monte até
um sitio cheio de salgueiraes, dosquaesainda conser
va a memoria em nome da fonte do Salgueiro. A sua
população anda actualmente por umas cinco mil al
mas. Dista cinco leguas de Thomar, e vinte e tres
de Lisboa. Deu-lhe foral el-rei D. Affonso Hen
riques em 1179, o qual foi reformado por cl-rei
D. Manuel em 1510. Nas antigas cortes tinham as
sento os seus procuradores no banco nono.
Tem quatro parochias, S. Vicente, S. João Ba
ptista, Santa Maria do Castello, e S. Pedro ; casa
da misericordia e hospital, varias ermidas, dois con
ventos de freiras, e dois das extinctas ordens re
ligiosas. A egreja de S. Vicente é o seu principal
—3—

templo, tanto pela sua antiguidade como pela gran


deza, e magnificencia da sua fabrica. A sua pri
meira fundação é muito anterior ámonarchia. Ti
nha por orago a Nossa Senhora da Conceição,
quando o primeiro alcaide-mór do castello de Abrau-
tes, tendo assistido em Lisboa á trasladação do
corpo de S. Vicente, e obtido de el-rei D. Affonso
Henriques um dente d'aquelle raartyr, levou-o e
depositou^o naquelle templo, que desde então se
intitutou de S. Vicente. No seculo xvi achando-se
muito arruinado, foi eompletamente reedificado
por ordem de el-rei D. Sebastião, conservando-se
só da antiga fabrica, para memoria, a capella que
passou a intitular-se de Nossa Senhora da Concei
ção. Concluiu-se no anno de 1590.
A egreja de Santa Maria do Castello é de mui
ta antiguidade, e duvidosa origem. E' pequena, e
tem tido diversas reediticaçCes, porém encerra
muitos objectos d'arte e memorias historicas, nos
tumulos da familia dos marquezes de Abrantes,
que ahi teem o seu jazigo. O mausoleo de Diogo
Fernandes d' Almeida, vedor da fazenda dos reis
D. Duarte, e D. Affonso v, fallecido em 145Q; e
o de D. Antonio d' Almada, que morreu em 1556,
são de muita belleza e primor artistico.
O mosteiro de Nossa Senhora da Graça, de reli
giosas dominicas, teve principio no anno de 1384.
Fundou-o D. Vasco de Lamego, bispo da Guarda,
e foi habitado por conegas regulares de Santo Agos
tinho ; e no anno de 1548, tendo passado as frei
ras sete annos antes á observancia da regra de S.
Domingos, se mudaram para o novo convento, cons
truido no Rocio.
O outro convento é de freiras franciscanas, e da
invocação de Nossa Senhora da Esperança. Este
foi modernamente supprimide.
O extincto convento de frades de S. Domingos,
que se intitulava de Nossa Senhora da Consolação,
foi obra de el-rei D. Manuel, que o acabou em 1517.
Ode Santo Antonio, de piedosos, foi edificado
por D. Lopo d' Almeida em 1526.
_4 —

Sobranceiro á villa, como dissemos, fica o seu


antigo castello, e ahi tambem um bom palacio dos
marquezes d'Abrantes, seus alcaides mores.
E' esta villa praça de guerra desde o tempo da
regencia do principe D. Pedro, depois rei, segun
do do nome, que mandou fazer as fortificações mo
dernas, a que posteriormente se accrescentaram
algumas obras. Padeceu muito na guerra da res
tauração contra Castella, e na invasão dos lrance-
zes em 1807 teve de franquear as suas portas ao
marechal Junot na sua marcha sobre Lisboa.
Abrantes tem algumas boas ruas, e uma grande
praça, que é a principal, onde se ergue a casa da
camara, edificio espaçoso e regular, construido no
seculo passado.
A feira annual, a 24 de Fevereiro, é muito con
corrida. Finalmente Abrantes faz um grande com-
mercio com Lisboa por meio do Tejo, e tem por
armas quatro flores de liz, e quatro corvos, com
uma estrella no meio, em campo azul. Veem-lhe
as flores de liz do seu primeiro alcaide-mór, que
teve parte na conquista de Lisboa, e parece era
de origem franceza. Os corvos se lhe juntaram em
honra c memoíia de S. Vicente, por causa da re
liquia que lhe foi levada. A estrella dizem uns
que é em signal de ter sido terra de moiros, e
outros em commemoração de ter tido por orago
da sua mais antiga parochia a Nossa Senhora da
Conceição.
Residiram por vezes n'esta villa el-rei D. Ma
nuel, e a rainha D. Maria, sua segunda mulher, que
n'ella deu á luz os infantes D. Luiz, e D. Fernan
do. Este ultimo, que foi casado com D. Guiomar
Coutinho, essa rica herdeira, filha do conde de
Marialva, cujos amores com o marquez de Torres
Novas, filho de D. Jorge, duque de Coimbra, for
mam o mais singular c complicado romance da
historia portuguesa, habitou tambem n'esta villa
n'umas casas que, no seculo passado, pertenciam ao
morinulu Manuel Soares Galhardo Themudo Cal
e ira.
—5—
Egualmente assistiram em Abrantes, em diver
sas occasiões, el-rei D. Pedro i, o infante D. Pe
dro, filho de D. João i, el-rei D. João 11, e sua
nora a princeza D. Isabel, filha dos reis catholi-
cos Isabel e Fernando.

A VILLA DE ALBUFEIRA.

Está situada esta villa no reino do Algarve, so


bre o mar, sete leguas ao nascente da cidade de
Lagos, e duas ao sueste da cidade de Silves.
Não ha noticia certa da sua fundação, mas deve
ser muito antiga, pois que já existia antes da in
vasão dos moiros com o nome de Baltum, de ori
gem romana. Logo que os arabes se apossaram
d'ella começaram a chamar-lhe Al Buhar, que si
gnifica o mar, isto por causa de uma grande la
goa, que ahi havia, formada pelas aguas, que o
oceano arremeçava para o interior na occasiãode
temporaes ou nas grandes marés. D'aquella pala
vra arabe se derivou o nome actual de Albufeira.
Foi conquistada aos moiros por el-rciD. Áffon-
so iii, que fez doação d'ella á ordem militar de
Aviz. Depois d'esta conquista decaiu bastante, por
que se lhe acabou o elemento que fazia a sua pros
peridade, e que consistia no importante commer-
cio de exportação e importação, que os seus ha
bitantes faziam com as povoações d'Africa.
Com o decurso do tempo c com o desinvolvi-
mento do paiz, foi melhorando, e tirando partido do
seu porto tanto para o commercio, como para a pes
caria, que naquella costa é objecto de grande im
portancia. O terramoto do 1.° de Novembro de
1755, que arruinou tantas terras do Algarve, cau
sou-lhe bastantes estragos, que ao depois se foram
reparando. Ao presente conta esta villa mais de
dois mil e quinhentos habitantes.
Acha-se edificada sobre uma rocha sobranceira
ao mar, parte em sitio plano, e parte no declive
para a praia. Aquella é fortificada, e dominada por
um velho castello, de que eram alcaides-móres os
condes deValle de Reis, depois marquezes de Loulé.
Tem uma só parochia, dedicada a Nossa Senho
ra da Conceição. A casa da misericordia e hospi
tal são de antiga fundação. A 3 de Fevereiro tem
uma feira de tres dias bastante concorrida.
O seu porto é espaçoso. Duas pontas de terra,
que entram pelo mar, uma do lado do nascente
chamada— o Porchel, e outra do occidente denomi
nada— a Bateeira, apresentando a feição de uma
meia lua, formam uma boa enseada, ainda que não
muito abrigada. A praia étão vasta, que dizem ter
uns tres mil passos de comprimento sobre duzen
tos de largura, porém no preamar é toda cober
ta pelas ondas, que vão bater contra as rochas,
que servem de alicerce à villa.
Albufeira gosou outr'ora da regalia de mandar
piocuradores ás cortes, os quaes tinham assento
no banco quinze. O seu brasão d'armas é uma
vacca de oiro em campo azul.

A VILLA D'ALCACER DO SAL.

Trinta annos antes do nascimento de Christo,


segundo escrevem alguns historiadores, Bogud, rei
moiro d'Africa, atravessando o estreito com um po
deroso exercito, invadiu e assolou grande parte da
Lusitania. Entre as muitas devastayões que com-
inetieii, a que mais affligiu e indignou os habitan
tes foi a destruição de um celebre templo dedica
do a Salacia, que se erguia junto ás margens do
rio Sado.
Bogud, carregado de despojos, embarcou-se para
Africa, porém no meio do Mediterraneo sobreveiu-
lhe tão rijo temporal, que perdeu em lastimoso
naufragio as riquezas que levava, e a maior parte
do seu exercito.
Attribuido este caso à justa vingança da deusa,
cresceu tanto nos habitantes a devoção para com
a sua patrona, que não só reedificaram o templo com
mais grandeza, mas fundaram em torno d'elle uma
povoação a que deram o nome de Salacia. Teve
esta povoação tão grande e rapido desinvolvimen-
to, que o imperador Augusto lhe deu o titulo de
municipio romano, e em memoria d aquelle suc-
cesso e honra da deusa mandou que se chamasse
— Salacia Inperatoria.
Progrediu tanto a nova cidade no. seu engrade-
cimento, que ha autores antigos, que affirmam,
oceupara um ambito de duas leguas. E com effeito
n'este espaço de terreno se tem achado algumas
antiguidades romanas e muitos vestigios de gran
des edificios.
No anno de 300 de Jesus Christo era cidade epis
copal, tinha então por bispo a S. Januario, e por
esse tempo assistiu e prégou nella S. Manços, pri
meiro bispo d'Evora.
Todavia esta prosperidade não foi de longa du
ração, talvez por causa das muitas guerras de que
foi theatro o solo da Lusitania durante a domina
ção romana, pois que Plinio, exaltando a sua gran
deza e opulencia d'outr'ora, diz que no seu tem
po se achava muito destruida.
A invasão dos povos do norte, depois da queda
do imperio romano, acabou de arruinal-a, de sor
te que os seus moradores, já mui reduzidos em
numero, viram-se obrigados a recolherem-se ao
castello, que campeava sobre uma eminencia visi-
nha á povoação, para d'ahi melhor se defenderem
— 8 —

contra os continuos accommettimentos de novos


inimigos.
Apossando-se os moiros d'este nosso paiz no
seculo vin, não trataram de levantar das minas a
destruida Salacia, preferiram, segundo o seu sys-
tema, estabelecerem-se em uma posição defensa
vel, e já fortificada, como era o monte em que se
achava o castello. O que fizeram foi construir uma
nova cerca, que deixasse amplo espaço para den
tro d'ella se abrigar a nova povoação. A esta de
nominaram Alcazar de Salaria.
O primeiro nome era commum a todos os cas-
tellos na tingua arabe ; o segundo, para o differen-
çar dos mais, era allusivo ao muito sal, que ali se
tirava do Sado desde tempos mais remotos.
A 24 de Junho de 1158 foi tomada aos moiros
por el-rei D. Affonso Henriques, depois de dois
mezes de apertado cerco e continuos combates,
tendo feito anteriormente o mesmo monarcha duas
inuteis tentativas para a conquistar, ajudado en
tão de armadas estrangeiras.
Tiveram os moiros a fortuna de a recuperar, e
os christãos a de se apoderarem novamente d'el-
la a 18 de Outubro de 1217, reinando D. Affonso
ti, e por esforço de D. Sueiro, bispo de Lisboa,
que aproveitando-se do auxilio de uma armada
de cruzados, que aportara ao Tejo, foi á frente das
phalanges portuguezas atacal-a por terra, em quan
to os estrangeiros auxiliares a accommettiam do
lado do rio. Tal era a fortaleza e defensa d'aquel-
la praça, que deu tempo a virem em soccorro d'el-
la com grandes forças os reis de Badajoz, de Jaen,
Sevilha, e Cordova.
Advertidos os portuguezes e seus alliados, sai-
ram-lhes ao encontro a uma legua de distancia, e
ahi se pelejaram duas batalhas tão mortiferas, que
ao sitio se deu o nome de Valte da Matança, que
ainda se conserva em uma herdade. A derrota dos
moiros e a morte de dois dos seus principes, en
chendo de terror os seus irmãos d'Alcazar, levou-
os a entregar a praça por capitulação.
—9—
Não tornou mais esta praça a separar-se da co
roa de Portugal, porém no meio d'estas encarni
çadas luctas desappareceu a Alcazar moirisca, co
mo antes d'ella desapparecera a Salacia romana.
Os novos moradores, preferindo viver nos campos
visinhos, foram-se estendendo pela margem direi
ta do Sado; e apesar da mortal antipathia,. que
dividia as duas raças em dois campos tão inimi
gos, ficou á nova povoação o nome arabe de Alca
cer do Sal, que pronunciamos com pouca corru
pção do antigo.
Está pois situada a villa d'Alcacer em logar pla
no junto ao rio, a sete leguas de distancia da sua
foz, e da villa de Setubal. Conta perto de tres mil
habitantes. Tem duas parochias, a de Santa Maria
do Castello, e a de Santiago. A primeira, fundada
logo depois da restauração da villa em 1217 por
el-rei D. Affonso ir, está dentro do castello. Na
architectura interior, principalmente, mostra a sua
muita antiguidade. A segunda foi construida no
seculo passado no centro da villa', concorrendo para
a obra el-rei D. João v.
A egreja da misericordia foi fundação de Rui
Salema no aano de 1530. Além do hospital an-
nexo a esta santa casa, tem outro intitulado do
Espirito Santo que é administrado pela camara.
Dentro do castello está o convento de Nossa Se
nhora de Ara-celi, de religiosas de Santa Clara,
fundado pelo mesmo Rui Salema, que era fidalgo
da casa do infante D. Luiz. Para esta obra fez-lhe
doação el-rei D. Sebastião dos paços, que os nos
sos reis tinham no dito castello, e nos quaes se
achava o duque' de Reja, D. Manuel, quando por
morte de seu primo, el-rei D. João n, foi chama
do ao throno.
Nos arrabaldes está o extincto convento de Santo
Antonio, que 'foi de frades franciscanos, edificado
por D. Fernando Mascarenhas no anno de 1524.
O castello de Alcacer, posto que em grande rui-
na, é uma curiosa antiguidade, não só pelas me
morias historicas, que estão ligadas áquellas pa-
2
— 10 —
redes desmoronadas, mas tambem porque ainda
no seu vasto ambito se descobrem vestigios de
grandes edificios arabes, e algumas antigualhas.
Situado sobre uma eminencia, quasi toda de ro
cha, e sobranceiro ao rio, gosa-se-d'ali um en
cantador panorama.
Alcacer faz bastante commercio com Lisboa, Se
tubal, e Beja, sendo o Sado navegavel até Porto
de Rei, tres leguas acima de Alcacer. As rendosas
herdades de que se compõe o seu termo, e as nume
rosas salinas que lhe debruam o rio constituem-na
uma das mais ricas vi lias de Portugal. Tem uma
feira importante a 14 de Abril.
Outr'ora gosou da prerogativa de mandar pro-'
curadores ás cortes, os quaes tomavam assento no
sexto banco.
Tem por brasão uma nau, e por timbre as ar
mas reaes. Estas em memoria de ter sido a villa
conquistada a primeira vez pelo proprio rei D.
Affonso Henriques. A nau em recordação dá arma
da de cruzados, que auxiliou n'aquella empresa o
monarcha portuguez.
ALEMQUER
<as&wm*i
— 11 —

A VILLA D'ALEMQUER.

São muitas e variadas as opiniões sobre a anti


guidade d'esta villa, e sobre a etymologia do seu
nome. Uns autores a fazem de origem romana, di
zendo que então se chamara Jerabrica, o mesmo
nome, com differença de uma lettra, que tivera a
villa de Povos. Querem outros que fosse funda
ção dos alanos em o anno de Christo de 418, e
que estes a denominaram Alan-Kerke, na sua lín
gua—Templo dos Alanos. Tambem ha quem a at-
tribua aos suevos com o nome de Alenkerkana. Se
se attender á lenda popular, provém-lhe o nome
e as armas do seguinte successo.
Achando-se el-rei D. Affonso Henriques no cer
co d'esta villa, então occupada por moiros, na ma
drugada do dia de S. João saindo estes a banha-
rem-se ao rio, conforme o seu costume, um cão
que vigiava a villa, e que saira com elles, veiu ter
com os portuguezes, e indo-se direito a el-rei sem
ladrar, lhe fez tanta festa, que estemonarcha ex
clamara, referindo-se ao cão : O Alão quer. E to
mando isto por um aviso do ceo accommetteu de
improviso a praça, e a tomou.
Na verdade as armas da villa parecem confir
mar a lenda, pois são : em campo de prata um
cão pardo preso a uma arvore com um grilhão
de oiro.
Entretanto os autores que lhe assignalam ori
gem romana, teem bons fundamentos, pois que
em diversas epocas, e principalmente no seculo
passado, se encontraram em excavações para ali
cerces de casas ou muros muitas lapidas e cip-
pos com inscripções romanas.
A lenda pode ser verdadeira, mas tambem é
possivel, que, tendo os alanos por emblema nacio
nal, que usavam nos escudos e bandeiras, a figu
ra de um gato, de certo mal representado, pois que
as artes se achavam entre elles no mais deploravel
— 12 —
r
atraso, é possivel, repetimos, que essa tosca figura
viesse com o discurso do tempo, e depois da ex-
tincção d'aquelle povo, a equivocar-se, e tomar-se
por um cão. O nome de Alão podeegualmente ser
o resultado de uma confusa tradição popular. En
contramos tambem escriptores de boa nota, que
pretendem que o nome de Alemquer seja de ori
gem arabe.
Partindo de epocas menos remotas, e de noti
cias mais certas, sabe-se que Alemquer foi tomada
aos moiros por el-rei D. Affonso Henriques pelos
annosde 1148, eno fim de dois mezes de cerco. No
de 1184 vieram os moiros cercal-a com grande
exercito, mas foram derrotados.
Arruinada e despovoada poreffeito das guerras,
foi mandada reedificar e povoar por D. Sancho i,
que a deu em dote à sua filha, a infanta D. Sancha.
Nas discordias entre esta princeza e seu irmão
el-rei D. Aflonso n, que lhe pretendia tirar a pos
se da villa, soffreu muito esta povoação pelo es
paço de dois annos, que durou esta contenda. Por
esta occasião teve um cerco de quatro mezes, re
sistindo até ao fim d'elle contra as forças d'aquelle
soberano.
Vagando para a coroa por morte d'esta infanta
santa, foi doada por D. Affonso m a sua mulher
a rainha D. Brites, e ficou depois no senhorio das
rainhas.
Refere um autor, que foi grande investigador das
nossas antigalhas, que nos primeiros reinados da
monarchia se deu a Alemquer o nome de Chapins
da Rainha, por causa da doação feita a D. Beatriz,
ou a outra das suas successoras, dizer que eram
as rendas doadas para os chapins da rainha.
Nas desordens, que se succederam á morte d'el-
rei D.Fernando, padeceu cercos e combates a villa
d'Alemquer, por se conservar fiel á rainha viuva
D. Leonor Teltes contra o mestre d'Aviz, depois
rei com o nome de- D. João i (1385). E tambem
passou por muitos sustos e alvorotos durante as
discordias, que romperam sobre a regencia de Por
— 13 —
tugal entre a rainha D. Leonor, viuva del-rei D.
Duarte, e mãe de D. Affonso v,eo infante D. Pe
dro, seu cunhado (1439).
Na usurpação de Castella foi dada esta villa por
D. Filippe n a D. Diogo da Silva, conde de Sali
nas em Hespanha, ao qual fez marquez d'AIem-
quer, e vice-rei de Portugal. Pela restauração de
1640 tornou para o seu antigo senhorio, onde se
conservou até que em 1833 foi extincta o casa das
rainhas.
Está assentada a villa d'Alemquer no dorso de
um monte,> pelo qual vae descendo até ao fundo
de um estreito valle, por onde corre o rio do seu
mesmo nome, que a divide por assim dizer em dois
bairros.
Servem de coroa a esta antiga villa os restos
venerandos de seu antiquissimo castello. Não ha
noticia certa da primeira fundação d' este castello,
mas sabe-se que já existia quando teve logar a in
vasão dos moiros no começo do seculo viu, e que
estes pelo tempo adiante o renovaram e accres-
cen taram.
A. resistencia, que o mestre dAviz encontrou
n'esta fortaleza, quando lhe poz o cerco acima re
ferido, levou mais tarde este principe a mandar-
lhe tirar os cunhaes, com o que em breve caiu em
ruinas.
A cerca de muros, que outr'ora cingia e fechava
Alemquer, com as portas de Villa, e do Carvalho,
ou Santo Antonio, que eram as principaes, e tres
outras mais pequenas, era obra dos arabes, assim
como varias cisternas, de que ainda restam ves
tigios.
Divide-se esta povoação nas seguintes parochias.
A de Santo Estevão, situada no declive do monte;
parece fora dos cavalleiros do Templo , e en
cerra n'um corredor, que vae da sachristia para o
coro, uns mausoleos mettidos na parede, e debaixo
de arcos, com umas espadas esculpidas na pedra,
como usavam os templarios. A de S. Pedro é me
nos antiga. A de Santa Maria da Varzea está fun
— 14 —
dada proximo do rio. Tendo sido destruida no se
culo xy por um incendio, que se attribuiu aos ju
deus, que moravam junto ao postigo de Santiago,
onde então era a judiaria, foram estes expulsos
da villa, e obrigados a reedificar o templo. Na ca-
pella mór, em uma sepultura embebida na parede,
da parte da epistola, está o celebre chronista d'el-
rei D. Manuel, Damião de Goes. Nossa Senhora da
Assumpção de Triana, fundada pela rainha Santa
Isabel no outro lado do rio ; pelo que se denomi
nou ao principio Nossa Senhora da Assumpção
Trans Amnem, isto é além do rio, de que vem
por corrupção o nome de Triana. O convento de
S. Francisco, que ora se vé em ruinas, situado
na parte mais alta da villa, foi o primeiro, que
a ordem serafica teve em Portugal. Está fundado
no palacio, em que habitou a santa infanta D. San-
eha, por ella propria doado para esse fim. Con-
cluiu-se este convento no anno de 1222, em vida-
de S. Francisco de Assis. Teve varias reedifica-
ções. Em quanto o convento se construia, assisti
ram os primeiros fundadores, enviados por aquelle
santo, no pequeno hospicio, chamado o Oratorio
de Santa Catharina, junto do rio.
A egreja e hospital da misericordia foram man
dados edificarem 1527 por D. João m. Teve tam
bem um convento de freiras de Santa Clara.
Conta Alemqucr varias ermidas, mas d'entre estas a
mais celebre é a do Espirito Santo, por haver sido fun
dada com um hospital contiguo pela rainha Santa Isa
bel, e por que n'ella instituiu a mesma santa -aquel-
la singular festividade ao Espirito Santo, em que
se fazia a ceremonia da coroação de um imperador ;
festa, que bem depressa se generalisou por todo o
reino, e que tão popular se tornou, fazendo-se ain
da hoje em muitas terras com bastante apparato. -
Em uma fonte proxima d'esta ermida, diz a tra
dição, que vinha a santa rainha, quando residia
n'aquella villa, lavar os panos, que serviam no hos
pital ao curativo dos doentes. Refere tambem a tra
dição, que o nome de Fonte Santa, que se dá a
— IS —
uma nascente, que corre junto do Oratorio de Santa
Calharam, se deriva de terem ali residido aquelles '
filhos de S. Francisco, que indo levar a luz evan
gelica á Barberia, ahi encontraram o martyrio, fa-
zendo-se depois conhecidos no orbe catholico pelos
cinco martyres de Marrocos.
Na rua da Triana ha uma fonte, que se julga ser
obra da rainha Santa Isabel.
Das pontes, que cortam o rio, a mais notavel é a
do Espirito Santo, construida proximo da ermida da
mesma invocação por el-rei D. Sebastião, a qual se
terminou, segundo diz uma inscripção que n'ella se
lé, aos 28 de Abril de 1571. Tambem na mesma
ponte se vê esculpido na pedra o escudo das armas
reaes com o cão por baixo.
Encerra esta villa duas fabricas muito importan
tes, uma de papel, e a outra de cobertores, e di
versos outros produetos, tanto de algodão, como de
lã. Esta, fundada pelo senhor Lafourie, oceupa um
bom edifício modernamente construido. Aquclla, cons
truida por uma sociedade de capitalistas de Lisboa,
tem um edificio vasto, e de bella apparencia, com
grandes e formosas presas dagua. Depois de haver
tido tempos de prosperidade, e de decadencia, e de
estar afinal muitos annos arruinada e inutil, foi ven
dida ha poucos annos a uma companhia de accio
nistas, que a reconstruiu, melhorou, e poz em mo
vimento. Ambas estas fabricas estão situadas junto
ao rio, que lhe serve de motor, e ambas dão em
prego a um grande numero de braços.
Alemquer dista sete leguas e meia de Lisboa para
o norte, uma do Tejo, e pouco menos de uma da
respectiva estação do caminho de ferro de leste. Fica
junto á nova estrada, que do Carregado conduz para
Coimbra, passando pelas Caldas, Alcobaça, Bata
lha, Leiria, Pombal, Redinha, e Condeixa, com as
quaes está em diaria communicação por meio da
mala-posta.
Segundo um documento muito antigo, achado no
cartorio da camara, se nos não enganamos, teve esta
villa em tempos remotos uma grande população, em
- lo

que se coutavam perto de cinco mil pessoas do sexo


masculino. Ao presente tem uns dois mil e quinhen
tos habitantes. Teve voto em cortes, com assento no
banco sexto.
No segundo domingo de cada mez faz-se ali um
importante mercado.
Esta villa tem bonitos arrabaldes, com muitos po
mares e arvoredos de um e outro lado do rio. Sen
tada no declive de um monte desaffrontado e com
largo horisonte para a parte do sul ; dominando o
fresco valle, aonde vem ainda estender-se como para
se mirar na fugitiva corrente do seu rio, e na pla
cida superficie dos seus lagos, a que a ramagem dos
chorões faz sombra, e festa ; Alemquer gosa de lin
das vistas, e offerece aos que a procuram uma pers
pectiva encantadora.
-17—

A VILLA PALMADA.

È sabido que el-rei D. Affonso Henriques ty


auxiliado na sua grande empresada tomada de Lisj-
boa em 1147 por uma armada de cruzados, que
aportara ao Tejo. Além dos ricos despojos davic-
toria, que repartiu com elles, como principe ge
neroso e bom politico, offereceu aos que quizes-
sem ficar no paiz terras para cultivar e povoar,
pois era esta uma das necessidades, que mais ur
giam, na monarchía nascente.
Houve muito quem acceitasse a offerta, que o
monarcha tratou immediatamente de realisar; e
como os cruzados pertencessem a diversas nações,
bem .como os que se resolveram a estabelecer-se
em Portugal, foram destinadas para cada naciona
lidade terras completamente separadas, e distan
tes umas das outras. Aos inglezes, sem duvida por
serem em maior numero, coube mais extensão de
territorio em differentes localidades. Uma d'estas
foi o elevado monte em frente de Lisboa, aonde
fundaram a villa d'Almada.
Até aqui quasi todos os autores são concordes ;
agora porém no que discordam muito é na etymo-
logia do nomed'esta povoação.
Segundo uns deriva-se por corrupção de Vima-
del, nome que os primeiros fundadores lhe deram,
e que. dizem significar — povoação de muitos. Con
forme a opinião de outros, era Almada o nome de
um dos principaes inglezes, que a edificaram. Que
rem alguns, que antes da tomada de Lisboa já ali
existia uma pequena povoação de moiros, os quaes
a retomaram aos inglezes, e que ao diante a con
quistara de novo um descendente d'estes ultimos,
que tinha oappellido de Almada, nome que desde
então passou á villa.
A opinião, que nos parece mais bem fundada,
é a que vemos menos seguida pelos nossos anti
quarios, e vem a ser, que Almada era uma povoa
3
— 18 —
ção de origem arabe, chamada pelos moiros AlMa-
den, e que inteiramente destruida na occasião da
conquista pelas armas christãs, foi pelos inglezes
reedificada, e povoada, conservando-lhe o nome,
que com pouca differença tem actualmente.
El-rei D. Sancho deu-lhe foral, e fez doação
d'ella aos cavalleiros de Santiago pelos annos de
1187. El-rei D. Diniz encorporou-a na coroa, dan
do em troca aos cavalleiros as villas de Almodo-
var, e Ourique, e oscastellos deMarachiquee Al-
jesur.
Nos tempos antigos não foi esta villa theatro
de acontecimentos notaveis, a não se contar como
tal o patriotico despeito de Manuel de Sousa Cou
tinho (*), que lançou fogo, e reduziu a cinzas a
sua casa, em que então residia, quando por occa
sião da peste, que affligiu Lisboa noannode1595>,
os governadores do reino por Filippe íí de Hes-
panha, querendo refugiar-se n'aquella villa, e per-
tendendo morar nas ditas casas, o intimaram para
despejo.
Em nosso tempo, durante a lueta da liberdade,
teve logar nas visinhanças de Almada uma das mais
sanguinolentas batalhas, que se deram em toda
aquella guerra fratricida ; a qual começando no si
tio chamado a Piedade, e vindo acabar em Caci
lhas ("23 de Julho de 1833), decidiu da sorte de
Lisboa, que no dia seguinte abriu suas portas ao
exercito constitucional commandado pelo marechal
duque da Terceira.
Está edificada a villa d' Almada em sitio plano
na coroa de um monte bastante elevado e fragoso,
que para o lado do sul tem suaves declives, epara
a parte do norte é cortado quasi a prumo, exca-
vando-lhe a base as ondas do Tejo.
Não conserva esta povoação padrão algum da

(•) O que mais tarde, petas desgraças que lhe sobre


vieram , se recolheu e professou no convento de S. Do
mingos de Bemfica, onde íomou o tão conhecido e popu
tar nome de frei Luiz de Sousa.
— 19 —
sua antiguidade, mais do que tradição e memo
rias. Do castello, que os inglezes ahi levantaram
no seculo xn, não restam vestigios. Os muros e
baterias do actual são de moderna data. Se alguma
coisa n'elles se encerra da fabrica primitiva, as
reedificações a oceultaram.
A egreja parochial de Nossa Senhora»da Assump
ção, conhecida pela invocação popular de Santa
Maria do Castello, em razão da sua situação, foi
reconstruida no seculo passada; e o mesmo acon
teceu "â outra parochia de Santiago, que foi reedi
ficada inteiramente no primeiro quartel,d'aquelle
seculo pelo infante D. Antonio, irmão (fel-reiD.
João v.
A egreja da misericordia e a mais antiga em edi
ficio. Foi fundada no seculo xvi no hospital de Sani
ta Maria, que lhe ficou pertencendo, com as suas
rendas, o qual fora obra da caridade da infanta D.
Beatriz, mãe d'el-rei D. Manuel.
Proximo da villa, para o occidente, em terreno
egualmente alto, e sobranceiro ao Tejo, está o con
vento de S. Paulo, da extincta ordem dominicana,
que foi fundação de frei Francisco Foreiro, con
fessor dos reis D. Joãoin e D. Sebastião, no anno
de 1569.
O edificio acha-se bastante arruinado. Junto
d'elle está o cemiterio publico.
A casa da camara é um edificio de architectura
regular, e soffrivel apparencia, com sua torre de
relogio, que domina toda a villa.
Do pequeno passeio, modernamente plantado de
arvoredo junto ás muralhas do castello para o
poente, e acavalleiro da praia, gosa-se de um dos
mais bellos e variados panoramas, que o viajante
pode encontrar. A perspectiva de Lisboa com os
seus formosos arrabaldes da beira mar ; a poetica
serra de Cintra, e outras cordilheiras de montes,
que fazem um como caixilho aos suburbios do nor
te da capital ; o seu amplissimo porto, esse rio,
quasi mar, orlado de tantas povoações mais ou me
nos pittorescas, mas todas resplandecentes d'al
— 20 —

vura, que n'elle se veem espelhar; emfim a lar


ga foz do Tejo comeuas nobres atalaias, e depois
a immensa vastidão do oceano, tudo isto forma o
painel encantador, e verdadeiramente maravilho
so, que d'aquellas alturas se desfructa.
Na encostado monte em que está sentada a vil-
la d'Almada, e perto da praia, onde o rio lhe faz
um pequeno porto, existe uma fonte de muito boa
c abundantissima agua, chamada — a fonte da Pipa,
da qual se sobe para a villa por uma espaçosa cal
çada. E' d'esta fonte que os navios, que entram
no porto de Lisboa, se costumam fornecer. Eman-
nos de gftnde secca, e no de 1833 durante o cer
co, que poz á capital o exercito realista, foi esta
cidade abastecida pelas aguas d'aquella fonte, que
transportadas em barcaças vinham fornecer cha
farizes portateis, que se collocavam nos caes prin-
cipaes.
Segundo a opinião do distincto medico, o dou
tor Francisco da Fonseca Henriques, no seu Aqui-
legio Medicinal, a agua da fonte do Alfeite, pro
ximo d'Almada, é de muita utilidade nos padeci
mentos de dór de pedra, e arías de bexiga.
Nos arredores da villa ha muitas e bonitas quin
tas, e varias ermidas. D'estas mencionaremos a de
Nossa Senhora da- Piedade, situada em logar bai
xo e ao sul da villa n'um espaçosissimo terreiro,
guarnecido de casas, muito concorrido no verão
da gente de Lisboa, e aonde se fazem vistosas fes
tas aarrayal, corridas de toiros, e uma feira de
tres dias em 23 de Julho. Teve esta ermida o se
guinte principio.
Correndo o meado do seculo xvi, um homem
d'aquelles sítios descobriu uma imagem de S. Si
mão em umas barrocas, que logo tomaram o nome
do santo. Aquelle conseguiu por meio d'esmolas
edificar a pouca distancia das ditas barrocas uma
ermida em que col locou o santo, e fez-sc ermi
tão.
Passado algum tempo appareceu em sonhos ao
ermitão uma Nossa Senhora da Piedade ; o que fez
—21—
com que elle andasse de diligencia em diligencia
a ver se descobria a imagem com que sonhara,
até que a encontrou em uma casa da sé de Lisboa.
Cheio de contentamento não poupou esforços para
que lh'a concedessem; e assim que a obteve le-
vou-a para a ermida de S. Simão, onde lhe fez
uma grande funcção. Principiou logo a ser tão pro
curada dos fieis, e cresceu tanto a devoção com os
milagres, queseattribuiam á Senhora da Piedade,
que em breve com as avultadas esmolas que se
recolhiam no cofre da Senhora, se construiu no
mesmo local outra melhor ermida, e junto d'ella
um recolhimento, ficando tudo desde então sob
a invocação da mesma Senhora. No seculo passa
do ainda ahi haviam quatro recolhidas, euma re
gente. Actualmente só existe a ermida, que é um
santuario de muita devoção para os povos daquel-
]as cercanias.
D'entre as quintas mais notaveis do termo d'Al
mada, faremos unicamente menção das duas que
pertencem á familia real : a do Alfeite, que é da
coroa, com jardim e grande matta abundante de
caça, e agora aformoseada com um lindo palacio
de campo, no gosto inglez, mandado edificar por
el-rei o Senhor D. Pedro v : a d'Amora, que foi
da princeza D. Maria Benedicta, irmã da rainha
D. Maria i, e hoje pertencente a senhora infanta
D. Isabel Maria. E' curiosa pelo vastissimo lago,
que possue, cercado de bosque, e com uma ilha ar-
borisada no centro.
Tambem está no termo d'esta villa a antiga for
taleza de S. Sebastião de Caparica, commummento
chamada — Torre Velha, e que ao presente servo
de lazareto. A sua primeira fundação data de D
João 11. El-rei D. Sebastião reedilicou-a, e deu-
lhe o nome actual. Fica em frente da torre de Be
lem, com a qual pode armar fogo da sua bateria
quasi ao lume d'agua.
O logar de Cacilhas, na raiz do monte d' Alma
da, é o porto <Taquella villa. Tem um bello caes
de cantaria guarnecido de assentos, e no fim d'el-
le um pequeno forte.
A villa d'Almada conta uns quatro mil e qui
nhentos habitantes. Teve esta villa no intigo re
gimen voto em cortes com assento no banco sexto.
As festas religiosas e populares, que outr'ora ahi
se faziam pelo S. João, tinham nomeada pelo seu
apparato e magnificencia, e eram curiosas pela
singularidade de alguns costumes e antigualhas,
que appareciam na procissão e nas cavalhadas.
rVesses tempos despovoava-se Lisboa para ir as
sistir a essas funeções. De ha trinta annos para cá
teem caminhado em tal decadencia, que presen
temente são uma pequena sombra do que foram.
Falleceu na villa d'Almada, e n'ella está sepul
tado o nosso distincto escriptor, autor do poema
epico — Chauleidos, em que se descreve a con
quista de Chaul, Diogo de Paiva d' Andrade, so
brinho de outro do mesmo nome, se não mais, não
menos celebre, e filho do chronista-mór Francis
co d'Andrade.
— 23 —

A VILLA E PRAÇA D'ALMEIDA.

Attribue-se a fundação d'esta villa aos moiros,


e segundo os nossos antiquarios chamavam-lheelles
Talmaydá tni falmeida. d'onde provém por corrup
ção o seu nome de Almeida.
A palavra Talmayda, na opinião d'estés ultimos,
significava mesa, c era uma alltísão ao sitio perfei
tamente plano em que a vilia fora edificada n'esta
sua primeira fundação. Era este sitio em um cam
po proximo da actual povoação, para o fado do nor
te, no valte agora chamado o Ènxido da Çarça.
Posto que aquella etymologia seja seguida por
todos os nossos escriptores, fundando-sc na opinião
do chronista-mór frei Bernardo de Brito, que fun
dou a sua em uma escriptura antiga que dava á villa
de Almeida o nome de Talmeida, parece-nos, apesar
de tudo isto, mais provavel, que o nome d'esta vil
la se derive da palavrá Atmeidan, que quer dizer
campo ou logar de corrida de cavallos. A preditec
ção que os arabes tinham por este divertimento, o
assento plano da primitiva povoação, e das suas im-
mediações, podem dar algum fundamento a esta nos
sa opinião. Como a escriptura a que se refere frei
Bernardo de Brito é em latim, (e diz — Per Villam
Turpini Talmeida ete) não admira, que ali se es-
tropeasse a palavra Atmeidan, quando n'aquellas
eras se estropearam os proprios vocabulos portugue-
zes, acontecendo amiude verem-se alguns dfestes es-
criptos de differente modo por autores contempora
neos.
Conquistada por el-rei D. Fernando Magno, primei
ro de Castella ; recuperada depois pelos sarracenos ; e
finalmente outra vez tomada pelo nosso rei D. San
cho f, padeceu taes estragos e devastações n'estas
guerras, e nas que ainda se seguiram até á com
pleta expulsão dos moiros do territorio de Portugal,
que no reinado de D. Diniz achava-se inteiramente
arruinada e despovoada. Foi então que este monar
— 24 —

cha resolveu reconstruil-a, ou, diremos melhor, fun-


dal-a de novo no logar aonde ao presente a vemos.
Das ruinas da antiga povoação mandou vir el-rei
D. Diniz os materiaes tanto para a edificação tfSs
casas, como para a fundação do castello, que ahi
levantou no logar mais alto.
As continuas dissensões entre Portugal e Haspa-
nha trouxeram a necessidade de se fortificar melhor
a.quella villa tão próxima da fronteira. Assim pois,
guarnecendo-a de muralhas, com cinco reduetos, e
outros tantos revelins, fossos, caminhos cobertos, es
planadas, quarteis, armazens ete, fizeram d ' e í í a uma
das principaes praças de guerra de Portugal. O ve
lho castello de S. Diniz, reconstruido por el-rei D.
Manuel, e depois ainda melhorado, ficou servindo de
cidadella. Damnificou-o muito um raio, que n'elle
caiu no século passado, mas foi logo reparado.
Depois de constituida em praça d'arinas, Almei
da tem sido theatro de acontecimentos mais ou me
nos notaveis em todas as guerras, que o nosso paiz
tem tido coma Hespanha e com a França. Nãoper-
mittindo os limites d'este artigo, que entremos em
miudas descripções, referiremos tamsómente os suc-
cessosmais principaes, que ahi tiveram logar.
Na guerra entre Hespanha e Portugal, declarada
em 15 de Junho de 1762, vindo sobre Almeida uma
parte do exercito invasor, sob o cominando do con
de de O'Reilli, vfu-se esta praça forçada a entregar-
se por capitulação em 25 de Agosto d'esse mesmo
anno. Fazendo-se a paz em 10 de Fevereiro do
anno seguinte foi restituida á coroa portugueza.
Na terceira invasão dos francezes, em 1810, o
exercito, de que era commandante em chefe o ma
rechal Massena, veiu por cerco a Almeida em 10 de
Agosto, e dezesete dias depois, tendo sido destrui
dos por uma grande explosão os armazens da polvo
ra, e parte das obras de defesa, rendeu-se a praça
por capitulação Porém em 10 de Maio de 1811,
quando o exercito de Massena ia em retirada, acos
sado pelas forças alliadas de Portugal eGrã-Breta-
nha, commandadas pelo duque de Wellington, a
guarnição franreza d'Almeida. sem esperar que a
fossem atacar, saiu, e escapou-se por entre os al-
liados, que tomaram posse da praça no dia se
guinte.
No triste quadro das nossas luctas civis, foi Al
meida o principal theatro da revolução, que tendo
prkícipio em Torres Novas, no anno de 18Í4, foi
acabar alguns mezes depois dentro d'aquella pra
ça, que por essa occasião padeceu um. cerco.
Está situada a villa d'Almeida na provincia da
Beira, em chão plano, mas alto, distante tres leguas
da cidade de Pinhel, seis da cidade da Guarda, e
junto á fronteira de Hespanha. Na distancia de um
quarto de legua corre o rio Coa, que já ahi leva
bom volume d'agua com bastante peixe.
Tem uma só parochia, da invocação de Nossa Se
nhora das Candêas, fundada dentro do antigo cas-
tello, a qual é um bom templo de tres naves. O hos
pital e casa da misericórdia foram edificados no fim
do seculo xvn, concorrendo para esta obra a rainha
D. Catharina, filha do nosso rei D. João iv, e viuva
do rei d'Inglaterra Cartos íi.
Possue esta villa um hospital militar, e casa d'al-
fandega ; c teve um convento de freiras da terceira
ordem de S. Francisco, intitulado Nossa Senhora do
Loreto, que foi modernamente supprimido. A sua po
pulação regula por uns mil e duzentos habitantes,
não contando a tropa da guarnição da praça.
Esta terra é abastecida de boas aguas, e farta
de optimas fruetas e hortaliças, que lhe fornecem as
hortas e quintas dos seus arrabaldes. N'estes, a dis
tancia de uma legua existe uma ermida de Nossa
Senhora do Mosteiro, que, segundo a tiadição, foi
egreja de um convento de templarios. D. João íi,
reedificando-a, poz-lhe o escudo das armas reae»,
sobre a cruz d'Aviz, de que era grã-mestre. A re-
construcção feita no começo do seculo passado des-
pojou-a de todos, ou de quasi todos os vestigios da
sua muita antiguidade.
Por um uso immemorial costumavam ir a camara,
o paroclio e cleresia da villa c dos logares visinhos
em procissão todos os sabbados de Março, o de Ra
mos, e na segunda-feira de Prazeres, á ermida de
— 26 —

"Nossa Senhora do Mosteiro, onde faziam festa com


-sermão. Não sabemos se ainda dura este uso.
O castello, como dissemos, fica na parte mais
elevada, dominando não só a villa, mas uma grande
extensão de terras. Avistam-se d'ahi os territorios
de onze bispados de Portugal e Hespanha. Entre
outras povoações portuguezas que d'ali se desco
brem, mencionaremos como mais importantes a ci
dade da Guarda, e as villas de Castello-Rodrigo,
Castello-Bom, e Trancoso.
A meia legua da villa, e junto ao rio Coa, ha uma
fonte d'aguas sulfuricas, chamada a Fonte Santa,
á qual concorrem com proveito muitos enfermos d'a-
quellas visinhanças.
Nas modernas tabelias dos mercados e feiras, que
ha no reino, não vemos figurai Almeida ; entre
tanto achamos noticias de que ainda não ha muitos
annos tinha um mercado bem provido nos primeiros
domingos de cada mez, e uma feira de tres dias em
d 4 de Setembro, que anteriormente se fazia em Maio.
As armas d'Almeida são—um escudo com as ar
mas reaes, sendo a coroa d'estas aberta, ao uso an
tigo, e ao lado a esphera armilar, divisa d'el-rei
D. Manuel, que foi quem lhe deu este brasão.
— 27 —

AVILLAD'ALTERDOCHÀO.

Na provincia do Alemtejo, quatro leguas ao oc-


eidente da cidade de Portalegre, está situada a vil-
la de Alter do Chão.
A sua primeira fundação é attribuida aos roma
nos, que a denominaram Eltori. Não é inteiramen
te averiguado se com effeito foram elles os seus
fundadores, mas é fora de duvida, que no tempo
do seu dominio na Lusitania era aquella povoa
ção uma cidade grande e muito importante. D'is-
to ha documentos escriptos, e muitas provas ma-
teriaes nos restos, que ainda se descobrem de mui
tos edificios, tanto dentro da villa, como nos seus-
arrabaldes em um circuto bastantemente extenso.
Em diversas epocas, por occasião de se abrirem
alicerces, ou de se fazer alguma outra sorte de ex-
cavações , teem-se encontrado algumas medalhas,
mosaicos, esculpturas, e até estatuas de idolos em
pedra. Segundo affirma o conego Novaes na sua Re
lação do bispado d'Elvas, impressa em 1635, achou-
se ali uma estatua de Cupido, com aljava esettas,
muito bem esculpida em marmore. Dizem que no
meiado do seculo xvn ainda ahi existiam as rui
nas de um edificio, que se conhecia ter sido tem
plo, com o pavimento de mosaico.
Atravessava a antiga cidade de Eltori uma das
tres vias militares do imperador Antonino Pio, a
qual communicava Lisboa com a cidade de Meri-
da, passando por Aritium Pretorium (Benav ente,),
Matusarum (Ponte de Sor), Eltoiú, AdSeptemAras
(Assumar), Badua (Nossa Senhora da Botova) e
Plagiaria, cuja situação se ignora. D'esta via ain
da se vêem varios pedaços nos limites d'aquclle
concelho.
Destruida em tempo, e por ordem do impera
dor Adriano, ao que parece em castigo da rebel-
lião dos seus moradores ; saqueada e devastada du
— 28 —
rante as diversas invasões, que se succedcram no
solo da peninsula iberica á dominação romana ;
abandonada pelos moiros, que preferiam os loga-
res altos para assento das suas povoações ; a ci
dade d'Eltori estava em completa ruina, e quasi
de todo despovoada, quando os moiros foram ex
pulsos do Alemtejo.
Elrei D. Affonso m mandou-a reedificar e po
voar; e el-rei D. Diniz, para attrahir moradores
á nova povoação, deu-lhe foral em 1293 com os
mesmos privilegios de que gosava Santarem, que
eram muitos. Assim surgiu d'entre as ruinas da
grande e populosa cidade d'Eltori a villa d'Alter
do Chão. A primeira parte do sen nome é uma cor
rupção do antigo, e a segunda derivoa-se do sitio
plano em que está fundada. A visinha villa d' Al
ter Pedroso occupa ainda uma parte d» terreno em
que se erguia a antiga Eltori.
No anna de 1331 ainda o mesmo rei D. Diniz,
com o intente de lhe restituir o seu antigo lustre,
confirmando aquellc foral, acerescentou-lhe novas
regalias e isempções.
Em 1359 residiu aqui algum tempo el-rei D.
Pedro i, e por essa occasião deu um singular exem
plo de justiça severa, mandando enforcar um ho
mem, que havia annos forçara uma donzella, pos
to que a recebesse logo depois em casamento.
No antigo regimen gosava esta villa de voto em
cortes com assento no banco decimo. D. João i
deu o senhorio d'ella ao condestavel D. Nuno Al
vares Pereira, o qual veiu a passar para a casa de
Bragança.
Tem uma só parochia, que se intitula de Nossa
Senhora da Assumpção, e que é um bom templo
de tres naves. A casa da misericordia foi fundada
em 1524 por el-rei D. João ma instancias de sua
tia a rainha D. Leonor, institaidera d'aquella ve
neranda confraria. Annexou-se então a esta santa
ca«a o hospital, que ali havia da invocarão de S.
Domingos, com todas as suas rendas.
Ha dentro da povoação cinco ermidas. O con
vento de Santo Antonio da extincta opdem dosre
— 29 —
ligiosos capuchos da provincia da Piedade, foi fun
dado junto á villa, em logar mais alto, pelo du
que de Bragança, D. Theodosio n, que n'elle lan
çou a primeira pedra aos 8 de Outubro de 1617.
Esta villa foi outr'ora toda cercada de muros, de
que hoje apenas restam os vestigios. O seu castel-
lo é obra d'el-rei D. Pedro i, que n'ellc mandou
por a seguinte inseri pção : Era de 1359 aos 22 de
Setembro o mui nobre rei D. Pedro mandou fazer
este caziello de Alter do Chão. Tem dentro um poço
com muita agua, que fornece um bom chafariz,
que fica fora do ca?tello para o lado do sul. Além
d'este é a villa abundantemente abastecida por ou
tros de melhor fabrica.
A sua praça nobre é aquella em que estão os
paços do concelho, a o pelourinho, orlada de casas
de mui soffrivel apparencia ; porém a sua maisbel-
la praça é o Rocio do Espirite Santo, por ser mui
to espaçoso e povoado de arvores.
Deu muita nomeada a esta villa a sua grande
cáudellaria real, que, durante' os lempos em que
o governo olhava por ella comattenção ezelo, pro
duziu optimos resultados. As raças d'Alter che
garam a um subido grau de reputação e apreço.
Todo o seu termo é muito fertil e produetivo.
Encerra bastantes vinhas, oliv#es, montados, onde
se criam muitos porcos, e excellantes pastagens,
em que ha numerosa" creação de diversas qualida
des de gados.
Faziam-se n'esta villa duas feiras, uma em 2o
de Abril, que durava fres dias, e outri■. em 4 de
Ago.sto, tambem de tres dias ; mas ao premente não
as vemos incluidas nos mappas das feiras. Alter do
Chão conta uns dois mil habitantes.
As armas d'esta villa, conforme o desenho que
se acha na Torre do Tombo, são um escudo com
uma fonte fie prata em campo verde. E assim as
damos aqui em estampa. Todavia em alguns auto
res as achamos mencionadas do seguinte modo :
Um castello com dois estudos das armas reaes,
e uma fonte com duas flores de liz.
— 30 —

A VILLA D'ALVITO.

No coração da provincia do Alemtejo, seis le


guas sudoeste da cidade d'Evora, e quatro norno-
roeste da de Beja, está a villa de Alvito, assenta
da em campo chão.
Nos primeiros tempos da monarchia havia n'es-
se sitio uma herdade chamada de S. Romão, per
tencente parte ao senado d'Evora e parte aos Pes
tanas, descendentes de Giraldo sem Pavor. Reinan
do D. Affonso m, por commum accordo das partes
interessadas, foi dada esta herdade ao chanceller-
mór do reino D. Estevão Annes, collaço d'aquelle
soberano, que a principiou a cultivar, e depois foi
edificando nella algumas casas, que alugava amns,
e dava a outros. Teve isto logar pelos annos de
1255, e sete annos depois já havia n'aquella pro
priedade tantos moradores, que Estevão Annes lhe
edificou uma egreja, que, passado pouco tempo, foi
erecta em parochia, como titulo de S. Romão.
Tal foi o principio da villa d' Alvito, á qual D.
Affonso iii, passando por ali em 1265, lhe deual-
guns privilegios. Por sua morte deixou o chancel-
ler-mór todas estas suas propriedades aos religio
sos da Santissima Trindade, que logo trataram de
ir aforando os terrenos a quem queria edificar,
com o que se augmentou muito a povoação.
Quanto á etymologia do seu nome, dizem que é
a seguinte. Por occasião de uma festividade, que
ali se fez no começo da povoação, em que havia cor
rida de toiros, fugiu um d' estes animaes, lançando
nos circunstantes grande perturbação. Debalde an
daram por algum tempo em procura d'elle. Já
todos estavam cansados, e descoroçoados, quando
appareceram alguns homens com o toiro agarra
do, gritando—alvitre, alvitre, por alviçaras. Foi de
tedos tão bem recebida e festejada a nova que esta
palavra annunciava, que ficou por nome á terra,
— 31 —

d'onde ao diante por corrupção se pronunciou


Alvito.
Foram os frades trinos que lhe deram o seu pri
meiro foral noanno de 1321, o qual el-rei D. Di
niz, depois de lh'o ter contestado por muito tempo,
confirmou finalmente em 1327.
Tendo crescido muito o numero dos habitan
tes, e sendo já pequena para elles a egreja de S.
Romão, construiu-se um novo tempto para paro-
chia que foi consagrado a Nossa Senhora da' As
sumpção, ficando a antiga como uma simples er
mida. É a nova egreja de tres naves, bem orna
da e muito espaçosa. N'ella teem seu jazigo em
duas capellas, onde avultam bons mausoleos de
marmore, os condes barões d'Alvito, que foram se
nhores d'esta villa.
Em 1618 fundaram os frades trinos um conven
to junto à egreja de Nossa Senhora da Assump
ção, que ficou servindo simultaneamente de paro-
chia e de casa de oração dos frades.
Além d'esta egreja conta Alvito a da misericor
dia, com hospital annexo, e nove ermidas, na vil
la e arrabaldes, em cujo numero entra a deS. Ro
mão, que se acha fora da vilja, mas a pouca dis
tancia, e que foi a sua primeira egreja matriz.
A casa da camara é um bom edificio construido
•nos principios do seculo passado. Tem uma alta
torre de relogio toda de cantaria. Está no centro
da villa, no ponto mais elevado.
O monumento, porém, mais notavel d'esta vil
la é o seu castello, obra de el-rei D. João ii, que
fez d'elle doação a João Fernandes da Silveira, pri -
meiro barão d'Alvito, chanceller-mór do reino, es
crivão da puridade, vedor da fazenda, e por dez
vezes enviado embaixador a diversas cortes da Eu
ropa. E' um palacio acastellado com cinco torres,
em bom estado de conservação, que pertence ainda
hoje, e outr'ora foi residencia habitual, dos senho
res condes barões d'Alvito.
Junto d'esta villa corre a ribeira d'Odivellas.,
que tem aqui uma bel la ponte de cantaria, e pro
duz algum peixe. Tanto na povoação como nos seus
subarbiosha muita abundancia d'agua, não só para
os usos domesticos, mas tambem para as necessi
dades da horticultura, e para o emprego de mui
tas azenhas. Por esta razão ha em torno da villa
bastantes hortas c pomares, que fazem os arrabal
des amenos e agradaveis".
N'estes, perto da villa, fundaram os barões de
Alvito para os religiosos de S. Francisco, da pro
vincia dos Algarves, um convento, que dedicaram
a Nossa Senhora dos Martyres, o qual se concluiu
em ,1534, e que exactamente tres seculos depois
ficou devoluto pela extirteção das ordens religio
sas.
No anno de 1743, andando-sea abrir os alicer
ces para a nova capella-mór da egreja, por ser a
antiga pequena, e estar arruinada, achou-se no
dia 8 de Junho um tumulo formado de adobes,
dentro do qual se encontrou um esqueleto, que se
gundo dizem as memorias do tempo, tinha quator-
ze palmos de comprimento, e junto d'elle tres pe
quenas barras de um metal desconhecido. Em uma
pedra de cinco palmos de comprido, e dois de lar
go, que estava sobre o tumulo, lia-se a seguinte
inscripção : Hislonencas Selsas Florentis D. D.
N'outra parte do alicerce encontraram-se tres
pedras, com cinco palmos e mais de comprimen
to, todas do feitio de pipas., massiças, e com ins-
cripções sepulchraes. No anno de 1745 numa ex-
cavação proxima d'este sitio achou-se outro cippo
analogo.
N'este logar, conforme a opinião de alguns an
tiquarios, existiu uma povoação de origem celti
ca, que floreeeu no tempo da dominação roma
na, e que foi completamente destruida por occa-
sião das invasões dos suevos, alanos, e mais na
ções do norte, ou no tempo da dos moiros.
O termo d' Alvito é povoado de muitos olivaes
e montados. Tem muita caça e creação de gados ;
e abHnda em azeite, cereaes, fruetas, e mel. Tem
uma feira de tres dias, que principia no 1.° de
Novembro. A sua população anda por duas mil
almas.
— 33 —

Estando em Alvito el-rei D. João me a rainha


D. Catharina no outono de 1531, deu esta sobe
rana á luz no l.°de Novembro o principe D. Ma
nuel, que morreu menino. Foi o primeiro filho que
tiveram, e por este motivo, em cumprimento de
um voto, mandou el-rei fazer o magnifico retabo-
lo de jaspe, que se admira na egreja de Nossa Se
nhora da Pena, em Cintra, que pertenceu ao con
vento dos frades jeronymos, e agora é capella do
palacio de el-rei o Senhor D. Fernando.
Tinha a villa d'Alvitovoto em cortes, com as
sento no banco decimo oitavo. O seu brasão d'armas
é — em campo vermelho o escudo real só com
as quinas, entre dois troncos de arvore, que re
matam em duas unicas folhas, e firmados sobre
um arco de ponte.
-n

A VILLA D' ANCIÃ ES.

Acha-se esta villa assentada no cume de um alto


monte a quatro leguas a oeste da villa da Torre
.de Moncorvo, uma das principaes da provincia de
$*' Traz-os-Montes, e a uma legua para o norte do rio
Douro. Correm-lhe tambem proximo, deixando-a
no centro, os rios Sabor, e Tua.
Da sua fundação nenhuma noticia temos encon
trado, mas suppomos que tem uma origem anti
quissima. A circunstancia de lhe ter dado foral
el-rei D. Affonso Henriques, e, com mais razão
ainda, varias inscripções de caracteres desconhe
cidos gravados em diversas pedras, que se vêem
na sua egreja matriz, e no castello, dão, por cer
to, bom fundamento a esta nossa opinião.
O grande e bem construido castello, cercado de
altas torres, que outr'ora defendia esta villa, e os
grossos muros que a cingiam, hoje tudo arruinado,
mostram evidentemente, que Anciães foi em tempos
remotos uma grande povoação, como fora uma im
portante posição militar pela natureza do terreno,
e pelas obras d'arte. A tradição dos habitantes,
mais do que memorias escriptas, confirmando isto,
accrescenta que esta villa padeceu apertados cer
cos, e resistiu victoriosamente a varios assaltos de
tropas castelhanas, do que lhe provém o seu bra
são d'armas, que é um escudo com um castello, e
a seguinte lettra : Anciães leal no reino de Portugal.
Segundo a mesma tradição houve uma grande ba
talha, em que os nossos foram vencedores, por oc-
casião de um d'estes cercos, em um valle não muito
longe d'aqui, que pelo avultado numero de mor
tos, que n'elle se enterraram depois do combate,
se ficou chamando o Ribeiro da Osseira, nome que
ainda conserva.
O que a_tradição não refere, nem os nossos
autores, pelo menos que nós saibamos, é a epoca
— 38 —
da florecencia d'esta villa e as causas certas, que
produziram a sua decadencia. Esta mesma incer
teza e falta de noticias provam, que tanto a sua
prosperidade, como a sua decadencia são factos de
muita antiguidade. Entretanto as causas provaveis
de se haver despovoado e reduzido tanto, que mais
parece aldéa do que villa, foram talvez a aspereza
do clima, que é extremamente frio, o desconforto
da situação, que por todos os lados ê açoitada do
vento, e a falta de agua para uma povoação nume
rosa. O que é certo é que de tantas familias nobres,
que ainda ali existiam no meiado do seculo xvi,
já não confà uma só. Pouco a pouco todas foram
abandonando esta terra inhospita.
O seu castello, apesar de se achar em bastante
ruina, ainda deixa ver a grandeza e solidez da sua
construcção. A torre principal era de muita altura,
e chamava-se torre do sol. Tinha este castello duas
portas ; saindo da principal vê-se á esquerda uma
pedra com uma inscripção em caracteres, que não
são romanos, nem gothicos, nem arabes. A villa
está encostada ás muralhas d'este castello pelo. lado
do oriente.
A unica parochia de Anciães é a egreja de S.
Salvador, situada proximo da porta do castello.
Não se sabe quando foi fundada, porém a sua fa
brica deixa conhecer, que é antiquissima, apesar
de algumas obras de reedificação, tambem anti
gas. A porta principal, de arco de volta redonda,
e toda ornada de figuras, é muito curiosa. Em uma
columna do arco está uma inscripção antiga, de
caracteres romanos, e dentro da egreja, entrando
da parte esquerda, vêem-se tres inscripções em
caracteres similhantes aos da inscripção do cas
tello.
Anciães, apenas habitada de algumas familias
de lavradores, acha-se reduzida, como dissemos,
ás proporções de uma pobre aldéa. A sua parochia
pouco mais conta de uns cincoenta fogos, e d'estes
nem todos dentro da villa. Todavia o seu termo
abunda em trigo, centeio, cevada, milho, legumes,
castanhas, azeite, vinho e fruetas, que exporta
— 36 —

para a cidade do Porto, e vão embarcar á foz do


Tua, que lhe fica perto, e onde tem o seu porto
commercial.
No logar do Pombal, pertencente ao seu termo,
ha uma boa nascente de aguas de caldas, muito
estimadas, e ás quaes concorrem muitos enfermos:
e no monte chamado a Reborosa tem minas d'es-
tanho, bem como nos logares de Luzellos, e Mar-
zagão, as quaes já estiveram em lavra por conta
do estado, no começo do reinado d'el-rei D. Joãov.
Foram naturaes de Anciães, entre outras pes
soas distinctas, D. Manuel de Sousa, arcebispo
primaz de Goa, e Lopo Vaz de Sampaio oitavo go
vernador da lndia.
— 37-

A CIDADE D' ANGRA DO HEROISMO.

A descoberta do archipelago dos Açores deve-se


ao patriotico impulso dado pelo illustre infante D.
Henrique á navegação do alto mar.
Gonçalo Velho Cabral, commendador de Almou-
rol, na ordem de Christo, enviado por aquelle prin
cipe ao descobrimento de novos mares e novas ter
ras, foi quem descobriu á primeira ilha d'aquelle
archipelago aos 15 de Agosto de 1432, á qual deu
o nome de Santa Maria, por ser este dia consa
grado a festejar a Assumpção da Virgem.
Passados doze annos descobriu o mesmo com
mendador de Almourol a segunda ilha, que deno
minou S. Miguel, em memoria do dia em que a
avistou.
Não se sabe ao certo o anno do descobrimento
da ilha Terceira ; mas é fora de duvida, que este
successoteve logar entre os annos de 1444 e 1450,
pois que n'este ultimo fez o infante D. Henrique
doação d'esta ilha a Jacome de Bruges; sabe-se
que o seu nome lhe proveiu de ter sido a tercei
ra na ordem das descobertas do grupo açoriano.
Chamaram-se ilhas dos Açores pelas muitas aves
d' este nome, que ali encontraram os primeiros na
vegantes.
Dividem-se estas ilhas em tres grupos : ao oc-
cidente as do Corvo e das Flores ; no centro as do
Fayal, do Pico, de S. Jorge, Graciosa, e Terceira ;
e ao oriente as de S. Miguel, e de Santa Maria.
A ilha Terceira tem treze leguas de comprimen
to e seis de largura. A sua capital é a cidade de
Angra.
A parte mais importante da sua historia diz res
peito a duas epocas, em que Portugal se viu em
penhado nas luctas gloriosas da sua independen
cia e liberdade. Quando Filippe ii de Castella con
seguiu assenhorear-se de Portugal pela força das
— 38 —
armas, e mais ainda pelas desgraças, que anterior
mente tinham enfraquecido o paiz, e quebrantado
o alento dos portuguezes, a ilha Terceira, affron-
tando o poder do monarcha castelhano, resistiu
por muito tempo com heroico valor ás suas arma
das ; e nas guerras da restauração da nossa inde
pendencia, depois de receber o governo do legiti
mo rei, tambem se assignalou pela sua lealdade e
coragem.
A outra epoca é dos nossos dias. Não ha ahi
por certo quem ignore, que a liberdade, persegui
da e desterrada do continente do reino, ali se foi
acoitar e robustecer. Devem estar ainda presentes
na memoria de todos, os actos de extremado valor,
e de patriotica dedicação, de que foi theatroaquel-
le baluarte da fidelidade portugueza desde a me
moravel batalha da villa da Praia em 11 d'Agos-
to de 1829, até á saida da expedição, que, sobas
ordens do immortal duque de Bragança, veiu plan
tar nas praias do Mindello o invicto pendão da li
berdade (8 de Julho deÍ832).
Angra, que el-rei D. João ui elevou á cathego-
ria de cidade em 1533, e á qual o magnanimo li
bertador, sendo regente na menoridade de sua au
gusta filha, deu o honroso epitheto do Heroismo
como brasão das gentilezas d'armas, que ali obra
ram os seus intrepidos defensores, está situada na
costa do sul da ilha em uma bahia ou angra, de
que derivou o seu nome. E' formada esta bahia
por dois cabos, que entram pelo mar, um a leste,
e o outro a oeste, distantes entre si um quarto de
legua, e outro tanto da cidade. Defendem o porto
as fortalezas áeS. João Baptista, e de Santo Anto
nio na ponta de oeste, e a de S. Sebastião na de
leste. A primeira d'estas é a principal. Edificada
sobre um alto e negro morro de rochas escarpa
das, e a cavalleiro da cidade, o qual é limitado a
leste pela bahia dAngra, ao sul pelo mar, ao poen
te pela bahia do Fanal, e ao norte por uma espe
cie de isthmo, que separa as duas bahias, con
stituo- uma praça de guerra forte por arte, e fortis
sima pela natureza." O morro que lhe serve de base
ehama-se Monte- Brazil.
— 39 —
Este grande castello, primitivamente denomina
do de Santo Antonio, passou a chamar-se de S.
Filippe no tempo de D. Filippe n de Castella, que
o melhorou e augmentou; e pela restauração de
1640 foi-lhe outra vez mudado o nome no que ao
presente tem, em obsequio a el-reiD. João iv. No
seu extenso ambito ha importantes terras lavra
dias, que, no caso de apertado cerco, podem for
necer o necessario alimento à sua guarnição. Ha
nelle uma capella da invocação de S. João Baptis
ta ; e entre a muita artilharia de bronze, que o
defende, existia, c julgamos que ainda se conser
va, a grande peça de Malaca, trophco da gloriosa
conquista da cidade d'este nome.
Na ponta d'esta pequena peninsula, ao nivelda
agua, está o forte de Santo Antonio.
O porto d'Angra é limpo, de boa ancoragem, e
com a capacidade para receber muitos navios, que
ahi acham abrigo de todos os ventos menos do de
sueste, que, entrando de travessia, levanta gros
so mar, e obriga as embarcações a demandar o
largo.
A cidade está edificada com bastante regulari
dade. As ruas são largas, direitas, bem calçadas,
limpas, e guarnecidas de casas de boa apparencia
com seus passeios de lagedo. Tem muitas casas no
bres, bons templos, e alguns grandes edificios pu
blicos. Entre os segundos figuram em primeiro lo-
gar a sé, e depois a misericordia. D'entre os ulti
mos avultam o palacio do governo civil, e a al
fandega.
E' a sé um vasto templo construido de excel-
lente pedraria, e bem ornado interiormente. Foi
obra d'el-rei D. Sebastião, que no anno de 1569
fundou esta egreja e o convento contiguo, a ex
pensas do estado, para collegio da companhia de
Jesus. Pela extineção d'esta ordem, no reinado de
el-rei D. José, foi transferida a catbedral, do an
tigo templo edificado por el-rei D. Joãom em 1534,
para a egreja dos jesuitas.
A egreja e hospital da misericordia estão situa
dos em frente de um bello caes. E" um templo gran
— 40 —

de, de architectura moderna, com duas torres no


frontispicio. Do caes, que é de cantaria, sobem
duas escadas de pedra com grades de ferro, que
vão terminar em duas portas, que saem para o
largo da misericordia, deixando entre ambas um
espaço em cujo fundo se vê uma bonita fonte en
costada á parede.
A casa da alfandega fica ao lado da misericor
dia. E' um vasto edificio modernamente construi
do, e tão perfeitamente adaptado ao seu fim, que,
depois do da alfandega grande de Lisboa, não o
ha melhor no reino e nas suas provincias ultra
marinas.
O palacio do governo civil era a antiga resi
dencia dos capitães generaes, primeira autoridade
militar, que governava em todo o archipelago. É
um palacio de grandes dimensões, de solida con-
strucção, e de agradavel aspecto. Toda a frente
principal é oceupada pelo general commandante
d'aquella divisão militar, e pelas repartições res
pectivas. Na parte que deita para o jardim estão
as repartições do governo civil. O jardim é bas
tante espaçoso e muito aprazivel. Decoram-no va
rios lagos, bellas arvores, e muitas flores.
Encerrava esta cidade, antes da extineção das
ordens religiosas, além de seis parochias, sete con
ventos, tres de frades, e quatro de freiras. Os pri
meiros eram : o de Nossa Senhora da Guia, de
franciscanos, fundado no seculo xvi; o de eremi
tas de Santo Agostinho, edificado em 1384 ; e o
de Santo Antonio de recoletos, fundação do mes
mo seculo. Os segundos : S. Gonçalo, de religio
sas de Santa Clara; Nossa Senhora da Esperança,
da mesma ordem ; S. Sebastião, de capuchas ; e
o de freiras da Conceição.
Ha na cidade dois passeios publicos : um mais
central e pequeno, dividido em ruas de arvoredo ;
o outro é um grande campo, chamado de Gasão,
apenas com arvores em torno.
Os arrabaldes de Angra são mui arborisados e
formosos. Ao occidente da cidade, entre o mar e
as serras, que se erguem na sua visinhança, es
— 41 —

tende-se pelo espaço de uma legua de comprimento,


e meia de largura, a deliciosa veiga da Terra-chã,
povoada de varias quintas e casas de campo, e
fertilisada por muitas fontes de boas aguas. De
todas as quintas dos suburbios da cidade estrc-
ma-se a do senhor José do Canto. Plantada ao gos
to inglez ; enriquecida com uma numerosa e ma
gnifica collecção de plantas exoticas •, assombreada
por bom arvoredo ; e abundantíssima daguas, que
se represam em lagos, ou brincam em saltos e re
puxos, esta formosissima vivenda podia servir de
adorno aos arrabaldes de qualquer das capitaes da
Europa.
A cidade d'Angra é séde episcopal desde o anno
de 1534, em que foi erecto pelo papa Paulo m o
bispado dos Açores com o titulo de bispado d' An
gra, sufraganeo do patriarcha de Lisboa. Tambem
esta cidade é assento de um tribunal da relação.
Angra era., ainda não ha muitos annos, a capi
tal de todas as ilhas dos Açores ; porém hoje ape
nas o é de um dos dois districtos administrativos
em que modernamente se dividiu aquelle archipe-
lago. No antigo systema tinha voto em cortes, com
assento no banco primeiro.
Abundante de todos os generos necessarios á
vida, e de muitos que são de regalo para as clas
ses abastadas, faz um commercio importante de
exportação para o continente do reino, e para ín
glaterra. Os principaes objectos d'este commercio
são cereaes, legumes, e laranjas.
O seu brasão d'armas é um escudo esquartella-
do de branco e vermelho ; sobre o vermelho tem uns
braços empunhando espadas'; e sobre o branco tem
umas pombas. No centro vê-se um escudete com
as quinas. Tem por timbre coroa e um braço ar<
mado de espada.
A VILLA IVARGAML

Não ha noticias positivas sobre a origem d'esta


villa, mas não se pode duvidar de que é muito an
tiga. Se dermos credito a uma tradição, que corre
como certa entre os seus moradores, foi fundada
pelos romanos, e chegou a ser sob o seu dominio
uma cidade florescente com o nome de Argos. Os
moiros, na sua invasão, arruinaram-na, e depois po-
voaram-na de novo, denominando-a Arganil; porém
não readquiriu a sua anterior prosperidade, pa
decendo egualmente muito nas guerras, que deter
minaram a expulsão dos arabes.
Na verdade algumas circunstancias ha, que vcem
em abono da tradição. O achado de varias moedas
romanas de oiro e prata no começo do seculo pas
sado, e por occasião de se abrirem uns alicerces
na villa, é um fundamento, senão irrecusavel, pelo
menos muito plausivel, para suppormos, que ali
existira uma povoação romana. A doação, que. a
rainha D. Thereza, mãe de el-rei D. Affonso Hen
riques, fez d'èsta villa á séde Coimbra, prova exu
berantemente, que a sua origem é anterior á mo-
narchia.
Esta doação não teve o seu devido effeito, ou por
que a doadora mudasse de disposição, ou porque a
villa tornasse ao poder dos arabes. Oque^é certo,
é quenoannode 1219 era senhor d'ella Affonso Pi
res d' Arganil, o que trouxe as cabeças dos cinco San
tos Martyres de Marrocos para a egreja de Santa
Cruz, de Coimbra.
Reinando D. Affonso iv tornou esta villa para a
coroa por transacção feita entre este monarcha e
uma neta de Affonso Pires, que tinha succedido n'a-
quelle senhorio.
Dada em dote pelo mesmo rei a sua neta, a in
fanta D. Maria, filha de D. Pedro i e de sua pri-
— 43—
meira mulher a infanta D. Constança, quando foi
casar com o infante D. Fernando de Aragão; re
vertida outra vez para a coroa por ter fallecido esta
princeza sem successão ; foi novamente doada por
el-rei D. João i a Martim Vasques dn Cunha no
anuo de 1423. Nove annos depois, obtidas as ne
cessarias licenças, fez este ultimo troca da villade
"Arganil pela de Belmonte, que pertencia á se de
Coimbra,. c assim veiu ao senhorio da mitra conin-
bricense.
Querendo D. Affonso v recompensar os bons ser
viços, que lhe prestou o bispo de Coimbra, D. João
Galvão, acompanhando-o na sua jornada d'Africa,
nomeou-o conde d'Arganil em 1471 , ordenando quo
lodos os seus suecessores gosassem do mesmo ti
tulo. El-rei D. Manuel foi quem deu o foral a esta
villa.
Assentada em uma campina, cercada de montes,
e cortada por duas ribeiras., que vão entrar no rio
Alva, a villa d' Arganil dista de -Coimbra sete le
guas para o lado do nascente. Tem boas ruas, e
uma só parochia, cujo orago é S. Jens. A casa da
misericordia foi edificada no seculo xvn. Dentro
em si e nas visinhanças conta varias ermidas, al
gumas das quaes são mui venerados santuarios, a
que concorrem muitos cirios e romagens, sendo o
principal o de Nossa Senhora de Monte Alto, as
sim chamado por estar a sua ermida fundada na
coroa de um elevado monte.
. Possuem aqui os bispos de Coimbra um bom pa
lacio com uma capella de tres naves, situadosjun-
to á villa. Esta fundação foi obra de D. Fernan
do Rodrigues Redonda, no seculo xiv, o qual era
então senhor d' Arganil por sua mulher D. Senho
rinha Affonso, neta do primeiro donatario, de quem
acima fallamos.
As duas ribeiras, que lhe cortam os campos vi-
sinhos, e o rio Alva, que, nascendo na serra da
Estrella, ahi passa proximo no seu curso para o
Mondego, fazem os seus arrabaldes aprasiveis e
muito produetivos. A sua principal cultura consis
— l4 —

te em cereaes, legumes, azeite, vinho, e castanhas.


O rio Alva abastece a villa de bogas, trutas, lam-
prêas, e saveis.
Arganil tem por armas um escudo com uma amo
reira. A sua população não é inferior a mil e sete
centas almas. ,
Arganil tem mercado no segundo domingo de cada
mez, e tres feiras annuaes : a primeira começa no
quarto domingo da quaresma ; a segunda no dia
24 de Junho ; e a terceira a 6 de Setembro.
ARRA'OLLOS.
-„. - ízt.
^5g
— 45—

AVILLA DE ARRAYOLLOS.

Como todas as povoações de origem muito anti


ga, tem esta villa a historia da sua fundação mui
cheia de duvidas, e involta em fabulas. Resumin
do umas e outras, diremos que alguns autores lhe
dão por fundadores os tusculanos e albanos, queren
do que de um capitão grego, que no seu princi
pio a governava, chamado Rayeo, tomara o nome
de Rayolis, corrupto pelo decurso do tempo no de
Arrayolos.
Outros escriptoresattribuem a sua fundação aos
gallos-celtas, que a denominaram Calantia. Esta
opinião tem por si alguns dos nossos mais zelosos
investigadores de antiguidades. Além d'isso parece
fora de duvida, que durante a dominação romana
se chamava Calantia.
Nas invasões dos povos do norte, que destrui
ram o imperio romano, mais tarde na dos arabes,
e depois nas guerras travadas entre estes e os chris-
tãos, arruinou-se e desjtovoou-se a villa d'Arrayolos.
El-rei D. Diniz, que tanto a peito tomou restau
rar das ruinas as terras do seu reino, mandou-a
reedificar^ e povoar, dando-lhe foral no anno de
1310, e construindo para sua defesa um forte cas-
tello com seis torres.
El-rei D. Fernando i fez doação d' esta villa, com
o titulo de condado, a D. Alvaro Pires de Castro,
e por morte d'este fidalgo el-rei D. João i fez conde
e senhor d' Arrayolos ao condestavel D. Nuno Al
vares Pereira. Depois passou este titulo e senhorio
para a casa de Bragança.
Na lueta da independencia, quando os hespanhoes
tomaram a cidade d'Evora, entraram tambem em
Arrayolos, e lançaram fogo ao castello, que contava
muitas casas de habitação dentro dos seus muros.
Está assentada esta villa no coração da provin
— 46 —

cia do Alemtejo ciu logar elevado e desaffrontado,


tres leguas ao norte da- cidade dEvora. A sua emi
nente posição dá-lhe a vantagem de gosar, além
de muito bons ares, uma dilatada perspectiva. De
dguns sitios, e principalmente do monte de S. Pe
dro, descobrem-se em dias claros a cidade d'Evora,
as villas de Redondo, Monsarás, Evora-Monte, Es
tremoz, Alter do Chão, Cabeço de Vide, Frontei
ra, Vimieiro, Aviz, Galvêas, Pavia, Lavre, Mon
temór o Novo, e a villa das Aguias> e entre outras
serras as de Ossa, de Portel, de Portalegre, da Es
treita, da Arrabida, de Cintra, e de Monte Junto.
Tem esta villa uma unica parochia, da invoca
ção do Santo Salvador, a qual se acha dentro do
castello; e nos arrabaldes tem os edificios de dois
extinctos conventos, um que foi dos religiosos ter
ceiros de S. Francisco, e outro que pertenceu aos
conegos seculares de S. João Evangelista. Este ul
timo intitulava-se de Nossa Senhora da Assumpção,
e foi fundado por João Garcez, fidalgo da casa doi
rei D. Affonso v, na sua quinta de Valle Formoso,
correndo o anno de 1527.
Tem mais casa de misericordia, um hospital, da
invocação do Espirito Santo, e umas seis ermidas
nos suburbios.
Não tem esta villa no seu recinto fonte alguma,
todavia abastecem-na d'agua o poço do castello, e va
rios outros, que existem nas cercanias, e a meia
legua de distancia a fonte dos Almocreves.
Nos seug arrabaldes ha algumas hortas e poma-
- res, regados pelas ribeiras d'Odivor, Pontega, e da
Vide, as quaes criam peixe miudo, é fazem traba
lhar varios moinhos. O termo possue ricas herda
des, e abunda em cereaes, azeite, algum vinho,
fructas, gado, e caça.
Arrayolos conta uns mil e seiscentos habitantes.
Houve aqui uma fabrica de tapetes, que não sabe
mos se ainda existe, mas que no seculo passado pros
perou muito, tendo os seus productos grande ex
tracção no paiz e nas nossas provincias ultrama
rinas.
— 47 —

Faz-se n'esta villa uma feira annual de tres dias,


que principia no segundo sabbado do mez de Julho.
No antigo regimen gosava Arrayolos de voto em
cortes com assento no banco decimo quinto. Tem
por brasão as armas reaes de Portugal mettidas em
um escudo ; e assim se acha no livro dos brasões
das cidades e villas d'este reino, que se guarda na
Torre do Tombo. Todavia ha quem lhe assignale
por brasão uma cabeça na forma de uma esphera
— em memoria do tal capitão Hnyeo.
A VILLil DATOUGIIA DA BilLEA.

Está situada esta villa em logaralto, visinho do


oceano, e a meia legua da praça de Peniche para
o nascente.
Segundo pretendem alguns escriptores, foi fun
dada pelos annos de 1165 por Guitherme de La-
corni, fidalgo francez, e um dos cruzados, quevie-'
ram na armada, que ajudou a el-rei D. Affonso Hen
riques na expugnação e tomada de Lisboa, por cujo
serviço lhe deu este monarcha o termo d'aquella
villa para povoar. Outros autores ha, que, tratan
do d'Atouguia, não lhe dão simithante origem.
Seja porém esta qual for, é certo que tem muita
antiguidade.
Os etymologistas dizem que o seu nome se deri
va por corrupção de Touria, que assim a denomi
navam em tempos d'el-rei D. Pedro i por causa
das manadas de toiros, que este soberano ali ti
nha. Para fundamento d' esta opinião trazem o bra
são d'armas da villa, que se vê sobre a porta da
casa da camara, e que consiste n'um escudo, rio
meio do qual avulta um boi em campo de purpu
ra, e sustentando um castello em cada uma das
pontas.
Deu-lhe foral el-rei D. Sancho i, e teve no an
tigo regimen voto em cortes com assento no ban
co decimo sexto.
Correndo o anno de 1526 deu á costa na praia
proxima da villa, chamada da Aréa Branca, uma
grande balêa, que tinha noventa palmos de com
primento. Desde então se ficou chamando a villa
— Atouguia da Balêa.
Foi condado, cujo titulo se extinguiu no reina
do d'el-rei D. José, tendo sido justiçado o ultimo
conde por complicidade no attentado commettido
contra a vida d'este soberano.
Tem uma só parochta da invocação de S. Leo-
r
— 49—
nardo, que é um templo de tres naves; e nove er
midas dentro da villa e nas immediações, D'estas
é a principal a de Nossa .Senhora da Conceição,
que por suas dimensões, adornos, e boa ordem, se
pode ter na conta de uma boa egreja. E' concor
rida de muitas romarias, que ahi vem de longe,
principalmente no verão, festejar a Senhora.
Possue um hospital, e casa de misericordia, e
nos arrabaldes tinha um convento de franciscano»
dedicado a S. Bernardino.
Junto da villa ainda se vêem os restos do ses
antigo castello, que está sobranceiro a um peque
no rio, que toma o nome da mesma villa.
- O termo produz bastante trigo, cevada, e milho,
algum vinho, fructas, e caça; tendo tambem al
guma creação de gados. A costa visinha, em que
tem um pequeno porto com poucos barcos de pes
ca, fornece a torra abundantemente de pescado, e
ainda dá para alguma exportação para o interior.
A pequena distancia da villa ha um lago, for
mado pelas aguas das chuvas, e alimentado por uma
ribeira, que n'elle vem desembocar, e que nasce
em um olho d'agua no sitio chamado o Brejo. No
inverno cobrem-se as margens d'este lago de mui
ta e variada caça d'arribação.
A 6 de Novembro, por occasião da festa de S.
Leonardo, padroeiro da villa, faz-seaqui uma fei
ra, a que concorre bastante gente das povoações
proximas. O numero dos habitantes pouco exce
de a mil.
— so —

A VILLA D ARRONCHES.

Quatro leguas ao sudoeste da cidade de Porta


legre, e cinco para o norte da cidade d'Elvas, está
assentada a villa d'Arronches entre os rios Caia
e Alegrete, em logar ura pouco elevado, relativa
mente ao valleque acerca, porém e dominada pe
los montes visinhos, que lhe estreitam o horisonte,
e lhe vedam descobrir povoação alguma.
Não ha noticia certa da sua fundação. Alguns
autores mais dados, ou mais teimosos na inves
tigação das etymologias, querem que, no tempo
do imperador romano Caio Caligula, viessem aqui
fundar uma povoação varios habitantes da villa
d'Aroche, na Andaluzia, os quaes lhe pozeram o
nome de Arochella, em memoria da sua patria, de
que se derivou por corrupção o actual de Arronches.
Partindo porém de noticias positivas, sabe-se que
já existia, quando teve começo amonarchia, e que
D. Affonso Henriques a tomou aos moiros. Recu
perada pquco depois por estes, foi novamente con
quistada por el-rei D. Sancho íí ; e d'esta vez fi
cou para sempre christã.
O mesmo soberano fez doação d'ella em 1236
ao mosteiro de Santa Cruz de Coimbra ; porém seu
irmão D. Affonso m tornou a encorporal-a na co
roa, attendendo a ficar proxima da fronteira. Mas
d'ahi a pouco deu-a a seu filho, o infante D. Af
fonso, que a possuiu por bastantes annos até que
nas disputas, que teve com seu irmão, el-rei D.
Diniz, lhe foi tirada, e novamente encorporada na
coroa.
Quando se tratou da questão do casamento doi
rei D. Affonso v, então viuvo de sua primeira mu
lher, com sua sobrinha, a princeza D. Joanna de
Castejla, que, acabando de ficar unica herdeira de
el-rei D. Henrique, seu pae, via a herança tão con
testada e duvidosa, que so com auxilio estranho
— 51 —
se poderia conservar n'ella, foi em Arronches, que
aquelle monarcha teve conselho com as pessoas
principaes do reino sobre tão grave assumpto.
Decidido ahi este negocio em favor do dito con
sorcio, tambem foi na mesma villa, que o belli-
coso rei D. Affonso v reuniu o exercito, com que
entrou em Castella para sustentar os direitos d'essa
infeliz princeza, que, não tendo por si a fortuna,
despojada do throno, e annullado pelo papa o seu
casamento por não ter sido precedido da necessa
ria dispensa, foi constrangida a encerrar-se, pri
meiramente no convento de Santa Clara de San
tarem, e depois no de Santa Clara de Coimbra,
onde fez profissão, cobrindo, mau grado seu, com
o veo negro a fronte em que resplandeciam pouca
antes duas coroas de rainha !
El-rei D. Pedro 11 fez marquez de Arronches a
IJenrique de Sousa Tavareá, conde de Miranda, e
alcaide-mór desta villa, cujo titulo veiu depois a
unir-se ao ducado de Lafões,
Concederam os nossos soberanos a esta villa
mui singulares privilegios. D. Affonso iv deu-lhe
o de não se fazerem penhoras aos habitantes nos
objectos, que tivessem dentro da casa em que mo
rassem, nem nos trigos destinados para sementes,
nem nos bois de arado. D. João i o de não se le
vantarem ahi soldados, para ir militar para fora
da villa; o de podeiem os pastores de todo aquel
le termo, que é grande, trazer armas, excepto nos
mezes de Julho, Agosto, e Setembro, perrfiittin-.
do-se -aos moradores da villa trazerem-nas por todo
o reino. D. -Affonso v deu-lhe a prerogativa denãe
poder d'ahi em diante ser alienada da coroa, e
determinou que não podessem ser vereadores as
pessoas, que não tivessem cavallo seu. D. João 11,
finalmente, concedeu-lhe os seguintes privilegios :
não poderem os seus habitantes ser obrigados a
trabalhar nos muros, pontes, fontes', calçadas, ou
outras quaesquer obras, que se viessem a inten
tar na villa, ou fora d'ella, quer por si proprios,
quer por seus bens; não poderem ser constrangi
— 52^
á»s a acompanhar presos, nem a servir cargos
n'outro concelho, nem a ter armas, ou cavallos.
Além d'estes teve ainda mnitos outros privilegios,
qoe se davam mais commummente ás terras, que
os reis queriam favorecer.
A villa de Arronches foi praça de guerra, com
boa cerca de muros, que resistiram ao assalto dado
pêlos hespanhoes na noite de 17 de Junho de 1712,
ha guerra em que Portugal então estava empe
nhado com Castelfa.
Ha na villa uma só parochia, cujo orago é Nossa
Senhora da Assumpção. E' um bello4empIo, de bas
tante antiguidade, com tres portaes mui bem la-
vradçs, e interiormente de tres naves sustentadas
em seis columnas, além de duas menos altas, po
rém mais brincadas, em que se firma o coro. Tem
hospital, e casa de misericordia : esta fundada no
reinado de D. Manuel, e aquelle instituido no anno
de 1372 pelo alcaide-mór, que então era de Ar
ronches, Rui Gonçalves, e ao diante annexoá mi
sericordia. Havia tambem aqui um pequeno con
tento de religiosos agostinhos descalços, da invo
cação de Nossa Senhora da Luz, construido em
1570. D'entre quatro ermidas, que ha na villa,
sobresae a do Espirito Santo, notavel pela sua
muita antiguidade.
Faziam-se n'esta villa duas feiras annuaes, uma
em domingo de Paschoella, e outra a 8 de Dezembro ;
nenhuma das quaes vemos actualmente menciona
das no catalogo das feiras do reino.
O clima d'Arronches é em extremo quente, c a
villa falta de aguas, não tendo dentro em si senão
alguns poucos poços. Todavia o seu termo abunda
em cereaes, legumes, algum vinho e azeite, e cm
montados, onde se criam bastantes porcos.
A população d'esta villa anda por mil e duzentas
almas. Teve antigamente voto em cortes com as
sento no banco nono, e tem por brasão d'armas um
castello em campo de purpura.
/
— 83 —

A VILLA D'AV1Z.

No reinado de D. Affonso n era Évora o assento


d'essa nobre ordem de cavallaria, que el-rei D. Af
fonso Henriques instituira em Coimbra, para se au
xiliar com ella na ardua empresa da expulsão dos
moiros, a qual, ao principio subordinada á ordem
hespanhola de Calatrava, e mais tarde declarada
independente por Eugenio iv, a pedido do nosso
rei D. Joao t, tão celebre se fez por acções de va
lor sob a denominação de S. Bento d'Aviz.
Correndo o anno de 1211, achando-se o termo
da cidade d'Evora já desafrontado da presença des
ses irreconciliaveis inimigos do nome christâo, pe
diu o mestre d'aquella cavallaria, D. Fernão dé
Annes, a el-rei D. Affonso n, que lhe desse para
assento da sua ordem um logar mais fronteiro a
terras de moiros, onde melhor podesse cumprir os
preceitos do seu instituto. O monarcha, cedendo
a tão justo pedido, fez-lhe doação a 30 de Junho
d'aquelle anno de um terreno, na mesma provin
cia do Alemtejo, distante seis leguas da raia da
Estremadura, adaptado ao intento, tanto por ter
na visinhança terras de infleis, como por ser bom
sitio pela sua elevação para ahi se fundar uma for
taleza.
Tinha a escriptura de doação por condições es-
senciaes, que o referido mestre não só levantaria
n'aquelle logar um castello, mas tambem fundaria
junto d'elle uma povoação. E consta da mesma es
criptura, que já n'csse tempo se dava áquelle si
tio o nome de Aviz, proveniente, segundo a tra
dição, das muitas aves , principalmente aguias,
que frequentavam e poisavam n'aquella eminencia.
Só passados tres annos é que se deu principio
á fundação do convento e castello, concluindo-se,
c fazendo-se a mudança sendo fallecido o mestre
D. Fernão de Annes, e governando a ordem o mes
tre D. Fernando Rodrigues Monteiro. Logo de
pois de acabados e povoados o convento e castella
se começou a edificar e povoar a villa. O nome de
Aviz, que se dava ao sitio, ficou-se dando tambem
ã villa, e á ordem, que até ali se intitulava da Ca-
vallaria de Evora. O seu foral foi obra d'el-rei D.
Diniz.
Como a povoação crescesse rapidamente á som
bra dos muros de tão autorisada fortaleza, e sob
a protecção de tão esforçados guerreiros, tratou-se
de a cercar de muralhas e torres, com as seguin
tes portas : do Anjo, Debaixo, d'Evora, de Santo
Antonio, de S. Roque, e do Postigo. As torres pri
mitivas eram seis,; porém nas guerras da restaura
ção de 1640 demoliram-se duas para se construir
com os seus materiaes dois reductos, conforme o
moderno systema de fortificação'. Estes fortes le-
vantaram-se junto ás portas i'Evora e de Santo
Antonio,
Com o tempo veiua povoação a trasbordar so
bre o seu cinto de muros, estendendo-se para o
norte, aonde formou um grande arrabalde com tres
ruas, bem guarnecidas de casas.
Está pois a villa d'Aviz assentada em logar ele
vado, sobre a ribeira do mesmo nome, onde tem
uma boa ponte. Dista d'Evora oito leguas para o
norte. Tem uma unica parochia, da invocação de
Nossa Senhora da Orada, que se ergue no sitio mais
alto da villa, e segundo a tradição a imagem da
Senhora foi ali posta pelo condestavel D. Nuno
Algares Pereira.
O principal edificio da villa é o antigo convento
dos freires da ordem militar de S. Bento de Aviz,
fundado, como acima dissemos, pelo mestre D. Fer
não de Annes, e posteriormente reedificado. Está
situado proximo da porta do Anjo, mas da parte de
fora dos muros da villa, correndo-lhe pelo meio
da cerca a ribeira d' Aviz.
Tem mais Aviz hospital e casa de misericordia,
cinco ermidas nos arrabaldes, e duas fontes de boa
— 5S —
Abunda o seu termo em cereaes, legames, azei
te, algum vinho, gados, grandes montados, muita
caça, e mel. -
A população d'Aviz pouco excede a mil quatro
centas almas. A 3 de Janeiro e a 18 deAgostofa-
zem-se aqui duas feiras, cada uma de tres dias.
Gosou antigamente de voto em cortes, com as
sento no banco nono. O seu brasão d' armas, con
forme se acha na Torre do Tombo, e o representa
a estampa junta, è um escudo com a cruz verde
d'Aviz em campo de oiro, e na parte inferior duas
aguias. Todavia em uma das portas davilla, deno
minada d'Evora, do lado de fora, vê-se pintado o
seguinte quadro : A imagem de S. Bento, tendo aos
pés o mestre D. Fernão de Annes a cavallo, com
escudo embraçado, e um alfange na mão direita.
Debaixo das mãos do cavallo está uma cabeça de
moira, e para o lado direito duas aguias reaes so
bre uma azinheira.
Diz a lenda, que indo o referido mestre em pro
cura de sitio para fundar o castello e convento.,
descobrira n'aquelle alto duas aguias poisadas so
bre uma azinheira, e tomando d'isto bom agoiro,
se resolvera a fazer ahi a dita fundação, dando por
este motivo áquelle logar o nome de Aviz ; e que
em memoria d'este successo se introduziram as duas
aguias nas armas da villa.
-56 —

A CIDADE D' AVEIRO.

Assentada era terreno de mediana elevação, a ci


dade d'Aveiro espelha-se nas aguas de uma vasta
ria, formada pelo rio Vouga, cuja foz lhe fica vi-
sinha, e pelas ondas do oceano, que, entrando por
um esteiro em frente da cidade, lhe dão a vanta
gem de possuir um porto de mar, muito bom em
outros tempos, ena actualidade bastantemente ob
struido de arêas- Está situada em distancia quasi
egual dos rios Douro, e Mondego, pois dista do
primeiro dez leguas para o norte, e do segundo
nove para o sul.
Abstrahindo d'essasJiistorias, meio incertas, meio
fabulosas, com que os nossos geographos faliam dos
primeiros povoadores d'esta terra, ha todo o fun
damento para crer, que, durante a dominação dos
romanos na Lusitania, havia ali uma cidade flore-
cente com o nome de Talabriga.
Com as invasões, que se succederam á quedado
imperio romano, e talvez ainda mais com a terrl
vel inundação dos sarracenos, que destruiu em toda
a peninsula iberica a monarchia dos godos, ar-
ruinou-se e despovoou-se completamente aquella
cidade. E assim permaneceu por muitos seculos,
pois que só no decimo quinto é que foi reedificada e
novamente povoada pelo infante D. Pedro, duque de
Coimbra, e filho d'el-rei D. João i, sendo regente do
reino na menoridade de seu sobrinho, D. Affonso v.
Por essa occasião, não passando de uma simples
villa, foi cingida de altos e fortes muros ameiados ;
porém a população, no seu crescente desinvolvi-
mento, transpoz os limites, que a apertavam, e,
dilatando-se para o norte e para o sul, formou ar
rabaldes cheios de boa. casaria, que não tardaram
a constituirem-se em novos bairros da villa.
Em 1515 deu-lhe foral el-rei D. Manuel, con-

-
...-
— 57 —
cedendo-lhe muitos privilegios e isempções. E a tão
prospero estado chegou n'esse seculo, graças á ca
pacidade, que então tinham o seu porto, e a sua bar
ra, que no anno de 1550 contava doze mil habi
tantes, epossuia mais de cento e cincoenta navios,
pela maior parte de alto mar, expedindo todos os
annos não menos de sessenta para a pesca. do ba
calhau nos bancos da Terra Nova, e mais de cem
carregados de sal para diversos portos.
O chuvoso e tempestuoso inverno de 1575, ob-
struindo-lhe de arêas o porto e a barra, deu prin
cipio á sua decadencia. Com o discurso do tempo
aggravou-se de tal sorte este mal, que a sua facil
barra, removida pelo movimento das arêas quinze
milhas mais para o sul, tornou-se difficil e peri
gosa; os fertilissimos campos d'Aveiro, que chega
ram a produzir em alguns annos trinta mil moios
de trigo, e ás suas celebradas marinhas, d'onde se
tiravam annualmente de doze a dezeseis mil moios
de sal, ou se esterilisaram, cobrindo-se das mes
mas arêas ; ou, alagados, se converteram em ter
renos pantanosos e insalubres, que tanto concor
reram para se ir despovoando Aveiro.
No principio d'este seculo tratou seriamente o
governo de prover de remedio a tão grande mal,
encarregando o brigadeiro Oudinot, e o tenente co
ronel Luiz Gomes de Carvalho, dois engenheiros
distinctos, de confeccionarem um plano de obras
conducente ao fim proposto. Encetaram-sc os tra
balhos em 1802, e concluiram-se em 1808, dei
xando construido um dique de mil duzentas e dez
braças de comprimento, setenta e dois palmos de
largura, e altura superior ás mais elevadas marés;
em cuja obra se despendeu mais de cem contos de
réis.
Com este dique melhorou muito o porto e a bar
ra, e por conseguinte melhoraram tambem os cam
pos e as marinhas de sal. Animou-se o commer-
cio e a navegação, e Aveiro, então já elevada á
ca.thegoria de cidade, e sede episcopal, por el-rei
D. José, readquiriu, etn grande parte, os dias da
8
— 58 —
sua passada prosperidade. Todavia, como depois
que se acabou aquella importante obra hydrauli-
ca não se cuidou mais da sua conservação, torna
ram as arêas a accumular-se no porto e na barra.
com grave prejuizo da navegação ecommercio. Ha
tempos que se emprehenderam, e continuam ao pre
sente, trabalhos de melhoramento.
Divide-se a cidade d' Aveiro em cinco bairros,
contando entre estes o chamado arrabaldes. Omais
antigo ainda sevo cingido com os muros, que lhe
levantou o infante D. Pedro, duque de Coimbra.
Um esteiro, ou braço de mar, separa a cidade em
duas partes, facilitando a communicação duas
pontes de pedra, sendo uma d'ellas de melhor fa
brica.
Tem quatro egrejas parochiaes : a sé, no bairro
antigo ; a da Vera Cruz, que é um bom templo de
tres naves, no bairro do norte ; a do Espirito San
to, de antiga architectura, no do sul ; e a de Nossa
Senhora da Apresentação, que outr'ora tinha por
orago a S. Gonçalo, edificada no lado do sul. Nos
districtos d'estas freguezias ha quatorze ermidas.
A egreja da misericordia, de architectura mo
derna, é um grande ebello templo; e o seu hospi
tal é tambem um bom edificio.-
Conta a cidade d'Aveiro seis conventos, tres de
freiras, que ainda estão povoados, "e tres, que per
tenceram ás extinctas ordens de religiosos. D'aquel--
les o mais autorisado é o real mosteiro de Jesus,
de religiosas dominicanas, no qual lançou a pri
meira pedra el-rei D. Affonso v noannode 1462»
e aonde depois se recolheu sua filha, a princeza San
ta Joanna, fallecendo no habito de freira, mas só
com voto simples, por lhe não consentirem votos
solemnes. em razão de ser herdeira presumptiva
da coroa, na falta de seu irmão, o principe D. João,
depois rei, segundo do nome. O corpo da santa prin
ceza está n'um rico sepulchro.
O convento da Madre de Deus, de religiosas da
terceira ordem de S. Francisco, edificado em 1644,
em cuja egreja se admira um bello retabolo.
-59 —
O cenvento de S. João Evangelista, de religio
sas carmelitas descalças, fundado em 1658 pelo du
que d'Aveiro, D. Raymundo de Lencastre, nos pa
ços, queahi possuia. Está situado na parte mais anti
ga da cidade, forma um grande quadrado, com qua
tro frentes apalaçadas, que terminam em quatro tor
reões, mais elevados e ponteagudos.
Os conventos de frades eram os seguintes : o de
Nossa Senhora da Misericordia, fundado dentro dos
muros pelo infante D. Pedro, duque de Coimbra,
no anno de 1423 ; e fora d'elles o de Santo Anto
nio, de frades menores da Provincia da Soledade,
com uma linda cerca abundante d'agua e arvoredos
edificado em 1524, e reconstruido nos annos de
1564, e 1583 ; o de Nossa Senhora do Carmo, de
carmelitas descalços, tambem com bonita cerca, fun
dado em 1613 por D. Brites de Lara, mulher de
Pedro de Medicis, irmão do grã-duque de Toscana.
A egreja d'este convento é vasta, e está construida
com grandeza. Na capella-mór, do lado do Evange
lho, descansa a fundadora em um magnifico mau-
soleo de marmores de cores.
No bairro antigo ha um recolhimento de tercei
ras de S. Francisco, e junto do convento de Santo
Antonio uma egreja de terceiros tambem de S. Fran
cisco.
Aveiro tem casas nobres de agradavel apparen-
cia, bom caes de pedra, aonde chegam os navios,
alfandega, e um passeio formosissimo tanto pelas
arvores gigantescas, que o adornam, como pelas
vistas apraziveis, que d'elle se desfrueta. E' uma
frondosa alameda, situada na parte alta da cidade,
entre a porta de Vagos e o convento de Santo An
tonio.
A cidade é abastecida de agua por cinco fontes,
das quaes a principal é a da Ribeira, que serve de
ornamento a uma praça junto do esteiro. Vem-lhe
a agua de longe por um bom aquedueto sobre arcos.
Os suburbios d' Aveiro são mui formosos pelas
hortas, quintas, arvoredos, e fontes, que n'elles
ha, e pelos lindos panoramas, que de muitos pon-
77
— 60 —

tos se desfructam. A ria, com as suas nove leguas de


comprimento, desde Ovar até Mira, correndo pa-
ralleta ao oceano, e apenas separada d' elle por uma
larga restinga de areia, e continuamente sulcada
por uma infinita quantidade de barcos de diversos
tamanhos e feitios; vastas campinas, retalhadas
pelos esteiros ou braços, que a ria alonga por
essas planicies sem fim, parte cultivadas, parte apro
veitadas em marinhas de sal ; ao longe a immen-
sidade do oceano; e para o interior bosques e ser
ras longinquas, elevando-se umas sobre outras em
amphitheatro ; taes são os variados quadros, que
se gosamdossitios mais altos da cidade, c dos seus
arrabaldes.
O termo d'Aveiro é fertilissimo. Tem boas pas
tagens aonde se criam muitos gados, e entre es
tes excellentes cavallos. Produz grande copia de
cereaes, arroz, legumes, vinho, e fructas. Porém
o sal e as pescarias constituem as suas mais valio
sas producções. e o ramo mais importante do seu
commercio. Em 1851 o districto d' Aveiro produ
ziu mil quatrocentos quarenta e cinco moios de
arroz, e vinte mil quatrocentos quarenta e cinco
moios de sal. N'esseanno demandaram o seu por
to duzentos e cincoenta navios e embarcações cos
teiras, cujas toneladas prefazem asomma de quin
ze mil oitocentas e quarenta ; e sairam trezentos
e dezoito (').
Aveiro tem duas feiras annuaes muito concorri
das, e de bastante movimento commcrcial, uma aos
25 de Março, e a outra no 1.° de Novembro.
Todas as cercanias da cidade são abundantissimas
de caça, principalmente de aves aquaticas e de ar
ribação, de difierentes especies, que ás vezes co
brem as ilhotas e esteiros da ria. E d'esta prodi
giosa quantidade de aves, querem os etymologis-
tas que se derive o nome da cidade.
No antigo regimen gosava Aveiro daprerogati-

{>) Vcja-se o Almanak de Portugal do senhor Valdez.


^61 —
va de enviar procuradores ás cortes, os quaes ti
nham assento no banco setimo ; e além d'ested«s-
fructou muitos e singulares privilegios, concedidos
por quasi todos os nossos soberanos desde el-rei
D. Diniz, que fez as primeiras diligencias paraat-
trahir moradores ásruinasda antiga Talabriga, até
el-rei D. João iv. Aveiro conta uns quatro mil e
duzentos habitantes.
O seu brasão d' armas, como se acha na Torre do
Tombo, d'onde é copiado o desenho, que se vê no
numero antecedente, é, num escudo, sobre campo
verde, duas estrellas, duas meias luas, eum cisne
sobre agua. Entretanto em diversas obras, que te
mos á vista, achamos a seguinte descripção das suas
armas : «No meio do escudo as quinas reaes ; do
lado direito uma aguia parda com as azas esten
didas (que se collige lhe dariam os romanos), met-
tida entre duas meias luas, e duas estrellas pra
teadas, e postas em aspa (insignias sem duvida das
navegações dos seus naturaes) ; e no lado esquer
do a esphera de el-rei D. Manuel, que lhe deu o
foral no anno de ISIS.»
Aveiro foi patria de muitos varões, que se dis
tinguiram por actos de virtude, por lettras e sa
ber, por viagens c descobrimentos, e, emfim, por
acções de coragem e valor. Iriamos muito longe,
se pretendessemos fazer o catalogo dos seus nomes,
e obras. Diremos, porém, que aos fithos d' Aveiro
se deve a descoberta da peninsula na costa septen-
trional da America, chamada a Terra Nova, aon
de depois foram por longa serie de annos fazer a
pesca do bacalhau, com grande proveito seu, e uti
lidade da sua cidade natal.
Aquelle celebre navegante, João Affonso d'Avei
ro, que tão importantes descobrimentos fez na cos
ta d'Africa, durante o reinado de el-rei D. João n,
era natural d'Aveiro. Foi este intrepido viajante,
que entranhando -se pelo sertão d'Africa, e trazen
do de lá a Portugal mui curiosas noticias, amostras
de varias producções do oriente, eum embaixador,
do, pelo vulgo denominado, Preste João, fez nas
•nnr « pnnmm pensamento ■fe ífescuueri;* ■fo «air-
rsirí ffa QnflH. :pie o innmii-tai Tiscn ia 'irara *f*w
a fiíretta» ofa rsalisar nu ievmnte reuradu'.
. . I

-' :'
03 —

A VILLA DOS ARCOS DE VAL DE VEZ.

E' muito antiga a origem d' esta villa. Preten


dem alguns autores, que no tempo dos romanos
fora uma povoação importante com o nome de^r-
cobrica. O que é certo é que já existia no reinado
de el-rei D. Affonso Henriques, ao qual se attri-
buea fabrica primitiva dos arcos, que se vêem na
sua praça principal.
Dizem alguns escriptores, que o seu nome ac
tual se deriva d'estes arcos, e da situação da vil
la proximo do rio Vez. Porém outros querem que
provenha dos arcos triumphaes, que os seus mo
radores levantaram a el-rei D. Manuel, quando por
ahi passou em romaria a Santiago deGalliza; por
cuja occasião lhe deu foral.
No annode 1128, antes da acclamação de Affon
so Henriques como rei de Portugal, alcançou aqui
este principe uma grande victoria contra os caste
lhanos.
Está assentada a villa dos Arcos na provincia
do Minho em logar um pouco elevado, perto do
rio Vez. Tem uma unica parochia, dedicada ao Sal
vador, cujo templo foi reedificado por D. Pedro n
nos fins do seculo xvn. A egreja da misericordia,
fundada em 1595, passa por uma das melhores de
toda a provincia.
Contam-se na villa e suburbios varias ermidas,
a algumas das quaes concorrem muitos cirios em
diversas epocas do anno. Tambem possuia um pe
queno convento de frades capuchos da provincia
de Santo Antonio, dedicado a S. Bento, e cons
truido em 1678.
Além da praça do pelourinho, guarnecida de ca
sas sobre arcadas, tem esta villa tres bellos cam
pos, o primeiro entre a egreja parochial e a do
Espirito Santo; o segundo no meio da povoação,
ao qual faz frente a casa da camara; e o terceiro con
•—64 —

tiguo à porta de S. Braz. O pelourinho é uma boa


obra. Muitas fontes de excellente agua abastecem
abundantemente esta povoação.
Os arrabaldes sào mui formosos. Por "todos os
lados corre agua, e se elevam frondosos arvoredos.
As margens do Vez são encantadoras. Todo o ter
mo dos Arcos é fertilissimo, tanto pela abundan
cia dos mananciaes, como pela qualidade do tor
rão, que é do melhor da provincia. Criam-se n'el-
le muitos gados, e produz grande quantidade de
ceraes, principalmente milho, legumes, vinho, fruc-
tas, hortaliças, e linho. A caça é muita, variada,
e excellente. No rio pescam-se trutas, eirozes, bo
gas, e escallos.
E' esta villa cabeça de condado desde o tempo de
Filippe iv de Castella, que fez primeiro conde a D.
Lourenço de Brito e Lima, cuja descendencia se
extinguiu em seu filho. Foi terceiro conde D. Tho-
maz de Noronha, d' onde procedem os actuaes con
des.
Conta esta villa perto de mil e setecentos habi
tantes. O seu brasão d'armas, como se acha na
casa da camara, é o escudo das armas reaes en
tre aesphera armilar, e a cruz da ordem de Chris-
to, que são as divisas de el-rei D, Manuel.

r
•65 —

A CIDADE DE BEJA.

A fundação d'esta cidade attribue-se aos celtas,


os mais antigos povoadores das Hespanhas de que ha
noticia. Dizem que os carthaginezes a occuparam ;
porém o que é fora de toda a duvida é que, senho
reada pelos romanos, esteve muitos annos sob o
seu dominio ; e tanto floreceu n'essa epoca, que lo
grou a preeminencia de ser um dos tres conven
tos juridicos da Lusitania.
Destruido o imperio romano, esteve subjeita pri
meiramente aos suevos, e depois aos godos. Sob
o governo d'estes ultimos foi erecta em sede epis
copal.
No começo do seculo vin, correndo o anno de
715, seguiu a triste sorte das mais terras da pe
ninsula, recebendo o jugo musulmano. Depois, n'es-
sa lucta gigantesca, e sem treguas, que durante se
culos fez de todo o solo das Hespanhas um vasto
campo de batalha, correu fortuna varia a cidade
de Beja, sendo agora christã para logo ser outra
vez moira. O primeiro -rei catholico que a dispu
tou e ganhou aos arabes foi D. Affonso i, rei de
Leão e das Asturias, no anno de 750. Retomada
pelos sarracenos, foi novamente resgatada por D.
Ordonho n em 914, que a perdeu pouco depois,
tornando a ser recuperada em 1038 por el-rei D.
Fernando Magno, Caidadenovo em poder dos ara
bes, conquistou-a primeira e segunda vez o nosso
rei D. Affonso Henriques, em 1155, e em 1162.
Desde este tempo ficou para sêmpre christã.
Não se sabe qual foi o nome, que teve anterior
mente ao dominio dos romanos. Julio Cesar deu-
lhe o nome de Pax-Julia em commemoração da
paz, que acabava de Celebrar com os lusitanos. O
seu successor Octaviano Augusto quiz que se cha
9
masse Pax-Angusta, porém o primeiro é que pre
valeceu, e se conservou atéà invasão dos moiros,
que o foram corrompendo emPaché, depois Baxu,
e finalmente Beja.
Pelo effeito natural das guerras, que padeceu,
foi-se despovoando e empobrecendo, de sorte que
no tempo dos nossos primeiros reis estava reduzi
da ás condições de uma pequena villa.
El-rei D. AfTonso m deu-lhe foral, e cercou-a
de muros em 1233, para cuja obra se serviu dos
materiaes da celebre via militar, construida pelos
romanos. El-rei D. Diniz mandou-a povoar, eedi-
ficou-lhe o castello.
D. João ii fel-a cabeça de ducado em favor de
seu primo, D. Manuel ; e este principe, tendo-lhe
suecedido no throno, elevou Beja á sua antiga ca-
thegoria de cidade em 4512. O, infante D. Luiz,
segundo filho de cl-rei D. -Manuel, foi creadopor
seu pae duque de Beja, e desde então ficou per
tencendo este titulo aos filhos segundos dos nos
sos reis. Tendo determinado o immortal duque de
Bragança, o Senhor D. Pedro, quando foi regente
na menoridade de sua augusta filha, que, em galar
dão á cidade do Porto, se intitulasse duque d'ella
o filho segundo do monarcha portuguez, passou o
ducado de Beja para o immcdiatò, por cuja razão
gosa hoje d'este titulo o serenissimo infante D.
João".
No- antigo regimen mandava esta cidade os seus
procuradores ás cortes, aonde tinham assento no
banco terceiro. Eram seus alcaid«s-móres osmar-
quezes das Minas.
Beja é sede episcopal, e capital de um districto
administrativo na provincia do Alemtejo. Está si
tuada em um terreno alto, que de muita distan
cia vae subindo gradual e quasi insensivelmente.
Bista d'Evora onae leguas para o sudoeste, e qua
tro de Serpa para o noroeste.
Bivide-sc a cidade em quatro parochias, todas
anteriores ao seculo xiv. A mais antiga é a ma
triz, Santa Maj ia, chamada- da Feira. E' tradição
iP v
— 67 —

que fora mesquita dos moiros. Está no centro da


cidade. As outras freguezias são : S. João Baptis
ta, templo de muita antiguidade; a do Salvador, e
a de Santiago.
A casa da misericordia foi fundada e dotada pelo
infante D. Luiz, filho de el-rciD. Manuel. O seu
templo é grandioso, bem como o hospital, que lhe
está annexo, que e obra do infante D. Fernando,
pae de el-rei D. Manuel. »
O collegiodeS. Sisenando, que pertenceu aos je
suitas, foi fundado em 167Ó.na.;Ma Cega, aonde
aquelle santo morou. Não estando concluido, ao
tempo da extineção d'esta ordem, continuou-se para
servir o templo de sé, c o convento de paço do bis
po. Actualmente está oceupado pela camara, cel-
leiro publico, e outras repartições. Guardam-se
rveste edificio varios objectos d'antiguidade, que
attestam a dominação dos romanos, ca florecencia
de Bejaji'essa remota epoca.
Antes da extineção da« ordens religiosas, em
1834, contayam na cidade e suburbios tres con.-
ventQs de frades, c tres de freiras. Aquelles eram:
o de S. Francisco, edificado pela rainha Santa Isa
bel em 1324; o dos carmelitas calçados, fundado
sobre umoiteiro a um quarto de legua dos muros
de Beja, no anno de lo26 ; c o de Santo Antonio,
de capuchos, construido junto ás muralhas no anno
de 1609. Os de religiosas são: o de Nossa Senho
ra da Conceição, de freiras franciscanas, situado
na rua dos Infantes, c que teve. por fundadores os
infantes D. Fernando, e D. Brites, paes de el-rei
D. Manuel, que jaaemna capella-mór ; o de Nossa
Senhora da Esperança, de carmelitas calçadas, edi
ficado em 1541 ; e o de Santa Clara, de francis
canas, fundado a pequena distancia dos muros no
anno de 1340. Estes tres ainda estão habitados.
Conserva-se ainda em bom estado uma grande
parte das muralhas da cidade, com suas torres.
De quarenta-, que eram estas, restam vestigios de
trinta. Abriam-seem toda esta cerca de muros sete
porias, de que existem cinco, chamadas d'Évora,
— 68 —

iVAviz, de Moura, de Mertola, e de Aljustrel, pe


las quaes saem as estradas; que conduzem ás po
voações, que lhes dão o nome. Entre estas anti
gas fortificações vêem-se ainda de pó algumas par
tes mui curiosas pela sua forma c construcção. A
torre, denominada — ti grande, que se erguejun-
to á porta d'Evora., éum bello monumento, e per
feitamente conservada.
Beja tem muitas casas nobres, mas não possue
fonte alguma. A agua de que se abastecem os seus
moradores é tirada.de poços; porém é de excel-
lente qualidade.
Os arrabaldes não são formosos, porque consis
tem em dilatadissimas campinas, sem accidentes
de terreno, nem contrastes, e cuja principal cul
tura é trigo. Comtudo em torno da cidade ha bas
tantes hortas, e ao longe extensos bosques de azi
nheiros, sobreiros ete. Em compensação a sua fer
tilidade é extraordinaria. Achamos memorias do se
culo passado, que dizem que o dizimo do trigo,
que a mitra archiepiscopal d'Evora recebia annual-
mente do termo de Beja, regulava por trinta mil
moios. Além de trigo e outros cereaes, abundam
em a-zeite, algum vinho, e grandes montados, aon
de se criam muitos rebanhos, ou, fallandomaisad-
quadamente, muitas varas" de porcos. Todos aquel-
les contornos são ricos de caça variada, edemine-
raes, infelizmente não explorados.
.A posição elevada da cidade, desaffrontada de
montanhas, c de mui suave accesso, dá-lhe a van
tagem de gosar de purissimos ares, os mais profi
cuos de Portugal para as molestias de peito. Pela
mesma razão se desfructa de muitos- pontos da ci
dade um dilatadissimo panorama, chegando-sc a
descobrir o castello de Palmelia a dezoito leguas
de distancia.
A 10 de Agosto faz-sena praça de Beja uma
feira mui concorrida' c de grande commercio. A
população 'da cidade eleva-se a cinco mil c trezen
tas almas.
Beja foi patria de S. Sisenando. que padeceu
— 6!) —
raartyrio em Cordova no anno de 85! ; de Anto
nio de Gouvêa, que foi lerile em varias universi
dades estrangeiras, e morreu em Turim, em 1565 ;
de Amador Arraes, de Jacinto Freire de Andrade,
ê de José Agostinho de Macedo, nosso contempo
raneo, e todos tres distinctissimos escriptores.
O seu brasão d'armas é um escudo com uns mu
ros torreados á parte direita, e á esquerda, tuna ca
beça de toiro" até ao pescoço, sustentando as ar
mas rcacs de Portugal, com uma aguia de cada
lado.
— 70 —

A VILLA DE BARCELLOS.

Não Consta ao certo a origem d'esta novoação, mas


sabe*se que é antiquissima. Foi cidade no tempo dos
romanos, e chamava-se Aguas Celenas, por correr
junto d'ella o rio Celano, denominado Cavado pelos
arabes, nome que ainda conserva.
Com as invasões e guerras, que assolaram a Lu
sitania, na entrada dos povos do norte, c depois
na dos arabes, arruinou-se por tal modo a cidade,
que veiu a ser objecto de questão o sitio aonde exis
tira, querendo uns que fosse no logar que actual
mente occupa Barcellos, opinião mais seguida, e
julgando outros que estivera situada na foz do rio,
d'ali duas leguas.
No tempo d'el-rei D. AlTonso Henriques já exis
tia a povoação actual, pois que este monarcha lhe
deu o foral, que el-rei D. Manuel reformou.
Sobre a etyir.ologia do seu nome discordam os
autores. Dizem uns, que se deriva de Barraeelos,
porque foi conhecida antigamente, e equivalia a
Barra Celani , barra do rio Celano. Outros affir
mam que provém de uma barca de passagem, que
ali houve no seu principio, a que chamavam Barca
Celi. Alguns querem que os moiros lhe pozeram
o nome de Barcelenos, por lheattribuirema mesma
origem da cidade de Barcelona, na Catalunha.
Está situada a villa de Barcellos na margem di
reita do rio Cavado, distante do oceano duas le
guas, de Braga tres, e do Porto sete.
D. Affonso, filho legitimado d'el-rei D. João i,
que foi conde e senhor de Barcellos, e depois pri
meiro duque de Bragança, cercou a villa de gros
sos muros com duas elevadas torres, quatro por
tas, e lies postigos. Tambem fundou nella um pa
lacio, aonde por vezes assistiu, e que seus sueces-
: .

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sores reedificaram. D'este monumento ainda se mos
tram estimaveis reliquias. •»
Tem a villa dentro em si uma sóparochia, e ou
tra no arrabalde chamado Barcellinhos. Aquella,
da invocação de Santa Maria Maior, é uma das mais
celebres collegiadas do reino, com cinco dignidades
e oito conegos. Deve a sua fundação a D. Fernando
primeiro do nome, e segundo duque de Bragatnçaf.
Possuo esta villa uma boa egreja e hospital da
misericordia, varias ermidas, algumas casas nobres,
tres chafarizes de excellente agua, além de quatro
nós arrabaldes. São estes muito lindos pelo bem
cultivado dos campos, e pelas deliciosas margens
do Cavado, que é atravessado em frente da villa
por uma bella ponte de 'pedra.
O termo de Barcellos produz bastantes ecreaes,
principalmente milTio c centeio, legumes, vinho,
linho, fruetas ete. Cria-se n'elle muito gado, e
abunda em caça de variadas especies. Pescam-se
no rio lampreias, salmões c outros peixes.
Conta esta villa perto de quatro mil habitantes.
Acha-se hoje ligada ás cidades do Porto e Vianna
do Castello por uma nova e bem construida estrada,
cm que anda uma carreira regular de diligencias.
Barcellos foi a primeira cabeça de condado, que
houve n'este paiz depois da fundação da monar-
chia. El-rei D. Diniz deu este titulo a D. JoãoAf-
fonso de Menezes, que foi seu mordomo-mór ; e
por morte do segundo conde, filho d'este., fez o
mesmo soberano merce do titulo a seu filho bas
tardo, D. Pedro, o autor do celebre Nobiliario.
Depois de ter andado em pessoas de outras fami
lias, veiu o condado de Barcellos a recair no con-
destavel D. Nuno Alvares Pereira, e pelo casamen
to de sua filha unica, D. Brites, com D. Affonso,
filho legitimado d'el-rei D. João i, encorporou-se na
casa de Bragança, aonde se conserva, tendo sido
elevado a ducado por el-rei D. Sebastião em favor
dos filhos primogenitos d'csta augusta familia.
No antigo regimen gosou Barcellos da preroga-
tiva de mandar procuradores ás cortes, os quaes
— 72 —
se sentavam no banco decimoquarto. O seu brasao
darmas foi-lhe dado por D. Aflonso, primeiro duque
de Bragança. Conforme se-acha na Torre do Tombo,
consiste em um escudo azul com uma ponte e uma
arvore com pomos de oiro : por cima dois castel-
los de prata, e sobre estes tres escudos, nos dois
dos lados as quinas de Portugal, e no do meio
uma aspa vermelha em campo de prata, que era
a divisa de D. Affonso.
Entretanto o brasão que se vê em Barcellos na
tone da casa da camara differe deste era ter so
bre a ponte uma- só torre, e junto uma ermida,
com a' arvore á porta. No mais é egual.
:

:
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. •
:


. .
.i.

-
'-''.

i
— 7:) —

AVILLA DE BENAVENTE.

Não 'são concordes os nossos antiquarios sobre


o logar em que estava assentada acidado romana,
chamada Aritium Pretorium, por onde passava em
direcção aMerida uma das tres vias militares, com
que os romanos cortaram a Lusitania. Comtudo
boas autoridades sustentam a opinião de que a vil-
la de Benavente oceupa o sitio da antiga Aritium
Pretorium.
A fundação da villa actual não é mais conheci*
da. Apenas se sabe, que já existia no reinado de
el-rci D. Sancho i, pois que foi ali que este mo-
narcha confirmou a ordem militar de Aviz noanno
de 1200. E n'este mesmo anno lhe deu foral o bis
po d'Evora D. Paio.
Acerca da etymologiado seu nome escrevem al
guns autores, que o modo porque a fortuna favo
receu os christãos na occasião de a tomarem aos
moiros, que a defendiam obstinadamente, fez com
que os novos senhores denominassem aquellasua
façanha — bene eventus, feliz sucesso ; e que d'aqui
viera o nome á terra.
Está situada a villa de Benavente na provinda
do Alemtejo, proximo da raia da Estremadura, em
uma pequena elevação, que domina mui vastas cam
pinas, que se estendem para este. Dista quatro
leguas da villa de Coruche, e sete da de Aldoa-
Gallega.
Tem uma só parochia, fundada no meio da po
voação, e cujo orage é Nossa Senhora da Graça.
Em uma das paredes d'esta egreja está embebida
uma pedra comdois escudos d'armas : um, perten
cente á familia dos Sequeiras, tem cinco vieiras,
e assenta sobre a cruz d'Aviz: o outro tem no cen
tro uma bandeira vermelha e a cruz d'Aviz, ver
de, eaos lados uns cordões, ou correntes, tambem
verdes. Este é o brasão d'armas de Benavente. Por
10
cima do escudo lé-se — Aviz — Benavente; por
baixo — Entes paços mandou fazer o mestre D. Fer
nando de Sequeira Anno de 1403.
Benavente pertencia á ordem de S. Bento d' Aviz,
e csta*pcdra, que outr'ora se achava nos paços que
aquelle mestre da ordein aqui fundou, caindo o
edificio em muita ruiíia, mandou-a dali tirar, e col-
locar na parochia, para que não viesse a perder-
sc, o prior Caetano José da Rocha.
Tem esta villa hospital e casa de misericordia,
que é um templo pequeno, que foi anteriormente
ermida do Espirito Santo. Dentro da povoação c
nos arrabaldes ha quatro ermidas.
A ribeira do Sorraya, que lhe passa junto, eque
a pouca distancia se lança. no Tejo, causa no in
verno muitas inundações, que ás vezes se augmen-
tam comas cheias d'este ultimo rio, deixando de
pois varios pantanos, que fazem aquelle clima mui
to sazonatico. Logo ao sair da villa ha uma com
prida e bella ponte.
Benavente só tem uma fonte de boa agua ; to
das as mais são más. A'quella, chamada Bica da
Casa, attribue o doutor Francisco da Fonseca Hen
riques, no seu Aquilegio Medicional virtudes mui
singulares, entre outras a de fazer fecundas as mu
lheres estereis í
Não longe tem esta villa um pequeno porto so
bre o Tejo. Proximo está a celebre quinta da Foz,
com bom palacio, a qual pertenceu aos marque-
zes de Cascaes, e que pela extineção d'esta illus-
tre familia, descendente do grando chanceller-mór
João das Regras, passou para a casa dos senhores
marquezesdeNiza, que actualmente a desfruetam.
Esta importante propriedade pagava de dizimo, an
tes da abolição d'este tributo, uns annos por ou
tros cem moios de trigo.
Todo o termo de Benavente é de bastante ferti
lidade. A principal cultura d'esscs terrenos consis
te em trigo e cevada, de que exporta avultadissi
mas quantidades, que veem ao mercado de Lisboa.
Todavia tambem produz não pouca copia de legu
mes, azeite. vinho. e fruetas. As visinhanças do
— 75-
Tejo fazem-a abundante de pescado, c os montes
que soterguem para leste de variada caça.
A população de Benavente anda por duas mil
almas. Ue algumas casas davilb, e principalmen
te da torre daegrcja parochial descobre-se um di
latadissimo horisonte. Avistam-sc d'abi as villas
de Salvaterra dos Magos, de Santarem, do Carta
xo, d' Azambuja, d'Alemquer, e todas as povoações
da margem do norte do Tejo até Lisboa.
í• :

— 76 —

AVILLADEBERINCEL.

Na provincia do Alemtejo, a duas leguas de dis


tancia da cidade' de Beja, para o poente, está edi
ficada a pequena vella de Beringel na encosta de
! . um monte, que olha para o norte.
A noticia mais antiga, que se encontra da sua
existencia, data do anno de 122a, no qual el-rei
D. AiTonso m fez doação d'ella ao mosteiro d'Al-
cobaça. Tendo-a incorporado na coroa el-rei D.
Affonso v, no anno de 1477 por troca que fez com
aquelle mosteiro, deu-a em 1407 a Ruy de Sousa,
pae do primeiro conde do Prado, ascendente dos
marquezes das Minas. Porém el-rei D. Manuel é
que lhe concedeu o seu foral de villa aos 23 de
Novembro de 1519.
Consta esta povoação de uma só parochia, inti
tulada de Santo Estevão. E' templo antigo, de tres
naves, e na sua primitiva foi egrcja de um mos
teiro de frades bernardos, do qual se descobrem ain
da vestigios. Em uma das capellas estão sepulta
dos Ruy de Sousa, e sua mulher D. Branca de Vi
lhena.
Tem hospital c casa de misericordia, e nos ar
rabaldes quatro ermidas.
Abastecem a villa quatro fontes de excellente
agua, chamadas — daAndreza, do Marquez, de Pa-
lhaes, e Fonte Velha. O pequeno rio Gallego rega
e fertilisa-lhe os campos dos seus suburbios, que
produzem cereaes, legumes, azeite, vinho, c fruc-
tas, e conteem bellas pastagens, em que se cria bas
tante gado. Na serra das Pedras, que lhe fica vi-
sinha, l.a muita abundancia de perdizes e coelhos.
A villa de Beringel tem por brasão d'armasem
campo vermelho um braço de oiro com azas, em
punhando na mão uma espada.

\
>-
^
— 77 —

A VILLA DE BORBA.

Na provincia do Alemtejo meia lcgua ao poente


de Villa Viçosa, e a duas leguas de Estremoz, está
assentada a villa de Borba em um valle formoso e
ameno.
Pretendem alguns antiquarios, que tivera por
primeiros fundadores aos gallos celtas. Nas diver
sas invasões, que a Lusitania padeceu, esteve por lar
gos annos subjeita ao dominio de Roma, depois do
dos godos e outros povos do norte, que, destruindo
o imperio romano, avassallaram toda a peninsula
hespanica, e d'estes passou ao dos arabes, que a
seu turno os venceram, e desalojaram das terras
conquistadas.
Correndo o anno de 1217 resgatou-a do poder
dos infieis el-rei D. Affonso ir, e ficou desde então
parte integrante da monarchia portugueza. Arrui
nada e abandonada por esta occasião pelos seus mo
radores, o mesmo monarchaa mandou reedificar o
povoar de novo. Dcu-lhe foral el-rei D. Diniz, e
geralmente se lhe attribuc a fundação do seu cas-
tello. Todavia, uma pedra com dois malhos n'ella
esculpidos, e a tradição de que junto á villa, no si
tio hoje chamado os Mosteiros, existira um conven
to de templarios, dão algum fundamento para se
suppor, que o castcllo foi obra d'estes, e não de
el-rei D. Diniz, que talvez tamsómente o repa
rasse.
Dizemos etymologistas, que o nome de Borba se
deriva de um grande barbo, que appareceu eni epoca
remota em uma fonte, que está dentro do castcllo ;
e allegam para prova o brasão d'armasda villa, em
que figuram dois d'aquclles peixes.
Divide-sc a povoação em duas parochias ; uma da
invocação deNossa Senhora do Soveral, c outra dedi
cada a S. Bartholomeu. A primeira, que é a matriz,
— 78 —
é um bom templo de tres naves, sustentadas: por
quatorze columnas de marmore branco, sete de cada
lado; e com um bello portal, tamb«ra de colum
nas. Foi edificada no annode1401 porD.fr. Fer
nando Rodrigues de Sequeira, mestre da ordem mi
litai' de Aviz, á qual esta egreja pertencia.
A outra parochia é de uma só nave, e de cons-
trucção muito mais moderna. Está no seudistricto
o convento de Nossa Senhora das Hervas, ou das
Servas, de religiosas franciscanas de Santa Clara,
fundado pelos annos de 1600'. Tambem tinham na
mesma freguezia um collegio os religiosos de S.
Paulo, primeiro eremita, principiado em 1704.
O hospital e casa da misericordia estão situados
dentro docastello. O templo d'esta foi reedificado
no começo do seculo passado. Os outros templos
da villa são : a capella dos terceiros de S. Fran
cisco, e as ermidas de Santo Antonio, c de S. Se
bastião. Porém fora dos muros ha" mais cinco er
midas.
O velho castello ergue-se junto das muralhas da
villa para o lado do nascente. Tem no meio uma pra
ça, para onde deita uma alta torre quadrangular, em
que se vêem uns toscos e mal distinctos caracte
res, e os dois malhos esculpidos, a que acima nos
referimos.
Tem Borba ruas espaçosas e boas, e a sua casa
da camara é um dos melhores edificios municipaes
de todo o reino. Abastecem-a de excellente agua
muitas fontes dentro e fora de seus muros. Extre-
ma-se de todas pela grandeza da fabrica, e bellc-
za da architectura, a que o antigo senado da cama
ra mandou fazer em 1781.' Este esbelto chafariz
está collocado em uin espaçoso largo, ao sair da
villa. E' todo de marmore branco, com cinco bicas,
e tres tanques. Entre muitos ornatos esculpidos com
perfeição avulta o busto da rainha D. Maria i, cn»
tão reinante.
A abundancia d'agua d'estas fontes, de que se
forma uma pequena ribeira, faz os arrabaldes mui
ferteis c viçosos, povoados de nvuitas hortas e po
mares, c algumas bonitas quintas, ornadas de fron
— 79 —
dosos arvoredos. E' notavel entre estas ultimas a
dos senhores condes das Galvéas. E' tambem ce
lebrado pela sua linda floresta o extincto conven
to de Nossa Senhora da Consolação, que perten
ceu aos religiosos capuchos, da provincia da Pieda
de, e que é conhecido em todo o Alemtejo pelo nome
popular de—convento do Bosque. Foi fundado em
1505 pelo duque de Bragança D. Jaime. Fica a
um quarto de legua da villa. E' uma estancia de
liciosa pela magestade das arvores seculares, que
assombreiam a cerca, c pela copia c frescura das
aguas, que ahi correm em fontes, e levadas, ou
se despenham em cascata.
Do alto de um monte, que bem merece o nome,
que tem, de Boa-Vista, visinho ao convento, go-
za-sedeum panorama admiravel. Avistam-sedVhi
asvillas de Veiros, Evoramonte, Estremoz, Fron
teira, Cabeço de Vide, Monforte, Vi-lla Boim, Ter
rugem, Jerumenha, Vil la Viçosa, e a cidade de Por
talegre; e em Hespanha Olivença, Villa Beal, e
S. Jorge.
O concelho de Borba produz cereacs, muito azei
te, algum vinho, e fruetas. Nas suas montanhas ha
ricas pedreiras de marmores, principalmente bran
co c azul, da mais fina qualidade. De uma d'estas
pedreiras foram levados para Évora, na primeira
metade do seculo passado, todos ou quasi todos os
riquissimos marmores, de que se reconstruiu a sum
ptuosa capella-mór da sé d'esta cidade. Dizem au
tores antigos, que tambem nas mesmas montanhas
existem minas de prata, e se encontram turquezas
e outras pedras preciosas.
No primeiro de Novembro faz-se em Borba uma
feira de tres dias, a que.concorre muita gente. A
população d'esta villa excede a tres mil almas.
A villa de Borba tinha voto nas antigas cortes,
tomando os seus procuradores arssento no banco de
cimo quinto. Ha diversas opiniões sobre o seu ver
dadeiro brasão d'armas. Querem uns, que seja um
castello eao pé uma fonte com um barbo. Outros
dizem, que é um rochedo sobre agua, da qual f
saem dois barbos, e assim está pintado na Torre do
— 80 —
Tombo. A opinião que achamos mais seguida é a
que se conforma coma estampa junta — um escudo
simplesmente com dois barbos a sair d'agua.

.
— 81 —

A CIDADE DE BRAGA.

Capital da provincia do Minho, sede do arcebispo


primaz das Hespanhas, corte dos reis suevos, flo-
recente municipio dos romanos, a cidade de Braga
é uma das mais antigas e mais illustres povoações
de Portugal, e de toda a península hespanica.
Attribue-se a sua fundação aos gallos celtas du
zentos c noventa e sois annos antes do nascimento
de Christo. Estes primeiros povoadores vieram ao
diante adenominarem-se brocaras, dizem que por
causa de" uma especie de calças curtas de que usa
vam, chamadas bracas, e parece que d'aqui se de
rivou o nome de Bracara para a sua cidade, de
pois corrupto em Braga.
Não se passou muito tempo, que as legiões ro
manas avassallassem a península, e por conseguinte
a nascente povoação dos bracaros. Em breve me
drou e cresceu a cidade pelo poderoso influxo d'essa
civilisação, que partindo de Roma, estendeu os raios
de sua brilhante luz até ás mais longínquas regiões
do mundo conhecido. Em honra do imperador Au
gusto se lhe deu o nome de Bracara Augusta ; e
em attenção ao seu desinvolvimento e importan*
cia o governo romano estabeleceu n'ella uma. das
tres chancellarias, que houve na Lusitania, cha
madas conventos juridicos, que etam trtbunacsdc
justiça.
Varios restos de edificios, de que ao presente
custam a descobrir os vestigios, cippos, e outros
padrões, ainda hoje attestam a grandeza a que che
gou durante os quinhentos annos, que durou esta
dominação civilisadora.
Quando os povos do norte destruiram o impe
rio romano, e se apossaram das suas conquistas,
vieram os suevos estabelecer-se nesta parte da
Lusitania, fazendo de Braga a sua capital. Passa
dos mais de cento e setenta ansos, foram os sue*
11
— 82 —
vos vencidos e expulsos pelos godos, e estes o fo
ram a seu turno pelos arabes no fim de um domí
nio de cento e vinte e sete annes.
Em todo este longo periodo-couberam á cidade
de Braga a honra c gloria de lhe ser .pregada e
ensinada a lei evangelica pelo apostolo Santiago,
que lhe deixou por arcebispo a S. Pedro de Rates ;
(le ser a primeira sede archiepiscopal das Hespa-
nhas ; de ter por prelados a muitos santos, o de
se celebrarem no seu recinto varios cjncilios im
portantes.
Na longa e renhida lueta, que se travou entre
os moiros, conquistadores da península, e os prin
cipes descendentes dos godos, que, tendo fundado
pelo seu valor o pequeno reino de Lcãor o foram
estendendo até assoberbar e vencer de todo o po
der mauritano ; n'essas guerras terriveis teve Braga
sorte varia, ora tomada pelos christãos, ora re
conquistada pelos sarracenos.
Entrada definitivamente no dominio dos reis de
Leão c Castella, foi cedida em dote por D. AlTonso
vi com as mais terras, que constituiam o condado
de Portugal a sua filha D. Ta reja, por occasião do
seu casamento com o conde D. Henrique, filho do
duque de Borgonha, e sobrinho de Henrique i rei
de França. Desde então tem pertencido a cidade
de Braga á monarchia portugueza, fundada nos
campos de Ourique por D. Affonso Henriques, o
illustre filho do conde D. Henrique.
A situação de Braga é das mais apraziveis e for
mosas, que se podem desejar para assento de uma
povoacão do interior. Edificada no coração da pro
víncia do Minho, delicioso jardim de Portugal, em
terreno um pouco elevado, mas perfeitamente pla
no; cercada de fertilissiinos campos, que o rio Deste
banha e corta, e de frondosos arvoredos, que ao
perto dividem e guarnecem prados sempre verdes,
e ao longe vestem e assombreiam montes, que em
amphitheatro se vão elevando, e fazendo graciosa
molduragem aos prados, campos, e cidade ; Braga
gosa desassombradamente para qualquer lado, que
«lhe, lindas perspectivas; ao mesmo tempo que
— 83 —
offerece, a quem a contempla das alturas visinhas,
um quadro summamento encantador.
Não ha cidade alguma em Portugal, mesmo in
cluindo Lisltoa, que, na proporção da sua grandeza,
tenha tantas e tão vastas praças como Braga. O cam
po de Sant'Anna, que é a maior, tem quasi o dobro
de comprimento da nossa praça de D. Pedro. Ape
sar d'esta immensa extensão é todo guarnecido de
edificios, salvos os siliosaonda se abrem as diver
sas ruas, que n'elle veem desembocar. Ha ahi mui
tas casas particulares de boa apparencia.; ^ilguns
-conventos e templos de architectura regular, e até
grandiosa, como o da extincta ordem dos congre
gados de S. Filippe Nery, fundado em 1689.
N'este campo se vêem os restos do antigo eas-
tello, construido por el-rei D. Diniz c reedificado
por el-rei D. Fernando pelos annos de 1375, do
qual ainda existem algumas torres e lanços de mu
ros. O campo de SanfAnna foi modernamente plan
tado d'arvores. Em uma das extremidades tem um
bello chafariz, e na outra uma elegante columna
corinthia com um globo, sustentando a cruz arce-
bispal.
O campo da Viflha ; a praça Nova ; a do paço
do arce"bispo ; o campo das Hortas ; o campo dos
Toiros; o campo dos Remedios; são boas praças
orladas de grandes edificios, principalmente reli
giosos. Na primeira avulta o sumptuoso convento do
Populo, que foi dos eremitas de Santo Agostinho,
c hoje é quartel do regimento de infanteria n.°8.
•Fundou-o no anno de 1595 o arcebispo D. fr.
Agostinho de Castro. Na capella-mór da sua vasta
egreja estão em dois ricos tumulos o fundador, e
D. fr. Aleixo de Menezes, arcebispo de Goa, e de
pois de Braga.
A segunda praça é moderna; está edificada sob
um plano regular, c tem um chafariz. A terceira,
á qual o palacio do arcebispo faz tres frentes,. tem
no centro um antigo chafariz em forma de castello,
e coroado por uma estatuaT Na quarta erguem-se
dois bonitos monumentos. A' entrada um elegante
arco triumphal todo de pedra, com muitos ornatos,
— 84—

ronstruido no principio do seculo passado, no sitio


aonde havia uma das antigas portas da cidade, pelo
arcebispo D. José de Bragança, filho legitimado d'el-
rei D. Pedro n : e no centro uma esbelta e formosa
columna corinthia, tevantada sobre degraus de pe
dra, e coroada por um grande globo, que serve de
base a uma bem lavrada cruz archiepiscopal. No
topo d'esta praça está o palacio dos senhores Cu
nha Reis, a mais bella e esplendida residencia par
ticular da cidade. Encerra uma copiosa livraria, e
uma cgllecção de quadros a oleo, de authores na-
cionaes e estrangeiros, em que se vêem varios pai
neis de muito merecimento. Nos jardins d'este pa
lacio, plantados ao gosto moderno, ha uma riquis
sima collecção de plantas.
0 campo dos Toiros é uma bella praça orlada
d'arvores e de bons edificios, e para o qual deita
a fachada principal do paço do arcebispo, recon
struida pelo arcebispo D. José de Bragança no co
meço do seculo passado. Esta parte do paço é oceu-
pada actualmente pela repartição do governo civil.
No campo dos Remedios avultam dois dos me
H. lhores edificios de Braga, a egreja de Santa Cruz,
e o templo e hospital de S. Marcos. Aquella foi
obra do arcebispo D. Rodrigo da Cunha em 1635,
e estes devem a sua fundarão ao arcebispo D. Diogo
de Sousa no primeiro quartel do seculo xvl ; po
i rém em tempos modernos foi reedificado comple
tamente com grandeza e magnificencia. Todo o edi
ficio é coroado de balaustradas e estatuas dos apos
tolos. Na egreja guarda-se em rico sepulchro de
jaspe o corpo de S. João Marcos, martyr, bispo de
Atina.
Em monumentos religiosos não é menos notavel
a cidade de Braga, tanto pelo numero dos templos,
como pela riqueza de alguns. A sé é o principal
pela sua cathegoria, antiguidade, grandeza, pre
ciosidade das alfayas, e venerabilidade dos corpos
santos e mais reliquias, que encerra.
É um vasto templo de tres naves, dedicado, co
mo todas as mais sés, a Nossa Senhora da Assum
pção, no qual se viem specimens de architectura

I
— Bo
de mui diversas epocas. A capella-mór, reedificada
no principio do seculo xvi pelo arcebispo D. Diogo
de Sousa , é um bel lo typo do gothico florido, d'cs-
se genero d'architectura que bem se pode chamar
manuelino. O retabolo é todo de pedra lavrada,
e foi feito por artistas biscainhos. Aos lados doal-
tar-mór estão os tumulos do conde D. Henrique,
e de sua mulher, a rainha D. Tareja, paes do nosso
primeiro rei. O corpo da egreja é de reconstrucção
muito mais moderna. Junto ao guardavento acha-
se um precioso monumento artistico, unico d'este
genero em Portugal. E' o mausoleo do infante D.
Afionso, filho primogenito d'el-rci D. João i. Este
riquissimo tumulo é todo de bronze com a estatua
do principe em cima, e muitas outras figuras, tudo
coberto com um baldachiiío do mesmo metal. Esta
obra prima d'esculptura foi feita em Flandres, c
d'ahi mandada para Portugal' pela infanta D. Isa
bel, duqueza de Borgonha, tambem filha de D.
João i, e mulher de Filippe o Bom, duque de Bor
gonha.
Os dois orgãos e o coro, que lhe fica contiguo,
são magnificos. A sachristia contém muitas reli
quias, e alfayas de muito apreço e valor. Nas ca-
pellas do templo, e em outras inteiramente sepa
radas, mas que se cominunicam comeste, algumas
das qilaes são grandes como igrejas, veneram-se
os corpos de varios santos, que foram arcebispos
d'esta cidade, sendo um delles S. Giraldo, que
baptisou a el-rei D. Affonso Henriques.
Nas mesmas capellas adiniram-se alguns sum
ptuosos tumulos de prelados mui distinctos em
saber e virtudes. Os mais singulares em estatuaá
e mais obra de esculptura são os dos arcebispos
D. Gonçalo Pereira, avo do condestavel D. Nuno
Alvares Pereira, que viveu em tempo d'el-rei D.
Diniz, e D. Diogo de Sousa, de quem acima falla
mos. Na capella da Annunciação, que fica no claus
tro, está um tumulo de madeira, que encerra o
arcebispo D. Lourenço Vicente, que militou com
heroico valor ao lado de D. Joãtt i na memoravel
batalha d'Aljubarrota, da qual saiu ferido com uma
— 86 —
grande cutilada. Atravez deumavidraça, que tem
o tumulo, vé-se o seu corpo incorrupto, no mais-
perfeito estado de conservação. N'esta capella, que
é antiquissima, é que foram sepultados no seculo
xn o conde D. Henrique e a rainha D. Tareja, e
ahi estiveram até ao seculo xvi em que foram tras
ladados para a capella mór. E' esta a unica egreja
de Portugal aonde se conserva o rito e breviario
muzarabico, officiando-se em uma das suas capei-
las segundo esta antiga lithurgia.
A sê metropolitana de Braga honra-se com uma
longa serie de prelados, entre os quaes figuram
muitos santos, desde S. .Pedro de Rates atéS. Gi-
raldo; um papa, que sendo arcebispo se chamava
D. Pedro Julião, e que elevado ao summo ponti
ficado tomou o nome de João xxi ; quatro princi -
pes, que foram o cardeal infante D. Henrique,
depois rei, D. Duarte, filho legitimado del-rei D.
João iii, D. José, e*D. Gaspar, ambos filhos le
gitimados, aquelle d'el-rci D. Pedro n, e este
de D. João v; quatro cardeaes, o mesmo infante
D. Henrique, D. Jorge da Costa, D. Verissimo
d'Alencastre, c D. Pedro Paulo, fallecido ha pou
cos annos; e finalmente muitos varões distinctos
por saber e virtudes, dos quaes só nomearemos dois,
D. fr. Bartholomeu dos Martyres, e D. fr. Aleixo
de Menezes, tão illustrcs na historia como popula
res em lodo o paiz.
Além da sé tem Braga mais cinco parochias,
que se intitulam : S. João do Souto ; Santiago da
Cividade ; S. Victor, ou S. Victouro, como vul
garmente lhe chamam ; S. Pedro de Maximinos ;
e S. José. Junto da egreja de S. João do Souto,
com a qual se coiumunica por ura grande arco, está
a gothica e formosa capella de Nossa Senhora da
Conceição, toda ornada de estatuas e variadas es-
culpturas em pedra, e com seu retabolo de alto
relevo, tambem de pedra. Foi edificada no começo
do seculo xvi.
Em torno do templo de S. Pedro de Maximinos
teem-se descoberto muitos restos de edilicios, que
attestam que era ali o principal assento da anti
— 87 —
ga — Brachara Angusta, que. pela indicação dos
mesmos vestigios, se estendia até ao local em que
agora remos o hospital de S. João Marcos.
A egreja da misericordia é contigua ã sé, e se
rommanicam interiormente. E' -um templo dar-
chitectara moderna, com o frontispicio ornado de
colamnas, e muita variedade de esculptnras. A an
tiga egreja da misericordia, chamada a Miseri
cordia Velha, e actualmente umacapella do claus
tro da sé. O seminario archiepiscopal, fundado no
Campo da Vinha pelo arcebispo D. fr. Bartholo-
meu dos Martyres, é um vasto edUicio.
Havia em Braga quatro conventos de frades, que
eram—o de Nossa Senhora do Populo, de eremi
tas de Santo Agostinho, agora quartel militar, de
que acima falíamos ; o de Nossa^ Senhora do Car
mo, de carmelitas descalços, fundado em 1653, que
serve de hospital ; o cóllegio de S. Paulo, dos je
suitas, edifícado pelo arcebispo D. fr. Bartholomen
dos Maryres em 1560; e o convento de Nossa Se
nhora da Assumpção, dos congregados de S. Filip-
pe Nery, fundado no meado do seculo passado., c
ao presente ocenpado pelo lyceo.
De religiosas tem quatro conventos : o do Sal
vador, de freiras de S. Bento, fundado em 1602 :
o de Nossa Senhora da Piedade, de religiosas ter
ceiras de S. Francisco, construido em 1547, e cuja
egreja se reedificou no seculo passado ; o de Nossa
Senhora da Conceição, de religiosas da ordem da
Conceição, tinico que ha em Portugal, fundado em
1625; o de Nossa Senhora da Conceição, de frei
ras capuchas, edificado em 1727. Ha tambem na
cidade quatro recolhimentos.
Além d'estes edificios religiosos Braga conta ain
da muitos outros templos e capellas, publicas, c
particulares, que formariam um longo catalogo.
Mencionaremos asprincipaes. As sumptuosas egre-
jas de S. João Marcos, c de Santa Cruz, já espe
cificámos. A egreja dos Terceiros de S. Francisco,
na rua da Fonte da Carcova, construida no seculo
antecedente, c oin bom templo. A capella do paço
archiepiscopal, intitulada de Nossa Senhora da
— 88-
Conceição, é grande c bem ornada, e está fran
queada ao publico. A egrcja de Nossa Senhora da
Lapa, no campo de SanfAnna, é moderna, e de
boa architectura. A ermida de SanfAnna, no mes
mo campo, a que deu o nome, ê antiga, e tem na
sachristia uma inscripção romana. A egrejade Nossa
Senhora a Branca, fundada no campo do mesmo
nome, pelo arcebispo D. Diogo de Sousa em uma
das velhas torres da cidade, é um bonito templo.
A capella de Nossa Senhora do Guadalupe, de ori
gem antiquissima, e outr'ora chamada de Santa
Margarida, foi reedificada no seculo passado. E'
de forma circular, e está collocada sobre uma pe
quena eminencia, povoada d'arvores, d'onde se
gosam lindas vistas dos arrabaldes. A egrejade S.
Vicente, na rua dos Chãos de Cima, é um templo
de construcção moderna, e bem ornado. A capella
do seminario archiepiscopal é grande e boa. A ca
pella de S. Sebastião, de fundação antiga, e mo
dernamente reconstruida, é de forma circular, e
está situada em terreno um pouco elevado, povoa
do de frondoso arvoredo, com um bello e espaçoso
adro, dividido em dois grandes taboleiros com esca
das de um para outro, plantados d'arvores, e cer
cados de muro com assentos, erguendo-se nomeio
de um d'elles um chafariz, que é dos melhores da
cidade. Entre esto arvoredo admira m-se carvajhos
seculares, de proporções gigantescas, e em toda
a força da vegetação. Tanto no adro, como em tor
no da capella estão collocadas varias c"blumnasmi-
liarias com inscripções romanas, que outr'ora guar
neciam as vias militares, que salam de Braga.
Estas columnas estiveram primeiramente no campo
de SanfAnna, aonde as mandou collocar o arce
bispo D. Diogo de Sousa, que foi quem as fez con
duzir para a cidade dos diversos sitios em que fo
ram achadas.
Braga possue alguns estabelecimentos de cari
dade tanto para curativo de enfermos, como para
asylo de infelizes. O principal e mais grandioso
é o hospital de S. João Marcos, a que já nos re
ferimos, o qual é administrado pela santa casa da
— 80-
miscricordia. Tem grossas rendas, é acha-se bem
organisado, e mantido. & casa da camara ó um
edificio> regular, e de boa apparencia. Uma empresa
ha pouco creada acaba de fundar um tbeatro em
edificio construido expressamente para esse lim
junto ao campo, de SanfAnna.
E' tão abundante d'agua a cidade de Braga, que
se contam no seu recinto umas setenta fontes pu
blicas, e particulares. Entre as primeiras algumas
possue de aspecto agradavel e archi.tectura regular.
Além dos generos, que vem diariamente a cida
de para o seu abastecimento, concorrem ao sabbado
em maior numero, c mais variados, de todas as
visinhanças, e até de muita distancia, de modo que
fazem um grande mercado. No terceiro domingo
de Maio começa a sua feira annual, que dura quinze
dias, e ã qual afllue muito povo de toda o alto
Minho.
Os principaes estabelecimentos de instrucção pu
blica são o lyceu, o seminario, e uma bibliothe-
ca publica, creada em tempos modernos.
. E' Braga uma das terras mais industriosas do
reino. Occupam-se ahi muitos braços no fabrico de
chapeos grossos, armas, ferragens, e tecidos de li
nho, que exportam para muitas povoaçjjes do in
terior, e para o Brazil. Os seus habitantes, que
andam quasi por dezesete mil, são muito activos,
habihdosos, eemprebendores. Encontram-sc entre
elles artistas de grande merito. Actualmente ha ali
esculptores em marfim.e em madeira, que em ou
tro qualquer paiz ganhariam boa fortuna, e gran
de nomeada.
Os arrabaldes de Braga são celebres pela sua
amenidade, cultura, ebelleza. São povoados de mui
bonitas quintas, e de campos sempre viçosos. As
aguas de muitas fontes espalhadas por toda a parte,
alguns ribeiros, que correm junto á cidade, e o
rio Cavado, que passa a pouca distancia, cntre-
teem em todos aquelles arredores uma vegetação
pomposissima, quer nos bosques, quer nos pra-"
dos.
O Bom Jesus do Monte, a menos de meia logua
12
-

:.:s — 00 —
(la cidade, é um dos santuarios m«is notaveis, mais
ricos e populares de todo o reino, e um dos pon
tos mais formosos e aprasivcis dos suburbios de
Braga. Foi começado enH718, e concluida aparte
principal em 1725. Porém desde então, com maio
res ou menores intervallos, sempre ali teem ha
vido obras de novos augmentos e melhoramentos.
N'estes ultimos vinte annos teem-seemprchendido
e levado acabo muitas obras grandiosas, e impor
tantes aformoscamentos.
Nas cercanias de Braga acham-se os edificios de
tres mui celebres e antigos conventos : o de Ti-
bães, cabeça da ordem de S. Bento, a uma legua
da cidade, que traz a sua origem dos primeiros tem
pos da monarchia, e que ê um dos mais vastos,
que se levantaram em Portugal; o de Villar de
Frades, que foi da congregação dos conegos secu
lares de S. João Evangelista, outra legua acima do
; ,; de Tibães, situado junto ao rio Cavado, e com uma
das mais bcllasegrejasgothicas que ha nopaiz;eo
de S. Fructuoso, mais proximo da cidade, de ca
puchos piedosos, c em tempos antigos de frades
bentos, cuja primeira fundação é auterior á inva-
., .são dos moiros.
O concelho de Braga 6 mui produetivo c culti
vado com esmero. A sua principal cultura ê mi
lho, e vinho verde; mas tambem produz muitas
frnetas, especialmente laranjas, que exporta para a
cidade do Porto e outras terras do interior. Colhe al
guns outros cercaese legumes; cria muito c optimo
gado de varias especies, em que faz importante
commercio ; fabrica boa manteiga ; c abunda em
muita variedade de caça.
No antigo regimen gosou a cidade de Braga da
prerogativa de enviar procuradores ás cortes, os
quaes tinham assento no segundo banco. Tem por
brasão d'armas um escudo coroado, tendo no meio
a imagem de Nossa Senhora com o menino Jesus
nos braços, collocada entre duas torres, c sobre a
Virgem a mitra pontifícal. Alguns accrescentam a
este brasão a lettra seguinte : ínslgnia fidelis, et
antiqua Brochara.
!

*.

:-fi

'M
— 91 —

A CIDADE DE BRAGANÇA.

Está assentada a cidade de Bragança em campo


plano, quasi no extremo da provincia de Traz-os-
Montes, de que é capital.
A sua origem é tão antiga, que alguns antiqua
rios a involvem em fabulas, attribuindo-a a um
supposto rei Brigo iv, que dizem a fundara' mil no
vecentos e seis annos antes do nascimento de Chris-
*to, e que do seu nome se chamara Brigantia, c de
pois Bragança.
O que parece mais averiguado é que já existia
no tempo do dominio romano, e que o imperador
Augusto Cezar lhe paz o nome de Juliobriga, ci
dade de Julio, em memoria de Julio Cezar; pois
é quasi fora de duvida, que na linguagem dos an
tigos lusitanos briga significava cidade ou povoa
ção. •
"Nas diversas invasões, que assolaram e subjei»
taram este nosso paiz, correu Bragança a sorte das
mais terras da Lusitania ; ora destruida, ora re
edificada, hoje senhoreada por uns, logo por outros.
Sob a dominação do.s godos, e dos reis de Leão,
foi governada por condes, pessoas das principaes
familias da peninsula.
Levantada das suas ruinas no reinado de D. Af-
fonso Henriques, foi novamente povoada em 1187
por ordem de D. Sancho i, que lhe deu grandes
foras e privilegios.
O senhorio de Bragança, depois de ter perten
cido a diversas pessoas, foi dado a titulo de du
cado pelo infante D^ Pedro, sendo regente em
nome de seu sobrinho, el-rei D. Affonso v, a D.
Affonso, seu irmão natural, filho reconhecido doi
rei D. João i, que foi o primeiro duque de Bra
gança.
Esta cidade é sede de um bispo, e de um gover
nador civil. Divide-se em duas partes, uma chama
— í)2 —

da a villa, e outra que se nomeia a cidade. A pri


meira é mais antiga, e n'ella se acha o castelto, mo
numento de muita antiguidade, bem conservado, e
digno de ver-se.
Os habitantes, que andam por quatro mil, re-
partem-se por duas parochias, umadasquaes éca-
thcdral. Ha na cidade tres praças e um grande ter
reiro. Uma das praças está dentro dos muros do
castello, e nolla se erguem a casa da camara c o
pelourinho.
Teve dois conventos de frades, o dos jesuitas,
fundado- em 1501, e o de S. Francisco, de fran
ciscanos, cuja fundação se attribue ao proprio S.
Francisco de Assis, que diz a tradição viera áquella
cidade, e que nos archivos da camara se guarda
uma escriptura com a sua assignatura. De freiras
tambem teve dois, o de Nossa Senhora da Assump
ção, de religiosas da regra de Santa Clara, edifi
cado no fim do seculo xvipela duqueza de Bragan
ça, D. Catharina : e o de S. Escolastica, de frei
ras bentas. Um d'estes foi extincto em 1853 pela
morte da ultima freira.
Tem casa c hospfta! da misericordia, CfVarias er
midas dentro c fora da cidade.
O pequeno rio Tervença banha os muros da ci
dade. Bragança foi celebrada outrora pelos ma
gníficos velludas, damascos e outras fazendas de
seda, que ahi se fabricavam. Esta industria porém
decaiu. O termo produz muito milho o legumes,
vinho verde, e cria-sc n'elle algum gado.
Bragança gosava da regalia de enviar procura
dores ás antigas cortes, os quaes se assentavam no
quaíto banco.. Tem por brasão d'armas um escu
do coroado, c nelleum castello de prata em cam
po azul, e sobre um prado verde.

.
-;
-.


— 93

À VILLA DE CABECA DE VIDE.

Está situada na provincia dsAlcmtejo em logar


alto, quatro leguas ao sudoeste de Portalegre, e cin
co a este de Aviz.
Se se der credito a uma tradição, á falta de no
ticias positkas, esta povoação teve. o seu primeiro
assento emovalle proximo, no sitio agora chama
do Pombal ; nws tendo a h i havidp uma grande e
mortífera batalha com os moiros, resultaram tan
tas doenças por causa da corrupção dos corpos in
sepultos ou mal enterrados, que os habitantes vi-
ram-se obrigados a deixar o valle, e fugir papa o
cabeço visinho, onde se deram tão bem com os ares,
recobrando logo os doentes a sua saude, que para
ahi mudaram a povoação, elhepuzeram por nome
Cabeço de Vida, de. que lhe provem o actual com
pequena differença.
Outros porém querem, que fosse uma grande
vide, que já ali havia ao tempo da fundação da vil-
la, e que fazia conhecido aquelle alto por Cabe
ço da Vide, o que deu o nome á povoação. Auto-
risa-se esta segunda tradição com o brasão der
mas da villa, que íi um escudo com um castello en
tre duas vides, ou todo cercado pelas varas d'uma
unica cepa.
- Deu-lhe fora].cl-rci D. Manuel em 1512.
Tem uma só parochia,. consagrada a Nossa Se
nhora da Annunciação ; cgreja e hospital da miseri
cordia ; outro hospital annexo á cgreja do Espirito
Santo, c admimstrado por uma irmandade d' este
mesmo titulo; e cinco ermidas, Nossa Senhora dos
Anjos, c S. Braz dentro da villa ; e S. Sebastião,
Sant'Anna, Calvario, e Santo Chrlsto nos subur
bios. A estas duas ultimas concorrem muitas roma
rias.
Esta villa foi antigamente murada ; mas na guar-
ra da restauração de 1 040 foram totalmente arrui
nados os seus muros. Ooiteiro sobre que está edi
— 94 —
ficada tem grande declive para todos os quatro la
dos. Gosa-se d'ahi uma vista dilatadissima e encan
tadora, descobrindo-se a cidade de Portalegre, as
villas de Alter Pedroso, Seda, Aviz, Souzel, Ar-
rayolos, Evpramonte, Estremoz, Veiros, e Fron
teira, e muitas cordilheiras de serras. A sua po
pulação pouco excede a mil almas. Pelo Espirito
Santa tem uma feira de tres dias.
Dentro e fora da vil la ha varias fontes, sendo uma
d'ellas, chamada Boibolegão, de aguas mineraes. Os
arrabaldes são regados pelas ribeiras Vidigão e Vide,
que fazem moer varios moinhos, e lagares d'azei-
te. Produz o termo bastante trigo, cevada, e cen
teio, pouco milho, e feijões, muito azeite, vinho,
e fruetas. E' abundante de caça.
Tinha esta villa voto nas antigas cortes, e os
seus procuradores assentavam-se no banco decimo
terceiro.

i
T
— 9Íí —

A VILLA DAS CALDAS DA RAINHA.


»
Esta bonita villa está situada na provincia da
Estremadura, em terreno não elevado, mas des
afogado, distante de Lisboa quatorze leguas, das an
tigas, para o norte, e uma pequena legua da villa
d'Obidos.
Deve a sua existencia, o seu nome, e prosperi
dade, aumabella e copiosa nascente de aguas ther-
maes, e á munilicencia e caridade da rainha* D.
Leonor, mulher d'el-rei D. João n. Passando esta
princeza por aquelle sitio em uma jornada, que
fazia da villa d'Obidos para a da Batalha, viu va
rios homens, pobres no trajo, e enfermos no as
pecto, banharein-se n'umas poças de agua, que
ahi havia proximo do caminho, uns mergulhando
todo o corpo, e outros tamsómente alguma parte
d'elle.
Parou a rainha para se informar da virtude, que
tinha aquella agua, e como lhe contassem as cu
ras maravilhosas, que obrava em certas melestias,
resolveu logo mandar ihi fazer um hospital, para
n'elle serem agasalhados e sustentados oa doentes
pobres, que tivessem necessidade de recorrer ao
uso d'aqueiles banhos.
Pouco tempo depois construiu-sc o hospital,
constando de seis enfermarias, uma para clerigos,
outra para frades, duas para homens pobres, e duas
para mulheres da mesma condição, havendo em uma
d'estas ultimas uma divisão para religiosas. Além
de seis enfermarias haviam alguns quartos para as
pessoas, que se tratavam á sua custa. l'ara que o
hospital fosse mais bem servido, e lhe não escas
seassem as provisões, além das-rendas que lhe doou,
obteve d'el-rei D. João n, seu esposo, que se fun
dasse ali uma povoação para trinta moradores, cora
o privilegio de não pagarem jugada, oitavo, siza
ou portagem, e a mesma isempção ás pessoas, que
a eila viessem fazer compras ou vendas. V<r A"
'.

— 96 —
creio de 1488 o mesmo soberano elevou a nova po
voação á cathegoriadevilla.
Com tão poderoso incentivo em breve teve co
meço, e rapidamente se desinvolveu a nova villa,
que se denominou das Caldas da Rainha. O credito,
que estes banhos foram tendo em todo o reino,
e juntamente ascommodidades, que áhi se offere-
ciam aos enfermos, ou fossem pobres ou abasta
dos, chamavam á villa uma grande concorrencia,
tanto dos que a demandavam temporariamente,
como dos que por interesses industriaes n'ella se
vinham estabelecer.
Todavia o seu maior incre"mento data do meiado
do seculo passado em que el-rci D. João v prin
cipiou afazer uso d'aquellc$ banhos, indo, no de
curso do resto de sua vida, por treze vezes áquella
villa com a familia real, e uma grande parte da
sua corte.
Por essa occasião, vendo o antigo hospital bas-
tantemente arruinado, e já com poucos commodos
para o grande numero de enfermos, queali affluiam,
mandou fazer em 1747 uma reconstrucção com
pleta, que levou tresannosaconcluir-sc. Foi con
struido o novo hospital sob um plano d'architec-
tura regular, com boa apparencia, c muito maior
capacidade do que o antigo. Fizeram-se nelle uma
bonita capella, novos banhos, excellentesoflicinas,
aposentos para as pessoas reaes e residencia para o
administrador. Annexou-sc-lhe tasibemuma cerca,
que se povoou de arvoredo, e que hoje é um lindo
passeio, que se franqueia ao publico. Além d'este,
porém, ha na villa um passeio publico arborisado
e ajardinado.
A villa das Caldas da Rainha ficou pertencendo,
desde o tempo da sua fundadora, ás rainhas de
Portugal, até que esta casa se extinguiu em 1833.
Na qualidade, pois, de senhora desta villa, a rainha
.1). Maria Anna d'Austria, mulher d'el-rci D. João v,
mandou edificar a actual casa da camara e cadéa,
tendo-sc demolido a antiga, quando se accrescen-
tou o edificio do hospital.
A egreja matriz, dedicada a Nossa Senhora do
*
— 97 —
Populo, acha-se no centro da villa, que possue, além
cTeste templo, as ermidas do Espirito Santo, mais
antiga que a matriz ; de Nossa Senhora do Rozá-
rio ; deS. Sebastião ; de Nossa Senhora da Graça ;
e a de S. Bartholomeu. Quasi todos estes templos
foram reedificados por D. João v.
Tem esta villa um grande Rocio, muitas casas
de prospecto nobre, boas hospedarias, um cluh,
aonde ha gabinete de leitura, e se dão luzidos bai
les, e varios chafarizes, abundantes de excellente
agua, e obra d'cl-rei D. João v.
Durante a estação dos banhos, que principia em
Maio e acaba em fins de Setembro, é esta villa ex-
traordinariamente concorrida, sobre tudo de fami
lias de Lisboa. Posto que os seus arrabaldes se
jam desprovidos de fructos, tem um mercado diario
bem fornecido de todo o genero de producções do
paiz, qne ali afiluem de muitas leguas de distan
cia. Em 14 de Agosto tem uma feira annual de tres
dias ; e no ultimo domingo de cada mez mercado
de gado. A população permanente d'esta villa anda
por mil e seiscentas almas.
O primeiro brasão darmas, que a rainha D. Leo
nor deu á sua villa das Caldas, foi o mesmo que
tinha a villa d'Obidos a cujo termo então perten»
. cia, o qual unicamente consistia no escudo real.
Porém depois da catastrophe, que lhe arrebatou o
principe D. Affonso, seu filho unico, acerescentou
aos brasões d'armas de todas as suas terras uma
memoria d'este fatal suecesso. Achando-se este prin
cipe em Santarem com seus paes, e com a prin-
ceza D. Isabel, filha dos reis catholicos, Fernando
e Isabel, com quem se desposara pouco tempo an
tes, deu uma queda do cavallo abaixo junto ás mar
gens do Tejo, no dia 12 de Julho de 1491. Tendo
perdido o uso dos sentidos, foi levado em uma rede
de pescadores para uma pobre casa perto d'ahi, á
qual logo acudiram seus paes, sua esposa, e todos
os soccorros possiveis. Tudo porém foi baldado.
O principe morreu sem ter recobrado os sentidos.
A rainha em sua immensa dor não quiz mais se-
parar-se d'aquclla rede, triste e derradeira raemo
13
— 98 —
ria do seu desgraçado filho. Desde então tomou-a
por sua divisa, e ordenou, que aos escudos der
mas das suas villas, se accrescentasse de um lado
uma rede, e do outro um pelicano, emblema de
seu esposo.

-. -.
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-99

A VILLA DE CAMPO MAIOR.

Tres leguas ao norte da cidade d'Elvas, na pro


vincia do Alemtejo, e proximo á raia de Hespa-
nh-a, está situada a villae praça darmas de Campo
Maior.
Não encontramos noticia alguma sobre a sua ori
gem, nem relativamente ásua historia até aos co
meços do seculo x:h, em que varios autores põem
a sua restauração do poder dos moiros, dizendo
que teve logar no anno de 1219, e que a deve a
christandadB a uma familia de Badajoz, do appel-
lido de Peres. Accrescentam os mesmos archeolo-
gos, que os ditos Peres fizeram logo doação da terra
por elles conquistada á egreja de Santa Maria do
Castello d'aquella cidade, sendo bispo de Badajoz
D. frei Pedro Peres, seu parente, o qual deu por
armas" á nova povoação christã um escudo com a
imagem de Nossa Senhora, e um cordeiro, com esta
lettra em volta : Sigillum Capituli Pacencis.
Sob o governo do nosso rei D. Diniz veiu aquella
terra para a coroa de Portugal. Este soberano deu-
lhe foral de villa, em 1296, com muitos privile
gios, e no sitio mais alto edifícou um castello. As
severam os etymologistas, que foi d'esta fundação,
que se motivou o nome actual da villa, e contam
o caso d'este modo. Apenas se levantou o castello,
quizeram logo muitas pessoas, conforme o uso e
necessidades da epoca, procurar o abrigo da forta
leza, construindo casas junto das suas muralhas.
Havendo controversia sobre o lado para onde mais
conviria estender a povoação, decidiu-se que fosse
para o lado- do campo maior, o que se levou a ef-
feito, fícando este nome para o novo bairro, o qual
passou depois a abranger toda a povoação.
El-reiD. Diniz fez doação (Vesta villa á infanta
D. Branca, sua irmã, em 1301, e fallecendo esta
princeza, doou aquelle senhorio a D- AffonsoSan
— 100 —
ehes, filho natural d'aquelle monarcha. Et-rci D.
Manuel encorporou-a na coroa, com o privilegio de
nunca mais ser desannexada d'ella.
El-rei D. João n accrescentou mais algnns pri
vilegios aos que esta villa já possuia, e deu-lhe novo
brasão d'armas. Não consta ao eerto, se este c o
actual, mas é provavel, que o seja, pois que, sa-
bendo-se que ja assim existia no reinado de D;
Manuel, que se seguiu a D. João n, não é de pre
sumir, que em tão curto espaço de tempo, tivesse
esta terra dois differentes brasões d'armas. O bra
são, que a camara usa no estandarte municipal, e
que o seu digno presidente, o senhor Joaquim José
da Matta, teve a bondade decommunicat a redac
ção d'este jornal, com algumas noticias a seu res
peito, contém asarmas rcaes de um lado, c do ou
tro n imagem de S. João Baptista, patrono d'aquetla
villa.
Na guerra que se ateou entre Portugal c a Hes-
panha no principio do reinado de D. João v, teve
a praça de Campo Maior um rigoroso sitio, cor
rendo o anno de 1712. O exercito castelhano era
commandado pelo mnrquoz de Bay, e compunha-
sc de trinta e tres batalhões de infanteria, e se
tenta esquadrões de cavai laria. Nos dois assaltos-,
que deu á praça, em cujas muralhas chegou a abrir
uma larga brecha, foi rechaçado pela valente guar
nição portugueza, debaixo do cominando do mos
tre de campo general, conde da Ribeira Grande,
que tinha o governo da artilharia da provincia do
Alemtejo, e que conseguiu introduzir-se na praça
quatro dias depois de estabelecido o cerco. Durante
este assedio lançaram os inimigos contra a praça
mil trezentas e nove bombas, e dez mil oitocen
tas e setenta balas.
Com este cerco padeceram muito tanto a villa
como as fortificações ; e passados poucos annos de
pois da reparação de taes estragos, um raio, caindo
sobre a torre grande do castello, em que se achava o
payol da polvora, que se incendiou com uma horrí
vel explosão, reduziu a ruinas uma grande parte
da praça no dia 10 de Setembro de 1732. Ficaram
— 101 —
destrnidas oitocentas e vinte e tres casas, « mor
reram muitas pessoas. El-rei D. João v mandoa
reedifícar a praça, augmentando muito as antigas
fortificações, segundo os progressos da sciencia mi
litar.
Edificada na encosta de um monte, descobre di
latado horisonte, avistando a cidade d Elvas, em
Portugal, e em Hespanha a cidade de Badajoz, as
villas de Albuquerque, e Lobon, e as serras de
Merida. As duas praças portuguezas e a hespanhola
formam um perfeito triangHlo, distando umas das
outras tres leguas. "
Campo Maior tem uma só parochia, dedicada a
Nossa Senhora da Expectação. E' um bom templo
de tres naves, construido no tempo do bispo de
Elvas, D. Sebastião de Mattos de Noronha, que go
vernou aquella diocese na primeira metade do se
culo xvm. Anteriormente era a matriz uma ermi
da dentro do castelio.
A egreja e hospital da misericordia foram come
çados em 1718. O primeiro edificio, levantado na
villa para esta tão santa c humanitaria instituição,
era acanhado, c chegando a estado de grande ruina,
foi demolido, e no logar que oceupava vê -se hoje
um largo, ou pequena praça.
Havia n'esta villa dois conventos de frades, o
de Santo Antonio, de religiosos franciscanos, c o
de S. João de Deus, de hospitaleiros do mesmo
santo. Aqucllc teve a sua primeira fundação em
1494; depois, no de 1646, foi mudado para den
tro do castcllo, e em 1708 para o actual edificio,
obra d'el-rci D. Pedro n. O outro convento, con
struido no anno de 1645, tem servido agora, c mes
mo antes da extineção das ordens religiosas, de hos
pital militar.
Entre as varias ermidas que ha na villa e nos
suburbios, as mais notaveis são: A de S. João Bap
tista, a cuja imagem se liga uma lenda de appa-
recimento milagroso, santuario de muita devo
ção, e ao qual concorrem de longe muitas roma
rias. Foi reedificada com grande augmento no rei
nado, c com auxilio pecuniario de D. João v. A
V

— 10a -
ermida de S. Sebastião, no baluarte da mesma in
vocação, foi mandada fazer por el-rei D. Sebas
tião.
Diversos poços e fontes, dentro c fora da villa,
abastecem a povoação e a fortaleza de muita e boa
agua. Uma delias intitula-sc de S. João, e dizem
que fora ali que apparecera a imagem do santo.
Outra chama-se da Fome, pela razão de fazerem
as suas aguas bom appetite a quem d'ellas usa.
Antigamente tinha a praça de Campo Maior de
guarnição permanente, em tempo de paz, um re
gimento de infanteria, e outro de cavallaria, e em
tempo de guerra quatro regimentos de infanteria,
e um de cavallaria. Hoje apenas tem um desta
camento de linha, c veteranos. Consta esta praça
de nove baluartes, com seus revelins, meias luas,
e contra escarpa, meia feita. O antigo castello de
el-rei D. Diniz, que o raio damnificou, foi demo
lido.
Nos arredores de Campo Maior cultlva-se muito
trigo, cevada, legumes, e algum centeio. Cria-se
tambem muito gado, principalmente lanigero, cu
jas lãs teein grande reputação pela sua exccllente
qualidade, e constituem um ramo importante do
commercio d'esta terra. O rio Caya, que divide Por
tugal de Hespanha, corre a meia legua de Campo
Maior entre muitas hortas e pomares.
A 24 de Agosto tem a sua feira annual.
Foram naturaes d'esta villa muitos individuos,
que se distinguiram por armas, lettras, e virtu
des, alguns dosquaes oceuparam togares eminen
tes na religião, na administração do estado, e na
milicia. A população de Campo Maior ascende a
quatro mil c seiscentos habitantes.

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— 103 —

A CIDADE DE CASTELLO BRANCO.

A doze leguas de distancia da cidade da Guarda,


para o sul, ea quatorzeda villa d'Anrantes para o
sudoeste, está situada a cidade de Castello Branco
em logar elevado, na provincia da Beira Baixa de
que é capital.
Não ha noticias certas sobre a epoca e autores
da sua fundação. Sabe-se, porém, que é de origem
antiquissima. Alguns cippós, e outras pedras com
inscripções romanas, achadas dentro da cidade, e
nos arredores por occasião de se abrir alicerces,
ou demolir muros, provam que ali existiu al
guma povoação importante no tempo da domina
ção romana.
Um nosso distincto escriptor, que se deu muito
ao estudo d'antiguidades, chamado Gaspar Alva- _ •
res de Lousada, encontrou fundamento n'aquel-
las pedras para se convencer e affirmar, que ali
teve assento a cidade romana de Castralenca, e
que das suas ruinas saiu Castello Branco.
As memorias mais certas d'esta^tCrra datam do
reinado de D. Sancho i, quilhe deu foral. D.-£'v^
Sancho n na doação, qúejfeí d'ella pelos annos de t0^-
1229 a D. Simão- Mejídes, mestre dos templarios, *
menciona-a como^ftóvoaòão importante. El-rei D.
Diniz fez-lhe a^segunda cerca de muros, com qua
tro portas, chamadas do Pelame, de Santiago, da
Traição, e do Oiro; ccom sete torres. A primeira
cerca, que era mais pequena, e o castello são
obra muito mais antiga. D. João u deu-lhe o ti
tulo de notaveL
El-rei D. José í elevou Castello Branco á cathe-
goria de cidade, e obteve do papa Clemente xiv,
que a erigisse em sede. episcopal, desmembran-
do-se do bispado da Guarda o territorio de que se
formou a nova diocese.
Edificada em uma encosta, tem esta cidade as
— 104 —
suas ruas com grande declive, e sem construcções
notaveis. Na parte mais alta está o velho castello,
bastante arruinado, que foi fundado pelos templa
rios, e que pela extineção d'esta ordem passou para
os cavalleiros deChristo. Dentro do castello ainda
se vêem "as casas em que residiam os commenda-
dores. Os ultimos que ali viveram foram D. Fer
nando de Menezes, eD. Antonio de Menezes, que
so retiraram para Lisboa logo depois da acclama-
ção de D. João iv.
A antiga egreja matriz tambem ficava dentro da
fortaleza, pelo que se denomina Santa Maria do
Castello. Arruinada nas guerras da restauração
contra a usurpação castelhana, mudou-se para a
ermida de S. Braz, contigua ao mesmo castello.
A outra paroebia é a sé, que antes da erecção
d'este bispado era dedicada a S. Miguel, e que de
pois foi consagrada, como todas as cathedraes do
reino, a Nossa Senhora da Assumpção. E' um tem
plo de uma só nave. A fachada, ornada de duas tor
res um pouco acanhadas, é singela e sem elegan
cia. Está situada em uma praça fora dos muros.
Havia em Castello Branco dois conventos de fra
des, ambos extra muros, um de religiosos da pro
víncia da Soledade, da invocação de Santo Antonio,
e o outro de eremitas de Santo Agostinho. Tem esta
cidade varias capellas, casa de misericordia, edois
hospitaes.
O palacio episcopal c reputado o melhor edifi
cio d'este genero em toda a provincia. Tem anne-
xos uma quinta e bons jardins. Foi mandado fa
zer pelo bispo da Guarda D. Nuno de Noronha para
sua residencia de campo e dos seus suecessores.
O bispo D. João de Mendonça fez muitas obras e
aformoseamentos tanto no paço, como na quinta c
jardins. Tudo, porém, se acha actualmente em gran
de decadencia.
Os suburbios de Castello Branco abundam em
cercaes,'legumes.. e hortaliças. Não produzem muita
quantidade de frueta, mas a que ahi se cultiva é
de excellente qualidade, principalmente as peras
do tarde, que são afamadas em todo o reino.
— 105 —
Passam pelo termo (Testa cidade, em alguma dis
tancia, os pequenos rios Ponsul, Ocresa, e Liria,
que criam algum peixe miudo. Se se der credito
a uma tradição d'aquellas terras, ameia legua de
Castello Branco, junto ao rio Ponsul, no sitio ao
presente chamado — o porto dos Belgayos, existiu
uma cidade em eras remotas, denominada Belea-
gia.
.Conta Castello Branco uma população de seis
mil e oitocentas almas, e é a residencia d'um go
vernador civil, d'um general, commandante da di
visão militar, d'um juiz de direito ete. 0 regi
mento de cavallaria n.° 8 tem ahi o seu quartel.
Fazem-se n'esta cidade as seguintes feiras: Noi.°
de Janeiro, e a 4 de Outubro, que duram tres dias;
e mercado na primeira e terceira segunda-feirade
cada mez.
No antigo regimen gosava esta cidade de voto
em cortes, onde os seus procuradores tinham as
sento no banco setimo. Tem por. brasão d'armas
um escudo coroado, e n'elle um castello de oiro
em campo vermelho.

14
— 10G —

A VILLA DE CASTELLO RODRIGO.

Está edificada esta pequena villa e antiga praça


d'armasemlogar alto e forte por natureza,, na pro
vincia da Beira, comarca. de Trancoso, donde dista
sete leguas para o nordeste, e tios da cidade de
Pinhel para o nornordeste.
Os nossos antiquarios fazem derivar a sua fun
dação dos turdulos, quinhentos annos antes da era
enristã. Pondo de parte estas opiniões, ordinaria
mente faltas de bom fundamento, e partindo de
epocas menos remotas, c mais conhecidas, dire
mos que, achando-se aquella povoação quasi in
teiramente arruinada e abandonada dos seus mo
radores em tempo d'el-rei D. Diniz, este monar-
cha a mandou reedificar e povoar em 1296. Por
essa occasião ahi fez construir para sua defensa um
furte castello.
A proximidade em que se acha esta povoação da
fronteira hespanhola, foi causa de padecer tantos
damnos nas guerras, que se atearam entre os dois
paizes em diversas epocas ; mas principalmente no
reinado de D. Fernando, e no começo do de D.
João i, que outra vez chegou a deploravel estado
deruina, em tempo d'el-rei D. Manuel, que a res
taurou, e lhe deu foral pelos annos de 1509.
Quando D. Filippe n de Castella se viu senhor
de Portugal pela força das armas, e talvez ainda
mais pelas perfidias e traições de alguns desnatu
rados portuguezes, galardoou os serviços que lhe
prestou D. Christovão do Moura com o titulo de
conde de Castello Rodrigo. Filippe m elevou este
niesmo titulo a inarquezado.
Em Julho de. 1661 veiu por-lhe sitio o duque de
Ossuna com um exercito hespauhol. E no dia 6
desse mez e anno foram os sitiantes derrotados,
e levantado o cerco pelo exercito portuguez com-
mandado pelo primeiro visconde de Fonte Arcada.

^
t "
— 107 —
A villa de Castello Rodrigo está situada sdbre um
monte, estendendo-se para o lado do sul. E' cercada
de muros, com treze torres. O seu castello merece ser
visitado pelos curiosos d'antiguidades. Tem duas por
tas, chamadas do Sol, e de Alverca. No centro er-
gue-se a torre de menagem de muita altura, toda de
cantaria, de forma quadrada, com seis grandes ja-
nellas. Dentro d'este castello vé-se ainda o pala
cio arruinado, que ali mandou construir D. Chris-
tovão de Moura, o primeiro conde c primeiro mar-
quez de Castello Rodrigo, que era obra de boa ar-
chitectura. Junto á porta da Alvecca, da parte de
dentro, ha um poço bem construido, de bastante
profundidade, e abundante d'agua potavel. E no
sitio denominado Alvaca, tambem no interior da
fortaleza, existe uma cisterna, aberta na rocha, e
com sessenta e tres degraus.
Tem esta villa uma unica parochia, da invoca
ção de Nossa Senhora do Roque Amador, que está
situada no meio da povoação. Tem hospital e casa
de misericordia, e tres ermidas.
Nos arrabaldes ha varias fontes, de que se abas
tece a villa, e que regam algumas hortas c poma
res. O termo é extenso, e produz cereaes, algum
vinho, muitas pastagens, onde ha creação de gado,
e abundancia de caça. O rio Aguiar, que o banha,
e que vae desaguar no Douro, fornece alguma pesca.
A um quarto de legua da villa está o antigo edi
ficio do extincto mosteiro de Santa Mariana Torre
de Aguiar, fundação de D. Aflbnso Henriques, e
que pertenceu aos monges deS. Rernardo. Foi um
santuario ao qual concorriam outr'ora muitas ro
marias. Naegreja está a sepultura do celebre chro-
.nista-mór do reino frei Bernardo de Brito.
Castello Rodrigo, hoje de bem pouca importan
cia, e com uma população diminutissima, na an
tiga organisação do paiz tinha voto em cortes com
assento no banco decimo primeiro.
O seu brasão d-armas é um escudo com as ar
mas reaes ao revez, a parte superior para baixo.
Foi um dos castigos, que infligiu a esta villa el —
rei D. João i, porque os seus habitantes, seguindo
: \-

— 108 —
o partido de D. Beatriz, filha do nosso rei D. Fer
nando, e mulher de D. João i de Castella, na guerra
da successão, recusaram dar entrada áquelle so
berano, quando por ali passou em direcção á praga
de Chaves.
Dizem que avilla tomou onomedoseucastello,
e do sen primeiro alGaide-mór, chamado Rodrigo.
Andava este cargo na familia dos viscondes de Fonte
Arcada.
s
•'.'.;

''. ' . .

l
— 109

A VILL4 DE CASTELLO DE VIDE.

Segundo a opinião de alguns nossos antiquarios


é esta villa uma das mais antigas povoações do
Alemtejo, e já existia no tempo da dominação ro
mana. Os que lhe dão tão remota origem, querem
que o seu castello seja muito anterior ao reinado
de D. Diniz, e dizem que este monarcha só lhe
edificou a torre da menagem, e fez alguns repa
ro». Outros, porém, pretendem que foi el-rei D.
Diniz o fundador do castello , e que desde então
se ficou chamando a povoação Castello de Vide,
em logar de Villa de Vide, nome que antes tinha.
Sobre a etymologia do nome, dizem os primei
ros, que provém da sua posição junto da raia de
Hespanha, chamando-se nos tempos antigos Villa
de Vide, por abreviação de Villa que divide, istoé,
que separa um reino do outro. Os segundos atei
mam, que o seu nome se deriva de uma vide, que
• plantaram chegada á porta do castello, logo que
acabaram de o construir." E confirmam esta opi
nião com o brasão darmas da villa, que e um es
cudo, tendo no meio um castello cercado por uma
vkle com seus cachos e parras.
Foi senhor d'esta villa o infante D.Affonso, ir
mão d'el-rei D. Diniz, c nas discordias, que tive
ram entre si, foi por vezes theatro Castello de Vi
de d'esta lucta, querendo D.Affonso a todo o cus
to cercal-a de muros, e impedindo-lh'o com tropas
el-rei D. Diniz. Mais tarde veiu a construir-se a
sua cerca de muralhas com quatro portas. Outr'ora
tinha voto em cortes com assento no banco deci
mo primeiro.
A villa de Castello de Videi antiga praça der
mas, está situada na provincia do Alemtejo, jun
to á fronteira de Hespanha, em logar elevado, na
encosta de um monte, que pertence á serra de Por
tategre. Dista da cidade d'este nome duas leguas
— 110 —

e meia para o nornordeste, e uma legua da praça


de Marvão para o poente.
Ha na villa tres parochias, que são : Santa Ma
ria da Deveza, que foi primeiro uma ermida, edi
ficada no anno de 1311, eéa matriz; S. João Bap
tista, que era da ordem de Malta, e antigamente
da apresentação do grã-prior do Crato; e San
tiago.-
Tem casa da misericordia e hospital, quedatam
do reinado d'el-rei D. Manuel. Havia aqui dois
conventos de frades, que eram: o de Nossa Senho
ra da Conceição , de franciscanos da provincia do
Algarve, e o de Nossa Senhora da Victoria, de hos
pitaleiros de S. João de Dòus, no qual se estabe
leceu um hospital militar. Tem dois recolhimen
tos de mulheres pobres, uma egreja da' invocação
do Espirito Santo, e umas vinte ermidas dentro da
villa e nos arrabaldes. A casa da camara é bom
edificio. O castello é grande, e tem dentro muitas
casas, aonde assistem bastantes familias.
Na villa ha muita e boa agua ; nos arrabaldes
porém abunda por tal modo em poços, fontes, e
ribeiras, que faz aquellas cercanias muito ferteis
e .formosas.
As ribeiras da Vide, e de S. João cercam a vil
la com a frescura de suas aguas, e rodeam-na de
frondoso arvoredo. Regam mais de duzentas hor
tas, pomares, e quintas; e fazem moer muitas aze
nhas, e engenhos de fabricas depannos; pelo que
todas as saidas da villa .são muito amenas, e con
duzem a lindissimos passeios.
0 termo de Castello de Vide, em que se con
tam umas trezentas fontes, é muito produetivo e
bem cultivado. Recolhe muita castanha, peras, pe
ros, e outras fruetas de magnifica qualidade ; mui
ta e excellente hortaliça, sendo algumas especies
de nomeada em toda a provincia ; bastante copia
de cereaes e legumes, vinho, azeite, e caça de to
do o genero. Cria-se aqui muito gado, principal
mente suino , que constitue um ramo de grande
commercio e riqueza para esta villa.
A 10 de Agosto tem a sua leira de tres dias; á
— Ill —
- qual concorre muita gente, e muita variedade de
generos. A população de Castello de Vide regula
por perto de seis mil almas. Aalcaidaria-mòr des
ta villa anda na casa dos condes de Sabugal, que
tambem são meirinhos-móres.
-112

A VILLA DE CAMINHA.

Na parte extrema de Portugal para o norte, so


bre o rio Minho, que o separa da Galliza, e junto
ao oceano, está edificada a villa de Caminha. Dista
de Vianna tres leguas para o norte, e quatro da
praça de Valença para o sudoeste.
Está assentada agradavelmente entre os rios Mi
nho, que forma o seu porto, e o Coura, que perto
d'ella se encorpora no primeiro, que entra no mar
a meia legua da villa. Uma fortaleza, levantada so
bre um cabeço secco na foz do Minho, divide a
barra em duas, uma portugueza, outra gallega, am
bas de facil accesso para embarcações do lote de
hiates.
Dizem que esta villa foi fundada por um fi
dalgo da Galliza, chamado Caminio, de que lhe
provém o nome. Não encontramos memoria da
epoca da sua fundação, mas sim que achando-se
inteiramente arruinada, el-rei D. Affonso m a man
dara reedificar e povoar pelos annos de 1265. El-
rei D. Diniz deu-lhe foral em 24 de Julho de 1284,
eaugmentou-a, fazendo-lhe varias obras de defesa.
D. Aflonso v fez conde de Caminha a Pedro Al
vares de Sottomaior, visconde de Tuy, fidalgo da
Galliza, que, passando a Portugal, entrou no
serviço d'aquelle soberano , e seus descenden
tes vieram a ser alcaides-móres da mesma villa.
Filippe iv de Hespanha, durante o seu dominio
em Portugal, fez duque de Caminha a D. Mi
guel de Menezes , primogenito dos marquezes
de Villa Real, que perdeu a vida no cadafalso
por entrar com seu pae c outros fidalgos na con
spiração contra D. João iv cem favor deCastella.
Por tres vezes foi esta villa cercada de fortifica
ções. A primeira vez em tempos muito antigos, ao
que parece no reinado de D. Diniz, com muralhas
de cantaria, guarnecidas de dez torres, ecomqua-
. ,,'
*y.'
— 113 —
tro portas, chamadas da Villa, esta coroada por uma
torre com relogio, do Sol, Nova, e da torre do Mar
quez, junto da qual houve um grande caes, onde
vinham carregar ou deitar carga navios de muito
maior lotação do que os que presentemente ali po
dem entrar. As areias foram cobrindo o caes até
o enterrarem de todo. No principio do seculo pas
sado já esta ultima porta se achava tapada de pe
dra por inutil. O seu nome derivava-se do pala
cio, que os marquezes de Villa Real tinham n'esta
villa, contiguo á dita porta.
A segunda cerca, muito mais moderna, foi con
struida com pedra d'alvenaria, e apenas n'ella ha
via a porta de Vianna, e um postigo com ser
ventia para o rio Minho. A terceira fortificação,
do tempo das guerras da acclamaçãode D.Joãoiv,
tambem deobrad'alvenaria, com fossos, e contra-
escarpa, foi executada em maior escala, abran
gendo dentro em si quasi toda a povoação, e com
seis portas.
A egreja matriz, unica parochia da villa, é um
dos mais bellos templos de architectura gothica, que
possue a provincia do Minho. Lançou-sea primeira
pedra nos seus alicerces no dia 4 de Abril de 1488,
reinando D. João íí ; porém estando as obras ainda
atrazadas, quando el-rei D. Manuel succedeu na co
roa no anno de 1495.,este soberano concorreu com
largas esmolas para o seu acabamento. E' este templo
todo de pedra, com um rico portal, ornado de mui
variadas esculpturas. Possue ricas alfayas, e entre
as suas imagens sagradas sobresae pela devoção em
que é tida, e pela excellencia da esculptura, uma
imagem de vulto deChristo-Ecce-Homo, que veiu
de ínglaterra no tempo em que Henrique vm, abo
lindo no seu reino a religião catholica, declarou
a mais crHel perseguição contra os que não qui-
zeram abjurar as santas crenças do seus maiores.
A egreja e hospital da misericordia foram fun
dados no anno de 1551. Por occasião da guerra
da independencia contra Castella, estabeleceu-se
n'esta villa um hospital militar.
Havia dentro da villa um convento de frades
15
— 114 —
capuchos da invocação de Santo Antonio, edificado
em 1618 pelo marquez de Villa Real, D. Miguel
de Noronha ; e um convento de freiras francisca
nas, que existe, intitulado de Nossa Senhora da
Misericordia, construido em 1561 por D. Andréde
Noronha, bispo de Portalegre, e que primeiro fora
abbade da egreja matriz de Caminha.
Tem esta povoação uma grande praça em frente
da misericordia, muitas casas boas, as ermidas de
Nossa Senhora da 1'iedade, S. Sebastião, S. João,
Nossa Senhora do Guadalupe, e Nossa Senhora da
Graça; e varias fontes e poços de excellente agua
dentro e fora dos seus muros.
O termo é abundante de cereaes, legumes, vi
nho, fructa, hortaliças, mel e cera, linho, gados,
ecaça.. O oceano eorio Minho não só a abastecem
de muita quantidade, e infinita variedade de pei
xes, mas até lhe offerecem nas pescarias um ramo
importante de commercio. No rio pescam-se em
grande abundancia salmões, lampreas, solhos, tru
tas e saveis, ' que d'aqui se exportam para muitas
terras do interior.
Os arrabaldes de Caminha são muito lindos
Bastam para fazel-os formosos as margens encan
tadoras do rio Minho. O seu -porto é frequentado
por muitas embarcações, que lhe entreteem bas
tantes relações commerci.aes com Lisboa e outros
portos do reino. No anuo de 1851 entraram n'ell«
cento e treze embarcações com oito mil cento e qua
renta e sete tonneladas, c sairam cento e oito.
Foram naturaes d'esta villa o famoso juriscon
sulto Pedro Barbosa, que reformou as ordenações
do reino ; e João Soares Rebello, celebre compo
sitor de musica, muito estimado d'el-rei D. João iv.
A população de Caminha anda por mil e trezen
tas almas. No antigo regimen tinha voto em cor
tes, e os seus procuradores tomavam n'cllas as
sento no banco decimo terceiro. Tem por brasão de
armasum escudo com uma fortaleza sobre o mar.

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A VILLA DE CELORICO.

Na província da Beira, junto á serrada Estrella,


e tres leguas ao occidente da cidade da Guarda,
está situada a antiquissima *illa de Celorico em
logar alto.
Da sua fundação não ha noticia certa, pois se
deve ter por fabulosa a que lhe assignam alguns
dos nossos antiquarios, que tomaram a palavra
brigo, em que terminavam os nomes das cidades an
teriores ou do tempo da dominação romana, pelo
nome de umsupposto rei deHespanha, attribuido
a epocas inteiramente desconhecidas, ou de que ha
apenas mui confusas noticias.
Como Celorico se chamou em antigas eras Ce-
liobviga, tiraram d'aqui argumento os escriptores
a que nos referimos, para lhe darem por fundador
Brigo, rei de Flespanha, que dizem reinara no anno
de 1890 antes do nascimento de Christo. Muitas
razões porém levam a crer, que essa palavra brigo
designava na lingua dos antigos lusitanos cidade
ou povoação ; como nos primeiros tempos da mo-
narchia portugueza se dava o nome de burgo ás
povoações, que se iam levantando junto dos cas-
tellos, ou dos mosteiros; nome que depois se ap-
plicou aos arrabaldes das cidades e villas.
Partindo pois de epocas mais conhecidas na his
toria,, diremos que a terra de que nos oceupamos
já existia sob o dominio dos romanos, chamando-se
então Celiobriga.
Nas invasões que a Lusitania padeceu, quando
acabou aquelle dominio, Celiobriga foi a seu turno
destruida e reedificada. N'estas diversas transfor
mações parece que se corrompeu o seu nome, vin-
.do a ser denominada Corrorico.
Passado apenas meio seculo depois que D. Af-
fonso Henriques fundara nosplainos de Campo de
Ourique a monaichia ptfrtugueza, vciu um exer
— 116 —
cito de castelhanos e leonezes por cerco ao seu
castello, no anno de 1187. D. Gonçalo, e D.Ro
drigues Mendes, filhos do conde D. Mendo, que
eram alcaides-móres d'este castello por el-rei D.
Sancho i, accommetteram de noite os sitiadores, e,
auxiliados pelo sobresalto de tão repentino e ines
perado ataque, e pela claridade da lua, que ape
sar de ser nova, lhes allumiava sufficientemente o
campo, venceram e^desbarataram completamente
5s inimigos. Por esta acção tomaram por brasão de
rmas o castello e a villa um escudo com uma meia
lua e cinco estrellas.
Pelos annos de 1245, tendo sido deposto do
throno el-rei D. Sancho n, e sendo chamado ao
governo do reino, com o titulo de governador ou
regente, seu irmão o infante D. Affonso, que era
conde de Bolonha pelo seu casamento comD.Ma-
thilde, condessa soberana d'aquelleestado, veiueste
principe cercar o castello de Celorico,, porque o
seu alcaide-mór D. Fernando Rodrigues Pacheco,
que o tinha por D. Sartcho ii, o não queria entre
gar. Durou o cerco muitos mezes, e, estando e
castello para se render pela fome, foi salvo por
astucia de D. Fernando, e por meio de uma triita,
que uma aguia deixou cair sobre o mesmo cas
tello. Este suecesso, que tencionamos relatar com
mais miudeza n'outra occasião, foi causa do que
se accrescentasse ao brasão d'armas um castello
tendo por cima uma aguia com uma truta nas
garras.
Querem alguns autores, que do zelo com que foi
defendido este castello n'estes dois cercos, se prin
cipiou a denominar a terra Zelo Rico, de que se
derivou por corrupção ode Celorico.
El-rci D. Manuel deu-lhe foral de villa, aceres-
centando-lhe os privilegios, que lhe havia dado D-
Affonso ii.
Na curta guerra, que houve entre Portugal e
llespanha, reinando el-rei D. José, foi tomada a
villa de Celorico pelos hespanhoes em 1762. 0
senhorio d'esta terra andou em diversas familiar
Antes do reinado de D. Fernando pertenceu a Mat
~
— 117 —

tira Vasqucs da Cunha. Este soberano deu-a em


dote a sua filha bastarda D. Isabel, que casou em
1373 com o conde de Gijon, filho natural de D.
Henrique n de Castella. El-rei D. Manuel fez merco
d'este senhorio ao primeiro conde de Portalegre,
e vagando para a coroa pela extineção d'esta fa
mília, dem-o D. Pedro n a André Lopes de Lavre.
A villa de Celorico tem tres parochias, intitu
ladas : Santa Maria, que é collegiada, S. Martinho,
e S. Pedro. O templo da segunda c de fabrica muito
antiga. Foi fundado pelos templarios no anno de
1302. O de S. Pedro tema mesma origem, com a
differença de alguns poucos annos de menos.
A casa e hospital da misericordia foram insti
tuidos no reinado de D. João m, n'uuia egreja que
já existia, e fora por muitos annos parochia, com
a invocação de Santo André. Na villa e nos subur
bios ha nove ermidas, e umas oifo fontes.
Os arrabaldes de Celorico possuem alguns sitios
de muita bellezá e amenidade. O Mondego ferti-
lisa os seus campos, e fornece algum peixe. O ter
mo produz cereaes, legumes, fruetas, azeite, e al
gum vinho ; e cria-se n'elle bastante gado e caça.
Celorico tem uns mil e setecentos habitantes.
H8 —

A V1LLA DE CASTRO MARIM.

E' esta villaum dos portos maritimos do reino


do Algarve, e unia das suas principaes praças de
guerra. Está edificada na margem direita do Gua
diana, uma legua distante da foz do rio, e quasi
defronte da cidade hespanhola de Ayamonte. Sen
tada nas faldas de duas montanhas, qucahise unem
por -meio de duas linhas de muralhas, não se es
pelham seus edificios nas aguas do Guadiana. Fica
um pouco arredada do rio, porém um pequeno es
teiro ou canal facilita ás embarcações chegarem
junto aos muros' da villa.
EI-reiD. Affonsoui mandou-a povoar em Julho
de 1277, concedendo-Ihe varios foros e privile
gios. Não consta porém ao certo se a fundou, ou
simplesmente reedificou. El-rei D. Diniz deu-lhe
novo foral em Maio de 1282, e quando pela ex- ■
lincção dos templarios, se creou a ordem de Christo,
fel-a cabeça da nova ordem, que depois se mudou
para Thomar. Parece que o mesmo soberano lhe
fez as primeiras obras de fortificação. As mais con
sideraveis foram emprehendidas no tempo das guer
ras da acclamação de D. João iv.-
Castro Marim tinha voto nas antigas cortes, e
os seus procuradores tomavam n'ellas assento no
banco decimo terceiro.
Na parte mais alta da villa está oseu antigo cas-
tello, de forma circular, com cinco torres, e cinco
portas, que communicam para a povoação, e para
os arrabaldes. Os condes de Soure, como alcai-
des-móres que eram de Castro Marim, tinham
casas dentro d'este castello. Tambem n'elle se
acha fundada a egreja matriz, unica parochia da
villa, a qual é dedicada ao apostolo Santiago. Tem
casa e hospital da misericordia, e quatro ermidas.
A de Nossa Senhora dos Martyres, que c um san
tuario de muita devoção d'aquelle povo, eá qual
.1 -

/
— iiV» —
concorrem muitas remarias, tem junto um hospi
tal militar.
As visinhauças do Guadiana fazem apraziveis os
seus suburbios, que produzem cereaes , vinho,
azeite, amendoas, e figos, e criara muito gado c
caça. O rio e o mar fornecem-na abundantemente
de muita variedade de pescado. Recolhe muito sal
das suas marinhas, de que se abastecem quasi to
das as terras do Algarve. Este producto, juntamente
com os figos, amendoas, e pescaria salgada, cou-
stitue os seus principaes generos de exportação,
que é importante, elhe entretem activo commer-
cio com Lisboa e outros portos do reino.
Castro Marim tem perto dedois mil e trezentos
habitantes. O seu brasão darmas éum escudo com
uma povoação cercada de muralhas, e por cima as
armas reaes de Portugal.
— 120 —

A VILLA DA CERTA.

Na provincia do Alemtejo, sete leguas ao nas


cente da cidade deThomar, acha-se a villa da Cer
tã, assentada em logar plano entre as ribeiras do
seu mesmo nome e d'Amioso..
Foi fundada por Sertorio setenta e quatro annos
antes do nascimento deChristo, o qual a denomi
nou Certago , edificando-lhe para sua defesa um
bom castello. Nas guerras em que este valente ca
pitão se empenhou contra o poder de Roma para
sustentara independencia da' Lusitania, a cuja fren
te se collocara, veiu um exercito romano por cerco
a Certago. Mal apercebido o seu castello para resis
tir a tão poderoso inimigo, ia ser tomado no fim da
renhido combate, quando uma corajosa matrona,
para vingar a morte do esposo, corre á porta do
castello no momento em que vinham entrando os
primeiros soldados romanos, earremeçando-lhe ao
rosto azeite a ferver, que trazia n'uma certã, sus-
pende-lhes o passo, e dá tempo a que chegue soc-
corro, com que foram repellidos os inimigos, e sal
va a fortaleza. Em memoria d'este feito heroico to
mou a povoação por brasão d'armas, que ainda con
serva, um escudo com uma certã, eem volta a let-
tra : «Certago sternit certagine hostes.» Coma cer
tã destruiu Certago aos seus inimigos. -
Nas invasões dos povos do norte, e depois na dos
arabes, padeceu a Certã total ruina. Foi reedifica
da por el-rei D. Affonso Henriques, que lhe conce
deu muitos foros e privilegios para lhe attrahir mo
radores. Alguns autores attrjimem esta reedifica-
ção ao conde D. Henrique, c lhe assignam oanno
de 1111, o que não é crivei per varias razões.
No antigo regimen tinha esta villa voto em cor
tes, onde os seus procuradores tomavam assento no
banco decimo segundo.
A egreja matriz, unica parochia da villa, é de
dicada a S. Pedro, e é um templo de tres naves. A
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-Í21-
casa da misericordia data do reinado de D. João m ;
e o hospital, que parece ser de muito mais antiga
origem, foi annexado áquella confraria em. 1565.
Além de varias ermidas ha na villa o edificio do
extincto convento de Santo Antonio, que foi de re
ligiosos capuchos, fundado no anno de 1635. Está
situado em uma linda posição, no extremo da vil
la, onde se juntam as duas ribeiras, que a cercam.
Dava-lhe ingresso uma formosa alameda de carva
lhos seculares, que não sabemos se ainda existem.
O velho castello está quasi inteiramente demo
lido. Os suburbios da Certã são apraziveis; e pro
duzem cereaes, legumes, fructas, vinho, e azeite.
Teem bastante caça, e alguma creação de gado. A
villa encerra uns dois mil e setecentos moradores.

16
— 4S2 —

A VILLA DE CHAVES.

Deve esta villa a sua origem a uma nascente de


aguas sulfureas, queahi se descobriu sob o do
mínio dos romanos. Afim de as aproveitar para
banhos, dizem que o imperador Flavio Vespasia-
no fundara junto da fonte uma povoação, á qual
poz o nome de Aquae Flaviae. E' fora de duvida,
que existia, e assim se chamava no tempo do im
perio romano,, o que muitas memorias confirmam,
;. . tendo-sc achado nas"suas visinhanças lapidas com
inscripçSes, que a designam com o titulo de colo
nia romana. Quanto ao fundador, esta versão tem
por si, além de algumas boas opiniões, esse seu
nome primitivo. Com o decurso do tempo secor-
. rompeu aquelle nome em Aquae Calidae, Aguas
Quentes, ainda em referencia á mesma fonte. De
pois tambem este por seu turno seveiua corrom-
|" .." , !• per, por abreviatura , no de Clavis; c no reinado de
D. Áffonso vi de Leão se começou a chamar Chaves.
. »• Foi esta uma das povoações da Lusitania, que
os moiros na sua invasão destruiram inteiramen
te, nos principios do seculo viu. Mas foi tambem
uma das que primeiro renasceram, voltando ao po
der dos christãos. El-rei D. Affonso in de Leão man-
dou-a reconstruir e povoar, cercando-a de muros,
no anno de 888.
Os moiros tornaram a assenhorear-se d'ella ; po
rém no anno de 1160, estandojá constituida a ino-
narchia portugueza, e reinando el-rei D. Affonso
Henriques, foi restaurada por um pequeno punha
do de portuguezes capitaneados por Garcia Lopes
e Rui Lopes, que, em commemoração d'este feito,
accrescentaram aos seus nomes o appeHido de Cha
ves, que transmittiram aos seus descendentes.
El-rei D. Diniz reconstruiu-lhe a cerca de mu
ros, que se achavam muito arruinados. Seu filho
D. Affonso iv deu-lhe foral, que el-rei D. Manuel
reformou em Julho de 1515. As obras queconsti-
.
!. !

pr
'^'
— 123 —
tuiram a villa de Chaves em uma das praças for
tes do reino, e na principal da provincia do Tras-os-
Montes, tegm sido empreheudidas em diversas epo
cas, por occasião de guerra com a Hespanha.
Chaves está assentada em uma pouco elevada
eminencia sobre a margem direita do rio Tamega,
e junto á fronteira, que conluia cora a Galliza.
Tem uma só parochia, cujo orago ê Nossa Se
nhora da Assumpção ; casa c hospital da miseri
cordia ; hospital militar; varias ermidas; o edifi
cio de um extincto convento, intitulado de S. Fran
cisco, qae pertenceu aos frades franciscanos ; e ura
convento, que ainda existe habitado, de religiosas
capuchas da Conceição. Na capella-mór da egreja
do convento de S. Francisco está o primeiro duque
de Bragança, D. Affonso, filho legitimado d'el-roi
D.João i, em um magnifico tumulo mandado fazer
pela duqueza de Bragança D. Catharina, filha do
infante D. Duarte, e esposa do duque D. João i.
Ainda existe n'esta villa o palacio, onde falleceu
o duque D. AlTonso, que elle mandara edificar, e-
em que residiu por diversas vezes.
Sobre o Tamega, que separa a villa dos arrabal
des, está uma ponte de pedra com dezoito arcos,
cuja construcção se attribue ao imperador Trajano.
As aguas de caldas nascem em um campo entro
as muralhas da fortificação da praça e o rio. N'es-
te sitio havia um edificio de banhos, obra dos ro
manos, que desgraçadamente foi mandado demo
lir pelo primeiro conde de Mesquitella, sendo go
vernador das armas d'aquella provincia, com o in
tuito de desembaraçar o campo em frente da praça.
O doutor Francisco da Fonseca Henriques, que
examinou estas caldas, diz nó seu Aquilegio Medi
cinal, que são as melhores que ha no reino para
certas molestias. que aponta, e que por brevida
de omitiimos. Passam estas aguas, segundo obser
vações que se teem feito, por grandes depositos de
enxofre, caparosa, salitre, e pedra hume. Saem
da terra muito quentes.
As margens do Tamega fazem formosos os su
burbios de Chaves. O rio divide.os arrabaldes da
f
— 124 —
Magdaléna, e das Couraças, que são bastante po
voados, da villa, que se acha toda cercada de mu
ralhas. A principal cultura do termo são cereacs
e linhos. O rio e as serras proximas fornecem-lhe
algum peixe miudo e caça. ,
No 1 .° de Novembro tem Chaves a sua feira de
tres dias, á qual concorre muita gente das terras
visinhas e de Galhza.
Chaves tem uma população de tres mil e nove
centos habitantes. Apesar de não ser a capital de
Traz-os-Montes, é aqui que reside o general com-
mandante da quinta divisão militar, que abrange
toda a provincia.
Na antiga organisação do paiz gosava esta villn
de voto em cortes, com assento no banco quinto.
Tem por brasão d'armas um escudo com cinco cha
ves de oiro em campo de prata.

*N
I

v
12o-

AVILU DE CINTRA.

A serra-de Cintra é a mais bella e pittoresca mon


tanha de toda a provincia da Estremadura. Ergue-
se a cinçjo leguas a oesnoroeste Ce Lisboa, con
tando outras cinco de circumferencia, e mil e oi
tocentos pés na sua maior altura, e ao entrar pelo
oceano dentro, forma o Cabo da Roca.
Toda eriçada de penhas, coberta de bosques, e >
cortada de aguas, encerra muitas curiosidades e
bellezas naturaes, que em todos os tempos a teem
feito celebre.
Antigamente era conhecida pelos nomes de Pro
montorio Magno, ou da Lua, c c fora de duvida,
que no tempo da dominação romana os povos, que
habitavam n'esta serra, edifícaram ahi um templo,
que primeiramente quizeram dedicar ao impera
dor Octaviano Augusto n,' e que por este o não
consentir o consagraram á lua. Como chamassem
a este planeta Cinthia, passou este nome do tem
plo para a serrania, e d'esta para a principal po
voação, que se construiu n'aquclla montanha. De
Cynthia pois se derivou com pouca corrupção o
nome de Cintra. Estas memorias historicas acham-
se confirmadas por* varios cippos, e outras pedras • !
com inscripções, que se descobriram na mesma
serra, e que se podem ver nas obras dos nossos
antiquarios.
Sobre a fundação da vil Ia de Cintra não ha no
ticia certa. A que lhe assignam alguns autores,
. attribuindo-a aos turdulos ou aos gregos, não tem
í
por base mais do que simples conjecturas. O que
se sabe com certeza é que ij uma povoação anti
quissima, c que já existia no tempo dos romanos.
Na invasão dos povos do norte, que destruiram
o imperio dos cezares, e na dos arabes, que der .r
rubou a monarchia dos godos, correu esta villa a

"sulii!
— 126-
mesraa sorte da Lusitania, entrando no dominio
dos vencedores. Durante a occupação mauritana
foi varias vezes tomada pelos christãos e recon
quistada peios arabes. Apossou-se d'ella el-reiD.
Fernando Magno, mas logo depois a perdeu. Ou
tra vez tomada por cl-rei D. Aflonso vi de Cas-
lella, voltou de novo ao poder dos moiros. O con
de D. Henrique, pae do nosso primeiro rei, con
seguiu recuperaí-a ; porém pouco tempo a con
servou. Finalmente el-rei D. Aflbnso. Henriques
resgatou-a inteiramente do dominio dos infieis no
anno de 1147» e d'esta vez ficou para sempre
christã.
Deu-lhe foral este monarcha em 1154, o qual seu
filho D. Sancho i confirmou, e el-rei D. Manuel
reformou em 1514.
El-rei D. Vernando fez conde de Cintra a D.
Henrique Manuel de Vilhena, que na guerra civil
e estrangeira, que se seguiu á morte d'este sobe
rano, sustentou por algum tempo o castello d'a-
quella villa em favor da rainha D. Leonor, e con
tra o mestre d'Aviz.
A villa de Cintra está assentada a dois terços
da altura da encosta da serra, que olfia para o
norte, e por conseguinte em terreno desegual. O
antigo castello dos moiros, fazendo coroa a um dos
mais altos píncaros da serra, ergne-se a cavallei-
ro sobre a villa ; e esta campêa sobre um valle de
licioso, desfructando dilatadissimas vistas. -^
Tem Cintra as seguintes pasochias : S. Marti
nho, no centro da povoação, que foi fundada por
el-rei D. Affonso Henriques, destruida pelo terre
moto de 1755, e depois reedificada : Santa Maria,
que está situada no arrabalde, e proximo do cas
tello, teve o mesmo fundador que a antecedente ;
e tambem padeceu ruina com o terremoto, a qual
foi separada logo depois : "S. Miguel que está cgual-
mente fora da villa, na encosta da serra. A sua
origem é a mesma das duas primeiras. Eslaparo/
chia acha-se encorporada á de Santa Maria.
A cgreja e 'hospital da misericórdia foram obra
de el-rei D. Manuel. Ha na villa e sua visiuhan
127 —

cavarias ermidas, e os edificios de alguns celebres


conventos. D'entre os segundos, os mais notaveis "I
são o de Nossa Senhora da Pena, que foi de mon
ges deS. Jeronymo,' funtlado por el-rei D. Manuel
sobre um elevado serro, e hoje transformado por
sua magestade el-rei D. Fernando em um palacio
ornado de riquissimas esculpturas; e o de Santa
Cruz, outrora habitado por frades capuchos, fun
dação de D. Alvaro de Castro, filho do grande
viso-tei da lndia D. João de Castro. Aquelle sin
gular em obras d'arte, antigas e modernas; e este
ainda mais singular nas obras da natureza, porque
é todo um composto de grutas naturaes.
Dos magnificos paços da villa já tratámos em
outro numero d'este jornal. Das curiosidades, que
se encontram nas cercaniasde Cintra ; das formo
sas quintas, que lhe povoam os arrabaldes; edos
sítios amenos e pittorescos, que por todos os la
dos a rodeiam, não permittem.os limites d'esta
publicação, que tratemos miudamente. Portanto
apenas mencionaremos como principaes entre as
curiosidades naturaes, além do convento dos ca
puchos, a gruta de Porto Covo, proxima de Penha
Longa ; entre as melhores quintas e palacios os da
Pena, de sua magestade el-rei D. Fernando, os dos
senhores marquezes de Vianna, de Pombal, e de
Vallada, duques de Palmella e Cadaval, a quinta
de Penha Verde,, do senhor conde de Penamacor,
fundada por D. João de Castro, a de Sitiaes do
senhor marquez de Loulé, a daRegaleira, da se
nhora baroneza do mesmo titulo, e a de Monser-
rate: entre os si tios mais bellos, afora estas quin
tas, o bosque de Diana e o valle delicioso de Pe
nha Longa.
O velho castello dos moiros, agora remoçado,
e interiormente todo arborisaTio e ajardinado, como
fazendo parte da cerca do real paço da Pena, é
um dos mais antigos monumentos d'este genero, X
que possue o nosso paiz. Nada se sabe da sua ori
gem, mas como prova de que pertenceu aos ara
bes mostra ainda os restos da sua mesquita. Tem
uma cisterna, ou casa de banho, em bom estado
de -conservação, e sempre cheia d'agua.
— 128 —

O termo de Cintra é abundantissimo de aguas,


que por todas as partes o regam e fertilizam, en
tretendo uma vegetação pomposa e perenne. Pro
duz muitas e saborosissimas fructas, que fornecem
a capital, e se exportam para ínglaterra, e tam
bem algum vinho ecereaes. Na serra cria-se bas
tante gado, e d'ella se extrahem muitos marmo
res, que veem pela maior parte para Lisboa.
Fazem-se em Cintra as seguintes feiras, que são
mui concorridas, principalmente de gente da capi
tal, que ahi afflue attrahida pelas festas d'arrayal,
?ue por essas occasiões se costumam celebrar : a
3 de Junho ; a 29 do mesmo mez ; 26 d'Agosto ;
primeiro domingo de Setembro. No segundo do
mingo de cada mez ha mercado em S. Pedro de Pe-
naferrim.
A população de Cintra e seus arrabaldes anda
quasi por tres mil almas. No antigo regimen go-
sava da prerogativa de enviar procuradores ás cor
tes, os quaes tomavam assento no banco sexto.
Segundo alguns autores, tem por ai mas um castel-
lo com tres torres; porém o brasão que se acha na
Torre do Tombo, d'onde secopiouoquc vae junto
a este artigo, é uma torre ou castello sobre uma
serra, e em campo verde.'

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.>'

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-

1
r
— 129 —

r-
A CIDADE DE COIMBRA.
r

Da Conimbriga dos romanos restam poucos ves


tigios. Esta cidade tinha o 'eu assento no logar, '•
aonde agora vemos Condeixa a Velha, duas leguas
distante da actual cidade de Coimbra, e ao lado
da estrada que conduz a Lisboa. Na invasão dos
povos do norte, no seculo v, foi completamente •:
destruida ; e querendo depois os vencedores reedi-
fical-a, resolveram mudar-lhe o assento para junto
do Mondego. Tal é a origem, ao que parece, da mo
derna Coimbra, a quem dão por fundador Ataces,
rei dos alanos.
O brasão d'armas, de que ainda usa esta cidade, di
zem lhe fora dado por aquelle soberano em comine-
moração do seguinte caso. Achando-se Ataces oceu-
pado na edificação da sua nova cidade de Coim íi
bra, veiu fazer-lhe guerra Ermenerico, rei dos sue
vos, á frente de um numeroso exercito. Não espe
rou Ataces a chegada do inimigo : apenas lhe cons
tou a sua vinda, saiu-lheao encontro, deu-lhe ba
talha, e venceu-o. Ermenerico para sal var-se a si e ás
relíquias do seu exercito, pediu paz, e offereceu ao
vencedor para a alcançar a mão de sua filha, á prin-
cezaCindasunda, cuja belleza era mui fallada e cele
brada. Ataces jeceitou a proposta, e passado pouco *
tempo effeituou-se o consorcio. No seu contentamen
to por este suecesso, que lhe deu uma noiva tantodo
seu agrado, determinou commemoral-o no brasão de
armas de Coimbra, que ordenou do seguinte modo. }
ti
No meio a imagem da princeza Cindasunda, co
roada como rainha, com as mãos postas e olhos I"
voltados para o ceo como medianeira da paz, que
implora de Deus, e saindo de uma taça ou calix
de oiro, que signifíca o sacramento do matrimonio,
que confirmou a alliança e amizade entre os dois
monarchas pouco antes inimigos, e personalisado^
no brasão, Ataces na figura de um leão rompente
17
— 130—
de oiro, que era a 'sua divisa, e Ermenerico nade
uma serpe ou dragão verde, que trazia por em
blema pintado nas suas bandeiras, e tudo em cam
po vermelho.
No seculo viu curvou-se Coimbra, como as mais
terras da Lusitania, ao jugo dos rausulmanos. Na
grande lucta que não tardou a romper entre os
christãos e os conquistadores, ora se viu resgata
da, ora presa outra vez dos infieis, até que no anno
de 1064 D. Fernando Magno, rei de Castella e
Leão, a arrancou para sempre do poder dos moi
ros, no fim de um cerco de sete mezes.
A mesquita principal da cidade foi logo purifi
cada, e convertida em templo dedicado a Nossa Se
nhora, e conta-sc que n'elle o mesmo rei D. Fer
nando Magno armara cavalleiro com toda asolem-
nidade ao celebre Cid Rui Dias. D. Fernando re
parou os muros da cidade ; povoo'i-a de christãos;
guarneceu-a de soldados veteranos, e deixou-lhe
por governador o conde D. Sisnando, que se fez
notavel pelo seu bom governo, e por varias obras
que emprehendeu para melhoramento da cidade.
Reinando em Castella e Leão D. AlTonso vi, neto
d'esto rei D. Fernando, e dando sua filha D. Ta-
reja em casamento ao conde D. Henrique, com o
condado de Portugal por dote, entrou este prin
cipe na posse de Coimbra, ed'ella fez a sua corte
alternadamente com Braga e Guimarães. Confir-
mando-lhe o foral dado por seu sogro, accrescen-
tou-lhe novos privilegios.
Seu filho D. Affonso Henrique^ dejioisde accla-
mado rei, estabeleceu em Coimbra a sua residen
cia habitual; e assim ficou sendo esta cidade corte
unica de Portugal durante os primeiros quatro rei
nados. D. Affonso m repartiu com Lisboa esta rega-'
lia, que as duas cidades gosar-am por seu turno até
ao principio do reinado de D. João i, em que os
povos requereram a este monarcha, nas cortes en
tão reunidas em Coimbra, que mudasse a sua re
sidencia para Lisboa por varias razões, que apre
sentaram. Não deixaram todavia os suecessores do
mestre d'Aviz de ir gosar de vez em quando da
encantadora vista das margens do Mondego.
— 131 —
N'estes tempos tinha Coimbra voto em cortes,
com assento no banco primeiro ; e aqui as cele
:
braram D. Affonso Henriques em 1180, em que
seu filho D. Sancho foijurado successor da coroa ;
D. Sancho i em 1213 para o reconhecimento de
seu filho D. Affonso, e para a feitura de leis; D.
Affonso m em 1261, para ser jurado rei; D.Joãoi
em 1385 nas quaes lhe foi dado o throno de Por
tugal, eacclamado e jurado rei pelo pedira salva
ção da causa publica, apesar da sua bastardia, e
dos direitos de seus irmãos, os filhos da infeliz
D. Ignez de Castro, então presos em Castella ; e fi
nalmente D. Affonso v, no anno de 1472. No fira
do reinado de D. Sancho n teve logar aquella fa
mosa defesa do castello de Coimbra, de que já
falíamos em um dos numeros passados.
D'est'arte foi a cidade de Coimbra theatro de <
importantes acontecimentos politícos, assim como
também o foi de lamentaveis scenas tragicas. Duas
o.
mulheres, ambas formosas d'alma e de corpo, e
para sua desgraça elevadas ambas por amor a uma
alta posição, ahi padeceram morte violenta, e a o
todos os respeitos immerecida ! D. Ignez de Cas
tro e D. Maria Telles são os nomes d'essas illus-
taes e tristes victimas da politica e do ciume. A
primeira foi mandada assassinar por el-rei D. Af
fonso iv, afim de não servir de estorvo a um pro
jectado enlace do infante D. Pedro, seu filho, e
successor, com uma infanta de Castella. A segunda
foi apunhalada por sou esposo, o infante D. João,
lilho de D. Pedro, e da desditosa D. Ignez de Cas
tro, a quem a perfida rainha D. Leonor Telles,
forjando embustes, armara o braço contra a sua
propria irmã, para depois perseguir o assassino,
e d'este modo desviar da suecessão do throno um
principe, que as leis do reino antepunham a D.
Beatriz, unica filha d'el-rei D. Fernando e da dita
rainha D. Leonor Telles, a qual n'essa occasião
já estava casada com D. João i, rei de Castella, e
por esta circunstancia inhibida de sueceder na co
roa de D. Affonso Henriques.
Duas vezes foi Coimbra cabeça de ducado ; a

-
— 132 —
primeira em favor do infantc D. Pedro, filho se
gundo de D. João i ; a segunda em favor de D. Jorge,
filho legitimado del-rei D. João n.
Está Coimbra situada no coração do reino, na
provincia da Beira, trinta e duas leguas distante
de Lisboa para o norte, e dezoito do Porto para
o sul.
Sentada á beira do Mondego, parte em terre
no chão, parte subindo em amphitheatro pelo
dorso de um monte, ao qual fazem vistosa coroa
alguns dos seus melhores edificios, e os arvoredos
das margens do rio, dando belleza e realce a este
quadro já de si tão formoso, esta cidade sobreleva
a todas as suas irmãs pelas graças exteriores, que
ostenta.
Nenhuma outra apresenta como esta, a quem de
fora a contempla, mais nobre e risonho aspecto.
Aquelle throno de casaria, alvejando por entre ver
dura, parece disposto por mão de artista para o
mais bello effeito da perspectiva . Quasi todos os
principaes monumentos da cidade estão collocados
como em exposição, que só tivesse por fim o ador
no do painel. As paizagens d'entorno são como as
mais lindas e amenas, as mais pittorescas e va
riadas, que podem crear a imaginação de um pin
tor, eaphantasia de um poeta.
Vista por dentro, verdade é, varia muito o qua
dro. As alegrias exteriores quasi se convertem em
tristeza, porque a maior parte da cidade, princi
palmente a baixa, é cortada de ruas estreitas, tor
tuosas, e immundas, e guarnecidas de casas de ap-
parencia desagradavel. Todavia o viajante fica bem
pago d'este desgosto ao entrar em algumas ruas e
praças, amplas e orladas de bons edificios, e ain
da mais indemnisado se julgará, visitando tantos
monumentos, que ahi se erguem, ricos oVarte e
de tradições historicas, e venerandos por sua an
tiguidade e origem.
D'entre as melhores ruas de Coimbra sobresae
a Sophia, que dá entrada na cidade a quem vem
pela estrada do Porto. E' toda plana, mui larga,
bem macdamisada, e guarnecida de ambos os Ia
— 133 —
dos em toda a sua extensão, que não é pouca, de
passeios lageados, e diversos templos, e grandes
edificios, que foram conventos das extinctas ordens
religiosas, em que entrava o antigo palacio da in
quisição, e que se vêem agora quasi todos trans
formados em casas de habitação particular, de boa
e regular apparencia.
As praças principaes são quatro : a da Univer
sidades a da Feira no sitio mais alto da cidade; a
de Sansão, e a chamada por antonomasia Praça,
situadas no bairro baixo. A primeira é circunda
da por todos os quatro lados dos bel los edificios
da universidade. Na segunda erguem-se a cathe-
dral, o esplendido edificio do museu e aulas de
sciencias naturaes, e o grande palacio do governo
civil, outr'ora collegio dos conegos seculares de
S. João Evangelista. A terceira, que é a mais pe
quena de todas, basta-lhe para adorno e nobreza
o magnifíco templo e mosteiro de Santa Cruz. A
quarta é o grande mercado, aonde a povoação se
vae abastecer diariamente de pescado, hortaliças,
iiuctas ete.
Nenhuma cidade de Portugal, proporcionalmen
te, conta tantos edificios religiosos como Coimbra.
A calhedral, dedicada a Nossa Senhora da Assump
ção, é um templo vastissimo e grandioso. Era a
egreja do collegio dos jesuitas, fundação d'el-rei D.
João ih, e que depois da extineção d'esta ordem
em 1759 passou a servir de cathedral. Possueum
precioso thesouro de reliquias e de alfaias.
A sé velha é um dos mais antigos e curiosos
monumentos do nosso paiz. Não é agora occasião
de pesar opiniões sobre a sua origem. Quasi lo
dos os nossos escriptores attribuem aos godos a
sua fundação. Todavia ha quem, com argumentos
muito plausiveis, a julgue obra dos principios da
monarchia portugueza. Tanto exterior, como inte
riormente mostra architectura de epocas muito di
versas. Encerra algumas obras de bastante primor,
e varios sepulchros de muita antiguidade. Actual
mente ê uma das parochias da cidade, com a in
vocação de S. Christovão.
— 134 —

A egreja de Santa Cruz, que pertenceu aos co


negos regrantes de Santo Agostinho, é um grande
templo em que se admiram tres obras d'arte de
singular excellencia e perfeição : o pulpito, de pe
dra, todo coberto de delicadissimas esculpturas, eos
sumptuosos tumulos dos dois primeiros reis de Por
tugal, D Affonso Henriques e seu filho D. San
cho i. Foram mandados fazer porel-reiD. Manuel,
que tambem reedificou o templo e o mosteiro, cuja
fabrica primitiva se deveu a D. Affonso Henriques.
A sachristia é muito rica, e mais moderna. No
mosteiro, em que ao presente se acham o correio
e outras repartições, ha dois claustros muito an
tigos e curiosos. A cerca d'este mosteiro, hoje pro
priedade particular, é um bello ornamento de Coim
bra. Os seus bosques seculares, as suas cascatas,
jogos da bola, e especialmente o seu immenso lago,
cercado por altas paredes de cedro, dão-lhe no
meada em todo o reino.
O convento e egreja de Santa Clara, habitado
ainda ao presente por freiras franciscanas, é obra
grandiosa dos reis D. João iv e D. Pedro n, que
o mandaram edificar do outro lado do Mondego,
na encosta de um monte fronteiro á cidíde, em con
sequencia de se achar o antigo contento, cujas
ruinas se vêem junto da ponte, meio enterrado
pelas areias do rio, e a todo o monento inun
dado pelas suas aguas. No altar-mór la sua belli
egreja está o corpo inteiro da rainh , Santa Isa
bel, mettido em um sepulchro de prita. No coro
de baixo, que fica em frente da capell i-mór, vê-se
o magnifíco e antigo tumulo de pedr i em que ou
trora esteve depositada a santa rair lia. E' todo
ornado de esculpturas, e figuras em alto relevo,
tendo sobre a tampa a estatua d'aque la princeza.
Iriamos muito longe se houvesseme de mencio
nar todos os templos de Coimbra, o de quasi to
das as ordens religiosas possuiam col Jgiosparao?
seus membros que frequentavam a u liversidade:
collegios que pela maior parte eram ;randes con
ventos. O de S. Bento, acabado em 689; o dos
freires de Christo, fundado por D. Ji io m ; o dos
— 135 —
loios, começado em 1631; o de S. Bernardo, edi
ficado pelo cardeal rei ; o de Nossa Senhora da
Graça, construido em Í543 ; o dos freires de S.
Thiago, e de Aviz; o de S. Jcronymo ; o dos je
suitas, fabrica de D. João iii; o de Nossa Senhora
do Carmo, fundado em 1542; o de S. Domingos,
levantado em 1547 ; o de S. Francisco, fundado
primitivamente pelo infante D. Pedro, filho de D.
Sancho i, e depois reconstruido, eocollegio novo,
dos conegos de Santo Agostinho, sãoos principaes.
O mosteiro das freiras de Sant'Anna, primei
ramente edificado junto ao rio, que o alagou e
destruiu, e depois mudado para logar alto, é tam
bem um grande edificio, bem como o seminario
episcopal, e o paço do bispo.
Tem a cidade nove parochias, que se intitulam
Nossa Senhora da Assumpção (sé) ; S. Christovão ;
Santa Jasta ; S. Bartholomeu ; o Salvador ; S. Pe
dro ; S. João de Almedina; Santiago; e S. João
da Cruz. A egreja da misericordia está fundada
sobre a abobada da parochia de Santiago, deitando
a porta principal d'esta para a praça do mercado,
e a da misericordia para uma rua que passa pe
las costas d'aquella, em altura muito superior ao
pavimento da praça. ...
O hospital de Coimbra é fundação d'el-rei D.
Manuel. Ha nesta cidade casa d'asylo para a in
fancia desvalida, um recolhimento de mulheres ete.
Os edificios da universidade estão collocadosno
ponto mais alto da cidade, servindo-lhe de mages-
tosa coroa. Adornam por todos os quatro lados
uma extensa praça oblonga, no fundo da qual avul
ta o paço das escolas e do reitor. Na frente d'este
ergue-se o observatorio, e dos lados a capella, a
livraria, e o collegio de S. Pedro.
A universidade foi fundada em Lisboa porel-rei
D. Diniz, e pelo mesmo mudada para Coimbra,
onde teve assento na rua da Sophia, nos paços
reaes, que ahi havia, e que mais tarde se trans
formaram em palacio da inquisição. Depois de ter
sido por vezes, eemdifferentes reinados, transfe
rida para Lisboa, e Jiovamente mudada paraCoim
— 136 —
bra, onde tambem esteve estabelecida no collegio
de S. Paulo, el-rei D. João m deu-lhe para sede
os paços reaesdoaltoda cidade, e desde então Tel
les tem permanecido.
Encerram estes paços algumas coisas dignas de se
rem vistas com attenção, ou por sua riqueza, ou
como antigualhas. A. sala dos actos é grandiosa. Está
decorada com os retratos dos reis de Portugal em
grandes paineis. A sala dos capellos é guarnecida
com os retratos dos reitores. Possue uma galeria
de quadros, com uma grande quantidade de pai
neis, entre os quaes se vêem alguns de mereci
mento. A capella é de architectura gothica, e es-
espaçosa como uma boa egreja. A casa da livraria
e o observatorio, fundados no seculo passado, são
bellos edilicios, de prospecto nobre e regular. Do
terrado superior do observatorio, e da torre da uni
versidade desfructa-se um panorama verdadeira
mente maravilhoso.
As aulas de sciencias naturaes estão um pouco
distantes d'estes paços, e occupam um edificio con
tiguo á sê nova, que fazia parte do collegio dos
jesuitas, e que o marquez de Pombal, depois da
extincção d'esta ordem, reedificou com riqueza,
apropriando-o ao seu novo destino. Além d'aquel-
las aulas, acham-se n'elle estabelecidas as salas do
museu, que encerram uma soffrivel collecção de
productos dos tres reinos da natureza, o gabinete
de physica, e o gabinete e amphitheatro anatomi
co. Defronte da fachada principal d'este edificio está
o laboratorio chimico, obra magnifica, posto que
incompleta.
Conta esta cidade entre os seus principaes esta
belecimentos um jardim botanico, vasto, e fabri
cado com bastante grandeza. Considerado como
passeio publico é um logar de muita concorrencia,
principalmente aos domingos.
Os divertimentos publicos limitam-se a uma pra
ça de toiros modernamente feita. Ha comtudo um
theatro academico, bem disposto eorganisado, em
que representam estudantes da universidade em
certas epocas do anno.

','
— 137 —

Tem Coimbra um bom aqueducto, e duasbellas


pontes. 0 aqueducto, chamado de S. Sebastião, tem
vinte eum arcos de bastante altura. Fundou-oel-
rei D. Sebastião no annodei570, tiraudo aos co
negos de Santa Cruz quatro fontes de excel lente
agua, que n'elle introduziu para abastecimento da
cidade ; o que deu motivo a muitas questões e con-
flictos, acabando os conegos por se queixarem ao
papa, porém tudo debalde, porque a obra foi por
diante.
As pontes atravessam o Mondego, eum pequeno
ribeiro. A primeira communica a cidade com a
estrada que conduz a Lisboa. Foi feita por el-rei
D. Manuel , estando totalmente soterrada pelas
areias do rio a que mandara fabricar el-rel D. Af-
fonso Henriques. Porém as areias não teem poupa
do a obra d'aquelle soberano, que se acha quasi no
mesmo estado a que chegou a do fundador da mo-
narchia. Esta ponte é um dos mais lindos passeios
da cidade, assim como é o sitio de mais concor
rencia. A outra ponte liga á cidade a estrada do
Porto.
Coimbra tem tido n'estes ultimos tempos mui
tos melhoramentos na limpeza e macdamisação
de muitas ruas, na illuminação, que ê de gaz, na
plantação de arvores, no estabelecimento de novas
e melhores hospedarias, etc.
Além dos monumentos antigos já mencionados,
ha outras antiguidades dignas de menção edeexame.
O palacio da desditosa D. Maria Telles, irmã da
rainha D. Leonor Teltes, é muito notavel, não só
pelo interesse historico do drama, que ahi se re
presentou, mas tambem pelo lado da arte.
Os restos das muralhas que cercaram outr'ora
Coimbra; a poria áe Almedina, que a tradição diz
chamar-se assim pela matança de moiros, que ahi
houve na tomada da cidade ; c sobretudo as reli
quias do castello, que ficou tão celebre na histo
ria portugueza pela heroica defensa de Martim de
Freitas ; as ruinas da egreja e convento de Santa
Clara, onde por vezes viveu a rainha Santa Isa
bel ; a fonte dos Amores e outras memorias da in
18
— 138 —
feliz D. Ignez de Castro, na quinta das Lagrimas;
são objectos, que não podem deixar de inspirar cu
riosidade e veneração.
Os arrabaldes de Coimbra são nomeados por sua
muita formosura. Os viçosos campos, pomares, e
bosques silvestres das margens do Mondego; os mon
tes e valles por toda a parte verdejantes, ora cober
tos de frondoso arvoredo, ora servindo de assento a
algum grande edificio religioso, como os conven
tos de Santa Clara, e de S. Francisco, de Ceifas,
e de Santo Antonio dos Olivaes; por todos os la
dos rebentando agua em fontes, ou correndo em
ribeiros ; tudo isto são justos titulos para tão gran
de nomeada.
Fariamos um longo catalogo, se mencionasse
mos todos os sitios encantadores dos arredores de
Coimbra. Não podemos porém deixar de especiali-
sar dois, ambos cheios de infinitas bellezas came-
nidade, um consagrado por um principe infeliz á
recordação dos seus mallogrados amores ; outro de
dicado pela poesia do sentimento a um dos mais
nobres exercicios da nossa alma. Cbamam-se es
ses sitios o Penedo da Saudade, e o Penedo da Me
ditação.
O termo de Coimbra produz muitos cereaes, e
legumes, grande quantidade de batatas, fructas, e
hortaliças, azeite, e algum viuRo. Cria-se n'elle
bastante gado, de diversas especies, e abunda em
caça. O Mondego fornece algum peixe, mas da Fi
gueira, que fica a sete leguas de Coimbra, é que
vem para esta cidade grande abastecimento de pei
xe do alto mar.
Conta a cidade uma população superior a tre
ze mil almas. Fazem-se ahi as seguintes feiras:
a 4 de Julho, no Rocio de Santa Clara ; a 24
de Agosto ; cem 21 de Setembro no campo de Coim
bra. No dia 22 de cada mez ha na cidade mer
cado.
Entre os filhos illustres de Coimbra conta-se
q distincto poeta Francisco de Sá de Miranda.
— 139 —

A VILLA DE COLLARES.

Nas faldas da serra de Cintra, uma legua ao oeste


da villa d'este nome, está sentada a villa de Col-
lares á sombra de frondosos arvoredos. Pela en
costa da serra sobranceira á povoação vão subindo
algumas casas, quintas, e maltas de castanheiros.
Inferior á villa estende-se um fertil valle, deno
minado a Varzea, todo coberto de pomares, e cor
tado pelo rio das Maçãs, que vae desaguar no oceano
d'ahi uma legua. E' pois sobremodo amena e de
liciosa a situação de Collares.
Quanto á sua origem pouco se sabe, só sim que
é muito antiga, e que já existia no tempo dos ro
manos, porque d'isto dão testemunho muitas me
dalhas e inscripções romanas, que ahi teem sido
encontradas.
Tambem não consta o que passou sobas diver
sas dominações, a que esteve subjeita a Lusitania
depois da queda do imperio romano. Provavelmente
viu-se livre do jugo sarraceno ao mesmo tempo
que a sua visinha Cintra, que foi resgatada por D.
Affonso Henriques.
El-rei D. Diniz deu foral a esta Villa em Maio
de 1255. D. João i fez doação d'ella ao condesta-
vel D. Nuno Alvares Pereira em Agosto de 1385.
Depois, passando successivamenteadiflerentes ne
tos d'este heroe, veiu a pertencer á infanta D.
Beatriz, mãe d'el-rei D. Manuel, pela morte da
qual entrou Collares outra vez no dominio da co
rta. Este ultimo monarcha deu-lhe então novo fo
ral em Novembro de 1516. augmentando-lbe muito
os antigos privilegios.
Sobre a etymologia do nome de Collares, parece
melhor opinião a que o deriva dos dois collos ou
collinas, sobranceiros á Varzea, em que a villa está
edificada.
Collares leve lambem o seu antigo castello, e
antigo que nada se sabe ao certo relativamc '
sua fundacão. No reinado d'el-rei D. Sebae'

i
— 140 —

já anteriormente, o senado da camara servia-se


d'elle para diversos usos do ministerio publico.
Porém no tempo dos Filippes deCastella, queren
do D. Diniz de Mello e Castro, que foi bispo de
Leiria, de Vizeu, e da Guarda, estabelecer nesta
villa a sua residencia, pediu e alcançou a posse do
castello, que logo transformou em um palacio, juu-
tando-lhe uma bella quinta, actualmente perten
centes a seus herdeiros.
D'esta fortaleza provavelmente procedem as ar
mas da villa, que são um castello entre arvores.
Tem Collares uma só parochia dedicada a Nossa
Senhora da Assumpção.
A casa da misericordia foi fundada por D. Di
niz de Mello e Castro.
Nas proximidades da villa, em logar plano, mas
um pouco mais alto, está o edificio do extincto con
vento de SanfAnna, que pertenceu aos religiosos
carmelitas. Deu principio a esta fundação frei Cons
tantino Pereira, que morreu em 1465, e era so
brinho do condestavel D. Nuno Alvares Pereira.
Na capella-mór da egreja está sepultado o seu pa
droeiro, o bispo D. Diniz, e n'outras sepulturas,
em um carneiro, e em dois tumulos de marmore,
varias pessoas da sua familia, entre as quaes se
contam Antonio de Mello e Castro, e seu filho Cae
tano de Mello e Castro, ambos vice-reis doestado
da índia.
Não muito distante de Collares, junto do oceano,
ergue-se a ermida da Peninha sobre um elevado
rochedo. Diz a lenda, que, no tempo de D. João m,
andando uma rapariga muda a pastorear n'esta ser
ra varias ovelhinhas, lhe fugira uma, e depois de
muito procurar a foi encontrar ao pe d'aquelle ro
chedo, e apparecendo-lhe então ahi Nossa Senhora
lhe deu falia. A narração do caso attrahiu logo
áquelle sitio todos os povos das visinhanças. Des-
cobriu-se entre as fendas da rocha uma imagem da
Virgem, feita de pedra, que immediatamente foi
transportada para uma antiga ermida de S. Satur
nino, perto d'ahi.Desapparecendo, porém, a ima-
gem por tres vezes, e indo-se sempre achar na
— 141 —
mesma penedia, sobre esta se lhe construiu ao prin
cipio uma pobre ermida, quenoannode i673foi
desfeita, e em seulogared:ficou a actual Pedro da
Conceição, gastando n'ella uma boa herança, que re
cebera, e fazendo-se ermitão de Nossa Senhora. E'
o templo pequeno e de humilde apparencia no ex
terior, porém interiormente é rico de materiaese
d'arte, pois que todas as paredes e o altar-mór são
de marmores de cores em obra de mosaico. Os
marmores foram tirados da mesma serra, a pouca
distancia da ermida. Este santuario é ainda hoje
de bastante devoção, e concorrencia, porém ou
trora affluia ali muito maior numero de fieis, e
era visitado de muitos cirios e romagens.
Pouco adiante de Collares fica ologarde Almo-
cegeme, e perto d'ahi duas curiosidades naturaes
dignas de se ver : a Pedra cTAlvidrar sobre o ocea
no, e o Fojo mais no interior.
A villa de Collares é cercada de muitas e for
mosas quintas, das quaessó especialisaremos a de
Rio de Milho por encerrar a mais gigantesca e vi
çosa camelia, que ha em toda a Estremadura.
O sitio chamado a Varzea é dos mais lindos e
amenos dos arrabaldes da villa. As aguas do rio
das Maçãs, represadas ahi em uma ponte de pedra,
deixam gosar o prazer de navegar-se em um pe
queno barco, que ali ha para esse fim, pelo rio
"acima até certa distancia, sempre entre pomares,
e debaixo de copado arvoredo.
A uma legua da villa esta a praia das Maçãsso-
bre o oceano, onde termina o rio d'este nome, e o
valle de Collares. Vão ali muitas familias tomar
banhos do mar na estação propria.
O termo de Collares produz grande abundancia
de excellentes fruetas, que abastecem a capital, e
se exportam para ínglaterra, e de vinhos, que são
estimados, e se assimilham aos de Bordeos. A po
pulação da villa e arrabaldes anda por mil e se
tecentas almas.
142

A YILLA DA COVILHÃ.

Está situada esta villa na provincia da Beira,


sete leguas ao sueste da cidade da Guarda, nas fal
das da serra da Estrella, e entre as ribeiras da Car
pinteira e da Degoldra.
Se dermos credito á tradição, que alguns es-
criptores referem, eacceitam como verdadeira, foi
esta villa fundada pelos annos de 690 pelo conde
D. Julião, e n'ella nasceu sua filha Florinda, a
que deu causa, pela paixão que a sua belleza ex
citou no rei D. Rodrigo, a que seu pae, vendendo
c patria a troco de uma vingança, chamasse os moi
ros á Hespanha, e lhes facilitasse a conquista da
peninsula.
Seguindo a mesma tradição, do nome de Cava,
que os moiros deram a Florinda para significar a
sua infamia, veiu a chamar-se a povoação Cava
Juliani, de que se derivou por corrupção Cavilia-
na, e depois Covilhã.
Arruinando-se durante as guerras, que abrasa
ram o solo da peninsula depois d'aquella funesta
invasão, achava-sequasi inteiramente destruida no
reinado do nosso rei D. Sancho i, que a mandou
reedificar e puvoar. Deu-lhe foral este soberano no
anno de 1186, e os seus successores augmentaram-
Ihe os primeiros privilegios, honrando-a el-rei D.
Sebastião com o titulo de notavel.
Divide-se a villa nas seguintes parochias: S.
João ; S. Martinho ; S. Vicente ; Santa Maria de
Reclamador, corrupção de Roque Amador; S. Sil
vestre; Santiago; S. Pedro; Santa Maria Magda-
lena ; S. João de Malta ; S. Paulo ; S. Bartholo-
meu ; S. Salvador; c Santa Marinha, queficafora
da villa.
Tem hospital e casa da misericordia, aquelle
instituido em 1213, e esta em 1577. Dentro e fora
da povoação ha umas oito ermidas. Existem na villa
os edificios de dois extinctos conventos, um que

_
i
— 143 —
foi de religioso? franciscanos, e outro de frades
capuchos.
Na parte mais alta da rUIa ví-se um castello
antiquissimo, com duas torres. Nas velhas mura
lhas, que defendiam a povoação, e que foram man
dadas faier por el-rei 1). Diniz. ha tres portas cha
madas de Valle de Caravelho, do Sol, e de S. Vi
cente. E* abastecida esta villa de muita e excel-
leote agua, e om dos sens chafarizes é de boa ar-
chitectura.
As fabricas de pannos de lã constituem a sua
principal industria. Datam de remotas eras; em
pregam grande numero de braços, e teem tido mui
tos aperfeiçoamentos.
A situação da Covilhã é muito agradavel. As
duas ribeiras, que a cercam, fertilisam e aformo-
seiam os seus campos. Todo o paiz em redor é mui
to arborisado. O seu termo, que é grande, produz
toda a qualidade de fructos, principalmente cas
tanha, e abunda em optimas pastagens, em que se
cria bastante gado.
No antigo regimen esta villa tinha voto em cor
tes, com assento no banco quarto. Tem por armas
uma estreita em campo azul no meio do escudo,
pela razão de estar edificada na serra do mesmo
nome.
144 —

A VILLA DE CORUCHE.

Na fronteira da provincia do Alemtejo, e junto


á da Estremadura, está a villa de Coruche, dis
tante sete leguas e meia da villa de Aviz para oeste,
outras tantas de Montemór o Novo para noroeste,
e quatro a éste do Tejo.
Tem por assento uma planicie, em que se esten
dem as suas duas unicas, mas compridissimas ruas,
ea encosta de um monte, por onde sobem algumas
pequenas travessas. Proximo da povoação correm
as ribeiras de Sorraia, e da Erra.
'. A fundação de Coruche é muito antiga, e como
tal pouco ou nada conhecida. Entretanto Rodrigo
Mendes Silva na sua Poblacion General de Espana
attribue-a aos gallos celtas 308 annos antes do nas
cimento de Christo. Nas invasOes dos romanos,
dos godos e mais povos do norte, c por fim na dos
arabes, seguiu a sorte de toda a Lusitania, que se
viu forçada a subjeitar-se ao jugo de todos esses
conquistadores.
Andando D. Affonso Henriques na sua gloriosa
empresa de plantar a cruz de Christo, onde cam
peava o crescente musulmano, conquistou-a para a
sua nova coroa noanno de 1166, e logo fez doação
d'ella á ordem militar de Aviz.
Infelizmente passados quatorze annos tornaram
os moiros a apossar-se da povoação, c provavel
mente pela resistencia, que n'ella acharam, des-
truiram-na completamente; e assim permaneceu dois
annos, até que no de 1182 voltou ao dominio de
el-rei D. Affonso Henriques, que a mandou reedi
ficar e povoar. Este soberano para attrahir ali mo
. radores concedeu a villa muitos privilegios, que
' el-rei D. Manuel acerescentou ainda no foral, que
lhe deu aos 28 de Março de 1513. Entre esses pri
vilegios contava o de ser representada em cortes,
onde os seus procuradores tinham assento no ban-
H"^

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— U5 —
co decimo quarto. O brasão d'armas de Coruche
é um escudo com uma coruja no centro.
Tem esta villa uma unica parochia, dedicada a
S. João Baptista, hospital e casa da misericordia,
cujaegreja éde boa architectura ; um recolhimen
to, intitulado de Santa Rosa de Viterbo; e seis er
midas, uma das quaes está edifícada na coroa de um
oiteiro sobranceiro á villa. A casa da camara ébom
edificio, e entre as dos particulares algumas se vêem
de agradavel apparencia.
Os suburbios de Coruche são aprasiveis e muito
ferteis. A varzea,, que o Sorraia e Erra cortam
e regam, é dilatadissima e muito bem cultivada.
Criam-se n'ella muitos gados, e produz muitos ce-
reaes, e outros fiuctos. As margens das duas ri
beiras são arborisadas, e as collinas que as debruam
de aspecto variado. Em uma d'estas collinas exis
tiu outr'ora o castello de Coruche, que nas guer
ras com os moiros se arruinou inteiramente.
Conta esta villa uns dois mil trezentos e cin»
coenta habitantes. Tem uma feira a 29 de Setem
bro.
-

19
— 146 -

A VILLA DO CRATO.

Querem os nossos antiquarios, que esta villa fos


se fundada muitos anuos antes do nascimento de
Christo pelos carthaginezes, fazendo-a colonia e ci
dade com o nome de Catralencas .
Sem entrarmos na escurissima questão da sua
origem, temos todavia por certo que é muito an
tiga. No concilio Hlibiritano, que se celebrou no
anno de 300 da era christã, na cidade de Elvira,
na Andaluzia, compareceram tres bispos da Lusi
tania, e entre estes Secundino, bispo Catralencense.
IVesta antiga gerarchia episcopal conserva a villa
do Crato uma memoria no nome de uma rua cha
mada da Episcopia, talvez onde outrora existisse
o palacio do bispo.
Os muitos restos de edificios e sepulturas roma
nas, que ainda no principio do seculo passado se
viam dentro da villa e a pouca distancia d'ella, os
quaes os moradores teem destruido, desgraçadamen
te, para se irem aproveitando dos materiaes para
outras construcções, provam que Catralencas foi
uma povoação importante.
Pela invasão dos moiros ficou muito arruinada.
Os seus moradores ou cairam sob o alfange sarra
ceno, ou a abandonaram, indo procurar refugio nas
montanhas mais escabrosas. E assim perdeu até
nossos dias a sua preeminencia de cidade e sede
episcopal.
Quando D. Affonso Henriques tratava de alar
gar com a sua gloriosa espada os limites da nas
cente monarchiav mandou reedificar e povoar aquel-
la arruinada povoação, que do antigo nome, já cor
rupto, se principiou a chamar Crato.
Entretanto só começou a medrar e ter alguma
importancia desde que foi constituida cabeça do
priorado da ordem militar de S. João de Malta.
Esta ordem foi instituida no tempo do conde D.
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— 147 —

Henrique, em Jerusalem, d'onde depois se mudou


para a ilha deRhodes, ed'aqui para a ilha deMalta^
Não se sabe precisamente a epoca em que foi
creado o grã-priorado do Crato ; mas parece tel-o
sido no reinado de D. Affonso iv, em que vemos fi
gurar como prior do Crato a D. Alvaro Gonçalves
Pereira, pac do condestavel D. Nuno Alvares Pe
reira, o qual foi o primeiro prior de que ha no
ticia. Os outros grâ-priorcs foram: Affonso Gon
çalves Pereira ; Alvaro Gonçalves Camello ; D. Pe
dro AJvares; D. Nuno de Goes ; D. Diogo Fernan
des d'Almeida ; D. João de Menezes, conde de Ta
rouca ; o infante D. Luiz; seu filho D. Antonio,
pretendente á coroa por morte do cardeal rei ; o
principe Viclorio Amadeo ; o infante deCastella,
D. Fernando; o cardeal archiduque Alberto; D.
João de Sousa ; D. Manuel de Mello ; o infante D.
Francisco, irmão d'el-rei D. João v; o infante D.
Pedro, depois rei terceiro do nome ; seu filho o in -
fante D. João, depois rei sexto do nome ; c o se
nhor D. Miguel de Bragança.
Os rendimentos d'cste priorado, que no tempo
d"el-rei D. Affonso v eram apenas de seiscentos mil
reis, chegaram emoanno de 1800 a vinte e quatro
contos de reis. Por breve do papa Pio vi, de 24
de Novembro de 1789, ficou o grã-priorado do Cra
to unido á casa do infantado, que, como se sabe, r i
foi extincla em 1833, bem como os dizimos, que
constituiam aquelles rendimentos.
No seculo xu tiveram logar na villa do Crato f:
dois faustos suecessos, os consorcios del-rei 1).
Manuel com a sua terceira mulher, a rainha D.
Leonor, e de D. João tH com a rainha D. Catha- 13
rina ; celebrados, o primeiro no anno de 1518,
com festas esplendidas, e o segundo no de 1524.
íLl-rei D. Manuel deu foral a esta villa em 1312,
concedendo-lhe muitos privilegios e isempções. O
seu titulo de notavel tem origem muito anterior.
Liem como a regalia de ter voto em cortes, onde os
seus procuradores tomavam assento no banco de
cimo segundo. O seu brasão d'armas é uma cruz ude ot
de Malta de prata em campo vermelho. oco de-
ma cruz

1
113 CltU' •imo
~n qe- -ap oo uí
— 148 —
Durante as guerras da restauração do reino,
veiu um exercito castelhano, commandado por D.
Joio d'Austria, por cerco á villa do Crato em o
anno de 1662. Apesar de se achar muito mal guar
necida, e de constar o exercito inimigo de seis mil
infantes, e quatro mil cavallos, defendeu-se a pra
ça em quanto lhe foi possivel, auxiliada pelas for
tes muralhas com que a cercara o prior D. Nuno
de Goes, e pelo castello, que este reedificara. Ce
dendo porém a forças tão superiores, rendeu-se,
conseguindo apenas segurança para as vidas dos
seus defensores, e mais habitantes.
D. João d' Austria, irritado pela resistencia que
lhe oppoz um tão pequeno numero de soldados,
permittiu aos vencedores todo o genero de cruezas.
A villa foi roubada e queimada, não ficando edifi
cio algum, que não padecesse maior ou menor ruina .
O castello foi demolido por ordem do general cas
telhano. Os pobres habitantes, espoliados e pri
vados de habitação, fugiram para a cidade de Por
talegre, e outras povoações da provincia. Entre as
r ' muitas perdas causadas pelo incendio da villa, hou
ve a lamentar a dos cartorios, ricos em documen
tos importantes para a historia de Portugal e da
ordem de Malta.
Passado algum tempo começaram a voltar os mo
radores, e pouco a pouco se foram reedificando as
habitações. Todavia esta catastrophe não só para-
lysou os progressos, que a villa do Crato ia fazen
do visivelmente de anno para anno ; mas deixou-
lhe tão grandes vestígios da sua funesta passagem,
que ainda hoje se voem alguns, posto que tenha
decorrido quasi seculo o meio.
Está situada a villa do Crato na provincia do
Alemtejo, tres leguas distante da cidade de Porta
legre para o lado do poente; quatro da villa de
Niza para o sul, e outras tantas do Tejo. O seu ter
reno é accidentado pelos muitos e grandes rochedos,
que a cercam por lodos os lados, exceptuando o
do sul.
Tem nas suas velhas muralhas cinco portas, cha
madas de Santarem, de S. Pedro, de Beringel, da Seda,
— 149 —
e Porta Nova. O castello, fundado em uma eminen
cia pedregosa, ficava sobranceiro á povoação para
a parte do nascente. D'elle ainda resta a cerca
de muros exteriores, com seus baluartes. A torre
de menagem, e mais edificios, que existiam den
tro d'aquella cerca, foram destruidos, como dis
semos, em 1662.
A egreja de Nossa Senhora da Conceição é a
unica parochiada villa. E' um bom templo de tres,
naves. A egreja da misericordia foi feita de novo
no meado do seculo passado, tpndo-se demolido o
antigo templo por estar muito arruinado, e ser mui
pequeno. Por esta occasião tambem se reedificou o
hospital da mesma santa casa. A torre do relojo
e uma curiosa antigualha. Está situada no centro
da povoação. E' toda de cantaria muito alta, e da
forma pyramidal.
Dentro e fora da villa ha varias ermidas. A de
S. Pedro, qne tem muita antiguidade, foi ein tem
pos remotos a egreja matriz.
Nos suburbios da villa ha uma pequena aldêa,
chamada o arrabalde da Flor da Rosa. Deve este
nome, e a sua origem a um templo, que ahi fun
dou o grã-prior D. Alvaro Gonçalves Pereira em
1356. íntitula-se de Nossa Senhora da Flor da
Rosa, cuja imagem se achou escondida no mesmo
logar, emqueestá edificada a egreji ; c dizem que
pertencera a um antiquissimo convento de monges
de S. Bento, que os moiros destruiram totalmente
na sua invasão da peninsula, e que existia'sobre
o monte visinho, onde agora se vó uma capella de
dicada a S. Bento.
Este templo de Nossa Senhora da Flor da Rosa
é de architectura gothica, e de excellente fabrica.
No meiod'elle descansa o fundador em um tumulo
de marmore. No cruzeiro ergue-se outro tumulo
tambem de marmore sobre seis leões, no quales-
ião as cinzas de D. Diogo Fernandes d'AÍmeida,
prior do Crato, efilho de D. Lopod'Almeida, con
de de Abrantes.
Proximo da villa tinha a ordem de S. Francis
co um convento, da invocação de Santo Antonio.
— 150 —
A principal cultura do termo consiste em olrvaes,
cereaes, e vinhas. Tem muita caça, e alguma crea-
ção de gado. Regam-no diversas ribeiras, a princi
pal das quaes, chamada de Seda, faz trabalhar va
rias azenhas. Proximo de outra ribeira, denomina
da do Xocanal, se descobriram pelos annos de 1724
uns cippos e outras pedras com inscripções roma
nas.
Á lo de Agosto e 8 de Setembro fazem-se duas
feiras no arrabalde de Nossa Senhora da Flor da
Rosa, ás quaes concorre muita gente. A villa do
Crato conta perto de mil c tiezentos habitantes.
Ir

í 5
1
— 1J1 —

A CIDADE D'ELVAS.

Na provincia do Alemtejo. junto á fronteira de


Despenha, está a cidade d'Elvas assentada emam-
plnthcatro sobre uma eminencia, e distante de Lis
boa trinta e tres lcguas. Aos lados crguem-se dois
montes que a dominam, e que são coroados pelos
fortes de Santa Luzia, o de Nossa Senhora da Gra
ça. A duas leguas corre a ribeira do Caya, que di
vide Portugal de Hespanha. A tres leguas levanta-
se em frente d'Elvas a cidade e praça hespanhola
de Badajoz.
Sobre a origem d'Ehas emittem os nossos auto
res opiniões divetsas, sendo algumas inverosímeis,
ou pelo menos faltas de bons fundamentos. A que
parece mais provavel attribue aos romanos a sua fun
dação, e faz derivar o seu nome de Marco Helvio,
que então governava esse districto da Lusitania.
Quanto á sua existencia na epoca da domina
ção romana não ha que duvidar. Varias sepulturas
e inscripções achadas junto á cidade provam eviden
temente, que n'esse tempo era povoação importante ;
mas além d'isto ha muitos outros testemunhos.
Dizem alguns antiquarios, que o celebre general
carthaginez Maharbal vivera muito tempo em Elvas,
e que ahi convalescera de uma perigosa enfermida
de, em memoria do que erigiu um templo a Cupido
nas visinhanças de Villa Viçosa, junto a Tcrena.
D'este templo viam-se ainda no seculo passado bas
tantes vestigios.
Depois da destruirão do imperio romano, Elvas
passou sob o jugo dos diversos povos, que a seu tur
no subjeitaram a Lusitania. Dos moiros, que foram
os ultimos, resgatou-a el-rei D. Afibnso Henriques
no anno deli 66; tornando porém ao poder dos in
fieis, libertou-à novamente seu filho D. Sancho i
no anno de 1200.
As guerras arruinarain-a, e quasi de todo a des
— 452 —
povoaram. Porém D. Sancho u mandou-a reedifi-1
car e povoar no anno de 1226, dando-lhe por essa
occasião foral com os mesmos privilegios de quego-
sava a cidade de Évora. Elevou-a el-rei D. Manuel
á cathegoriade cidade em 1513 ; e el-rei D.Sebas
tião á preeminencia de sede episcopal por bulia pon
tificia de 9 de Junho de 1570.
Nas guerras da independencia, que se seguiram
á morte d'el-rei D. Fernando, já possuia Elvas um
forte castello, e boa cerca de muralhas' com que re
sistiu valorosamente ás tropas castelhanas, que en
tão a sitiaram e accommetteram.
Na gloriosa luetada restauração de 1040 foi thea-
tro de grandes victorias para as armas portuguezas,
principalmente no dia 14 de Janeiro de 1651), em
que o exercito hespanhol, que a cercava, foi com
pletamente desbaratado pelas tropas portuguezas
sob o cominando de D. Antonio Luiz de Menezes,
primeiro marquez de Marialva. Nesta batalha, me
moravel nos fastos de Portugal com o nome de vic-
toria das linhas d' Elvas, perderam os inimigos, além
de grande numero de mortos, feridos, e prisioneiros,
toda a artilharia, munições, c bagagens.
No seculo seguinte passaram-seem Elvas scenas
diametralmente oppostas. D'esta vez eram grandes
festas e regosijos pelos dois consorcios, que estrei
taram em íntimos laços de familia os soberanos de
Hespanha e Portugal. El-rei D. João ve toda a fa
milia real ahi foram passar alguns dias, durante os
quaes se avistaram, e conversaram com D.Filippev
de Hespanha e sua familia, em uma esplendida casa,
que para esse rim se construiu sobre o Caya, limi
te dos dois paizes. Os reacs desposados foram o prin
cipe D. José, depois rei primeiro do nome, com a
infanta D. Mariana Victoria, filha de el-rei Filippe v.
e o lilho herdeiro d'este soberano o principe D.Fer
nando, que veiu a ser o sexto do nome entre os reis
de Hespanha, com a infanta D. Maria Barbara, fi
lha de el-rei D. João v.
JJ' a cidade d'Elvas a principal praça de guerra
de Portugal. A parte mais antiga das suas fortifi
cações é o castello de que acima fallamos, fundado
— 153—

fio logar roais elevado, e cercado de muralhas amola


das flanqueadas de torres, tudo em bom estado de
conservação. As obras, que fizeram d'esta cidade uma
praça de primeira ordem, foram emprehendidas em
epocas mui diversas: algumas anteriores a 16Í0;
muitas e importantes durantea guerra da restaura
ção ; e outras nos reinados de D. João v, D. José f,
D. Maria i, e D. João vi.
Tem esta praça no seu circuito sete baluai tes, qua
tro meios baluartes, c um redente, ligados por cor
tinas, que formam doze faces. Das obras de defesa
exteriores as principaes são os fortes de Nossa Se
nhora da Graça, e de Santa Luzia»
Dão entrada para a praça tres grandes portas, cha
madas da Esquina., d' Olivença, c de 5. Vicente, além
de varias portas falsas, ou poternas, que se abrem
nas cortinas do recinto. Ha na praça vastos quar
teis, armazens, e uma grande cistorna, pavões etc.
tudo á prova de bomba.
A sua guranição em tempo de guerra pode ele-
var-se a seis ou sete mil homens. No começo d'este
seculo defendiam-na duzentas ecincoenta e sete pe
ças d'artilharia.
Conta Elvas quatro parochias : a sé, Nossa Senho
ra da Alcaçova, o Salvador, e S. Pedro. A séeum
templo de tres naves, obra de el-rei D. Manuel.
Era a antiga matriz com a invocação de Santa Maria.
Interiormente é de boa architectura gothica com
abobada de laçaria de pedra. A capella-mór é mo
derna e sumptuosa. Foi fabricada de finos marmo
res por alguns dos melhores artistas, que trabalha
ram no palacio real de Mafra. Na egreja, sachris-
tia, e casa do capitulo vêem-se muitos paineis a
ol«o ; alguns de bastante merecimento.
A parochia do Salvador, outr'ora intitulada de
Santiago, pertenceu ao collegio dos jesuitas.
A egreja da misericordia é um bello templo do tres
naves, sustentadas em cotumnas de ordem toscana.
Contíguo está o hospital administrado por esta pi*
confraria.
Havia em Eivas quatro conventos de frades. O
de Nossa Senhora dos Martyrex, de reiigioso3 >lo
20
— 154 —

minicos. cuja primeira fabrica foi deel-rei D. Affon-


sii ih em 12117, tem uma bom egreja de tres naves.
O edificio do convento serve actualmente de quar
tel militar. O de S.João de Deus, de hospitaleiros,
éhoje hospital militar. O collegio dos padres da Com
panhia ; e o convento de S. Francisco, de piedosos,
contiguo á cidade, c fundado em 1591.
De freiras tem dois conventos: ode Nossa Senho
ra da Consolação, de religiosas dominicas, edifica
do em 1343, cuja egreja é de forma rotunda emui
elegante ; e o de Nossa Senhora da Conceição, de frei
ras da regra de Santa Clara.
A confraria dos terceiros de S. Francisco possue
um bom edificio e uma excellente egreja, ornada de
obra de talha doirada de muito primor.
Além d'estes templos ha na cidade e cercanias va
rias ermidas. As ruas, posto que estreitas, em ge
ral são regulares. A principal praça é a da Sé, onde
ficam' tambem o palacio episcopal, em que se hos
pedou cL-rei D.João v com a familia real.e outros prin
cipes em eras anteriores ; c a casa da camara, com
a sua torre de relogio, c com uma boa sala de ses
sões, decorada com varios paineis do pincel deCy-
rillo Volkmar Machado. N'esta praça vê-se o anti
go pelourinho, formado de uma só peça de marmo
re, todo cheio de esculpturas no gosto gothico.
Ha na cidade um passeio publico, começado em
1807, e situadoentre as portas d'CMivença e da Es
quina. O grande aquedueto da Amoreira abastece
abundantemente d'agua a povoação, e alimenta di
versos chafarizes, dos quacs o de S. Lourenço é o
de melhor architectura.
Os suburbios dElvas são amenos e muito arbo-
risados, com muitas hortas e quintas, c principal
mente no extenso valle por onde corre o ribeiro Ceto,
e que separa a praça do forte de Nossa Senhora da
Graça. O termo produz cercaes em abundancia, vi
nho, muito azeite, fructasete. lia nelle magnificas
herdades em que se cria bastante gado.
Elvas conta uma população de perto de onze mil
quatrocentas almas. Tem tres feiras annuaes mui
to concorridas de nacionaesede hespanhoes : uma

%
— 155 —

a 20 de Janeiro ; outra a 20 de Maio ; e a ultima


a 2i de Setembro.
Gosara esta cidade de voto em cortes, no antigo
regimen, tendo assento os seus procuradores no ban
co segundo. Tem por brasão d'armas um escudo co
roado, e n'elle, em campo vermelho, um guerreiro a
cavallo, todo armado, empunhando na mão direita
o estandarte das quinas portuguezas. Commemora
este brasão a acção audaciosa de um cavalleiro por-
tuguez, que num dia de luncção publica em Bada
joz, eutrou n'esta cidade, e arremetteudo por meio
do povo, ousou apossar-se do estandarte castelhano,
c correndo com elle na mão até junto das muralhas
d'Elvas, conseguiu arremeçal-o para dentro da pra
ça, onde não entrou porque os castelhanos, que o
perseguiam, lh'o impediram com a morte.
— 1S6

A VILLA DA ERICEIRA.

Acha-sc edificada esta villa na costa do oceano,


a legua e meia de distancia de Mafra, para o oc-
eidente, e trcs ao norte de Cintra.
Não ha noticia certa sobre a sua origem, nem
encerra vestigio algum de antiguidade. Todavia o
seu primeiro foral foi-lhe dado por el-rci D. Af-
fonso iv no anno de 1369; o qual el-rei D. Ma
nuel reformou em 1513. Por essa occasião este so
berano fez doação da Ericeira ao infante D. Luiz,
seu filho, que a deixou ao seu filho natural, D.
Antonio, prior do "Crato.
Pela opposição, que este principe fez, como um
dos pretendentes do throno, a Filippe n de Hes-
panha, quando se apossou d'este reino pela morte
docardeal rei, foram-lhe sequestrados todos os bens,
e por conseguinte voltou a Ericeira para a coroa.
Filippe ii doou esta terra de juro c herdade a Luiz
Alvares d'Azevedo, e como viesse a pertencer era
herança a uma sua filha, freira do mosteiro de Odi
velas, a abbadeça vendeu aquelle senhorio a D.
Diogo de Menezes, que pouco depois foi creado con
de da Ericeira.
Ainda ahi sevé, posto que em ruinas, mas como
uma honrosa memoria, o palacio d"esta esclarecida
familia, que tanto se distinguiu nos reinados de D.
João iv, D. Affonso vi, e D. Pedro ;i, pelos rele
vantes serviços, que os condes Luiz, e D. Fran
cisco Xavier de Menezes prestaram á causa da in
dependencia nacional, e ao progresso das lettras.
Sentada sobre uma elevada rocha, cortada a pru
mo, e minada na baso pelas ondas do mar, a villa
da Ericeira domina o seu pequeno porto, e uma
extensão iaimensa de oceano. E formado o seu por
to por um reconcavo quasi circular, todo guarne
cido de rochedos, que vão diminuindo em gran
deza até deixar aberta uma estreita garganta, por
pnde entra o mar e as embarcações n/csta peque-
II

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1 1
5 2

a
— 157

nissima bahia. A estreiteza d'esta barra, só acces-


sivel paia embarcações costeiras de pequeno lote,
e a força com que ahi rebentam as vagas, fazem
difficil a entrada.
Da povoação desce para o porto uma calçada,
sustentada do lado do mar por uma grossa mura
lha. O porto é frequentado por uns cem barcosdc
pesca, e de cabotagem, que são os principacs ra
mos de industria em que se emprega a maioria dos
habitantes da villa. Por conseguinte, não só é abas
tecida de muita variedade de peixe, mas faz d'este
genero grande commercio para o interior. Os pes
cadores da Ericeira são ousados cemprehendedo-
H
res. Não se limitam a pescar ao longo das costas
da Estremadura, demandam tambem as costas de
Marrocos, e já tcem feito modernamente varias ex-
pedições aos bancos da Terra Nova.
Da muita quantidade de ouriços, que ha em toda r" i
aquella costa, tira o seu nome a villa da Ericeira,
que em tempos antigos se chamava Oyriceira. Pelo
mesmo motivo tem por brasão d' armas um ouriço
no meio do escudo. s .
E' singular esta villa pelo extremo aceio das ruas
c casas, que, sem excepção, resplandecem de al í5
vura. Tem uma unica parochia, da invocação de S.
Pedro, que foi reedifícada no seculo passado, con
K,
correndo para esse lim el-rci D. João vcoin avul
tada esmola.
A casa da misericordia, fundada em 1678 par
Francisco Lopes Franco, tem bons rendimentos com
f:
que provo ás despezas do seu hospital, e a mais
soccorros á pobreza. Ha na villa varias ermidas,
c algumas boas casas. Na estação dos banhos de
mar concorrem ahi bastantes familias do interior
da provincia, c tambem algumas de Lisboa. •a
Sobranceiro á calçada, que conduz ao porto, ha.
um forte construido no reinado de D. Pedro n. Ao
presente acha-se desartilhado, mas em bom esta
do de conservação.
s
Um chafariz, chamado a Fonte do Cabo, que se
gundo uma inscripção que n'elleha de lettras go-
thicas, foi feito em 1457, fornece agua abundan-
go-
ndan- idan-

3
— 158-
temente para toda a povoaçãe, que se eleva a umas
duas mil e oitocentas almas.
As cercanias da Ericeira são muito aridas, e des
providas de arvoredo, como todos os terrenos pro
ximos da costa n'esta provincia da Estremadura.
A principal cuHura consiste cm ccreacs c batatas.
A 2» de Julho faz-sc nesta villa uma feira de
tres dias.

t '" , -:
— li»—

A VILLA D'ESTREMOZ.

Na parte mais amena da provincia do Alemte-


jo acha-se a villa dEstremoz, edifícada na raiz e
encosta de um monte, a que faz coroa um anti
go castello. Está distante de Villa Viçosa duas le
guas ameia para ooccideute, eseis de Évora para
o nordeste.
El-rei D. AlTonso nt, querendo aproveitar esta
forte posição para defensa da fronteira do Alem-
tejo, da qualnão dista muito, fundou nomaisallo
do monte um castello, correndo o anno de 1238.
Segundo os costumes do tempo nãonardaram os ha
bitantes indefesos daquellas cercanias a vir pro
curai' o abrigo da fortaleza, contra as continuas
carrerias dos moiros.
Começaram poisa construir casas pelo dorso do
monte, que pelo tempo adiante se foram estenden
do até ás faldas, ed'ahi pela visinha planicie. Tal
foi a origem, ao que parece, da villa de Estremoz.
Quanto a etymologia do seu nome, ha duas opi
niões : uma que a deriva da circunstancia de se
achara povoação pouao distante do extremo da pro
vincia ; outra que quer que provenha dos muitos
tremoceiros, que vestiam o monte, quando n'elle
principiaram as edilicações.
Em favord'esta ultima opinião vem o brasãode f:
armas da villa, que tem no meio do escudo uma
planta de tremoços.
O mesmo rei D. Affonso \íi, achando-se a po 1*1
voação já auginenuda, deu-lhe privilegios eguaes
aos de Santarem. El-rei D. Manuel concedeu-lhe
o foral de villa no anno de 4512.
Estremoz distinguiu-sc nas guerras da indepen
dencia com a Hespanha. As obras de fortificação,
que a constituiiam em praça de guerra, começa
ram logo depoisda restauração de 1640. Ao prin
cipio estas obras foram frageis, mas passados pou
cos anr.ns (izeram-se com solide?.' esegirndo os pre- ri u-
ts pou- pou-
i os pie- ! pre-

J. J
0 bi.t,-
— 160 —
-ceitos da arte, ficando a villa cingida com dez ba
luartes, tres meios baluartes, e um redente, fora
os revelins e mais obras exteriores. Reparou-se o
antigo castello, que passou a sera cidadela da pra
ça, c sobre um monte visinho, padrasto do que
serve de assento á villa, construiu-seum forte com
quatro baluartes, e sobre outro um pouco mais
distante edificou-se um reducto, chamado de San
ta Barbara.
Nas proximidades de Estremoz está o sitio de
Montes Claros, celebre pela assignalada victoria,
que os portuguezes, conunandados pelo marquez
de Marialva e pelo marechal de Schomberg, ahi
ganharam aos hespanhoes no anno de 1665.
O castello de Estremoz é notavel em a nossa
historia por tef servido de residencia a el-rei D.
Diniz, á rainha Santa Isabel, sua mulher, que n'elle
falleccu, e a ei-rei D. Pedro i, que tambem ahi aca
bou os seus dias. Da sala, onde expirou a rainha
santa, fez-me mais tarde uma ermida, que ainda
existe com a invocação de Santa Isabel. Até aoco»
meço d'este seculo conservava-se n'este castello um
museu de armas antigas muito rico c curioso, e
que era o unico, que havia no reino depois que o
terremoto de 1755 destruiu os paços da Ribeira
em Lisboa, onde se via um grande armazem cheio
de armas de differentes eras. ínfelizmente poroc-
rasião da invasão franceza foi o museu d' Estremoz
despojado de todas as suas armas.
Consta a villa de tres paroebias : Santa Maria
do Caftello, que é a matriz, Santo Andrò, e S.
Thiago. Tem casa de misericordia e hospital, e um
mosteiro de freiras da ordem de Malta, da invo
cação de S. João Baptista, o unico d'esta ordem,
que ha no reino, fundado em 1563 pelo infante
D. Luiz, filho d'el-rei D. Manuel. Havia outr'ora
quatro conventos de frades dentro da villa, e um
nos arrabaldes, cujos edificiosainda existem. Eram
aquclles : o de S. Francisco, edificado por D. Af-
fonso iii ; o de S. João de Deus ; o dos frades agos
tinhos ;c o dos congregados de S. Fihppe Nerv.
O que fira «xtra-muros era de capuchos da pro
^161 —
vincia da Piedade; e foi construido em1G62. Além
dos edificios religiosos mencionados, ha na villa va
rias ermidas.
A mais bella parte de Estremoz é a que está edi
ficada na planicie. Tem ahi um vasto largo, ou pra
ça, cercado de boa casaria, e dos edificios dos extin-
ctos conventos, com um chafariz de oito bicas, e um
grande tanque quadrado, e dois mais pequenos.
Tem o seu quartel em Estremoz o regimento de
lanceiros n.° l. A população fixadavilia anda por
seis mil e seiscentas almas. Em 25 de Julho e a
30 de Novembro fazem-seahi duas feiras annuaes
de bastante commercio.
Os suburbios de Estremoz são muito apraziveis
e de grande fertilidade. Ha ifelles abundancia de
agua, que rega muitas hortas e pomares. O ter
mo produz azeite, céreaes, e outros fruetos, e en
cerra preciosos marmores. O braoeo é o que ser
ve para todas as eonstrucroes da vjlla. Tambem con
tém excellente barro de que ali se fabrica muita
variedade de obras, que são apreciadas no reino
e forad'elle.
No antigo regimen gosava esta villa de voto em
cortes com assento no banco terceiro. O seu bra
são d'armns é como sevo na estampa, sendo verde
o trémocciro, o campo vermelho, o sol de oiro,
e a lua de prata.
Eram alcaides-móres de Estremoz os duques de
Cadaval. ' .

•i -. . . .

31
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ir ■'. . : 102 —

A CIDADE DEVORA.

Évora, a capital da rica provincia do Alemtejo,


é uma das mais antigas cidades do reino, e como
tal a sua origem é desconhecida, ou peio menos
muito duvidosa.
Alguns autores attribuem a sua fundação aos
celtas iberos, outros aos tartesios andaluzes. Car
valho, na sua Corographia'portugueza, diz que foi
fundada pelos eburones, ou eburonices, antigos po
voadores da península hespanica, 2059 annos antes
do nascimento de Christo, pondo-lhe o nome de
Ebora.
O que se pode ter por verdade é que já existia
anteriormente ao dominio dos romanos. Durante
a porfiosa lueta, que os lusitanos sustentaram em
defensa da sua independencia, foi Évora a princi
pal residencia dos dois grandes capitães, Viriato
e Sertorio, que em épocas diversas conseguiram por
seu heroico esforço impedir o passo, c levar de ven
cida os poderosos conquistadores, que assoberba
vam o mundo.
Ao segundo d'estesheroes deveu a cidade devo
ra muita prosperidade e importancia, e bel los mo
numentos, alguns dos quaes, atravessando tantos se
culos, nos faliam ainda hoje do illustrado gover
no de Sertorio, da sua grandeza e gloriosas em
presas.
No seu tempo ainda a cidade se denominava Ebo
ra ; porém depois, tendo-se curvado toda a Lusi
tania ao jugo de Roma, tomou Ebora o nome de
Liberalitas Julia em cominemoração da visita que
lhe fez Julio Cesar, e dos favores que lhe conce
deu, elevando-a á cathegoria de municipio roma
no, e dando aos seus habitantes os mesmos privi
legios, que desfruetava a cidade de Roma.
Os barbaros, que destruiram o imperio dos Ce
sares, invadiram e subjeitaram tambem a Lusita
nia, onde se civilisaram, e conservaram, princi-
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— 163 —

palmente os visigodos, pelo espaço de duzentos an-


nos. Do dominio destes passou Evora para o dos
moiros, que se assenhorearam da peninsula no co
meço do seculo oitavo.
No fim de quatrocentos ecincoenta e am annos,
que tanto durou este novocaptiveiro, foi resgata
da a cidade d'Evora em 1166 pelo esforço temera
rio deGiraldoGiraldes, que adquiriu por este glo
rioso íeito o cognome de Sem pavor.
Giraldooraum cavalleiroda corte d'el-rei D. Af-
fouso Henriques, que por certo crime, que comntet-
tera, andava fugido e perseguido pela justiça. Para
se rchabilitar, e obter o sen perdão, resolveu com
outros mais companheiros nas mesmas circunstan
cias tomar aos moiros por surpresa a cidade devo
ra, o que alcançou era uma noite, começando por
trepar á torre da atalaia, onde surprehendeu c ma
tou o moiro vigia e sua filha. Em memoria d'esta
acção, que D. Affonso Henriques recompensou ge
nerosamente, tomou a cidade por brasão d'armas
um escudo coroado, e n'elle em campo azul a fi
gura de Giraldo, montado em um cavallo, empu
nhando a espada na mão direita, ecom a esquer
da segurando pelos cabellos as cabeças dos dois vi
gias.
Quasi todos os nossos reis ato D. Sebastrão tive
ram por vezes a sua corte em Évora, pelo que esta ci
dade foi theatro de muitos suecessos importantes.
Em diversos reinados ahi se reuniram em cortes
os tres estados do reino. Entre as festas, que ahi se
fizeram, por occasião de consorcios reaes, foram
mui celebradas pelo seu apparato e magnificencia
as do casamento do principe D. Affonso, filho uni
co de el-rei D. João ii, coma infanta D Isabel, fi
lha de Fernando e Isabel, reis de Castella.
Em 20 de Junho de 1483 foi justiçado na pra
ça principal da cidade o infeliz duque de Bragança,
D. Fernando n, aceusado de conspiração contra el-
rei D. João ii, que era seu cunhado.
Nas guerras da restauração de 1640 foi sitiada
c tomada pelo exercito hespanhol commandado por
D. João d'Austria, correndo o anno de 1663. Pou-

— 164 —
co depois foi recuperada por D. Sancho Manuícl
de. Vilhena, conde de Villa Flor. :- i.'l
A cidade d' Évora está edificada no centro da pro
vincia do Alemtejo, e por todos os lados rodeada
de dilatadissimas planicies,, . . i /.
Tres vezes foi esta cidade fortificada. A primei
ra por Sertorio, que a. cercou de muros, com va
rias torres e cinco portas, cuja obra se demoliu no
reinado de D. Fernando i. A segunda porD. Af-
fonso. iv, D; Pedro i, e H; Fernando i, que cons
truiram uma mais larga cerca de muralhais, que
ainda existem bem conservadas, com maior nume
ro de torres, e dez portas. A terceira nos reina
dos de D. Affonso vi e D. Pedro u, que princi
piaram c adiantaram um plano de fortificações, que
se não chegou a concluir, e que devia constar de
doze baluartes, edois meios baluartes, ligados na
maior parte do sea recinto aos muros de que aca
bámos de fallar. >. M .1
Presentemente tem a cidade sete portas, chama
das da Lagoa, de Avis, de Mendo Esteves, da Pie-
dade, do Rocio, do Reimondo, e de Alconchel. As
outras tres perdeu-as com a edificação de dois con
ventos, e de um baluarte.
No centro da cidade eleva-se um pouco o ter
reno com mui doce. subida. Sobre essa pequena
altura está situada a sé. Foi fundada esta cathe-
dral pelo bispo D. Paio no anno de 1186; egas-
taram-se dezoito annos na sua construcção; E''um
grande templo de architectura gothica, com cento
e noventa e tres palmos de comprimento, oitenta
enove de largura, e peptoe quinze de altura; di
vidido em tres naves, e contendo vinte capellas.
Em 1721 foi demolida por ser pequena a antiga
capella-mór, oomeçando-se então a actual pelo ris
co de Ludovice, architecto do palacio de Mafra.
Toda construida de finos marmores, e ornada de
excellentes esculpturas, é sem duvida uma das obras
piais sumptuosas, que n'este genero ha em Por
tugal. ,. i /
O primeiro bispo de Évora foi S. Manços, dis
cípulo dos apostolos, no anno d'6 da era de Cnris
— 165 —
to. Tendo perdido a cidade a sua cadeira episco
pal pela invasao dos moiros, recuperou-a logo que
foi resgatada do poder dos infieis, dando-lhe D*
AíTonso Henriques por bispo a D. Soeiro. Em 1540,
por morte do cardeal infante D. ARonso, ultimo
bispo d'Evora,- foi elevadaesta-mitra á dignidade
archiepiscapul, sendo o seu primeiro arcebispo o
cardeal infante D. Henrique^ depois rei.
As- rendas d'esta sé clevavam-se no principio do
seculo passado a cento c quarenta mil cruzados.
Pegado á sé estão palácio archiepiscopal, e con
tiguo a este o edificio da bibliotheca publica e mu
seu. . - .-, .;..' , ' .' . . ' . -•, ) ' .,.;, . ..j , . :
Além dafroguezia da sé, ha nacidade mais qua
tro parocbias, que,;são; S. Pedro, que foi egreja
de templarios, e posternrmente reedificada ; a de
Santiago ; a de Santo Antão,, edifícada na praga
principal da cidade em 4508 pelo cardeal infante
D. Henrique, a qual è um bom templo de tres na
ves ;e a de S. Maníede. -i.iN .>
A egreja da misericordia foi fundada em 1533,
bem como o seu hospital.
Contava Évora, antes da extincção das ordens
religiosas em 1833, vinte e dois conventos ecol-
legios, dentro da cidade, e proximo dos seus mu
ros. Dos de frades são dignos de menção, pelas
suas magnifícas egrejas que se conservam em bom
estado os seguintes: odeS. Francisco, cujo vas
tissimo templo de uma só nave, e sem columnas,
que sustentem a sua singular abobada, foi cons
truido nos reinados de eí-rei D. João h e de el-
rei l). Manuel ; o de Nossa Senhora da Graça,, do
religiosos agosiinhos, fundado por el-rei D. João
m no principio do seu governo; o de Ara Cceli,
de religiosos cartuchos, edilicadoem 1598 pelo ar
cebispo D. Theotonio de Bragança .; o de Nossa Se
nhora do Espinheiro, de monges de S. Jcronymo,
começado em 1452 e concluido em 1558; eocol-
legio do Espirito Santo, de jesuitas, obra do car
deal rei.
Os conventos de fieiras são oito : o de Santa He-
lcaa, de religiosas capuchas, fundado pela iafau
— 166 —
ta D. Maria, filha de el-reiD. Manuel ; ode San
ta Clara, de franciscanas, levantado em 1458; o
de Santa Catharina, de dominicas, edificado cm
1547; odoSalvador, de franciscanas, fundado em
1605; o de Nossa Senhora do Paraiso, de domi
nicas, construido em 1516; odeS. Thoreza, fei
to em 1681 ; o de S. Bento, de bernardas, cuja
primeira fundação teve logar em 1169 ;eo do Me
nino Jesus, de agostinhas, edificado em 1380.
Iriamos muito além dos limites, que nos impõe
a organisação desta jornal, se mencionassemos lo
dos os edificios religiosos, que Évora possite. Bas
tará pois dizer, que além dos já referidos, conta
muitos recolhimentos, confrarias, e ermidas. Ain
da -existe o palacio da antiga inquisição, hoje pro
priedade particular.
A' frente dos seus estabelecimentos de caridade
figuram a casa pia, fundada em 1836, o hospital
da misericordia, eo celleiro para emprestimos aos
lavradores pobres, chamado Monte de Piedade, ins
tituido pelo cardeal infante D. Henrique em 1576.
Este mesmo principe honrou a cidade d'Evora
com uma universidade, que foi a segunda que hou
ve no reino, e á erecção da qual muito se oppoz
a de Coimbra.
Nenhuma cidade de Portugal mostra, como esta,
tantos vestigios da sua antiguidade e passadas gran
dezas. O aquedueto, chamado da Prata, com os
seus dois elegantes pavilhões, ou mães d'agua;
o templo de Diana, ornado de um formoso ves
tibulo de columnascorinthias de marmore branco;
O palacio de Sertorio, hoje oceupado pelas freiras
do Salvador, edo qual ainda restam algumas par
tes, apezar das rcedificações posteriores; uma das
portas c parte de uma torre da cerca da cidade,
mandada fazer por Sertorio, são, além de varias
inscripções c cippos, os padrões, que commemo-
ram a prosperidade e importancia dÉvora no tem
po dos romanos.
Os restos do palacio real com suas formosas ja-
nellas gothicas, junto ao convento de S. Francis
co, e no fundo de um espaçoso terreiro, obra dos reis
CD
— 167— •
D. João ti e D. Manuel ; o antiquissimo palacio
acastellado dos duques do Cadaval, eos de outras
antigas casas titulares, mais ou menos bem con
servados, attestam o esplendor d'Evora nas epo
cas em que foi corte de nossos reis, e principal
residencia de muitas das mais nobres familias de
Portugal.
Evora é sede das diversas autoridades e repar
tições, que competem á capital de um districto.
Possuo um lyceu nacional, um seminario arcni-
episcopal, uma bibiiotheca publica, um museu de
antiguidades, achacas pela maior parte em escava
ções nos arredores da cidade, dois theatros, onde
representam companhias volantes, e uma casa d'as-
semblea. 0 regimento de cavallaria n.° 5 tem o
seu quartel n'esta cidade, cujo edificio é talvez o
mais bello e vasto d'entre todos os quarteis mili
tares do reino. . :n,:'
Não ha na cidade nrnhuma praça regular ; po
rém a maior praça é hastantemente grande e tem
alguns bons edificios. Na extremidade da praça,
fazendo frente á egreja de Santo Antão, fica a
casa da camara ca cadêa, edificadas no reinado de
D. Affonso v. As outras praças são pequenas. O
Rocio é fora dos muros da cidade, e junto á porta do
mesmo nome. E' um grande campo, sem mais edi
ficações do que tun chafariz. Tem uma alameda de
arvores plantadas modernamente, que offerece um
agradavel passeio, porém pouco concorrido. E' aqui
que se fazem as feiras annuaes a 21 de Junho, e
a 12 d'Outubro. Esta é só de gados, e muito con
corrida; porém aquella e a de Vizeu são as duas
mais importantes de todo o reino.
Proximo do Rocio, e junto ás muralhas, da parte
de fora, está a horta dos soldados com seus arvo
redos, tanques, e flores. E' um bonito passeio, com
vista desafogada para os lados de Beja, mas pouco
frequentado.
A cidade é bem abastecida de agua pelo aque-
duets da Prata, que alimenta varios chafarizes no
interior d3 povoação, e por outras fontes que estão
fora dos muros.
— 168 —
Os arrabaldes d' Évora não s5o formosos. Em tor
no das muralhas ha varias hortas, cmais distante,
espalhadas aqui eali, vêem-se algumas quintas ar-
borisadas, mas poucos e pequenas. Tudo o mais
são campos de trigo, perfeitamente planos. Só ao
longe se avistam montes, olivaes e frondosos ar
voredos dos montados.
Os mercados da cidade são abundantemente for
necidos de fruetas, c de todo o genero de criação
e caça, que lhe vem de diíferentes terras, eaté
da Beira. O termo cujos terrenos são de extraor
dinaria fertilidade, produz muitos cereaes, azeite,
e algum vinho. Cria-se n'elle grande quantidade de
gados de diversas especies, que constituem, junta
mente com as lãs, um dos mais importantes ramos
do seu commercio.
Évora gosava no antigo regimen de voto em cor
tes, sentando-se os seus procuradores no primeiro
banco. A sua população excede hoje, talvez, a dez
mil almas. Nos tempos em que foi corte tinha mais
do dobro. .'.' ... . -

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169 —

A CIDADE DE FARO.

No tempo da dominação romana existia na parte


meridional da Lusitania, então chamada Celtica, e
hoje Algarve, a cidade de Ossonoba, de origem an
tiquissima, e que floreceu por muitos seculos, lo
grando nas primeiras eras do christianismo a pre-
rogativa de sede episcopal. Na invasão dos moiros
foi inteiramente arruinada, e os seus moradores ou
foram captivos para terras d'Africa, ou buscaram re
fugio nas serras de Monchique e Caldeirão.
Passados annos, subjeita quasi toda a peninsula
hespanica ao jugo sarraceno, começaram alguns po
bres pescadores a edificar varias casas em um sitio
a legua e meia para o occidente da destruida cida
de de Ossonoba, "decujas ruinas tiravam os materiaes
precisos. As edificações foram augmentando, e os
foragidos habitantes d'aquella cidade vieram pouco
a pouco estabetecer-se na nova povoação. Tal foi o
principio da cidade de Faro.
Quanto á etymologia do seu nome ha differentes
opiniões. A que parece mais provavel é a que a faz
derivar de um pbarol, que ahi se erigiu para guia dos
nautas, que frequentavam aquelle porto, o que de
veria ser muito posterior á fundação da cidade, por
que esta se chamou no seu principio de Santa Maria .
Em 1249 veiuel-rei D. Affonso iii em pessoa por
corcoa Faro. A cidade achava-seentão bem fortificada,
e abastecida de tudo o necessario pela facilidade com
que recebia soccorros d'Africa. Accommetida porém
ao mesmo tempo por terra e por mar, rendeu-se em-
tim aos portuguezes ; mas ficou em tal estado de
ruina, que a maior parte dos seus habitantes viu-se
obrigada a a bandona 1-a .
Passados quasi dezesete annos, no de 1266,achan-
do-se já o reino inteiramente desaffrontado de moi
ros, cuidou D. Affonso iii em reeditícal-a e povoat-a
de novo, para o que lhe deu foral com muitos pri
vilcgios, que lhe attrahissem moradores.
22
— 170 —
El-rei D. João n fez doação de Faro á rainha D.
Leonor, sua mulher, e d'ahi em diante ficou sendo
apanagio das rainhas de Portugal.
As vantagens commerciaes, que o seu porto lhe
proporcionava, fizeram engrandecer tanto a povoa
ção, que el-rei D. João m elevou-a á cathegoriade
cidade, e no anuo de 1580, reinando ainda o car
deal rei D. Henrique, foi trasladada para Faro a ca
deira episcopal de Silves, então occupada pelo sa
bio e virtuoso bispo, D. Jeronymo Osorio, não me
nos celebre pelo seu patriotismo e elevação de ca
racter.
Achando-se Portugal subjugado por Filippe u de
Castella, surgiu na costa do Algarve em Julho de
1596 uma esquadra ingleza. Em seguida as tropas,
que trazia a seu bordo, fizeram um desembarque,
e entraram á força d'armas na cidade de Faro no dia
25 do dito mez, tornando a embarcar depois de te
rem saqueado e incendiado a povoação.
Esta catastrophe deixou a cidade no mais triste
estado de ruina e miseria. O fogo devorou a maior
parte dos seus edificios. Dos templos só escaparam
ao incendio a parochia de S. Pedro, e a egreja da
misericordia. A rica livraria do bispo D. Jeronymo
Osorio foi levada pelos inglezes para a sua univer
sidade de Oxford.
Passado pouco mais de seculo e meio veiu nma
nova desgraça affligir esta povoação. O terremoto do
1." de Novembro de 1755, queabysmou Lisboa, es
tendeu a todo o Algarve a sua terrivel influencia,
causando graves estragos á cidade de Faro, que já
no anno de 1729 havia padecido bastante nos edi
ficios e nas vidas dos seus moradores pelos deplora -
raveis effeitos de outro grande tremor.
Acha-se situada a cidade de Faro em uma pla
nicie arenosa na margem esquerda de um pequeno rio
ou esteiro, que, communicando com o oceano a dis
tancia de legua e meia, forma -lhe um porto acces-
sivel a barcos de navegação costeira, e a navios de
duzentas toneladas. Dista doze leguas da cidade de
Lagos, oito de Silves, e cinco de Tavira.
Divide-se Faro em duas parochias : a sé, e S. Pe-
— 174 —

dro. E' a primeira um templo muito antigo de tres


naves quadradas, sustentadas por columnas de or
dem jonica. Ha na cidade casa e hospital da miseri
cordia, fundada aquella pelos annos de 1583, eeste
no seculo passado ; a egreja de S. Luiz, e varias er
midas. Teve tres conventos de frades, que eram—o de
S. Francisco, de religiosos franciscanos, construido
em 1529 ; o de Santo Antonio dos Capuchos, de pie
dosos, erigido em 1620; e o collegio da companhia de
Jesus, edificado em 1602. De freiras teve um só
convento, intitulado de Santa Clara, de religiosas
capuchas, fundação da rainha D. Catharina, mu
lher d'el-rei D. João m, em 1527, hoje extincto.
Os principaes edificios da cidade, além d'estes, são :
o paço do bispo, contiguo á sé ; o seminario episco
pal, que se communica com o paço ; e a casa da
camara, proxima de ambos.
Faro apresenta um aspecto agradavel pela alvura
e aceio das casas. Tem ruas espaçosas e em geral
limpas, e uma grande praça de forma rectangular,
cujo lado do sul deita para o rio, onde tem um caes
e barbacã. No lado de leste d'esta praça eleva-se
um formoso arco de cantaria, ornado de cotumnas
jonicas, e coroado por uma bella estatua deS. Tho-
maz de Aquino, feita em Italia, de marmore branco,
e com oito palmos de altura. Este elegante monu
mento foi mandado fazer pelo bispo do Algarve D.
Francisco Gomes de Avellar, na segunda metade do
seculo passado, sendo o desenho do architecto Fran
cisco Xavier Fabri. N'esta praça faz -se todos os dias
mercado de hortaliças, fruetas, etc.
Faro é praça de guerra. Foi começada a fortifi
car com redentes para o lado do mar, e com al
guns baluartes para a parte de terra, nos fins do se
culo xvii. Da fortificação antiga ainda conserva o
seu velho castello, e muralhas torreadas. Dentro do
castello ha bons quarteis, onde permanece um regi
mento de infanteria.
E' residencia de um general, commandante da oi
tava divisão militar, de um governador civil, e mais
autoridades que competem á capital de um distncto.
Possue um lyceu, alfandega, o um theatro.
— 172-
Nos suburbios ha alguns sitios apraziveis O da
ermida de Santo Antonio do Alto, que é uma pe
quena elevação proxima da cidade, offerece lindas e
variadas perspectivas. O grande banco d'areia, a
que chamam a Ilha, que, juntamente com outros
menores, divide a barra em dois canaes, um deno
minado a barra grande, e outro a barreta, é um
logar de agradavel passeio pela sua pittoresca situa
ção, e pela vista da cidade.
O termo de Faro é fertil, e bem cultivado. Pro
duz alguns cereaes, azeite, vinho, e muitos figos,
amendoas, e alfarroba, constituindo estes tres ulti
mos generos o ramo mais importante da sua agricultu
ra, edoseucommercio de exportação, a que se deve
acerescentar o das pescarias.
Fazem-se na cidade as seguintes feiras: a 16 de
Julho ; a 20 de Outubro; e a 10 de Julho em Es-
toy, no logar onde existiu a antiga Ossonoba.
Faro conta uns sete mil c oitocentos habitantes.
No antigo regimen gosava de voto em cortes, tendo
os seus procuradores assento no banco terceiro. Tem
por brasão d'armas um escudo coroado, e nelle a
imagem de Nossa Senhora da Conceição entre duas
torres.
— 173

A VILLA DE FERREIRA.
Na provincia do Alemtejo, ires leguas ao occi-
dente da cidade de Beja, tem seu assento a villa
de Ferreira em logar um pouco mais elevado, que
os terrenos circumvisinhos, que são inteiramente
planos.
Segundo a tradição, foi no tempo dos romanos
uma cidade com o nome de Singa, na qual se fez
celebre uma matrona, defendendo valorosamente
a porta do castello da mesma cidade por occa-
sião da invasão dos godos e suevos. Em memoria
d'este feito dizem, que tomara esta povoação por
armas a figura de uma mulher com dois malhos
nas mãos; brasão que a villa actual adoptou como
prova da sua antiguidade. No principio do seculo
passado ainda se viam junto á villa, para o lado
do nascente, restos de edificios em uma extensão
de meia legua.
A cidade de Singa, se com efieito ah existiu,
perdeu-se como muitas outras na entrada dos ara
bes. Do começo da villa de Ferreira não encontra
mos noticias. O seu foral de villa foi-lhe dado por
el-rei D. Manuel em 5 de Março de 1517.
Sobre um monte ao nascente da villa vê-se o seu
antigo castello, cercado de muros combarbacã, c
nove torres.
Ferreira tem uma só parochia dedicada a Nossa
Senhora d'Assumpção, e conta perto de dois mil
habitantes.
Cortam e regam os seus suburbios as ribeiras de
Valdouro e de Safrins, a primeira distante da villa
um quarto de legua, e a segunda meia legua. Tra
zem algum peixe, principalmente pardelhasebor-
dalos, que são muito estimados n'aquelles sitios.
O termo produz bastante azeite , algum vinho e
fruetas, porém a sua maior producção consiste em
trigo. Abunda tambem em caça miuda.
A 16 de Setembro faz-se n'cst« villa uma feira
bastante concorrida.
TTÍ74-

A VILLA DE FREIXO DESPADAÁ CINTA.

Esta villa está edificada na provincia de Tras-


os-Montes, a uma legua de distancia do rio Douro,
que ahi divide Portugal deHespanha. Distada vil
la da Torre de Moncorvo cinco leguas para sueste.
A epoca da fundação da villa, a ctymologia do
seu nome, e a origem do seu brasão d'armas é tu
do materia duvidosa. João de Barros nas suas An
tiguidades de Entre Douro e Minho dá-\he por fun
dador um fidalgo do appellido Feijão, primo de S.
Rosendo, que morreu no anno de 977 ; e d:z que
por este fidalgo trazer por armas uns freixos e uma
espada, ficaram o freixo e espada por nome e ar
mas á villa.
Se se der credito, porém, á tradição, foi um ca
pitão godo, chamado Espadacinta, que, chegando
áquelle sitio cansado de uma batalha, edeitando-
se á sombra de um grande freixo, que ali havia,
deu á arvore o nome de Freixo d'Espadacinta. Es
te nome passou á povoação, que pouco depois se
começou a edificar ; a qual em memoria do caso,
tomou por armas um freixo e uma espada em cam
po vermelho.
No principio do seculo passado existia junto à
egreja matriz um freixo colossal, cercado de as
sentos, que não sabemos se ainda se conserva, e
que os habitantes tiiham em grande estima como
sendo o proprio d'aquella lenda.
Deixando estas noticias incertas, e vindo a epo
cas mais conhecidas , diremos que nos primeiros
tempos da monarchia padeceu muito esta villa com
as guerras de Castella. Nas dissenções, que houve
entre el-rei D. Affonso n e suas irmãs, entrando
os leonezes no reino em favor das infantas, foi a
villa por elles roubada e assolada. No reinado se
guinte, de D. Sancho n, veiu por-lhe cêrco o in
fante í). Affonso, filho de D.Fernando m de Cas
tella. IVesta vez-resistiu valorosamente ao inimi
go, que não conseguiu entral-a.
1
— 175 —
Deu-lhe foral de villa el-rei D. Manuel; e ti
nha voto nas antigas cortes com assento no banco
decimo.
Tem uma só parochia , cujo templo dizem ser
obra de el-rei D. Diniz. Attribue-se ao mesmo mo-
narcha a fundação do seu castello , que se ergue
sobre um oiteiro contiguo á povoação.
Ha na villa umas dez ermidas, e doze fontes de
má agua. A população anda por mil e trezentos ha
bitantes. As principaes producções do termo são:
azeite, cereaes, vinho, e poucas fructas. Cria po
rém bastante gado. Tambem tem creação de bichos
de seda, que outr'ora constituiu um ramo muito
importante da sua industria, exportando para todo
o reino muita variedade de manufacturas de seda,
principalmente tafetás e meias. Hoje, como a maior
parte das povoações de Tras-os-Montes, acha-se em
muita decadencia pela falta de boas communica-
ções.

- 1


176 —

UlLLi\ DE FRONTEIRA.

Na provincia doAlemtejo, a quatro leguas norte


da villa d'Estremoz, e cinco este da de Aviz, acha-
se situada a villa de Fronteira em logar alto, mas
plano.
A primeira fundação d'esta villa foi no seculo
xm, sobre um oiteiro visinho, chamado mais tar
de Villa Velha. Parece que foi seu fundador D.
Fernando Rodrigues Monteiro, quarto mestre da
ordem de S. Bento de Aviz.
No seculo seguinte, por estar a povoação arrui
nada com as guerras dos moiros, ou poroutras ra
zões, dizem que el-rei D. Diniz a mudara para o
sitio em que se acha, começando a denominar-se
Fronteira por ficar defronte da outra, que se aban
donou.
Ha outra opinião, que pretende que este nome
lhe veiu da circunstancia de ser edifícada mesmo
na fronteira das terras ainda então occupadas por
moiros ; o que só se pode referir á fundação pri
mitiva.
Deu-lhe foral el-rei D.Manuel em Julho de 1512;
e entre as suas prerogativas tinha a de gozar de vo
to em cortes, sentando-se os seus procuradores no
banco decimo-segundo. O seu brasão d'armas con
siste simplesmente em um escudo de prata , sem
mais divisa.
Como documento da sua antiguidade ainda pos-
sue um velho castello, que se attribue a el-rei D.
Diniz. Tinha uma cerca de muralhas com sete tor
res, hoje em grande parte destruida.
Consta a povoação de uma só parochia, da in
vocação de Nossa Senhora da Atalaya, titulo que
lhe foi posto pela rainha Santa Isabel. Tem casa
da misericordia, hospital, e varias ermidas; eteve
um convento de Santo Antonio dos Capuchos da
provincia da Piedade.
Nos suburbios d'esta villa, em um sitio chama
do a Cerejeira, que fica no valle da Amoreira, des-
Afa
— 177 —
cobriram-se em principios do seculo passado algu
mas peças de oiro de muito peso e valor, que se
reputaram romanas. Por esse tempo viam-se n'es-
se sitio vestigios de edificios antigos.
Tambem não longe de Fronteira deu-se a cele
bre batalha dos Atoleiros , em que o condestavel
D. Nuno Alvares Pereira derrotou completamente
os castelhanos.
O termo de Fronteira é de muita fertilidade. Cor-
ta-o a ribeira d'Aviz, ou Zeta, que passa a um quar
to de legua da villa. Tem muitos e excellentes mon
tados, onde se cria bastante gado. Produz muito
trigo e azeite, algum vinho e fructas. E' abundan
te de caça.
Fronteira conta uns mil oitocentos e quarenta
habitantes. El-rei D. Pedro n creou marquez de
Fronteira o segundo conde da Torre, D. João Mas
carenhas. O representante d'esta illustre casa é
hoje o setimo marquez.

23
178 —

À CIDADE DO FUNCHAL.

A ilha da Madeira, c as de Porto Santa e De


sertas, estão situadas no Atlantico, distante duzen
tas leguas da costa d'Africa. A primeira foi desco
berta em. 2 de Julho de 1419 por João Gonsalves
Zargo, enviado pelo illustie infante D. Henrique
ao descobrimento de novas terras e novos mares.
Dos bosques frondosos, que os portuguezes ah i acha
ram, proveiu o seu nome de ilha da Madeira. Tem
de comprimento umas quarenta e quatro milhas,
e de largura quatorze a quinze.
A cidade do Funchal é a capital da ilha da Ma
deira. Teve principio poucos tempos depois da des
coberta, e por esforço do proprio Zargo, a quem
el-rei D. João i fizera doação do districto do Fun
chal, um dos dois em que a mesma ilha logo foi di
vidida.
No anno de 1451 deu el-rei D. Affonso v foral
de villa á nova povoação, que tomou o nome do si
tio em que foi fundada, ao qual pelo muito fun
cho, que n'elle havia, denominavam o Funchat.
Crescendo com rapidez a povoação pelo desin-
volvimeuto da industria agricola em terrenos de
tão grande fertilidade, como são aquelles, e espe
cialmente pela cultura da canna d'assucar e da vi
nha, introduzidas ali pelos patrioticos desvelos do
immortal infante D. Henrique, no anno de 1508
elevou-a el-rei D. -Manuel ácathegoria de cidade.
Passados seis annos foi erigida em sede episcopal
por sollicitação do mesmo monarcha ; e no reinado
de D. João ih, correndo o anno de 1537, creou-a
metropolitana o papa Clemente vn, assignando-
Ihe por suffragancos os bispados d'Angra, de Cabo
Verde, de S. Thomé, que abrangia Angola e Con
go, e o de Goa, que se estendia pela lndia orien
tal. Os arcebispos do Funchal intitulavam-se en-
tã# primazes das Índias.
Não lhe durou muito, porém, tão emioentepre-
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— 179 —
rogativa. Em breve se engrandeceram os estados
portuguezes da lndia. Goa foi elevada á dignida
de archiepiscopal, primaz do Oriente, e o Funchal
perdeu a jurisdicção metropolitana, ficando outra
vez sede episcopal suffraganea do arcebispado, de
pois patriarchado de Lisboa.
Está edificada a cidade do Funchal na costa me
ridional da ilha, parte assentada em um valle de
licioso, e parte subindo pelo dorso de um monte,
que tem por coroa o castello do Pico.
Defendem-Ihe o porto os fortes da Pontinha, de
S. Lazaro, de Fontes ou S. João, de S. Lourenço,
da Alfandega, deS. Filippe, de Santiago, de Lou
res, e o castello Nheo, fundado sobre um grande
rochedo no meio do mar, o qual serve de registro
do porto. Este é formado pelos cabos Grajãoe Pon
ta da Cruz. Os navios fundêamahi em perfeita se
gurança com todos os ventos, excepto os dos qua
drantes desde o sudoeste até ao sueste pelo sul.
Estende-se a cidacre ao longo da bahia, e desde
o mar até meia encosta do monte do castello do
Pico, pelo que offerece um lindo panorama aquem
a contempla de bordo de algum navio.
Divide-se a cidade em quatro parochias. A sé
é um vasto templo dearchitectura gothica, funda
do por el-rei D. Manuel. E' notavel pelos excel-
lentes marmores, que lhe vestem as paredes in
teriormente, pelas pinturas que o ornam, e pelos
tectos das suas dez capellas fabricados de cedro
com muito primor, principalmente o da capella-
mór.
Tem o Funchal dois conventos de freiras, e teve
tres de religiosos, um de jesuitas, outro de carme
litas cujos templos são ainda dos melhores da ci
dade, e o ultimo de franciscanos, notavel pela capei-
la dos ossos, construida de caveiras e ossos.
Os principaes edificios, além dos mencionados,
são: o palacio do governo, opaço episcopal, o se
minario, o quartel militar de S. João, a alfande
ga, o hospital real, o theatro, que é excellente, e
o hospicio da princ«za Amelia, fundado por sua
magestade imperial a duqueza de Bragança, em me
— 180— -
moria de sua augusta filha, para receber doentes
pobres, atacados de molestias pulmonares.
As praças ou largos são poucos e irregulares, e
as ruas em geral estreitas, einais ou menos ingre
mes, porém limpas. As casas são aceiadas inte
riormente, e sempre muito caiadas pela parte de
fora. Muitas ahi ha de construcção elegante.
Quasi no centro da cidade ha um passeio plan
tado de arvores e plantas indigenas e exoticas.
Os suburbios do Funchal são afamados pela sua
muita formosura e amenidade. Os pomares, as hor
tas, e vinhas, que vestem as collinas; os bosques
que cobrem os valles ; as arvores e plantas dos tro
picos, que por toda a parte crescem apar das da
Europa, ostentando a mais pomposa vegetação ; ri
beiros de purissimas aguas despenhando-se de cima
das rochas, ou correndo mansamente nas planicies ;
lindas casas de campo alvejando por entre tantos
verdores; altas serranias encaixilhando tão for
mosos paineis ; tal é em resumido esboço o aspec
to encantador dos arrabaldes do Funchal.
D'entre as muitas e apraziveis quintas, que os
adornam, mencionaremos como mais bellas e gran
diosas a do Palheiro do Ferreiro, situada em uma
eminencia a uma legua da cidade, e pertencente
ao senhor conde de Carvalhal, e a do Jardim da
Serra, fundada em um valle assim chamado, a duas
leguas e meia para o noroeste do Funchal, e pro
priedade do senhor Veitch, subdito britanico.
As producções do paiz são muitas e mui varia
das, pois que ali se dão perfeitamente bem as da
Europa e as dos tropicos. O apreço em que são ti
dos os seus vinhos, fez com que durante muitos
annos fosse esta a sua principal cultura, chegan
do no anno de 1813 a recolher-se em toda a ilha
vinte e duas mil trezentas e quatorze pipas. Af-
fectada esta producçào pelo oidium, que a aniquilou
quasi inteiramente , arrancando os proprietarios
uma boa parte das vinhas, começou a introduzir-se
de novo a cultura da canna deassucar.
Os outros productos agricolas são : cereaes, ba
tata doce, e commum, inhame, fructas das nossas
— 181 —
e do Brazil, avultando bastante a castanha. Cria
algum gado, principalmente lanigero.
O clima temperadissimo que se gosa no Funchal
em todas as estações do anno, faz a sua residen
cia muito saudarei, e proficua para molcstias de
peito ; por cuja razão é a cidade frequentada por
muitos nacionaes do continente, e por grande nu
mero de estrangeiros, que ahi vão passaro inver
no, além dos muitos inglezes, que n'ella residem
todo o anno.
O commercio está decadente desde que diminuiu
a producção do vinho. Todavia no porto do Fun
chal ainda entram annualmente uns trezentos na
vios.
No Funchal trabalha-se primorosamente em ren
das, bordados, flores de pennas, e em muita va
riedade de artefactos delicadissimos.
A população da cidade passa de vinte mil al
mas.
— 182 —

A VILIA DE GARVÃ6.

E' esta uma villa pequena, mas muito antiga.


A sua origem éduvidosa, attribuindo-a alguns au
tores aos moiros, e outros aos cavalleiros de San
tiago, logo no principio da monarchia. Osprimei-
ros adduzem como argumento o seu nome de Gar-
vão, que dizem ser de procedencia arabica. Os se
gundos fundam a sua opinião na circunstancia de
lhe ter sido dado o seu primeiro foral de villa pe
lo mestre de Santiago, D. Paio Peres Corrêa, no
meiado do seculo xm. E' porém indubitavel, que
na infancia da monarchia já era povoação impor
tante, pois gosava da prerogativa de enviar pro
curadores ás cortes, os quaes tinham assento no
banco decimo quarto.
El-rei D. Manuel reformou-lhe o foral em 10 de
Julho de 1512, dando-lhe novos e maiores privi
legios, talvez por se achar decadente. Outr'ora con
tou muitos mais moradores do que os que ao pre
sente tem, que não chegam a novecentos.
Está situada na provincia do Alemtejo, a duas
leguas para oeste da villa de Ourique, e junto á
estrada real, que communica com o Algarve.
Tem uma só parochia. intitulada de Nossa Senho
ra da Assumpção. Os seus principaes edificios e es
tabelecimentos reduzem-se á casa de misericordia,
hospital, casa da camara, e ermidas do Espirito
Santo, de S. Pedro, e de S. Sebastião.
O termo é muito fertil ; produz abundancia de
cereaes, legumes, efructas; e cria-se n'elle muito
gado, especialmente suino, bem como varias espe
cies de caça.
A 10 de Maio tem uma feira annual de tres dias.
O brasão d'armas d'esta villa é um escudo com
uma arvore verde em campo de prata, e na parte
superior duas cruzes de purpura da ordem de San
tiago.
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— 183

AVILLADAGOLEGÃ.

No meio de campinas dilatadissimas, proximo


do Tejo, está asseutada a villa da Golegã em ter
reno tão plano, que este rio nas suas inundações
invade uma boa parte da povoação, cercando-a
por tal modo, que só em barcos se pode sair d'el-
la. Fica a quatro leguas sudoeste de Santarem,
o uma sul de Torres Novas.
Teve principio esta villa em uma estalagem, que
ahi estabeleceu uma mulher, natural da Gailiza,
por ser um ponto muito frequentado de viajantes,
principalmente dos que transitavam de Santarem
para Thomar e Coimbra.
Com o tempo forara-se edificando algumas ca
sas junto a estalagem. A fertilidade do terreno foi
attrahindo novos povoadores, e assim veiu a for-
mar-se uma villa, onde annos antes era um de
serto.
Não encontramos memoria da epoca em que se
fundou a estalagens mas deveria ser em tempos
muito antigos, por essa mesma falta de noticias,
e porque no seculo xv já existia a povoação
Como geralmente chamavam á estalagem a venda
da Gallega, passou este nome para a povoação, que
denominaram villa da Gallega, que com o andar
do tempo se corrompeu no de villa da Golegã. Mas
a sua origem está commemorada no seu brasão
d'armas, que consiste em um escudo verde, allu-
dindo ã fertilidade dos- campos, e no meio d'elle
uma figura de mulher, com uma infusa na mão.
Situada sobre a antiga estrada real, que ligava
Lisboa ás provincias do norte do reino, a Golegã
prosperou muito até ao reinado de D. Maria i,
em que se abriu a nova estrada real por Leiria e
Pombal.
Então começou a decair, como suecedeu a San
tarem e ás outras terras, a que a estrada velha
dava vida e animação. Comtudo a riqueza do solo
— 184 —
contrabalançou-lhe de algum modo os tristes ef-
feitos d'aquella mudança, que não se limitaram á
falta de concorrencia de passageiros, antes também
d'elles resultou a ruina immediata da abandonada
estrada. O desinvolvimento, que tem tido a agri
cultura entre nós de 1833 para cá, tem feito sen
tir ali o seu benefico influxo. Avilla tem augmen-
tado em edificios, industria, e riqueza.
A Golegã conta perto de tres mil habitantes, e
uma unica parechia, intitulada de Nossa Senhora
da Conceição, a qual foi fundada por el-iei D.
Manuel. Tem casa de misericordia, as ermidas do
Salvador, S. João, Santo Antonio, e S. Miguel.
Teve um convento de frades franciscanos. Ha na
villa muitas casas de boa apparencia, e algumas
que podem chamar-se bellas residencias, pois que
ahi se encontram muitas familias nobres, e opu
lentos lavradores.
Lavoira de cereaes em grande escala, extensos
olivaes, muitas vinhas, e dilatados prados, onde
se criam gados de variada especie, constituem os
principaes elementos da sua industria agricola.
Está no seu termo a quinta da Cardiga, junto
do Tejo, que foi dos freires de Christo do con
vento de Thomar, e hoje pertence ao senhor Al
meida Lima. É uma das maiores propriedades que
ha em Portugal, e tambem uma d'aquellas onde
melhor se executam as boas praticas e novos pro
cessos da agricultura. É um estabelecimento agri
cola a todos os respeitos muito importante e com
pleto, que pode ser visitado, sem vergonha do
paiz, por qualquer estrangeiro. Foi comprada ao
estado em 1834 por Domingos José d'Almeida Li
ma, pae do actual possuidor, pela quantia de du
zentos contos, se nos não falha a memoria.
No mesmo termo ha ainda outras quintas mui
to grandes, como a da Labruja, que foi dos jesui
tas, a dos Alemos, a do Paul, etc.
Em Novembro tem a Golegã a sua feira annual,
que é das mais importantes do reino. Começa no
dia 11 e dura oito dias. É mui grande a concor
rencia de gente, de generos, e de gado, não só do
paiz, mas egualmente de Hespanha.
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— 183 —

A VILLA DE GOUVEA.

Na provincia da Beira, cinco leguas oeste da ci


dade da Guarda, está edificada a villa deGouvêa
na falda Occidental da serra da Estrella, mas em
logar um pouco elevado.
E' muito anterior à fundação da monarebia, e
como tal tem a sua origem involvida em fabulas,
ou pelo menos muito duvidosa. O autor da Coro-
graphia Portugueza diz, que foi povoada pelos tur-
dulos quinhentos e oitenta annos antes do nasci*
mento de Christo, e que estes lhe chamavam Gau*
ve, d' onde se derivou por corrupção o nome de Gou-
, vêa.
Tendo-se curvado com as mais terras da Lusi
tania 'ao jugo dos moiros, no seculo viu, foi con
quistada em 1038 por D. Fernando Magno, roide-
Leão e Castella. No meio das continuas guerras,
travadas entre os campeões da cruz e os lilhos de v
Agar, arruinou-se completamente; en'este estado «.
se achava no anno de 1186, em que o nosso rei D.
Sancho i a mandou reedificar, coneedendo-lhe mui
tos foros e privilegios, com o fim de the attrahir
moradores.
No tempo da usurpação de Castella el-rei D.
Filippe hi fez marquez deGouvêa a D. Manriquc
da Silva, conde de Portalegre. Desde então tomou
a villa por seu brasão as armas dos Silvas, que
são: em campo de prata um leão de purpura ar
mado de azul, e por timbre o mesmo leão.
São duas as parochias da villa, S. Pedro, e S.
Julião.. Tem casa de misericordia, hospital, cinco
ermidas, e o edificio do extincto convento do Es
pirito Santo, que foi de frades franciscanos.
Pelo meio da povoação passa uma pequena ri
beira, que nasce nos montes visinhos. Os arra
baldes são muito accidentados e pittorescos. O
termo é de grande producção, como todos os ter
renos visinhos da serra da Estrella. Recolhe ce
24
— 186 —
reaes, vinho, azeite, e fructas, e como abunda
em magnificas pastagens, a creação de gado é ahi
muito importante.
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— 187-

A VILLA DE GRÂNDOLA.

D. Jorge d'Alencastre, duque de Coimbra, e fi


lho legitimado d'el-rei D. João íí, era muito af-
feiçoado aos exercicios da caça. Um dos sitios, que
mais procurava para esta distracção, era a serra
de Grandola, nos limites da comarca de Setubal,
povoada de todo o genero de caça.
Para sua maior commodidade mandou edificar
um palacio nas faldas da serra, onde havia uma
pequena e pobre aldéa chamada o logar de Gran
dola. Assim que o duque viu acabado o palacio,
passou a viver n'elle uma boa parte do anno.
Achando-se em certo dia á janella a recrear os
olhos na malta de sobreiros e carvalhos, que lhe
fícava defronte, e mui visinha, um grande e sa-
nhudo javali, rompendo com furia o matto, per
seguido dos cães, veiu parar ao terreiro do pala
cio. O duque, mal viu a fera, bradou pelos cria
dos c vassallos, saltou as escadas d'um pulo, e
saiu a campo para montear o javali.
Faltou-lhe porém o, mais destro e ousado dos
seus monteiros, e a esta falta attribuiu D. Jorge
o desar de lhe escapar o animal. A extensão de
similhante desgosto só pode ser avaliada pelas
pessoas, que encontram na caça o maior prazer
da vida. Julgue-se por tanto da desesperação do
duque por não ter corrido á sua voz o monteiro,
que mais desejava ver ao pé de si. Todavia não
fora culpa do vassallo o não se achar ao lado do
seu real senhor, quando este precisou dos seus
serviços. Outros deveres imprescriptiveis o tinham
chamado a uma audiencia judicial na villa d'Al-
cacer do Sal, a cujo termo pertencia o logar de
Grandola.
Para evitar, pois, a repetição d'estes casos, im
petrou e alcançou D. Jorge d'el-rei D. João iii o
foro de villa para o seu logar de Grandola, o que
teve effeilo no anno de 1543.
— 188 —
Erapenhou-se desde então o duque de Coimbra
em augmentar e aformosear a humilde aldéa, que
de tudo necessitava para bem merecer a honra,
a que fora elevada. Com as immensas riquezas
de que dispunha, facil lhe foi dar grande impul
so á edificação de novas casas; à reconstrucção
da matriz, que apenas era uma pequena ermida ;
e a outras fabricas mais. Com os privilegios do
foral, que obtivera da munificencia regia ; com o
fausto com que vivia ; e com a autoridade e
consideração da sua pessoa, como principe e per
feito cavalheiro, que era, e como grã-mestre da
ordem de Santiago, tambem conseguiu sem muita
difficuldade ir attrahindo á sua villa numerosos
moradores de diversas classes da sociedade, en
trando n'esta conta algumas familias nobres e ri
cas, que ahi fundaram boas casas para sua resi
dencia.
Tal foi a origem da villa de Grandola, e por
taes razões é uma das terras do reino edificadas
com mais regularidade.
Está situada, como dissemos, nas faldas de uma
serra do mesmo nome, quasi nos limites da pro
vincia da Estremadura, e quatro leguas ao sul da
villa de Alcacer do Sal.
Compõe-se a povoação de cinco ruas bem ali
nhadas, e de varias travessas, que as cortam. No
centro está a matriz, que é a unica parochia, de
dicada a Nossa Senhora da Assumpção, a qual,
quando era simples ermida, tinha a invocação de
Nossa Senhora da Abendada.
Os templos de S. João Baptista, de S. Domin
gos, de S. Sebastião, e de S. Pedro, estão col lo
cados em quatro pontos oppostos, de modo que
formam uma cruz, ficando a matriz no meio
delia.
A egreja c hospital da misericordia acham-se
fundados em frente do antigo palacio do duque
de Coimbra, no sitio onde o javali rompeu do
matto para o terreiro.
No anno de 1679 fundou-sc n'esta villa um
cellciro commum, á maneira do de Evora, para
— 189 —
fazer emprestimos de trigo aos lavradores pobres,
recebendo depois na mesma especie o capital e
um modico juro.
Muitas vinhas, hortas, e olivaes; alguns cam
pos de trigo, e mais longe bosques de sobreiros e
carvalhos; o rio Davino com suas margens arbo-
risadas, e que passa junto da villa, indo desaguar
no Sado, depois de fazer trabalhar varias azenhas;
o Borbolegão, e outros mananciaes de purissimas
aguas; o proprio Sado, que corre não mui distan
te ; fazem as cercanias de Grandola muito produ-
ctivas, aprasiveis, e formosas.
Além dos fructos proprios das culturas, a que
nos referimos, acreação de gado, principalmente
suino, constitue ali uni ramo de grande commcr-
cio.
Grandola conta uns dois mil e duzentos habi
tantes ; e tem por armas um escudo com a cruz
da ordem de Cnristo, segundo dizem os autores,
que temos á vista, o que não se conforma muito
com a circunstancia de ter sido o fundador da vil
la um grã-mestre de Santiago, e de ter perten
cido a esta ordem a apresentação dos seus paro-
chos.
Fazem-se na villa algumas feiras annuaes.
Ha nas visinhanças de Grandola algumas curio
sidades, que devemos mencionar. O Borbolegão é
um olho d'agua, que nasce junto da villa, apre
sentando um diametro como o da roda de um car
ro. E' tal a violencia com que rebenta, que ex
pulsa qualquer corpo, que lhe lancem, por pesa
do que seja, arremeçando-o fora da agua. O fra
gor, que as aguas ahi fazem, assimilha-se ao do
ma'r embravecido, e ouve-se em distancia.
Este manancial forma um rio, que vae entrar
no oceano proximo da villa de Sines. Dois pon
tos tem no seu curso mui notaveis e dignos de
exame. Um, a que o povo chama a Diabroria, é
uma lagoa feita pelas aguas do Borbolegão, que
se despenha ao sair d'ella de uma alta penedia.
O outro, chamado a Ponte dos Ayvados, é uma das
mais bellas curiosidades naturaes, que se encon
— 190 —
tram em o nosso paiz. O rio, minando e gastan
do uma elevada rocha, que impedia a passagem
da sua furiosa corrente, formou ahi uma ponte na
tural, que a natureza foi vestindo de heras, c tão
ampla, que lhe passam carros por cima com com-
modidade e segurança. Os arvoredos das margens
do rio accrescentam muita belleza a este sitio pit-
toresco.
Outra curiosidade não menos digna de ser vi
sitada é a serra das Algares com as suas famosas
grutas. Começa esta serra a uma legua ao nascen
te da villa de Grandola, e vae correndo para les
te por mais uma legua até ao sitio chamado Cas-
tello Velho por causa de um antiquissimo castel-
lo arruinado, que ahi se vê. Está minada esta ser
ra na base, c em todo o seu comprimento com
extensas galerias por onde se pode transitar até
muita distancia.
Em diversas partes d'estas galerias se encon
tram profundos poços, que não deixam duvidar
de que tudo isto foi obra dos homens em tempos
mui remotos, dos romanos ou talvez dos pheni-
cios, para explorações mineralogicas.
Pela extensão e fabrica das galerias, e pela
quantidade e grandeza dos poços, vo-se que os
trabalhos da lavra d'estas minas foram executados
com muita pericia, edeve-se presumir qued'aqui
se tirou grande porção de metaes. Os terrenos
contiguos á serra para o lado do norte estão co
bertos de escumalho, provando assim que ali hou
ve fundição de metaes.
No principio do seculo passado, cavando-se á
entrada de uma d'estas minas, achou-se uma moe
da de prata romana.
No reinado d'el-rei D. João v foram estas minas
inspeccionadas por pessoas peritas, mandadas a
esse fim pelo governo. Segundo a opinião d'essas
pessoas extrahiram-se d'ellas muita quantidade
de ferro e prata.
Dá-se n'esta serra das Algares a singularidade
de serem potaveis e muito boas todas as aguas,
que brotam do seu seio pelo lado do sul, ao pas
— 191 —
so que nenhuma é potavel das que rebentam pe
lo lado do norte. Todas estas são impregnadas de
substancias, que lhe d5o diversos sabores, e que
imprimem differentes cores nas pedras e terra
por onde passam, obstando á vegetação nos ter
renos que humedecem. Ao que parece são dife
rentes qualidades de aguas mineraes, que muito
conviria que fossem examinadas por habeis chi-
micos.
— 402 —

A CIDADE DA GUARDA.

Quando todo o solo da peninsula era um cam


po de batalha, n'essa guerra porfiosa, que os cbris-
tãos travaram com os agarenos até os repulsarem
para Africa; mandou o nosso rei D. Sancho i, lo
go no começo do sçu reinado, construir uma tor
re em um logar eminente nas faldas do norte da
serra da Estrella. Não era uma fortaleza para sus
tentar combates, mas simplesmente uma atalaya,
d'onde se descobriam muitas terras de moiros, e
por conseguinte d'onde se podiam vigiar todos os
seus movimentos.
Como o sitio tivesse capacidade para mais vas
tas edificações , e el-rei D. Sancho reconhecesse
quanto convinha levantar ali um posto de guerra,
que impozesse respeito ao inimigo , tratou-se da
fundação cte um castello, c em seguida de uma ci
dade fortificada junto à fortaleza.
A 26 de Novembro de 1199 concedeu aquelle
^monarcha á nova povoação o foral de cidade com
muitos privilegios, dando-lhe o nome de Guarda,
em memoria da torre, que primeiro edificara. A
esta especie de torres dava-se indistinctamente o "
nome de atalayas ou guardas.
O mesmo soberano lhe alcançou a dignidade epis
copal por bulia do papa Paulo iii. Pelos annos de
1202 fez d'ella doação ao conde D. Fernando. Po
rém em Janeiro do anno seguinte achava-se já de
posse d'este senhorio, em recompensa de serviços,
Pedro Viegas de Tavares. El-rei D. Manuel fez du
que da Guarda a seu filho, o infante D. Fernando.
A alcaidaria-mór d'esta cidade andava na casa dos
condes de Sarzedas, tendo sido o primeiro alcai-
de-mór Pedro Paes de Mattos.
No antigo regimen gosava esta cidade da prero-
gativa de mandar procuradores ás cortes, os quaes
tomavam assento no banco segundo. Tem por bra
são d'armas um escudo coroado, e n'elle uma for-
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— 193 —
talcza de praia com tres torres em campo azul., ten
do na torre do meio o escudo real só com as qui
nas.
Está pois situada a cidade da Guarda nas faldas
da serra da Estretla para o lado do norte em terre
no plano, mas bastantemente elevado. Duas gran
des quebradas separam a cidade dos terrenos cir-
cumvisinhos. Pela do occidente, que forma um pro
fundo valle, corre o Mondego, que nasce perto d'alu
na serra , d'onde se precipita para o valle. Pela
outra quebrada passa o pequeno rioNocyme, que,
unindo-se depois ao Lamegal, vae juntar-se ao Loa.
Quasi nos"limites da provincia da Beira-Baixa,
dista seis leguas da fronteira de Hespanha, doze
da cidade de Castello-Brance, e cincoenta de Lis
boa.
Dividem-se os moradores por cinco parochias,
que são: a sé, S. Vicente, S. Pedro, Santiago, e
Nossa Senhora do Mercado. A sé, como todas as
cathedraes do reino, é dedicada a Nossa Senhora
da Assumpção. A primeira cgreja, que serviu de
sé foi começada porel-rei D. Sancho i, e conclui
da por D. Afionso ii, sendo consagiada a S. Gens.
Pequena e de mesquinha fabrica, como eram em
geral as construcções na infancia da monarchia,
embora procedessem de fundação real, não passa
ram muitos annos sem que se reconhecesse a ne
cessidade de edificar uma nova sé. Querendo-se
logar mais desafogado, deH-se principio à obra em
um espaçoso terreiro fora dos muros da cidade.
Acabou-se de edificar este segundo templo no rei
nado de D. Pedro i. Foi feito pelas rendas do bis
pado, e dizem que era grande e de boa architec-
tura. Infelizmente teve ainda mais curta existen
cia do que o primeiro ; pois que no seguinte rei
nado, durante as guerras encarniçadas, que reben
taram por vezes entre Portugal eCastelIa, o nosso
rei D. Fernando i mandou-o demolir afim de des-
affrontar as fortificações da cidade.
Em vão requereram os bispos no resto do go
verno d'este soberano, que lhes mandasse cons
truir dentro da cidade outra sé. As suas justas
25
— 194 —
queixas só vieram a ser attendidas d'abi a bastan
tes annos, reinando já havia muitos D. João i,
que alfim determinou começar a obra segundo a
planta, que enviou. Correram as obras tom lar
gas interrupções, ora por impulso real, ora por
conta da mitra pelo espaço de mais de um secu
lo, até que se lhe poz ó ultimo remate no tempo
d'elrei D. João in.
E' uma das mais vastas e sumptuosas cathe-
draes de Portugal. E' de bella architecturí gothi-
ca, exteriormente construida de boa pedra, e no
interior ornada de marmores, eobra de talha doi
rada de muito primor.
Os outros edificios principaes da cidade são: o
paço do bispo ; a egreja e hospital da misericor
dia ; o seminario episcopal, fundado em 1595 pe
lo bispo D. Nuno de Noronha, filho dos condes
de Odemira ; o extincto convento de frades fran
ciscanos, levantado em 1217; outra de religiosas
da mesma ordem, fundação muito posterior ; e oi
to ermidas.
Das antigas fortificações existem as muralhas
da cidade com seis portas e varias torres, e na
parte mais alta da povoação o velho castello.
Desfructa esta cidade um clima muito saudavel,
posto que no inverno excessivamente frio pela
muita neve, que ahicae, e de que se cobre a serra
visinha. Mas em compensação numerosas nascen
tes de mui boas e fresquissimas aguas abastecem
abundantemente a cidade, e regam todo o seu ter
mo, fazendo-o muito fertil em milho, centeio, le
gumes, hortaliças, fruetas, e algum vinho. Porém
as suas pastagens, que são magnificas, e onde se
cria grande quantidade de excellente gado de di
versas especies, constituenvo principal ramo da
sua industria agricola. L' muito importante o seu
commercio de exportação de gados, lãs, queijos, e
manteiga.
Tem tido ali notavel desinvolvimcnto a cultu
ra da amoreira, pelo que tem augmentado e pros
perado muito acreação do bicho da seda, e fiação
d'este produeto, em que as mulheres se empre
gara quasi exclusivamente.
— 193 —

A população da Guarda pouco passa de quatro


mil habitantes. A 25 de Junho tem uuia feira an-
nual mui concorrida.
A serra daEstrella, povoada de muita diversi
dade de caça, e com as suas celebradas lagoas,
vistosas cascatas, grutas e rochedos singulares, faz
mui curiosas e pittorescas as cercanias da cidade
da Guarda.

'
— 196 —

A CIDADE DE GUIMARÃES.

Se dermos credito aos nossos antiquarios a ori


gem de Guimarães quasi que se perde na escuridão
dos tempos. Alguns dão-lhepor fundadores os gal-
los celtas, e como se isto não bastasse para sua
nobreza, ainda ha quem lheattribua um principio
mais remoto. Deixando porém estas noticias meio
fabulosas e destituidas de bons fundamentos, dire
mos comtudo que a sua primeira fundação é an
terior alguns seculos á monarchia, e que teve por
assento a pequena eminencia visinha, onde vemos
o castello.
Começou a actual povoação junto a um mostei
ro, que a condessa Mumadona, tia de D. Ramiro
ii, rei de Leão, edificou em o anno de 927.
Apenas concluida a fabrica do mosteiro, que em
relação ao tempo era uma obra grandiosa, no qual
se accommodaram monges e freiras, vivendo com
bastante largueza pelas avultadas doações que a
fundadora lhes fizera, foram-se construindo em
torno do convento algumas casas para habitação
de pessoas dependentes d'elle. Cresceram pouco a
pouco estas edificações, mudando-se para este si
tio os moradores da antiga viila Vimaranense, que
assim veiu a despovoar-se e aarruinar-se de todo,
restando hoje poucos vestigios d'ella.
Para defesa do mosteiro, aonde Mumadona se
recolhera depois de viuva, e do burgo, que já con
tava bom numero de habitantes, mandou a condes
sa fundar a pouca distancia do mosteiro, no sitio
em que outr'ora se erguia a villa velha, um forte
castello, cercado de altas muralhas, e flanqueado
de sete torres. N'este venerando castello, que ain
da se levanta magestosamente sobre throno de ro
chedos, veiu no fim do seculo seguinte assentara
sua corte D. Henrique de Borgonha, conde de Por
tugal pelo seu casamento com D. Tareja, filha do
D. Affonso 6.°, rei de Leão e de Castella.
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— 197 —
Ahi, dentro do recinto d'essas toscas muralhas,
que seriam hoje estreito espaço para residencia
d'um simptes governador, nasceu e creou-se o ven
cedor d'Ourique, o primeiro rei dos portuguezes.
O mosteiro da condessa Mumadona, santuario
consagrado à Virgem sob a invocação de Nossa
Senhora da Oliveira, e venerado em todo o reino
pelo milagre que deu origem á invocação, tornou-
se mais tarde n'essa real collegiada. que desfructa
honras quasi de sé.
Deu foral á nova villa o conde D. Henrique,
conservando-lhc o mesmo nome da antiga, que se
chamava Vimarães. Parece que a etymologia d'a-
quelle nome eram as duas palavras latinas — Via
maris, que se viam esculpidas n'uma pedra em
uma torre da villa velha, que na edificação do cas-
tello ficou em o centro servindo de torre de mena
gem. Esta inscripção, sem duvida do tempo da do
minação romana, indicava que a estrada, que por
ali passava, conduzia à costa do mar. Da inscri
pção pois proveiu á terra o nome de Vimaranes,
ou Vimarães, que ao diante se corrompeu no de
Guimarães. Pela mesma razão se denominava quin
ta de Vimarães a propriedade em que Mumadona
erigiu o seu mosteiro.
Por morte do conde D. Henrique continuou seu
filho, o principe D. Affonso Henriques, a residir
em Guimarães, aonde o veiu cercar no anno de
1130 seu primo D. Affonso vii, rei de Leão eCas-
tella, por aquelle se querer eximir de lhe render
vassallagem. Foi este cêrco, que deu logar á me
moravel acção de D. Egas Moniz, em que este tão
esforçado cavalleiro, quão dedicado aio do joven
principe, tendo conseguido de D. Affonso vn o
levantamento do sitio sob promessas, que ao de
pois se não cumpriram, apresentou-se em Toledo,
perante o monarcha castelhano, com sua mulher
e filhos, todos vestidos d'alva e com baraço ao
pescoço, offerecendo assim a sua vida e a de sua
familia pela palavra não cumprida. Affonso vn
souhe corresponder com generoso perdão a tama
nho rasgo de tealdade e nobreza de caracter, tanto
— 198-
mais digno de admiração por ser praticado em
uma epoca, em que os proprios principes faziam
ostentação de falta de cumprimento das suas mais
solemnes promessas.
As gloriosas empresas de D. Affonso Henriques
contra os sarracenos, dilatando d'anno para anno
os limites da nascente monarchia, fizeram perder
á villa de Guimarães a prerogativa de corte, que
se mudou com grande prejuizo seu para a cidade
de Coimbra, mais central em relação ás novas con
quistas, que se tinham estendido pela Extremadu-
ra e Alemtejo até ao Algarve. Porém do que a vil
la perdeu com a saida da corte não tardou a ser
compensada com a grande affluencia de peregrinos
e romeiros, que, vendo-se desaffrontados do maior
perigo das correrias dos moiros, vinham de longes
terras venerar a sagrada e milagrosa imagem de
Nossa Senhora da Oliveira.
N'esses primeiros seculos da monarchia, em que
as guerras absorviam todas as attenções, e em que
as armas constituiam, por assim dizer, o unico exer
cicio nobre e honroso, a villa de Guimarães en-
grandecia-se á sombra do santuario, cujos mila
gres eccoavam de um a outro extremo do reino,
vindo aqui estabelecer-se muitas familias nobres,
e varias ordens religiosas. E quando Portugal, já
grande e temido pelas suas victorias e conquistas,
começou a colher os fructosda paz, prosperou en
tão Guimarães pelo podei oso impulso da indus
tria. Porém a separação do Brazil, para onde ex
portava a maior parte dos seus produetos fabris,
occasionou-lhe a progressiva decadencia do seu
commercio e da sua industria manufactora.
Nas discordias que rebentaram entre el-rei D.
Diniz e seu filho, o principe D. Affonso, e na lu-
cta travada para a independencia do paiz, entre o
mestre d'Aviz e D. João ide Castella, padeceu Gui
marães coreos e combates. As pestes, queflagella-
ram Portugal no seculo xvi, dizimaram-lhe gran
de parte da sua população.
No antigo regimen gosava de voto em cortes
com assento no banco terceiro. A imagem da Vir
— 199
gem tendo nos braços o Menino Jesus, que empu
nha na mão esquerda um ramo de oliveira, em
campo de prata, constitue o brasão d'armas da an
tiga villa de Guimarães, ha pouco elevada á ca-
thegoria de cidade.
Está situada Guimarães na provincia do Minho,
em terreno um tanto alto, proximo das faldas da
serra de Santa Calharina. Dista do Porto oito le
guas para o norte, e tres de Braga para o nas
cente.
Tem as seguintes parochias : a collegiada de Nos
sa Senhora da Oliveira; S. Miguel do castello; ■j
S. Sebastião; S. Paio; e Santiago. A primeira,
cuja fundação primitiva pertence á condessa Mu-
madona, como acima dissemos, foi erigida em ca- f-eC
pella real pelo conde D. Henrique, deixando en
tão de ser mosteiro. D. Affonso Henriques e os reis - s
seus suecossores concederam-lhe muitas honras e £ i
bens, e alcançaram-lhe do papa grandes privile
gios, com os quaes veiu a ser uma das mais ricas .1 -■-

o insignes collegiadas do reino. Compõe-se o ca


bido de varias dignidades e conegos, presididos
por um prelado, que se inti tuia dom prior de Gui
marães.
O templo da condessa Mumadona durou com pou
cas alterações, até ao reinado del-rei D. João i,
que o fez demolir pelo seu estado de ruina, man
dando construir o que hoje existe, o qual oscone- < ."5
gosinodernamente deturparam, mascarando-lhe com
estuques e doiraduras suas venerandas e gothicas
feições.
Todavia ainda conserva muitas antigualhas de
alto apreço historico e artistico. Em frente das pri
meiras poremos a pia em que S. Giraldo, arcebis
po de Braga, baptisou a D. Affonso Henriques, e -3
o oratorio de prata de D. João 1 de Castella, toma
do na batalha d'AIjubarrota por D. João i de Por
tugal, que logo o offereceu com outros despojosde
tão grande victoria a Nossa Senhora da Oliveira.
Entre as segundas figuram muitos e riquissimos va
sos e alfaias, que compõem o precioso thesouro
d'aquella insigne collegiada.
A imagem de Nossa Senhora da Oliveira émui-

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— 200 —

to antiga, e conforme a tradição trouxe-a á Lusi


tania o apostolo Santiago.
Em frente da egreja er,gue-se um curioso monu
mento, obra do reinado de Affonso iv. E' um cru
zeiro de pedra com varias imagens c ornatos de
alto e baixo relevo, e collocado no centro de qua
tro arcos gothicos, que sustentam a abobada que o
cobre, tudo de pedra. Proximo vo-se uma oliveira,
cercada de grades de ferro, que recorda o milagre
de Nossa Senhora, e que consistiu, segundo a len
da, em que uma oliveira, que para ali se transplan
tara em tempos remotos, seccando-se logo depois,
reverdeceu assim que por cila passou a dita ima
gem da Virgem.
A egreja de S. Miguel do Castello era a matriz
da villa velha. Está edificada perto do castello. E'
um pequeno templo de mesquinha arclulectura, que
mostra mui grande antiguidade. N'elle é que foi
baptisado o nosso primeiro rei. A pia, que serviu
n'esta solemnidade foi transportada para a egreja
de Nossa Senhora da Oliveira em 1664.
A egreja de Santiago, reconstruida em tempos
modernos, dizem que foraoutr'ora um templo gen
tilico dedicado a Ceres. Os antiquarios fundamen
tam esta opinião com uma inscripção que ahi se
achou, quando se procedeu á reedificação da egreja.
Guimarães possue muitos outros templos. eca-
pellas, conventos, eestsbelecimentos de caridade.
Mencionaremos apenas os mais importantes. A
egreja da misericordia foi fundada em 1585. Nos
sa Senhora da Consolação, templo moderno de boa
architectura, está edificado em um sitio aprasivcl,
cercado d'arvores, em um extremo da cidade. A
egreja de S. Damaso foi erigida em 1641 em me
moria d'este santo pontifice, natural de Guimarães.
O convento de S. Domingos, da extincta ordem
dos pregadores, foi fundado em 1397, e depois
í reedificado. O convento de S. Francisco, de reli
giosos franciscanos, teve começo em 1290. O con
vento de Santo Antonio, de frades capuchos, foi
construido em 1644. Os templos d'cstes conventos
acham-se em bom estado, e consagrados ao culto.
— 201 —

Os conventos de freiras de Santa Clara, feito em


1561; de Santa Rosa, fundado em 1080; de Ca
puchas, erigido em 1681 ; o de Santa Thcreza,
construido em 1685, ainda estão ao presente ha
bitados. Os hospitaes da misericordia, de Santo
Antonio dos Capuchos, e dos terceiros de S. Do
mingos e de S. Francisco são bem administrados.
Os dois ultimos podem-se contar entre osmelho-
res estabelecimentos d'este genero, que ha no paiz.
Contiguos aos seus edificios teem os terceiros dois
templos, em que se fazem as festas com bastante
luzimento.
• Guimarães tem varios terreiros e praças, das
quaes a principal por sua extensão e certa regu
laridade é a praça do Toural. E' ornada nas ex
tremidades com um esbelto chafariz feito em 1588,
e com um bonito cruzeiro levantado em 1650. As
ruas pela maior parte são estreitas, tortuosas, mal
calçadas e pouco limpas, mas véem-scn'ellas mui
tas casas nobres de boa apparencia. A casada ca
mara, situada na praça em que está o templo de
Nossa Senhora da Oliveira, é obra d'el-rei D. Ma
nuel, cujas armas e esphera armilar avultam na
frente do edificio.
Possue esta cidade um theatro construido regu
larmente, denominado de D. Affonso Henriques.
Além dos monumentos d'antiguidade já referi
dos, encerra os seguintes tambem apreciaveis : va
rias torres e alguns lanços da sua cêrca de mura
lhas, estes fabricados por el-rei D. Diniz eporD.
Affonso iv, e aquellas por D. João i: o vasto pa
lacio dos duques de Bragança, principiado no se
culo xv por D. Affonso primeiroduque de Bragança,
onde se admiram duas grandes e formosas janellas
gothicas, que pertenciam á capella. N'este paço
residiram por vezes alguns principes e princezas
d'esta familia. Hoje está parte em ruinas, e'parte
servindo de quartel ao batalhão de caçadores n.°
6. Infelizmente o vandalismo, que tantos monu
mentos historicos tem destruido em o nosso paiz,
arrasou até aos alicerces as mais bellas torres,
26
— 202 —

que o mestre d'Aviz edificou para defesa das por


tas de Guimarães.
Abastecem a cidade muitas fontes de excellente
agua, e de todos os generos necessarios á vidafor-
nece-a um mercado todos os sabbados, que é sem
duvida o mais importante mercado semanal de
todo o reino, ao qual concorrem de muitas leguas
em redor muitos gados, aves, cereaes, fruetas,
loiças, diversas qualidades de tecidos de lã, seda,
linho, e algodão, ferragens ete. Nos primeiros
dias d'Agosto tem uma feira annual, porém insi
gnificante.
Guimarães não tem passeio publico propriamen
te dito; porém o jardim dos terceiros de S. Do
mingos e o Campo da Feira são dois Iogares de
recreio muito aprasiveis. Este ultimo tem a pri
mazia pela sua pittoresca situação, que cuma das
saidas da cidade ; pelo ribeiro que o corta ; pela
sua formosa ponte, guarnecida de estatuas, as
sentos, e arvores; e pela collina arborisada em
que se ergue a esbelta cgreja de Nossa Senhora
da Consolação.
Os suburbios são encantadores. Em nossa opi
nião nenhuma outra cidade de Portugal os possue
mais bellos. Os palacios dos senhores condes de
Arrochela e de Villa Pouca com os seus jardins
em terrados, dispostos como em throno ; ocastel-
lo do conde D. Henrique, vestido de heras, e cer
cado d'arvores; o mosteiro da Costa, da extincta
ordem de S. Jeronymo, rico de memorias da rai
nha D. Mafalda, e de D. Antonio, prior do Crato,
sentado magestosamente a meia encosta de um
monte, todo coberto de arvoredos, entre os quaes
se admira um carvalho colossal, que conta mais
de sete seculos; a serra de Santa Catharina com
seus bosques frondosos, cascatas e grutas ; o ri
beiro Celho junto á cidade, e o Ave um pouco
mais distante, com suas viçosas e sombreadas mar
gens, formam variadissimos quadros, qual d'elles
mais delicioso.
O termo é de grande fertilidade pela muita
abundancia d'aguas, que por todo ellc rebentam c
— 203 —

se cruzam. Produz muitos cereaes, especialmente


milho, boa quantidade de legumes, de vinho, li
nho, algum azeite ete. Tem optimas pastagens em
que se cria muito gado.
A população de Guimarães ascende a sete mil e
trezentos habitantes, grande parte dos quaes se
empregam po fabrico das ferragens, e dos tecidos
de linho, e nos cortumes de coiros.
Guimarães finalmente conta entre os seus fifhos
muitos santos que honram o martyrologio, c mui
tos homens illustres nas armas, nas sciencias, e
nas artes.
— 204 —

AVILLADEIDASHAANOVA.

Na provincia da Beira Baixa, cinco leguas a este


da cidade de Castello Branco, está assentada Ida
nha a Nova em terreno alto e accidentado.
Apezar do seu cognome, a sua origem anda li
gada ao principio da monarchia. Um forte castel
lo, que o mestre do Templo, D. GaldimPaes, edi-
licou n'esse logar, correndo o anno de 1187, foi o
nucleo de uma povoação, que pouco a pouco se
foi agglomerando junto ás muralhas da fortaleza,
e que mais tarde constituiu uma villa, a queel-rei
D. Manuel deu foral.
Chamou-se Idanha a Nova. em memoria de uma
cidade antiquissima, sua visinha, que tendo flore-
cido com o nome de Egiditania no tempo dos ro
manos, que a fizeram municipio, e no (Tos godos,
em que foi sede episcopal, se adiava despovoada,
caida cm ruinas, c convertida em uma pobre al
dea apenas decorada com o titulo de villa. Falía
mos da villa de Idanha a Velha , situada a pouco
mais de duas leguas oeste de Idanha a Nova. Os
seus habitantes, que subiam a alguns milhares,
quando era cidade, mal chegam hoje a duzentos.
Todavia, mau grado das injurias do tempo, e das
devastações dos homens, ainda mostra muitos ves
tigios das passadas grandezas da Egiditania dos ro
manos, c ainda conserva como recordação do do
minio dos godos e da sua extincta jerarchia eccle-
siastica a velha cathedral, de tres naves sustenta
das em columnas, c agora simplesmente parochia.
A villa de Idanha a Nova consta de uma sófre-
guezia, que comprehende uns mil e trezentos mo
radores. Tem casa da misericordia, um hospital,
e sete ermidas, c nos suburbios está o edificio do
extincto convento de Santo Antonio, de frades pie
dosos, fundado em 1630.
E' cercada de muros, que o rio Ponsul banha.
Tem boas pontes de pedra sobre este rio, c sobro

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— 505 —

a ribeira de Alpreada. O termo produz ecreaes,


legumes, algum azeite e vinho, muitogadoe caça.
O seu brasão d'armas é a espheta armilar dVl-rei
D. Manuel. A 13 de Dezembro faz-seabi uma feira
de tres dias.
— 200 —

A VILLA DE JIROHENIM.

E' esta villa uma das nossas praças d'armas da


fronteira do Alemtéjo. Está edificada junto á mar
gem direita do Guadiana, sobre um oiteiro escar
pado para o lado do rio, e guarnecido em torno
com obras de fortificação. Dista da cidade d'Elvas
tres leguas para o sudoeste e seis de Estremoz para
o sueste.
Se houvermos de dar credito a alguns escri-
ptores, que entre nós se tcem dedicado ás antigui
dades do paiz, Juromcnha teve por fundadores os
gallos celtas, e Julio Cesar cercou-a de muros, dan-
do-lhe o nome de Julii-memia, depois corrupto em
Juromenha.
Partindo porém de tempos mais conhecidos di
remos, que el-rei D. Diniz, achando-a em grande
ruina, e falta de moradores, mandou-a reedificar e
povoar no anno de 1312. Um antigo castello, que
ahi havia, obra romana, conforme uns, emoirisca,
segundo outros, foi tambem reparado pelo mesmo
soberano. Por esta occasião concedeu D. Diniz mui
tos privilegios a Juromenha, com o fim de attra-
hir ali novos habitantes.
Não sabemos de que epoca data o seu brasão
d'armas;mas suppomos que lhe foi dado n'aquel-
le reinado. Consiste em um escudo de prata com
um castello cercado de agua, pendendo d'elle dois
grilhões. O castello e a agua são allusões á villa
fortificada, e ao rio que a banha. Os dois grilhões
significam um antigo privilegio que os seus mora
dores gozavam, de não poderem ser mudados para
outra cadêa fora da villa, estando presos, sem que
os tribunaes pronunciassem sentença final.
Tem esta villa uma sóparochia, dedicada a Nos
sa Senhora do Loreto ; casa de misericordia, hos
pital, e quatro ermidas. A sua população não che
ga a seiscentas almas. Como praça de guerra tein
governador e uma pequena guarnição.
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— 207 —

As margens do Guadiana fazem amenos os su


burbios da villa, proximo da qual entra n'aquelle
rio a ribeira de Mures, em cuja foz se costuma pes
car varias especies de peixes. O termo abunda em
cereaes, frutas e pastagens. Tem muitos azinhaes,
e mattos, onde ha variada caça.

FIM DO i." VOLUME.


-^

•:■ . :f

índice do primeiro volume. • t

1 7!

A vílla de Abrantes 4
» de Albufeira 5
» de Alcacer do Sal 6
» de Alemquer 11
» de Almada. 17
:» e praça d'Almeida 23
■i» de Alter do Chão 27
» de Alvito 30
» de Anciães 34
A cidade d'Angra do Herolsmo 37 t" **'•
A villa de Arganil 42
» de Arrayollos.. 45
» de Atouguia da Balêa 48
» de Arronches... . . .: 50
- » de Aviz 83
A cidade d'Aveiro 56
A villa dos Arcos de Vai de Vez 63
A cidade de Beja 65 si'
A villa de Barcellos 70
» de Benavente 73
» de Beringel 76
» de Borba 77
A cidade de Braga 81
» de Bragança 91
A villa de Cabeça de Vide 93
> das Caldas da Rainha 95
» de Campo Maior 99
A cidade de Castello Branco 103
A villa de Castello Rodrigo 106
» de Castello de Vide 109
» de Caminha 112
» de Celorico 115
» de Castro Marim 118
» da Certã 1 20
» de Chaves 122
» de Cintra 125
ÍNDICE.

A cidade de Coimbra- 1^ jí^/v.. .^ í 129


A villa da Covilhã .............. 142
i de Coruche. 144
» do Crato 146
A cidade d'Elvas 151
A villa da Ericeira 1S6
» de Estremoz ,,.;... .... 169
A cidade d'Evora >ut..: 162
» de Faro.. ..4. ./vo-i.;/..^. . 169
A villa de Ferreira ,. .'.:„..-.\j.:-. .. . 173
» de Freixo d'Espada á Cinta. .>v 174
» de Fronteira ... ,..,<,.,,.';,. »v, ni .t. . 176
A cidade do Funchal ,.»s,;.i....i-.iií ,- .>• . , 178
A villa de Carvão .....:...>.. . . 182
» da Golegã ;, , . t.. ..... 183
, » de Gouvêa ., <>>.•. ii-.-i t-t -..>., >' 188
» de Grandola. ..... 1-87
A cidade da Guarda,. ...... ..-.. .,.;»...:.... 192
» . de Guimarães ..a ...', .). . .1. . . /, «,.. . . 196
A villa de Idanha a Nova ..><, ... . ..:.;.', ... . 204
;;•. » de Juromenha. ,.,. ...\i. /...„... . 206
>» . . -. ':: < \i . '... : >•) .
•': '%.? t!) B", >L TO''" A. :i'h .'. ' '
ii-if; '.• A. ''•
c >.OilvniÁ\ i') '.' '
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AS CIDADES E V1LLAS

MOMRCHIA PORTUGUEZA

QUE TEEM BRASÃO DARMAS.

POB

1. DE VILHENA BARBOSA

VOLUME II.

LISBOA
TYPOGRAPHIA DO PANORAMA;
TRAVESSA DA "VICTORtA, 73.

1860.
A CIDADE DE LAGOS.

O autor da Corographia Portugueza dá á cidade


de Lagos dois mil setecentos cincoenta eseisannos
de existencia, attribuindo a sua fundação a um
supposto rei Brigo no anno de 1899 antes do nas
cimento de Christo. Depois diz que, tendo caido
em ruinas, fora reedificada, e novamente povoada
no anno de 350 antes da era vulgar por um capi
tão de Cartago, chamado Boodez.
Os fundamentos d'esta opinião são em parte in
verosímeis, em parte duvidosos. Porém, o que é
certo é ter sido Lagos uma cidade de alguma im
portancia no tempo dos romanos. Chamava-se en
tão Lacobriga, cidade ou povoação do lago, ao
que parece por causa de um, que havia na sua pro
ximidade.
Na lueta,que a republica romana sustentou con
tra Sertorio, que se collocara á frente da indepen
dencia da Lusitania, foi posta Lacobriga em aper
tado cerco por um exercito romano, commandado
pelo consul Quinto Cecilio Metelo. A cidade não
foi entrada pelo inimigo, porque veiu soccorrel-a
o valente Sertorio com os seus bravos lusitanos;
mas junte dos seus muros pelejou-se uma renhida
batalha, em que a victoria se decidiu por estes
ultimos.
Nas invasões d' essas hordas de barbaros, que
destruiram o colosso do Tibre ; na dos arabes, em
que se alluiu a monarchia dos godos; e nas guer
ras dos nossos primeiros reis, de que resultou a
expulsão dos moiros, Lacobriga foi por muitas ve
zes arruinada e despovoada. As vantagens, porém,
da sua situação geographica para o commercio de
vOL. tt. i
—2—
Africa e do estreito de Gibraltar, por outras tan
tas vezes a ergueram do meio das ruinas, e lhe
attrahiram novos moradores. Todavia n'essas vi
cissitudes perdeu a preeminencia de cidade, que
só veiu a readquirir na segunda metade do seculo
xvi por merce que lhe fez el-rei D. Sebastião, quan
do juntou na sua bahia a armada, que o levou a
Africa.
A peste assolou por vezes esta cidade, e o ter
remoto de 1755 causou-lhe horriveis estragos, bem
como em todo o Algarve. O que os impulsos da
terra pouparam, foi destruido pelos accommetti-
mentos do mar. Quasi todos os seus principaes edi
ficios ficaram derrocados, e alguns d'elles, como o
palacio do governo, a casa da camara, a torre do
relogio, e o convento da Trindade, nunca mais se
ergueram.
Por causa d'esta catastrophe tornou Lagos a per
der prerogativas de muita importancia, deixando
de ser a capital do Algarve, que passou primeira
mente para Tavira, onde foi residir o capitão ge
neral, e mais tarde para Faro.
Em 1833 veiu a terrivel epidemia da cholera di
zimar os seus habitantes. Logo depois padeceu os
tristes effeitos da guerra civil, que durante dois
annos devastou Portugal. E depois ainda esta mal
fadada terra passou por outras calamidades de epi
demias e terremotos, que mais ou menos a dam-
nificaram.
Lagos tinha voto em cortes na velha monarchia,
e seus procuradores tomavam assento no terceiro
banco. O seu brasão d'armas compõe-sede um es
cudo coroado, e n'elle uma fortaleza com tres tor
res, banhada pelo mar> e tendo de cada lado uma
lança ao alto.
Ao presente é Lagos a segunda cidade do rei
no do Algarve, e dista seis leguas do Cabo de S.
Vicente, e vinte e duas da foz do Guadiana. Acha-se
agradavelmente situada na costa occidentaldeuma
grande bahia do seu mesmo nome, erguendo-se so
bre tres collinas na margem direita de um peque
no rio ou esteiro, que tem meia legua de exten
—3—
são, e o qual a maré faz accessivel a embarcações
costeiras de pequena lotação.
A bahia pode offerecer amplo ancoradoiro a es
quadras de grandes va?os. A barra do esteiro, que
forma o porto da cidade, é defendida pela forta
leza da Ponta da Bandeira, que serve de registro,
e [teio forte da Meia Praia. Para defensa da ba
hia ha diversos fortes em melhor ou peior estado
de conservação, sendo o principal a fortaleza do
Pinhão, edificada primitivamente em terra firme,
e que ainda nos principios do seculo passado for
mava uma peninsula, mas que actualmente está
cercada de mar, e arruinada, passando pequenas
embarcações entre ella e a terra. Outra fortaleza,
que se construiu defronte d'esta, para a substituir,
tambem o mar a poz em mina.
A barra, que ha cem annos apresentava sete a
oito braças de fundo, agora apenas tem uns dez
palmos. Alguns cachopos e bancos d'areia Ihedif-
ficultam um pouco a entrada.
São duas as parochias da cidade : Santa Maria,
que é a matriz, e S. Sebastião. A primeira acha-
se estabelecida na egreja da Misericordia desde o
cataclismo de 1755, que lhe destruiu o seu anti
quissimo templo, o qual campeava sobre uma emi
nencia. Na tentativa, que se fez para o reedificar,
apenas lhe levantaram as paredes até meia altura.
Depois pararam inteiramente as obras, ficando a
servir o seu recinto de cemiterio.
A segunda parochia está edificada em um alto.
E' um grande templo de tres naves, de muito an
tiga fundação, e reconstruido porel-rei D. Joãoii,
que lhe trocou a invocação primitiva de Concei
ção pela de S. Sebastião, por ser este santo pa
droeiro, e advogado contra a peste, que então af-
fligia todo o Algarve.
Havia em Lagos quatro conventos, tres de fra
des, e um de freiras. Este era de religiosas car
melitas, do titulo de Nossa Senhora da Conceição.
Foi fundado em 1554, arrasado quasi totalmente
em 1755, e reconstruido depois.
Os conventos de religiosos eram : o de S. Fran
—4—

cisco, de franciscanos, edificado em 1560; o da


Trindade, de trinos, fundado em 1599; e o de S.
João de Deus, em que se estabelecera um hospi
tal militar, levantado em 1696.
Os outros edificios religiosos são a casa da mi
sericordia, com seu hospital ; a egreja de Santo
Antonio, que é capella militar; e varias ermidas.
O edificio outrora occupado pelo trem e egreja
de Santa Barbara serve agora de quartel militar;
e a antiga egreja de S. Braz, e a de Nossa Senho
ra do Porto Salvo, construída no seculo xvi por
commerciantes italianos, que vieram estabelecer-
se em Lagos, acham-se transformadas em arma
zens de arrecadação pertencentes ao quartel.
Conta a cidade quatro praças, e algumas ruas
boas, porém as outras são estreitas e tortuosas, e
todas mal calçadas. Um aqueducto, obra d'el-rei D.
Manuel, que conduz boa copia d'agua do sitio do
Paul, na extensão de quatrocentas e dez braças,
abastece a povoação, e fornece commoda aguada
aos navios. Para este fim tem um chafariz junto
da Porta Nova e da muralha, que cae sobre o rio.
Lagos é praça d'armas. As suas primeiras for
tificações datam do reinado de D. Affonso iv, ou
talvez do tempo de el-rei D. Diniz. Constava de
uma cerca de muros com suas torres e portas. Nos
fins do seculo xvi ou principio do xvn, edificou-
se nova corea de muralhas, queao presente se con
serva, com oito portas e quatorze baluartes. Para
o lado do rio tem as portas de S. Gonçalo, Ao Caes,
de S. Roque, e Nova, e cinco reduetos. Para o la
do de terra tem as portas de Portugal, do Postigo,
de Quartos, e da Villa, e nove baluartes.
Os suburbios de Lagos são apraziveis. Teem cam
pos mui bem cultivados, muitos figueiraes, vinhas,
hortas e pomares.
Lagos exporta cereaes e legumes, muitos figos,
algum vinho, aguardente de figos, muito peixe sal
gado, azeite de oliveira e de peixe, e diversos pro-
duetos fabris de obra de palma, e de fio de pitei
ra. A agricultura tem tido ha annos bastante des-
involvimento, todavia as pescarias constituem o
—5—
principal ramo, talvez, da industria dos habitan
tes, e da riqueza publica. Empregam-se n'ellas
muitas embarcações, e alguns centos de pescado
res, que não se limitando às costas do Algarve,
demandam tambem as de Marrocos, notaveis pela
sua producção. A pesca do atum é objecto de mui
ta importancia.
A 12 de Outubro faz-se n'esta cidade uma feira
annual. A população de Lagos sobe a oito mil c
quatrocentos habitantes.
A CIDADE DE LAMEGO.

Está assentada esta cidade em logar baixo, nas


faldas do monte de Penude, que é continuação da
serrania da Estrella, e na margem da ribeira de
Balsemão, que vae desaguar no Douro a uma le
gua d'ahi. Dista do Porto doze leguas,.nove de Vi
seu, e vinte e duas de Coimbra. Em a nova divi
são , que se fez do reino em 1833 , ficou perten
cendo á provincia do Douro. Anteriormente fazia
parte da Beira Alta.
Não ha noticia certa sobre a fundação de Lame
go. A origem grega, que lhe attribuem alguns es-
criptores nossos, autorisando-se com as palavras
de Strabão , se não e uma fabula , pelo menos ê
muito duvidosa. E' certo, porém, que existia co
mo cidade no tempo dos romanos, e que se cha
mava Lameca.
D'esta epoca poucas memorias se encontram d'es-
ta povoação, o que prova ser então pequena. To
davia não era tão insignificante, que não se atre
vesse a rebellar-se contra o dominio de Roma, go
vernando o imperador Trajano, que bem caro lhe
fez pagar o seu arrojo.
Depois da destruição do imperio romano, e da
invasão dos povos do norte, c que principiou esta
cidade a figurar mais alguma coisa, ou d'este tem
po para cá é que começam a apparecer noticias
d'ella mais positivas.
Achando-se pois sob a dominação dos suevos,
foi erigida em sede episcopal no concilio Lucence,
celebrado no anno de 510 da era christã (*). Este
facto mostra exuberantemente, que n'essa epoca
era Lamego uma cidade importante.
Governaram este bispado suecessivamente oito
bispos até á entrada dos arabes na peninsula. Sub-
(•) Ha autores, que pretendem que já era sede epis
copal muito anteriormente.
:: >

jeita a cidade ao jugomusulmano, fugiram a maior
parte dos seus moradores e o seu bispo para as As
turias, onde o valor de Pelaio e de um punhado de
esforçados companheiros tinham salvado as relí
quias do imperio godo, lançando assim os funda
mentos á monarchia dos reis de Leão.
Sendo Lamego capital, e corte de um pequeno
reino musulmano, foi tomada por D. Affonso m,
rei de Leão , mas pouco depois caiu de novo em
poder dos moiros.
No seculo xi foi reconquistada aos arabes por
D. Fernando Magno, primeiro do nome, rei de
Castella, achando-se n'estã empresa o celebre Ruy
Dias de Bivar, mais conhecido na historia pelo ti
tulo glorioso de Cid Campeador. Não são concor
des os historiadores no anno d'esta victoria das
armas christãs. A Chronica dos godos diz que teve
logar em 29 de Novembro de 1047. O historiador
hespanhol Flores pretende, que foi em 1057. O
que parece fora de duvida é que reinava então em
Lamego um rei, ou regulo chamado Zadan Aben,
e que D. Fernando Magno o deixou na posse do
seu estado, contentando-se de o fazer seu tributario,
provavelmente pela impossibilidade de assegurar
aquella conquista.
No anno de 1102 ganhou o conde D. Henrique
esta cidade á força d'armas; mas como o rei moi
ro Eicha se fizesse christão, não o despojou da co
roa. Deu-se por satisfeito de que lhe rendesse vas-
sallagem.
Não foi porém assim seu filho, D. Affonso Hen
riques, que, mais ambicioso de estender os seus
dominios, reuniu aos seus estados o pequeno rei
no de Eicha Martin. A tradição, hoje muito con
testada, diz que se reuniram em Lamego as cor
tes, que pozeram a coroa de rei sobre a fronte do
vencedor d'Ourique, e que constituiram Portugal
em monarchia hereditaria, independente e livre.
As vicissitudes do tempo, e os desastres da guer
ra por vezes arruinaram e despovoaram esta cida
de, sendo necessario em algumas d'essas vezes re-
edifical-a e povoal-a quasi inteiramente. Apezar
— 8—
da sua posição pouco vantajosa para ocommercio,
floreceu pelo impulso da industria nos seculos xiv
e xv. Algumas fabricas de diversos tecidos, e uma
grande feira annual, a que concorriam muitos moi
ros de Granada com especiarias e fazendas do Orien
te, de que se abastecia a maior parte do reino, fa
ziam de Lamego uma cidade rica e importante. Po
rém todas estas vantagens veiu a perder pela con
quista de Granada, e expulsão dos moiros da pe
ninsula, e pela descoberta da carreira da lndia.
Despojada do seu pequeno emporio commercial,
em breve caiu em decadencia a sua industria ma-
nufactora. A introducção de fazendas francezas e
inglezas, que começou a tomar vulto na segunda
metade do seculo xvi, acabou de lhe arruinar as
fabricas. <
Depois d'estes revezes esta cidade tem-se con
servado quasi estacionaria. A prosperidade dasvi-
nhas do Douro trouxe-lhe., é verdade, augmento e
riqueza ; porém este beneficio nào tardou a ser
neutralisado pelas tristes consequencias das inva
sões estrangeiras, e das luetas civis, e tambem pe
la decadencia d'aquelle importante ramo da nossa
industria agricola. Comtudo o melhoramento das
vias de communicação promctte-lhe mais prospe
ridade no futuro.
Com a fé christã restabeleceu-se em Lamego a
sua antiga sede episcopal, em que teem figurado
muitos prelados distinctos em lettras e virtudes.
Deu-lhe foral com muitos privilegios el-rei D.
João i.
Na velha monarchia gozava esta cidade da pre-
rogativa de se fazer representar em cortes por pro
curadores, que tomavam assento no segundo banco.
Tem por brasão d'armas um escudo coroado, e
n'ellc em campo azul um castello de prata com tres
torres sobre campo negro. Ao lado està uma arvo
re com pomos, que dizem chamar-sc Lamegueiro ;
e na parte superior do escudo tem de um lado o
sol, de oiro, e do outro a lua, de prata.
Este é o brasão tal qual se vê pintado em um
livro das armas das cidades c villas de Portugal,
—9—
que se guarda na Torre do Tombo. Entretanto acha
mos uma variante em alguns autores, que põem
uma estrella em vez de lua, e o eseudo das quinas
reaes por cima da fortaleza.
Divide-se a cidade em tres bairros. Um, que é
o mais plano, e principal, chamado da Praça, com-
põe-se de uma praça, e uma comprida e larga rua,
com suas travessas. Outro, que Uca como uma pe
ninsula entre os dois ribeiros Balsemão e Fafel,
comprehende a cathedral, e uma praça em que se
levanta o paço do bispo. Chamam a este bairro o
Couto da Sé. O terceiro bairro, que é em elevação,
e se denomina do Castello, está no ineio dos dois
primeiros, e tem na parte mais alta o velho cas
tello arruinado.
São duas as parochias : a sé, e a collegiada de
Santa Maria de Almacave. Aquella é um bom tem
plo de tres naves, de architectura gothica, com tres
portas na frontaria. cada uma correspondente á sua
nave. Foi edificado pelo conde D. Henrique no prin
cipio do seculo xn, e é um dos nossos antigos mo
numentos mais bem conservados , e onde melhor
se pode estudar a architectura d'aquella epoca em
Portugal ; pois que, infelizmente, todos, ou quasi
todos os outros edificios coevos com o nascimento
da monarchia teem sido arruinados completamen
te pelos seculos, ou deturpados nas reedificações
a ponto tal, que não ficaram, ou mal se vêem ves
tigios do typo primitivo.
Ha n'esta egreja alguns tumulos e sepulturas no
taveis, de muita antiguidade. Na capella do San
tissimo Sacramento, do lado da epistola, acha-se
mettido na parede osepulchro de D Guiomar de
Berredo, neta d'el-rei D. AíTonso m. No epitaphio
diz neta de D. Affonso iv, mas é erro, comprovado
por documentos, que existem no archivo da mesma
sé. Junto á capella do Sacramento está outra, em
que avultam as armas da familia Balsemão , e na
qual estão sepultados alguns dos seus ascendentes,
e entre elles em rico tumulo Alvaro Pinto da Fon
seca, fidalgo da casa real, morgado de Balsemão,
e fundador d'este jazigo.
— 10
Teve esta sé um precioso thesouro de reliquias,
e de mui ricos vasos sagrados e alfaias; o qual des
graçadamente perdeu por occasião de uoi incendio,
que devorou quasi toda a sachristia.
A egreja de Santa Maria de Almacave, segundo
a tradição popular, foi acalhedral uo tempo da mo-
narchia dos reis suevos e godos; depois reduzida
a mesquita pelos moiros, e finalmente consagrada
outra vez ao culto christão soba invocação da Vir
gem. O edificio é de architectura humilde e sin
gela, como são, com raras excepções, os poucos mo
numentos, que nos restam d'essas remotas eras.
lia mais na cidade a egreja da misericordia com
o seu hospital ; varias ermidas; o convento das
Chagas de freiras franciscanas ; e outro de reco
lhidas. Teve tres conventos de frades: um de ca
puchos, que foi outr'ora de templarios ; outro de
conegos seculares de S. João Evangelista ; e o ter
ceiro de eremitas de Santa Agostinho.
O paço do bispo é uma boa residencia com sua
cerca e jardim. O velho castello acha-se em gran
de ruina, mas ainda assim é um monumento res
peitavel pela sua muita antiguidade, e tambem cu
rioso pela sua estruetura. Na sua elevada torre de
menagem mandou o conde de Marialva, 1). Fran
cisco Coutinho, abrir uma grande e bella janeUa
de assentos. índo el-rei D. João n a Lamego pou
co depois de se concluir esta obra, perguntou-lhe
o conde muito ufano o que lhe parecia aquellaja-
nella ; mas em vez do elogio, que esperava, res-
pondeu-lhe o monarcha : «Que mais sabia quem a
abrira, que quem a mandou abrir.» Resposta cer
tamente mui adequada, e que bem quadra aos nos
sos modernos innovadores, quando sem sciencia,
nem consciencia deturpam e mascaram os monu
mentos antigos com remendos á moderna.
Conta-se tambem d'este soberano, que achando-
se proximo a morrer na villa de Alvor, mandara
chamar o bispo de Lamego, D. João Madureira Ca-
mello da Silva , que vivia vida desregrada , para
lhe dizer que levava d'este mundo um grande ar
rependimento e desconsolo pelo ter nomeado bis
— 11 —
po ; e rematando por lhe pedir, que ao menos lhe
promettesse emenda.
Envergonhou-se e commoveu-se tanto o bispo
com a reprehensão e pedido do rei moribundo, que
lhe prometteu emendar-se, e assim c cumpriu, sen
do d'ali em diante um prelado exempiarissiino. Em
memoria d'este successo, apenas se recolheu á sua
diocese, mandou tirar de cima (lo retabolo da ca-
pella-mór da sé, que era de talha doirada e obra
sua, o escudo das suas armas, eno logard'elle fez
collocar uma cruz com as insignias episcopaes , e
por baixo duas mãos travadas uma da outra.
A. vizinhança do rio Douro, e de um santuario
grandioso, e muito venerado; um terreno acciden-
tado, onde os montes se erguem cobertos dé bos
ques, e os.valles bem cultivados, e sempre verde
jando, graças á abundancia da agua, e á humida
de que espalham amiudados nevoeiros; todas es
tas circunstancias fazem formosos e pittorescos os
suburbios de Lamego. E alem d'isto são muitopro-
duetivos, em vinhos especiaes, principalmente, em
azeite, cereaes, legumes, frutas, linho, gados, e
caça.
Fazem-se na cidade duas feiras annUaes, e mui
concorridas, uma no primeiro dia de Março, e a
outra a 3 de Maio. Lamego conta uns nove mil e
trezentos habitantes. E'- actualmente capital d'um
disJxLcto-, e como tal é sede d' um governadoF-ci-
v+ty e mais autoridades administrativas, de fazen
da, c de justiça. Tem um lyceu, e um regimento
de infanteria.
'.:,:. ..' ..''.. :•. . .ji<!.
— 12 —

A CIDADE DE LEIRIA.

No tempo em que os romanos dominavam na


Lusitania havia n'este paiz uma cidade chamada
Collipo, da qual Plinio faz menção. Não são con
cordes os escriptores sobre a situação exacta d' es
ta cidade. O nosso antiquario, Gaspar Barreiros,
pretende que existiu em um logar proximo d'ali,
chamado agora S.Sebastião, fundando-se nas mui
tas ruinas de edificios antigos, que se ahi viam no
seu tempo ; e. diz mais, que com os materiaes da
arruinada Collipo se edificou a actual cidade de
Leiria.
Outros autores seguem opinião diversa, mas com
fundamentos não menos problematicos. D. Luiz
Caetano de Lima, diz na sua Geographia Histori
ca : — 'A fundação d'esta cidade (Leiria), deixan
do as fabulas que escrevem alguns autores, teve
principio pelo seu castello, o qual edificou el-rei
D. Aflonso Henriques, antes que ali houvesse al
guma outra povoação, pelos annos de 1135, afim
de reprimir os moiros de Santarem, e de outras
teiras, e de facilitara conquista da Extremadurau»
Algumas inscripções romanas em marmore brai-
co e vermelho, consagradas a memorias funebres,
e achadas junto d'este castello, provam, que n'a-
quelle sitio, ou proximo d'elle existiu com effeito
uma povoação na epoca do dominio romano. Seja
porém como for, o que parece fora de duvida é
que quando D. AlTonso Henriques fundou o cas
tello não havia juuto d'elle povoação alguma.
Cinco annos depois da fundação da fortaleza, an
dando D. Affonso Henriques todo oceupado na guer
ra, que lhe movia seu primo, D. Affonso vn, rei
de Leão, vieram os moiros, capitaneados pelo seu
rei lsmar, sobre aquelle castello, que conseguiram
tomar, apezar da porfiosa resistencia, que lhes fez
o alcaide D. Paio Guterres, e os seus. Logo, po
rém, que o inonarcha portuguez se viu desemba
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— 13^

raçado dos cuidados d'aquella campanha, voltou


as suas armas contra os infieis, e veiu por cerco
ao castello de Leiria, em 1141 ou 1142.
Refere a lenda , que achando-se acampado o
exercito christão sobre uma eminencia visinha, á
qual ainda hoje chamam o Cabeço d'el-rei, ap-
parecera em cima de um grande pinheiro, que
se erguia entre o arrayal e o castello, um corvo,
que não cessava de bater as azas e grasnar. Or
denado o assalto, redobrou por tal modo o corvo
os seus movimentos e gritos, que osportuguezes,
tomando isto por um feliz agoiro, investiram a for
taleza com tão incrivel valor e confiança, que ape-
zar de bem defendida, assenhorearam-se d'ella em
breves momentos. E em memoria d'este successo
veiu a tomar Leiria por brasão d'armas em escu
do de prata coroado um castello sobre campo ver
de, collocado entre dois pinheiros, cada um com o
seu corvo em cima ; e na parte superior do escu
do duas estrellas de oiro.
A descripção d'este brasão é como se acha na
Torre do Tombo ; entretanto ha outra versão que
dá só um pinheiro com um corvo em cima.
Correndo o anno de 1195. tendo já fallecido o
nosso primeiro rei, tornaram os moiros a ganhar
o castello, e a povoação, que junto d'elle se fora
edificando. Mas pouco lhe durou esta posse, por
que el-rei D. Sancho i logo o resgatou , e d'esta
vez ficou assegurado o seu dominio na coroa de
Portugal.
Por esta occasião o mesmo soberano, querendo
dar impulso á povoação, e attrahir-lhe moradores,
concedeu-lhe foral de villa com grandes privilegios
aos 13 d'Abril d'esse anno de 1195.
Por duas vezes se reuniram cortes em Leiria :
no reinado de D. Afionso m em 1254 ; e no de D.
Duarte em 1437. Estas ultimas foram convocadas
para se tratar dos meios de libertar o infante D.
Fernando, então captivo em Fez.
Serviu por vezes Leiria de residencia a alguns
dos nossos soberanos e principes; porém el-rei D.
Diniz foi o que maior assistencia ahi teve com a
— 14 —
rainha Santa Isabel, sua mulher, a quem fez doa
ção do senhorio d'esta terra. Foi este monareha,
que tanto favoreceu a agricultura, quem mandou
semear o grande pinhal de Leiria, que é hoje a
principal floresta do paiz, e que constitue um im
portante ramo da riqueza publica.
Por morte da rainha Santa Isabel tornou avil-
la a encorporar-se na coroa. El-rei D. Fernando
deu-a, primeiramente á rainha D. Leonor Telles,
sua mulher, e depois ao seu cunhado o conde D.
Gonçalo; porém o mestre d'Aviz, subindo ao thro-
no, revogou a doação, e d'ahi por diante não se
alienou mais do patrimonio real.
No proprio seculo xv, em que se inventou a su
blime arte typographica, coube a Leiria a gloria de
possuir a primeira imprensa , que se estabeleceu
em Portugal, e segundo parece com muito bons
fundamentos a primeira tambem, que appareceu
em toda a peninsuia.
El-rei D. João m elevou Leiria á cathegoriade
cidade , e depois á de sede episcopal por bulia,
que alcançou do papa Paulo m no anno de 1545.
Na velha monarchia tinha Leiria voto em cortes
com assento no banco terceiro. Foram seusalcai-
des-móres os marquezes de Villa Real, os quaes
Unham aposentos dentro docastello, além de umas
casas proximas do rio.
Acha-se edificada esta cidade junto á falda de
leste do monte do casteilo, em uma planicie cor
tada pelos pequenos rios Liz e Lena, dos quaes,
ao que parece com mais probabilidade, lhe veiu
o nome de Leiria. Dista de Lisboa vinte e duas
leguas, para o norte, doze de Coimbra, e quatro
do oceano, no sitio em que os dois rios já unidos
se lançam no mar.
Divide-se a cidade em duas parochias : a sé, e
S. Pedro. A primeira, consagrada como todas as
cathedraes do reino á Assumpção de Nossa Senho
ra , é um bom templo de tres naves, construido
desde os alicerces pelo segundo bispo d'esta dio
cese, D. fr. Gaspar do Casal, que lançou a primei
ra pedra no dia 11 de Agosto de 1351), como cons
— lo
ta da inscripção, que se vê na frontaria daegreja.
Está situada junto ao monte do castollo, e conti
gua ao paço episcopal.
Anteriormente a esta fundação servia de sé a
egreja de Nossa Senhora da Penha de França, edi
ficada dentro do castello por D. Affonso Henriques,
e reconstruida por el-reiD. Diniz. Era um peque
no templo, ao presente arruinado.
O palacio do bispo está, como dissemos, conti
guo á sé, mas em terreno um pouco mais alto, que
faz parte do monte do castello. E' um edificio não
muito vasto, e de modesta architectura, com a sua
cerca, e jardim.
O seminario episcopal foi fundado por D. frei
Gaspar do Casal, logo depois de chegar do conci
lio de Trento em 1563.
Reconstruiu-o na segunda metade do seculo xva
D. Pedro Vieira da Silva, que tendo sido casado
com D. Leonor de Noronha, e servido logares im
portantes, como secretario d'estado dos reis D. João
iv, D Affonso vi, e D. Pedro n, em quanto princi
pe regente, e plenipotenciario no ajuste da paz en
tre Portugal e a Hespanha no anno de 1668, de
pois de enviuvar tomou ordens sacras, efoicrea-
do bispo de Leiria.
Os outros edificios religiosos são: a egreja e
hospital da misericordia ; o convento deSanta An-
na, de freiras dominicas, fundado em 1494 por D.
Catharina de Castro, filha de D. Fernando i, se MU
gundo duque de Bragança, e no qual existem ac
tualmente umas nove ou dez religiosas; e varias
ermidas.
Houve n'esta cidade quatro conventos de frades,
cuíos edificios existem apropriados a diversos usos ;
e chamavam-se S. Francisco, que foi de religiosos
observantes, cuja primeira fabrica foi obra doi
rei D. João i no annodel384, em agradecimento
de ter podido casar com a rainha D. Filippa, não
obstante ser cavalleiro professo na ordem d'Aviz;
o de Santo Agostinho, de eremitas do mesmo san
to ; o de Santo Antonio, de capuchos arrabidos,
construido pelo bispo D. Pedro Vieira da Silva; e
— 16 —
em tempos remotos teve dentro do castello um
convento de conegos regrantes, que se arruinou.
O castello, fundado sobre uns penhascos, que
para o lado do norte são escarpados, acha-se cm
grande ruina ; mas ainda assim apresenta uma vis
ta pittoresca a quem o vê da alameda. Ainda se
mostram dentro d'elle os restos do paço d'el-rei
D. Diniz e de Santa Isabel.
A parte da cidade, que se estende ao longo de
um vasto campo ou Rocio, que a separa do rio
Liz, é alegre e bonita. O resto é uma rede de ruas
estreitas, tortuosas, e immundas, com pequenos
largos, tudo guarnecido de casas altas, entre as
quaes se voem algumas de boa apparencia. A casa
da camara nada tem de notavel.
Na extremidade do sul d'aquelle espaçoso cam
po erguem-se a cathedral, logo acima o paço do
bispo, e o castello. No lado do poente avulta o quar
tel militar, outr'ora convento, e que é actualmen
te, depois dos melhoramentos ealindamentos, que
se lhe teem feito, um bello edificio, que muito ador
na o Rocio. Está construido em terreno um pouco
mais elevado, que o resto do campo, o que o faz
sobresair. Costuma estar oceupado por um bata
lhão de caçadores.
O Liz corre pelo lado do sul d'este quartel, e
proximo d'elle, entre muralhas bem construidas,
que o encanam. De uma parte vae-o acompanhan
do um caminho, e da outra uma comprida e for
mosa alameda, de grandes arvores, com assentos
de espaço a espaço sobre o rio, e communicando-
se com a outra margem por duas pontes, uma no
centro, e outra no lim. A' entrada da alameda, e
já no campo, está uma boa ponta de pedra, além
da qual ha no mesmo campo ou Rocio mais duas,
sendo a de S. Martinho uma das entradas da ci
dade.
Quatro fontes abastecem d'agua os habitantes.
A chamada — os Olhos de Pedro tem a singulari
dade, sendo duas nascentes, que rebentam da mes
ma penha, de ser fria a agua de uma nascente, e
tepida a da outra.
— 17 —
Tem Leiria bonitos arrabaldes, principalmente
todo o valle regado pelos rios Liz c Lena , que é
fertil e bem cultivado. Ha n'elles diversas ermi
das e capellas, das quaes a principal é a de Nossa
Senhora da Encarnação, fundada sobre uma pe
quena eminencia por meio de esmolas tanto do
povo da cidade, como do de fora, que ali concor
ria, e ainda concorre, em grandes romarias, por ser
este santuario de nmita devoção em todos aquelles
arredores.
A pouca distancia da cidade está o celebre pi
nhal de D. Diniz. Tem quatro leguas de compri
mento, e corre ao longo da costa do oceano. Na
sua administração, que se acha mui bem organi-
sada, emprega-se bastante gente. Ha ahi uma fa
brica do estado para a extracção do alcatrão e ou
tras substancias dos pinheiros. Modernamente tem-
se feito n'este pinhal muitas sementeiras àopinus
larix, e de outras variedades do norte da Europa,
de grande estimação pela boa qualidade das ma
deiras.
A uma legua de Leiria encontra-se a importan
te fabrica de vidros da Marinha Grande. O edifi
cio è do estado, que dá por arrematação a longos
periodos a laboração da fabrica. Dá occupação a
consideravel numero de braços, e o actual arre
matante tem levado os seus variados productos a
bastante perfeição. A Marinha Grande é uma po
voação de mil e trezentas almas.
O termo de Leiria produz abundancia de ce-
reaes, legumes, frutas, vinho, e algum azeite.
Cria-se n'elle bastante gado, e muita caça. Encer
ra importantes jazidos de carvão de pedra e de
ferro, para a exploração dos quaes se organisou
uma companhia , que ainda não encetou os seus
trabalhos por se ter recusado o governo a satisfa-
2er-lhe certas exigencias.
No mesmo termo, não a muita distancia da ci
dade, descobriu-se ha poucos annos um edificio
romano, que estava soterrado, d'onde se tiraram
alguns quadros de mosaico, muito bem conserva
do.
VOL. II. 2
— 18 —
A 29 de Março faz-se annualmente uma feira no
grande Rocio da cidade, de muito movimento com-
mercial, e mui concorrida de generos, de gado, e
de povo das provincias da Extremadura e da Beira.
No mesmo Rocio se faz a exposição geral de gado,
das differentes especies, que costuma ter logar to
dos os annos nas capitaes dos districtos , distri-
buindo-se por essa occasião premios aos creadores
das raças mais apuradas.
Leiria conta uns dois mil e seiscentos habitan
tes. Como capital de um districto administrativo,
do seu nome , é sede de um governador civil , e
mais autoridades administrativas, de justiça, efis-
caes ; de uma junta de districto ; de um lyceu, etc.
A bella estrada macdamisada, que presentemen
te liga esta cidade com Lisboa, Coimbra, e Porto ;
o estabelecimento das carruagens malas-postas, que
n'ella transitam diariamente, e cujo serviço se acha
o melhor possivel ; e a estrada, que está emcon-
strucção do pinhal para o proximo porto de S. Mar
• tinho, sobre o oceano, deverão sem duvida fazer
prosperar Leiria, e muito mais se for por diante
a empresa de mineração, a que alludimos.
Foi natural d'esta cidade o cardeal patiiarcha de
Lisboa, D. fr. Patricio da Silva ; en'ella foi crea-
do o primeiro duque de Bragança, D. Affonso, que
nasceu no castello de Veiros, no Alemtejo, e qu«
foi filho bastardo d'el-rei D. João i.
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A VILLA DE LINHARES.

Na provincia da Beira Alta, quatro leguas a oes


te da cidade da Guarda, está a villa de Linhares
assentada nas faldas da serra da Estrella, masem
terreno bastante elevado.
Um dos nossos escriptores, que mais se deram
ao estudo das antiguidades patrias, posto que accei-
tasse com pouco exame, e menos escrupulo todas
e quaesquer opiniões; o padre Carvalho, na sua
Corographia Portugueza, diz que esta povoação foi
fundada pelos turdulos quinhentos e oitenta annos
antes do nascimento de Christo, e que se chamara
Lento ou Leniobriga, corrupto hoje em Linhares.
Avança mais, que no tempo dos godos foi cidade
episcopal; que se arruinou depois, eque el-rei D.
Affonso m de Leão a mandou reedificar pelos an
nos de 900.
Entretanto, sem que hajam fundamentos plausiveis
para se ajuizar da sua fundação, ou pelo menos d'essa
remota antiguidade' que o referido autor lhe attri-
bue, é certo que é uma povoação antiga, pois lhe
deu foral el-rei D. Affonso Henriques, e parece que
a fez povoar de novo.
Quando o nosso rei D. Fernando casou a sua fi
lha legitimada, D. Isabel, com D. Affonso Henriques
de Castella, conde de Gijon, filho natural de D.
Henrique n, rei de Castella, deu-lhe em dote a
villa de Linhares . que tornou poucos annos de
pois para a coroa.
El-rei D. João ni por carta regia de 13 de Maio
de 1532 fez conde de Linhares a D. Antonio de No
ronha, filho segundo do primeiro marquez de Vil
la Real, e que tambem foi alcaide-mór de Linha
res, além de outros senhorios e empregos, que
teve.
Acabando este titulo pela extineção d'esta fami
lia, o principe regente, D. João, mais tarde sexto
do nome entre os nossos reis, renovou o titulo de
conde de Linhares na pessoa de D. Rodrigo de Sou- : I
— 20-

sa Coutinho, conselheiro (Testado, e seu ministro


d'estado dos negocios estrangeiros e da guerra.
Hoje é seu neto o terceiro conde.
Tem esta villa por brasão d'armas um escudo
com uma meia lua e cinco estrellas Se se der cre
dito á lenda popular, teve este brasão a seguinte
origem. Correndo o anno de 1189 entraram pela
provincia da Beira tropas leonezas e castelhanas,
roubando e devastando as terras por onde passa
vam. Como se dirigissem sobre o castello de Ce
lorico, que, sendo a principal fortaleza d'aquelles
contornos, se acaso fosse tomada, fícariam todos
aquelles povos inteiramente á merce do inimigo,
resolveram os moradores de Linhares ir em auxi
lio dos seus irmãos de Celorico. Chegou o soccor-
ro muito a proposito, porque tambem acabavam de
chegar os invasores ás proximidades do castello.
Animados os da fortaleza com o inesperado refor
ço, e impacientes por tirar vingança de tantos dam-
nos e affrontas, não quizeram esperar pelo accom-
mettimento do inimigo. Sairam a campo n'essa
mesma noite, e com tão grande denodo se houve
ram, e tal foi a sua fortuna, que pozeram os ad
versarios em completo destroço, fugindo covarde
mente, e deixando no arrayal todas as bagagens,
e avultado numero de mortos e prisioneiros. Em
memoria de tão assignalada façanha tomaram os
vencedores para brasão d'armas das suas respec
tivas villas de Celorico e de Linhares um escudo
com a meia lua e cinco estrellas, porque as estrel
las e a lua no seu crescente, allumiando-lhe o ca
minho, os ajudaram a ganhar a victoria.
E' Linhares uma pequena villa, que apenas con
ta um milhar de habitantes. Tem umasóparochia,
dedicada a Nossa Senhora da Conceição ; casa da
misericordia e hospital, e diversas ermidas. Ain
da conserva o seu antigo castello, com duas tor
res, e duas portas, edificado sobre altos rochedos.
Tanto a villa como os arrabaldes são abasteci
dos de muita e excellente agua, pois que na pri
meira, além de varias fontes particulares, ha qua
tro chafarizes, um dos quaes é de boa architectu
— 21 —
ra, e uma levada d'agua, que pode lavar todas as
ruas, e que rega no verão muitas fazendas dos su
burbios. São estes bastante arborisados. Só um
souto de bellas arvores, que é da camara, tem uma
legua de comprimento, e meia de largura.
O clima é mui frio, mas muito saudavel. O ter
mo produz cereaes, vinho, algum azeite, e boas
frutas. Cria-se n'elle bastante gado de differentes
especies, e muita variedade de caça.
—M—

1 CIDADE DE LISBOA.

Como acontece a todas as cidades de origem «ri


quissima, a historia da fundação de Lisboa e dos
seus primeiros tempos anda involvida em mil fabu
las. Umas dão-lhe Ulysses por fundador, o celebre
capitão grego, dizendo que do seu nome veiu aci
dado o de Ullyssipo, depois corrupto em Olisipo.
Outras contam, que a fundou um companheiro do
deus Baccho, chamado Luso, e que d'aqui tirou o
paiz a denominação de Lusitania, e os habitantes
a de lusos. Outras, ainda, attribuem a sua origem
a Elisa, bisneto de Noé.
O que de tudo isto se pode colligir com boa ra
zão, é que a antiguidade d'esta nobre povoação é
tal, que, havendo memorias suas anteriores á era
christã, ainda assim se esconde a sua origem nas
trevas dos tempos.
Tomando, pois, para ponto de partida uma epo
ca conhecida, tanto por noticias historícas de todo o
credito, como por monumentos, diremos, que Julio
Cezar, que morreu quarenta e cinco annos antes do
nascimento de Jesus Ghristo, por honrar Lisboa, que
emão se chamava Olisipo, deu-lhe onome de Feli
citas Julia, que queria dizer felicidade de Julio, e
concedeu-lbe o foro de municipio romano. Aquella
honra e este privilegio de que os romanos eram
muito avaros, provam de sobejo a importancia e
grandeza, de que já n'esse tempo gozava esta nos
sa cidade.
Como os limites, que nos impozemos n'este tra
balho, não nos permittem fazer nem mesmo o es
boço da historia de Lisboa, referiremos tamsómen-
te os principaes suecessos, de que tem sido thea-
tro.
Depois de um longo periodo de subjeiçâo aos ro
manos, destruido o imperio d'estes dominadores do
mundo pelos barbaros do norte, foi Lisboa presa
n seu turno dos mesmos barbaros. Ao principio pas
sou de novos a novos senhores, até que os visigo
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dos nella fixaram o seu dominio, que durou tres


seculos, acabando no anno de 714 pela perda da
batalha de Guadalete, que os moiros ganharam,
assenhoreando-se em breve espaço de toda a pe
ninsula.
Esta invasão foi mais fatal a Lisboa, que as dos
povos do norte, não só porque os moiros involve-
ram na sua furia e vingança os habitantes e os
edificios, mas tambem porque este novo dominio,
dando causa a uma guerra de exterminio entre o
islamismo e o christianismo, expoz a nossa cidade
aos horrores e estragos de varios assedios e con
quistas.
Tomada d'assaIto no fim do seculo vin, ou prin
cipio do ix por D. Affonso o Casto, rei da Galliza
e das Asturias; reconquistada pelos arabes no an
no de 811 ; novamente entrada e saqueada em 851
por D. Ordonho m, rei de Leão; outra vez recu
perada pelos sarracenos ; ganha de novo no anno
de 1093 por D. Affonso vi, rei de Leão, e Castel-
la ; passado pouco tempo tornada á subjeição mu-
sulmana ; foi resgatada, emfim, para a fé christã,
e d'esta vez para sempre até nossos dias, por D.
Affonso Henriques, primeiro rei de Portugal, no dia
21 de Outubro de 1147, depois de um cêrco de
cinco mezes.
Na segunda metade do seculo xiu estabeleceu a
sua residencia em Lisboa el-rei D. Affonso m, ten
do sido Coimbra a corte dos quatro primeiros so
beranos. Nesse mesmo seculo, correndo o anno de
1288, teve logar a fundação da universidade de
Lisboa por el-rei D. Diniz, que foi o primeiro mo-
narcha nascido n'esta cidade.
No anno de 1336, reinando D. Affonso iv, pa
deceu esta cidade um grande terremoto, que lhe
causou consideraveis estragos, arruinando acapel-
la-mór da sé. Porém dezesete annos depois, em
1373, sendo rei D. Fernando i, sobreveiu-lhe maior
calamidade, por causa da guerra, que seaccendeu
entre Portugal e Castella.' Posta em apertado sitio
por um numeroso exercito castelhano, experimen
tou muita variedade de horrores, sendo um d'elles
— 14 —

0 incendio dos seus arrabaldes. Em Dezembro de


1383, por occasião da morte d'el-rei D. Fernando,
rebentaram na cidade graves desordens e tumultos
por motivo da suecessão da coroa, assassinando o
mestre d'Aviz ao conde João Fernandes Andeiro,
castelhano, nos paços reaes da Moeda, hoje cadoa
do Limoeiro, no dia 3 d'aquelle mez. E no anno
seguinte veiu el-rei D. João i de Castella, que se
intitulava rei de Portugal por sua mulher a rainha
D.Beatriz, filha unica do nosso lallecido rei D. Fer
nando, por cerco a Lisboa por mar epor terra com
grande poder. Durou o cerco cinco mezes, no fim
dos quaes se retirou o inimigo, depois de muitos
combates e oppressão, de que fícaram como tristes
vestigios muitas ruinas nos edificios da cidade, e
nas embarcações do Tejo.
O seculo xv foi mais propicio para Lisboa, cuja
grandeza e prosperidade muito deveram aos acon
tecimentos extraordinarios, que n'elle tiveram logar.
Em 23 de Julho de 1418 largou do Tejo a pode
rosa armada, que conduziu el-rei D. João i e os
infantes, seus filhos, á conquista de Ceuta, que foi
a pedra fundamental do poder de Portugal na Afri
ca, e o preludio de mais longínquas navegações e
de mais largas conquistas. E no decurso d'esse mes
mo seculo viu Lisboa partir do seu magnifico por- '
lo as armadas, que conquistaram Arzila, Tanger,
Alcacer Ceguer, Azamor, Çafim, e outras terras afri
canas' e as que descobriram as nossas ilhas da Ma
deira, e Porto Santo, Açores, Cabo Verde, e outras,
toda a costa d'Africa, occidental e oriental, e em-
fim a lndia e o Brazil. A instituição da irmanda
de da misericordia na capella de Nossa Senhora
da Terra Solta, na sé, correndo o anno de 1498,
foi sem duvida um digno remate para este seculo,
tão glorioso para Portugal. Todavia n'elle padeceu
Lisboa o terrivel açoite da peste.
No seculo seguinte experimentou Lisboa, e todo
o reino, as mais oppostas vicissitudes da sorte. 0
seu primeiro quartel, apezar dos motins e matança
dos judeus, que horrorisaram esta cidade em 1506,
foi todo de gloria para as armas, de riqueza para
— 25 —
e thesoure, de poderio para o soberano, de lustre
para astettras, de esplendor para as artes, e de pros
peridade para o commercio. Lisboa viu-se o empo
rio commercial de todo o mundo. Abrangeu quasi
todo este periodo no seu reinado el-rei D. Manuel,
que por tantas felicidades mereceu o epitheto de
Afortunado.
No segundo quartel começou a decadencia da mo-
narchia, apezar do brilho com que as suas armas
ainda continuavam a resplandecer na lndia. Esta-
beleceu-se o tribunal da inquisição, que tão ne
fasto foi a Lisboa e a toda a monarchia. Introdu-
ziram-se os jesuitas, que trouxeram aopaiz muitos
beneficios involtos em muitos males. Ateou-se de
novo a peste que absorveu milhares devidas; e
sobreveiu a Lisboa um terremoto no dia 7 de Ja
neiro de 4531, que causou lamentaveis estra
gos.
Os dois ultimos quarteis do seculo foram para o
reino, e mais ainda para a capital, uma epoca de
continuadas calamidades. Um terremoto em 28 de
Janeiro dei Sol ; a grande peste, que em 1569 as
solou Lisboa e o paiz ; a perda d'el-rei D. Sebas
tião em Africa no anno de 1578 ; a morte succes-
siva de todos os membros da familia real, até ádo
card«al rei em 1580 ;. a invasão dos castelhanos ;
o desbarate do exercito de D. Antonio, prior do
Crato, filho bastardo do infante D. Luiz, e preten
dente á coroa, em Alcantara, junto a Lisboa; e em-
fim a usurpação de Filippe n, tudo n'esse mesmo
anno; a destruição, no meio de um grande tempo
ral, da invenclvel armada, que saiu do Tejo con
tra a Inglaterra em 30 de Maio de 1588, ena qual
se perderam muitas embarcações, e muitissimas
vidas de portuguezes ; c finalmente a subversão de
uma parte do monte de Santa Catharina, com tres
ruas cheias de casaria, que se sepultaram nas on
das do Tejo na noite de 22 de Julho de 1597 ; taes
foram os lamentáveis suecessos, que constituem,
em breve epilogo, a historia de Lisboa na segun
da metade do seculo xvi.
A vinda a Lisboa de Filippe m deHespanha, e
26
familia real ; as festas da sua entrada na cidade ;
as cortes para o reconhecimento do principe, seu
filho ; os excessivos rigores da oppressão castelha
na ; a gloriosa revolução do primeiro de Dezembro de
1640, que poz a coroa sobre a fronte de D. João
iv ; a conjuração do duque de Caminha, marquez
de Villa Real, arcebispo de Braga, e outros em fa
vor dellespanha, descoberta, e castigada com a pri
são perpetua do arcebispo, e com a morte dos seus
complices na praça do Rocio em 29 d' Agosto de
1641 ; a tentativa de assassínio contra D. João iv
em 1647; a heroica lucta travada com a Hespa-
nha em sustentação da nossa independencia, e pro-
seguindo com felicidade até ao cabo ; as intrigas,
escandalos, e desordens, que se passaram na capi
tal desde o começo do reinado do infeliz D. Affon-
so vi, até á sua prisão e deposição em Novembro
de 1667 ; foram os mais notaveis acontecimentos do
seculo xvh.
O seguinte principiou por accender na Europa a
guerra chamada da successão de Hespanha, em que
D. Pedro n de Portugal se involveu, tomando o
partido doarchiduque d'Austria, Carlos, que mais
tarde occupou o throno imperial da Alemanha com
o nome de Carlos vi.
A 9 de Março de 1704 desembarcou em oTerreiro
do Paço este príncipe, intitulando-se Carlos m, rei
de Hespanha. Depois de alguma demora na cidade,
partiu com o exercito alliado, portuguez e inglez,
a invadir o paiz vizinho, e sustentar os seus direi
tos. N'esta lucta chegou o nosso exercito, comman-
dado pelo marquez das Minas, a tomar Madrid, e
ahi fazer acclamar aquelle principe.
No anno de 1709 teve logar no Terreiro do Pa
ço a ascenção de um balão aerostatico, pelo padre
Bartholomeu de Gusmão: e foi esta a primeira ex
periencia, que se fez na Europa, pois precedeu seten
ta e quatro annos a que fizeram em França pela pri
meira vez, em 5 de Junho de 1783, os irmãos
Montgolfier, que são reputados os autores d'esta in
venção.
A descoberta e exploração das minas d'oiro e de
—n—
brilhantes no Brazil trouxeram a Portugal, e Lis
boa principalmente, uma nova era de prosperidade,
grandeza, e fausto. Durante o longo reinado de D.
João v, desde 1707 até 1750, viu esta cidade alar-
gar-se o seu ambito; erguerem-se grandes edificios,
do estado, e religiosos ; erigi r-se a patriarchal ;
crearem-se academias, e aulas publicas; povoar-se
o Tejo de embarcações de guerra, e sair da sua
foz uma forte esquadra em defensa da Italia, e con
tra a Turquia.
Todavia para que não deixasse de haver sombras
n'este quadro de tão brilhantes cores, rebentou em
Lisboa no anno de 1723 a terrivel epidemia da fe
bre amarclla, que fez innumeraveis victimas. Al
guns incendios consideraveis vieram tambem n'a- 2" -t;
quelle periodo affligir a cidade.
O reinado d'el-rei D. José i, de 1750 a 1777, é
a mais memoravel epoca dos fastos de Lisboa, por
que n'esse tempo tiveram logar a sua m-iiordesgra-
ça, e o seu maior esplendor. Aos impulsos da ter
ra, ao embate do mar, e á voracidade das cham-
mas, derrocou-se, alluiu-se, e abrazou-se a maior
e melhor parte da cidade no fatal dia primeiro de No
vembro de 1755. Ao aceno d'el-rei D. José, auxi
liado pelo genio assombroso do seu grande minis
tro, o marquez de Pombal, levantou-se Lisboa do
seu tumulo formosa e grandiosa, como nunca o
fora.
N'essa epoca de illustradas reformas em todos os
ramos da administração publica, e de importantes
melhoramentos em todas as condições da vida eco
nomica da cidade, os outros suecessos mais nota
veis foram: o attentado contra a vida d'el-rei D.
José em 3 de Setembro de 1758; a execução, na
praça de Belem, do duque d'Aveiro, do marquez e
marqueza de Tavora, e outros complices n'aquelle cri
me, em 13 de Janeiro de 1759; a expulsão dos
jesuitas n'esse mesmo anno ; e as festas magnificas
pela inauguração da estatua equestre d'el-rei D.Jo
sé em Junho de 1775.
No ultimo quartel do seculo xvinengrandeceu-se
a cidade com algumas construcções grandiosas, taes
— 28 —

como a bazilica do Santissimo Coração de Jesus, ea


Cordoaria; principiou-se o novo palacio real d'Ajuda,
no mesmo sitio em que acabava de arder uma gran
de parte do palacio velho ; projectaram-se e come-
çaram-se outras grandes obras, que não se conclui
ram ; instituiu-se a academia real dassciencias, a
bibliotbeca publica, e a casa pia ; tudo fundação
da rainha D. Maria i. Visitaram Lisboa, e residi
ram aqui por algum tempo o principe de Galles,
depois Jorge iv, e outros principes seus irmãos ,
duas princezas marroquinas, e um outro principe
africano.
No seculo actual tem sido Lisboa theatro de mui
tos emui graves acontecimentos, taes como: a par
tida da familia real para oBrazil em 29 de Novem
bro de 1807, acompanhada de uma grande parte
da nobreza, elevando immensos capitaes; a entra
da do exercito francez logo no dia seguinte ; o seu
embarque precipitado d'ahi a nove mezes; a execução
dos primeiros martyres da liberdade em 1817, no
campo de Santa Anna, e junto á torre de S. Ju
lião da Barra; a revolução de 1820, que procla
mou a monarchia constitucional ; o regresso d'el-rei
D. João vi e sua familia em 1821 ; a contrarevo-
lução, que restabeleceu o poder absoluto em 1823;
as festas e regosijos em Julho de 1826 pelo jura
mento da Carta Constitucional, outorgada porel-rei
D. Pedro iv na sua elevação aothrono portuguez;
a guerra civil entre os partidos liberal e absolutis
ta, que produziram a usurpação da coroa da senho
ra D. Maria n, em 1828, e a sua restauração em
1833, na qual obraram prodigios de valor os defen
sores dos seus direitos, capitaneados por seu augus
to pae, o immortal duque de Bragança, ex-impera-
dor do Brazil e rei de Portugal; e as luctas san
grentas entre as fracções do partido liberal até ao
começo do reinado d'el-rei, o senhor D. Pedro v.
N'este periodo foi assolada por tres mortiferas epi
demias: a cholera morbus em 1833 e 188C, e a fe
bre amarella em 1857.
Todavia, apezar de tantos infortunios e contrarie
dades, o seu engrandecimento e aformoseamento teem

.^
-23-

tido tão progressivos e maravilhosos desde que se


restaurou a liberdade em 1833, que se pode dizer
sem receio, que operaram uma completa transforma
ção n'esta cidade. Fariamos uma longa resenha, se
houvessemos de enumerar todos os melhoramentos
moraes e materiaes com que a teem dotado, o governo
por meio de varias reformas illustradas, e as suas
camaras municipaes por via de incessantes esforços
patrioticos no desempeho de suas arduas funcções.
A sua situação geographica e o impulso natural da
civilisação europea preparam-lhe um futuro bri
lhantissimo.
N'este periodo, de 1833 para cá, Lisboa tem si
do visitada de muitos principes e princezas das
principaes familias soberanas. Especializaremos
os seguintes : a rainha Adelaide, viuva de Guilher
me iv dTnglaterra ; a rainha Christina, mãe da
rainha Isabel de Hespanha ; o duque soberano de
Saxe-Coburgo; o duque Fernando pae d'el-rei o senhor
D. Fernando, e os seus filhos, os principes Augus
to, e Leopoldo; a princeza Ctementina, filha do
rei Luiz Filippe; o principe e princeza de Join
ville ; o duque e duqueza de Nemours ; o duque
d'Aumale; o duque de Montpensier, e sua esposa
a infanta D. Maria Luiza, irmã da rainha de Hes
panha ; o archiduqueMaximiliano, irmão do impe
rador d' Austria ; o grã-duque Constantino, irmão
do imperador da Russia; o principe Adalberto, ir
mão do rei de Baviera ; o principe de Galtes, e o
principe Alfredo, filhos da rainha Victoria ; oduque
de Cambridge, primo d'esta soberana ; o conde de
Paris, neto do defunto rei Luiz Filippe ; o prin
cipe d'Orange, filho herdeiro do rei de Hollanda ;
o principe Guilherme da Prussia, sobrinho do rei
d'este estado ; Ibrahim-Pachá, filho de Mehemet-
Ali, vice-rei do Egypto ; o principe Leopoldo de
Sigmarigen etc.
No antigo regimen Lisboa gozava de voto em
cortes, com assento no primeiro banco. Tem por
brasão um escudo coroado, e n'elle uma nau com
um corvo á popa, e outro á proa ; o qual lhe foi
dado por D. Affonso Henriques, em memoria do na
— 30^

vio, com os dois corvos, que no seu tempo trans


portou a esta cidade o corpo de S. Vicente, encon
trado no cabo d'este nome, no reino do Algarve.
Lisboa está situada sobre a margem direita do
Tejo, a duas leguas da sua foz, que tanta distan
cia vae d'ahi até Belem, onde principia a erguer-
se a cidade. Conta perto de duas leguas de exten
são, de este a oeste desde Belem até Xabregas;
e meia legua de largura de norte a sul desde o
Tejo até ás barreiras de Campolide.
A sua situação é summamente aprazivel, eoseu
clima dos mais temperados e benefícos da Europa.
Sentada em magestoso amphitheatro sobre varias
colimas, que ostentam como em exposição artisti
ca templos, palacios, e jardins; banhada pelas aguas
do Tejo, que, misturando-se com as do oceano, for
mam diante da cidade um vasto golpho, sulcado con
tinuamente por tanta infinidade e variedade de em
barcações nacionaes, e das diversas potencias eu-
ropeas ; precedida e seguida á beiramar de lindos
arrabaldes, onde avultam formosos monumentos
d'eras afortunadas, bellas quintas e casas de cam
po ; Lisboa offerece aos viajantes; que demandam
o seu porto, um dos mais grandiosos e encantado
res panoramas, que se encontram em todo o glo
bo. Na belleza e magestade da sua perspectiva ri-
valisa com a cidade de Constantinopola, e sobrele
va, sem duvida, a Genova e a Napoles, segundo a
opinião competente e imparcial de muitos viajan
tes instruidos, dos quaes apenas citaremos Byron.
O seu porio é um dos mais amplos e seguros do
mundo ; e hoje, attenta a crescente prosperidade
do Brazil, e o começo do desinvolvimento da Afri
ca occidental, é o mais adaptado para um grande
emporio commercial, que certamente se estabele
cerá logo que um caminho de ferro, secundado pe
la telegraphia electrica, nos ponha em immediata
communicação com toda a Europa. Desde a barra
até a praça do Commercio a sua largura regula por
meia legua. Depois forma uma grande bacia, ou
reconcavo, na parte do sul, que lhe dá duas leguas
de largo entre o arsenal do exercito e a villa do
— 31 —
Barreiro, e tres leguas entre Braço de Prata, arra
balde oriental da cidade, ea villa d'Aldêa Gallega.
A barra é defendida pelas fortalezas de S. Ju
lião, e de S. Lourenço ou do Bugio, edificadas em
frente uma da outra, mediando um espaço demais
de uma milha. A primeira foi começada por el-rei
D. João ih, continuada por D. Sebastião, e car
deal rei D. Henrique, e terminada por Filippe n
d'Hespanha ; e a segunda teve principio no gover
no de D. Sebastião, e concluiu-se durante a usur
pação castelhana.
Varios fortes, construidos em differentes epocas,
guarnecem as duas margens do Tejo desde a sua
foz até á cidade. Anteriormente á fundação d'a-
quellas fortalezas a defesa do porto de Lisboa es
tava confiada á torre de S. Sebastião de Caparica,
vulgarmente chamada Torre Velha, e á torre de S. -J
Vicente de Belem, que cruzavam as balas da sua
artilharia. Aquella, reconstruida por el-rei D. Se
bastião, mas cuja primeira fabrica foi obra de D.
João i, serve actualmente de lazareto. A de S.Vi
cente, projectada por D. Jcâo n, e executada por c 5
el-rei D. Manuel, é ao presente fortaleza de regis
tro, e ao mesmo tempo um dos mais lindos e cu li
riosos monumentos d'arte da capital.
A respeito da divisão civil eecclesiastica de Lis c 3
boa dá-se uma circunstancia notavel, e talvez uni
ca na historia das grandes povoações; e vem a ser,
que nas diversas alterações porque tem passado
aquella divisão, ora tem sido diminuida' oraaug-
mentada a cidade pelo simples effeito de um decre
to. Quando se instituiu a patriarchal, D. João v
dividiu Lisboa em duas cidades distinctas , com
dois senados da camara, e mais autoridades res
pectivas, e em duas dioceses com prelados sepa tu
rados. Uma denominando-se Lisboa Oriental, con
tinuou a ser sede de um arcebispo. A outra, a que
se deu o nome de Lisboa Occidental, foi erigida em
patriarchado. No fim porém de alguns annos foi
extincto o arcebispado; e reunidas as duas cida *
des, tornaram as coisas ao estado anterior sob o
governo «eclesiastico de um patriarcha.

%
— 32 —

El-rei D. José, vendo o arrabalde deBelem po-


voar-se e crescer até pegar com a cidade, encor-
porou-o n'ella, decretando que fosse considerado,
como um dos seus bairros. De então para cá teem-
se estreitado mui consideravelmente os laços, que
prendem o novo bairro aos antigos da cidade, a
ponto de formarem uma não interrompida povoa
ção. Todavia ha sete para oito annos foi restrin
gido o ambito de Lisboa, creando-se os dois no
vos concelhos deBelem, para ooccidente, e dos
Olivaes, para o oriente.
Entretanto, apezar d'esta divisão, contraria á
ordem natural do desinvolvimento das cidades,
continuaremos a considerar Belem como parte in
tegrante, que é, de Lisboa.
Não nos permittindo os limites d'este nosso tra
balho, que historiemos todas as mudanças, que
tem havido na organisação geral da cidade, fat
iaremos só da actual.
Divide-se administrativamente a capital em qua
tro districtos ou bairros, chamados d'Alfama, Ro
cio, Bairro-Alto e Alcantara, cada um com seu ad
ministrador, fora outras autoridades subalternas.
Judicialmente está dividida em seis bairros, ou jul
gados, presididos por seis juizes de direito, que
dão audiencia no extincto convento da Boa Hora,
e constituem com os jurados o tribunal de primei
ra instancia. No mesmo edificio funccionam tres
juizes de policia correccional, e os dos orphãos.
A divisão fiscal compõe-se de recebedorias, defre-
guezia, cada uma das quaes abrange, de ordina
rio, duas e tres parochias, e é dirigida por um re
cebedor sob a fiscalisação de um escrivão de fazen
da. Quanto ao militar tem uma guarnição compos
ta de quatro regimentos de infanteria, dois bata
lhões de caçadores, um regimento de lanceiros,
um regimento de artilharia, e um batalhão de sa
padores, com um general commandante da força
armada. E a policia da cidade é feita por dois re
gimentos da guarda municipal, um de infanteria,
e outro de cavallaria ; e por cabos de policia, uns
tantos por cada freguezia, sob as ordens de um re
gedor de parochia.
33
A organisação municipal consta de uma camara
municipal com treze camaristas, elekos de dois
em dois annos, e entre os quaes se reparte o go
verno da cidade por pelouros — da illuminação,
da limpeza, das obras, dos jardins e passeios pu
blicos, ete.
Ecclesiasticamente está dividida em trinta e no
ve freguezias, incluindo Belem.
Como capital dedistricto, dopatriarchado, ede
toda a monarch ia, Lisboa é sede da corte ; das duas
camaras legislativas; dos ministerios do reino, guer
ra, fazenda, justiça, marinha, estrangeiros, obras
publicas, commercio, e artes; do conselho dista
do ; do cardeal patriarcha ; do supremo tribunal de
justiça ; dos tribunaes da relação, do commercio
de primeira e segunda instancia, do supremo con
selho de justiça militar, da relação ecclesiasti-
ca, edo tribunal de contas; do conselho ultramari
no ; de um governador civil ; de um general com-
mandante da primeira divisão militar do reino ; e
de uma infinidade de repartições, dependentes dos
ílivsrsos ministerios.
Não é conhecida, ou é muito duvidosa a epoca
da instituição da diocese lisbonense. A noticia au-
thentica mais antiga, que d'ella se encontra, é res
pectiva ao anno de 589, em que era bispo de Lis
boa um prelado chamado Paulo. Com a invasão dos
moiros perdeu a cidade esta preeminencia, que re
cuperou logo depois de tomada por D. Affonso Hen
riques, sendo nomeado bispo D. Gilberto. El-rei D.
João i alcançou do papa Bonifacio ix, por bulia de Lfl
tt.
10 de Novembro de 1394, a erecção d'esta cgreja I .•.>
em metropolitana, e foi seu primeiro arcebispo D.
João Annes. Entre os arcebispos, seus successores,
contam-se seis cardeaes, tres d'estes principes, D.
Jaime, filho do infante D. Pedro, duque de Coim
bra, e neto de D. João i, o infante D. Affonso, e o
infante D.Henrique, filhos d'el-rei D.Manuel. A
instancias d'el-rei D. João v, o papa Clemente xi
erigiu em patriarchado a parte occidental da cida
de de Lisboa, e do arcebispado, por bulia de 7 de
Novembro de 1716; e por sollicitação do mesmo
vOL. ii. 3 '
— 34 —

soberano foi extincto o arcebispado, e unido ao pa-


triarchado por bulia de Benedicto xiv, datada de
13 de Dezembro de 1740. A patriarchal foi creada
com tão grandes privilegios, e com tamanho faus
to e grandeza, que nas funcções religiosas era uma
imitação em ponto mais pequeno da corte do sum-
mo pontifice. Por um d'estes privilegios os patriar-
chas são declarados cardeaes pelo papa no primei
ro consistorio depois da sua nomeação. 0 primei
ro patriarcha foi D. Thomaz d'Almeida , da casa
dos senhores marquezes de Lavradio, sendo trans
ferido do bispado do Porto.
Lisboa encerra mais de duzentos templos, vin
te e cinco dos quaes pertencem a conventos de re
ligiosas, que são umas trezentas presentemente. 0
primeiro em antiguidade ejerarchiaé a sépatriar
chal. E' muito incerta a epoca da sua fundação. Vas
a attribuem a D. Affonso Henriques ; outros aos
moiros; e outros ainda a eras muito mais remo-
tas. As ruinas que lhe teem causado varios terre
motos, e as reconstrucções que tem tido, altera
ram n'umas partes e destruiram n'outras as feições
primitivas do monumento. E' um grande templo
de tres naves, que, apezar de tudo, contém algu
mas antigualhas curiosas. Na capella-mór estão os
tumulos de D. Affonso iv e da rainha D. Beatriz,
Tambem ahi se acham sepultados outros princi
pes, arcebispos, e muitas pessoas distinctas. Pos-
sue vasos sagrados e alfaias de muita riqueza c
primor artistico.
As outras egrejas mais notaveis são : Santa Ma
ria de Belem, outr'ora pertencente ao mosteiro de
monges de S. Jeronymo, e hoje parochia : foi edi
ficada por el-rei D. Manuel em agradecimento, e
memoria do descobrimento da lndia, e no proprio
sitio, onde embarcou Vasco da Gama para essa ou
sada empresa. E' um formoso e magnifico monu
mento do ultimo periodo da architecturagothica.
N'elle repoisam em tumulos de marmore o funda
dor, e sua segunda mulher, D. João m, e a rainha
D. Catharina, el-rei D. Sebastião, ou uns ossos que
vieram d' Africa como seus, o cardeal rei, e varios
— 35 —
infantes fithos d'el-rei U. Manuel, e D. João ih.-—
A basllica do Coração de Jesus, fundada pela rai
nha D. Maria i em 1779. E um templo muito
sumptuoso, construido de ricos marmores com in
finita variedade de bellas esculpturas. Na capella-
mór jaz em soberbo mausoleo a rainha fundado
ra. — S. Vicente de Fora, que pertenceu ao conven
to dos conegos regrantes de Santo Agostinho, ac
tualmente residencia do cardeal patriarcha. Da
primitiva fabrica, que foi obra de D. Affonso Hen
riques, nada existe. Tudo o que se vê foi recons-
trucção de Filippe n de Castella, pouco depois de
usurpar a coroa de Portugal. E' uma grande eri
ca egreja de tres naves, tambem construida de bons
mármores decores, e enriquecida de algumas obras
de mosaico. Ao lado da capella-mór está ojazigo
dos patriarchas, e por traz d'aquella o real pan-
theão da casa de Bragança desde el-rei D. João iv,
que descansa em um magnifico tumulo. — A egre
ja de S. Roque, que foi dos jesuitas, e agora é da
misericordia, é notavel pela riquissima capella de
S. João Baptista, mandada fazer em Roma por el-
rei D. João v, armada e benzida dentro da egreja
de S. Pedro pelo papa Clemente xiv, que n'ella
disse a primeira missa; e que custou dois milhões de
cruzados, com os vasos sagrados, paramentos, e
mais alfaias, que ahi se conservam. E' fabricada
de verde antiquo, porfido, jaldo, alabastro, lapis-
lazuli, amethistas, e cornelina. Os tres paineis de
mosaico são admiraveis. — S. Domingos, egreja
outr'ora do convento dos frades dominicos , e ao
presente parochia de Santa Justa. Foi reconstrui
da inteiramente depois do terremoto de 1755. E'
um templo vastissimo de uma só nave, todo guar
necido de bellas coluranas colossaes de marmore
cor de rosa. Os paineis são de Pedro Alexandrino,
um dos nossos pintores mais estimados dos fins do
seculo passado. — Nossa Senhora dos Martyres, a
mais antiga das parochias de Lisboa , fundada por
D. Affonso Henriques no sitio, onde se enterra
ram os estrangeiros, que morreram em seu auxi
lio no assedio e tomada de Lisboa. Destruida em
— 36—

1755 pelo terremoto, foi logo depois reedificada


com profusão de bons marmores. — A egreja pa-
rochial de Nossa Senhora da Encarnação é um gran
de templo, levantado depois do terremoto. — A egre
ja de Jesus, que foi dos religiosos terceiros francis
canos, e agora é parochia de Nossa Senhora das Mer
cês, e a egreja dos Paulistas, que foi dos frades da
congregação da Serra d'Ossa, e ao presente é fre-
guezia de Santa Catharina, são dois vastos e ricos
templos. Este foi começado em 1647, e escapou ao
terremoto. Aquelle, derrocado comptetamente por
este cataclismo, é reconstrucção posterior. — As
egrejas parocfaiaes de S. Nicolau, e S. Julião, cuja
reedificação se concluiu ha poucos annos, são dois
bellos templos em que se admiram magnificos mar
mores decores, e exccllentes esculpturas. O tecto
do primeiro foi pintado pelo senhor Fonseca, e o
do segundo pelo senhor Joaquim Raphaef, ambos
lentes de pintura da academia das bellas artes. —
A egreja de Nossa Senhora da Graça, que pertenceu
aos eremitas de Santo Agostinho, e actualmente pa-
rochia de Santo André e Santa Marinha, é recom-
mendavel pelo santuario do Senhor dos Passos, por
alguns bons quadros, c pelo riquissimo tumulo de
marmore e bronze, com lindos mosaicos, em que
jaz D. Mendo de Foios, secretario d'estado de D.
João v, o qual se acha na sachristia. Junto ácasa
do capitulo do convento contiguo, que ao presen
te é quartel militar, esta a sepultura do grande Af-
fonso d'Albuquerque. — A egreja de Santo Anto
nio, fundada por el-rei D. Manuel, e por disposi
ção testamentaria de D. João n, no proprio logar
das casas em que nascera o.Thaumaturge ; arrui
nada pelo terremoto de 1755,' e reedificada desde
os alicerces por el-rei D.. Pedro m, é um templo
fabricado com riqueza , mas de uma architectura
acanhada e mesquinha , principalmente no exte
rior. E' administrado pela camara. — Aegrejade
Nossa Senhora do Loreto, freguezia dos italianos
residentes na capital, erigiu-sc no secuto xvi, ar
deu a primeira vez em 1651, e a segunda em 3 de
Novembro de 1755, tendo licado illesa do terrerao-
37
to. E' um bom templo; comtudo muito menos sump
tuoso n'esta ultima reedificação que na anterior.—
A egreja de Nossa Senhora do Livramento, chama
da vulgarmente da Memoria, em Belem, fundada
por el-rei D. José no sitio onde lhe deram os ti
ros, e em agradecimento por ter escapado d'este
attentado, é toda de marmore por dentro, e com
uma cupula de cantaria. — A egreja da Conceição
Velha é digna de especial menção pelo seu formoso
portico ejanellas dearchitectura gothica. Era aqui
a grandiosa egreja da Misericordia, obra d'el-rci D.
Manuel. Destruida pelo terremoto, menos a capei- • Ti
la do Santissimo, e a porta travessa, que lhe fica
va fronteira, aproveitaram-se na reedificação a pri 4:;..*
meira para capella-mór , e a segunda para porta
principal de um templo de muito menores dimen
sões, que se deu aos freires de Christo com a in
vocação de Nossa Senhora da Conceição, em troca
de outra egreja d'este nome, que elles possuiam,
'i
e que teve dedemolir-se por occasião da nova edi
ficação da cidade. — A egreja arruinada do Carmo ,
que o illustre condestavel D. Nuno Alvares Pereira
fundou cm memoria da celebre batalha d'Aljubar- 5
rota, a qual o terremoto passado arruinou, é ain
da assim um dos nossos monumentos historicos mais
respeitaveis. — A egreja, por acahar, de Santa En-
gracia, começada no seculo xvn, é um colosso de
pedraria de architectura pesada e original.
• Contam-se em Lisboa treze praças principaes,
cincoenta e dois largos, trezentas cincoenta e sete
ruas, duzentas e dezeseis travessas, sessenta e cin 5 J
co calçadas, e cento e dezenove becos. As praças
mais bellas são as seguintes : A do Commercio, vul
go Terreiro do Paço, vastissima, com tres magnifi
cos caes sobre o Tejo, cercada dos palacios das se
cretarias d'estado, alfandega, e outras repartições,
é ornada no centro com a estatua equestre de D.
José i, obra do insigne esculptor Joaquim Macha
do de Castro, efundida porBartholomeuda Costa.
A estatua equestre, fora o pedestal, tem trinta c
um palmos c meio de altura, é de bronze e tem
de peso oitenta mil seiscentos c quarenta arraieis.
— 38 —

Foi inaugurada em 27 de Maio de 1775 com ex


traordinarias festas. — Praça de D. Pedro, antiga
mente do Rocio, é grande, e tambem regular. No
lado do norte ergue-se o magestoso theatro de D.
Maria ii, e no centro está principiado um monu
mento a D. Pedro iv. — Praça da Figueira, serve
de mercado.— Praça do Pelourinho, é mais peque
na que as precedentes. Guarnecem-lhe os lados de
leste e do sul os edificios do banco de Portugal, e
do arsenal da marinha. No meio eleva -se uma es
belta columna vasada, e inteiriça, que foi pelou
rinho. — Praça dos Romulares, com um caes sobre
o rio, é pequena, mas regular, e orlada de bons
predios, e de arvores. — Praça da Ribeira Nova,
é o mercado do peixe, tambem com um caes. —
Praça de S. Paulo, com a egreja parochial d'este
santo, é guarnecida d'arvores, e tem no centro um
belto chafariz. — Praça da Alegria, é toda planta
da d'arvoredo, com bonitas casasem volta. — Pra
ça nova ao Loreto, cujo terreno estava ha pouco
oceupado com os restos do velho palacio dos mar-
quezes de Marialva, e com varios casebres edifica
dos nas suas ruinas. Todos os predios que a cer
cam são de architectura regular. — Largo do Car
mo, arborisado, e com um bom chafariz, tem em
redor predios regulares, e a velha egreja do Carmo.
— Campo de Santa Anna, è uma grande praça, mo
dernamente aformoseada com passeio d/arvoredo
ajardinado. D'entre muito bons edificios , que a
guarnecem , sobresae a rica e linda casa do se
nhor Costa Lobo. — Praça de D. Fernando n,
antigamente Largo de Belem , é uma vasta pra
ça, orlada de arvores, banhada, pelo Tejo do lado
do sul, onde tem um optimo caes, e decorada do
lado do norte pelo palacio do picadeiro real, e pe
los jardins do real paço de Belem. — Praça do Prin
cipe Real, antigamente da Patriarchal Queimada, é
arborisada, e vae ter melhoramentos.
As melhores ruas são as cinco, que saem da pra
ça do Commercio — rua Augusta, Aurea, Bellada
Rainha, Nova da Alfandega, o do Arsenal, as ruas
Nova d'El-rei, Nova do- Almada, Nova do Carmo,
— 39 —
Chiado, de S. Francisco, do Alecrim, Larga deS.
Roque, Ai Escola Polytechnica, da Fabrica das Se
das, Direita da Junqueira, ete.
Os palacios reaes são os à' Ajuda, e Belem, das
Necessidades, c Bemposta. O ã'Ajuda foi começado
pelo principe regente, D. João, logo depois do in
cendio, que pelos annos de 1795 devorou uma gran
de parte do palacio velho d' Ajuda , construido á
pressa de madeira, para residencia d'el-rei D. Jo
sé e sua familia, depois que o terremoto de 1755
lhe destruiu os paços da Ribeira. O novo paço, de
vido aos architectos José da Costa e Silva, e Fran
cisco Xavier Fabri, apenas tem levantada uma ter
ça parte da sua planta geral, mas ainda assim, no
que está feito, que já tem custado muitos milhões
de cruzados, se poderia accommodar uma numero
sa familia real. Encerra muitos e espaçosissimos
salões, e está decorado com grande numero de es
tatuas de marmore, e de pinturas, dos nossos me
lhores esculptores e pintores modernos. — O pala
cio das Necessidades é a residencia ordinaria d'el-
rei e familia real. Foi mandado fazer por D. João v
para hospedagem dos principes estrangeiros, quo
visitassem esta cidade. Ao presente acha-se inte !: 5
riormente ornado e guarnecido com muita elegan «*■- í:
2
cia e riqueza. Contém numerosos objectos d'arte
de muita valia e primor, em pintura, eesculptura,
um rico museu, organisado por el-rei osenhorD. '3
Pedro v, e pelo senhor infante D. Luiz ; uma boa
livraria, e uma bella collecção d'arraas antigas,
pertencente a cl-rei o senhor D. Fernando. A quin ' 5
i; -
ta contigua é muito formosa, tanto pelo gosto com
que está plantada, como pela riquissima collecção
de plantas exoticas, que possue. — O palacio de Be
lem foi comprado ao conde d'Aveiras por el-rei D .
João v, que o melhorou, c cercou de jardins orna
dos de cascatas, lagos, estatuas, vasos^e viveiros.
Tem uma quinta com lindas ruas de bosque. Cos
tuma servir este palacio para os bailes da corte.
'a ,
No topo da quinta está um palacete , chamado do
Pateo das Vaccas, porque a sua entrada principal
deita para um pequeno largo ou pateo d'este no-

-w
— 40 —

me. — O palacio Velho está immediato ao novo de


Ajuda. E' a parte que escapou ao incendio, eque
apezar d'isso é um grande edificio, que estende uma
das suas frentes pelo jardim botanico. — O palacio
da Bemposta, fundado pela rainha de ínglaterra,
D. Catharina de Bragança , viuva de Cartos n de
Inglaterra, e filha do nosso rei D. João ív. N'elle
viveu nos seus ultimos annos el-rei D. João vi,
e ahi falleceu a 10 de Março de 1826. A eapella
contém alguns quadros de merecimento , e boas
obras de esculptura. E' collegiada servida por co
negos. N'éste palacio acha-se estabelecida a esco
la do exercito. Tem uma extensa quinta.
Ha na cidade quatro arsenaes, um de marinha,
e tres do exercito. O primeiro é magnifico. E' obra
do marquez de Pombal. Está hoje muito melhora
do. Possue um soberbo dique, uma caldeira, dois
estaleiros, excellentes officinas, grandes armazens,
e uma vasta sala do risco, onde ha uma corveta pa
ra exercicio dos aspirantes. — Dos tres arsenaes do
exercito, o chamado Fundição de baixo, teve por
fundador el-rei D.João v, posto que geralmente se
crê ser D. José i. Tem um rico portico de canta
ria, ornado de cotumnas, e tropheos. Encerra, além
dos armazens e officinas, varias salas d'armas. — O
chamado Fundição do Campo de Santa Clara, guar
da um curioso deposito de peças d'artilharia anti
gas, tomadas pelos portuguezes em diversas bata
lhas. Tem a celebre colubrina de Diu, e muitos e
lindos. canhões hespanhoes, francezes, inglezes, e
hoilandezes. No mesmo edificio está um museu de
machinas, d'armas, e do diversas antiguidades e
curiosidades. — O arsenal denominado Fundição de
cima contém, além das officinas de fundição, e ou
tras, o modelo da estatua equestre.
Os theatros são sete. S. Cartos, de opera italia
na, edificado em 1793, grande e bem decorado, com
cinco ordeift de camarotes, e uma esplendida tri
buna real. — Theatro de D. Maria ii, de declama
ção, começado em 1844 e concluido em 1847. E'
um sumptuoso monumento com quatro frentes, to
das de marmore, ornado de columnas, estatuas, ai

;
-41-

tos e baixes relevos. As decorações interiores tam


bem são ricas. Tem quatro ordens de camarotes
com tribuna real. Está editicado no sitio onde es-
ve o antigo palacio dos Ebtáos, depois transforma
do em inquisição, e depois ainda em palacio do the-
souro publico, que ardendo em 1836, deuoccasião
a edificar-se o theatro. Teve este por architecto
Fortunato Lodi. — Theatro de D. Fernando, de de
clamação, construido pelo architecto francez Ar-
nould Bertin, nos restos por acabar da egreja de
Santa Justa. Foi inaugurado em 1849. Tem qua
tro ordens de camarotes, e camarote real particu
lar. — Theatro do Gymnasio, de comedia efarça ly-
rica, concluido em 1852 pelos desenhos dos senho
res Rambois e Cinatti. Tem tres ordens de camaro
tes, com camarote particular para a familia real.
— Theatro da rua dos Condes, de declamação, é fun
dação da; segunda metade do seculo passado. E' pe
queno, e mal construido e decorado. — Theatro das
Variedades, de declamação, é o antigo theatro do
Salifre, tambem do seculo passado, e como o ante
rior de pessima construcção, e pobremente ornado.
;
Tem tres ordens de camarotes^ e um d'elles da fa
milia real. — O Café-Concerto é um bello edificio,
construido ;ha tres annos. Encerra um grande e ele
gante salão, onde se costumam dar bailes de mas
caras durante todo o carnaval , e um theatrinho
para farças lyricas francezas. Alem d'estes ha va
rios theatros particulares.
O circo do Campo de Santa Anna, para corridas
de toiros, erigido em 1829; o circo do Salitre, para
exercicios equestres e gymnasticos, feito no seculo
passado ; a Floresta Egypcia, com um salão para
bailes de mascaras no carnaval ; completamos es
pectaculos publicos da capital.
Jardins e passeios conta esta os seguintes: —
Passeio Public.0, foi plantado pelo inarquezde Pom
bal, augmeutadoe muito melhorado desde 1833 pa
ra, cá com porticos c gradaria do ferro em volta,
com uma nova plantação dirigida com mais gosto,
com uma cascata, quatro lagos, tendo um d'estes
cenU> vinte e nove pés de cirrnmferencia , e tres
_42 —

estatuas de marmore , duas que representam os


rios Tejo e Douro, feitas por Atexandre Gomes, fal-
locido em 1801, e discipulo do insigne esculptor
italiano Alexandre Justi ; e a outra representando
uma nayade, obra do sinzel do senhor Assis, lente
da academia de beilas artes. — Passeio da Estreita,
o maior e mais bello de todos os que estão dentro
da cidade, delineado e plantado com muito bom gos
to em 1850, cercado de grades de ferro, e aformo-
seado com diversas construcções nos annos seguin
tes. Contém uma excellente e copiosa collecçãode
arvores de bosque e plantas de jardim, uma cas
cata, quatro lindissimos lagos, estufa, elegantes
pavilhões, caramachões, etc. — Passeio de S. Pedro
d'Atcantara, começado em 1833 para 1834. A sua
situação elevada proporciona aos que o visitam um
delicioso e variado panorama. Na parte superior
tem um copado bosque , e na parte inferior jar
dim, com dois lagos, cascata, e varios bustos. —
Jardim da Alfandega, estende-se pela frente da al
fandega grande, ao longo do Tejo. Tem uma peque
na estufa. — Passeio da Junqueira, situado junto
ao Tejo, e correndo parallelo árua direita da Jun
queira, que é guarnecida de bellos palacios. Foi
plantado nos fins do reinado da rainha D. Maria i.
— Passeio do Campo Grande, é fora da cidade, mas
a pouca distancia das barreiras. Foi plantado no
reinado de D. Maria i, por ordem de D. Rodrigo
de Sousa Coutinho, ministro do reino. Tem perto
de um quarto de legua de extensão, e é o unico
passeio para carruagens e cavalleiros. Consta de
largas e copadas ruas de bosque, e varios jardins.
As duas estradas, que correm dos lados de fora, e
junto d'elle, são orladas de casas de campo e jar
dins. N'este passeio faz-se em Outubro uma gran
de feira mui concorrida.
O grande reservatorio das Amoreiras e o aque-
ducto das aguas livres formam o mais grandioso
monumento de Lisboa. Toda esta obra foi traçada
e executada pelo engenheiro Manuel da Maia, e por
ordem de D. João v. Teve principio em 1729, e no
fim de vinte annos estava concluido o aqueducto.
— 43 —

A constpueção do reservatorio prolongou-se pelos


seguintes reinados, vindo a terminar-se em 1834.
O aqueducto corre ora soterrado, ora sobre arcos,
que ao todo, em sitios diversos, são cento vinte e
sete. Os mais celebrados, pelo arrojo e elegancia
da construcção, são chamados por antonomasia —
Os arcos das aguas livres. E' a maior, emais atre
vida obra d'este genero, que ha na Europa. Tem
esta ponte-aqueducto trinta e cinco arcos, que sus
tentam a galeria por onde veem os canos da agua,
e dois passeios para gente de pe, um de cada lado.
O arco grande conta duzentos e trinta pes e dez
pollegadas d'altura, e cento e sete e oito pollega-
das de largura. A maior elevação de todo o mo fcj§
numento é de duzentos sessenta e tres pes. Resis
tiu ao terremoto. O reservatorio leva perto de on
ze mil pipas d'agua. A extensão das diversas ga
lerias do aqueducto, longitudinal, e transversaes, 4
perfaz a somma de sete leguas.
Lisboa é abastecida d'agua por muitas fontes e
chafarizes, uns alimentados por aquelle aqueduc
to, e outros pormananciacs, que nascem do monte
do castello de S Jorge. Os de melhor fabrica são: ::ti 5•»
o das Necessidades, no largo em frente do paço, com n.. JJ
um esbelto obelisco; o das Janellas Verdes, com
uma boa estatua de Venus; o de Belem; o d Alcan
tara, com uma acanhada estatua de Neptuno ; o da
praça de S. Paulo, com uma engraçada pyramide ;
o da Esperança ; o do Carmo, com os seus quatro
arcos formando um como pavilhão; e emfim a hu 5
milde fonte da Samaritana, junto a Xabregas, co '■■• J
mo memoria da sua illustre fundadora, a rainha
D. Leonor, mulher de D. João n, e irmã d'el-rei
D. .Manuel. <3
Os principaes hospitaes da cidade são sete. O de
S. José é o primeiro, e pode comparar-se no seu
serviço aos melhores estrangeiros. Occupa o anti
go convento de Santo Antão, que foi dos jesuitas,
começado em 1579. Tem dez enfermarias de ci
rurgia, e sete de medicina. Encerra ordinariamen
te para cima de mil enfermos. A botica, laborato
rio chimico, deposito de roupas, cozinha, dispen-

r
— 44 —

sa, e outras mais officinas, são magnificas. Possue


corca, e um jardim botanico. — Hospital do Des
terro, no editicio do extincto convento de Nossa Se
nhora do Desterro, de monges de S. Bernardo. E'
uma delegação do deS. José. — Hospital de Ritha-
fothes, no extincto convento dos congregados da
missão de S. Vicente de Paulo. E' de alienados de
ambos os sexos. Tem uma grande corca, euinbel-
lo estabelecimento de banhos publicos, e para uso
do hospital, construido em 1851. —. Hospital de S.
Lazaro, para molestias cutaneas contagiosas e chro-
nicas. — Hospital da marinha, para os doentes da
armada, e repartições da marinha. Foi edificado
' expressamente para este serviço por mandado do
principe regente D. João., e principiou se em 1797.
E' um bello edificio, situado em terreno alto, com
extensa vista de cidade e mar. Tem doze enferma
rias, e grandiosas officinas. — Hospital da Estrel-
la, para militares, no extincto convento de Nossa
Senhora da Estrella , de monges de S. Bento. —
Hospital de Belem, tambem militar, no extincto
convento da Boa Hora. Além d'estes ha muitos ou
tros hospitaes de confrarias e irmandades; a Caso
de saude, hospital particular, que recebe doentes
pagando um tanto por dia; e dois hospitaes estran
geiros, o de S. Luiz, rei deFrança, dos francezes ;
c o dos Cyprestes, dos inglezes.
Ha mais os seguintes estabelecimentos de cari
dade. A santa casa da misericordia, asylo dos ex
postos, no antigo convento de S. Roque, dos jesui
tas, fundado em 1567, e a instituição da Miseri
cordia no fim do seculo x?, no reinado de D. Ma
nuel. Tem a seu cargo, dentro e fora do edificio,
mais de dez mil engeitados. —A Casa pia,asylo e casa
de educação de orphãos pobres, no antigo mosteiro
de Santa Maria de Belem, de monges de S. Jerony-
mo. Fundou esta instituição a rainha D. Maria i cm
1783. Em 1834 passou do edificio do Desterro pa
ra o actual, sendo então este estabelecimento pio
reformado e melhorado, e continuando a ter pro
gressivos melhoramentos. Contém de oitocentos a
novecentos alnmnos de ambos os sexos, e umcol
— 45 —
legio de surdos-mudos, para todos os quaes ha mes
tres e officinas de todas as artes liberaes eoificios
mechanicos. O edificio, obra d'el-rei D. Manuel,
como já dissemos, fall-ando da egreja, tem partes
de muita riqueza artistica, como o claustro, refei
torio, casa do capitulo, por acabar, etc. — Asylo
da mendieidade, instituido no reinado da senhora
D. Maria n no extincto convento de Santo Antonio
dos Capuchos, fundado em 1570, e reedificado de
pois do terremoto. Os pobres de ambos os sexos
aqui recolhidos regulam por novecentos. — Asylos
da infancia desvalida ha diversos na cidade, e um
no Campo Grande em editicio construido expressa
mente para esse fim pelo corpo do commercio de
Lisboa, em commemoração da exaltação ao throno
de sua magestade o senhor D. Pedro v. Esta insti
tuição data de 1834, e tem por protectora sua ma
gestade a imperatriz duqueza de Bragança. — Asy-
lo de Nossa Senhora da Conceição, de raparigas aban
donadas, é de fundação recente. Ha um recolhimen
to de irmãs de caridade.
Ha na cidade quatro cadêas. — A do castello, pa
ra militares; a do limoeiro, para presos civis; a do
atjube, que serve actualmente para mulheres ; ea
da gate, dentro do arsenal da marinha, para os con-
demnados a trabalhos publicos. A do timoeiro foi
o antigo paço real da Moeda, onde morou et-rei D.
Fernando, e onde o mestre d'Aviz, depois rei D.
João i, assassinou o celebre valido da rainha D.
Leonor Telles, chamado João Fernandes Andeiro,
conde de Ourem. As torres da barra e a de Belem
já teem servido de prisão , e teem casas proprias
para isso. i
Os quarteis de tropa são dez. O do corpo dema-
rinheiros em Alcantara, edificado ha pouco, é o mais
bello e melhor de todos. — O dos lanceiros, na cal
çada d'Ajuda, tambem é grandioso. — O de infan-
teria n.° 1, na mesma calçada, é vasto, e tem no
meio uma grande praça deparada. — O de S. João
de Deus, de infanteria n.° 2, occupa o convento, que
foi dos hospitateiros de S. João de Deus, fundado
no seculo xvn. E' um bom edificio. — O de Campo
— 46 —

d'Ourique, de irifanteria n.° 16, foi construido no


começo d'este seculo. — 0 de Valte de Pereiro, de
caçadores n.° 1. — O àa Cruz dos quatro Caminhos,
do regimento d'artilhana n.°l. — O da Graça, de
infanteria n.° 10, no convento que partenceu aos
eremitas de Santo Agostinho. — O do casteltodeS.
Jorge, de caçadores n.° 5. — O do Carmo, da guar
da municipal, no convento que foi dos frades car
melitas.
Os outros edificios principaes da cidade, ainda
São mencionados são os seguintes. — Q da escola
polytechnica, magestoso palacio que está em recon-
strucção. Era o convento dos jesuitas da Cotovia,
onde o inarquez de Pombal fundou, depois da ex-
tincção d'esta ordem, o collegio dos nobres, que a
seu turno foiextincto, e substituido por aquella es
cola. O antigo edificio foi destruido por um incen
dio em 1843. — O palacio das cortes, era o conven
to de S. Bento da Saude, de monges benedictinos,
construido em 1598. E' um edificio immenso, e to
davia não chegou a concluir-se. As duas salas dos
pares e deputados foram construidas em 1834.
Tambem se achaaccommodadon'elteoarchivorejl
da torre do tombo, onde se guardam muitos docu
mentos importantes, e preciosidades historicas e
artisticas, entre as quaes citaremos a famosa Bl
blia dos Jeronymos, dada por el-rei D. Manuel ao
mosteiro de Belem, levada por Junot para França
em 1807, e restituida depois da paz geral, me
diante a gratificação de quarenta mil cruzados pa
ra a viuva d'aquelle general, que a possuia. Vie
ram seis volumes, sendo sete. — O do banco de
Portugal, na praça do Pelourinho, é propriedade
da camara municipal, que occupa para as suas ses
sões e secretaria o palacio da praça do Commer-
eio, que forma o angulo do occidente. A grande
sala das sessões da camara é ornada de ricos pan-
nos d'Arrás, de um quadro de Nossa Senhora da
Conceição, feito por José da Costa Negreiros, e tres
quadros com os retratos de corpo inteiro del-rei
D. João vi, d'el-rei D. Pedro iv, e da rainha a se
nhora D. Maria n. — O da alfandega municipal,
— 47 —

outr'ora terreiro publico, sobre o Tejo, deposito e


mercado de ceréaes, é um grande emagestoso edi
ficio, mandado fazer em 1766 por el-rei D. José u
I
— O ia cordoaria, á Junqueira, edificado por D.
Maria í, é vastissimo. A sala ou armazem, aonde
se fazem as amarras e cordas tem duzentas braças
de comprimento. — O da fabrica do tabaco, era o
convento de S. Francisco de Xabregas, de francis
canos. E' um grande edificio de architectura mui
regular, situado junto ao Tejo, a pouca distancia
das barreiras da Cruz da Pedra. Como estabeleci
mento fabril é coisa magnifica. — O da imprensa
nacional, só é digno de menção pelo estabeleci
mento typographico, que encerra, que está perfei
tamente organisado e servido ; e o >li\ casa da moe
da pelas preciosidades, que ahi se aguardam — O
da academia real das sciencias, era o convento de im
Jesus, de religiosos da terceira ordem de S. Fran 4
cisco. Foi fundado em 1615, destruido pelo terre
moto, e reconstruido depois. Está nelle o museu
nacional, e galeria de pinturas, que devem ser trans
feridos para o edificio da escola polytechmca, logo j 5
que estejam promptas as salas para os receber. —
O novo matadoiro , que está em construcção , na
Cruz do Taboado. í, '„
Não possue esta cidade palacios particulares, que 3 5
se possam chamar sumptuosos. Todavia alguns tem,
que sobresaem por belleza de architectura, ou por
suas proporções grandiosas, ou pela riqueza dos
seus aposentos. Sob este triplice ponto de vista as
melhores residencias são as dos senhores duques
de Palmella, ao Calhariz, e na rua da Fabrica da
Seda ; condes do Sobral, ao Calham ; marquez de
Vianna, ao Rato ; conde de Farrobo, na rua do Ale
crim ;*Bessone, na ruadoFerregialdeCima ; mar
quez de Castello Melhor, ao Passeio Publico ; mar . .uí
quez de Pombal, na rua das Janellas Verdes, ha
bitado por sua magestade a imperatriz ; marquez
da Ribeira Grande, de Fonseca, e do visconde da
Junqueira, todos tres na rua da Junqueira; mar-
quezes d'Abrantes , na calçada do mesmo nome ;
visconde de Porto Covo de Bandeira, na rua de S.
- •4 1
-48-

Domingos á Lapa ; baroneza de Barcelinhos, ao


Chiado; Amaral, na rua da Fabrica da Seda; con
de de Redondo, a Santa Martha ; marquez de La
vradio, no Campo de Santa Clara ; marquez de Ni
za, a Xabregas; e condes de Valladares, ao Car
mo.
Conta Lisboa muitos estabelecimentos littera-
rios, e de instrucção publica, dos quaes enumera
remos os principaes. — Escola polytechnica ; escola
do exercito; naval; de construcção navat ; medico-
cirurgica ; de pharmacia ; veterinaria ; do com-
mercio ; conservatorio real de Lisboa ; instituto in
dustrial ; instituto regional d'agricultura ; tres ly-
ceus ; collegio militar ; collegio dos aprendizes do
arsenal; academia das bèllas artes ; academia reat
das sciencias ; e as seguintes bibliothecas. — Bi-
bliotheca publica, no convento deS Francisco, que
foi de franciscanos, instituida pela rainha D. Ma
ria i, cuja estatua em marmore de Carrara, feita
segundo o modelo de Joaquim Machado de Castro,
por Faustino José Rodrigues, e Feliciano José Lo
pes, adorna uma das suas salas. Encerra mais de
cento e quinze mil volumes impressos, dezmil ma-
nuscriptos, entre uns e outros muitas obras raras,
e ricas, e um medalheiro com mais de vinte e cin
co mil medalhas. — Bibliotheca da academia, tam
bem publica, no convento de Jesus, com cincoen-
ta mil volumes. — Bibliotheca de S. Vicente, no con
vento d°este nome, ao qual pertencia, contem uns
vinte e dois mil volumes. Pertence actualmente aos
patriarchas de Lisboa. — Bibliotheca da marinha,
no edificio do respectivo arsenal, com uns onze mil
volumes. — Bibliotheca das Necessidades, fundada
por D. João v no convento de Nossa Senhora das
Necessidades, dos congregados deS. FilippeNery,
contigua, e fazendo parte do paço real do mesmo
nome. Contém uns trinta mil volumes. — Biblio
theca d'Ajuda, era a antiga livraria real, consta de
uns vinte e oito a trinta mil volumes. — A dos
Paulistas, no convento doeste nome, e pertencen
te á sociedade Promotora da Industria i Alem des
tas ha outras ainda em diversos estabelecimentos
— 49 —

de instrucr.ão, c em repartições publicas; e mui-


tas particulares ricas u copiosas.
Museus, além do nacional, do das Necessidades,
e da fundição do Campo de Santa Clara, de que já
falíamos, ha o da escola polytecl'nica, o da marinha,
no arsenal, o archeologico da bibliotheca publica ; o
de Bemfica' de sua alteza real, a senhora infanta
D Isabel Alaria ; o dos marquezes d'Anyeja, na rua
da Junqueira ; o do senhor conde de Thomar, e va
rios outros mais particulares.
Jardins botanicos contam-se o d'Ajuda, o de/e^
eus, da academia real das seiencias, eo de S.José,
da escola medico-cirurgica.
São sete os cemiterios. O de Nossa Senhora dos
Prazeres, e o do Alto de S. João, povoados de ri
cos mausoleos, e plantados d'arvoies e llores, são
os melhores. — O d'Ajuda é tambem arborisado,
mas tem poucos tumulos. — O dos Cyprestes, per
tencente aos inglezes, que n'elle teem a sua capei-
la, possue muitos e bons mausoleos.—- O da Boa
Morte, dos alemães, é pequeno, assim como o de
S. Luiz, dos lrancezes, e o dos judeus.
Lisboa conserva poucas antiguidades, além das
que vão citadas. Entretanto é importante e digna
de attenção a cidadella moirisca, e os restos do
paço dos reis moiros no castello de S Jorge. Ain
da ahi se vê a porta, onde se entalou Martim Mo
niz, para facilitar a tomada da cidade. Sobre a por
ta está a sua cabeça em marmore, mandada ati por
por D. AfTonso Henriques. A parte moderna do cas-
tello, onde está a bateria, prisões, casa do gover
nador, ete, acha-se aformoseada com muito ano-
redo, e flores. Restam tambem algumas torres, e
pedaços da muralha d'el-rei D. Fernando em dif-
ferentes pontos da cidade. Na parede de uma casa
á Magdalena estão embebidas umas lapidas com
inscripções romanas, encontradas em excavações.
Lisboa é illuminada a gaz desde o annode 184S).
Possue muitos e bons cales; boas hospedarias, e
casas de pasto; varias casas d'assembíea, de que
é principal o Club Lisbonense; muitos estabeleci
mentos de carruagens publicas, e alguns de banho?;
voi.. u. i
;..>.
— so—
grande numero de fabricas, laboratorios, e gabi
netes de physica ; numerosas companhias de com-
mercio e de navegação, etc. A sua população, iu-
cluindo Belem, ascende hoje a trezentas mil almas.
As suas principaes feiras são fora da cidade. Den
tro limitam-se a simples feiras d'arrayal, devendo
comtudo mencionar a classica feira da Ladra, que
se faz todas as terças feiras no Campo de Santa An-
na, e immediações, e na qual se vende todo oge-
nero de objectos usados, e alguns tambem novos,
e gado cavallar. Das de fora a mais notavel e con
corrida is a que se faz no Campo Grande em Outu
bro, e dura quinze dias. Hoje esta em grande de
cadencia pelo feliz resultado das communicações la
ceis. Pela Paschoa do Espirito Santo ha em Saca
vem uma feira, importante em gados, en'este mes
mo artigo tambem são de importancia a do Lu
miar em Junho, a da Agualva em Maio, e a deNos-
sa Senhora da Luz em Setembro. No primeiro do
mingo de cada mez ha mercado de gado junto ao
chafariz do Campo Grande.
Os arrabaldes de Lisboa são formosos, apezarde
que os montes sejam em geral despidos darvore-
do, por serem quasi todos terras lavradias. Os val-
les, porém, são deliciosos pelas muitas quintas de
regalo, e bonitas casas de campo, que os povoam.
Os mais frequentados, e mais bellos, são ao nor
te : —Bemfica, onde sobresaem as ricas quintas e pa
lacios da senhora infanta D. Isabel Maria, dos se
nhores marquezes de Fronteira, dos senhores con
des do Farrobo, e a que pertenceu á fallecida vis
condessa da Iiegaleira. — Queluz, onde se ergue um
grande palacio real, com magnificas salas, e com a
maior c mais sumptuosa quinta de regalo, que ha
em todo o reino, obra d'el-rei D. Pedro m. No pa
lacio nasceu e morreu o senhor D. Pedro iv. — Bet-
tas, notavel pela quinta e palacio antiquissimo dos
senhores condes de Pombeiro. — Lumiar, com a for
mosissima quinta c palacio dos senhores duques de
Palmella. — Nossa Senhora da Luz, aonde esta o
collegio militar, cujo edificio mandou fazer pari
hospital a infanta D. Maria, ultima filha d'cl-rei
•ÍJ1-

D. Manuel. — Ao occidente, Pedroieos, com uma


bella quinta e palacio dos senhores duques de C«-
daval. — Caxias, com um pequeno palacio real, e
quinta, em que avulta uma soberba cascata, e gran
des jardins. — Oeiras, celebre pelas magnificas
quintas e palacio do senhor marquei de Pombal.
Ao oriente, Grillo , com o palacio, e uma linda
quinta dos senhores duques de Lafões. — Chellas,
com um antiquissimo e grande mosteiro de conegas
regrantes. — Poço do Bispo, com o palacio e quin
ta patriarchal. — Olivaes e Sacavem com muitas
quintas particulares, e um convento de freiras.
Os suburbios e termo de Lisboa produzem inui->
tos e excellentes trigos, e outros cereaes ; grande
quantidade de batatas, e cebolas, de que se faz im-
portanto exportação, bem como de laranjas, e ou
tras frutas; são mimosos de todo o genero do hor
taliças, legumes, frutas, creação, ecaça. OTejoe
a vizinha costa do mar abastecem a cidade de in
finita variedade de pescado, que tambem exporta.
Lisboa, finalmente, tem sido berço de muitos e
mui insignes varões, que a teem illustrado, e ser r
vido o paiz com honra e gloria. O seu catalogo é
immenso. Nomearemos tamsóroente os que por mais
eminentes nos veein agora á memoria. O papa João
xxi, nascido e baptisado na frcguezia de S. Julião,
chama va-se antes de subir ao solio pontilicio Pe
dro Julião, e como escriptor era conhecido com o
nome de Pedro Hispano. — Santo Antonio, nascido
e baptisado na parochfa da sé. — 2?/»m D. João i,
o defensor da independencia de Portugal, e o plan
:
tador do nosso poder na Africa. — João das Regras,
o celebre jurisconsulto, que persuadiu com a sua
eloquencia os tres estados do reino, reunidos em
cortes, a por sobre a fronte do mestre d'Aviz(D.
João i) a coroa portugueza, que D. João i deCas-
tella disputava á força d'armas. — D. Duarte de
Menezes, terceiro conde de Vianna, um dos maio
res heroes das nossas empresas d'Africa. — O in
fante D. Pedro, duque de Coimbra, lilho d'el-rei
D.João i, que com tanta sabedoria e justiça, e com
geral acceitação dos povos, regeu Portugal, duran-
II — 52 —

te aD.
menoridade
Francisco d'el-rci
d'Almeida,
D. Affonso
primeiro
v, \iso-rei
seu sobrinho.
da ln

dia, e D. João de Castro, quarto viso-rci do mesmo


c=tàdo, e que são duas das nossas maiores glorias
militares. — Luiz de Camões, principe dos poetas
da peninsula, e um dos primeiros epícos do mun
do, D. Fr. Bartholomeu dosMartijres, arcebispo
de Braga, um dos mais sabios e virtuosos prela
dos, que teem tlorecido n'este reino, e que tanto
lustre lhe deu, quando foi assistir e tomar parte
no concilio tridentino. — Antonio Ferreira, um dos
nossos mais distinctos poetas, e autor da primeira
tragedia, que se compoz na peninsula hespanica,
e a segunda que appareccu no orbe litterario. —
D. Francisco Manuel de Mello, tão elegante na poe
sia, como na prosa. — O padre Antonio. Vieira, o
mais eloquente e energico de todos os nossos ora
dores sagrados, e tambem o mais elegante, discre
to, e primoroso de todos os nossos escripiores. —
Francisco Manuel do Nascimento, mais conhecido
pelo nome de Filinto Ehjsio, distinctissimo poeta
e prosador, autor de muitas ebras estimadissimas,
e restaurador da boa linguagem portugueza. E, fi
nalmente, o senhor Alexandre Herculano, o nosso
primeiro historiador.

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B
— 53 —

A VILLA DE LOULÉ.

E' esta \illa uma das mais antigas povoações do


reino do Algarve. Nada se sabe ao certo sobre a
sua origem, apezar de que alguns antiquarios Ibe '' i:
f' i
assignalem por fundadores os carthaginezes. Ou
tros, menos positivos, periendem que se erigira
das ruinas da antiquissima cidade de Querteira, f ■•
isto e, que se serviu para a sua edificação dos ma- i .;
teriaes da destruida cidade. Dizem que esta exis
tira junto ao mar entre Faro e Albufeira , sobre
um rio, que conserva o mesmo nome de Quertei
ra, e que ainda no começo do seculo passado se
mostravam ncase logar vestigios de edificios auti-
gos.
D'entre tantas noticias inverosimeis ou confu
sas, o que ba de mais averiguado, équeavillade
Loulé já existia ao tempo da invasão dos moiros
iia Península, fosse qual fosse então o seu nomo
e a sua cathegoria.
Esteve, portanto, subjeita aos arabes em todo o
seu longo dominio em o nosso paiz, sendo das ul
timas terias, que a espada vícloriosa dos nossos
reis resgatou do poder dos infieis para a coroa por-
tugueza. Coube esta empresa a D. Affonso m, o
conquistador do Algarve, no anno de 1249.
Como depois da conquista a maior parte dos moi
ros se recolhesse ás cidades africanas do litoral do
Mediterraneo, deixando as terras do Algarve des
:
povoadas e arruinadas, el-rei D. Affonso 111, logo ." 3»

que se viu desassombrado de inimigos, cuidou da -a


as reconstruir e povoar de novo. Para este fim,
em Agosto de 1266, concedeu a Loulé o mesmo
foral, que havia dado a Faro, Silves, e Tavira, o
qual se compunha de grandes privilegios eisemp-
(ões, proprios para chamar a estas terias novos
inoradoics.
D. Affonso v fez conde e senhor de Loulé a D.
Henrique de Menezes, filho de D. Duarte de Me-
— 54 —

nezes, conde de Vianna. Depois passou este senho


rio para D.Francisco Coutinho, conde de Marial
va, que o deu em dote a sua tilha, D. Guiomar Cou
tinho, quando casou com infante D. Fernando, fi
lho mais novo d'el-rei D. Manuel. Não ficando ge
ração d'esie matrimonio vagou a villa para a co
roa. Depois foi dada a aleaidaria-mór aos condes
de Valle de Reis.
Em 1799 foi creado marquez de Loulé pelo prin
cipe regente em nome da rainha D. Maria i, Agos
tinho Domingos José de Mendonça Rolim de Mou
ra Barreto, oitavo conde de Valle de Reis, pae do
actual marquez,.
Loulé gosava no antigo regimen da prerogativa
de enviar procuradores ás cortes, os quaes toma
vam logar no banco nono. O brasão d'arnias d'es-
ta villa consta de um simples escudo branco, sem
mais divisa, conforme se acha na Torre do Tombo.
Está situada em uma arborisada colina, duas le
guas oo noite da cidade de Faro, e cinco ao oeste
.ila cidade de Tavira, contendo uma população de
oito mil e duzentas almas, pouco mais ou menos.
Apezar da sua grandeza não tem mais de uma
parochia, da invocação de S. Clemente. Os seus
edificios religiosos, além d'este, limitam-scà egre-
ja da misericordia, com um hospital bem dotado,
ii a duas ou tres ermidas. Antes da extinrçãodas
ordens religiosas em 1834 , contava denfro dos
seus muros, e fora a pouca distancia, os seguin
tes conventos ; um de eremitas de Santo Agosti
nho, que pertenceu primitivamente aos templa
rios, e fora fundado em 1312 ; o de capuchos da
provincia da Piedade, erigido em 1546 por Nuno
Rodrigues Barreto, e feito de novo, mudando de
logar, em 1692; o de religiosos Agostinhos des
calços, construido no seculo xvii; e um convento
de freiras da Conceição, que começou cm reco
lhimento de mulheres pobres, e que lambem se
acha supprimido.
Era antigamente a villa toda cercada do muros,
com seis portas, e um forte castcllo. Com o tem
po, porém, cresceu a população, e se foi esteii'
— 55 —
dendo para fora da cerca. Hoje véem-se ainda os
muros, mas no centro da villa. O castello está ar . '.
ruinado. .
São muito formosos os suburbios de Loulé. Por
toda a parte se encontram copados arvoredos, fon
tes e arroios de boas e fresquissimas aguas, e mui
tas hortas c pomares bem cultivados. Ha nelles
:. .
varias ermidas. O termo praduz cereaes, legumes,
frutas, vinho, azeite, algum gado, e caça. Os fi
gos, e alfarroba constituem um dos principaes ra
mos da sua cultura.
Segundo se lê em varios autores nacionaes, a
tres leguas d'esta villa, junto ao logard'Alte, que
está situado nas faldas de um monte, existem duas
minas, uma de prata, e outra de cobre.
A 29 de Agosto tem Loulé a sua feira animal
de tres dias.

1. -.'ft
— 56 —

A YHAA E-PSAfilDEHARVAO.

• Km um dos mais altos cabeços da serra de Por


talegre, na provincia do Alemtejo, está assentada
a villa e praça de Marvão. Todavia, posto que este
monte conte meia lcgua de elevação, o cume é per
feitamente plano.
: Para< os lados de norte, sul, e oeste, ê formado
todo o monte de rocha viva, como que cortada a
prumo, atoa uin profundissimo valte, com taes que
bradas, e tão escarpada penedia, queo accesso por
ali é impossivel. O ingresso para a villa é pelo la
do de lêste, onde o dorso da montanha está des
pido de rochedos, e se eleva com menos precipita
da inclinação. Porém ainda assim, e a pezar de su
bir cm voltas, o caminho é muito Íngreme e pe
noso.
Como esta parte é a que olha para a fronte/ra
de Hespanha, d'unde dista uma lcgua, é n'ella que
se acham as princjpaes fortificações da praça ; pois
que as outras estão defendidas pela natureza. Na
raiz do monte ergue-se pois a primeira muralha,
que é banhada pelo pequeno rio Aramenho, o qual
lhe serve de fosso. Dentro da villa para oeste le-
vanta-so o casteljo , acompanhado de alguns ba
luartes.
Dizem os nossos antiquarios, que foi fundada
esta villa quarenta e quatro annos antes do nasci
mento de Christo pelos herminios, antigo povo da
Lusitania, que habitava na serra da Estreha e suas
circumvisinhanças; e que vindo a arruinar-se, ou
sendo destruida na invasão dos sarracenos, foi man
dada reedificar e povoar no anuo da era chi istã de
770 por um moiro chamado Marvão, que era se
nhor de Coimbra, c do qual tomou o nome.
El-rei I). Diniz mandou edificar o castello e a
cerca de muralhas; e nos tempos da guerra da res
taurarão contra o dominio de Castclla, fizcram-s>
t

li .
:
— 57 —
Mie algumas obras de fortificação segundo o sys te
ma moderno.
Marvão gozava antigamente de voto em cortes
com assento no banco decimo primeiro ; e tinha por
alcaides-móres os condes d'Atalaya.
Consiste o seu brasão darmas em um castello
de oiro em campo azul, tendo por cima o escudo
das quinas e duas chaves.
Divide-se a viila em duas parochias, uma da in
vocação de Santa Maria , e a outra intitulada de
Santiago. Tem casa de misericordia, hospital, e
quatro ermidas.
Os moradores fornecem-se de agua de uma gran
de cisterna, que ha no castello, junto ã entrada ;
de um poço de agua nativa ; e de uma fonte, que
líca na encosta do monte, proximo ao caminho,
que conduz para a vil la.
Marvão encerra uma população de mil e trezen
tas almas. De varios sítios da viila descobre-se um
horisonte dilatadíssimo. Veem-se entre outras ser
ranias as da Estrella e de Eeja, e diversas povoa
ções.
Nos suburbios linha um convento de frades fran
ciscanos. O rio Aramenlio faz ferteis os campos cir-
cumvisinhos, onde' ha algumas hortas e pomares. í .
O lenno produz cereaes, legumes, e azeite, en'el-
le se criam gados e caca.
Em, uma quinta, que ah i possue o senhor conde
d Atalaya, leem-se achado muitos vasos de barro,
medalhas, inscripções, e outras antiguidades. Não
muito longe, ainda dentro do termo de Marvão,
descobrem-se minas de edificios antigos em uma
grande extensão de terreno, que bem mostram ter
existido ali uma povoação importante. Conforme a
opinião de um nosso escriptor, que se deu muito
ao estudo das antiguidades do nosso paiz, o padre
Luiz Cardoso, da congregação de S. Eilippe Nery,
essas ruinas são de uma cidade que se denominava
Arménia, Diz o mesmo autor <jue o nome deAra-
menlia, que se dá ali a uma freguezia, c o de Ara
menho, porque se conhece o rio, são corruptelas
do nome d'aríuella cidade.

1
— 58 —
No districto d'esta freguesia de Aramenha er-
gue-se a serra da Portagem, nas abas da qual, pa
ra o lado do.occidente, ha uma caverna de muita
profundidade, que terá cento e cincoenta palmos
de altura. D'ella segue pelas entranhas da serra,
e em direcção do norte, outra caverna compridis
sima, onde os curiosos não se teem atrevido a pe-
trar muito em razão da falta de luz e ar. As pa
redes e abobadas d'estas cavernas são de rocha, e
dizem que mostram signaes de terem sido abertas
por esforço d'arte humana. E' tradição n'aquelles
povos, que foi uma mina de chumbo, que ahi es
teve em exploração.
Dista Marvão duas leguas da cidade de Portale
gre para o nordeste; e uma davilla deCastellode
Vide para o sueste. Valença d'Alcantara é a po
voação do reino visinho, que lhe, fica mais perto,
na distancia de duas leguas. Porém á parte mais
proxima da fronteira, como acima dissemos, não
vae mais de uma lcgua.
"1

'
m
— 59

A VILLA DE MELLO.

Está situada esta villa na provincia da Beira,


nas faldas da serra da Estrella, uma legua ao sul
da villa de Linhares.
Conta-se a sua origem pelo modo seguinte.
Sabendo D. Sueiro Raymundo, que Ricardo, Co
ração de Leão, rei de ínglaterra, se aprestava com
grande exercito para ir á conquista da Terra San
ta , resolveu acompanhal-o n'esta heroica e reli
giosa empresa. Saiu pois de Portugal para se unir U.r-
aos cruzados no anno de 1191. Depois de haver
dado provas do seu valor e coragem na expugna-
ção de Chipre, viu-se finalmente com o exercito
dos cruzados diante dos muros da tão suspirada
Jerusalem. A ordem para o assalto não se fez es
perar muito tempo; e ao nosso D. Sueiro coube,
na disposição das forças para o combate, um lan
ço do muro, que, tomando o nomedeum valle, ou
voragem que lhe ficava visinho, se chamava Mel c;
lo. 1). Sueiro praticou ahi singulares actos de va
lentia, e gentilezas d'armas, com que deixou ma
ravilhados os seus camaradas, que desde então co
meçaram a appellidal-o o Mello.
O lim d'aquclla empresa é sabido, que foi des
graçado, pois que a peste, a fome, e as dissiden
cias, dizimaram os cruzados, obrigando-os a de
mandar os seus paizes.
Voltando D. Sueiro a Portugal, c querendo com-
memorar os seus gloriosos feitos, fundou nas fal
das da serra da Estrella uma quinta com o nome -3
de Mello, e n'clla deu principio a uma povoação-
sinha correndo o anno de 1204, em que reinava
D. Sancho í. No seguinte reinado de D. Affonso n,
foi este l). Sueiro nomeado alferes-mór, cumseu
neto, D. Alem Soares de Mello, foi leito senhor de
Mello, e tambem alferes-mór de D. Affonso m. Ho
je é seu descendente e representante o senhor con
de de Mello, decimo nono senhor de Mello.
— 60 —
Cresceu a povoação, e D. AÍToí10o t a fez villa ;
mas o seu foral foi-lhe dado por el -rei D. Manuel
em 19 de Julho de 1515.
Apezar dos progressos do tempo é ainda hoje
uma pequena povoação, que não chega a Contar
mil almas. Tem uma só parochia da invocação de
Santo Isidoro, egreja da misericordia, hospital, á
cinco ermidas.
A sua posição muito arredada dos portosfde mar,
dos grandes centros commerciaes, e até mesmo das
principaes estradas do reino; a falta absoluta de
communicações laceis, são as causas, que teem ob
stado ao desinvolvimento desta villa ; porquanto
o seu territorio é muito produetivo, e adaptado pa
ra culturas muito lucralivas.
Assentada entre duas fiesquissimas ribeiras,
possuo esta villa lindos arrabaldes, pois que lin
dos são todos os valles da serra da Estrella pela
pomposo- vegetação, que n'elles entreteem em to
das as estações do anno os infinitos arroios, tor
rentes, e rios que se desprendem do alto dos ser
ros, ou que rebentam da raiz da montanha.
Cereaes, legumes, frutas, e vinho, são as pro-
ducções communs do termo desta villa. Mas o prin
cipal ramo da sua industria agricola consiste na
creação de gado, de diversas especies, para o que.
tem magnificas e abundantissimas pastagens.
A villa de Mello tem por brasão d'armas o es
cudo das armas reaes de Portugal, collocadas en
tre duas arvores verdes, cada uma com um melro
em cima.
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a
y

r
61 —

a VItll Dlí MERTOLI.

Foi Mertola uma das mais importantes e nomea


das cidades da antiga Lusitania com o nome de
Mirtilis Júlia.
Segundo a opinião de alguns escriptores deveu
a sua origem aos tyrios e phenicios, que, fugin
do das armas victoriosas de Alexandre Magno, vie
ram aportar á Lusitania, e atii fundaram, trezen
tos e dezoito annoíj antes do nascimento deChris-
to, uma povoarão sobre o Guadiana, a qual deno
minaram Mirtitis, que quer dizer—'Nova Tyro,
e que ao diante se corrompeu em Mertola.
Seja ou nãu verdade esta origem, pelo menos não
repugna dar-lhe credito. Os phenicios eram o povo
mais industrioso da antiguidade. Foi a primeira
nação de que ha noticia, que se deu com fervor e
perseverança ao trafico commercial, saindo do seu
paiz para permutai' as suas mercadorias no estran
geiro, e para explorar fontes de riqueza em remo
tas regiões.
A Peninsula Iberica, paiz então selvagem, e.mui
afastado do centro de civilisnção d'essa epoca, era
uma das regiões, que os pheniceos mais frequen
tavam. Navegando terra a terra, percorriam todas
as cosias do Mediterraneo, devassando os rios, que
n'elle veem desaguar, e saindo ao oceano vinham
tambem surgir em os nossos rios, principalmente
no Guadiana, no Sado, e no Tejo. Exploravam hs
terras visinhas ; recolhiam os produetos, que mais
lhes convinham, sobretudo miniferos; e nos sitios
mais ricos, ou que mais apropriados lhes pareciam
a quaesquer vantagens, fundavam pequenas colo
nias.
E' possivel, portanto, que, no caso de não ser
exacta aquella noticia, aquelles navegadores aven
tureiros, em algumas das suas excursões pelo Gua
diana, fundassem junto ás suas margens uma po
voação.
— 62 —
O que é fora de duvida, éque no tempo em que
Roma estendia por toda a parte o seu dominio, era
Mirtilis uma cidade de tal importancia, que me
receu ser elevada pelos orgulhosos senhores do
mundo á preeminencia de municipio do antigo La-
cio, prerogativa que bem poucas cidades das Hes-
panhas poderam alcançai. Os seus moradores, tal
vez em signal de gratidão por alguns favores re
cebidos, accrescentaram-ihe o nome de Julio Ce
sar, ou este para a honrar lhe deu o seu nome ,
com o que se ficou chamando Mirtihs Julia. En-
contram-se muitas noticias d'esta cidade nos au
tores antigos, e tambem se tem achado nos pro
prios logares muitos vestigios seus, que attestam
a sua prosperidade e grandeza.
Nas invasões dos barbaros do norte, que des
truiram o imperio romano, e depois na dos ara
bes, que derrocaram a monarchia goda, padeceu
muito aquella cidade na expoliação das suas ri
quezas, na ruina dos seus edilic:os, e na morte e
dispersão dos seus habitantes. E' provavel que
tantas calamidades a deixassem inteiramente ar
ruinada, como aconteceu a todas ou quasi todas as
principaes cidades da peninsula. Os moiros recon-
struiram-a, e de novo a povoaram, porém na guer
ra cruenta, que. em breve se accendeu entre o is
lamismo e christianismo, viu-se exposta a novos
desastres c vicissitudes, até que o nosso rei D.
Sancho n a conquistou no anno de 1239, uuindo-a
para sempre á coroa de Portugai.
D'esta vez não foi mais feliz, que na3 guerras
anteriores, pois que n'essa lucta tremenda de clms-
tãos e moiros a espada do vencedor era tão inexo
ravel para os homens, como para os monumentos.
D. Sancho n mandou-a povoar, e fez doação d'clla
á ordem militar de Santiago, para que os seus ca-
valleiros tomassem o encargo de defender aquella
posição importante, por licar fronteira á Andalu
zia, e proxima do Algarve, onde os moiros conser
vavam florecentes estados e grande poder.
Já se vo que em taes circunstancias, não podia
crescer e desinvolver-se a povoarão, que não era
— 63 —
por certo appetecirel uma vivenda tão visinha de
inimigos tão figadaes Por conseguinte só veiu a
tomar algum incremento depois que os sarracenos
foram expulsos da Andaluzia, e do Aigarve.
Deu-lhe foral de villa el-rei D.Diniz, sendo de
ha muito conhecida pelo seu actual nomedeMer-
tola. Gozava então de voto em cortes, sentando-se
os seus procuradores no banco decimo oitato. Eram
seusalcaides-mórcs os condes de Santa Cruz, titu
lo efamilia hoje extinctos.
O seu brasão d'armas é um escudo de prata, e
n'elle um cavalleiro de Santiago a cavallo, e ar
mado de escudo e espada em acção de arremeter.
Na parte superior, juntos a um canto do escudo,
tem dois martelos.
Está sentada estfe villa na encosta de um mon
te, cujas faldas banha o Guadiana pelo lado de es
te, e o pequeno mas fundo rio dOeiras pelo sul.
Dista da eidíde de Beja nove leguas para o sul, e
onze da foz do Guadiana.
Contém a villa de Mcrtola uns dois mil e qua
trocentos habitantes -com uma parochia , egreja c
hospital da misericordia, e cinco ermidas. Teve
um convento da ordem militar de Santiago.
A sua posição é bastante defensavel por natu
reza, e alguma coisa fez a arte em outros tempos
para a tornar mais forte. As margens do Guadiana
e da ribeira d'Oeiras fazem-lhe alegres e aprazi
veis os suburbios, assim como as aguas dos dois
rios concorrem para os fazer produetivos. O ter
mo, que se estende até ás serras de Caldeirão, Agra,
e S. Varão, é dos mais ferieis do Alemtejo. Pro
duz cereacs, legumes, frutas, vinho, cora, muito
mel, gado e caça. O Guadiana fornece a villa de
diversas especies de peixe, sobretudo de solhos,
em que abunda. Tem duas feiras no anno, uma a
l'ò de Junho ; e a outra a 21 de Setembro.
Tanto no terreno oceupado pela villa, como nas
immediações teem-se descoberto em differentes
epocas muitos objectos de antiguidade, e alguns
de grande apreço artistico, como estatuas, vasos,
columnas, cippos, ele. De uma bella ponte, que
— 64 —

es romanos construiram sobre o Guadiana, ainda


restam vestigios. O nosso eruditoescriptor, D. frei
Amador Arraes, bispo de Portalegre, fallandoeru
uma sua obra da villa de Mertola, diz que entr«
umas estatuas de marmore, que nos fundamentos
da misericordia desta villa se acharam, vira uma
de uma matrona, admiravelmente lavrada, e lhe
pareceu tão nobre o trajo, que faz a descripção
d'ella na forma seguinte: «Tiiilia uma roupa até
aos pés, com muitas pregas, muito bem compos
tas, cingida por debaixo dos peitos, que algum tan
to se enxergavam, com um cordão torcido da gros
sura de um dedo; e tinha no meio do peito dois
nós cegos, com dois cabos eguaes, que desciam pa
ra baixo. Tinha seu roupão muito fraldado até aos
pés, posto nos houibros, c com a mão direita ti
nha recolhida grande parte d'elle, e o lançava so
bre a esquerda, do cotovelo até á mão, com gen
til arte.» .
Na antiga Mirtilis padeceu martyrio o bispoS.
Fabricio ; e n'clla nasceu S. Varão, irmão de Santa
Barbara, e de S.Brissos, o qual vivendo vida ere-
mitica na serra a que deu o seu nome, ahi morreu
pelos anãos de 300 da era christã. No sitio da sua
sepultura fundou-se depois uma ermida, quede re-
construcção em reconstrucção tem chegado até aos
nossos tempos; e é muito venerada e procurada
d'aquelles povos. Proximo da ermida mostra-sc a
gruta em que o santo eremita viveu.
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A CIDADE DE MIRANDA.

Na parte mais meridional da provincia de Traz-


os-Montes, onde o Douro a separa do reino de Leão,
ergue-se a cidade de Miranda, sentada sobre fra
gas, em logar montuoso, na margem direita d'a-
quelle rio.
Apezar da antiguidade e diversos nomes roma
nos, que o autor da Corographia Portugueza attri-
bue a esta povoação, parece, com melhor funda
mento, que teve principio no governo de D. Affon-
so Henriques, sendo simplesmente infante. E ha
quem date a fundação do anno de 1136. O que é
provavel, attendendo ás guerras, que o moço D.
Affonso Henriques sustentou contra seu primo, rei
de Leão, é que edificasse n'aquelle anno o castel-
lo de Miranda , como atalaya e guarda d'aquella
fronteira contra as invasões dos leonezes ; e que
depois, conforme o costume, e necessidades des
ses tempos, os moradores dos campos fossem pro
curando o abrigo da nova fortaleza, e construindo
casas em volta de suas muralhas.
Crescendo a povoação, levantou-se em torno d'el-
la para sua defensa uma cerca de muros com suas
torres e portas. Porém todas estas fortificações,
por mal construidas , ou pelo effeito natural das
guerras , achavam-se em grande ruina no fim de
seculo e meio. El-rei D. Diniz começou a recon-
struil-as no anno de 1294, e no de 1297 fez a Mi
randa villa, dando-lhe foral com muitos privilegios.
As tristes causas, que ali tinham attrahido ha
bitantes vieram por fim a cessar ; mas a povoação
teve depois maior incremento pelas causas oppos-
tas áquellas. A longa paz trouxe relações amiga
veis ás duas nações rivaes ; e o commercio em bre
ve fez prosperar as povoações de uma e outra fron
teira.
Querendo el-rei D.João m remediar alguns ma
les que se davam no arcebispado de Braga, por causa
TOL. tt. 5
— 66 —

da demasiada extensão do seu territorio, resolveu


tirar-lhe a provincia de Traz-os-Montes, e crear
n'ella um bispado. Impetrou portanto a erecção
da nova diocese, que lhe foi concedida por bulia
do papa Paulo m, de 22 de Maio de 1545. Asede
episcopal foi collocada em Miranda, que por esse
motivo foi elevada pelo mesuio monarcha ácathe-
goria de cidado.
Entre os foros c privilegios concedidos por D.
João iii á nova cidade foi um delles a prerogativa
de enviar procuradores ás cortes, destinando-se-
lhes para assento o quarto banco. A alcaidaria-
mór foi dada aos marquezes de Tavora. Não sabe
mos se o seu brasão d'armas lhe foi concedido tam
bem por essa occasião. Consiste em um escudo co
roado, tendo no meio um castello com tres torres,
e sobre a torre do centro a lua em quarto crescen
te, com as pontas voltadas para baixo. A fortaleza
dizem que com memora a fundação da cidade, que
teve principio no seu castello ; e a lua em crescen
te, querem que signifique a esperança, ou o pro
gnostico do engrandecimento suecessivo da povoa
ção.
Na porfiosa lueta da restauração da nossa inde
pendencia, no seculo xvn, padeceu a cidade de Mi
randa como todas as povoações da raia. Por essa
occasião fizoram-sc-lhe algumas obras de fortifica
ção, c apropriou-se o antigo castello ao uso da ar
tilharia, para o que se derrubaram as quatro tor
res, que se erguiam nos seus quatro angulos, até
ficarem na altura dos lanços de muro, queas unia.
Na guerra da suecessãode llespanha, travada en
tre esta nação e a França, de uma parte, e a ín
glaterra, Portugal, Hollanda, e o imperio d'Alema-
nha, da outra, foi a cidade de Miranda tomada por
traição no dia 8 de Julho de 1710. O sargento-mór,
Pimentel, entregou a praça ao marquez deBay por
seis mil dobrões, que recebeu, ficando a guarni
ção prisioneira do guerra. Porém no anno seguin
te foi esta affronta vingada por D. João Manuel,
conde d'Atalaya, que, depois de um curto mas ri
— 67 —

goroso cerco, tomadas as obras de defesa exterio


res, e aberta a brecha na muralha, fez render a
praça por capitulação, aos 15 de Abril, entregan-
do-se a guarnição prisioneira de guerra.
Rebentando novas hostilidades entre os dois pai-
zes em 1762, o exercito hespanhol, commandado
pelo marquez de Sarria, invadiu e assenhorcou-
se de quasi toda a provincia de Traz-os-Montes.
Até ao anno seguinte, em que se fez a paz, padeceu
Miranda infinitas vexações.
Em 1770 foi desmembrado o bispado de Miran
da, creando-se com o territorio que se lhe tirou
o bispado de Bragança. Dez annos depois, foram
outra vez reunidas as duas dioceses pela bulia de
27 de Setembro de 1780; mas então perdeu a ci
dade de Miranda a sua preeminencia ccclesiasti-
ca. A sede episcopal transferiu-se para a cidade de
Bragança..
Na grande lueta, que Portugal sustentou no co
meço d'este seculo contra o poder da Hespanha c
da França, que pretendiam unidas avassallal-o e
dividil-o, Miranda e toda a provincia de Traz-os-
Montes foram victimas de invasões assoladoras, e
tambem glorioso theatro do heroico esforço, que,
secundando o grito do independencia levantado
em outras terras do reino, tanto contribuiu para
libertar o paiz dos seus oppressores.
Dos muitos e diversos prejuizos, que a cidade
teve em meio de tantas vicissitudes e desgraças,
não a tem resarcido o tempo, antes pelo contra
rio, porque nas variadissimas adversidades porque
tem passado Portugal desde a paz geral, de 1815,
até hoje, Miranda com toda a provincia de Traz-
os-Montes é a parte mais queixosa do reino. Em
quanto que no resto do paiz se operam melhora
mentos, que o vão transformando, dando-lhe se
guras condições de prosperidade., aquella provin
cia jaz como desligada do reino á falta decommu-
nicações faceis, e jaz tambem em grande turpor e
decadencia á mingua de industria e movimento.
Ainda agora é que o progresso começa a bater ás
portas d'esta provincia.
-.68 —
Não tem esta pequena cidade mais que uma pa-
rochia, que é um templo de tres naves, edificado
por el-rei D. João m para servir decathedral, e
que durante quasi dois seculos e ineio gozou d'es-
sa honra.
Além d'esta egreja, os seus principaes edificios
são: a casa da misericordia, hospital, e o semi
nario, construido pouco antes da extincção do bis
pado de Miranda. Dentro e fora da cidade ha va
rias capellas. Não ha fontes no recinto dos muros,
mas sim muitos poços, mais excellentes peta quan
tidade d'agua, que possuem, que pela qualidade d'es-
ta. Junto porém á cidade ha quatro fontes.
Miranda ainda conserva o seu velho castello e
cerca de muralhas com tres portas, tudo em esta
do de mais ou menos ruina. A sua posição é mais
defensavel por natureza, que por arte, pois que
além d'aquellas antigas fortificações, a sua princi
pal defensa consiste em um forte construido junto
á cidade na epoca da restauração de 1640.
O clima é tão frio e aspero no inverno, e tão ar
dente no verão, que ha ali um rifão que diz
— em Miranda ha nove mezes de inverno, e tresdt
inferno. N'esta ultima estação seccam-se de ordi
nario as ribeiras dos seus suburbios , e desappa-
rece ou definha-se a vegetação.
O rio Douro corre mui perto da cidade, aperta
do e violento, e tem ahi um pequeno porto. Tam
bem na sua visinhança passa o rio Fresno, que
desagua no Douro, e tem uma ponte de pedra, e
junto d'ella uma fonte, que é alimentada por um
aqueducto, que vem sobre arcos desde o sitio de
Villarinho.
Apezar de ser bastante pedregoso, o termo pro
duz muitos cereaes, legumes, vinho, frutas, e ga
do. A principal industria da povoação consistia
ha tempos, e julgamos que ainda hoje, em curti
mentos de coiros, e em certos tecidos de lã ordii
narios para consumo da localidade. Conta a cida
de uns quatrocentos e tantos fogos.
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y>mmm§ã0Mã^m
69

jl VILLA DE MONÇÃO.

Esta antiquissima villa está sentada em terreno


elevado, proximo da margem esquerda do rio Mi
nho, em distancia de duas leguas da praça de Va
lença, para o norte. Fica-lhe defronte Salvaterra,
villa da Galliza.
Como succede a quasi todas as nossas povoações
de origem anterior á monarchia, ignora-se a epoca
da fundação d'esta villa. A historia, que refere Car
valho na sua Corographia, dizendo que a fundou
el-rei Brigo, pondo-lhe o nome de Obobriga; que,
arruinada depois , a fundaram de novo os gregos,
denominando-a Orozion ; que no tempo em que San
tiago prégou n'esta provincia a fé christã era uma
cidade chamada Mamia; é um aggregado de fabu
las, que outros nossos antiquarios, mais escrupu
losos, refutam com bons argumentos. Tambem não
se pode dar mais credito a outras noticias, que o
mesmo autor dá, relativamente a mudanças de local
da povoação.
O que de tudo isto se deve deduzir é que a sua
antiguidade é mui grande. O nome de Monção é
abreviatura de Mons Sanctus, Monte Santo, que
dizem lhe davam os godos.
El-rei D. Affonso m deu-lhe foral em Março de
1261. Seu filho, el-rei D. Diuiz, construiu-lhe o
castello, e cercou-a de muros. D. João n reedifi
cou o castello, e accrescentou-lhe um novo cinto de
muralhas com sua barbacã; pelo que se vê na por
ta do baluarte opelicano, divisa d'este ultimo mo-
narcha.
Na guerra, que rompeu entre el-rei D. Fernan
do de Portugal e D. tlenrique n de Castella, na
«egunda metade do seculo xiv, veiu um exercito
castelhano por cerco a Monção. Apezar de ser pe
quena para se oppor a tão poderoso inimigo, aguar
— 70 —

nição defendeu a praça por muito tempo eom in


crivel valor. Multiplicavam-se os assaltos, e estrei-
tava-se o cerco todos os dias ; mas os castelhanos
eram sempre repellidos, e os defensores da villa
supportavam com corajosa resignação todo o genero
de sacrificios. As coisas, porém, chegaram ao ulti
mo termo pelo apuro da fome. Ia pois a render-se
a praça, quando uma mulher a salvou.
Deosadeu Martins, esposa do capitão-mór de Mon
ção, Vasco Gomes d'Abreu, praticara em todo o cer
co acções de verdadeiro heroismo, primeiro acudin
do ás muralhas, na occasião dos combates, ora ani
mando os seus, ora arremeçando pedras e materias
infiammadas sobre os castelhanos ; e depois, quan
do os braços começavam a desfallecer pela fome,
correndo a repartir o seu proprio pão pelos solda
dos, que mais d'elle careciam. Porém este derra
deiro recurso não tardou a exhaurir-se. A heroina,
entrando um dia no seu celleiro, apenas viu um pu
nhado de farinha! Já não havia mais mantimentos
na villa. A entrega da praça devia ser immediata.
A illustre matrona teve então uma idéa de ins
pirada. Mandou fazer alguns poucos pães com aquel-
la farinha, e, tomando-os no regaço, sobe acima
de uma torre das muralhas, e arremeça-os ao ini
migo, exclamando: 'A vós, que não podendocon-
quistar-nos pela força das armas, nos haveis que
rido render pela fome, nós, mais humanos, e por
que, graças a Deus, nos achamos bem providos,
vendo que não estaesfartos, vos enviamos esse soc-
corro, e vos daremos mais, se o pedirdes.»
Os sitiadores, que com effeito já estavam expe
rimentando grande falta de mantimentos, desani
mados de tomar a villa por assalto, e julgando-a
agora abastecida ainda de vivtfres para um longo
assedio, resolveram immediatamente a retirada, e
sem mais demora partiram para a Galliza.
Os habitantes de Monção solemnisaram com gran
des festas c regosijos este suecesso, e em comme-
moração do feito, e obsequio da heroina, tomaram
por brasão d'armas da sua villa uma torre em cam
— 71 —

po de prata, tendo sobre as ameias uma mulher com


os braços erguidos, e dois pães nas mãos, e em vol
ta esta legenda : Deus a deu Deus o ha dado, ai Ili
dindo assim á heroina, que concebeu o projecto da
salvação publica, e ao pão, que foi o instrumento
d'essa gloriosa acção. A camara mandou tambem
pintar na sua bandeira o retrato de Deosadeu Mar
tins. Depois da sua morte foi por largo tempo hon
rada a sua memoria, indo a camara todos os annos
em certo dia junto da sua sepultura , para ahi se
abrir e ler a lista dos vereadores.
El-rei D. João i deu o senhorio de Monção a Lo
po Fernandes Pacheco em 1423; mas logo depois
íh'o comprou, encorporando-o outra vez na coroa.
D. Affonso v fez doação d'elle a D. Affonso, conde
de Ourem, e mais tarde marquez de Valença, filho
primogenito do primeiro duque de Bragança. Op-
pozeram-se porém os habitantes por tal modo, que
não foi possivel ao conde tomar posse. Succedendo
d'ahi a pouco tempo D. João n no ihrono, e fazen-
do-se-lhe queixa d'esta desobediencia, ao passo que
a villa de Valença, dada também ao conde de Ou
rem na mesma occasião , não tinha impugnado a
doação, respondeu este soberano: Valença é femea, e
Monção é macho. Eaquella resistencia agradou tan
to a D. João íí, que já se dispunha para coarctar o
poder da nobreza, que deu varios privilegios á vil
la , ordenando que nunca mais fosse alienada da
coroa.
Na lucta da restauração d ^ 1650, foi siliada pe
las tropas de Filippe iv. Durou o cerco quatro míc-
zes e meio, duraníe os quaes houve rijos combates,
terminando por uma honrosa capitulação, li dizem
què o general immigo, ao ver o pequeno numero
de combatentes, que saiu da praça, licara maravi
lhado da sua tenaz resistencia.
Monção tinha voto nas antigas cortes, com assen
to no banco decimo.
Ha na villa uma só egreja parochial, intitulada
de Santa Maria, em uma das capellas da qual está
a sepultura de Deosadeu Martins. Tem egreja e hos
— 72 —

pitai da misericordia, ires ermidas, uma delias dt


bonita fabrica, da invocação de Nossa Senhora do
Outeiro, e situada em um espaçoso campo, chama
do do Cano. Tinha dois conventos de freiras, de que
restam os edificios, um de S. Bento, fundado em
1550; e o outro de S. Francisco. Dentro da povoa
ção ha quatro fontes.
Monção ainda conserva em grande parte as suas
antigas fortificações ; e no seculo xvn fizeram-se-
lhe diversas obras de defensa.
Os suburbios são muito lindos e amenos. Para se
ajuizar da sua belleza basta dizer, que se estendem
pelas formosissimas margens do rio Minho.
Entre a villa c o rio ha um olho d'aguas sulfu
reas, muito medicinaes. Proximo tambem do mes
mo rio, porém na distancia de tres quartos de le
gua de Monção, vê-se uma curiosa antigualha. E'
uma elevada torre, que o vulgo denomina Vara
do Castello , porque fazia parte do lindo castello
de Lapella, fundado por ordem de D . Affonso Hen
riques, ainda antes de seracclamado rei.Estecas-
tello foi mandado arrazar no seculo xvn parades-
affrontar a praça de Monção, ficando só em pé para
memoria aquella torre.
A meia legua ao sul de Monção encontra-se o
magnifico palacio da Berjoeira, ricamente adereça
do no interior, e rodeado de bellos jardins, com uma
grande quinta de regalo. Foi começado em 1806
por Luiz Pereira Velho de Moscoso, e por elle acaba
do no fim de vinte e oito annos de trabalhos nunca
interrompidos. Dizem que importou em uma som-
ma , que não anda longe de quatrocentos contos.
Pertence actualmente ao filho do fundador, o se
nhor Simão Pereira Velho de Moscoso.
N'outro sitio das cercanias de Monção, chamado
Agrello, ha uma curiosidade natural digna de ver
se. E' uma gruta formada por um enorme penedo,
e tão espaçosa, que podem estar dentro d'ella com-
modamente muitas pessoas.
O termo de Monção é mui fertil. Produz muito
milho e centeio, legumes, frutas, vinho, linho, etc.
— 73 —

Cria-se nelle bastante gado, de diversas especies,


e abunda em caça miuda. O rio Minho fornece a
villa de muito e bom peixe, principalmente de lam
preias e salmão.
Monção conta mais de mil e duzentos moradores.
— 74 —

A VILLA UE MOIFORTE.

Acha-se situada esta villa na provincia do Alem-


tejo, entre a cidade de Portalegre, e Villa Viçosa,
distando quatro leguas da primeira para o sul, e
outras tantas da segunda para o norte.
Não ha noticia certa sobre a fundação d'estavri-
la, mas sabe-se que já existia no principio da mo-
narchia, pois consta de um" alvará de D. Affonso
iv, que se guarda no archivo municipal, que cl-
rei D. Affonso Henriques lhe concedera grandes
privilegios e isempções.
Com as guerras dos moiros, durante os quatro
primeiros reinados, se arruinou e ficou quasi de
serta. El-rei D. Affonso m mandou-a reedificar e
povoar de novo em 1270; e seu filho, el-rei D.
Diniz, construiu o seu castello, e cercou-a de mu
ros. Tinha voto nas antigas cortes, sentando-se os
seus procuradores no banco decimo-segundo. São
seus alcaides-raóres os senhores condes das Gal-
vêas. Tem por armas tres torres com seus coru-
cheos, e sobre estes tres bandeiras.
Está fundada esta villa sobre um monte alto e
de difficil accesso, principalmente do lado do nor
te, e d'esta sua posição tirou o nome de Monforte,
abreviatura de Monte forte.
O autor da Corographia Portugueza descreve a
configuração da villa do modo seguinte: 'E' si-
milhante a uma galé; na popa está a torre de me
nagem do castello, com mais tres torres e quatro
baluartes, cisterna, cava, e cerca bem fortificada;
a proa é a torre em que está o relogio, para a par-
te do sul, fícando toda ella cercada de muros com
quatro portas.»
Divide-se a povoação em tres parochias,: Santa
Maria, que é a matriz; S. Pedro, e Santa Maria
Magdalena. Tem casa de misericordia, hospital,
um convento de freiras franciscanas, fundado no
— 78 —
reinado de D. João m por Fernão Ribeiro Monto-
so, natural de Monforte, e no qual residem mui
poucas religiosas; e as ermidas de Nossa Senhora,
S. Sebastião, S. Domingos, o Espirito Santo, S.
Gião, e Nossa Senhora da Conceição. Esta ultima
é um bello templo, bem ornado e servido, eonde
concorrem muitas romagens d'aquelles arredores.
O termo de Monforte é cortado por varias ribei
ras. As principaes, chamadas d'Aviz, eLeça,teem
apraziveis margens,' e regam campos fertilissimos,
em que se cultivam muitas e boas frutas. Possue
este termo mui ricas herdades com magnificos mon
tados de lande e boleta, onde se cria muito gado
suino, e além d'este, que é o principal, de todo o
mais. Produz muitos cereaes e vinho. Os montes
abundam em caça de todo o genero.
— 76-

A VILLAEPRJlCA DE MONSANTO.

Fica esta villa na provincia da Beira Baixa, dis-


tricto administrativo de Castello Branco. Dista seis
leguas nordeste da cidade d'este nome ; uma su-
sudoeste da villa de Penamacor, e uma tambem da
raia da Estremadura hespanhola. Está edificada
•m logar plano, porém na cftroa de um monte ele
vado e fragoso, e por todos os lados de difficil ac-
cesso.
Nada se sabe ácerca da origem d'esta povoação.
Parece que já existia no tempo da dominação dos
romanos, e, a dar-se credito á tradição, tiveram-na
estes de cerco pelo espaço de sete annos, no fim
dos quaes se rendeu por capitulação.
Achando-se arruinada e falta de moradores no
reinado de D. Sancho i, mandou-a este soberano
reedificar e povoar pelos annos de 1190. Dizem
que lhe puzera então o nome de Monte Sacro, mas
que ao diante começou a chamar-lhe o povo Mon
te de Sancho , que veiu a corromper-se no actual
nome de Monsanto. Todavia a etymologia mais pro
vavel deriva este de Mons Sanctus, Monte Santo,
denominação que o povo dava áquelle sitio desde
o tempo em que ali residira Santo Amador, ana
coreta, cujos ossos se' conservam em um cofre na
antiquissima ermida de S. Pedro, fundada na raiz
do monte.
El-rei D. Affonso ííí deu foral a Monsanto com
muitos privilegios; porém foi el-rei D. Manuel, que
a fez villa, concedendo-lhe representação em cor
tes com assento no banco decimo-quarto. Por esta
occasião lhe reformou o brasão d'armas, accrescen-
tando uma esphera armilar, divisa sua, á aguia que
já havia no escudo, como indicativo da dominação
romana n'esta terra.
Tem esta villa duae parochias, o Salvador, eS.
Miguel, casa de misericordia, hospital, sete ermi
das, e um castello, fundado no seculo xn por D.
Galdim Paes, mestre dos templarios.
-77 —

Apezar da grande altura em que Monsanto se


acha, tem varias fontes de excellente agua, e den
tro do castello um poço com abundante nascente.
A esta circunstancia, tão favoravel para o caso de
um cerco, vem ainda juntar-se duas outras não me
nos vantajosas. A primeira, é a fortaleza natural da
posição, que bem se pode defender com um punha
do de soldados contra forças muito superiores. A
segunda é, que, do logar onde o inimigo lhe pode
formar o cerco para dentro, tem terreno bastante,
que produz pão, vinho, azeite, hortaliças e frutas.
Por tudo isto, no tempo das antigas guerras com o
reino visinho, adquiriu entre os castelhanos fama
de inconquistavel. E n'este sentido teem elles um
adagio, que diz : Monsanto, Monsanto, orejas de
mulo, el que te ganar , ganar puede el mundo. Os
castelhanos chamavam então orelhas de mulo ao
castello de Monsanto por causa de dois penedos
agudos, que ha junto d'elle.
O caminho que conduz para a villa vae subin
do pelo dorso do monte com muitas voltas e ro
deios, e por entre aspera penedia.
Como por toda a montanha ha muita copia de
nascentes d'agua, é cercada a villa de hortas e po
mares. O termo, além dos productos acima referi
dos, abunda em gados e caça.
Monsanto foi cabeça de condado, titulo creado
por D. Affonso v em favor de D. Alvaro de Castro,
seu camareiro-mór. Os condes de Monsanto, de
pois marquezes de Cascaes. eram alcaides-móres
d'esta villa, de Lisboa, e ainda de outras terras.
Monsanto é praça de guerra, com um tenente co
ronel por governador. Tem uns mil e trezentos
habitantes.
— 78 —

ÀVILLA de monsarás.

Ergue-se esta povonção na provincia do Alem-


tejo, sobre um alto cabeço, formado de um grupo
de penhascos. A. falda oriental d'este monte desce
até ao Guadiana. A villa fica a cinco leguas ao sul
de Villa Viçosa, e uma ao noroeste da villa de Mou
rão.
A memoria mais antiga, que achamos d'esta ter
ra, é que el-rei D. Diniz a mandou povoar pelos
annos de 1310, e lhe edificou o castello.
Em quanto as guerras com os nossos visinhos se
succediam umas ás outras com pequenos interval-
los, Monsarás era um sitio appetecido e procura
do pelos povos d'aquelles contornos, que achavam
n'aquelta posição fortificada, e quasi inaccessivel
a tranquillidade e segurança, que se não podia des-
fruetar nos campos. Assim cresceu* prosperou es
ta villa. Porém logo que vieram tempos mais bo
nançosos, e que a paz começou a dar alguma ga
rantia de durarão, tornou-se incommoda a todos os
respeitos aquella vivenda; e os seus moradores fo
ram pouco a pouco desertando d'ali.
A duas leguas de Monsarás para o lado de les
te, no meio de ditatadas e ferteis campinas, via-se
então uma ermida dedicada a Santo Antonio. Apro-
ximava-se ao seu fim o seculo xvn, quando se prin
cipiaram a edificar algumas pequenas casas em tor
no da ermida. No começo do seculo seguinte já era
uma aldêa, chamada do Reguengo, com sua egreja
parochial, da invocação de Nossa Senhora da Ca
ridade. A fertilidade do terreno, a bella situação
do logar, e a industria dos moradores em varios te
cidos de lã, ordinarios, e na fabricação de chapeos
grossos, fizeram augmentar por tal modo esta al
dea, que em 1838 foi transferida para aqui a ca
beça de concelho, que até então se achava em Mon
sarás. Passados dois annos, por carta regia de 29
de Fevereiro de 1840, foi a aldêa de Reguengo ele-
— 79 —
rada á cathegoria de villa, com o nome de Villa No
ta dos Reguengos.
A historia do engrandecimento d'esta povoação
é portanto a mesma da decadencia de Monsarés.
A expensas desta, até certo ponto, tem aquella
crescido e prosperado. E d'aqui se tem originado
um odio entraahavcl entre os habitantes das duas
terras.
Monsarás, que teve outr'ora tres parochias, ho
je apenas conta uma, que tem a invocação de Santa
Maria da Lagoa. A primeira fabrica d'este templo
foi obra do condestavel D.Nuno Alvares Pereira,
mas ao presente acha-se amodernada. E' uma egre-
ja espaçosa de tres naves, e com tres portas na fron-
taria. Entre a porta do meio e a da parte esquerda,
entrando no templo, vê-se um grande tumulo de
marmore, assente sobre leões. Sobre a tampa está
'estendida a estatua de um cavalleiro, com um cão
deitado aos pés. Na face do mausoleo, que está vol
tada para a capella-mór, estão lavradas em relevo
quatorze figuras de santos; ena face, que corres
ponde aos pés do finado, avulta a imagem de um
cavalleiro, empunhando um falcão, em quanto ou
tro voa direito a uma arvore, em que estão poisa
das duas aves, para as quaes correm tambem dois
cães. Na borda da tampa tem um lettreirogothi-
co, meio apagado, em que apenas se pode ter, que
ali descansa Thomaz Martins, vassallo d'el-rci. No
chão, junto a este tumulo, está a sepultura de Mar-
tim Silvestre, pae de Thomaz Martins, que morreu
em 1371.
Tem a villa de Monsarás casa de misericordia,
com um pequeno templo, edificado em frente da
matriz, e no qual se vêem dois paineis pintados
em madeira, da escola do Jrão Vasco.
A villa é cercada de muros, hoje bastante ar
ruinados. O castello ainda se conserva de pé, com
as suas torres e muralhas, porém os mais edificios,
que encerrava, estão inteiramente derrocados. Das
ameias da torre, de menagem avistam-se em dilata
dissimo horisonte as cidades d'Evora ed'Elvas, as
villas dEvora-Monte, de Estremoz, de Mourão, de
— 80 —

Alconchel, de Villa Nova dei Fresno, d'01ivença,


que foi nossa, e agora é de Hespanha, e além d'ou-
tras povoações menos importantes, a serra d'Ossa,
e outras cordilheiras de montanhas.
Como a villa deMonsarás cresceu muito depois
da construcção dos seus muros, acha-se fora (Tel
les, como arrabalde, uma parte da povoação. Tem
muitas casas desertas, e pouca vida nas ruas, pois
que os seus habitantes estão reduzidos a pouco mais
de mil e duzentos.
Não ha fontes na villa. Os moradores ou se hão-
de prover d'agua em uma grande cisterna, que ahi
ha, ou na fonte do Outeiro, que está nas faldas do
monte. A cisterna é uma casa de abobada com por
ta para a rua, da qual desce uma escada de pedra
até ao fundo do deposito. Conta o povo, por tra
dição, que esta casa foi mesquita dos moiros. A
15 d' Agosto tem esta villa a sua feira annual. »
Nos suburbios de Monsarás está o edificio do ex-
tincto convento de Nossa Senhora da Orada, que .
foi de agostinhos descalços, e fica a meia legua da
villa. Em egual distancia corre o Guadiana, aper
tado entre montes. Na raiz da mesma montanha,
em que campeia a villa, ha uma ermida, cuja ca-
pella-mór, de forma oitavada, e de grossa mura
lha, dizem ter sido templo romano.
Cereaes, algum azeite, muitos montados, em que
se cria grande quantidade de porcos, mel e cera,
são as principaes producções do termo. Os montes
são abundantes de caça, e o Guadiana de peixe.
Monsarás tinha voto nas antigas cortes com as
sento no banco decimo-sexto. O seu brasão é um
simples escudo de prata. A alcaidaria-mór d'esta
villa andava na familia dos Britos Pereiras.
— 81 —

A VILLA DE MONTEMOR O NOVO.

Na provincia do Alemtejo, districto administra


tivo d'Evora, cinco leguas ao noroeste d'esta cida
de, ergue-se a villa de Montemor o Novo, meia sen
tada nas faldas de um monte, cuja crista se divi
de em tres cabeços, meia' subindo pela encosta.
Teve por fundador a el-rei D. Sancho i no an-
no de 1201, recebendo d'estemonarcha muitos pri
vilegios e isempções, que lhe foram attrabindo mo
radores.
N'estes tempos, em que andava sempre ateada
a guerra entre moiros echristãos, não se fundava,
ou pelo menos não podia medrar povoação algu
ma sem se prover á sua defensa. Assim pois em
breve Montemor foi cercada de muros ameiados,
edificando-se na parte mais alta um castello, que
passava então por um dos maiores e mais fortes
do reino.
Com taes condições de segurança foi crescendo
a povoação até romper o seu cinto de muralhas,
vindo estender-se pela raiz do monte. Desassom
brado finalmente o paiz da presença dos infieis ;
voltados para a agricultura os braços e as atten-
ções, que quasi exclusivamente se empregavam na
guerra, prosperou muito Montemor o Novo, gra
ças á immensa fertilidade dos vastissimos campos,
que a cercam. No seculo xvi, apogeu da sua pros
peridade, dizem que- chegou a contar tres mil fo
gos.
Honraram-na com a sua residencia por varias
vezes os reis D. Affonso v, D. João n, e D. Manuel.
Este ultimo ahi reuniu as cortes para a ceremo-
nia do juramento e menagens dos tres estados do
reino por occasião da sua exaltação ao throno em
1495.
Este mesmo soberano a fez villa, reformando e
ampliando o foral , que lhe havia concedido D.
Sancho í. Deu-lhe o titulo de notavel, a regalia de
ter assento em cortes no banco quarto, e por bra
6
— 82 —
são d'armas um castello sobre rochedos , e uma
ponte com seu rio , commemorando assim a ori
gem da povoação, pois que tanto a fortaleza, co
mo a ponte, chamada ã'Alcacer, que atravessa,
junto á villa, a ribeira de Canha, foram obra de
D. Sancho i.
Deriva esta villa o seu nome da eminencia em
que está fundado o seu castello, e da necessidade
de se differençar de Montemór o Velho, villa da
Beira.
Com a usurpação de Castella começou a deca-,
dencia de Montemór o Novo, juntamente com a de
toda a monarchia. Depois a longa e porfiosa guer
ra da restauração, fazendo da provincia do Alem-
tejo o principal theatro da lucta, estagnou todasas
fontes de prosperidade d'aquella villa. e afugen
tou do seu seio a maior parte das familias nobres
e abastadas.
A paz e os muitos recursos do solo teem re-
sarcido em grande parte aquellas avultadas per
das, mas não poderam ainda restituir a villa ao
seu antigo esplendor. Este condão estará destina
do, sem duvida, á via ferrea, que promette por
em breve Montemór o Novo em rapida e facil com-
municação com toda a provincia, e com Lisboa.
Os edificios religiosos d'esta villa são os seguin
tes : as egrejas parochiaes de Santa Maria do Bis
po, Nossa Senhora da Villa, S. João, e Santiago;
a egreja da misericordia; o convento de Nossa Se
nhora da Saudação, de freiras dominicas, funda
do em 1506; e varias ermidas. Teve quatro con
ventos de frades, um da ordem de S. Francisco,
outro deS. Domingos, fundado em 1539, outro de
Santo Agostinho, e o ultimo de S. João de Deus.
Este foi edificado em 1627 na rua Verde, nas ca
sas onde nasceu S João de Deus, o piedoso ins
tituidor da ordem dos hospitaleiros.
Possue a villa um hospital desde o seculo xvi,
e varias casas particulares de apparencia nobre.
O castello está hoje em grande mina, bem co
mo a cerca de muralhas, em que havia quatro por
tas, e cinco torres. Na lucta com a Hespanha em
— 83 —
1640 accrescentaram-se a estas antigas fortifica
ções outras obras de defensa segundo o systema
moderno, as quaes ao diante se abandonaram, vin
do tambem a arrutaar-se.
Gs arrabaldes da villa são cheios de hortas e po
mares, correndo pelo meio d'elles a ribeira de Ca
nha, e outros arroios. O termo compõe-se de ri
cas herdades, abundantissimas de cereaes, e d'azei-
te ; em que se recolhe algum vinho, e outros pro-
ductos agricolas ; e nas quaes se vêem extensos
montados, onde se criam annualmente muitas mil
cabeças de gado suino.
No primeiro de Maio, e no primeiro domingo de
Setembro, teem logar n'esta villa as suas feiras an-
nuaes, em que se faz bastante commercio.
El-rei D. Affonso v fez esta villa cabeça de mar-
quezado em favor de D. João, filho segundo do du
que de Bragança D. Fernando i. A alcaidaria-mór
andava na casa dos condes de Santa Cruz, que ti
nham o seu palacio dentro do castello.
Montemór o Novo encerra uma população de duas
mil e novecentas almas.

tati
. 84 —

A VILLA DE MONTEMOR O VELHO.

Na margem direita do Mondego, a tres leguas de


distancia do oceano, e quatro da cidade de Coim
bra, está a antiga villa de Montemor o Velho. Faz
parte da provincia da Beira, districto administra
tivo de Coimbra.
Dizem alguns dos nossos antiquarios, que esta
povoação tivera principio mil e novecentos annos
atites do nascimento de Chrrsto, dando-lhe por fun
dador um supposto rei chamado Brigo. Posto que
se não' possa dar credito a similhante noticia, é
fora de duvida, que esta villa tem uma origem mui
to remota.
Segundo a opinião de varios autores nacionaes,
e castelhanos, no tempo do dominio romano era
uma cidade de alguma importancia, chamada Me-
dobriga, e não Mirobriga^ como outros escrevem,
pois que esta ultima tinha o seu assento aonde bo
je vemos Santiago de Cacem.
Nas invasões dos povos do norte, e na dos ara
bes, curvou-se, como toda a Lusitania, aojugodos
vencedores. Afnda não era passado seculo e meio
depois da conquista dos sarracenos, quando D. Ra
miro i, rei de Leão, caindo com grosso exercito so
bre os moiros, restituiu Montemor á fé christã, no
anno de 818. Não gozou porém da liberdade por
muito tempo. Osinticis de novoà accommetteram,
e levaram d'assalto, senhoreando-a por largos an
nos, até que emlOlO foi outra vez reconquistada
pelas armas christãs sob o commando de D. Fer
nando i, rei de Castella e Leão.
Este soberano, que mereceu por suas gloriosas
empresas o epitheto de Magno , n'esta occasião
tambem foi grande na vingança. Não só fez lan
çar por terra os torreados muros, que pretende
ram embargar-lhe o passo ; a propria povoação
foi arraada completamente.
Pelos annos de 1088, reinando em Castella D.
— 85 —
Affonso vi, foi Montemór reedificada, e povoada
de novo, por diligencias do conde D. Raymundo
de Borgonha, genro de D. Affonso vi, auxiliado pe
lo conde D.Sisnando, que então governava Coim
bra em nome d'aquelle monarcha. Passados pou
cos annos, casando D. Thereza, filha de D. Affon
so vi, com D. Henrique de Borgonha, irmão de D.
Raymundo, e obtendo em dote as terras de Portu
gal até então conquistadas aos moiros, com titu
lo de condado, entrou Montemór no dominio dos
seus novos soberanos.
Como ficava proxima da fronteira inimiga, pois
que as meias luas campeavam em toda a Estrema
dura, e como a sua posição era forte por nature
za, cuidou-se na restauração das suas antigas mu-
rajhas e castello. E isto valeu-lhe de muito, sal-
vando-a por vezes nas invasões, que pelo tempo
adiante os arabes fizeram por aquella parte da
Beira, cubiçosos de se apoderarem novamente de
Coimbra.
D. Sancho i mandou-a povoar edeu-lhe foral em
1202, e por sua morte deixou o senhorio d'esta
villa a suas filhas, as infantas D. Sancha , e D. The
reza, sobre que tiveram grandes dissenções com
seu irmão, el-rei D. Affonso n.
Sob o governo dos nossos primeiros reis cha
mavam geralmente a esta povoação Terra do ínfan
tado, em razão de se achar sempre na posse d'el-
la algum infante. Depois principiaram a denomi-
nal-a Montemor o' Velho para differença da outra
villa de Montemor o Novo.'
No antigo regimen tinha voto em cortes, nas quaes
os seus procuradores tomavam assento no banco
quinto. O seu brasão d'armas é um castello d'oiro
em campo vermelho, e sobre elle o escudo das qui
nas reaes. E' assim que se acha no livro dos bra
sões, que se guarda na Torre do Tombo. Jorge Car
doso, e Antonio Carvalho da Costa dão-lhe por bra
são simplesmente o escudo das armas reaes.
Está edificada esta villa nas abas de um monte,
d'onde deriva o seu nome, em uma situação mui
aprazirel. De um e outro lado do monte, que se
— 86 —

acha isolado, e parece ali collocado só para ser


vir de encosto á povoação, estendem-se os vastis
simos campos do Mondego. Pela frente corre este
formoso rio entre margens de perenne verdura.
No cimo do monte avulta o castello da edade me
dia, derrocado e despresado, mas ainda soberbo
em suas ruinas. A vista que d'abise gozaéd'um
«ffeito encantador.
• Divide-se a povoação em cinco freguezias, que
são : Santa Maria da Alcaçova, que é a matriz, e
está dentro do castePo ; S. Martinho ; o Salvador ;
Santa Maria Magdalena ; e S. Miguel. A egreja e
hospital da misericordia foram fundados por er
rei D. Manuel.
Havia na villa um convento de eremitas de San
to Agoslinho, e outro de freiras franciscanas, am
bos extinctos. Dentro e fora dos muros ha varias
ermidas. As ruas em geral são más ; estreitas, tor
tuosas, e mal calçadas. Para o lado do rio tem um
bello campo, ou rocio, onde está o edificio do ex-
tincto convento de Nossa Senhora do Campo, de
que acima fizemos menção. O porto é frequenta
do de muitos barcos, que navegam para a Figuei
ra , para Coimbra, e para outras mais povoações
das margens do Mondego.
Montemór o Velho ainda mostra as antigas mu
ralhas, com as suas tres porias. Os suburbios são
muito lindos e amenos, tanto pelas hortas, poma
res, vinhas, e fontes em que abundam, como pela
boa visinhança do rio. O termo produz muitos ce-
reaes, e legumes, algum azeite e vinho, e muita
frueta. Cria-se n'elle bastante gado, ecaça. A terra
é mimosa de peixe, quer da costa, d'onde dista ape
nas tres leguas, quer do rio.
A 8 de Setembro tem a sua feira annual. A po
pulação d'esta villa ascende a tres mil almas.
Montemór o Velho c patria do nosso poeta Jorge
de Montemór, tão celebrado em Portugal no reina
do de D. João m, e na Hespanha, onde viveu mui
tos annos estimado e favorecido de toda a corte.
As suas poesias obtiveram tal acolhimento, que o
livro delias que intitulou Diana, em que cantara
— 87 —

os seus amores com uma certa dama de muita bel-


leza, teve cinco edições em vida do autor.
Jorge de Montemor andava compondo um poe
ma do descobrimento da lndia, quando falleceu no
anno de 1561.
— 88 —

AVILLADEIOIM.

E' a villa de Moura uma das praças de guerra


da fronteira doAlemtejo. Está situada em terreno
elevado e accidentado , ao qual cercam por todos
os lados extensas planicies. A meia legua para este
corre o Guadiana. Banham-Ihe os muros as ribei
ras de Brenhas, e de Lavandeira, que pagam tri
buto ao rio Ardila, como este o paga ao Guadiana.
Dista quatro leguas ao nornordeste de Serpa, e sete
ésnordeste da cidade de Beja.
A origem d'esta povoação perde-se na escuridão
dos tempos. Para não referirmos as fabulas, quea
este respeito contam alguns autores , buscaremos
para ponto de partida as noticias mais certas, que
se encontram sobre a antiguidade d'esta terra.
De varias lapidas ecippos romanos) queseteem
achado dentro da villa, e nos seus arredores («),
consta que ali existira a cidade de Aruccitana, ou
Arucia a Nova para differença de outra do mesmo
nome, situada na Serra Morena. No tempo do im
perador Trajano era uma cidade mui nomeada e
importante. Desde esta epoca até ao principio da
nossa monarchia, a sua historia é inteiramente des
conhecida. E' provavel, que nas vicissitudes por
que passou toda a peninsula com a entrada dos
barbaros do norte, e mais tarde com a dos arabes,
fosse alternativamente destruida, e levantada das
suas ruinas. O que é certo é que no seculo xu era
uma povoação acastellada, que os moiros tinham
a bom recado. Como a lenda da tomada d'esta ter
ra pelos christãos seja a mesma, que deu origem
ao seu brasão d'armas, vamos referil-a.
Corria o anno de 1166, D. Affonso Henriques,
acclamado rei de Portugal nos plainos d'Ourique,

(-) Em uma (Testas tapidas le-sc a seguinte inscrip-


ção, que vem copiada no Agiologio Lusitano : — Juliv
Agrippina Caesaris Âugusti Gcrmanici Matrinovi
civitas Aruccitana.
— 89 —
tinha expulsado os infieis da Estremadura, e com
batia sem descanso para os expellir do Alemtejo,
cujo terreno lhe disputavam palmo a palmo, em
lucta porfiosa e desesperada.
Era então alcaide do castello da antiga Arucci-
tana um moiro nobre e opulento, senhor de mui
tas terras do Alemtejo. Abu-Assan, que assim se
chamava, tinha uma filha por nome Saluquia, a
quem amava ternamente. Em prova do seu aflec-
to dera-lhe em dote aquelle castello, por elle re
edificado e guarnecido com tudo quanto era mis
ter para conforto e defensa. A joven moira, tão
ricamente dotada, não tardou a contratar o seu
casamento com um agareno não menos rico e pode
roso, e tambem alcaide do forte castello d'Arouxe.
Chegada a occasião dos desposorios poz-se a ca
minho Braffma, era o nome do noivo, seguido de
uma numerosa e tuzida cavalgada. Ao entrarem,
porém, n'um valle estreito e sombreado por es
pesso arvoredo, cairam sobre clles alguns caval-
leiros christãos, tão d'improviso, e com tal furia
e denodo, que em breve espaço de tempo se viu o
chão juncado de cadaveres, não escapando com vi
da um só sarraceno. . .
Foi esta acção uma empresa d'antemão combi
nada e disposta ; e foram autores d'ella dois fidal
gos da corte de Affonso Henriques, chamados Alva
ro Rodrigues e Pedro Rodrigues.
Apenas foi concluido este primeiro acto do dra
ma, apressaram-se os dois fidalgos, e os outros seus
companheiros d'armas, a despojar os corpos dos
moiros de todos os fatos e adornos, e, trocando-os
pelos seus, n'um momento se acharam transfor
mados em perfeitos cavalleiros mauritanos.
Assim disfarçados seguiram o caminho do cas
tello da noiva, entoando alegres vozes e gritas ao
. modo dos sarracenos. A desditosa Saluquia, que
esperava ancLosa a vinda do consorte, viu da ja-
nella do alcaçar aproximar-se a brilhante e jo
vial comitiva. Com o riso nos labios, e no coração
a failaz esperança da felicidade, correu a ordenar
á sua gente, que baixasse a ponte levadiça, e abris
— 90 —
se de par em par as portas da fortaleza para rece
ber o seu novo senhor. A sua illusão, porém, pas
sou rapidamente como o relampago. As vozes de
alegria e paz, que os cavalleiros entoavam ao trans
por os fossos do castello, em breve se converteram
no retinir das armas, nos alaridos da guerra, eem-
fim nos brados de victoria.
O sagrado pavilhão das quinas tremolava já
triumphante sobre as ameias dacidadella. A pm
ça estava rendida aos pés do vencedor, mas não
assim a sua altiva senhora. A desgraçada Saluquia,
preferindo a morte á escravidão, arremeçara-se do
alto da torre, que defendia a entrada da fortateza.
Em memoria d'este successo tomou a terra o no
me de villa da Moura, e por seu brasão d'armas
um escudo com um castello, e junto á porta d'este
uma mulher morta.
Esta é a lenda, mas pretendem alguns autores,
que a povoação, antes d'esta conquista, já era de
nominada Moura. Outros dizem, que durante o do
minio dos arabes, davam-lhe estes o nome de Ilma-
nijah.
O que é verdade historica é ter sido conquistada
aos infieis por aquelles dois cavalleiros, que to
maram d'esta empresa o appellido de Moura, que
transmittiram aos seus descendentes, actualmen
te representados na pessoa do senhor marquezde
Loulé.
A pouca distancia da villa ha um sitio ainda ho
je denominado Braffma cTArouxe, onde a tradição
popular diz, que foi assassinado o infeliz noivo.
No meio de certa confusão de noticias, que' se
dá a respeito da tomada d'esta villa, parece de-
prehender-se que depois d'aquella primeira con
quista, tornou a cair em poder dos moiros, sendo
mais tarde outra vez resgatada pelos christãos.
Reinando el-rei D.Diniz, o senhorio de Moura,
juntamente com o' de algumas outras terras do
Alemtejo, foi causa de um rompimento entre Por
tugal e Castella, pelos annos de 1295. Termi
nada a guerra, e reconhecido o direito de posses
são a Portugal pelo tratado de paz deCiudadRo
— 91 —
drigo, el-rei D. Diniz deu foral á villa de Moura
em Dezembro d'aquelle mesmo anno.
Por occasião da lucta da restauração de 1640
fizeram-se na villa de Moura importantes obras de
defensa, que a elevaram á cathegoria de praça for
te. Em Junho de 1707, durante a guerra da suc-
cessão d'Hespanha. rendeu-se esta praça por capi
tulação ao exercito hespanhol, commandado pelo
duque d'Ossuna, depois de quinze dias de defensa.
Passado algum tempo abandonou-a o inimigo, fazen
do antes voar o castello, e grande parte das for
tificações da praça.
Em o nosso antigo systema monarchico a villa
de Moura tinha voto em cortes com assento no
banco quinto.
Ha na villa duas parochias, S. João Baptista, e
Santo Agostinho, pertencentes outr'ora á ordem de
Aviz. Tem casa da misericordia, hospital, e umas
doze ermidas. Tem dois conventos de freiras, o de
Nossa Senhora da Assumpção, de religiosas domi-
nicas, fundado em 1562 dentro do castello, e ode
freiras de Santa Clara ; e teve tres conventos de fra
des, um da ordem de S. Francisco, outro de car
melitas calçados, e o terceiro de hospitaleiros de
S. João de Deus, que tem servido de hospital mi
litar.
Conserva grande parte das antigas fortifica
ções , posto que muito arruinadas, taes como a
cerca de muralhas com as suas quatro portas, do
Carmo, Nova do Fojo, de S. Francisco, e de Santa
Justa; uma magestosa torre, fabrica d'el-rei D. Di
niz ; e varias reliquias de construcções mais anti
gas, umas que se attribuem aos arabes, e outras
aos romanos.
As fortificações modernas acham-se tambem em
muita destruição pelo effeito d'aquella catastro-
phe, e depois pelo abandono dos homens, e pela
acção do tempo.
As duas ribeiras de Brenhas e Lavandeira, que
cercam e banham a villa, e regam hortas e poma
res; o rio de Ardila, onde estas vão desaguar, que,
mais caudaloso, faz moer muitas azenhas jeemfim
— 92 —
o Guadiana, que passa nas visinhanças; tornamos
suburbios de Moura bonitos, frescos, c amenos.
O termo produz -em abundancia cereaes, e azeite.
Recolbe algum vinho, cera e mel, e possue excel-
lentes montados, onde se cria muito gado suino.
Os montes abundam em caça ; e o Guadiana for
nece variedade de peixe.
A villa de Moura é cabeça de comarca, distnc-
to administrativo de Beja, e encerra perto de qua
tro mil habitantes.
A 8 de Setembro tem a sua feira annual, mui
to concorrida de gente, e de generos.
-93—

11 UILLA E PRAÇ:\ DE HOURK»

Ergue-se esta villa em sitio alto, na provincia


do Alemtejo, meia legua além do Guadiana, uma
legua áquem da fronteira de Hespanha, e seis ao
nordeste da villa de Moura.
A memoria mais antiga, que encontramos d'es-
ta terra, é de 1226, anno em que a mandou povoar
D. Gonçalo Egas, prior do Hospital da ordem mili
tar de S. João. Foi elle tambem que lhe deu o seu
primeiro foral, e que el-rei D. Diniz confirmou
em 1298. Este monarcha ennobreceu a villa com
um forte castello. Não se sabe ao certo quem foi
que mandou fazer a antiga muralha torreada, que
cercava a povoação. Só da torre de menagem se
conhece o fundador, pelo seguinte, lettreiro gra
vado na mesma. EMCCCLXXXI annos ao primeiro
dia de Março Dom Affonso IV Rey de Portugal, man
dou começar a fazer este castello deMouron. O Mes
trev que o fazia avia nome João Affonso. O qual Rey
foi filho do mui nobre Rey D. Diniz, e da Rainha Do
na Isabel, aos quaes Deus perdoe, e elle foi casado
com a Rainha Dona Beatriz, dvia filho herdeiro o ín
fante Dom Pedro.
Quando, pela acclamação d'el-rei D. João ív, Por
tugal se preparou para manter com as armas o gri
to de independencia, que levantara, a villa de Mou
rão foi uma das terras escolhidas para praça de
guerra. Aproveitando-se das antigas fortificações
o que podia servir de defensa, construiram-se ou
tras segundo o moderno systema.
Durante esta grande lucta, correndo o anno de
1657, e sendo governador de Mourão D. João Fer
reira da Cunha, foi esta praça assattada e tomada
pelos hespanhoes. O inimigo arrasou logo a po
voação, poupando todavia a fortaleza, que guar
neceu, e pretendeu conservar. Porém pouco tem
po depois, no principio de Novembro d'esse mesmo
anno, foi expulso, tornando a fluctuar nas ameias
da praça o estandarte de Portugal.
— 94 —
Segundo refere a Monarchia Lusitana, a villa
de Mourão passou por muitas mais vicissitudes ,
sendo usurpada, restituida, dada, vendida, e com
prada em varios tempos. '
Foram alcaides-móres de Mourão os marquezes
de Montebello. Tem a villa por brasão d'armas cin
co escudos com as quinas postos em cruz sobre
campo azul ; tendo o escudo inferior de um lado o
sol de oiro, c do outro a lua de prata.
Ha na villa uma só parochia, casa da misericor
dia, hospital, e cinco ermidas. Tem uma praça
espaçosa e algumas ruas largas c regulares, posto
que na maior parte guarnecidas de casas baixas.
A egreja parochial e algumas casas estão situadas
dentro do castello, e a parte principal da povoa
ção estende-sc pela falda de leste do monte do cas
tello.
As cercanias de Mourão não são feias. Culti-
vam-se n'ellas cereaes, olivaes, algumas vinhas, e
montados , onde se cria bastante gado. Tambem
abundam em variadas especies de caça. O Guadiana
fornece á villa algum peixe.
Mourão tem duas feiras annuaes, que começam,
uma a 21 d'Abril, e a outra a 13 de Setembro. Con
ta uns mil e quinhentos habitantes.
— 95 —

A VILLA DE NIZA.

Está edificada esta povoação na provincia do


Alemtejo, districto de Portalegre, em logar baixo,
entre as ribeiras de Niza e de Figueiró. Dista tres
leguas da villa de Castello de Vide, e outras tantas
da margem esquerda do Tejo.
Foi fundada por el-rei D. Diniz, e el-rei D. Ma
nuel deu-lhe foral de villa em 15 de Novembro de
1512.
Conforme refere a tradição existiu a meia legua
d'ali, em uma serra onde está a ermida de Nossa
Senhora da Graça, uma povoação mui antiga, tam
bem chamada Niza, e que por se achar arruina
da, e quasi inteiramente despovoada, fundara el-
rei D. Diniz a nova em sitio menos aspero, e mais
fertil. Dizem que ainda se descobrem alguns ves
tigios de Niza a Velha.
Este mesmo soberano cercou Niza de muralhas,
com suas torres, e seis portas, edificando no cen
tro um castello torreado. No antigo regimen dis-
fructava a prerogativa de se fazer representar em
cortes, onde os seus procuradores tinham assen
to no banco sétimo. O brasão d'armas de Niza é
do modo seguinte: Em campo vermelho, e no cen
tro do escudo, um castello de oiro com tres tor
res, e sobre a do meio a cruz de Christo, de pra
ta ; á direita do castello o escudo das quinas por-
tuguezas, e á esquerda a lua em quarto crescen
te, de prata; e nos dois angulos superiores do-es-
cudo duas estrellas egualmente de prata.
A alcaidaria-mór d'esta villa andou na casa, ho
je extincta, dos condes de Santa Cruz. E' cabeça
de marquezado desde o reinado de João iv, que fez
primeiro marquez de Niza a D. Vasco Luiz da Ga
ma, quinto conde da Vidigueira, e terceiro neto
do illustre descobridor da índia, D. Vasco da Ga
ma.
Contém a villa de Niza dois mil e quatrocentos
moradoras, divididos em duas freguezias, que se
— 96 —
intitulam: Nossa Senhora da Graça, que é a ma
triz, e o Espirito Santo. Ambas estas egrejas per
tenciam á ordem militar de Christo. Tem casada
misericordia e hospital, varias ermidas dentro e
fora da villa, e um bello theatro, com tres ordens
de camarotes, edificado ha pouco desde os alicer
ces.
Os suburbios são povoados de hortas, e olivaes.
As margens da ribeira de Niza são muito lindas.
O termo produz cereaes, azeite, algum vinho, fru
ta, e linho. Cria-se n'elle bastante gado ecaça ; e
recolhe-se muito mel e cera. Do Tejo vae algum
peixe para a villa. Tem esta a sua feira annual,
que começa a 29 de Setembro. Concorrem a esta
feira muitos generos e gado, bem como muita gen
te, não só do Alemtejo mas da Estremadura e da
Beira. . ...
i
— 97-

A VILLA D'OBIDOS.

Acha-se situada esta antiquissima povoação na


provincia da Estremadura, a uma legua ao sul da
villa das Caldas da Rainha, a tres ao nascente de
Peniche, e doze ao norte de Lisboa. Está sentada
no dorso de um monte, ao qual faz coroa um ve
lho castello.
A sua origem é inteiramente desconhecida, ex
cepto se se quizer por fe nas palavras do autor da
Corographia Portugueza, que attribue a sua fun
dação aos turdulos e celtas trezentos eoitoannos
antes do nascimento de Christo.
A noticia mais antiga, que se encontra d'esta
povoação, é a quê diz respeito á sua conquista
por el-rei D. Affonso Henriques.
Este monarcha, depois de se ter assenhoreado
de Santarem, Lisboa. e muitas outras terras acas-
telladas da Estremadura, cercou e tomou d'assal-
to aos moiros o castello e villa d Obidos, em 1148.
Como era uma posição forte pela natureza e pela
arte, cuidou immediatamente o vencedor de asse
gurar a conquista, fazendo reparar a fortaleza, «
povoar de novo a villa, que os sarracenos tinham
abandonado.
Na guerra civil, que se ateou no reino emmeia-
do do seculo xm, entre o infeliz rei D. Sancho n, e
seu irmão, o infante D. Affonso, conde de Bolo
nha , mais tarde rei com o nome de Affonso m,
deu aquella villa, como Celorico, e Coimbra, no
bre e corajoso exemplo de lealdade.
Posta em apertado assedio no anno de 1246 pe
lo conde de Bolonha, Obidos resistiu valorosamen
te a todos os rigores do cerco, e á violencia de di
versos accommettimentos, até que o infante, per
dida a esperança de reduzir pela força os leaes que
não pudera seduzir com promessas, levantou par
rayal, e retirou-sc. E tal foianobrezadep'"'-
d'aquella povoaçao, sacrifleando-se as*'
empenho da fidelidade, que devia ao s
VOL. tt.

I
— 98-
tão perseguido pela desdita, que o proprio conde
de Bolonha, apenas se viu senhor pacifico de todo
© reino, apressou-se a galardoal-a, fazendo-lha
entre outras merces a do titulo de sempre leal, que
a villa accrcscentou ao de notavel, que já tinha.
El-rei D. Diniz augmentou a villa, e cremos que
reconstruiu e alargou o castello, apezarde que al
guns autores dizem que fora o seu primeiro fun
dador.
Pelo seu casamento este soberano fez doação do
Obidos, com mais outras terras, á rainha Santa
Isabel, sua mulher. D'uhi em diante fícou perten
cendo ás rainhas.
Durante as guerras, que rebentaram entre Por
tugal e Castella no seculo xiv, el-rei D. Fernan
do fez as muralhas, que cercam a villa, ou refor
mou as que existiam, o que não ó bem averigua
do, segundo julgamos.
A rainha D. Leonor, mulher d'el-rei D. João ir,
residiu algum tempo n'esta villa em umas casas
junto ao castello. Por esta occasião exercitou o sen
animo pio e caridoso em extremo, instituindo cin
co tnercierias na egreja de Santa Maria, que é a
matriz.
Em 1634 Filippe iv d'Hespanha, então rei in
truso de Portugal, fez conde d'Obidos a D.Vasco
Mascarenhas, alcaidc-mórd'esta villa. Depois el-rei
D. Affonso vi confirmou, ou deu de novo, aquelle
titulo em 1663, declarando-o de juro e herdade
para os seus descendentes. E' setimo conde o actual
representante d'esta familia.
Quando em 1808 veiu um exercito inglez aju-
dar-nos a saecudir ojngo de Napoleão, presenceou
Óbidos o primeiro combate entre os francezes e
os nossos auxiliares. A 15d'Agosto eneontraram-
se ali, e pelejaram as avançadas dos dois exerci
tos. No dia seguinte foram vencidas as aguias fran-
cezas na grande batalha da Roliça, uma legua dis
tante desta villa, pelo exercito ánglo-luso.
Obidos Unha representação nas antigas cortes,
xeatarndo-se es seus procuradores no banco sexto.
Segundo dizem alguns autores tem por brasão de
— 99 —
armas uma rede de arrastar no meio do escudo,
que lhe fora dada pela rainha 1). Leonor, de quem
acima falíamos, em memoria da rede em que uns
pescadores de Santarem transportara.m o corpo ex
anime de seu infeliz filho, o principe D. Affonso, das
margens do Tejo, onde caíra do cavalio abaixo, pa
ra a \illa. Porém no livro das armas, que se guarda
na Torre do Tombo, acha-se pintado o brasão des
ta villa conforme a esiampa, que vae aqui junta,
o qual consiste em uma torre de prata, onde tre
mula uma bandeira, em campo verde, e assente
sobre rochedos.
A' cerca da etymologia do seu nome ha varias
opiniões, porém nenhuma inteiramente acceitavel.
Amenos absurda diz, que o nome é um composto
dos monosyllabos latinos ob-id-os, pelos quaes de
signavam uma grande bocca, ou braço de mar, que
em tempos remotos vinha ter junto á villa.
Conserva esta os seus antigos muros com pouca
ruina, cercando-a por todos os lados, com quatro-
portas, denominadas ; da Villa, do Valle, da Cerca,
e do Telhai, e dois postigos, o de Cima, e o de Bai
xo. A povoação acha-se toda recostada no declive
do monte, cuja crista serve de base ao castello, «
á egreja de Santiago, que se eleva junto da forta
leza. O estado de conservação d'esta é muito sof-
frivel, attendendo á sua antiguidade. Goza-sed'a-
hi ura lindo e variado panorama.
São quatro as freguezias : Santa Maria, que é
a matriz, S. Pedro, Santiago, e S. João Baptista.
Os outros edilicios religiosos são : a egreja da mi
sericordia, com o seu hospital, e com avultada ren
da ; as ermidas de Nossa Senhora de Monserrate,
pertencente á ordem terceira, a de S.Vicente, on
de está a parochia de S. João Baptista, e a de S.
Martinho, de architectura antiga. Fora da villa,
mas nas im mediações, encontram-se outras ermi
das. A mais notavel é a do Senhor da Pedra, co
meçada em 1740 junto á estrada que conduz para
a villa das Caldas da Rainha. Apezar de não estar
concluida, é um belloe sumptuoso templo, em que
se despenderam duzentos mil cruzados, havidos de
— 100 —
esmolas cTaquelIes povos, ásquaes se juntaram va
liosos donativos d'el-rei U.João v, que por diver
sas vezes ali foi. A 3 de Maio, dia da invenção da
Santa Cruz, celchra-se n'este templo uma gran
diosa funcção, com festa d'arrayal e mercado, e
á qual concorre muita gente das povoações visi-
íj has.
Tem a villa cinco ruas principaes, e uma praça
ornada com um chafariz. Além d'estepossue mais
quatro, porém todos fora dos muros. Aquelle, e
dois d'estes recebem a agua de um aquedueto, que
corre sobre arcos na extensão de meia legua, e foi
obra da rsinha D. Catharina, mulher de D.João ui.
Os arrabaldes d'Obidos são notaveis por algu
mas quintas, que os povoam, e principalmente pela
grande lagoa a que a villa dá o seu nome. Entre as
quintas nomearemos a das Janellas, a das Flores,
e a do Bom Successo. A primeira pertence aos se
nhores condes de S.Vicente, e possue aguas ther-
maes, similhantes ás das Caldas da Rainha, ás quaes
concerrem alguns enfermos. Achando-se hospeda
do n'esta quinta o infante D. Francisco, irmão de
cl-rei D. João v, falleceu ahi de uma colica a 21
de Julho de 1742. D. João v e a familia real acha-
vam-se então nas Caldas da Rainha. A quinta das
Flores tem uma nascente das mesmas aguas. A do
Bom Successu e muito arborisada, c distingue-se
pela sua posição pittoresca, e alegres vistas.
A lagoa dista da villa uma legua. O seu compri
mento não chega a uma legua, e de largura tem
meia. Está cercada de montes, em que se abrem
quatro gargantas, tres por onde n'ella veem des
aguar os rios do Cabo, do Meio, cReal; ca quar
ta por onde a lagoa communica com o mar. Esta
ultima todos os annos se obstrue de ardas, que é
necessario remover a braços para evitar o mau ef-
feito da estagnação das aguas. A lagoa estende dois
braços para o interior, um na direcção de leste,
chamado da Barrosa, e o outro na do sul, dene-
miuado da Atouguia, ou do Bom Successo. Con
tém esta lagoa muita variedade de peixes, e de er-
cellentes mariscos, que fornecem a villa todo o an
— 101 —
no, e muitas mais terras da Estremadura. No in
verno é abundantissima de caça d'arribação, que
attrahe ali de grandes distancias centenares de ca
çadores, uns para commercio, outros por simples
divertimento.
A menos de um quarto de legua da villa está o
edificio do extincto convento de S. Miguel das Gaei
ras, que foi de frades arrabtdos , e se fundou em
1602, mudando-se do antigo sitio em que o car
deal infante D. Henrique edificara o primeiro em
1569. Contiguo áquelle edificio ha um frondoso
bosque, que faz parte da cerca do convento.
O termo d'Obidos é fertil, e produz cereaes, al
gum vinho, e muitas e excellentes frutas de toda
a qualidade.
Tem esta villa uma feira annual, em 20 de Ou
tubro. Ao presente, que se acha em decadencia,
conta uns tres mil habitantes. Já teve, porém, maior
população.
Ufana-se Obidos de ter sido o berço da insigne
pintora Josefa d'Ayala, mais conhecida pelo nome
de Josefa d'Obidos ; e do espirituoso e distincto
poeta Francisco Manuel Gomes da Silveira Malhão.

r
102-

U1LL1 DOIREM.

Sobre um monte mui elevado, e por todos os la


dos de diificil accesso , campeia a nobre villa de
Ourem. Pertence á provincia da Estremadura, e
ao districto admimstrativo de Leiria. Dista da ci
dade d'este nome quatro leguas para éste, e tree
de Thomar para oeste.
Não é conhecida a historia d'esta villa anterior
mente á monarchia portugueza. Apenas consta, que
n'essas eras remotas se chamava Abdegas. Con-
quistou-a aos moiros el-rei D. Affonso Henriques
pelos annos de H48 ou 49 ; e logo depois, por ser
um sitio tão defensavel por natureza , cuidou de
a fortificar de modo, que não podesse cair facil
mente outra vez em poder dos infieis. Dizem as
chronicas que para este fim a cercara de muros,
e construira um forte castello. Se attendermos,
porém, ao costume que os moiros tinham, e que
era uma necessidade d'aquelles tempos, deporas
suas povoações a coberto de qualquer surpresa
dos christãos, deveremos suppor, que não se te
riam descuidado de fortalecer com muralhas e cas
tello um ponto como aquelle, tão apto para a de
fensa, e por conseguinte tão importante n'uma epo
ca em que ossobresaltos da guerra constituiam uma
das phases mais constantes do viver dos povos. Cre
mos, pois, que o conquistador d'Ourem não fez
mais que reparar, ou açcrescentar as fortificações,
que já existiam.
Aquelle soberano fez doação d'esta villa a sua
filha a infanta D. Thereza, que lhe deu foral no
anno de 1180. Conta-se que esta mesma infanta,
em memoria e honra de uma heroina do seu tem
po, e talvez amiga sua, lhe mudara o nome de
Abdegas pelo de Ouriana, depois corrupio em Ou
rem. Essa heroina era aquella gentil moira, que
o esforçado Gonçalo Hermiges, n'uma correria
que fez por terras de infieis, no anno de 1 170, cap
ivara nas visinhanças d'Almada, ondeella vivia.
— 103 —
0 çavalleiro de Christo, rendido á formosura e gra
ças da joven agarena, amou-a com tão puro affecto.
e cercou-a de ião respeitosas atteoções e desvelos,
que a moira se rendeu alfim ao amor de Gonçalo,
que a desposou, e á fe christã. Deixando o nome
de Fatima, recebeu com as aguas do baptismo o de
Ouriana. Foi curta a felicidade dos dois esposos,
porque em breves annos chamou Deus a si a con
sorte de Gonçalo, mas ainda assim deu-lhe tempo
para deixar bonrada memoria em feitos d'armas,
no culto da poesia, na fidelidade e extremos con-
jugaes, e em todas as virtudes christãs. Gonçalo
Hermiges, perdendo n'este lance fatal a vida da
sua vida, resolveu morrer para o mundo, efoi-se
encerrar na clausura do mosteiro d' Alcobaça.
No seculo xiv foi esta villa erigida em condada
por el-rei D. Pedro i a favor de D. João Affonso,
Tello de Menezes, irmão de D. Leonor Telles de
Menezes, que ao diante veiu a ser rainha de Por
tugal pelo seu casamento com el-rei D. Fernando,
lilbo de D. Pedro i,
• El-rei D. Fernando fez conde d'Ourem a João
Fernandes Andeiro , o insolente valido da rainha
D. LeonorTelles, que o mestre d'Aviz assassinou
nos paços da Moeda. E quando este principesubiu
10 throno com o nome de D. João i galardoou com
aquelle condado os serviços do iilustre condesta-
vel D. Nuno Alvares Pereira, o qual o renunciou
liais tarde em seu neto, D. Affonso, primogenito
di primeiro duque de Bragauça. Desde então an-
iku este titulo na casa de Bragança. Modernamen
te foi feito barão, e depois visconde d'Ourem, o ge
neral Lapa.
El-rei D. Pedro h deu novo foral a esta villa a (5
de Ju\ho de 1695. Tinha voto nas antigas cortes
com assento no banco decimo-quarto. O seu bra
são d'armas consta de uma aguia no meio do es
cudo, entre dois escudos das quinhas de Portugal,
e sobre estes, de um lado o crescente, e do outro
uma estreita.
Havia outr'ora na villa quatro parochias, que
foram incorporadas em uma unica coliegiada p«lo
~ 104—
papa Eugenio ív, a instancias de D. Affonso, mar-
quez de Valença, e conde dOurem, por occasião
da sua ida como embaixador ao concilio de Basi-
lea. Este mesmo principe fundou o templo da col-
legiada em 1445, consagrando-o a Nossa Senhora
da Misericordia. Goza esta collegiada do titulo de
insigne, e é servida por varias dignidades e cone
gos. Em uma capella por baixo do coro acha-se
o rico mausoleo do fundador, que porfallecerem
vida de seu pae, D. Affonso i, duque de Bragan
ça, Olho natural de el-m D.João i, passou a suc-
cessão d'esta grande casa ao segundo genito, D.
Fernando.
Os outros edificios mais notaveis da villa são :
a casa da misericordia, o hospital, e tres ermidas,
o castello, e as muralhas com duas portas, que cer
cam a povoação, e que se conservam com alguma
ruina.
Regam os suburbies quatro ribeiras, que os fa
zem ferteis e aprasiveis. Ha n'elles uma bella quin
ta com grandes bosques, chamada da Moita da Vi
de; e o edificio do extincto convento de Santo An
tonio, de frades capuchos, fundado em 1602.
Nas visinhanças d'Ourem ha ainda outra memo
ria da consorte de Goncalo Hermiges. E' a invo-
cação de uma egreja parochial, que se intitula Nos
sa Senhora dos Prazeres de Fatima.
A principal producção do termo consiste em ce-
reaes, legumes, azeite, vinho, e frutas. Abunca
em caça, e tem alguma criação de gado.
Ourem encerra uns tres mil habitantes. Tambím
é nomeada Villa Nova dOurem.
, -J>
105 —

AVILLADOURIQUE.

Na extremidade meridional da provincia do Alem-


tejo, districto administrativo de Beja, a sete leguas
e meia sudoeste da cidade de Beja, e outras tantas
oeste da villa de Mertola, acha-se a villa de Ouri
que, edificada sobre uma pequena elevação.
Não consta a epoca da sua fundação. Apenas se
sabe que el-rei D. Diniz lhe deu foral a 8 de Ja
neiro de 1290, estando na cidade de Beja.
Junto da villa estende-se um vasto campo, cele
bre em a nossa historia com o nome.de Campo de
Ourique. Foi ahi que teve principio a monarchia
portugueza. Entranhando-se o joven infante D. Af-
fonso Henriques pela provincia do Alemtejo em bus
ca de infieispara combater, sairam-lhe ao encon
tro nos plainos d'Ourique o rei moiro Ismar, e mais
quatro regulos, seguidos de um poderoso exercito.
Apezar da immensa desegualdadí das forças, pois
que os portuguezes apar dos moiros apenas eram
um punhado de valentes, travou-se a peleja no dia
25 de Julho de 1139. Este mesmo dia presenceou o
destroço completo dos sarracenos, com a morte dos
cinco regulos, e a acolamação de D Affonso Hen
riques, primeiro rei de Portugal, pelos seus soldados
ebrios de gloria, e maravilhados do valore coragem
do moço infante.
Este insigne feito e memoravel successo esteve
por muitos seculos sem um padrão que o commemo-
rasse, além da tradição popular, e das memorias es-
criptas, até que a rainha D. Maria i mandou elevar
n'aquelle sitio umapyramide de marmore, com uma
inscripção que refere o acontecimento.
A villa d'Ourique tinha voto nas antigas cortes
com assento no banco decimo-quinto. O seu brasão
d'armas é, em campo vermelho, um guerreiro com
armadura e elmo, com o braço direito levantado, e
empunhando a espada, montado n'um cavallo sobre
terra firme ; e na parte superior do escudo uma tor
. -106-
re em cada angulo, tendo por cima, uma o crescen
te, e a outra uma estreita, tudo prata.
Esta villa é cabeça de comarca. Conta uma só
parochia, dedicada a S. Salvador, que pertencia
outr'ora, juntamente com o senhorio d'Ourique, á
ordem militar de Santiago, que tanto ajudou os nos
sos primeiros reis a expulsar os moiros de Portugal.
Tem casa de misericordia, hospital, as ermidas do. S.
Sebastião, S. Luiz, N. Senhora do Castello, S. Braz,
S. Lourenço, e Nossa Senhora da Colla, e ura velho
castello.
Nos suburbios passam as ribeiras de Cobres eTer-
gis, que, depois do se unirem, vão lançar-se no Gua
diana. Pouco mais distante, mas ainda no termo da
villa, tem o seu nascimento o rio de S. Romão, que
*ae entrar no rio Sado em Porto de Rei. Segundo re
fere a tradição as aguas d'aquellas ribeiras correram
até ao Guadiana tintas de sangue sarraceno no dia
jàa batalha d'Ouhque.
O termo possue bons terrenos, em que se cultivam
cereaes, frutas, alguns olivaes e vinhas. Ha nelle
alguma criação de gado, e muita caça.
A villa d'Ourique encerra uma população de duas
mil e quatrocentas almas. A 29 de Setembro tem a
sua feira annual. Sobre as ribeiras de Cobres e Ter-
gis está cm construcção uma bella ponte decanta
ria.
— 107 —

AVILLÀ DEPALMELLA.

Sobre um dos mais altos cabeços da cordilheira,


que se estende entre o Tejo e o Sado, até formar
o Cabo do Espichel, ergue-se o castelto de Palmei-
la. Junto á velha fortaleza, no declive do monte pa
ra o lado do norte, está edificada a villa do mesmo
nome, em territorio da provincia da Estremadura,
districto administrativo de Lisboa. Dista cinco lé
guas da capital, e uma de Setubal.
O autor da Corographia Portugueza pretende,
que esta povoação fora fundada pelos celtas, e pe
los sarrios, trezentos e dez annos antes da era chris-
tã, e que cento e seis annos depois do nascimento
de Christo a reedificara AuloCornelio Palma, gover
nador romano na Lusitania, pondo-lhe então o no
me de Palmella, derivado do seu.- Todavia, pode-se
dizer, que a historia de Palmella até ao tempo de
ser conquistada aos moiros pelo nosso primeiro rei,
é desconhecida, ou, pelo menos, muito duvidosa.
Achando-se, pois, sob o dominio dos arabes, con-
quistou-a fl. Affonso Henriques no anno de 1147.
Teudo caido outra vez em poder dos sarracenos, foi
novamente tomada por aquelle monarchaem 1165 ;
o qual cuidon então em melhor assegurara sua pos-
'se, reconstruindo o castello, cuja defensa ©ntregoa
á ordem dos cavalleiros de Santiago, e povoando de
novo a villa. Seu filho, el-rei D. Sancbo r, prose-
guindo no mesmo empenho, tratou em 1205 de me
lhorar a fortaleza, e augmentar a povoação.
Gozava de voto em cortes, sentando-se os seus
procuradores no banco decimo-terceiro.
O brasão d'armas, que se vè na estampa junta, é
copiado do que está na Torre do Tombo. Entretan
to achamol-o descripto por alguns escriptores do
modo seguinte. Em campo vermelho um braço de
homem sustentando uma palma, entre dois castel-
los ; a cada lado do escudo o habito de Santiago, e
por timbre as quinas reaes de Portugal.
O castello oceupa a coroa do monte. Ignora-se a
— 108—
«poca da sua fundação, mas sabe-se que tem tido
diversas reconstrucções. No seu recinto estão o con
vento, que foi dos freires de Santiago, e a egreja
matriz de Santa Maria. O convento data dos primei
ros tempos da monarchia, mas tem passado tambem
por muitas reedificações, que lhe teem alterado a
sua primitiva architectura. Até á extincção das or
dens rehgiosas em 1834 era a cabeça da ordem mi
litar de Santiago.
Do castello goza-se um ponto de vista admira
rei. Para o lado do norte descobre-se Lisboa com
os seus extensos arrabaldes; as serras de Cintra,
de Montachique, de Bucellas, e Monte Junto, cora
todo o paiz entremedio ; o Tejo desde a barra até
Santarem, e uma infinidade devillas ealdêas. Pa
ra o lado do sul vê-se Setubal, rodeada de pomares
de laranja ; o Sado desde a sua foz até a uma gran
de distancia do seu curso; e o oceano sem fim, on
de os olhos se cansam e perdem.
Na villa acham-se a egreja parochial de S. Pe
dro, a da misericordia, o hospital, e cinco ermidas.
Nos arredores ha outras capeilas. Contém esta po
voação mais de tres mil habitantes. Posto que es
teja assentada na encosta da montanha, tem algu
mas ruas com pouco declive.
Os suburbios não são bonitos, por serem terre
nos pouco arborisados, e íngremes. As principaes
producções do termo consistem em vinho, azeite,
frutas, alguns cereaes, mel, caça, e algum gado.
A pouca distancia da villa passa o caminho de
ferro de Setubal.
Palmella tem uma feira annuala 8 de Dezembro,
e mercado no segundo domingo de cada mez. E' con
siderada praça de guerra, e governada por um ma
jor.
t
109

A VILLA DE PANOYAS.

Esta pequena, mas antiga povoação, está situada


aa provincia do Alemtejo, districto administrativo
de Beja. Dista duas leguas noroeste da villa de Ou
rique, e outras duas sudoeste da villa de Messejana.
Pertenceu Panoyas á ordem militar de Santiago ;
deu-lhe foral el-rei D. Manuel em 10 de Julho de
1512 ; e tinha voto nas cortes da velha monarchiu,
com assento no banco decimo-quarto. Por esta ul
tima circunstancia mostra, que foi terra de alguma
importancia. Todavia poucas memorias encontra
mos d'esta povoação.
O seu brasão d'armas é do modo seguinte : Em
campo azul, dois braços de homem cruzados, um
vestido de amarello, e o outro de carmezim, e com as
mãos apoutando para cima. Entre os braços está uma
cabeça humana, de barbas ecabellos loiros, que pa
rece ser a de Jesus Christo. Acha-se assim pintado
«ste brasão na Torre do Tombo. Não nos consta, po
rém, que venha descripto, e explicado, em obra al
guma ; pelo menos tendo-o procurado nos autores,
que mais particularmente se deram ao estudo das
antiguidades patrias, não achamos noticias a seu
respeito.
A villa de Panoyas, que no começo do seculo pas
sado tinha duzentos e sessenta fogos, apenas conta
va em 1820 cento noventa e oito, com uns setecen
tos e setenta habitantes. Suppomos, que este é, com
pouca differença, o seu estado actual. Tem uma uni
ca parochia da invocação de Santa Maria.
A meia legua da villa para o lado occidental es
tá um templo de muita antiguidade dedicado a S.
Romão, que nasceu em França, e falleceu em um
convento que fundou, e que foi o primeiro que hou
ve em Portugal, de que existem ainda alguns vesti
gios no meio de charnecas, a tres leguas da villa
de Mertola. Na egreja matriz de Panoyas venera-se
a cabeça d'este santo em relicario de prata ; e o cor
po na referida ermida dcS. Romão, onde se lhe faz
— 11O

MO ultimo dia de Fevereiro uma grande testa, aqui


concorrem muitas romagens e povos das villas e al
deas visinhas.
O termo de Panoyas produz em abundancia os
mesmos fructos, que o de Ourique, pois que ambos
se estendem pelo celebrado campo, que tomou o no
me d'es!a ultima rilla.
— 111 —

A VILLA DE PEDRÓGÃO GRANDE.

Está situada esta villa no cume de uma alta «er


ra, cuía raiz banham os rios Zezere e Pera, Ba pro
vincia da Estremadura, districto administrativo de
Leiria, a oito leguas noroeste da cidade de Thomar.
Diz a Corographia Portugueza, que foi fundada
pelos Petronios romanos, e que d'isto se acham me
morias. O mesmo autor julga ver uma prova d'esta
opinião no escudo das armas da villa, que são : um»
aguia, olhando para o sol, e por baixo o rio Zezere.
E' sabido que a aguia era a insignia do imperio ro
mano.
Seja ou não verdadeira esta noticia, o que é cer
to é que esta terra já existia no dominio dos ara
bes, que se arruinou e despovoou durante as guer
ras travadas entre os christãos e os infieis, equeel-
rei D. Affonso Henriques a mandou reconstruir e
povoar de novo no anno de 1176. D. Pedro Affon
so, filho natural daqnellemonarcha, deu-lhe foral,
que ao diante foi confirmado e ampliado por el-rci
D. Affonso ih. O senhorio d'esta villa andava na ca
sa dos condes de Redondo.
Em quanto a corte teve o seu assento na cidade
de Coimbra, vinham muitas vezes os nossos reis á
villa de Pedrogão Grande recrear-se na caça, em
que abundam .aquclles sítios.
Ha na villa uma parochia , consagrada a Santa
Maria, egreja da misericordia, hospital, e sete er
midas.
As cercanias da villa são agradaveis e mui pit-
torescas, pelos arvoredos e penedias, que guarne
cem as encostas da serra, pelos amenos valles por
onde correm os rios Zezere c Pera, que fazem um
quasi cêrco á montanha, eemfim pela grande quan
tidade de fontes, que n'ellas ha, as quaes não são
menos, segundo dizem, de duzentas.
A um quarto de legua da villa está o edifiéio do
cxti neto convento de Nossa Senhora da Luz, que foi
de frades dominicos. Está edificado na parte mais in
— 112 —

grcrae e escabrosa do dorso da serra, entre fragas e


arvoredos, que parecem dependurados, e prestes a
despenharem-se sobre o Zezere, que ahi rola as suas
aguas por cima de rochas com medonho susurro.
Foi fundado o convento em 1476.
O termo é de muita fertilidade, e produz todo o
genero de fruetos, que mais geralmente se cultivam,
em o nosso paiz. E' terra de muito gado, e, como
acima dissemos, mimosa ein infinita variedade de
caça. O Zezere fornece-a de algum peixe.
Pedrogão Grande possue uma vasta forja de fer
ro, que se extrahe de uma mina proxima. A sua po
pulacão é de duas mil e setecentas almas.
— 113 —

a CIDADE DE PENAFIEL.

Está situada a cidade de Penafiel na encosta de


um monte a seis leguas do Porto, dominando um
formoso valle de duas leguas de extensão. Fazia
parte outr'ora da antiga provincia d'Entre Douro
e Minho. Pela divisão do reino decretada em 1834
ficou pertencendo á provincia do Douro, e pela mo
derna divisão administrativa pertence ao districto
do Porto, e é. cabeça de comarca.
Conta-se que no anno de 850, achando-se o nos
so paiz sob o dominio dos moiros , um cavalleiro
christão chamado D. Faião Soares, descendente
dos godos, e tronco da illustre familia dos Sousas
(*), fundara* com beneplacito dos dominadores,
uma povoação a pouca distancia do rio Sousa, á
qual deu o nome de Arrifanu de Sousa.
Este logar veiu mais tarde a ser cabeça do con
celho de Penafiel. Erigiu-o em villael-rei D. João
v no anno de 1741. Seu filho, el-rei D.José,ele-
vou-a á cathegoria de cidade em 1770, mudando-
lhe o nome no de Penafiel, ao mesmo tempo, que
alcançou do papa Clemente xiv a creação de um
novo bispado, cuja sede collocou em a nova cidade.
Por morte d'este illustrado soberano, os odios, que
perseguiram o grande marquez de Pombal, e que
pretenderam annullar a maior parte dos actos do
seu governo, não pouparam o bispado de Penafiel.
O seu primeiro e unico bispo, que era confessor
da rainha D. Maria i, e que governara o bispado
durante oito annos, renunciou a sua mitra, e esta
diocese foi outra vez encorporada no bispado do
Porto por bulia do papa Pio vi, de Dezembro de
1778.

(*) Esta familia dividiu-se em dois ramos no seculo


xiv. O primogenito está representado nos senhores du
ques de Lafões , o outro nos senhores duques de Pai-
mella.
\OL. tt. 8
— H4 —
Penafiel é uma pequena cidade de tres mil al
mas, quasi toda edificada ao longo de uma com
prida rua, por onde passa a bella estrada macda-
misada, que do Porto conduz a Amarante, á Re-
goa, e Villa Real.
A industria dos seus habitantes, e a fertilidade
dos terrenos, que acercam, luctaram debalde por
muito tempo contra os estorvos, -que ao seu des-
involvimento oppunha a falta de boas estradas.
Hoje, porém, que se acha em faceis communica-
ções com uma parte da provincia de Traz-os-Mon-
tes, com a principal povoação e porto do paiz vi
nhateiro do Douro, e, emlim, com o grande cen
tro commercial da cidade do Porto, podeconside-
rar-se em caminho de prosperidade.
Tem esta cidade uma só parochia, dedicada a
S. Martinho. E' um templo de tres naves, edifi
cado no meio da povoação no anuo, de 1570. A
egreja da misericordia, fundada no Rocio das Chãs
pelo abbade de Ermello, Amaro Moreira. é um bom
templo de tres naves. Serviu de sé durante os oito
annos, que a cidade logrou a preeminencia de se
de episcopal.
D'entre as diversas ermidas, que possue Pena
fiel, citaremos a do Senhor do Hospital, e a de
Nossa Senhora da Piedade. A primeira porque n'el-
la teve principio em 1509 a humanitaria confraria
da misericordia d'aquella terra; e porque se vene
ra no seu altar um crucifixo, que um chamado João
Corrêa trouxe de ínglaterra, quando Henrique viu,
tendo mudado a religião doestado, perseguia os ca-
tholicos, e mandava queimar as imagens dos san
tos : a segunda porque a imagem de Nossa Senho
ra da Piedade tem a mesma procedencia.
Havia dois conventos, hoje ambos extinctos, um
de frades capuchos, fundado em 1666, e o outro de
recolhidas, intitulado de Nossa Senhora da Concei
ção, o qual se construiu no Rocio das Chãs no co
meço do seculo passado. N'este mesmo rocio esta
a casa das audiencias do juiz de direito, e cartorios
dos escrivães. E' o principal edificio publico. Tem
esta cidade um hospital, soffriveis hospedarias, e
— 113 —

algumas casas particulares de boa apparenci».


Os arrabaldes são muito agradaveis, e bem cul
tivados, principalmente o delicioso raile por onde
corre o rio Sousa, que passa a uma legua da cida
de, e vae entrar no Douro, duas leguas acima dò
Porto. Existem nelies dois monumentos de anti
gas eras dignos de menção, e de serem vistos. Um
é o celebre convento de Paço de Sousa, distante de
Penaliel uma legua. O outro é conhecido pelo no
me popular de Marmoiral.
O convento está situado junto ao rio Sousa em
logar baixo. Fundou-oD. Truicrozendo àuedes pe
los annos de 956, e augmentou-o seu neto, Egas
Moniz, o dedicado aio de D. Affonso Henriques. De
tão remota epoca parece que apenas existe o tu
mulo deste heroe. Todavia a egreja é um curioso
specimen da architectura gothica. Pertenceu este
mosteiro á ordem benedictina.
O Marmoiral ergue-se em uma bouça ao norte da
estrada, que vae do logar da Ermida para o da Ca
deado. E' um arco de quinze palmos d'altura, de for
ma ogival, elevado sobre quatro degraus, e coroa
do de uma cimalha com seus lavores, a qual se acha
um pouco arruinada. Consta de um documento de
1152, que é o tumulo de um cavalleiro, chamado
D. Souzino Alvares. O nome que o vulgo dá a es
te monumento é provavelmente corrupção da pala
vra memorial. Ao que parece houve ali, proximo
d'este mausoleo, um castello denominado de Buge-
fa, do qual D. Souzino talvez seria o alcaide, ou
senhor.
Em distancia de uma pequena legua de Pena
fiel para o norte vê-se tambem o edificio do anti
quissimo mosteiro de S. Miguel de Bustello, que
foi egualmente de benedictinos.
As principaes producções do termo são : milho
grosso e miudo, trigo, cevada, centeio, azeite, vi
nho verde, linho, castanha, e outras frutas. Cria-
se n'elle muito gado de diversas especies, e caça.
A 11 de Novembro começa a feira annual de Pe
nafiel, que é uma das mais concorridas do nosso
paiz, tanto de gente, como de productos agricolas,
— 116 —
e de industria. Faz-se ali muito commercio em ga
do, principalmente cavallar.'
Tem esta cidade por armas um escudo com co
roa, e n'elte duas espadas e uma aguia coroada.
Dizem que este brasão lhe foi dado pelo seu pri
meiro fundador.
Penafiel está ligada com o Porto, Amarante, e
Regoa, por meio de carreiras regulares de diligen
cias. A rainha D. Maria i erigiu esta cidade em
condado no anno de 1798, em favor de Manuel Jo
sé da Matta de Sousa Coutinho. Ao presente é se
gunda condessa sua filha, a ex.ma senhora D. Ma
ria d'Assumpção.
Esta terra, finalmente, serviu de berço a muitos
homens distinctos nas armas, na magistratura, e
no magisterio da universidade de Coimbra.
— 117

MULA DE PENAMACOR.

Sentada em um cabeço penhascoso, na provin


cia da Beira Baixa, districto administrativo de Cas-
tello Branco, avilla de Penamacor dista nove leguas
nordeste da cidade capital do districto, e pouco mais
de duas da fronteira da Estremadura hespanhola.
Fundou-a el-rei D. Sancho i, edeu-lhe foralpe-
los annos de 1189. Tinha voto nas antigas cartes,
sentando-se os seus procuradores no banco decimo-
primeiro. As suas armas são : em campo vermelho
uma espada e uma chave, e no meio d'cllas dois
crescentes contrapostos.
El-rei D. Affonso v fez conde de Penamacor a
D. Lopo d'Albuquerque. A rainha, senhora D. Ma
ria u renovou este titulo em 1844 na pessoa do
senhor Antonio de Saldanha Albuquerque Castro
Ribafria, descendente do conde D. Lopo, e do il-
lustre vice-rei da lndia D. João de Castro.
E' esta villa praça d'armas. As suas fortificações
são irregulares por causa dos accidentes do terre
no. As que existem foram feitas por occasião da
guerra da restauração de 1640. Compõem-se de cin
co baluartes, e tres meios baluartes.
No sitio mais alto, para o lado do sul, levanta-
se o velho castello, edificado sobre fragas, e do
minando toda a praça e terrenos visinhos. Attri-
bue-se a sua fundação a D. GualdimPaes, mestre
dos templarios, algum tempo antes que D. Sancho i
fundasse a villa.
Tem esta tres parochias, intituladas, Santa Ma
ria, S. Pedro, e Santiago ; casa da misericordia,
hospital, e varias ermidas. Fora dos muros para o
lado do occidente está o edificio do extincto con
vento de frades capuchos.
Fazem-se n'esta villa tres feiras annuaes, a pri
meira a 28 d' Agosto, a segunda a 21 de Setem
bro, e a ultima a 30 de Novembro.
O terreno produz cereaes, pela maior parte cen-
§
teio, legumes, vinho, azeite, linho, cera e mel. Cria
algum gado, e abunda em caça, principalmente a
serra do Satvador, que é afamada pela grande quan
tidade de coelhos, lebres, e perdizes, que n'ella se
encontram.
A villa de Penamacor encerra uns tres mil ha
bitantes.
'Jj.?!'... » iii.iII
119 —

AVILLADEPENEILLA.

Está situada em terreno elevado, na provincia


da Beira Baixa, districto administrativo de Coim
bra, em distancia de umas quatro leguas da cidade
de Coimbra.
Attribue-se a sua fundação ao conde D.Sisnan-
do, quando era governador d'aquella cidade, pelos
annos de 1080 ; e dizem que começara por construir
o castello, que ainda ali se vê, posto que em ruinas.
Tempos depois caiu a povoação e fortaleza em po
der dos moiros. Foi resgatada por el-rei D. Affonso
Henriques ; porém ficou arruinada e despovoada
por causa da tenaz resistencia, que oppoz ao ven
cedor.
Todo absorvido na giga-ntesca empresa de liber
tar o paiz do jugo sarraceno, aquelle soberano le
gou a seu filho o cuidado de reparar os estragos
de Penella. Em 1187 mandou, pois, O. Sancho i
restaurar os edificios, e povoar de novo a terra.
O seu foral de villa foi-lhe dado por el-rei D. Af
fonso n.
Em 1471 fez conde de Penella el-rei D. Affonso
v a seu sobrinho D. Affonso de Vasconcellos e Me
nezes, bisneto do infante D. João, que era filho de
el-rei D. Pedro i e de 1). Ignez d^ Castro. Extio-
guiu-se este titulo por morte do segundo conde, D.
João de Vasconcellos, li lho do primeiro.
Lograva esta villa desde os primeiros tempos da
monarebia a prerogativa de enviar ás cortes os seus
procuradores, que tomavam assento no banco de-
cimo-sexto. As suas armas são em campo azul tres
torres de prata, duas collocadas na parte superior
do escudo, e uma em baixo.
Tem uma unica parochia, da invocação de Nos
sa Senhora doPranto, casa da misericordia e hos
pital. Conta perto de tres mil habitantes.
O termo é fertil. Consistem as suas principaes
producções em cereaes, castanha, e outras frutas,
algum vinho, e linho.
— 120 —

ll ULME PRAÇA DE PEMCHE.

Na costa da provincia da Estremadura, doze le


guas ao noroeste de Lisboa, está edificada a villa
e praça de guerra de Peniche. Ergue-se sobre ro
chas na extremidade de uma pequena peninsula,
que o oceano no preamar das aguas vivas quasi re
duz ás condições de ilha. E parece fora de duvida,
que era uma ilha ha mil e novecentos annos, eque
n'ella se abrigaram os herminios, fugindo da serra
da Estreita, -onde habitavam, acossados pelas ar
mas triumphantes de Julio Cesar.
Mantiveram-se firmes por um mez n'aquelle in-
hospito logar, que o mar e os rochedos defendiam.
Mas afinal, apertados da fome, tiveram de render-
se ao inimigo. Julio Cesar, contentando-sedesub-
jeitar ao dominio de Roma os indomitos lusitanos,
foi clemente e benigno com os vencidos. Segundo
alguns autores, ficando na ilha todos, ou a maior
parte dos herminios, ahi deram principio á povoa
ção, que ao diante, vindo a unir-se ailhaaocon-
tinente por uma restinga d'arêa, se chamou Penin
sula, do que se derivou por corrupção o nome de
Peniche.
Porém, conforme a opinião d'outros escriptores,
os herminios voltaram para os seus antigos lares,
e a origem de Peniche é coeva com a fundação da
monarchia, ou pouco anterior.
Seguindo o parecer d'estes, os primeiros povoa
dores de Peniche foram, ainda antes da vinda do
conde D. Henrique a Portugal, os moradores da
visinha villa d'Atouguia da Balêa, que, attrahidos
da commodidade, que o sitio offerecia para a pes
ca, ahi começaram a construir cabanas.
D. Aflbnso Henriques foi auxiliado na conquista
de Lisboa, como é sabido, por uma armada de cru
zados, que n'essa occasião demandara o Tejo. Nas
doações que fez de diversas terras, em recompen
sa d'aquelte serviço, aos cruzados, que quizessem
ficar no paiz, coube aos irmãos D. Roberto, e
— 121 —
D. Guilherme Lacorne o territorio d'Atouguia da
Baloa e de Peniche. A estes estrangeiros deveram,
pois, aquellas duas terras, senão a sua fundação,
pelo menos um grande impulso na sua povoação e
edifícação.
Até ao fim do seculo xv a pesca era o emprego
exclusivo dos seus moradores, e emprego mui lu
crativo pela abundancia e infinita variedade de
peixes, que frequentam aquella costa. Porém quan
do D. Vasco da Gama, e Pedro Alvares Cabral, de
vassando novos mares, franquearam a Portugal as
portas da lndia, e doBrazil, aquelles ousados pes
cadores, pondo a mira em mais elevados lucros,
armaram navios d'a!to mar, e lá foram enrique-
cer-se , e mais á sua terra natal , no commercio
d'esses novos e riquissimos paizes.
Por este modo viu o seculo xvi engrandecer-se
Peniche até contar mais de mil fogos e de cinco mil
habitantes. As humildes cabanas dos pescadores fo-
ram-se transformando em boas moradas de casas,
e as acanhadas ermidas em templos mais grandio
sos.
Em 1609 D. Filippe nideHespanha, que então
governava em Portugal , deferindo á supplica dos
moradores e donatarios de Peniche, que era o con
de d'Atouguia, D. João Gonçalves d'Ataide, elevou
esta povoação á cathegoria devilla.
El-rei D. João ííí, que foi o primeiro dos nos
sos soberanos, que principiou a fortificar a barra
de Lisboa, foi tambem o primeiro, que, reconhe
cendo a importancia de Peniche para a defensa ma
ritima do reino, ahi mandou construir um reducto.
E tal é a fortaleza natural d'esta posição, que,
ajudada apenas d'este reducto, resistiu ao exerci
to inglez, que ali desembarcou em 22 de Maio de
1589 para fazer valer a pretenção de D. Antonio,
prior do Crato, ao throno usurpado por Filippe h
de Castella.
Logo depois da expulsão dos hespanhoes, e da
acclamação de D. João iv, determinou este monar-
cha fazer de Peniche uma praça de guerra. As no
vas obras de fortificação foram dirigidas pelo con
— 122^

de iTAtouguia, D. Jeropymo d'Ataide. Estas obras


foram ainda accrescentadas e methoradas em 1809
e 1810, por occasião da defensa do reino contra
as invasões francezas.
"Em 1671 mandou el-rei D. Pedro n executar
alguns trabalhos coin que se melhorou o porto de
Peniche.
El-rei D. João v, e D. João vi, sendo principe
regente, honraram esta villa com a sua visita. O
segundo ahi passou oito diaseml806. Residiu no
palacio dos governadores da praça.
As diversas causas, que produziram a decaden
cia do nosso commercip, actuando do mesmo mo
do sobre a villa dePeniche, foram empobrecendo
a terra , e reduzindo-a outra vez aos recursos da
pesca, e aos limitados productos da sua industria
agricola e manufactora. reduziram tambem os seus
moradores ao numero de tres mil e trezentos, que
ao presente encerra.
A villa está assentada parte em logar plano,
parte em terreno um pouco elevado. Tanto as ruas
como as casas teem uma certa regularidade.
Dividem-se os moradores por tres parochias,
que se intitulam : Nossa Senhora d'Ajuda, Nossa
Senhora daConceição, e S. Pedro. Este ultimo tem
plo é o maior e melhor. Duas fileiras de columnas
de ordem toscana dividem a egreja em tres naves.
A egreja da misericordia é notavel pelo seu ma-
gnifico tecto, onde se vèemcincoenta e cinco qua
dros, pintados a oleo em panno, e representando os
principaes suócessos do Novo Testamento. A maior
parte d'estes quadros são obra de Josefa d'Ayala,
aquella insigne pintora, que tanta cetebridade ad
quiriu sob o nome popular de Josefa d'Obidos, sua
patria.
Além da casa e hospital da misericordia ha ou
tro estabetecimento pio, creado em 1505 pelos ma
ritimos, que o administram. E' destinado a soccor-
rer as viuvas e filhas destes. Intituta-se Casa ou
capelta do Corpo Santo.
Os outros templos da villa são: a bonita capel
la de Santa Barbara, que é o orago da praça, edi
— 128 —

fícada dentro da cidadella ; a egreja de Santo An


tonio, que era da ordem terceira ; e a egreja de
S. Marcos, que, depois de profanada, tem servido
de quartel, de hospital, e de armazem militar.
Peniche é praça de guerra de primeira ordem,
e como tal tem guarnição de artilheiros e um des
tacamento de infanteria, e costuma ser governada
por um general. As fortificações, além da muralha,
que cerca toda a villa, compõem-se de seis baluar
tes, o forte da Luz, na extremidade do norte, que
domina o mar e o isthmo, e a cidadella, que se er
gue na extremidade do sul, dominando tambem o
porto, a esplanada, e a propria praça. Na costa vi-
sinha ha de um e outro lado pontos fortificados.
Na cidadella está o palacio do governador, quar
teis, ete.
Esta pequena peninsula forma duas enseadas, a
do norte com pouco fundo , e a do sul com suffi-
ciente profundidade para surgidouro de navios de
pouca lotação que ahi acham abrigo contra as nor
tadas. Duas leguas para oeste do cabo de Peniche
estão as ilhas Berlengas.
Os suburbios de Peniche são aridos, como é to
da a costa da Estremadura. O isthmo, que liga a
peninsula ao continente, é uma extensa praia de
quatrocentas braças, de norte a sul. O terreno da
peninsula, junto á villa, é cultivado, e produz ce-
reaes, legumes, frutas, e vinho, sendo este ultimo,
antes da molestia das vinhas, o seu principal pro-
ducto.
Nas visinhanças da villa encontram-se varias
ermidas, o pharoi do Cabo de Carvoeiro, e o edi
ficio arruinado do convento do Bom Jesus, funda
ção de 1452, que foi de franciscanos, onde está o
sepulchro do fundador, o illustre vice-rei da ln
dia D. Luiz d'Ataide.
Fabricaiu-se em Peniche optimas rendas, que ex
porta para as principaes terras do reino. As pes
carias constituem o mais importante ramo do com-
mercio d'esta povoação. Dão emprego a muitos bar
cos e braços, e attrahem á villa muita gente de lon
ge, e avultadas sommas.
— 424 —

À villa de Peniche pertence à comarca das Caldas


da Rainha, e ao districto administrativo de Leiria.
Tem por brasão d'armas uma caravela com S.Pe
dro e S. Paulo, um na proa, e o outro na ré, so
bre mar azul com ondas de prata.
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PINHEL
— 128 —

A CIDADE DE PINHEL.

Esta pequena cidade acha-se situada no cimo e


falda meridional de um pouco elevado monte, na
provincia da Beira Baixa, districto administrativo
da Guarda, cinco leguas ao nordeste da cidade des
te nome , quasi outras tantas a este da villa de
Trancoso, e quatro da fronteira do reino de Leão.
Proximo dos seus muros, pelo lado de este, corro
a ribeira de Riba-Pinhel, que a uma legua d'ahi
entra no rio Coa.
Não ha noticia certa da sua fundação, que toda
via alguns autores attribuem aos turdulos , qui
nhentos annos antes da era vulgar. E' egualmen-
te desconhecida a sua historia até ao principio da
monarchia, em que el-rei D. Affonso Henriques a
levantou das ruinas em que jazia, fazendo-a po
voar, e dando-lhe foral. D. Sancho i, querendo
premiar os grandes serviços prestados pelos mo
radores de Pinhel nas guerras contra os moiros,
deu-lhe novo foral em 1180, concedendo-lhe entre
outros privilegios, não serem obrigados a traba
lhar em quaesquer obras de fortificação ; não pa
garem colheita a el-rei; e serem isemptos do tri
buto de portagem em todo o reino.
El-rei D. Diniz, que muito cuidou na seguran
ça dopaiz, fortificando os logares da fronteira, que
mais se prestavam para a defensa, mandou edificar
em Pinhel um castello de cantaria, com duas mui
altas torres, pelos annos de 1312.
El-rei D. José obteve do papa Clemente xiv a
creação do bispado de Pinhel em 1770 ("hoje sup-
primido), e por esta occasião concedeu a esta an
tiga villa o titulo de cidade. Tinha voto em cortes
com assento no nono banco. O seu brasão d'armas,
conforme está na Torre do Tombo, é um pinheiro
verde em campo de prata. Entretanto na casa da
camara d'aquella cidade vê-se um escudo , tendo
de um lado as armas reaes, e do outro um pinhei
ro Yerde, com um falcão em cima, intitulando -se
— 126 —

Pinhel Falcão guarda-mór de Portugal. Dizem que


o falcão é uma memoria de um que se tomou a el-
rei D. João í de Castella na batalha d'Aljubarro-
ta. A alcaidaria-mór d'esta cidade andava na casa
dos condes d'Alvor.
Pinhel é cercada de muros com seis torres, e seis
portas, chamadas da Villa, de Santiago, áeS. João,
de Marrocos, de Alvacar, e de Marialva.
Parte da povoação está dentro dos muros, com
as parochias de Santa Maria do Castello, e de S.
Martinho; parte está fora com a egreja, que ser
viu de cathedral, e mais tres parochias, que são :
Santo André, o Salvador, e a Santissima Trindade.
Tem casa da misericordia, fundada pelo doutor
João de Videira, natural de Pinhel; hospital, di
versas ermidas, e um convento de freiras. francis
canas, da invocação de S. Luiz, que fundou pelos
annos de 1600 Luiz de Figueiredo Falcão, secre
tario Àe Filippe ih de Hespanha. Em 1620 um fi
lho do fundador trouxe de Roma para a egreja d'es-
te convento o corpo de S. Caio, papa, e martyr, o
qual lhe foi dado pelo summo pontifice Paulo v.
A povoação é abastecida d'agua por tres fontes,
a do Passareiro e de Marrocos, no recinto das mu
ralhas, e a do Bispo fora d'elle. D'esta fonte até á
ribeira de Riba-Pinhel, que éo espaço de meia le
gua, estende-se um delicioso valle, cheio d'hor-
tas, regadas por innumeraveis nascentes de excel-
lente agua.
Consiste a principal cultura do termo em cereaes,
vinho, azeite, legumes, e frutas. Ha nelle criação
de gado, e caça.
Pinhel conta apenas uns dois mil habitantes.
— 1 35 —
Tem dois portos priucipaes, ambos do lado do sul, c
desabrigados, o de Ponta Delgada, e o de Villa Fran
ca. O solo é como o das outras ilhas d'este archipe-
lago, de origem volcanica. O clima é temperado e
saudavel. A sua população excede a noventa mil
almas.
E' capital d'esta ilha a industriosa e rica cida
de de Ponta Delgada, que se acha sentada em logar
plano, nas margens de uma enseada de tres leguas
de largura, formada por dois cabos, chamados Pon
ta da Gale, e Ponta Delgada, que deu o nome á ci
dade. A esta ultima tambem chamam de Santa Cla
ra, por causa de uma ermida d'esta invocação, que
ahi se edificou ha muitos annos.
A perspectiva da cidade vista do mar é de mui
ta belleza. Acararia resplandecente d'alvura, e co
roada pelas torres de varias cgrejase conventos, es-
tende-sc em uma longa linha á borda do oceano; e
pelo lado de teria, cercam-na, como o caixilho ao pai
nel, verdejantes collinas, ligeiramente ondeadas, e
cobertas em grande parte de pomares.
Começou a povoar-se a ilha, por ordem e dili
gencias do infante D. llenrique, no anno de 1445 ;
porém até ao de 1499 era Ponta Delgada um sim
ples logar, subjeito ao governo de Villa Franca, en
tão a principal povoação. As vantagens da situação
fizeram desinvolver-se e crescer tanto a primeira
durante a ultima decada d'aquelle periodo, que,
mal soffrendo a subjeição ás autoridades de Villa
Franca, deu origem a disputas e rixas entre os mo
radores das duas povoações. Para obviara este mal,
e deferir á supplica dos habitantes de Ponta Delga
da, erigiu el-rei D. Manuel este logar erq villa no
anno de 1499.
Em 1522 houve na ilha um grande terremoto,
que sepultou a maior parte de Viila Franca debai
xo dos montes do Rabaçal, e Louriçal. Morreram
n'esta catastrophe perto de cinco mil pessoas". Pon
ta Delgada tambem padeceu muita ruina, mas tão
depressa se reparou, e augmentou, que em 1546
el-rei D. João iu a fez cidade e capital da ilha.
Os volcões de João Ramos, e do Paio, que reben
— lSC-

taram cm 1552, e o do Pico do Sapateiro, qucre-


bcnton em 1363 , e que por muitos dias vomitou
torrentes de lavas abrasadoras, produziram abalos
da terra, que damnificaram mais ou menos todas as
povoações da ilha.
Em Julho de 1582 surgiu nas aguas de S. Mi
guel uma armada de sessenta navios, com oito mil
soldados, quasi todos francezes. Trazia a seu bordo
p pretendente a coroa de Portugal, D. Antonio, prior
do Crato, que demandava a ilha Terceira. A 16 de
Julho desembarcaram tres mil homens no porto dos
Calhaus, com o prior do Crato na sua frente, e em
breve se assenhorearam, além d'outras povoações,
de Ponta Delgada, excepto a fortaleza da cidade,
que não quiz render-se, conservando-sc por Filjp-
pe it de Castella. Dispunha-se D. Antonio para lhe
dar assalto ; porém avistapdo-se no dia 2i a esqua-:
dra hespanhola, que vinha a papnos largos em dust
ca da do pretendente, recolhcu-se tudo aos navios.
No dia 2í travou-se o combate naval, que foi re
nhido e porfioso. Mortos o almirante portuguez, con
de de"Vimioso, e o general francez Filippe Estrosse,
commandante das tropas de desembarque, decidiu-
sc a victoria pelos castelhanos, e os restos da arma
da contraria, com o prior doCrato, poderam ganhar
o mar, e acolherem-sc na Terceira, onde em vão os
foi perseguir o almirante de Filippe ii. Poroccasião
d'aquelle desembarque commetteram os francezes
toda a sorte eje roubos e estragos nos campos, nas
povoações pequenas, e na propriedade, que poze-
ram a saque.
Filippe ii, como em indemnisação d'estas perdas,
ou para recompensar o que ellc chamava fidelidade,
concedeu a Ponta Delgada no anno seguinte os mes
mos foros c privilegios de que gozava no continen
te a cidade doPorto. Mas, apezar de ta es favores,
assim que ali chegou a feliz nova da acclamação
de el-rei D. João iv em o 1." de Dezembro de 16iO,
Ponta Delgada, e toda a ilha de S. Miguel, sacu
diram cheias de enthusiasmo o ominoso jugo de Cas
lella.
Em 17*0 e 1785 sobrevieram dois grandes tcfT
— 137 —

remotos, que lançaram por terra mnhos edificios.


Em 1810 houve ao sul do Pico dvs Ginetes uma pe
quena erupção, e em Junho do anno seguinte re
bentou no mar junto á ponta da Ferraria uma hor
rivel explosão submarinha, de que resultou a for
mação de um ilheo de trezentos pes de altura, com
uma circunferencia aproximadamente de um quarto
de legua, e rematando em uma enorme cratera.
Em Outubro desappareceu repentinamente esta
pequena ilha, sem deixar mais vestigio que o sus
to e terror, que infundiu nos habitantes de S. Mi
guel, e os estragos, que causou particularmente nos
navios, que se achavam surtos nos seus portos. Fi
nalmente, em 1839 padeceu a cidade de Ponta Del
gada um flagello de outro genero, mas não menos
horroroso e devastador O mar, agitando-se e cres
cendo de improviso, arremeçou-se contra a cidade
com tal furia, que derrubou o paredão, que abri
gava o porto do areal de S. Francisco, e a praça
da feira do gado; fez consideraveis estragos no cas-
tello de S. Braz, e n'outras fortificações, na alfan
dega e caos contiguo ; arruinando tambem muitas
casas e armazens particulares.
Todavia, sem embargo de tantas c tão amiuda
das calamidades, Ponta Delgada tem-se engrande
cido, prosperando de anno para anno.
Compõe-se o seu brasão de um portico sustentado
por quatro columnas, tendo no centro as armas reaes.
Sobre as duas columnas da parte interior avultam
duas espheras armilares, e sobre as columnas ex
teriores duas tochas ardentes. Na volta do arco es
tá no logar superior a cruz da ordem de Christo,
tendo de um lado o sol, significando a justiça, e
do outro a lua, symbolisando Nossa Senhora da
Conceição. Como remate do portico está uma coroa
real, e por cima tres seitas com uma palma atra
vessada. A cruz de Christo e as espheras são as
divisas de el-rei D. Manuel, que a fez villa. As sei
tas e a palma são o emblema do martyrio deS. Se
bastião, padroeiro da cidade.
No dia 1.° de Agosto de 1831 desembarcou em
a ilha de S. Miguel, vindo da Terceira, á frente de
uma força de mil e quinhentos homens, o conde de
Villa Flor, depois creado duque da Terceira, resol
vido a plantar ali o estandarte da liberdade, e p
governo legitimo da Senhora D.Maria u. Saindo-
lhe ao encontro no dia seguinte as tropas realis
tas, que defendiam a ilha, em numero de tres mil
homens, travou-se um inortifero combate nas altu-:
ras da Ladeira da Velha, que terminou com o triuai-
pho da causa liberal. No dia 3 fez o conde de Villa
Flor a sua entrada na cidade no meio de grandes
regosijos populares. Ha pouco mais de um annofoi
visitada Ponta Delgada per sua alteza realoinfan-
le D. Luiz, duque do Porto.
O primeiro capitão donatario da ilha de S. Mi
guel foi o seu descobridor frei Gonçalo Velho Ca
bral. Seu sobrinho, e herdeiro, João Soares d' Al
bergaria, vendeu esta capitania, por trinta edois'
mil cruzados, em 1474, a Çui Jonçalves da Cama
ra, filho de João Gonçalves Zarco, o descobridor
da ilha da Madeira. Continuou o senhorio de S. Mi
guel nos descendentes de Rui Gonçalves da Cama
ra, que mais tarde foram agraciados com o titulo
de condes de Villa Franca , depois mudado no de
Ribeira Grande, que ha poucos annos foi elevado
a marquez.
E' a cidade de Ponta Delgada capital d'umdis-
tricto administrativo, quecomprehende toda a ilha
de S. Miguel, e a de Santa Maria. E' sede de um
commando militar , e do tribunal da relação dos
Açores, creado por decreto de 16 de Maio de 1832.
Dividem-se os seus moradores pelas tres seguintes
parochias: S. Sebastião, que é a matriz, templo
vasto e de ires naves ; S. Pedro, cS- José. kegre-
ja da misericordia com o seu hospital anuexoé um
estabelecimento pio bem dotado e admimstrado.
Os principaes edificios, além dos que fieam men
cionados, são: o antigo palacio dos capitães dona
tarios, a alfandega, a casa da camara, os editicios
de cinco extinctos conventos, tres de frades e dois
de freiras, e os dois de religiosas, ainda habitados.
Os dos frades eram : o collegio dos jesuitas, edifi
cado em 1590, e cuja egreja se concluiu em 1666;
— 189—
o convento dos eremitas de Santo Agostinho, que te
ve a primeira fundação ein 1606, e a segunda, com
mudança de local, eiu 1680 ; eo convento dos fran
ciscanos, tambem fundado primeiramente em 1535,
e mudado em 1709 para o sitio em que ao presente
se vê. Os quatro conventos de freiras eram: Nos-
$a Senhora da Esperança, construido por D. Filip-
pa Coutinho, mulher de Rui Gonçalves da Cama
ra, segundo do «ome, em 1541 ; ode Santo André,
fundado em 1567 ; o de S. João ante Portam Lati
nam, edilicado em 1602; e o de Nossa Senhora da
Conceição, acabado em 1(571. ETestes conventos fo
ram supprimidos dois, passando as religiosas para
os dois que ficaram, as quaes actualmente nãosão
menos de cem. Ha na cidade umas oito ermidas.
Apezar de ser edificada esta povoação em terre
no plano, ou levemente inclinado, não tem nenhur
ma praça nem rua de traçado regular. Mas conta
muitas casas de bom prospecto, com seus jardins
e pomares. Tem theatro, e casa de assemblea. A
guarnição da cidade, e defensa da ilha é feita por
um dos regimentos de infanteria do continente, que
para esse fim se revesam de dois em dois annos. 0
porto é defendido pela fortaleza de S. Braz , que.
encerra uma grande cisterna, e ba outras fortifi
cações menores. Em 1851 entraram n'este porto
trezentos oitenta e dois navios com trinta equatre
mil setecentas vinte e nove toneladas, e sairam qua
trocentos e treze com trinta e cinco mil setecentas
quarenta e duas toneladas.
Contém Ponta Delgada quatorze mil habitantes;
jnas se se incluir a parte dos arrabaldes, queforr
ma uma continuação, não interrompida, da cidade,
n'este caso eleva-sç a sua população a dezoito mil
almas.
Tem a cidade a melhor agua, que dizem hav.er
em toda a ilha , não sendo ião boa a dos subur
bios, que pela maior parte é salobra. Os merca
dos são abastecidos de muita variedade de excel
entes hortaliças, e frutas, tanto da Europa como
dos tropicos, de muita criação e caça, e de muita
diversidade de pescado, em que abunda toda a cos
ta da ilha.
— 140 —

O seu commercio é importantissimo, sobretudo


o de exportação. A ilha de S. Miguel exporta an-
nualmente, termo medio, dez mil moios de cereaes
e tegumes para o reino, eMadeira, e cem mil cai
xas de laranja para Inglaterra. E além disso, en
tre outros productos, aguardente, e carnes salga
das. Este avultado trato commercial dá ao porto
de Ponta Delgada um grande movimento annual
de embarcações nacionaes e estrangeiras, augmen-
tado ainda pelas que ali tocam simplesmente para
receber provisões. A carreira de navios movidos
a vapor, da companhia União mercantil, que es
tabeteceu commumícações regulares entro Lisboa
cos portos de S. Miguel, Terceira, S.Jorge, cFayal,
deve influir poderosamente no desinvolvimento e
prosperidade de Ponta Delgada, e de todo oarchi-
pelago açoriano.
Os arrabaldes de Ponta Delgada são de singular
belleza c amenidade. Vê-se por toda a parte uma
vegetação pomposa c variada, entremeiando-sc as
arvores e plantas da Europa com muitas da Ame
rica. Bonitas quintas de regalo, e uma infinidade
de pomares de laranja, frondosos como bosques de
arvores silvestres, povoam e sombream todos es
ses arredores, ora embalsamando o ar com o per
fume de suas flores, ora matizando com os seus
fruetos d'oiro aquelle vastissimo manto de verdores.
O termo, como todo o terreno da ilha, é de uma
fertilidade prodigiosa, e as suas producções são va
riadissimas, com optimas pastagens em que se cria
muito gado. Outrora florcceram n'elle a cultura da
canna d'assucar, do pastel, e do tabaco. ínfeliz
mente estes ramos da sua industria agricola, de que
tanto proveito começou a tirar, acabaram inteira
mente. O primeiro cessou por falta de lenhas para
engenhos. O segundo, que produzia uma bella tin
ta danil mui procurada pelo commercio, finou-se
sob o peso dos impostos, que lhe lançou el-rei D.
João v. O terceiro foi victima das necessidades do
thesouro publico , que o sacrificou aos interesses
do monopolio.
A pouca distancia do termo da cidade, que se es
— t4i —
tende a uma legua, está o Pico das Camarinhas,
tambem chamado Pico das Ferrarias. Dizeni que
ha ahi minas de enxofre, de ferro, de salitre, ede
marcasitas, ou pyrites angulosas.
Apezar de ser um tanto afastado da cidade, não
se deve deixar de fazer menção do Valle das Fur
nas , sitio de grande nomeada pelas curiosidades
naturaes, que encerra, ede muita concorrencia por
causa das suas aguas thermaes. Servir-nos-hemos
para esta descripção de um extracto, que o Pano
rama publicou, da interessante obra do nosso sa
bio e fallecido compatriota Luiz da Silva Mousi
nho d'Albuquerque, intitulada Observações sobre a
ilha de S. Miguel. ' •
'O Valle das Furnas é uma bacia cercada de mon
tanhas elevadas, inferior em nivcl a todos os terre
nos adjacentes, á excepção sómente da estreita gar
ganta, pela qual as aguas, que n'ella brotam ouse
ajuntam, se despejam no mar na Ribeira-Quente.
Existem aqui tres solfatáras (enxofreiras) acompa
nhadas de nascentes d'aguas mineraes : os terre
nos d'ellas consistem em lavas, terras argilosas, e
destroços de cinzas e pomes atacados pelos vapo
res sulfurosos, que do solo seexhalam, cdosquaes
uma parte cristalisa nas cavidades c fendas do ter
reno, e outra, acidificando-sc com o contacto do ar
c dos vapores aquosos , que cobrem a solfatára ,
provindos das nascentes d'aguas, que por todas ci
las rebentam, ataca o terreno, essencialmente alu-
minoso, e forma na sua superficie eflorescencias
de supcrsulfato de alumina , de que as terras se
acham impregnadas, bem como do sulfato de fer
ro unido áquclle, c proveniente da acção do acido
sulfurico sobre o oxido de ferro dos terrenos e
das lavas, e sobre o que depõem as aguas ferru
ginosas, que ali correm copiosamente.
'Na solfatára maior, além dos nascentes mais
consideraveis de aguas quentes, por toda a parte
borbulham pequenos olhos das mesmas. Appare-
cem alguns orificios, onde a agua não chega liqui
da á superficie do terreno ; mas que só exhalam
vapores aquosos e de enxofres sublimados, que
— 141 —
eristalisa pulas bordas ; em uns delles escittt-se
o soia daí apus debatendo-se com violencia nas
eavidades subterraneas; em outros os vapores sur
gem sibilando, e repuxam com vigor para a at-
mosphera. Na bocca maior, com sete palmos de
diametro, a emissão dos vapores é acompanhada
de um som rouco e magestoso, que resoa a grande
profundidade como o ecco de um zabumba tocado
ao longe : é impossivel inclinar a cabeça sobre a
abertura som que a escalde cruelmente a columna
de vapor quentissimo, que por ella se exhala. Nas
aberturas mais pequenas os habitantes das visi-
nhanças costumam estender as rafzes dos inhames
sobre camadas de fetos e matto, e assim obteem,
sem despeza, cozer estas raizes, que são parte es
sencial do seu alimento. Na maior parte das cal
deiras, ou nascentes abertas as aguas repuxam lim
pidas e claras; n'algumas porém em que embatem
contra paredes argilosas saem opacas e lodosas,
mas filtradas mostrnm-se em tudo identicas ás pri
meiras. A mais notavel d'estas nascentes lodosas
é a que no paiz chamam Caldeira de Pedro Bote
tho: o seu aspecto, espantoso e medonho, faz com
que o povo ignorante e supersticioso a tenha por
um respiradoiro do inferno. Na exeavação abre-se
a bocca de uma caverna, no fundo da qual espa
dana continuamente com um som rouco e alterna
do um borbotão d'agua turva e lodosa, que, ele-
vando-se ao ar cac de novo no mesmo abysmo, sem
nunca vencer a abertura da gruta, por onde se ex-
halam redemoinhos de fumo denso e quentissimo,
combinados com o cheiro sulfureo dos vapores.
«O aspecto do Vutte dai Furnas do alto dos mon
tes, que o povoam, é pittoresco e agradavel: es-
-te logar é o mais fresco da ilha, e tão humido que
qualquer objecto, que se abandone, ainda nas ca
sas altas, embolorece immediatamente ; e as chuvas
são ali mais aturadas e copiosas.
«Proximo das caldeiras fundaram os habitantes
os banhos, que são proficuos em muitas enfermi
dades.»
HJ^ty-
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1

§
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I

a VIUA DE PONTE DE UM 1.

Tres leguas a éste da cidade de Vianna dòCàs--


tello, a cujo districto administrativo pertence, e
einco da cidade de Braga, está edificada a villa dei
Ponte de Lima sobre a margem esquerda do for
moso rio Lima. '
Se a antiguidade d'esta povoação rtao é tanta co
mo alguns dos nossos autofes pretendem, attribuin-
do-lheuma origem grega, ou celta, ou turdula, mui
to anterior ao nascimento de Ghristo, é certo toda
via que já existia no seculo n da era christã, sen
do então uma cidade, sob o dominio dos romanos,
chamada Forum Limicorum. A situação em que ò'
itinerario do imperador Antonino Pio põe esta ci-
dade, não deixa duvidar de que teve o mesmo as
sento em que ora vemos Ponte de Lima.
Como ficava na via militar, que os romanosabri-
ram de Braga á cidade d^Vstor^ga, por Tuy e Lugo,
era muito transitada e florescente no tempo des
tes dominadores do mundo. Attendendo á perfei
ção e grandeza com que ei^m Construidas as vias
militares dos romanos, é de crer quft tivessem edi
ficado n'este sitio «ma: boa ponte. Nâò há pofém
vestigios nem memoria de similhante obra. Com-
tudo deveria ahi existii' alguma ponte anteriormen
te á. fundação da monaíchiá portuguéza, pórqoan-J
to achando-se aquefla terra arruinadti e despovoa
da no principio doséculO tu, arainh-a D. Thereza,
e sen filho, D. Aflonso Henriques,1 sendo ainda irt-'
fante, mandandò-a reedificar e povoar de novo, no
foral que lhe deramem 1125 chama m-1 he Ponte de
Lima.
El-rei D. Affonso n confirmou este foral, e ac-
crescentou-lhe mais algumas regalias. Mas, ape-
zar de todos estes favores , e de tantas vantagens
da situação, e dos terrenos oircumvisinhos, foi-se
despovoando outra vez, e caindo em minas. E a
tal ponto chegou de miseria, que no meitdo do se
~-U4 —
culo xiv estava reduzida a um pequeno numero de
pobres choças de palha.
Resolvendo-se então el-rei D. Pedro i arestau-
ral-a novamente, e com melhores condições, trans-
feriu-a em 1U60 do sitio em que se achava, que era
abaixo do convento de S. Francisco, para o logar
em que a vemos. Abriu ruas, construiu casas, cer
cou tudo de grossa muralha com varias torres ameia-
das, barbacãs, e cinco portas, denominadas: do
Souto, do Postigo, da Ponte, de S. João, e a de Bra
ga, que mais tarde tomou o nome de porta dopa-
lacio dos viscondes. E, cmfim, para que nada fal
tasse ao desinvolvimento e prosperidade da terra,
para a qual attrahiu muitos moradores, edificou»
lhe sobre o rio Lima uma excellente ponte de pe
dra, fortificada em cada extremidade com uma for
te torre, e tudo isto tão solidamente construido,
que ainda ao presente se conserva em optimo es
tado.
Não bastaram, porém, todos estes esforços e
avultadas obras de segurança e commodidade para
vencer o mau fado d'esta terra. Achava-se em ta
manha decadencia no começo do seculo xvi, que>
tratando el-rei D. Manuet de reformar os foraes
das terras do reino, acerescentou ao antigo foral
de Ponte de Lima, entre outros privilegios, que
os seus moradores fossem isemptos de pagar por--
tagem c direitos em todo o paiz.
Depois d*isto teem passado tres séculos emeio,
e a villa, que n'este espaço de tempo prosperou,
chegando a contar perto de tres mil habitantes,
tornou a decair, e hoje não possue mais de dois
niU. 12' de esperar, todavia, que a nova estrada
maedamisada , que em breve a vae por em facil
communicação com a cidade de Braga, com a pra
ça de Valença, e outras povoações, lhe hade dar
benefico impulso.
Na velha monarchia tinha esta villa represen
tação em cortes, com assento no banco quinto. Tem
por brasão d'armas um escudo com uma ponte en
tre duas torres. E' seu alcaide-mór o senhor mar-
quez de Ponte de Lima, que édecimo-setimo vis
conde de villa Nova de Cerveira.
— 145 —

Nossa Senhora da Assumpção é a unica paro-


chia da villa. E' um bom templo edificado no se
culo xviu. Antes da sua fundacão a egreja paro-
chial estava fora da villa, proxima da capella de
Nossa Senhora da Guia. Veueram-se n'aquelle tem
plo duas imagens, Nossa Senhora da Piedade, com
o Senhor morto no regaço , que vieram de íngla
terra.
- Tem casa de misericordia, dois hospitaes, e di
versas ermidas dentro e fora da povoação. A ca
pella de S. Sebastião, que está fora da porta do
Souto, foi synagoga dos judeus, quando residiram
alguns n'esta villa, e moravam na rua nova.
Os principaes edificios, alem dos já citados, são
a ponte, e o palacio dos senhores marquezes de
Ponte de Lima. O primeiro, posto que tenha tido
algumas reconstrucções parciaes, conserva na sua
maior parte a fabrica primitiva E' um bello e
curioso monumento de architectura gothica. Cons
ta de vinte e quatro arcos, sendo dezeseis ogivaes.
Nas extremidades erguem-sc duas torres, por bai
xo das quaes é necessario pasmar para entrar na
ponte, ou sair d'ella. O segundo é o solar da il-
lustre familia dos Limas, que el-rei D. Affonso V
elevou ás honras de viscondes de Villa Nova de
Cerveira, em 1476, em favor de D. Leonel deLi-
:ma, e a rainha D. Maria i ás de marquezes de Pon
te de Lima, em 1790, na pessoa de D. Thomaz Xa
vier de Lima, seu ministro dos negocios do reino.
Acha-se este palacio em muita mina ; e o mesmo
acontece ás muralhas da villa.
As cercanias de Ponte de Lima são deumabel-
leza singular. O rio Lima corre sobre amplo leito
de alvissima arêa entre margens orladas de fron
doso arvoredo, e pelo meio de campos sempre vi
çosos, em que avultam aqui e ali, ora uma torre
ameiada, solar de remotas eras, ora uma casa go
thica, dos seculos xv e xvi, ora residencias de lera-
•pos mais modernos, e mais prosaicos, mas agrada
velmente situadas á beira do rio, ou escondidas
entre copados bosques. Seguem o curso do Lima,
um pouco desviadas d'elle, de um e outro lado,
V0L. ll. 10
— 146 —

cordilheiras de montes, tão bem cultivados nas


faldas, tão lindamente vestidos nas encostas de ar
voredo silvestre, com tantas capellinhas acoroar-
lhes os cumes mais elevados, que formam um pre
cioso caixilho ao quadro do valle, já de per si tão
rico, tão bello, e variado.
O rio, que no inverno enche, e trasborda o al-
veo, empobrecido no verão, divide-se em varios
braços, por entre ilhotas de arêa. Mas ainda as
sim , com mais ou menos custo, é navegavel , e
transitado de muitos barcos pelo espaço de quasi
duas leguas para cima, e tres para baixo até á ci
dade deVianna do Castello, onde tem a sua foz.
Saindo-se da povoação pela ponte tem junto
d'esta um arrabalde, com tantas, e algumas tão
boas casas, que é como a continuação da villa. Se
guindo a estrada, que por este lado vae paralle-
la ao rio até Vianna, encontram-se duas delicio
sas quintas, cujos palacios, situadosentrejardins,
e meio occultos na espessura de densos bosques,
ainda se miram, como a furto, nas aguas cristali
nas do Lima. São as residencias dos senhores con
des de Bertiandos, e d'Almada. Da outra parte do
rio tambem vae uma estrada, mais chegada ã mar
gem, e que conduz egualmente áquella cidade. E'
um passeio encantador. O viajante, ao percorrel-a,
vendo-se caminhar sobum toldo de verdura, e por
meio da pomposa vegetação, que veste aquelles
fertilissimos campos em todas as estações do anuo,
julga atravessar uma quinta de regalo tratada com
esmero.
Proximo da villa, nos suburbios, vêem-se os edi
ficios dos dois extinctos conventos, de Santo Anto
nio, na margem esquerda, o qual foi de frades ca
puchos, fundado por D. Leonel de Lima, primeiro
visconde de Villa Nova de Cerveira ; ede S. Fran
cisco de Vai de Pereiras, na margem direita, edi
ficado em 1360, e que depois de ter pertencido aos
religiosos franciscanos, passou em 1513 a seroc-
cupado por freiras de Santa Clara.
Nos suburbios da margem esquerda, logo abai
xo da ermida de Nossa Senhora da Guia, nomon
— 147 —
te, chamado dos Medos, descobrem-se vestigios de
um antigo casteilo. Um pouco mais distante, pro
ximo do sitio, onde está a capella de Nossa Senho
ra da Conceição, existem, ou, pelo menos, exis
tiam ha annos, as ruinas de um forte, que dizem
ser obra dos romanos.
O termo de Ponte de Lima, por onde corre tam
bem o rio Neiva, é muito productivo, em todas as
variedades de cereaes, legumes, hortaliças, e fru
tas, que se cultivam ordinariamente em o nosso
paiz. Recolhe vinho, algum azeite, cera e mel.
Abunda em caça , e creação de gado de especies
varias. O rio cria muito peixe, especialmente lam-
préas e salmões, em que se faz muito commercio
para diversas terras do reino.
Alguns autores nossos pretendem, que o Lima
fosse aquelle rio tão celebrado na antiguidade com
o nome de Lethes. Esta opinião não tem mais fun
damento do que a amenidade e encantos do nosso
Lima, que por elles faz, sem duvida, que todos
aquelles que os gozam, se esqueçam por então de
tudo o mais.
Conta-se, que vindo a estas paragens uma legião
romana, capitaneada pelo pro-consul Junio Bruto,
repugnara atravessar o rio, crendo ser o Lethes,
com receio de se esquecer ao passal-o da patria e
parentes; e que fora preciso para a resolver, que
o pro-consul passasse primeiro, e depois de che
gar á margem opposta, começasse de la a referir
algumas particularidades de Roma, para os con
vencer de que não estava esquecido da patria.
— 148 —

A CIDADE DE PORTALEGRE.

Esta cidade está na provincia do Alemtejo, duas


leguas ao sudoeste da praça de Marvão, tres da
fronteira do reino de Leão, e nove ao norteda ci
dade d'Elvas. Campeia sobre um' pequeno monte,
que faz parte da serra tambem chamada de Por
talegre, estendendo-se pela ladeira, que olha para
o norte. De um lado desce o mome suavemente pa
ra um vali» arborisadoe regado de varias ribeiras.
De outro lado precipita-se em barrancos e profun
das quebradas, sombreadas aqui e ali por olivei
ras e outras arvores. Da parte do norte, emfim,
estende-se com suave declive por baixo de um con
tinuado bosque de castanheiros e outras arvores
fructiferas, com muitas vinhas e quintas, que, che
gando ao valte , guarnecem as margens da ribeira
de Niza. Portalegre é capital do districto adminis
trativo do seu nome.
Como povoação antiquissima a sua origem escon-
de-se por entre mil fabulas. No tempo dos romanos
era uma cidade de alguma importancia. Por um
cippò, obra romana, que se achou fora dos muros
da cidade, abruido-se os -alicerces' da ermida do
Espirito Santo, parece que se chamava então Am-
maia. Este cippo, que sem duvida servia de base
a alguma estatua, e se vê na referida ermida, tem
a seguinte inscripção : 'Imp. Cae. L. Auretio Vero
Aug. Divi Antonini F. Pont. Max. Cons. II. Trib.
Pop. P. P. Municip. Ammaia.
Vertido em linguagem quer dizer: O municipio
de Ammaia erigiu esta memoria ao imperador Ce-,
sar Lucio Aurelio Vero Augusto, fitho de Antonino,
pontifice maximo, cônsul duas vezes, tribuno do po
vo, e pae da patria.
Padeceu provavelmente esta povoação completa
ruina na invasão dos barbaros do norte, pois que
não consta d'ella mais noticia.
Conforme uma tradição popular, em tempos an
teriores á monarchia, havia aqui umas vendas cha-
— 149 —

raadas Portellos , e estavam junto ao logar , onde


inais tarde se edificou a ermida de S. Bartholo-
meu. D'estas vendas ficou o nome ao sitio. Accei-
tando pois a tradição , serviram estas vendas de
nucleo á nova povoação, que em torno d'ellas se
foi edificando com os materiaes da destruida ci
dade romana. Correndo porém o tempo, veiua ter
a mesma sorte da antiga Ammaia. Nas guerras en
tre os campeões de Christo, e os sectarios de Ma-
foma, que devastaram durante seculos o bello so
lo da península, foi aquella terra inteiramente ar
ruinada e despovoada.
Levantou-a das ruinas, e mandou-a novamente
povoar el-rei D. Aflonso in no anno de 1259, dan-
do-ihe foral de villa com varios privilegios. Nas
escripturas d'essa epoca, que eram escriptas em la
tim, dá-se-lhe o nome de Portus Alacer, Porto Ale
gre. Dizem que tomou a primeira parte d'elle de
um sitio denominado Porto, que ahi fica entre a
penha de S. Thomé, e Cabeça de Mouro, e a segun
da do muito alegre, que é a sua posição, vindo ao
diante a unir-se as duas partes em Portalegre.
El-rei D. Diniz tratou de fortificar bem Porta
legre, construindo-lhe um castello, e cercando-a
com uma dupla muralha, guarnecida de doze tor
res, e com oito portas denominadas: da Deveza,
doi Postigo, de Alegrete, A' Elvas, A' Évora, Ao Es
pirito Santo, de S. Francisco, e do Bispo. Quiz a
sorte, que-este mesmo soberano tivesse de expe
rimentar contra si proprio a fortaleza d'aquellas
muralhas.
Tendo o infante D. Affonso, seu irmão, levan
tado o estandarte da rebellião, e seguindo Porta
legre o partido do infante, a cujo senhorioperten-
cia , foi el-rei D. Diniz em pessoa sitiar a villa.
Principiou o cerco em Maio de 129ÍÍ, e durou até
Outubro , acabando atinai por uma capitulação,
que póz a villa nas mãos d'el-rei. Vieram a fazer-
se as pazes entre D. Diniz e D. Affonso, mas a tor
reada villa, que tão valente se mostrara na defen
sa, bem como Marvão, ficaram encorporadas na co
roa recebendo o infante em troca as villas de Cin
— 150 —
tra e Ourem. E para que não se desse ali outro ca
so similhante, concedeu D. Diniz aos moradores
de Portalegre o privilegio de que a sua villasenão
desannexaria em tempo algum do patrimonio real.
Este privilegio foi depois confirmado porel-reiD.
Affonso v, e por D. João 11.
Passados annos intentou el-rei D. Manuel dar o
senhorio de Portalegre a D. Diogo da Silva de Me
nezes, que fora sou aio, e por quem tinha parti
cular estima. Oppozeram, porém, os habitantes
tal resistencia, que el-rci, depois de ter empre
gado para a vencer primeiro ameaças, e em segui
da degredos e outras penas, viu-se obrigado a de
sistir, contentando-se com fazer merce ao seu va
lido do titulo de conde de Portalegre, e da alcai-
daria-mór d'esta terra.
Tendo obtido el-rei D. João 111 a bulia de 2 de
Abril de 1550, que erigiu o bispado de Portale
gre, desmembrando-o da diocese da Guarda, ele
vou n'esse mesmo anno aquella villa á cathegoria
de cidade. O primeiro bispo da nova diocese foi D.
Julião d'Alva , prelado muito acceito d'el-rei D.
João ih e da rainha D. Calharina.
Durante a guerra da successão de Hespanha,
reinando em Portugal D. Pedro n, foi Portalegre
sitiada pelo exercito hespanhol de Filippe v, ao
qual teve de render-se ; mas em breve voltou ao
dominio do seu soberano.
No antigo regimen gozava da prerogativa de ter
voto em cortes, nas quaes os seus procuradores
tinham assento no banco quarto. O seu brasão de
armas é um escudo coroado, e n'elle duas torres,
que dizem significar as duas que estão defronte
da porta da Leveza.
Portalegre é uma cidade industriosa. Nomeia-
do do seculo xvn já possuia uma grande fabrica
de pannos de lã, que empregava innumeraveis bra
ços, e cujos productos exportava para as principaes
terras do paiz. N'esta epoca os seus pannos tinham
chegado a bastante perfeição, e vestia-sed'ellesa
maioria dos portuguezes. Tão importante trato fez
rica e prospera esta cidade, que então contava três
— 1S1 —
mil fogos, como refere o chronista-mór frei Fran
cisco Brandão, que escreveu isto pelos annos de
1649 ou 1650.
A importação dos pannos inglezes, que ao prin
cipio fora, e se conservara por muito tempo, li
mitada a Lisboa, onde esses productos apenas acha
vam consumidores nas classes mais abastadas, e
principalmente entre as pessoas nobres, foi aug-
mentando progressivamente na capital, e esten-
dendo-se ao Porto, e outras terras. As fabricas na-
cionaes em breve se resentiram d'esta concorren
cia. Ferido d'est'arte o principal ramo da indus
tria manufactora de Portalegre, e um dos princi-
paes do seu trato commercial, decaiu tanto a ci
dade, que em 1707 encerrava apenas mil e oito
centos fogos, os quaes em oanno de 1820 se acha
vam reduzidos a mil setecentos cincoenta e um.
Felizmente teve um termo esta progressão de
cadente. Portalegre está em caminho de prosperi
dade pelo desinvolvimento da sua agricultura, e pe
lo grande impulso , que á sua fabrica de pannos
teem dado os actuaes proprietarios, os senhores
Larcher & Cunhado, que conseguiram elevar es
tes productos a muita perfeição. A isto accresce-
rá brevemente a immensa vantagem de lhe passar
proximo a via ferrea, que hade ligar Lisboa com
Madrid, e as outras capitaes da Europa.
Dividia-se a cidade em cinco parochias , que
eram: a sé, Santiago, S. Lourenço, S.Martinho,
e Santa Maria Magdalena. Porém em 1857 as duas
ultimas foram supprimidas, afim de se estabelecer
um mercado no local da egreja de S. Martinho, e
construir-se um chafariz no da segunda.
A sé ergue-se no sitio mais alto da cidade. Foi
fundada pelo primeiro bispo d'esta diocese, D.Ju
lião d' Alva, no logar onde estava a egreja paro-
chial de Santa Maria do Castello. A capella-mór,
porém, é obra do virtuoso prelado, e elegante es-
criptor, D. frei Amador Arraes, terceiro bispo de
Portalegre. Esta cathedral é o melhor edificio da
cidade. Consta de tres naves, sustentadas porco-
luonas gothicas. posto que revestidas de estuque
— 152 —

com ornatos de mau gosto. A abobada é de laça


ria. A fachada já não conserva a architectura pri
mitiva. Tem duas torres, eornam-lhe a porta duas
columnas de marmore. No meio da capella-mór
está a sepultura do bispo D. Julião. Para esta sé
bordou a rainha D. Catharina, mulher de D. João
ih, umas alfaias, que ahi se devem conservar.
A casa da misericordia, o hospital, umas dez
ermidas, o paço episcopal, a casa da camará, os
extinctos conventos, de S. Francisco , que foi de
franciscanos, fundado em 1265, o de Santa Maria,
de agostinhos descalços, edifícado em 1683, o col-
legio de S. Sebastião, dos jesuitas, construido em
1005, e os dois mosteiros de freiras, ainda habi
tados, são. os principaes edificios da cidade.
Um d'estes é de religiosas da ordem de Santa
Clara ; o outro é de freiras de S. Bernardo, e foi
fundarão do bispo da Guarda, D. Jorge de Mello,
na primeira metade do seculo xvi. Na capella de
Nossa Seniiora da Conceição, da egreja deste mos
teiro, repoisn o fundador em um sumptuoso tu
mulo. .:
As ruas de Portalegre são em geral estreitas,"
tortuosas, c com maior ou menor declive. Véem-
se todavia "n'ellas muitas casas de boa consiruc-
ção, c agradaveis á vista. Tem um grande campo,
ou rocio, para o lado do norte, onde estava a an
tiga fabrica de pannos.
Modernamente edilicou-se n'esta cidade um bo
nito thcatro, para representações de curiosos, ou
de alguma companhia volante.
A povoação é abastecida de excellente agua por
diversos chafarizes.
Os arrabaldes já dissemos, que são mui lindos
e pittorescos. Os accidentes de terreno; os arvo
redos frondosos, que os cobrem; as vinhas, hor
tas, e pomares, que descem pela collina até ao val-
le, e ahi se estendem ao longo das ribeiras, que
o cortam c fertilisam ; os mananciaes de purissi
mas aguas, que por todos os lados brotam, fazem
com que os arredores de Portategre offereçam ao
viajante bellos panoramas, c alguns sitios delicio
sos.
— 153 —
O termo de Portalegre é de muita fertilidade em
todo o genero de producções agricolas. Ha n'elle
magnificas herdades, com grandes montados em
que se'cria muito gado suino. Cereaes, azeite, e
vinho, constituem a sua cultura mais especial. To
davia produz grande copia de castanhas e outras
frutas; tem criação de gados de diversas especies ;
e exporia muita madeira de castanho. E' regado pe
las ribeiras de Xever, de Xevera, de Xeverete, de
Xola, e de Niza, que nascem na serra de Portale
gre, e que fazem trabalhar muitas azenhas. Esta
serra é ramo da da Estrella. Tem muita varieda
de de caça, e brotam d'ella grande quantidade de
fontes, que fazem todos os seus vallesmui frescos,
risonhos, e produetivos.
A população da cidade de Portalegre passa de
seis mil e trezentas almas. Como cabeça de dis-
trícto e de comarca é sede de um governador ci
vil, de um juiz de direito, e outras autoridades,
de um lyceu, ete.
A 13 de Setembro tem a sua feira annual,que
é muito concorrida de gente das terras visinhas,
de generos, e de gado.
— 1 54 —

A VILLA DE PORTEL.

Na provincia do Atemtejo, districto administra


tivo de Évora, seis leguas ao sudoeste da cidade de
Evora, outras seis ao nordeste da cidade de Beja,
está situada a villa de Portel sobre um alto cabeço.
Foi fundada por D. João Pires de^boim, eseu
filho, D. Pedro Annes, ricos-boraens do tempo de
el-rei D.Affonso m, chamados de Portel por serem
os fundadores d'esta povoação. Foram estes illus-
tres cavalleiros. que deram foral á villa pelos an
uos de 1262.
Não sabemos quem lhe edificou o seu castello ;
talvez fossa el-rei D. Diniz, pois que este soberano
poz todo o cuidado e desvelos na defensa do paiz,
fortificando grande numero de povoações, e cons
truindo fortalezas em muitos pontos apropriados a
esse fim. Do reinado, porém, de D. João i é que
data o maior desinvolvimento de Portel ; porquan
to o condestavel D. Nuno Alvares Pereira fundou a
egreja matriz, e os duques de Bragança edilicaram
ahi um palacio, onde costumavam passar de vez em
quando algum tempo ; e tambem construiram um
convento, que n'essas eras dava importancia e ou
tras vantagens ás pequenas povoações.
Em quanto os duques de Bragança tiveram a sua
curte em Villa Viçosa, prosperou a villa de Portel
á sombra do impulso e protecção d'esta opulentis
sima casa, a cujo estado pertencia, e chegou a pos
suir mais de mil fogos. Depois que esta augusta fa
milia foi elevada ao throno , e tambem por causa
das guerras com Castella, que se suecederam ásua
elevação, começou Portel a decair de tal modo, que
hoje pouco mais conta de quinhentos fogos.
Gozava esta villa da regalia de enviar procura
dores ás antigas cortes do reino, nas quaes toma
vam assento no banco decimo-quinto. O seu brasão
d'armas compõe-se de sete torres de oiro em cam
po vermelho, na forma que representa a estampa
junta.
— 155-
Ha na villa uma unica parochia , da invocação
de Nossa Senhora da Lagoa, cuja primeira fabrica
foi obra do condestavei D. Nuno Alvares Pereira.
Tem casa de misericordia, hospital, as ermidas de
Santo Antonio, Santo Estevão, e Espirito Santo,
dentro da povoação, e fora as de S. Luiz, Nossa Se
nhora da Saude, Nossa Senhora da Serra, S.Pedro,
S. Bento, S. Lourenço, S. Braz, Santa Catharina,
Santiago, e S. Lazaro.
Teve dois conventos, um de frades paulistas, in
titulado de S. Paulo, construido em 1420 ; e ou
tro de piedosos capuchos, dedicado a S. Francisco,
e fundado perto da villa em 1547 por D. Theodo-
sio i, duque de Bragança.
O castello com a sua cerca de muros ergue-se na
parte mais alta da povoação. Dentro está o antigo
palucio dos duques de Bragança.
Proximo da villa corre o rio Dejebe, que se vae
lançar no Guadiana a duas leguas dali .
O termo é muito productivo em toda a variedade
defructos, que se cultivam n'aquella provincia. N'el-
le ha uma serra chamada dos Velhascos, que fíca na
freguezia de Santa Anna, na qual se encontra mui
ta caça miuda, rasteira, e do ar, e tambem corças
e javalis.
Na aldêa de Vera Cruz doMarmelar, pertencen
te tambem ao mesmo termo, ha um rico templo, e
um palacio, que era dos balios da ordem de Malta.
No ultimo sabbado de Agosto começa a feira an-
nual de Portel. Porém na aldêa do termo, Vera Cruz
do Marmelar, fazem-se duas feiras annuaes, uma no
1.° de Maio, e a outra a 14 de Setembro.
Portel contém uns mil e oitocentos habitantes.
— 156 —

A CIDADE DO PORTO.

Na margem direita do rio Douro, uma legua dis


tante da costa do oceano, está sentada a cidade do
Porto em vistoso amphitheatro. Os seus edificios
ou campeiam sobre os montes da Victoria, da sé, e
de Santo Ildefonso; ou.se alinham em espaçosas
ruas no vasto plaino, que se dilata da coroa d'el-
les para o norte ; ou descem, entremeiando-se de
verdura, pelas encostas d'esses montes; ou se agru
pam nos valles, que os separam, apertando-se com
pactos em ruas, pela maior parte, estreitas e tor
tuosas ; ou se alongam, emfim, á beira do rio so
bre um lanço dos antigos muros da cidade. A esta
disposição pittoresca , já de si tão agradavel para
ser vista de fora, accresce ainda, para maior bel-
leza do quadro, a circunstancia de se erguerem os
melhores edificios, e as mais elevadas torres nos
sitios mais altos da cidade.
O Porto dista de Lisboa çincoenta e duas lcguas
para o norte, e dezoito da fronteira da Galhza pa
ra o sul. Na antiga divisão do reino era capiíal da
provincia do Minho, passando a sél-o da provincia
do Douro pela divisão de territorio ordenada em
1834. Dividido novamente o paiz em districtos ad
ministrativos pela lei de 2S dAbril de 1835, ficou
sendo oPorto capital do districto do seu nome, e é
além d'isso a segunda cidade do reino.
Nenhuma povoação do nosso paiz tem uma ori
gem tão controversa como a cidade do Porto. Os
autores nacionaes e estrangeiros, que escreveram
a este respeito, e que não são poucos, sustentam as
mais encontradas opiniões. Uns dizem que a fun
daram uns gregos da Thracia, arrojados para o Dou
ro por uma tempestade , e que lhe deram o nome
deLavra. Pretendem outros, quea edificara o prin
cipe Gathelo, filho de Neólo, rei de Athenas, que vi
veu no tempo de Moysés, e que denominara a sua ci
dade Porto Gathelo. Outros tentam persuadir, que
" seu fundador foi Diomedes, rei de Etholia, e com
f
— 157 —

panheiro d'Ulyses na guerra deTroya, o qual lhe


chamou cidade de Graya. Outros ainda querem ,
que os gallos celtas, depois de conquistarem as pro
vincias do Minho e Beira, construiram no sitio, que
ao diante se chamou Gaia um castello, a que de
ram 0 nome de Cale, e que, passado algum tempo,
mudando-se para a margem fronteira , edificaram
uma povoação , que denominaram Porto de Cale.
E não ha duvida que teve este nome, e que d'elle
se derivou o de Portugal.
Somente a resenha de todas as opiniões, em que
se encontram algumas ainda mais fabulosas, que
as referidas , formariam uma extensa resenha. A
que parece ter melhor fundamento attribue a ori
gem d'esta cidade aos suevos pelos annos de 117.
Nas guerras, que tiveram entre si os diversos po
vos do norte, que, depois de destruirem o imperio
romano, invadiram e avassallarara a peninsula, fo
ram os suevos expulsos pelos godos, e estes entraí-
ram na posse d'nquella cidade. Vencidos, porém, a
seu turno pelos arabes, e extincta nos campos de
Guadalefe a monarchia dos godos, noannode714,
passados dois annos viu-se o Porto subjeito ao do
minio musulrnano. . '
As relíquias do. exercito vencido, refugiando-se
nas asperas serranias das Asturias, ahi formaram o
nucleo de uma nova monarchia, que a espada de
D. Pelaio, e de seus suecessores dilatou desde o
valle de Covadonga , que lhe serviu de apertado
berço , até á cidade de Granada , onde o imperio
arabe da peninsula exhalou o derradeiro suspiro
no-anno de 1492.
Um dos descendentes do iltustre Pelaio, cl-rei
D. Affonso i, chamado o catholíco,' foi tambem o
primeiro, que veiu quebrar as algemas do Porto,
resgatando-a do poder dos moiros no auno de 820.
Abderrama, rei de Cordova, pondo-se á frente de
um numeroso exercito para desafrontar o estandar
te do crescente, foi destroçado por Hermenigildo',
a quem D. Affonso i confiara a guarda da cidade,
.fazendo-o conde do Porto. .
Diz a tradição, que esta grande batalha se pele
— 158 —
jou no sitio em que hoje se vê a egreja parochial de
Campanhã, e que em memoria d'ella ficou ao pe
queno rio, que por ali passa, o nome de Rio Tinto,
pelo muito sangue dos moiros de que se tingiram
as suas aguas; e a cidade tomou para uma das suas
portas, por onde sairam os christãos ao combate, o
nome da Batalha, o qual se conserva ainda no lar
go, para onde a dita porta, que já não existe, da
va saida.
Com aquelle destroço cresceu no animo do pode
roso rei de Cordova o desejo da vingança, e permit-
tiu a sorte das armas, que ella fosse terrivel. Põe
em campo um segundo e mais formidavel exercito,
e entrega o commando a Almansor, o mais ousado
e valente, e tambem o mais cruel dos seus generaes.
No fim de inutil resistencia foi a cidade entrada e
arrasada.
Pelos annos de 999, surgiu no Douro uma arma
da de gascões, que procuravam fortuna em guerras
contra infieis. Vendo aquelles assim arruinada e
despovoada uma cidade tão vantajosamente assen
tada, resolveram reconstruil-a, e estabelecerem-se
n'ella. Eram os chefes d'esta armada D. Moninho
Viegas, de quem descendeu o nosso D. Egas Moniz,
D. Sisnando, seu irmão, ao diante bispo do Porto,
e D. Nonego. que para seguir esta empresa aventu
rosa, renunciara o bispado de Vendome, em Tran
ça ; ou, como nós dizemos, de Vandoma.
A cidade ergueu-se, pois, das suas ruinas afor-
talezada com bons muros e torres. E d'esta segura
guarida começaram os gascões a fazer correrias
contra os moiros, expulsando-os das terras visinhas,
que iam pondo sob a protecção da Virgem, com o
titulo de Terras de Santa Maria, titulo que por mui
tos seculos conservaram as do termo de Guimarães
e da Feira , que foram as primeiras por elles con
quistadas.
Foi o bispo D. Nonego, que trouxe aquella tão ce
lebrada imagem de Nossa Senhora de Vandoma, que
deu o seu nome a uma porta da primeira cerca de
muros da cidade, sobre a qual se achava em um ora
torio. Esta porta, que estava pordetraz da sé, eque,
— 159 —
com o crescer da cidade, veiu a ficar no centro da po
voação, chamava-se ainda, quando se demoliu ha
bem poucos annos, Arco de Vandoma. Era uma an-
tigualha apreciavel, cuja perda não foi compensa
da com vantagens reaes.
D. Moninho Viegas rendeu preito e obediencia a
D. Affonso v, rei de Leão, que o nomeou governa
dor da cidade e terras por elle conquistadas.
Este soberano ferido de uma setta em um com
bate com os moiros junto a Vizeu, veiu morrer ao
Porto (1027).
Pelos annos de 1002 entraram o conde D. Hen
rique e sua mulher, a rainha D. Thereza, na posse
da cidade , com omais territorio que constituia o
condado de Portugal. Deram-lhe estes soberanos
consideraveis privilegios, que seus successores con
firmaram, e ampliaram. Entre estes privilegios ha
via um concedido por el-rei D. Diniz, queprohibia
a residencia de fidalgos dentro da cidade, excepto
aos que quizessem dar-se aocommercio; e aos que
ahi fossem de visita só era permittido a demora de
tres dias. Conservou-se este uso até el-rei D. Ma
nuel, que o aboliu. E só então se estabeleceram ali
familias nobres.
Nas guerras civis, que rebentaram entre el-rei D.
Diniz e seu filho, e depois entre este principe já rei
e seu filho D. Pedro, passou o Porto por muitos tra
balhos.
Reinando D. Affonso iv, no anno de 1336, pade
ceram os arredores do Porto grandes vexames e es
tragos com uma invasão de castelhanos, que toda
via não conseguiram penetrar na cidade, sendo afi
nal obrigados a fugir, e perseguidos por tropas le
vantadas, e organisadas pelo bispo D. Vasco. Cinco
annos depois , originando-se uma grave dissenção
entre este prelado e a camara, ácerca do pagamen
to de certos direitos, alvorotou-se o povo contra o
bispo por tal modo, que este teve de fugir, e apezar
de fulminar um interdicto, esteve nove annos fora da
sua diocese, até que, vagando o bispado de Lisboa,
foi n'elle provido. \
Neste mesmo seculo xiv vieram ao Porto el-rei
— 160 —

D. Pedro i, e depois seu filho, el-rei D. Fernando.


Aquelle ahi deu o escandalo, querendo praticar um
acto de justiça, de açoitar com um azorrague, e
por suas proprias mãos, em uma sala do paço real,
ao bispo do Porto D. Egidio, por ter amores, segun
do lhe haviam dito, com uma mulher casada. El-rei
D. Fernando por tres vezes visitou esta cidade. A
ultima foi em 1372, quando, fugindo ás opposições
e tumultos, que os povos faziam ao seu casamento
com D. Leonor Telles de Menezes, foi celebrar o seu
consorcio com esta tão formosa quam ambiciosa
rainha, na egreja de Leça do Balio.
No seguinte reinado presenceou' o Porto outras
bodas reaes , mas d'esta vez foram a aprazimento
de todo o reino, e com grandes festas c;o povo d'es-
ta cidade. O cavalleiroso rei D. João i casou-se na
egreja cathedral com a rainha D. 1'ilippa de Lencas
tre, no dia 2 de Fevereiro de 1386.
Este monarcha residi#por muito tempo no Porto,
e, entre varias fundações, que ahi fez, é obra sua a
rua Nova dos Inglezes, que primeiro teve o nome
de rua Nova de S. Nicolau.
Aquella famosa expedição dosdoze cavalleiros, que
foram a Londres combater em duello, em desaffronta
da honra das damas inglezas, comoutros tantos ca-
valleiros da mesma nacão, saiu da barra do Douro
em 1390.
Para a gloriosa empresa da conquista de Ceuta,
em 1415, concorreu o Porto com muitos navios, tro
pa, e munições, tudo fornecido patrioticamente pe
los habitantes. Esta armada saiu do Porto para Lis
boa capitaneada pelo illustre infante D. Henrique.
A morte do cardeal rei D. Henrique deixou o paiz,
como é sabido, na maior confusão e incerteza, e di
vididos os portuguezes em opiniões encontradas , e
oppostos interesses, ácêrea da suecessão da coroa.
Entre («<diversos pretendentes ao throno foi D. An
tonio, prior do Crato, c filho bnstardo do infante D.
Luiz, o primeiro que se fez acclamar. Exaltado em
Santarem ; recebido em Lisboa como rei ; desbara
tado com a sua tropa na ponte. dAJcantara , peio
exercito do duque d'Alba ; fugido para Coimbra, c
— 161 —
abi reforçado com gente, que se lhe aggregou ; o
prior do Cralo chegou a Villa Nova de Gaia aos 27
de Setembro de 1580, á frente de uns quatro mil ho
mens. íntimado inutilmente o Porto para se render,
pois que já se havia declarado a esse tempo por Fi-
lippe ii de Castella, foi tomado com pouca resisten
cia.
Mal gozou D. Antonio dofructoda victoria, pois
teve logo depois de largar a cidade ao general cas
telhano Sancho d' Avila, que o perseguia de perto,
e encaminhando-se para Vianna, ahi embafcou pa
ra França.
Durante a usurpação hespanhola o acontecimen
to mais notavel foi um tumulto popular por causa
do imposto chamado das maçarocas, que Filippeiv
quiz lançar sobre as mulheres, que fiavam o linho.
Aos brados de independencia levantados em Lis
boa" em 1640 respondeu o Porto com eguaes gri
tos de enthusiasmo; e concorreu com os sacrificios,
que as circunstancias exigiam para a sustentação
da grande lucta, em que o paiz se viu empenhado
pelo espaço de vinte e oito annos. Teve porém a
fortuna de nunca ver, em todo este periodo, apro-
ximar-se o inimigo dos seus muros. E outro tanto
lhe succedeu nas guerras, que se atearam no secu
lo seguinte entre Portugal e Hespanha.
No reinado de D. Affonso vi, o tributo do papel
sellado deu origam a uma revolta do povo, que en
tre muitos excessos, soltou os presos. Foi a cidade
occupada por uma força de quatro mil infantes, e
quinhentos cavallos, sob as ordens do conde do Pra
do, com o que se restabeleceu a ordem.
Em 28 de Dezembro de 1727 houve*no Douro
uma cheia tão grande e repentina, que arrebatou
na sua corrente mais de cem pessoas, muitos na
vios , e innumeraveis embarcações pequenas, que
se perderam ; destruindo tambem muitos edificios.
Subiram os prejuizos a alguns milhões de cruzados.
De cima do muro tocava-se com a mão na agua.
Por occasiãa de se estabelecer no Porto a com
panhia geral dos vinhos do Alto Douro, rebentaram
ahi grandes tumultos no dia 23 de Fevereiro de
VOL. lt. 11
— 162 —
1757, commettendo o povo os maiores excessos. Foi
de Lisboa uma alçada para julgar os criminosos, qua
sentenceou a diversas penas em 1 2 d' Agosto de 1757.
Foram punidos com pena de morte, de açoites e ga
lés, de confiscação de bens, e degredo, duzentas oi
tenta e tres pessoas de ambos os sexos.
No dia 22 de Fevereiro de 1785 veiu alfligir a
cidade uma outra cheia, ainda mais desastrosa, que
a precedente, porque foi acompanhada de um hor
rivel tufão de oeste, ao qual se seguiram outros pou
co menos violentos, que causaram consideraveis es
tragos. Achavam-se então no Douro oitenta e cinco
navios portuguezes, e trinta c tres de outras nações,
muitos dos quaes se despedaçaram, ou foram leva
dos pela barra fora. As aguas do rio alagaram de
zoito ruas e mais de mil casas.
Os primeiros seis annos do seculo actual foram
mui propicios á cidade do Porto. O seu commercio
e navegação tiveram grande desinvolvimento du
rante esse periodo, em que Portugal, abstrahindo
d'esse começo de lucta de 1801 , que não foi por
diante, desfructou as vantagens da paz no meio das
guerras devastadoras em que se achavam empenha
das as principaes nações da Europa.
O anno de 1807 viu destruida toda essa fortuna,
e o paiz arremeçado a um abysmo de desgraças. No
dia 27 de Novembro d'esse anno saiu do Tejo em de
manda do Brazil a familia real, a bordo de uma es
quadra de oito naus, e outras embarcações de guer
ra portuguezas, que lá foram apodrecer, quasi to
das, na bahia do Rio de Janeiro. No dia 28 entrou
na capital o exercito francez, commandado pelo ma
rechal Jutaot, e a 13 de Dezembro as tropas hespa-
nholas, levando na frente D. Francisco Taranco, ca
pitão general da Galliza , occuparam a cidade do
Porto.
Passados, porém, seis mezes, a 18 de Junho de
1808, coube a esta ultima cidade a honra de levan
tar o primeiro grito de independencia, que resoou
no paiz, pegando em armas contra os invasores. A
este brado patriotico ergueu-se e exaltou-se em to
do o reino o espirito publico , até ali abatido pelo
— 163 —
infortunio; e auxiliado pelas tropas inglezas, que
se apressaram a vir combater no solo portuguez o
mais terrivel inimigo da Grã-Bretanha , em breve
desaffrontou Portugal das aguias oppressoras de Na
poleão.
No anno seguinte voltou o inimigo a tentar de
novo a sorte das armas. O exercito Francez, sob o
commando do marechal Soult, transpõe as frontei
ras da Galliza, atravessa a provincia do Minho, e,
depois de tres dias de ataque, assenhoreia-se do Por
to, em 29 de Março, apezar de se achar a cidade de
fendida por vinte e quatro mil homens, duzentas pe
ças d'artilharia, trincheiras, e reductos. Este dia fi
cou tambem memoravel nos annaes da cidade pela
catastrophe da ponte, da qual se precipitou ao rio
um grande numero de pessoas, na occasião de fu
gir á perseguição da cavallaria franceza. Passados
dois mezes, foi o inimigo vencido em uma batalha
pelo exercito anglo-luso, commandado pelo duque
de Wellington (11 de Agosto), e em seguida obri
gado a evacuar a cidade.
Na terceira, e ultima entrada dos francezes foi
poupado o Porto, pois que se effeituou a invasão
pela provincia da Beira.
A paz geral restituiu a tranquillidade a toda a
Europa em 1815. Mas Portugal, por uma infinidade
de circunstancias, não achou a felicidade n'essa paz
tão desejada, e de que tanto carecia. Extenuado de
forças e de recursos pelos sacrificios passados ; com
a sua industria manufactora ferida mortalmente pe
lo tratado com a Inglaterra de 1810 ; governado por
uma regencia sem energia, sem illustração, e sem
prestigio , oppressora como todos os governos fra
cos; reduzido, emfim, de senhor, ás condições de
escravo , vendo a colonia ditar a lei á metropole ;
descia com passos precipitados pelo caminho, que
conduz as nações á sua ruina e perda de indepen
dencia, quando um esforço patriotico de alguns por
tuenses veiu travar da roda dos males publicos.
No dia 24 d'Agosto de 1820 inaugurou a cidade
>Io Porto o estandarte da liberdade ; e em pouco es
paço de tempo saudou-o todo o paiz com enthusiasmo.
— 104 —

Não cabe nos limites da resumida historia d'es(a


cidade referir as causas, que no fim de tres annos
inutilisaram aqueile nobre esforço, cortando tantas
esperanças, que n'elle se tinham fundado. Na gran
de lueta, que então começou, entre os dois princi
pios liberal e absoluto, aqueile foi vencido em Ju
nho de 1823. Vencedor em 1826 por um acto da
politica illustrada do Senhor D. Pedro iv, quando
o principio seu antagonista saiu a campo na prima
vera de 1828 para de novo o supplantar, foi o Por
to quem apanhou a luva em nome da liberdade ^es
te repto de morte. Em 1C de Maio empunharam ar
mas os portuenses contra o infante regente, que em
Lisboa pretendia acclamar-se rei; porém, entorpe
cido este movimento pelo triste effeito de intrigas e
dissidencias, terminou infruetuosamente a 3 de Ju
lho.
Quando, ao cabo de quatro annos, o immortal du
que de Bragança, com os seus sete mil e quinhen
tos bravos, se propoz a restaurar o throno de sua au
gusta lilha, a Senhora D. Maria n, escolheu para
baluarte d'esta atrevida empresa a cidade do Porto,
onde entrou no dia 9 de Julho de 1832. Oenthu-
siasmo com que os habitantes receberam o exercito
libertador; a promptidão com que se alistaram em
batalhões nacionaes ; a boa vontade com que se pres
taram a todo o genero de sacrificios para a sustenta
ção da causa; a resignação com quesoffreram a fo
me e mais privações e vexames de um apertado cer
co de um anno, luetando tambem como flagelioda
cholera morbus ; constituem a mais gloriosa pagi
na dos fastos do Porto , formando digno assumpto
para uma epopea.
Durante este memorando coreo, que foi levantado
«m 18 d'Agosto de 1833, pelejaram-se nas linhas
da cidade, e nas suas visinhanças, muitos e mor
tiferos combates; e arruinaram-se, e incendiaram-
se muitos edificios com o chuveiro de balas e gra
nadas, que o inimigo lançava dia e noite sobre a
povoação.
Restituida ao throno a Senhora D. Maria n em
1833, no anno seguinte honrou a cidade do Porto
— 165 —
com a sua visita, acompanhada de suas magestades
imperiaes o duque de Bragança, regente do reino
durante a sua menoridade, e a senhora duquezade
Bragança. I'or esta occasião presenceou a cidade
muitas festas publicas, e geraes demonstrações de
regosijo popular.
Poucos mezes depois, trocadas em crepes todas
essas galas, recebiam os habitantes do Porto, com
dór e recolhimento, e acompanhavam á egreja da
Lapa em prestito funebre a urna, que encerrava o
coração do augusto libertador, por elle proprio dei
xado em legado aos seus valorosos companheiros de
armas como a derradeira prova d'amor do rei, que
lhes deu a liberdade, e do general que com a espa
da lh'a restituiu.
Nas guerras civis, que se accenderam no seio do
partido liberal , foi por vezes aquella cidade thea-
tro de grandes acontecimentos. Um movimento mi
litar ahi restaurou em Janeiro de 1842 a carta cons
titucional, que D. Pedro iv doara em 1826, e que
uma revolução abolira' em Lisboa em Setembro de
1836. Em Outubro de 1846 fo i uma insurreição po
pular, que, inaugurando um governo provisorio, e
organisando uma terrivel resistencia em opposição
á revolta militar, que dias antes rebentara em Lis
boa, só terminou em Julho de 1847 com a inter
venção armada da ínglaterra, e Hespanha. Final
mente em Março de 1851 ahi leve logar outra re
volta militar, que, triumphando, expulsou do poder
o partido moderado, vindo todavia a fundar uma no
va epoca de tolerancia politica, e de melhoramen
tos maleriaes, que parece ter posto termo ás revo
luções.
Para que ao Porto não falte genero algum de glo
ria nas lides da liberdade, quando o primeiro cam
peão da unidade italiana viu perdida, sem recurso,
a sua audaciosa empresa nos campos de Novara,
(1849) atravessou sem parar ooccidente da Europa,
e veiu buscar nas margens do Douro um asylo de
paz para o seu corpo fatigado da guerra, e para a
sua alma, ia despegada das illusões do mundo. Mas
tão curtos momentos de vida lhe restaram, quepa
—m—
rece que a sua estreita só ali o conduziu para mor
rer no berço da liberdade de Portugal. As orações
e obsequios, que os portuenses prestaram ao rei Car
los Alberto na sua entrada, e durante a sua resi
dencia n'aquella cidade; e as demonstrações de
sentimento que patentearam na sua morte, mere-
ceu-lhes serem galardoados pelo rei Victor Manuel
com os foros e regalias de cidadãos de Turim.
Em 1852 recebeu a cidade invicta com grandes
íestas e alegrias a suas magestades fidelissimas, a
rainha D. Maria 11, el-rei D. Fernando, sua alteza
o principe real, hoje reinante, e sua alteza o infan
te duque cio Porto.
Apezar de todos os infortunios, que operaram a
decadencia de Portugal , a cidade do Porto, como
Lisboa, tem crescido e prosperado, mais ou menos,
em todos os tempos. Este milagre, que a segunda
deve, principalmente, a grandeza do seu porto, e
á immensa importancia da sua posição geographi-
ca, deve-o a primeira aos habitos industriaes dos
seus habitantes, á especialidade e valia do princi
pal ramo do seu commercio, os vinhos do Douro,
e aos capitaes, que constantemente lhe estão a af-
fluir do Brazil, em troca da sua exportação de tra
balho.
Pela acção, ora parcial, ora simultanea, d'estes
tres poderosos motores équeoPortocicatrisouem
breve as feridas abertas pela guerra do principio
do seculo; por meio d'elles sacudiu de si num mo
mento os tristes vestigios, que lhe deixou o cerco;
por elles se recobrou do incalculavel prejuizo, cau
sado pelo incendio mandado lançarem 1832 por ura
general realista aos armazens da companhia dos vi
nhos do Alto Douro, situados em Villa Nova de Gaia;
por elles, finalmente, tem resistido a temerosas cri
ses commerciaes, e monetarias, e ás terriveis con
sequencias da molestia das vinhas, durante o já lon
go periodo de oito annos.
É sempre, e apezar de tudo, crescendo em novas
ruas, e novos edificios, e augmentando em indus
tria e navegação.
Na antiga organisação politica do paiz, o Porto
— 167 —
tinha voto em cortes, com assento no primeiro ban
co. Dizem que o seu primeiro brazão d'armas era
uma cidade de prata, em campo azul, sobre mar de
ondas verdes e doiradas. O segundo era Nossa Se
nhora de Vandoma, com o Menino Jesus nos braços,
collocada entre duas torres, tendo por cima a let-
tra Civitas Virginis, cidade da Virgem. Conservou
este brazão até 1834, que por decreto real lhe foi
mudado no que ao presente tem, e que é do modo
seguinte : Escudo com corda ducal, esquartellado
das armas reaes, e do antigo brazão, Nossa Senho
ra de Vandoma, de prata, entre duas torres, tam
bem de prata, em campo azul. No centro está um
•escudete com um coração de purpura. Em torno
do escudo pende o coliar da ordem da Torre e Es
pada. Por timbre tem um dragão verde. O coliar
foi-lhe dado pelo illustre duque de Bragança, sen
do regente, como galardão pela sua heroina resis
tencia durante o cerco, e pelo mesmo motivo lhe
concedeu o titulo de antiga , muito nobre , sempre
leal, e invicta cidade, determinando mais que o fi
lho segundo dos nossos reis se intitule duque do
Porto. O escudete accrescentou-se-lhe depois em
memoria do coração do augusto libertador, que se
guarda dentro dos seus muros. O dragão, que é o
timbre da real casa de Bragança, éegualmente uma
commemoração d'aquelle principe.
Foram alcaides-móres do Porto os marquezesde
Abrantes.
O Porto é sede de um bispo, de um governador ci
vil, de um general commandante da terceira divi
são militar, de um intendente da marinha, de um
tribunal da relação, de um tribunal de commercio,
de tres juizes de direito , e um de policia cor
reccional, de ura conselho de districto, de tres ad
ministradores de bairro, de um deposito publico,
de uma alfandega, afora outras autoridades subal
ternas, e outras repartições publicas; dois regi
mentos de infanteria, um batalhão de caçadores,
um corpo de guarda municipal de infanteria eca-
vallaria. Outr'ora teve casa de moeda, que foi a
primeira, que houve no reino.
— 168 —
A instituição da diocese portuense data, segun
do diz D. Rodrigo da Cunha, no catalogo dos bis
pos do Porto, do anno 4i do nascimento deChris-
to ; e foi seu primeiro bispo S. Basilio, discipulo
do apostolo Santiago. Pretende, porém, o padre Re-
bello da Costa, que esta diocese foi creadaem579;
e que o seu primeiro bispo se chamava Constan
cio.
O tribunal da relação foi, a instancias das cor
tes celebradas em Thomar no anno 1581, estabe
lecido ein 1583 por Filippe u de Hespanha, que
pouco antes usurpara a coroa de Portugal. O tri
bunal do commercio é instituição do reinado da se
nhora D. Maria ii. O deposito publico foi creado pe
la rainha D. Maria i em 1774.
Os principaes estabelecimentos de instrucção pu
blica, são: o seminario episcopal, a academia po-
lytechni^a, a escola medico-cirurgica, a academia
portuense de bellas artes, o lyceu, e a bibliotheca
publica.
Divide-se a cidade do Porto em tres bairros , c
sete parochias, que são : a sé, S. Nicolau, e Nossa
Senhora da Victoria, que por muito tempo foram,
as unicas da cidade, e ficavam dentro da cêrca de
seus muros; S. Martinho de Cedofeita, Santo Il
defonso, e S. Pedro de Miragaia, que no principio*
do seculo passado ainda eram arrabaldes; e o Se
nhor do Bornfim, que ha menos tempo ainda era
uma simptes ermida.
A antiga cidade oceupava uma area mui limita
da, e era cercada de muralhas, que tinham de cir-
cnmferencia tres mil passos, e trinta pésd'altura,
com muitas torres, e portas. Começava amuralha
na Porta Nova, que ainda existe, dando salda pa-
raMiragaia, e á qual chamam maiscommummente
Porta Nobre, seguia para o nascente sobre o Dou
ro, cujo lanço se conserva com a Porta dos Banhos,
tendo desapparccido as da Lingueta. do Peixe, e da
Ribeira. Aos Guindaes subia pela encosta do monte
á Porta do Sol. Existe quasi todo este lanço de mu
ro com suas torres, o bem assim esta porta, posto
que com forma differente. D'aqui continuava até á
— 169 —
Porta de Cima de Vilia, que não existe, donde co
meçava a descer pela calçada da Thereza , lanço
ainda bem conservado, ale á Porta de Carros, que
ha muito foi demolida. Proseguia a muralha por
diante do convento dos loios até á Porta de Santo
Eloy, que tambem se demoliu; d'ali principiava
outra vez a subir até á Porra do Olival, junto da
praça da Cordoaria, de cuja porta só resta o nome
ao sitio ; d'ella descia novamente á Porta das Vir
tudes, e d'ahi ã da Esperança, ambas as quaes já
lá vão, encaminhando-se da ultima para a Porta
Nova, onde terminava.. D'este ultimo lanço con-
servam-se algumas partes.
Esta cerca foi começada porel-rei D. Affonso iv,
continuando nos seguintes reinados por espaço de
quarenta annos. Porém el-rei D. Manuel recons
truiu, ou fez de novo o baluarte, que forma o an
gulo da dita cerca para o rio, íunto á Porta Nova,
no qual se vêem as suas divisas — a esphera e a
crua de Christo aos lados do escudo das armas reaes.
As ruas d'esta parte da cidade são estreitas, tor
tuosas, e mais ou menos tristes, exceptuando as de
S. João, dos ínglezes, e das Flores, que teem bas
tante largura, e bons edificios. Esta ultima foi obra
d'el-rei D. Manuel.
llompendo, porém, a cidade o seu cinto de mu
ros, começou a estender-se por terrenos plainos,
ou menos accidentados, por onde se abriram mui
tas ruas direitas e espaçosas, e varias praças, ou
campos, que rapidamente se foram povoando de
casas. Teve o Porto a fortuna de possuir á frente
do seu governo na occasião d'este maior desinvol-
vimento, um magistrado entendido, recto, zeloso
do bem publico, e de muita actividade c energia.
Este magistrado foi Francisco d'Almada e Mendon
ça, corregedor e provedor do Porto, a quem a ci
dade deve intinilos melhoramentos.
As principaes praças do Porto são: a deD.Pe-
dro, chamada outr'ora praça Nova das Hortas, e
depois simplesmente Praça Nova. E' cercada de
grades de ferro, e de uma fileira d'arvores com as
sentos de ferro a espaços. No fundo está a casa da
— 170 —

camara. — A praça dos Voluntarios ia Rainha, e a


praça de Carlos Alberto são ambas arborisadas. —
A da Trindade é guarnecida pela egreja d'este no
me, e pelas casas do Club Portuense, eAssemblea
Portuense. — A. praça ou campo da Cordoaria, bas
tante maior que as precedentes, é plantada de ar
vores, e ennobrecem-na os magnificos edificios da
relação, e do hospital de Santo Antonio. — O Cam
po da Regeneração, chamado antigamente áe Santo
Ovidio, guarnecido de arvores, é a praça mais re
gular da cidade relativamente á sua planta. Quan
to aos edificios nenhuma tem regularidade. O fun
do d'este espaçoso campo está occupado pelo quar
tel militar ainda denominado de Santo Ovidio. —
A praça do Bolhão é grande, bem alinhada, e plan
tada de arvoredo; n'ella se está construindo um
bello mercado. — O largo da Batalha, foi moder
namente aformoseado com arvores, e com um pas
seio de lagedo, que faz o centro da praça de figu
ra oval. Fica-lhe proximo o theatro de S. João. —
Apraça de Santa Thereza, tambem é arborisada.
•— O campo Grande, o campo Pequeno, a praça de
Ategria, o largo da Torre da Marca, são terrenos
irregulares, e não aliudados. Os outros largos e
praças são inferiores aos que deixamos menciona
dos.
A rua de Santo Antonio, e a dos Clerigos, que
se começam a povoar de lojas aceiadas, de modas,
porcelanas, e outros objectos; a extensissima rua
de Santa Catharina, Formosa, de Fernandes Tho-
tnaz, do Almada, da Rainha, de Cedofeita, do Prin
cipe, do Breyner, do Rosario, da Restauração, da
Boa Vista, e do Bomfim, são as melhores da cida
de. Ha outras, porém, que em breve poderão en
trar n'esta conta, pois que, tendo sido abertas ha
poucos annos, vão-se guarnecendo de lindas casas.
São muitos os edificios religiosos. Daremos uma
resumida noticia dos mais notaveis. ,
A sé está edificada sobre o monte, a que dá o no
me. Attribue-se a sua primeira fundação aos reis
suevos no seculo vi. O conde D. Henrique, e sua
mulher, a rainha D. Thereza, achando-se investi
— 171 —
dos ua posse do condado de Portugal, começaram
a reedificar esta sé desde os alicerces, sendo bispo
do Porto D. Hugo ; porém só chegou a concluir-se
no reinado de seu filho, D. Affonso Henriques, con
correndo para a obra com avultadas quantias a rai
nha D. Mafalda. D'esta fabrica apenas restam as
torres. Tudo o mais tem passado por muitas trans
formações. O claustro foi construido em 1385 pelo
bispo D.João, terceiro do nome. A capella de Nos
sa Senhora da Saude, no mesmo claustro, onde es
tá o jazigo dos prelados d'esta cathedral, e tambem
a casa do cabido, são obra do bispo D. Marcos de
Lisboa, que falleceu em 1591. A capella-mór foi
feita inteiramente de novo em 1609 pelo bispo D.
frei Gonçalo de Moraes, que reformou o coro, efez
muitas obras e mudanças no corpo da egreja.' A
porta principal edificou-a o cabido, sede vacante,
em 1717.
E' a sé um espaçoso templo de tres naves; em
que se vêem dezoitos capellas e altares. Na capel
la-mór estão os corpos de S. Pacifico, e Santo Au
relio, ambos martyres. A capella do Santissimo
tem o retabolo, sacrario, docel, e frontal tudo de
prata batida, com figuras de relevo allusivas ávi
da de Jesus Christo. Tambem possue uma banque
ta e sete alampadas de prata bem trabalhadas. Na
sachristia acha-se um painel de Nossa Senhora,
que dizem ser producçãodeRaphael. Guardam-se
n esta casa algumas alfaias e peças preciosas de bas
tante antiguidade.
A sé foi freguezia unica da cidade até ao tempo
do bispo D. Marcos de Lisboa, que a dividiu, crean-
do mais tres, S. Nicolau eVíctoria, que ainda sub
sistem, e S. João de Bellomonte, quesesupprimiu
depois, quando ahi se edificou um convento.
A egreja de Cedofeita, cuja fundação se attibue a
Theodomiro, rei dos suevos, no anno de 559, é
uma collegiada de conegos, comum dom prior o
outras dignidades, e goza do titulo de insigne. E'
um pequeno templo, de humilde estruetura, que
mostra muita antiguidade, sem que todavia se pos
sa dizer' como querem alguns autores, que a sua
— 17S —

fabrica seja a primitiva. Conservou-se seru inter


rupção n'esta egrcja o culto divino durante o do
mínio dos moiros, mediante certo tributo que os
conegos lhe pagavam; os quaes viviam então em
commum. Sobre a poria está uma ins'cripção pos
ta ali em 1767, mas que foi trasladada de outra mais
antiga, e que constava dos arcluvos da collegiada.
Diz que o rei suevo Theodomiro a fundara em 559,
dedicando-a á honra de Deus e da Virgem Maria, e
a S. MartiDho, bispo deTours ; e que ahi recebera
o mesmo rei o baptismo com seu filho, Ariamiro,
porque ambos eram hereges arianos. Diz mais que
foi sagrada por Lucrecio, prelado de Braga, sob o
pontificado de João m. Teve esta collegiada por
dom priores, entre outras pessoas illustres, o car
deal D. Beltrão de Monfaves, o cardeal D. Jorge da
Costa, D. Gonçalo Pereira, arcebispo de Braga, D.
Manuel de Sousa, arcebispo de Braga, o cardeal rei
D. Henrique, e o cardeal D. João Caetano Ursi-
ni.
A egreja de S. Pedro de Miragaia é um templo
pequeno, de reconstrucção moderna, e sem coha
alguma, que o recommende em relação á sua ar-
chitectura. Entretanto a sua primitiva fundação
data de eras remotissimas. Se houvermos da se
guir D. Rodrigo da Cunha, teve por fundador a S.
Basilio, ainda em vida do apostolo S. Pedro. Em
todo o caso sabe-se, que é muito antiga, e que no
anno de 1453 foi n'ella depositado o corpo do mar-
lyr S. Pantaleão, que depois levaram para a sé, e
que d'ahi, mais tarde, roubaram por causa do co
fre de prata, que o encerrava.
Das outras parochias não achamos circunstan
cia digna de menção. Passaremos, porém, em re
vista os principaes templos da cidade.
A egreja da misericordia, fundada na rua das Flo
res em 1555, é grande, mas de uma architectura
pesada no interior, e pesadissima e sem graça no
exterior. Na casa do despacho conserva-se um gran
de quadro a oleo, representando a Senhora da Mi
sericordia, e que passa como obra do nosso insi
gne pintor, Grão Vasco. N'este quadro estão retra
— 173 —
tados el-rei D. Manuel , com a rainha D. Maria,
sua segunda mulher, e todos os seus filhos.
A egreja dos Clerigos, dedicada á Senhora da As
sumpção, edificou-se em 1748 no alto da calçada
da Natividade, que posteriormente tomou o nome
de calçada dos Clérigos. A fachada é sobrecarre
gada de ornatos de pedra, de mau gosto. Na ca-
pella-mór está o corpo de Santo ínnocencio, mar-
tyr. Contiguo á egreja ha um hospital para cleri
gos pobres, e nas costas d'ella ergue-se a famosa
torre, conhecida em todo o paiz pelo nome de tor
re dos clerigos. E' toda de pedra lavrada, com mui
tos adornos architectonicos, que apezar de não se
rem de bom gosto, não deixa a torre de ter certa
elegancia. Tem d'allura trezentos e dezeseis pal
mos e meio, sendo portanto a mais alta torre, não
só do Porto, mas de todo o reino. Avista-se do ocea
no a grande distancia, pelo que serve de balisa aos
navios, que demandam a barra do Douro. Tem do
ze sinos, que pesam de cem a duzentas arrobas ca
da um. Teve este monumento por archilecto a Ni
colau Nazoni, italiano. A egreja foi sagrada em
1779. Pertence a uma corporação de clerigos. A
torre principiou-seem 1732, eacabou-scem 1763.
A egreja de Nossa Senhora da Lapa principiou-se
no seculo passado; acabou-se interiormente ha
muito, e está em obras e proxima a concluir-se na
fachada. E' um templo de muita vastidão, e de boa
architectura, edificado em terreno elevado na par
te do norte da cidade á custa da real irmandade de
Nossa Senhora da Lapa, á qual pertence. Acha-se
n'este templo o mausoleo, que encerra o coração
do magnanimo duque de Bragança.
A egreja de S. Francisco é um dos mais notaveis
monumentos do Porto, se não é o principal, pois
que n'aquelle genero é unico no paiz. E' um templo
gothico de tres naves, todo revestido de talha re
levada e doirada, tecto, paredes, e altares. Per
tencia ao convento da mesma invocação, que foi
de religiosos franciscanos, e que, tendo tido a pri
meira fundação no anno de 1241 fora dos muros
da cidade, foi transferido para este logar por el
— 174 —

rei D. João í, que o começou a construir em 1104.


O convento ardeu durante o cerco em 1832. A
egreja pertence actualmente á confraria dos tercei
ros de S. Francisco, que o conservam com muito
aceio e decencia. São dignos de menção pela sua
muita riqueza e perfeição os andores, que a mes
ma confraria costuma levar em prGcissão na quar
ta feira de cinza, e que se guardam em uma casa
contigua ao templo.
A egreja dos terceiros deS. Francisco está no adro
da antecedente; é de elegante architectura, e foi re
construida no principio d'este seculo. Proximo acha-
se o hospital d'esta rica confraria.
A egreja da Santissima Trindade é na praça d'es-
te nome, será um dos maiores e mais bellos tem
plos do Porto logo que estiver concluida a sua ca-
pella-mór e cruzeiro, ao presente em construcção.
A frontaria é muito esbelta, regular, e formosa.
Tem sido edifícada n'estes ultimos tempos pela
confraria dos terceiros da Santissima Trindade, que
tambpm fundaram contiguo ao templo um bello hos
pital, onde estabeleceram ha pouco uma escola pu
blica e gratuita de instrucção primaria
A' egreja de Nossa Senhora do Carmo, com o con
vento da mesma invocação, que era defradescar-
melitas descalços, e agora serve de quartel aguar
da municipal, lançou a primeira pedra em 1619 D.
Rodrigo da Cunha, bispo do Porto, e depois arce
bispo de Lisboa. Está situada no largo do seu no
me. Junto d'este templo acha-se a egreja da opu
lenta confraria dos terceiros de Nossa Senhora do
Carmo, que tambem possuem um grandioso hos
pital. Oarchitecto, querendo fazer um rico templo,
prodigalisou decorações com pouco gosto, princi
palmente no frontispicio.
Além dos dois conventos mencionados, contava
o Porto mais sete de religiosos na cidade, e tres
fora, e quatro de religiosas; e são os seguintes:
O de S. Domingos, da ordem dos prégadores, fun
dado proximo da rua das Flores por el-reiD. San
cho ii pelos annos de 1283. Ardeu por occasiãodo
«éreo em 1 832, demolindo-se depois a egreja e par
—173 —

te do edificio para se abrir a nova rua Ferreira Bor


ges. Na parte que se conserva está a caixa filial do
banco de Portugal, e a egreja que foi da extincta
ordem terceira de S. Domingos.
O convento de S. Bento, de monges benedictinos,
foi edificado na rua de S. Bento, á custa da ordem
em 1597, onde antes era a synagoga dos judeus. A
egreja é, talvez, a maior da cidade. Tem-se con
servado n'ella o culto divino. O convento serve de
quartel.
O convento de Santo Antonio, dos congregados de
S. Filippe Neri, foi fundado em 1680 da parte de
fora dos muros do Porto, junto da porta de Carros,
vindo a ficar, com o correr do tempo e crescer da
cidade, no centro d'ella. A egreja está bem deco
rada, e fazem-se n'ella as festas da semana santa
com bastante pompa. O convento, que forma um
dos lados da praça de D. Pedro, é hoje proprieda
de particular.
O convento de S. João Baptista, mais conhecido
com o nome de S. João Novo, dos eremitas de San
to Agostinho, foi construido em sitio alto, com ale
gres vistas do Douro e terras da margem esquer
da, em 1592. Foi seu fundador D. Antonio de No
ronha, sobrinho do marquez de Villa Real. Tem
uma boa egreja ainda consagrada ao culto divino.
Serve o convento de hospital militar.
O convento de Santo Antonio da cidade, dos re
ligiosos capuchos da provincia da Conceição, fun-
dou-se em 1783. Não chegou a concluir-se. Está
situado na parte mais alta da cidade. Acham-se n'el-
le estabelecidos a bibliotheca publica, e o museu
portuense.
O convento de S. Lourenço teve a primeira fun
dação no anno de 1560 junto á ribeira, e em 1577
mudou-se para o logar em que está, na encosta do
monte da sé, na rua das Aldas. O segundo funda
dor foi frei Luiz Alvares de Tavora, baliodeLes-
sa. Pertenceu aos jesuitas até 1759, em que esta
ordem foi extincta. Tendo passado aposse do edi
ficio do convento para a universidade de Coimbra,
foi-lhe comprado em 1780 pelos frades agostinhoi
— 176 —
descalços, que logo o vieram habitar. Actualmen
te, depois de muitas obras de reconstrucção, es-
tabeleccu-se n'el!e o seminario episcopal. Tem uma
varanda para o lado do rio com excellente vista.
O convento de Nossa Senhora da Consolação, dos
conegos seculares de S. João Evangelista, erigido
em li9d com mesquinha fabrica, e reconstruido
com magnificencia nos fins do seculo passado, e
principios d'este, é ao presente propriedade parti
cular, tendo sido demolida a sua egreja para se
abrir a rua de D. Maria n A frente principal d'es-
te convento, que foi terminada pelo seu novo pro
prietario, forma o lado do sul da praça de D. Pe
dro.
Além d'cstes conventos havia diversos hospí
cios, e fora da cidade, na margem opposta do rio,
os conventos de Santo Antonio de Valle da Pieda
de, de Nossa Senhora da Serra do Pilar, e de Nos
sa Senhora da Oliveira, dos quaes fatiaremos em
outro logar.
Os quatro de freiras eram : o convento de Santa
Clara, que ainda é habitado por freiras francisca
nas, foi fundado porel-rei D.João 1 em 1416, junto
ao muro da cidadt, que o ficou sendo da sua cerca,
e proximo da porta do sol. Chamava-se então áquel-
le sitio Carvalhos do monte. O bispo do Porto D.
Fernando da Guerra lançou a primeira pedra nos
alicerces da egreja, e nos do convento lançou a pri
meira el-rei D. João i, no canto direito d'elle', ea
segunda, no canto esquerdo, seu filho primogenito,
o infante D. Affonso, que morreu de pouca edade,
e jaz na sé de Braga. A egreja d'este convento é
muito rica em obra de talha doirada, em vasos sa
grados, alfaias, e paramentos.
O convento d' Ave-Maria, tambem ainda habi
tado por muitas religiosas benedictinas, foi edifi
cado por el-rei D. Manuel em 1518, proximo da
rua das Flores, e da porta de Carros. Reduziu-o a
cinzas um incendio em 10 de Outubro de 1783.
Mas logo depois começou a reedificar-se com bas
tante grandeza. E' um edificio de boa e regular ar-
chitectura, com excellente egreja.
— 177 —

O convento da Madre de Deus de Monchique, si


tuado em Miragaia, e hoje extincto, pertenceu ás
freiras franciscanas observantes, e foi fundado em
1545 por Pedro da Cunha Coutinho, e sua mulher
D. Brites de Vilhena.
O convento está em mau estado. Acha-se n'elle
a intendencia da marinha do Porto. A egreja, que
é uma das mais bellas da cidade, ou pelo menos
das mais dignas de serem visitadas pelos curiosos,
pois que possue mui lindas e ricas capellas de ta
lha doirada, está profanada, e servia ha poucos an-
nos de deposito de barris de polvora. Faz pena, que
senão conserve para o culto este templo, reparan-
do-o dos estragos, que em breves annos o hãode
por em ruinas.
O convento de S.José, agora extincto, que era de
freiras carmelitas de Santa Thereza, foi edificado
no sitio do Calvario em 1704 pelo bispo do Porto
D. frei José de Saldanha.
Em Villa Nova de Gaia está o convento das frei
ras de Corpus Christi.
O Porto encerra muitas outras egrejas e ermi
das, que deixamos de mencionar por brevidade.
Especificaremos apenas uma, por ser monumental.
A capella de Carlos Alberto, fundada no largo da
Torre da Marca, em memoria d'este soberano, por
sua irmã, a princeza Augusta de Montlear.
Poucas cidades estrangeiras, guardadas as deti
das proporções, possuirão, como o Porto, tantos,
tão bem organisados, e tão bem dotados estabele
cimentos de caridade. Faremos a resenha só dos
principaes.
Hospital real de Santo Antonio. E' administra
do pela irmandade da misericordia, a que perten
ce. Antes da fundação do novo edificio estava na
rua das Flores, e era chamado pelo vulgo hospital
de Roque Amador. O novo edificio foi começado pe
los annos de 1769, e apenas terá acabada a quarta
parte, que comprehende mais de metade da fren
te principal, e quasi metade da frente do sul. Com
o que está feito é um hospital vasto, e sumptuoso,
•onstruido no gosto da architectura ingleza, que «s
TOL. tt. 12
— 178 —
extrema por sua singeleza, elegancia, e grandeza.
Se se concluisse seria um hospital só proprio d*
uma cidade como Londres. Para se fazer idéa do
«cu immenso plano, daremos algumas indicações
tiradas á vista da planta. Devia cstc edificio for-
nar um grande quadrado, com uma circunferen
cia de tres mil cento e oitenta palmos, contendo
cento cincoenta e nove salase quartos, cento qua
renta e duas enfermarias, cincoenta e seis escadas
principaes, vinte mil seiscentas e nove portas e
janellas, vinte e oito estatuas, de dezoito palmos
eada uma, cento setenta e seis columnas, a maior
parte de quarenta palmos, cem pyramidese vasos,
e cinco mil e quinhentos oitenta eseis balaustres.
Depois de longas interrupções n'esta obra, tem ti
do n'estes ultimos annos um grande impulso. São
dependentes d'este hospital outros dois, de entra
vados, e de entrevadas, situados nas proximidade*
da parochia de Santo Ildefonso.
Hospital dos terceiros do Carmo, é, depois da de
Santo Antomo, o primeiro na grandeza e boa ar-
chitecUua do edificio. Acabaram-se de construir
ha pouco mais de um anno as obras com queoaugr
montaram. Occupa um lado áz praça de Cai los Ât-
lerto. Podia este estabelecimento pela sua vasti
dão e excellente organisação figurar çoin honra em
qualquer cantai.
Hospital dos terceiras de S. Francisca, faz, frente
ás ruas da Ferraria de haixo^ e de El-rei D. Eàif-
nando. £' tambem grandioso, tauto pelo edifrio,
que foi ha pouco muito augmentado , como pelos
arranjos e serviço interiores.
Hospital dos terceiros da Trindade, contíguo ã
cgreja do mesmo nome, é edificação moderna,, .de
muita capacidade, e egualinente bem organizado e
tem servido. J .
Hospital de Nossa Senlwra da Caridade. ju.nlp.ao
luryr» da IhítuUia, com as obras de reconstruegão e
aecrescenuimento, que acaba deter, é um uosme-
lhores (lo 1'urto. Pertenço á confraria da iceMna in
vocação. Estes quatro hospitaes são desliuadús pa
ra o tratamento, e asylo dos irmãos pokv^8-e;BÍe-r-
mos das .respectivas confrarias.
—ira-*
São verdadeiras caixas economicas, onde omais
desfavorecido jornaleiro, o criado ou criada de ser
vir, logo que pode fazer uma economia de dezeno-
ve mil e duzentos , vae comprar por esta modica
quantia, paga por uma só vez, um tratamento es
merado para todas as suas molestias em toda a sua-
vida. Assim é que uma grande parte dos habitan
tes da cidade pertence a estas ordena terceiras ; oí
pobres para contarem com um asylo, quando a doen
ça os accommette, em uma casa esplendida, 3 qual
com toda a propriedade chamam sua; osricos pa
ra exercer a sua caridade, tanto por meio dos seus
donativos, como por uma desvelada administração
gratuita.
- Além d'estes hospitaes ha mais o dos Expostos^
que está a cargo da misericordia; o das Lazaras,
o dos Lazaros, ambos situados entre o jardim da
S. Lazaro, e o passeio das Fontainhas ; o dos C7e-
rigos, junto á egrejad'este nume; o das Velhas, ete.
Os asylos de beneficencia tambem não são pou
cos. O collegio dos meninos orphàos foi fundado pe
lo padre Balthasar Guedes em 1651, com diferen
tes aulas para a sua educação, e um templo jun
to, dedicado a Nossa Senhora da Graça. Em parto
d'este edilicio , começado a reconstruir cm maior
escala, estão a academia polytechnica e o lycou.
Recolhimento da Senhora da Esperança, em fren
te do jardim de S. Lazaro, é um asylo de meninas
erphãs desde a edade de oito a vinte e cinco anr
nos, administrado pela misericordia.
Asylo das raparigas abandonadas.
Asylo das meninas desamparadas, e outros.
Asylo de infancia desvalida ha varios, e foram
creados dois annos depois de se fundarem em Lis
boa, no aano de 1834, os primeiros que houve ao
reino.
Àsylo de mendicidade, foi decretado em 1838, po
rém só em 1846 se realisou esta caridí.sainslilía»T
ção, inaugurando-se no palacio do senhor visco»-
de de Veiros, na quinta das AgiuasFeMeA«.t<lK»qui
mudou-sft mais tarde para as Fontainfea» eflí/ca**
proprlai. ... L.,.;: ,- , , ,...., ..: ,;, ., ;.-f' . .-,.,
— 180—

O paço episcopal, apezar de incompleto, é um dos


maiores edificios da cidade. Está contiguo á sé, e
por conseguinte em logar alto, onde avulta des-
affrontadamente, sobretudo para o lado do rio, e
d'onde se goza a vista de variados e lindos pano
ramas. Foi este palacio reedificado completamen
te no ultimo quartel do seculo passado pelo bispo
D. frei João Raphael de Mendonça, da familia dos
condes de Vai de Reis. A escada d'este paço é sump
tuosa.
Palacio da relação, está situado na praça da Cor
doaria, e na rua de S. Bento, para onde deita duas
frontarias de nobre architectura, posto que de gos
to pesado. Foi reedificado desde os fundamentos,
começando as obras em Janeiro de 1765. Custou
perto de duzentos contos. N'este grande edificio
está a cadéa publica.
Bolsa, ou praça do Commercio : é um edificio de
mais grandeza e magnificencia do que o pedia a ci
dade do Porto , apezar da sua muita importancia
commercial. Foi construido no local do arruinado
convento de S. Francisco pela associação commer
cial do Porto, saindo os fundos para as obras de
um tributo para esse fim lançado sobre certas mer
cadorias importadas n'aquella cidade. Ao cabo de
vinte e tantos annos de trabalhos nunca interrom
pidos, aeba-se este bello edificio, de architectura
ingleza, quasi chegado á conclusão. Tem duas ex
tensas e formosas fachadas sobre as ruas de Fer
reira Borges, e à'El-rei D. Fernando n. Encerra
ricos salões, oceupados pelo tribunal do commer
cio, e pela associação commercial.
O edifício do governo civil, chamado casa pia,
porque foi construido para esta instituição nos
principios d'este seculo, é grande e regular, mas
sem coisa notavel.
A casa da camara, situada na praça de D. Pe
dro, é de bom prospecto. Foi fabricada no primei
ro quartel d'este seculo.
Alfandega; acha-se em principio de construcção
em Miragaia uma nova alfandega , tal qual a de
mandam o immenso movimento commercial, e a
— im
propria dignidade de uma povoação como o Port».
A que ainda serve é um pardeeiro indecoroso, •
que pela sua pequenez precisa de ter fora, e a dis
tancia, armazens auxiliares. A receita d'esta casa
fiscal excede annualmente a mil e quatrocentos
contos de réis. No meiado do seculo passado pou
co mais rendia de quarenta mil cruzados.
Academia polytechnica, que fica entre as duas pra
ças da Cordoaria, e dos Voluntarios de D. Maria íí,
é a antiga academia de marinha, reformada. Se o
seu ediiicio chegar a concluir-se será uma obra
grandiosa. Ainda assim como se acha accommo-
dam-se n'elle, no novo e no antigo edificio, as au
las d'aquella academia, as da academia de bellas
artes, o lyceu, e o collegio dos meninos orphãos.
E' construcção do principio d'este seculo.
A bibliotheca publica , no extincto convento de
Santo Antonio da cidade, em frente do jardim da
S. Lazaro, foi creada pelo augusto duque de Bra
gança em Julho de 1833; mas só em 1840 se aca
bou de organisar. Possue mais de quarenta mil vo
lumes, e entre elles alguns manuscriptos de mui
to apreço.
O museu portuense está no mesmo edificio, efoi
fundado egualmente por aquelle principe em Abril
de 1833. Encerra uma galeria de quadros nacio-
naes e estrangeiros, entre os quaes avultam alguns
de muito merecimento, uma collecção de estam
pas, e livros de bellas artes, e as seguintes curio
sidades historicas : uma espada d'el-rei D. Affonso
Henriques, que antigamente se guardava no mos
teiro de Santa Cruz de Coimbra ; uma linda es-
crevaninha, dada pelo papa Pio ív a D. frei Bar-
tholomeu dos Mariyres, arcebispo de Braga, por
occasião da sua ida ao concilio tridentino; eo
chapeo e oculo de que usou o Libertador em todo
o cerco do Porto.
O museu Allen, na rua da Restauração, foi or-
ganisado pelo fallecido negociante João Allen, e
comprado depois da sua morte pela camara muni
cipal do Porto, sendo presidente » fallecido con
selheiro Domingos Ribeiro de Faria, por doze con
l#6>df ré»*- Cepsta de uma gileriadeQw4rflf.de
#ut«rp6,.|W4;jo.n3ps, e estrangeiros, e de muitas col-
ieicçges deco-iíchialogia, mineralogia, geologia, oa-
tajsniotifa, curiosidades, ete.
SÁo quaUP ps quarteis militares: o de Santo
Opidio, no Canspo da Regeneração, construido em
179Í ou 08, sendo çorregpdqr € provedor do Por-
tp, Francisco dAlmada e Mendonça, e qne poda
a.cqommoda.r tres mil homens : o da Torie da liar
ia, muito inferior áquelle, mas pqi|p.cado em um?
§jí.pação aprazivel, pow um extenso terreiro fecha
do com grad«s de ferro, c plantado d'arvores: o
dp S, jBp«Ip, no extincto conventq d'este nome : e
o do Cqrmo, da guarda municipal, no convenio.,
que foi dos carmehtas.
Ha no 1'prto cinco theatros. O de S. João é p
prinpigal, es|á junto ao largo da Batalha, o foi fei
to nq fi») do seculo passado, por uma sociedade de
capitalistas, segundo o desenhp do architectq ita-
Jiano Vicpnte Manzoneschi. Exteiiarnjente Ç sin-
gc)a em, demasia ; porém no iptorior está mui bem
dccpivadQ, e ó vasto e elegante. Jc\n tribuna rcat,
c quatro ordens de camarotes. E' para qppra lyrir
c^, e, declamasãe. Q ilmtro #qQn& fpi çdjíicado
na, íua de $aniqAntçuiio çin 185,9, pelQsenhprAnr
íonio Pereira Baquet, seu pfppivçUrio,; E/ffim, bo>
nitq theatro, tauto exterior, cpmq jpterjormentç>
T,c'in s.eryido para Ziirzaelas;p4^'.W^fi5°- O í.Açfr
í^p (í(Jí Ttí;,'íV(Jíiçfes, na rua de Liceiras,, anterior-
mentc, denominado de Capiões, ê mal construido,
c pqbremente decorado. O de Santa Catharina,, «a
rua d'este nome, c mais, pequeno, queo-preceden-
te, e pouco diffcre em decorações. 0 circo da, rua
de Santo Antonio, para exercidas equestres, fai ve-
po.pstruido, e aberto ao publico epi 1859.
As, casas d'assero.bléa. são .quatro. O club por
tuense, na praça da Trindade, em uma excelleptp
cisa de renda, e a nssembtea, portnens^ na mesma
praça, em p,ma bella casa propria , edificada em
ltf{$ expressamente para essç uso ; estão perfei
tamente organjsa(las, c costumai» na q.updra pro
pria dar esplendidas bailes. A miçfíade\phila.rma,
— 183 —
nica, ns r»a da Fabrica do Tabaco, acha-soegual-
mente bem montada, e dá muito bons concertes.
A feitoria ingleza, na rua Nova doslnglezcs, éum
edificio do esbelta e nobre architectura, começada
em Fevereiro de 178o pelos commcrciantes brita
nicos residentes no Porto, para casa d'assembiea.
Os seus bailes, boje mais raros que antigamonte,
são nomeados por tudo quanto faz brilhantes as
funeções d'este genero.
Tem o PorLo lies bancos : o commercial, funda
do em 1835, oceupa um bom edificio, proprio, e
expressamente construido para esse fim na rua Fer
reira Borges: o mercantil, creado em 1850, acha-
sc estabelecido no edificio da Bolsa : a caixa filial
do banco de Portugal, instituida pelo antigo banco
de Lisboa em lôâl, dois annos depois da suacrea-
yão, está em um edificio, que fazia parte do con
vento de S. Domingos.
As companhias commerciacs de seguros, de em
presas fabris, de viação, de minas, eoutrasespe*
ciaiidades; as associações industriaese fraternaes,
constituem um longo catalogo, que este prolixo ar
tigo já não comporta. Mencionaremos unieamento
a associação' commercial, corporação respeitavel,
que faz as suas reuniões e lem as suas salas no edi
ficio da bolsa. A cidado e suas visinhanças estão
Qheias de fabricas de toda a especie.
Para se poder ajuizar da importancia da sua in-;
dtistria manufactora e commercial, diremos, quo
na-s fabricas se empregam uns dez mil operarios-;
que pela foz do Douro exporia e importa annuaN
mento generos no valor de doze mil contos, repre
sentando por conseguinte o movimento só da sua
alfandega, fora o seu grande commereio para o in-'
terior, um capital de trinta milhões de cruzados;
o que o movimento do seu porto no anno econo
mico de 18u8-18j9, foi de mil c quatorze navios
entrados, com cento quarenta e duas mil oitocen
tas trinta e cinco toneladas, sendo cento e sessen
ta movidos a vapor; o saidos mil e trinta e cinco,
com cento quarenta e seis mil setecentas enovént»
toneladas, sendo cento quarenta e sete movidos a
vapor.
— 184 —
Não ha na cidade do Porto palacios particulares,
que se possam chamar sumptuosos, mashamuita9
residencias, sobretudo das modernamente construi
das, que se recommendain por elegancia de archi-
tectura, ou por certos ares de grandeza. Nomeare
mos tamsómente duas, porque dois grandes vultos
historicos, que as habitaram, fizeram d'ellas dois
monumentos. Uma é o bello palacio dos Carran
cas, na rua dos Quarteis, pertencente á senhora ba-
roneza deNevogilde, no qual residiu durante par
te do cerco o immortal duque de Bragança, eonde
se teem hospedado suas magestades e altezas nas
suas visitas áquella cidade. A outra é a modesta
casa da formosa quinta do senhor Antonio Ferrei
ra Pinto Basto, em Entre Quintas, onde habitou e
falleceu o rei da Sardenha Carlos Alberto em 1849.
Não tem esta cidade um jardim ou passeio pu
blico digno de uma povoação tão grande e opulen
ta como é o Porto. Mas em compensação, quasi to
dos os que possue estão collocados em situações
ião encantadoras, que o viajante facilmente rele
va, ou se esquece, do abandono em que a arte os
tem deixado.
O jardim de S. Lazaro é o mais moderno, e o mais
mal situado ; porém pelo poder da novidade, e por
capricho da moda, ê o mais bem tratado, e tambem
o mais concorrido. Foi plantado no anno de 1834
pelo, então, prefeito da provincia, Manuel Gonçal
ves de Miranda, na praça do mesmo nome, que é
toda cercada de edificios. Aos domingos e dias san
tificados vae para ali tocar uma banda de musica
militar. O passeio das Fontainhas, proximo d'aquel-
le, e sobranceiro ao Douro, em sitio mui alto e es
carpado para o rio, é uma pequena alameda, com
sua fonte, porém d'onde se deslrueta uma perspec
tiva de infinita belleza, e de variados contrastes. O
passeio da Lapa, collocado n'um extremo da cida
de, junto á egreja do mesmo nome, é tambem uma
pequena alameda , com lindos pontos de vista de
genero mui differente dos precedentes. O passeio
das Virtudes está nas visinhanças da praça da Cor
doaria, e sobre uma alta muralha, á maneira do
^485 —
de S. Pedro d' Alcantara em Lisboa. Fez-se esta
obra pelos annos de 1788. Foi modernamente fe
chado com grades de ferro, e, tendo sido arranca
do o antigo arvoredo, foi de novo plantado de ar-
vores, e estas cercadas de flores. E' egualmente
pequeno , mas delicioso pelo risonho e piltoresco
panorama, que os olhos d'ali relanceam. O largo
da Victoria, contiguo á egreja d'esta invocação, é
um pequenino passeio, sombreado por viçoso ar
voredo, e que por sua muita elevação domina com
apraziveis vistas parte da cidade, o Douro, e as
montuosas e verdejantes margens dalém. O pas
seio de Massarellos, já nos arrabaldes, mas perto,
e como continuação da cidade, é uma alameda mais
extensa que as que deixamos referidas, e situada
em logar baixo, junto á estrada da Foz, que a se
para do rio. E' uma posição linda e animadissima
pelo grande movimento de carruagens e cavallei-
ros, que transitam constantemente por aquella es
trada, e pelos muitos navios de vela, e movidos
a vapor, além de barcos de variadas formas, que
a todo o instante sulcam o Douro.
No fim d'esta alameda está a casa e quinta do
senhor barão de Massarellos , que para o nosso
gosto é a residencia do Porto mais bella e vanta
josamente situada.
Mercados regulares, e expressamente construi
dos para esse fim, ha dois : o mercado do Anjo, e
o do Bolhão. O primeiro proximo á praça da Cordoa
ria, foi edificado em 1839 no local do demolido re
colhimento do Anjo, de que tomou o nome. E'de
forma triangular , guarnecido pelos tres lados de
lojas de venda, com tres entradas nos angulos, que
se fecham com portas de ferro. No centro é plan
tado d'arvores, com um chafariz. Vendem-se n'el-
le hortaliças, frutas, aves, peixe, ete. O segundo,
que se está acabando de construir na praça do Bo
lhão, é maior e mais bello. As lojas são cobertas
de zinco, e corre-lhe pela frente um passeio la-
geado, que o mesmo tecto vem cobrir, sustentado
por grossas columnas de ferro. A praça é dividi
da em ruas d'arvores. Vende-se ahi a mesma di
— t8fc —
versidade de generos. Além d'estes ha o Miírraáe.
da Ribeira, de peixe; o da praça de Santa There-
2a, de pão ; o. da praça dos Voluntarios de D. Ma
ria ii, de farinhas, e cercaes. Ha outros merca
dos menores. ,..'.. '
O matadoiro, no sitio de Paranhos, junto á cida-
de, o uma obra moderna,, (1840) e construida com
as condições hygienicas requeridas, que faz honra.
áquclle municipio. Tem abundancia d'agua cor
rente, c bons tanques-
São muitos os chafarizes, que abastecem a cida
de, e pela maior parte de excellente agua, porém
nenhum merece, como obra d'arte, menção espe-
cral.
Apezar da sua remota origem, não é esta terr»
do numero d'aquellas, que conservam mais padrões
das diversas phasesda civilisação porque teem pas
sado. As suas antiguidades reduzem-se aos tem
plos de Cedofeita, da se, e de S. Francisco, e ,i
algumas poucas torres e lanços da sua cerca de mu
ros, de que. já falíamos ; a uma torre gotlnca, que
pertence, e é conligqa, ao palacio do senhor con
de de Terena,,. ua Torre da Marca ; e a uma rasa
gothica, e ameiada, na rua da Reboleira, proximo
do rio, pertencente ao senhor Arnaldo Van-Zeller.
Ò Porto tem dois cemiterios publicos, o Prado
da Bepoiso, e o cemiterio de Agromonte. Opriíuei-
i;p £ grande , cortado de ruas espaçosas , orladas
de buxq, c arvores, numa boa exposição em lo-
gar alto c desaffrontado , a cavalleiro do Douro.
lira uma quinta de regalo da mitra, feita pelo bis
po D. frei Marcos de Lisboa ; e depois destinada
para cerca do seminario episcopal, que ahi se edi
ficou com avultado despendio píra nunca funecio-
nar, c cair em ruinas antes de acabado. Foi pois
n'esta quinta chamada do Prado, que em 1839, de
pois du algumas obras, c da costumada ecremonia
da sagração, se estabeleceu o cemiterio publico do
Prado do Repoiso. O segundo é mais moderno, e
menos importante.
Todavia apezar de tantas circunstancias favo
raveis, que se dão ao Prad.O'do Rppoiso, e de se inaiir
— 18F —
gíirar cqiw a trasladação para ellft, em grande pom
pa, dofs restos morUps de Fra&cisco d'Almada c
Mendonça, o benemerito magistrado a q»cm o Por
to tanta deve ; npezar de tudo, quasi que só os po
lires são levados ali a enterrar. As familias ricas,
c mesmo medianamente abístadas, preferem con
duzir os seus finados aos cemiterios das confra-
rias juntos ás suas respectivas egrejas. Por este
motivo cm quanto aquelle cemitério se vé quasi
ermo de luuiutos, apertam-se os mausoleos e ja
zigos nos cemiterios da Lapa Q do Curma,.e nns:ca^
ta cambas de S. Fia d cisco.
O cemiterio dos ingleses está síluado no Campo
Pequeno, em o extremo occidental da cidade. K'
um frondoso bosque, cortado de largas ruas, com
a capella' no, centro.
ps suburbios do Part,» são formosissimos,' tt,
sua beliexa varia de aspecto a cada passo. Massar
rellos, cpm a sua alameda' a par do rio, e coai o
seu amplulhealio de bosques das quintas de Vib-
lar ; a Foz,, am.et)a estação do banjios, me-ia debru-
çfld£t:;spbre o, Uou-fo,,' »ueia assentada, nas praias do
oceano.; Leça a[q Palmeira, tambem Linda estação
de banbps, coin' 9' s&u rí'o.-d"agua sacada, anima
do pelos bancos de ■p£sca,. e com O (Úagun docq,
-*»}!? do d* bft?|p arvpredo' ■rN<ttQ&inhas, com o seu
iíyandioso e .tão popular santuario, cercado dede-
yezas; Leça do ÇotUl)» ççifi y seu gothiqo leaipíp
,ac»si^l.|.tído( .veiier;aiiflp monumento das. guerreiras
ordens. do Templo, & de S. João de Jerusalem ; Fafe-
lu\igo, com as.sua's ri'cas mi nas de carvão de pedra';
Valbom c (7f?HpaH&al,repoi.sadasita beira doria, ã
sombra de arvores copadas; na margem esquerda,
a industriosa Avintes., reclinada no dorso do alto
roon.U', alvejando a furto por entre a espessura de
canal.bos seculares; Quebrautões, sentada cm ale
gre valle, sobre tapeie de perenne verdura, onde
o rio se espreguiça docemente ; Villa Nova de Gaia,
efípellnindo-se na corrente fugitiva, ou escondeu'1
se no meio dos caslanbaes por suaves gpllinas
subindo como em throno por íngreme
serra do Filiar , antigamente eh?
— 188 —
brantões, lendo por corda o historico mosteiro que
a guerra da liberdade converteu em praça d'arraas,
separando com o seu vulto gigantesco de negras
rochas graniticas, como para o effei to dos contras
tes, estes dois ultimos paineis, tão cheios devida
e de verdores; a& quintas tão apraziveis â'Agra-
ceira, com as suas arvores exoticas penduradas das
rochas sobre a limpida corrente ; da Oliveira, poé
tica mansão, outr'ora, de religiosos congregados,
com os seus campos viçosos, a que o rio vem lam
ber as orlas, e com as suas florestas annosas a er-
guer-se altivas no recosto, e no cume de alto mon
te ; do Freixo, com um magestoso palacio e vas
tos jardins, residencia digna de um principe, e
agora remoçada e ataviada com arte e gosto pelo
senhor Vellado, actual proprietario ; Sampaio, com
t o seu gothico palacio acastellado; e finalmente mui
tas outras povoações, risonhamente situadas, e mui
tos outros sítios pittorescos, e quintas deliciosas ;
eis em abreviado e mal esboçado quadro o admi
ravel conjunto dos arrabaldes do Porto.
Ao convento da serra do Pilar, como monumen
to que é da nossa historia moderna , consignare
mos duas linhas. Principiou-se a edificar em Agos
to de 1538, e acabou-se em 1542. Pertenceu aos
conegos regrantes de Santo Agostinho, que o fun
daram á sua custa das rendas do seu mosteiro de
Grijó. Tendo ficado pequena a primeira egreja,
construiu-se outra, que é a actual, em 1598. Foi
dedicada a Santo Agostinho, mas vindo a ser ob
jecto de grande devoção para os povos da visinhan-
ça uma imagem de Nossa Senhora do Pilar, ali ve
nerada, começou a dar-se esta invocação popular
primeiro ao templo e convento, e depois á serra.
O convento ficou arrumadissimo durante o cerco,
em que esteve desde Setembro de 1832 até Agos
to de 1833, e conserva-se no mesmo, ou peior es
tado, apezar de ter sido declarado por um decre
to praça de guerra de primeira ordem. A egreja,
que ó de forma circular, foi reparada dos estragos
das balas e granadas, e restituida ao culto divino.
Em volta da cupula do templo admiram os olhos
— iê»—

um painel encantador, que tem por centro, Villa


Nova de Gaia, o Douro, o Porto, e por caixilho vi-
çosas collinas semeadas de povoações, e debruadas
ao longe por altas serranias.
Corre-lhe por baixo o rio Douro, que d'ahi a
uma pequena legua se lança no oceano. A sua bar
ra, apertada pelo Cabedello, que se estende do sul
para o norte, é de difficil entrada pelos muitos ca
chopos, e bancos de aréa, que a obstruem, deixan
do entre si um estreito canal em zig-zags ; o que
tem sido causa de muitos naufragios. Porém nes
tes ultimos annos teem-se empregado muitos es
forços, com avultadas despezas para a extracção
das pedra», e encanamento do rio, com o que já
tem melhorado a barra, continuando ainda os tra
balhos. A barra é defendida pelo castello de S. João
da Foz, edifícado sobre rochas no lado do norte. No
tempo dos Filippes de Hespanha construiu-se ahi
um pequeno forte, junto a uma egreja e convento
de benedictinos. D. João ív deu principio á forta
leza actual, que se concluiu no reinado de seu fi
lho D. Affonso vi. Compõe-se de quatro baluar
tes, e um revelim, e para o lado de terra acerca
da de profundos e largos fossos. Dentro conserva-
se ainda a antiga egreja, que serve de capellada
fortaleza. .
O Douro era navegavel outr'ora até S. João da
Pesqueira, pelo espaço de vinte leguas, desde a sua
foz. Destruido, porém, o cachão da Pesqueira pe
la companhia dos vinhos do Alto Douro, em 4780,
Sode continuar a ser navegado até ás proximida-
es da villa de Torre de Moncorvo, já na provincia
de Traz-os-Montes. A communícação do Porto pa
ra Villa Nova de Gaia era feita por uma ponte de
barcas até 1843, em que se inaugurou a nova pon
te pensil. Teve esta começo no dia 2 de Maio de
1841. Acabou-se no fim do anno seguinte, eabriu-
se á circulação em 17 de Fevereiro de 1843. Foi
feita á custa de uma companhia, e pelos desenhos
e direcção do engenheiro civil mr. Estanislau Bi-
got. Tem de comprimento cento eincoenta e cinco
melros. ....
O termo produz muito milho, legume», Iwlalsr,
c hortaliças, muitas cebolas, que experta pdra &
estrangeiro, pouco trigo, cevaila, ft azeite; algu
ma manteiga, e bastante vinho v*fdé. As frut?»
d ' a li não s9o especiáeSt mas as dó paia' vinhatei
ro do Douro, que são1 excellenttís, véém almiecé?
os mercados da cidade. Todavia o* morangos dos
suburbios do Porto são magnificos, de1 extraordi
naria grandeza e em tal abundancia, que periait-
to a sua exportação em grande quantidade.
A criação de gado, sobretudo vaccum, qne nes
tes nttimos annos tem augmentado consideravel-
mente, constitne nttt ramo já importante da sna in
dustria agricola ecommercial, porquanto a expor
tação de bois para Inglaterra, feita pela barra dó
Doorc, sobe a annualmente a trezentos contos é
móis. Para este mercado concorre gado de toda »
provincia.
E' esta cidade mlmia-sa. de muita variedade dé
peixes, e em grande abundancia, pois que a pesca
desde Aveiro até Esposende oceupa milhares de
pescadores, não (aliando na pesca do rio, de que o
savel o a lawiprèa formam a parte principal. Dlt
ultima vem aos mercados tal quantidade, que se eí*-
porta muita para Lisboa.
As feiras da cidade são puramente de arrajáí.
A mais consideravel, e que, além de quinqailha-
rias, expõe á venda alguns produetos agricolas, é
a chamada de S. Mignel, que -se fa* na praça da
Cordoaria, e que principia na vespera do dia da
festa do archanjo, em 29 de Setembro, e dura bas
tantes dias. Porém nos arredores da cidade, em
Matosinhos, nos Soutos de Santa Anfra de Leça do
Baliò, e om Santiago do Costoias, ha totlas as se
manas, em dias determinados, feiras de gados, e
de prodtielos agricolas e industriaes.
O Porto é ilíuminaflo a gaz desde-18S8. Teni vá-»
rios cfrfès, mas só umbem oínado, que se intitoy
1» Portuense. Algumas; das suas hospedarias são
asdeiadas, e regularmente servida*. Tem uma casa
do banhos publicas na ru*"da Sa■n WAMonio, mas
deixa muito a desejar em asseio e conforto. Possue
bastantes estabelecimentos de carruagem publicas,
e tem carreiras regulares de diligencias para Bra
ga, Guimarãesv Viahna do CtjstcHo, c Caminmi,
por Villa Nova de Famalicão, e Barcellos; para
•Santo Thirso; para Penafiel, Amarante, e D. ego a ;
"para Lisboa porCoimbra, e Leiria a magnifica em
presa de mala-posta, do governo; e directamente
para Coimbra uma outra carreira de diligencias.
A população d'esta grande cidade, entrando a
.de VilIa Nova de Gfoia , qac posté que seja «ma
vi:lla com governo municipal á parte, 6, peFa sua
"visinhança e relações, uma dependência ou bairro
•d'aqnella, deverá chegar á cifra de cem mil almas.
• Finalmente tem servido de berço a cidade do Por
to a muitos homens illustrts em scieneias, fettra-â,
arte^» e armas. D'entre es mais notaveis citaremos
-os seguintes : Vasco de Lobeira, o autor do celebre
romance de ('avaliarias Amadls de Gaula; a(rueni
D. João i armou cavalleiro; frei Manoel da Espe
rança, autor das Hist&rim Seraficu , e "Sebnstica ;
o padre Simão de Vasconcellos, jesuíta, queescre-
veu as Noticias do Brazil ; Pedro d'Andrade Cami
nha, camarista do infante D. Duarte, autor de mui
tas poesias; D. Francisco de Sá e Menezes, pri
meiro conde de Matosinhos, um dos cinco gover
nadores do reino por morte do cardeal rei.edis-
tincto poeta ; Antonio de Sousa de Macedo, secre
tario destado del-rei D. Afienso vi, e embaixa
dor a Hespanha, escriptor erudito ; D. Francisco
de Bragança, neto de D. Jaime, quarto duque de
Bragança, que seguindo o estado ecclesiastico, foi
nomeado em 1619 patriarcha da lndia, autor do
varias obras; frei Josò Mayne, da ordem terceira
de S. Francisco, confessor d'el-rei D. Pedro m,
escreveu varias obras, e colligiu no convento de
Jesus de Lisboa o chamado Museu Maynense, que
hoje está incorporado no museu nacional ; o car
deal L). Luiz de Sousa, arcebispo de Lisboa, autor
de uma obra de historia ; o mui conhecido escrip-
tor frei Luiz dos Anjos, graciano; Manuel Domin
gos Vaya, escreveu sobre mathematica ; frei Ra-
phael da Purificação, franciscano, fallava sete lin
— 192 —

guas, e mui versado em quasi todos os ramos da


sciencia, escreveu uma Encyclopedia ; o infante D.
Henrique, filho d'el-rei D. João i, insigne emar-
mas, e nas sciencias uiathematicas, e que deu o pri
meiro e vigoroso impulso aos descobrimento* por-
tuguezes; D. Henrique de Sousa Tavares, primei
ro marquez de Arronches, e terceiro conde de Mi
randa, que se assignalou em diversos altos empre
gos, e em varias campanhas; Antonio Ribeiro dos
Santos, João Pedro Ribeiro, José Ferreira Borges,
e o visconde d'Almeida Garrett , quatro illustra-
ções modernas, distinctissimas. Também honraram
aquella cidade, entre outras damas suas filhas, D.
Bernarda Ferreira de Lacerda, que sabia muitas
linguas vivas, e a latina, grega, e hebraica, que
pintava em miniatura com singular perfeição, e
que escreveu a Hespanha Libertada , em dois to
mos; e D. Maria Ferreira Borges, irmã do illus-
tre autor do Codigo Commercial Portuguez, José
Ferreira Borges, que era mui habilidosa e perfei
ta em obras de esculptura em gesso.
193 —

A VILL4 DE PORTO DE MOZ.

Está edificada esta villa na falda occidental da


serra de Minde, na provincia da Estremadura, dis-
tricto administrativo de Leiria. Dista da cidade d'es-
te nome tres leguas para o sul, e uma para sues
te da villa da Batalha.
A sua situação é aprazivel. Parte da casaria es
tá assentada na raiz da montanha, em logar pla
no, e parte sobe um pouco pela encosta de um pe
queno monte, sobre o qual se ergue um castello de
remotas eras.
Não se sabe, ou, pelo menos, não nos consta,
qu^em fosse o fundador d'esta fortaleza. E' prova
vel, que fossem os moiros, porque a primeira no
ticia, que se encontra a seu respeito, é a de que
foi tomada por el-rei D. Affonso Henriques pelos
annos de 1148. Foi este castello, que deu origem
á povoação, que vindo procurar o abrigo da forta
leza , tão necessario n'esses tempos de continuos
sobresaltos, e correrias de inimigos, em breve se
multiplicou.
Poz el-rei D. Affonso Henriques por governador
e alcaide-mór d'aquelle castello a D. FuasRoupi-
nho, aquelle valoroso guerreiro, que, distinguin-
do-se em ousadas empresas contra os moiros em
terra e sobre o mar, é chamado pelos nossos an
tigos escriptores o primeiro almirante de Portugal.
D'ali começou o esforçado D. Fuas a mover crua
guerra aos moiros d'aquellas visinhanças. A sua
espada nunca estava ociosa, e sala sempre trium-
phante de todas as pelejas. Em uma das suas vic-
torias aprisionou um rei moiro, e levou-ocaptivo
á presença de D. AiTonso Henriques, que então re
sidia em Coimbra. Mas d'esta lueta, sempre viva
e tenaz, resultou a ruina da povoação de Porto de
Moz. Achava-se completamente destruida e des
povoada no anno de 1200, em que el-rei D. San
cho i a mandou reedifícar, e povoar de novo.
O seu primeiro foral foi-lhe dado por el-rei D.
VOL. lt. 13
— 194 —

Diniz; o segundo, reformado c accrescentado, con-


cedcu-lh'o el-rei D. Manuel em 1515. Tinha voto
em cortes com assento no banco decimo setimo. A al-
caiilaria-mór andava na familia dos Mellos da Silva,
e o senhorio na casa de Bragança. O seu brasão de
armas é, em campo vermelho, um castello de pra
ta com tres torres, vendo-se verdura sobre as duas
lateraes ; de cada um dos lados do castello está em
baixo uma mó de moinho, no centro um picapei-
xe, ou guarda-rio, e por cima uma estrclla, tudo
de prata.
Ha na villa tres egrejas parochiaes, S. Pedro, e
S. João Baptista, cujos benefícios eram apresenta
dos pela casa de Bragança ; e Nossa Senhora dos
Murtinhos, que era commenda da ordem de Chris-
to. N'csta ultima guardam-se varia» reliquias de
santos, que foram trazidas a Portugal de um con
vento de Metida, logo depois da catastrophe da
monarchia goda no anno de 714, por um eremita,
chamado Homano, que, segundo refere a tradição,
veiu ale á Pederneira acompanhando na sua fuga
a D. Rodrigo, o ultimo rei dos godos.
Tem a villa de Porto de Moz casa de misericor
dia, hospital, e as ermidas de Santo Antonio, e San
ta Luzia.
Abastecem a povoação de agua duas fontes, uma
ao pó do castello, e a outra á entrada da villa, com
sua alameda. O castello acha-se em soffrivel estado
de conservação, e merece ser visitado dos viajan
tes, que transitarem por aquellas immediações.
Nos suburbios véoin-se diversas capellas, entre
as quaes ha uma dedicada a S. Jorge da Charneca,
que teve por fundador o illustrecondestavel D. Nu
no Alvares Pereira. A pouca distancia da villa está
o editicio do extincto convento do Bom Jesus, que
pertenceu aos religiosos agostinhos descalços, eque
foi fundado em 1676 por um dos successores de
Gregorio Malho de Vivar, ouBivar, que instituiu
n'esta villa um morgado, com obrigação de con
servarem os seus descendentes o appellido de Bi-
var, em memoria de Rui Dias de Bivar, o celebra
do Cid Campeador, de quem descendia.
— 195 —

O termo produz moita variedade de fructos e


de caça, e tem pedreiras de bons marmores. Em
um logar, chamado Nossa Senhora da Assumpção
de Minde, e que é muito povoado, fabrieam-se pan-
nos de lã grosseiros, mas em grande quantidade.
Ha n'este termo uma curiosidade natural muito
singular. Junto ao logar de Mira eleva-se um mon
te, em cuja falda se vé uma grande caverna com
muito declive para o interior No inverno lança
esta caverna de si tanta copia d'agua, que inun
da e enche um vasto campo, plantado darvorese
rinhas, que, ficando mais baixo que os terrenos
circumvisinhos, se transforma em uma verdadeira
lagoa, cobrindo as aguas toda a vegetação, e che
gando até a crear enguias. Apenas começa o calor,
secca-se aquella copiosissima fonte, e a lagoa, ape-
zar de se lhe conhecer apenas u;n pequeno escoan-
te, em pouco tempo se evapora e desapparece. E
é tal a força productiva do nateiro, que as agnas
ali deixaram, que, principiando-se tão tarde os
trabalhos de cultura das vinhas, estas rebentam,
desinvolvem-se, e criam a uva perfeita, e a tempo
de se vindimarem na quadra propria. Outro tanto
acontece ás arvores fructiferas.
Encerra a villa de Porto de Moz setecentos e dez
oito fogos, e tres mil habitantes. Tem uma feira an
imal pelo Espirito Santo, c outra em 13 de Dezem
bro.
196 —

ÍIYILLA DE PARTO SANTO.

No grande commettimento de navegações e des


cobertas dos portuguezes no seculo xv, a que o il-
tustre infante D.Henrique deu principio, foi a ilba
de Porto Santo a primeira das nossas ilhas, que se
descobriu.
Tendo começado em 1412 as tentativas do in
fante pela costa d' Africa, desde o cabo Nam para
o sul, no anno de 1418 foi enviado Bartholomeu
Perestrello , fidalgo da casa do mesmo principe,
com a missão de dobrar o cabo Bojador. Assalta
do, porém, de uma furiosa tormenta, perdeu a der
rota, que levava, e achando-se já sem esperança
de salvação, fci arrojado pelos ventos a uma ilha
desconhecida, onde achou abrigo e repoiso. Por
este motivo deu á ilha o nome de Porto Santo.
Regressando pouco depois a Lisboa com a nova
d'este casual e feliz descobrimento , foi mandado
no anno seguinte á mesma ilha pelo infante D.
Henrique, que o encarregou de começar a culti-
val-a, fornecendo-lhe para isso os preparos neces
sarios. Acompanharam a Perestrello dois outros
navegantes não menos illustres em os nossos an-
naes maritimos, João Gonçalves Zarco, e Tristão
Vaz, tambem ambos fidalgos da casa do infante,
indo cada um em seu navio.
Dizem, que tendo levado estes navegadores uma
coelha, que parira na viagem, e que lançando-a
para o matto, multiplicaram os coelhos tanto, e
tão depressa, que destruiam todas as plantações ;
de sorte que foram por muito tempo um obstacu
lo á colonisação da ilha. Voltou Perestrello para
o reino, e os seus dois companheiros, incitados por
um nevoeiro, que viam constantemente ao longe,
e sempre no mesmo sitio, foram descobrir a ilha
da Madeira.
Em 1425 mandou o infante D. Henrique povoar
a ilha de Porto Santo, e em 1446 fez capitão do
natario d'ella a Bartholomeu Perestrello.
— 197 —
Está a ilha de Porto Santo no oceano Atkntico,
na altura de trinta e tres graus, e alguns minutos,
a pouco mais de treze leguas de distancia da ilha
da Madeira, e a cento e quarenta de Lisboa. Tem
de comprimento umas quatro leguas , de largura
legua e meia , e de circumferencia mais de oito.
Quasi no meio da ilha ergue-se um monte eleva
do, de forma arredondada, e de difficil accesso,
que chamam Pico do Castello, porque nos tempos
das guerras com a Hespanha por vezes os habi
tantes se refugiaram no alto d'elle, para d'ali se
defenderem contra os castelhanos, que desembar
cavam de algum navio para assaltar e roubar a ilha.
Afora este monte e a serra da Feteira, tudo omais
é terra chã.
A villa de Porto Santo, capital da ilha, está si
tuada em uma bahia, que se abre na parte dosul,
cercada de praias de areia, limpas de rochedos. Tem
por assento uma planicie, que lhe não consente fa
zer ostentação da sua casaria aos que demandam o
seuxporto. Está separada do mar pelo areal , em
distancia de um tiro de espingarda. A matriz, de
dicada a S. Salvador, é aunicaparochia, e o edi
ficio mais notavel da villa, que não chega a ter du
zentos fogos; e os seus moradores não passam de
oitocentos. Tem duas ermidas, S.Sebastião, e San
ta Catharina.
Pelo meio da villa corre uma ribeira d'agua sa
lobra, e d'esta qualidade tem varios poços, não a
havendo potavel dentro da povoação, que se abas
tece de uma fonte de muita e boa agua, que dis
ta d'ali legua e meia para o norte, e de tres pe
quenas nascentes, que estão a meia legua da villa,
junto de um pequeno templo da invocação de Nos
sa Senhora da Graça.
Os arredores da villa são plantados de vinhas,
e hortas, que se regam com as aguas d'aquella ri
beira, tendo além d'isso muitos terrenos destina
dos á cultura de cereaes. Antigamente eram, bem
como toda a ilha, muito povoados de arvoredo. Mas,
como a maior parte das arvores fossem dragoeiros
colossaes, de cujos troncos os habitantes faziam
— 198 —
gamelas, e barcos de pesca, que levavam seis e se
te homens, pouco a pouco se foram extinguindo,
até ficar mui reduzido o seu numero. D'esta gran
de copia de dragoeiros tirou a villa o seu brasão
d'armas, que consiste em uma d'estas arvores col-
locada no meio do escudo.
A producção principal da ilha consta de cereaes,
.vinho, e assucar. A cultura da canna do assucar,
ali introduzida por ordem do infante D. Henrique,
que mandou vir as primeiras plantas da Sicilia ;
desinvolvida e prospera por muitos tempos ; aban
donada depois por causa dos grandes lucros, que
offereciam as vinhas, cujos primeiros bacellos o
mesmo infante fez transportar da ilha de Chipre;
tornou a introduzir-se depois que o oidium princi
piou a esterilisar a industria vinicola.
O porto d'esta villa é abrigado dos ventos, ex
cepto o sul e o sudoeste ; mas nijo tem fortificação
alguma, que o defenda. Não ha na ilha outra villa.
As mais povoações são pequenos logares, chaman-
do-se os principaes Farrobo, eFeteira. Tem algu
ma caça, sobretudo perdizes, e muito gado de to
das as especies. E' terra sadia e de excellentes ares.
Está subjeita no governo temporal ao governador
civil do Funchal, e no espiritual ao bispo da dio
cese d'este nome.
— 199 —

A VILLl DE POVOS.

Na margem direita do Tejo, a seis leguas de Lis


boa, está a villa de Povos, edificada em uma pla
nicie mui arborisada. um tanto afastada do rio, e
collocada entre as duas villas da Castanheira e
Villa Franca de Xira, de cada uma das quaes dis
ta meia legua. Passa-lhe pelo meio a estrada real,
que conduz de Lisboa para as provincias do norte.
Segundo querem alguns dos nossos antiquarios,
e entre estes André de Rezende, no sitio onde ago
ra vemos a villa de Povos existiu a cidade deJe-
rabrica, fundada pelos romanos no tempo do im
perador Augusto Cesar. Dizem que esta cidade flo-
recera por largos annos, devendo a sua prosperi
dade aos magnificos terrenos, que a cercavam, e
à sua vantajosa posição proxima de um grande rio
como è o Tejo, e entre as duas cidades já então
muito importantes, Olysipo (Lisboa) eScalabis ("San
tarem). Dizem mais que na encosta do visinho mon
te campeava um castello para sua defensa, e que es
ta fortateza occupava o logar, onde passados secu
los se edificou o convento dos frades capuchos de
Santo Antonio, ou conforme outra opinião no si
tio em que os condes da Castanheira construiram
o seu palacio. Destruida Jerabrica pelas invasões
e guerras, que se succederam á queda do imperio
romano , surgiu das suas ruinas assim que a paz
veiu dar algum descanso aos habitantes da Lusi
tania. Porém, como os reedificadores acudissem ali
vindos de differentes terras, começaram os visinhos
a chamar-lhes povos, e por este nome ficou conhe
cida a nova povoação.
Outros autores ha, que contestam em parte esta
noticia, sustentando que a cidade de Jerabrica es
tava situada, onde hoje existe a villa de Alemquer.
Seja como fòr, o que parece certo, ávista de alguns
sepulchros, e medalhas romanas, que se acharam
modernamente n'aquellas visinhanças, edequeao
diante fallaremos, é que no tempo dos romanos ha
— 200 —
via alguma povoação, fosse qual fosse o seu nome,
no sitio em que se acha a villa de Povos.
No principio da nossa monarchia Povos jazia ou
tra vez em minas, ou desde a invasão dos arabes,
ou por causa das guerras, que estes sustentaram
com os christãos. El-rei D Sancho i mandoo-a
reedificar e povoar de novo no anno de 1194, dan-
do-Ihe foral com muitos privilegios e regalias. O
senhorio de Povos andou na familia dos condes da
Castanheira, e depois na casa do infantado.
Pertence esta villa ao districto administrativo
de Lisboa. O seu brasão d'armas é um castello de
baixo de uma oliveira. No seculo passado contava
trezentos e cincoenta fogos. Julgamos que este nu
mero não tem augmentado. Tem uma unica paro-
chia, intitulada Nossa Senhora da Assumpção, ca
sa de misericordia, hospital, e tres ermidas, com
muitas fontes dentro e fora da povoação.
Os suburbios são amenos, e tão arborisados, que
a villa está quasi escondida pelos olivaes, poma
res, e arvores silvestres, que a cercam. Nas fal
das e recosto dos montes , que ficam proximos á
povoação, ha algumas bonitas quintas, com boas
casas de residencia. Na coroa de um d'estes mon
tes está um pequeno templo, consagrado ao senhor
Jesus da Boa Morte. 0 corpo da egreja é de recons-
trucção moderna ; porém a capella-mór mostra mui
grande antiguidade. Um marco de pedra, que se
vê proximo da egreja, com a cruz dos templarios,
e um signo-Salomão, toscamente esculpido; eva-
rias lapidas sepulchraes, que ali se descobriram,
tendo gravada a mesma cruz, e a espada como a
usavam os cavalleiros do Templo , attestam que
aquella egreja pertenceu a esta poderosa ordem de
cavallaria. O terremoto de 1755 damnificou con
sideravelmente este edificio.
No mesmo monte, defronte da egreja, ha umas
rochas, nas quaes ha poucos annos se viam cava
das varias sepulturas, umas ainda inteiras, e ou
tras meio destruidas. Podiam julgar-se sepulchros
phenicios ou romanos, pois que ambos estes po
vos , posto que mais commummente o primeiro,
— 201 —
costumavam abril-os nos rochedos, quando os ha
via próximos das povoações; porém, extrahindo-
se pedra d'aquella pedreira em 1839, acharam-se
duas dessas sepulturas intactas, com os esquele
tos dentro, estando junto de um d'elles uma moe
da romana, e junto do outro os restos de um pen
te, que parecia de tartaruga, e dourado. Esta des
coberta não deixa duvida sobre a origem d'estes
sepulchros, os quaes a seu turno tambem testifi
cam, que perto d'ali existiu uma povoação roma
na. ínfelizmente continuou-se a tirar pedra d'a-
quella pedreira, e talvez já tenham desappareci-
do essas tão curiosas antigualhas.
O termo é muito fertil. Produz cereaes, vinho,
azeite , e muitas frutas , principalmente de espi
nho.

FtM DO SEGUNDO VOLUME.


IMCE DO SEGIXDO VOLUME.

A cidade de Lagos 1
> de Lamego ..... 6
» de Leiria 42
A villa de Linhares 19
A cidade de Lisboa 22
A villa de Loulé • 53
» e praça de Marvão 50
» "de Mello.:. 59
» de Mertola 61
A cidade de Miranda 65
A villa de Monção 69
» de Monforte - 74
» e praça de Monsanto 76
» de Monsaràs 78
» de Montemór o Novo 81
» de Montemor o Velho 84
» de Moura 88
» e praça de Mourão. . 93
» de Niza 9o
» de Obidos 97
» de Ourem 102
» de Ourique 105
> dePalmella , 107
» de Panoias 109
» de Pedrogão Grande 111
A cidade de Penafiel 113
A villa de Penamacor 117
» dePenelIa 11»
» e praça de Peniche 120
A cidade de Pinhel 125
A villa de Pombal 127
A cidade de Ponta Delgada 134
A villa de Ponte de Lima 143
A cidade de Portalegre 148
A villa de Portel 151
A cidade do Porto 136
A villa de Porto de Moz 193
» de Porto Santo 196
de Povos 199
<. .- l\ £1
AS CIDADES E V1LLÀS
DA

MONARCHIA PORTUGUEZA

OLE TEEM BRASÃO DARMAS.

POR

i. uii i aun.w ittititos v

VOLUME (II.

LISBOA
TYPOGRAPHIA DO PANORAMA.
TRAVESSA DA VtCTORlA, 73.

1862.
A llLtJl DE SABUGAL.

Àcha-se edificada esla villa em sitio plano, nà


provincia da Estremadura, districto administrati
vo da Guarda, a uma legua de distancia da villa
da Sortelha, e dez da cidade deCastello Branco.
Pertencendo o seu territorio no seculo xni ao
reino visinho, d'ondê dista umas tres leguas, foi
fundada por D. Affonso x, ,rei de Castella e de Leão.
Passados porém poucos annos veiu para a coroa de
Portugal, e cremos que foi por occasião do casa^-
mento do nosso rei D. Affonso m com D. Brites,
filha bastarda de D. Affonso x de Castella.
El-rei D.Diniz fortificou-a pelos annos de 1296,
construindo um castello , com uma alta torre de
menagem de cinco quinas. No fecho da abobada
superior d'esta torre collocou-se o escudo dasar-
inas reaes, e o seguinte lettreiro:
Esta fez el-rei D. Diniz,
Que acabou tudo o que quiz ;
Que quem dinheiro tiver,
Fará quanto quizer.
No atino de 1328, ajustado o consorcio da infan
ta D. Maria, filha d'el-rei D. Affonso iv,e da rai
nha D. Brites, com D. Affonso xi, rei de Castella,
partiu de Coimbra a real aoiva em companhia de
seus paes. e da rainha Santa Isabel, sua avó. Che
gados á villa de Sabugal, ahi se demoraram alguns
dias, para receber a infanla D. Leonor^ irmã dob
rei de Castella, que veiu com luzido acompanha
mento para ver e comprimentar os seus augustos
parentes, pois que a rainha Santa Isabel, era sua
àvó. Durante os dias, que a familia real ali este
ve fizeram-se grandes festas em obsequio da infan
vOL. III. 1
—2—
ta castelhana. Depois partiram todos para a villa
d'Alfaiates, proxima da fronteira do reino de Leão,
aonde concorreu el-rei D. Affonso xi, ena quat se
celebrou o casamento.
El-rei D. Manuel deu o senhorio de Sabugal a
seu filho, o infante D. Fernando; e D. Filippe u
d'Hespanha, tendo-se apossado de Portugal, fez
conde de Sabugal a D. Duarte de Castello Branco.
Mais tarde, reuniram-se por enlace matrimonial as
duas casas dos condes d'Obidos, e de Sabugal, cu
jos titulos hoje possue o senhor D. Manuel Pedro
d'Alcantara d'Assis Mascarenhas Castello Branco
da Costa Lencastre, setimo conde d'Obidos, e quin
to de Sabugal. A alcaidari»-mór d'esta villa per
tence desde o seculo xvi a esta familia.
Dizem que o nome da villa se derivou dos mui
tos sabugueiros, que ali havia quando se fundou.
Por esta mesma razão tem por brasão d'armas no
meio do escudo um sabugueiro e uma chave, sen
do esta allusão ao antigo castello, que defendia a
villa.
Sabugal é uma pequena povoação, que não cae-
ga a conter mil almas. Tem duas parochias; San
ta Maria do Castello, e S. João Baptista ; egreja da
misericordia, hospital, e umas sete ermidas.
Proximo da villa, pela parte do sul, passa o rio
Coa, que nasce mais acima, e não longe, indo en
trar no Douro junto a Villa Nova de Foscoa. To
davia ha quem afiirme, que este rio tem a sua fon
te principal na serra deXalma, no reino de Leão,
a qual é pertencente á cordilheira da Gata. Con
forme esta opinião o Coa entra em Portugal por
Folgosinho.
Os romanos davam a este rio o nome de Cuda,
e aos povos, que habitavam nas suas margens, cha
mavam Cudanos, ou Transcudanos. Frei Bernardo
de Brito, na sua Geographia Lusitana, 'fallando do
Coa, attribuc ás suas aguas as singulares proprieda
des de serem excellentes para tingirias, e caldear
ferro; de serem pesadas para beber, e de mádi-
gostão ; de causarem tristeza, dores de ventre, 6
de cabeça ; de engrossarem, ou fazerem obtuso o
_3-
entendimento ; e de offenderem o rosto a quem se
lavar com ellas.
Sejam porém às aguas d'este rio boas, ou más
para beber, é certo que regam efertilisam os cam
pos, que circundam a villa, fazendo-os produzir
abundantemente cereaes, frutas, com especialida
de castanha, linho, e magnificas pastagens, onde
se cria muito gado. Ha muitas colmêas, e bastan
te caça por todos aquelles contornos.
A 25 de Julho tem esta villa uma feira annual.
1HIUA DESAMAREM.

Quasi no centro da provincia da Estremadura


está a viHa de Santarem, ora campeando sobre al
to monte a cavalleiro do Tejo, ora, sentada na raiz
d'cllc, espelhando-se nas puras aguas d'este poe
tico rio.
Pelos respeitos de uma remota antiguidade ; pe
las memorias de passadas grandezas, e preeminen
cias ; pelo interesse de importantes factos histori
cos; pelo grande numero de monumentos d'arte, e
de historia ; pela importancia militar da situação ;
por muitas e variadas bellezasnaturaes; c, emfim,
pelos numerosos filhos dados á patria, distinctos
nas armas, nas lettras, e nas virtudes christãs e
civicas, avantaja-se Santarem a quasi todas as po
voações do reino.
A sua origem é tão remota, que sendo Santarem
uma das principaes terras da Lusitania sob o do
mínio dos romanos, ainda assim se ignora quem
foram os seus fundadores. Todavia não deixaram
os antiquarios de lhe assignalar a epoca da fun
dação. e até o nome do fundador. E' uma pura fa
bula, já se vê, porém, na falta de noticias positivas,
referil-a-hemos, como uma d'essas lendas phantas-
ticas, que involvem em formas poeticas e roman
ticas a escura origem das antigas povoações.
Diz, pois, a lenda, que tendo Ulysses aportado
ao Tejo, depois do incendio e destruição de Troya,
encantado da magestade do rio, e da formosura das
suas margens, edificara ahi uma cidade a quepoz
o nome de Ulyssea, que com o tempo se corrompeu
cm Olysipo, depois em Lissibona, e mais tarde em
Lisboa.
Reinava então nas Hespanhas um poderoso rei,
chamado Gorgoris, o qual, apenas lhe constou que
a armada dos gregos surgira no Tejo, e se apossa
ra da sua margem direita, correu á frente de um
valente exercito para expulsar os intrusos do seu
reino. Taes foram, porém, as traças de Ulysses,

—3—
tal o effeito da sua eloquencia e das suas promes
sas, que, em vez de batalha, vieram os dois che
fes a um accordo, de que resultou intima alliança,
permittiudo-se ao illustre aventureiro proseguir
na edificação da cidade.
Com a convivencia cresceu entre os dois prin
cipes a amizade. Mas se el-rei Gorgoris se delei
tava com a conversação amena de Ulysses, sua fi
tha, a princeza Calypso, rendera-se inteiramente
ao grego gentil e seductor.
Não tardou muito que el-rei Gorgoris se aper
cebesse de que sua filha trazia no seio o fructode
criminosos amores. Acceso em ira, poz-sedenovo
á frente dos seus soldados para lavar a injuria no
sangue do ingrato principe. Ulysses , dorido da
consciencia, não se atrevendo a esperaro inimigo,
acolheu-se com a sua gente aos navios da armada,
e abandonando a cidade, deu velas ao vento em de
manda da Grecia, sua patria.
Como não encontrasse o iracundo pae onde exer
cer a sua vingança, resolveu ceval-a no innocen-
te filho d'aquelle, que assim fugia ao justo casti
go. Gorgoris faz vigiar de perto a princeza, e or
dena sob penas severas aos satelites de que a cer
ca, que logo que der á luz a creança, seja esta lan
çada immediatamente ao Tejo.
A cruel ordem foi executada á risca. Calypso
teve um menino, ao qual poz o nome de Abidis.
Ao principio conseguiu o amor maternal oceultar
o innocente filhinho aos seus inhumanos perse
guidores. Mas logo depois, descoberto o engano,
foi a pobre creança mettida n'um cesto, e lançada
ao rio. Por acaso, ou por decreto da Providencia,
as ondas do Tejo, respeitando a innocencia, foram
depositar o menino, incolume, n'uma praia, a que
ficava sobranceiro alto monte de rochas escarpa
das.
Salva das aguas do rio, a infeliz creança ia pe
recer de fome, ou servir de pasto ás feras, quan
do lhe appareceu, como presente do ceo, uma lin
da corça, que a alimentou com o seu leite, e co
_6 —
mo pode lá foi empurrando o cesto ale o deixar em
uma grula, aberta nos visinhos rochedos.
Todos os dias vinha a corça offerecer o leite ao
pequeno Abidis, que assim foi vivendo, e cres
cendo. Nos primeiros annos corria o brincava era
torno da gruta, e ao longo das praias do Teío ; de
pois, mais forte e atrevido, divagava pelos mattos
e bosques d'aquollas visinhanças. Mas se via ao lon-i
ge algum outro homem, fugia para a sua gruta co
mo o mais timido animal. Houve, porém, quem o
visse, c participasse á princeza Calypso a existen
cia d'aquelle menino selvagem. Movida da curio
sidade, ou tocado de umpresentimentooseuamor
de mãe , mandou a princeza muitos dos seus cria
dos ao sitio designado, para lhe trazerem o menino
a todo o custo. A empresa foi bem suecedida, e Ca
lypso pode reconhecer no adolescente vagabundo,
graças a um certo signal , que linha no corpo, a
querido filho, que tão cruelmente haviam roubado
aos seus carinhos.
Reconhecido c educado como principe, Abidis
veiu a sueceder na coroa a seu avo, Gorgoris, pe
los annos 28G3 da creação do mundo ; e um dos
primeiros actos do seu governo foi commemorara
sua maravilhosa salvação, fundando uma cidade no
sitio, onde as aguas do Tejo o lançaram, e onde a
corça o creou. A esta cidade, que escolheu para sua
corte, denominou Esca Abidis, que quer dizer man
jar ou alimento de Abidis. O tempo, que tudo con
some, corrompeu este nome. mudando-o em Sca-
labis, que os romanos mudaram a seu turno no de
Proesidium Juliiim, e que os lusitanos trocaram pe
lo de Santarem em testemunho de veneração pelo
milagre da virgem e martyr Santa Iria.
Esta é alenda ; e com effeito o primeiro nome,
que teve Santarem, foi Scalabis, cuja etymologia
não é conhecida.
Subjeita toda a Lusitânia ao dominio de Roma,
Scalabis, que já era povoação importante, cresceu
c prosperou a tal ponto com o poderoso impulso
da civilisação romana, que logrou todas as pre
eminencias, a que os dominadores do mundo costu
mavam elevar as suas mais notaveis cidades. Hon
rada com o titulo e grandes privilegios de colonia
romana, foi escolhida para assento de um dos qua
tro conventos juridicos, que houve na Lusitania,
que eram ehancellarias, ou tribunaes a que recor
riam os povos das provincias, que formavam o seu
districto judicial. O do convento juridico deSca-
labis abrangia o territorio das duas provincias ac-
tuaes da Beira e Estremadura, e parte do reino de
Leão. ;
Vindo Julio Cesar á Lusitania , honrou com o
seu nome aquella povoação, ordenando que d'ahi
em diante se chamasse Prmidium Julium. Entro
as obras mais grandiosas, que os romanos cons
truiram n'esta terra, contava-se a magnifica ponte
de cantaria, que atravessava o Tejo para dar pas
sagem á grande via militar, que ia de Lisboa para
llerida. D'esta ponte, que a corrente do Tejo des
truiu durante as suas inundações, ainda se con
servavam alguns vestigios nos principios do seculo
XvI.
Na invasão dos barbaros do norte padeceu esta
povoação quasi total ruina, e os novos senhores,
que estendiam o seu odio a tudo o que lhes recor
dava o poder de Roma, abolindo o nome de Pros-
sidium Julium, resuscitaram o de Scalabis.
Depois, ou por quererem estabelecer uma deno
minação propriamente sua, ou porque a povoação
ficasse reduzida á cidadella, deram-lheo nome de
Scalabicastrum, caslello de Scalabis.
. No meiado do sceulo vji, estando a Lusitania
sob o governo dos godos, teve logar na cidade de
Nabancia, hojeThomar, o martyrio da virgem San
ta Iria ou Irene. Refere a lenda, que, lançado o seu
casto corpo ao rio Nabão, a corrente o trouxe ao Ze
zere, ed'este ao Tejo, onde os anjos lhe fabricaram
sumptuoso sepulchro, no meio das aguas, em fren
te de Scalabicastrum, que em memoria d'estesuc-
cesso se começou a chamar Santa Irena, e depois
por abreviatura Santarem.
Em 715, quasi dois annos depois da destruição
da monarchia dos godos nos campos de Guadalete,
--8 —
foi Santarem tomada pelos arabes, que a possui-,
ram até 1093, em que D. Aflonso vi, rei de Leão,
o3 expulsou dali aos 21 d' Abril.
A fortaleza da sua situação, e a bravura dos seus
habitantes , que já em diversas occasiões haviam
feito Santarem temida dos inimigos, foram causa,
sem duvida, de que desta vez se conservasse chris-
tã pelo espaço do dezesete annos, apezar do estan
darte das meias luas campear triumphante por
quasi toda a Lusitania. No anno, porém, de 1110
veiu por-lhe cerco um tão poderoso exercito de ser-
racenos , que ao cabo de inutil resistencia entre-
gou-se, apertada da fome.
Reconheceram os moiros a importancia desimi-
lhante posição para a conservação do seu dominio
em toda a Estremadura; e trataram deaugmentar
tanto as suas fortificações, que fizeram d'ella uma
das mais fortes praças de guerra da peninsula Ibe
rica.
Não obstante tudo isso , nem o denodo da va
lente guarnição, que a defendia, nem o extrema
do valor do seu alcaide Auzechri, a torreada San
tarem rendeu-se á espada victoriosa d'el-rei D.
Affonso Henriques, que a assaltou e entrou em um
sabbado, 15 de Março de 1147.
O vencedor fez povoar Santarem com familias
christãs, e deu-lhe o foral de villa com muitos e
singulares privilegios. A cruz de Jesus Christo, en
tão hasteada, não tornou mais a descer das fron-
tarias dos seus templos, nem o pendão das quinas
deixou mais de fluetuar sobre os seus baluartes.
Comtudo, por duas vezes se viu esta villa, em tem
pos de D. Affonso Henriques, em perigo de cair em
poder dos intieis. A primeira, vinte annos depois
de conquistada por este monarcha, foi quando Al-
barraque, rei de Sevilha, a frente de um grande
exercito, a sitiou, e accommetteu com repetidos
assaltos, sendo repellido, e afinal destroçado e per
seguido pelos portuguezes, capitaneados pelo seu
primeiro rei. A segunda teve logar em 1184, ou
8o, em que Aben Jacob, imperador de Marrocos,
yindo d'Africa com todo o seu poder, c unindo-se
is tropas do rei de Sevilha, para desaffrontaras ar
mas musuluianas, tantas vezes vencidas ante os mu
ros de Santarem, poz cêrco a esta praça, comba-
tendo-a logo durante cinco dias successivos. Eram
tantos os inimigos, e os ataques tão violentos, que,
apezar de se achar á frente dos sitiados o corajoso
infante D. Sancho, que mais tarde foi o nosso se
gundo rei, chegaram os portuguezes a tal aperto,
e extremo de desesperação , que já estavam pa
ra abandonar as muralhas, e recolher-se á Alca
çova, ou cidadella, como ultimo refugio, quando
D. Affonso Henriques, acudindo de Coimbra, on
de se achava, e dando de improviso com as suas
aguerridas hostes sobre o arrayal inimigo, levou
os moiros de vencida, e libertou a villa.
El-rei D. Sancho i, eseus suceessores, tiveram
por muitas vezes a sua corte em Santarem, cujo
foral foi confirmado, e ampliado com alguns no
vos privilegios por D. Affonso ni, e outros reis ató
D. Manuel, que lhe deu o ultimo em 1506.
Nas discordias, que rebentaram entre el-rei D.
Diniz, e seu filho primogenito, o turbulento infan
te D. Affonso, veiu este, de Coimbra, com mão ar
mada sobre Leiria, que se lhe rendeu, e depois so
bre Santarem, que egualmente tomou. Poucos dias,
porém, esteve esta villa na desobediencia d'el-rei,
pois que o infante a abandonou logo, que o exer
cito de seu pae se aproximou d'ella, tendo já sub-
jeitado a cidade de Leiria. Feitas as pazes por in
tervenção e diligencias da rainha Santa Isabel, fes
tejou Santarem o termo da guerra civil, juntamen
te com a entrada em seus muros dos dois monar-
chas e seu filho D. Affonso.
Reinando este principe com o nome de D. Affon
so iv, e achando-se em Santarem , celebraram-so
ahi os esponsaes de sua tilha, a infanta D. Leonor,
com 1). Pedro ir, rei de Aragão ; para cuja cere-
monia este soberano enviara dois embaixadores.
No seguinte reinado foi theatro esta villa d'a-
quella scena de cruel vingança, em que Analisou
o terrivel drama da morte de D. Igncz de Castro.
Pedro Coelho, Alvaro Gonçalves, e Diogo Lopes
— 10 —

Pacheco, os tres fidalgos, que tomaram parte no


barbaro assassinato da desditosa Igncz, tinham fu
gido para Castella, apenas viram moribundo 1).
AObnso ív. Mas logo que D. Pedro i subiu ao thro-
no, sequioso de vingança, obteve de seu sobrinho,
el-rei de Castella, a entrega dos fugitivos, em tro
ca de outros fidalgos castelhanos, que, perseguidos
naquelie reino, se tinham acolhido ao nosso. Pa
checo, avisado a tempo, conseguiu evadir-se para
o Aragão, e de lá para ínglaterra ; porém os seus
dois companheiros foram levados a Santarem, on
de, depois de postos a tormentos em frente das ja-
nellas do paço real da Alcaçwa, ahi mesmo lhes
foi arrancado o coração em vida, a Pedro Coelho
pelo peito, e a Alvaro Gonçalves pelas costas, sen
do os seus corpos alinai queimados. D. Pedro i as
sistiu a todo este longo e horroroso supplicio (1358).
Quando o povo de Lisboa se amotinou por cor
rer voz que el-rei D. Fernando se casara occulta-
mente com D. Leonor Telles de Menezes, que era
mulher de João Lourenço da Cunha, partiram fur
tivamente el-rei e D. Leonor d'aquella cidade pa
ra Santarem, e d'ali para o Porto, indo receber-se
nas suas visinhanças , na egreja de Leça do Balio
(1372). Passados treze annos, quentes ainda as
cinzas d'el-rci D. Fernando, fugia outra vez para
Santarem a rainha D. Leonor Telles, por causa do
povo de Lisboa, que novamente, e agora mais amea
çador, se levantara contra cila. O primeiro cuida
do da ambiciosa rainha, assim que chegou á vi I la,
foi escrever a seu genro D. João i, rei de Castella,
instando-o a entrar em Portugal em defensa dos di
reitos da rainha D. Beatriz, sua. mulher. No curto
praso de poucos dias fizeram a sua entrada em San
tarem os reis de Castella (12 de Janeiro de 1385);
foi acclamada D. Beatriz, rainha de Portugal ; des-
avieram-sc D. João 1, e sua sogra, a rainha D. Leo
nor; tentou esta fazer assassinar o genro ; desco
berta logo a traição, foi presa, e enviada para Cas
tella ; e D. João i e sua mulher, seguidos de um for
te exercito, partiram sobre Lisboa, onde o mestre
d'Aviz, acclamado defensor do reino, segurava a
capital contra o dominio estrangeiro.
— 11 —
Durante o calamitoso periodo d'esta guerra, de
que saiu salva a independencia de Portugal, pade
ceu Santarem muitas vexações c alborotos, estan
do subjeita aos castelhanos em quanto durou o cer
co de Lisboa, e recebendo outra vez dentro de seus
muros, na retirada, os reis de Castella, e as suas
tropas. ' . •
No começo do reinado de D. João i coube a San
tarem a honra de servir de assento ao tribunal da
relação, instituido por aquelle soberano, e depois
a pedido das cortes mudado para Lisboa.
No anno de 1434 foram convocados a cortes os
tres estados na villa de Santarem para a ceremo-
nia do juramento de fidelidade a el-reiD. Duarte.
A primeira convocação fora para Leiria, porém mu-
dara-se de local em consequencia da peste, que se
desinvoiveu nas visinhanças d'esta cidade.
No reinado antecedente, de D. João i, e no se
guinte, de D.João ii, reunira m-se cortes n'esta villa,
A 12 de Julho de 1491, achando-se a corte em
Santarem, ainda entregue ás festas e alegrias do
casamento do principe D. João, filho d'el-rei D.
João ii, com a princeza de Castella, D. Isabel, suc-
cedeu ahi a lamentavel catastrophe da morte d'a-
quelle joven principe, por effeilo de uma queda
do cavallo, andando a correr junto á margem do
Tejo.
Fallecido o cardeal rei D. Henrique, sem ler no
meado suecessor ; transpostas já as fronteiras do
reino pelo exercito do duque d'Alba ; descontente
e inquieto o povo sobre a sua sorte; e divididos
os nobres e o clero cm diversas parcialidades ; D.
Antonio, prior do Crato, filho bastardo do infante
D. Luiz, fez-se acclamar rei de Portugal em San
tarem, aos 19 de Junho de 1580. Os moradores da
villa, que queriam mais que tudo a independencia
da patria, saudaram com enthusiasmo o principe,
que assim ousava affrontar o poder de Filippe n.
D. Antonio, vendo-se rodeado de uma grande mul
tidão de povo armado, marcha sobre Lisboa. A
capital abre-lhe as suas portas, recebe-o como rei,
e engrossa-lhe as fileiras cora muitos centos de po
— 12 —
pulares. Mas em breve naufragaram todas estas
esperanças e ardores. Derrotado junto á ponte de
Alcaiitara pelo duque d'Alba, volta a Santarem, e
d'abi debalde percorre o reino até se ver forçado
a sair d'elle.
Na segunda lueta travada com a Hespanha pela
restaurarão da independencia em 1640, não pade
ceu esta villa outros incommodos, além dos sacri
ficios geraes, que foram impostos a todo o paiz pa
ra a sustentação de tão santa causa. E o mesmo lhe
suecedeu na guerra dos sete annos, da successãõda
Hespanha, de 1701 a 1710, em que Portugal en
trou como alliado da ínglaterra, da Austria, ellol-
landa.
Aos 19 de Novembro de 1722 foi assolada a vil
la de Santarem por uma horrivel tempestade, que
lhe causou grandes estragos. O terramoto do l.°da
Novembro de 1755 tambem lhe arruinou muitos
edificios.
Nas guerras , que abrazaram a peninsula nos
principios do seculo actual, passou esta villa por
grandes trabalhos e assolações, sendo entrada por
diversas vezes pelos exercitos de Napoleão. Na ul
tima invasão franceza , descoroçoado o marechal
Massena de romper as formidaveis linhas de Tor
res Vedras, retirou-se sobre Santarem aos 14 de
Novembro de 1810, e ahi se conservou até 5 do
Março de 1811.
Durante as Iuctas da liberdade tambem esta vil
la foi theatro de acontecimentos importantes. Em
Junho de 1823 fugiu de Lisboa para Santarem, á
frente de um regimento de linha, o infante D. Mi
guel , proclamando a queda da constituição. Em
Outubro de 1833 este mesmo principe, desaloja
do e mais o seu exercito das posições, que oceu-
pava no cerco de Lisboa, pelas tropas constitucio-
naes, foi encerrar-se em Santarem, onde perma
neceu até Maio de 1834, em que se viu forçado a
abandonar aquella fortissima posição. N'este pe
ríodo fatal os estragos da guerra foram ainda ag-
gravados pelo flagello da cholera morbus.
P'est'arte as vantagens economicas, que resul
— 13 —
tam para esta villa da riqueza dos seus campos, e
da communicação fluvial com Lisboa, e com tantas
outras povoações, que o Tejo banha, teem-lhe si
do contrabalançadas pelos damnos, que lhe teem
provindo da sua posição estrategica.
Santarem floresceu outr'ora com a amiudada as
sistencia da corte; e quando esta lhe faltou intei
ramente, ainda cresceu e prosperou pelo desinvol-
\imento da sua industria agricola e commercial. O
periodo desde o termo da guerra da restauração
da independencia, 1668, até ao principio do ulti
mo quartel do seculo passado , foi para esta villa
uma epoca de suecessivo engrandecimento e pros
peridade, chegando a conter o dobro da população,
que hoje encerra. A nova estrada, que a rainha D.
Maria i mandou abrir de Lisboa ao Porto, por Lei
ria e Pombal, foi a primeira causa da decadencia
de Santarem, não só porque lhe desviou a concur-
rencia dos passageiros, que transitavam entre aquel-
les dois grandes centros depovoação, mas tambem
porque áquella mudança se seguiu o abandono ea
ruina da estrada velha. As subsequentes calamida
des, já referidas, e outras circunstancias que por
brevidade omittimos, augmentaram aquella deca
dencia. Felizmente ha meia duzia de annos, que
esta nobre villa começou a entrar em um caminho
de progresso, que lhe hade trazer de novo, sem du
vida, a sua antiga prosperidade.
Na velha monarehia Santarem tinha voto em cor
tes com assento no banco primeiro, apar de Lis
boa, Porto, Evora, Coimbra, e Elvas, honra não
pequena. ;
Consiste o seu brasão d'armasemum castellode
prata com tres torres em campo azul, e sobre um
rio, tendo o ,castello por cima da porta o escudo
das quinas reaes. Eram alcaides-móres de Santa
rem os condes de Assumar, elevados depois a mar-
quezes d'AIorna.
Santarem é capital do districtb administrativo do
seu nome, e por conseguinte é sede de um governa
dor 'civil, e mais autoridades administrativas, fis-
caes, e judiciaes. Acha-se ahi estabelecido o semi
— 14 —
nario patriarchal, um lyceu, e o quartel do regi
mento de cavallaria n.° 4.
Divide-se a villa em tres grandes bairros, cha
mados Marvilla, Ribeira, c Alfange. O primeiro
d'estes é o maior, e occupa a parte superior da
montanha, que é plana. Este bairro ainda mostra
pedaços da sua cerca de muros ameiados e torrea
dos, e n'alguns sitios com seuscubellosebarbacãs.
Tinha cinco portas, e tres postigos. Ada Atamarma
ou Tamarma é a porta por onde entrou el-rei D. Af-
fonso Henriques na tomada da villa. Este nome de
origem arabica, que ainda conserva, e se dá lam
bem a uma calçada, que desce para o Tejo, queria
dizer aguas amargosas, o que allndia a uma fonte,
que ahi ha. A segunda porta era a de Leiria, que
não existe. A terceira a de Manços, sobre a qual
está uma inscripção muito antiga. A quarta amorfa
do Sol, ao presente tapada, e que, por deitar para
um despenhadeiro, quer a tradição, que no tempo
dos moiros era um logar de supplicio, sendo d'ali
precipitados os condemnados a pena ultima. A' quin
ta porta deu nome o apostolo Santiago. Além (Tes-"
tas tinha outras chamadas postigos, alguns dos
quacs ainda existem.
Dentro d'este bairro, no sitio mais elevado eso-*
branceiro ao Tejo, está a Alcaçova, a velha cida-
della, com sua cerca de muros, portas, e postigos.
Outr'ora entrava-se n'elia por uma ponte levadi-
ça. No seu recinto ficava o paço real. A Alcaçova,
apezar de muito mudada do que foi nas passadas
eras, ainda deixa ver muitos vestigios de edificios
antigos. Ainda ali se vê um bello portal dearchi-
tectura gothica.
Marvilla é a parte mais nobre da povoação. Ahi
avultam os seus melhores edificios, e os mais ve
nerandos padrões da sua historia. E' o bairro aris
tocratico da villa, assim como os seguintes são pura
mente burguezes.
Os bairros da Ribeira, e d'Alfange estendem-sc
na margem do Tejo, e pelo declive dos montes, or
lando as calçadas, que sobem da borda do rio pa
ra Marvilla. São egualmente antiquissimos, en'el
_15 —
les se vêem restos das muralhas, que os defendiam.
Ha n'estes dois bairros bastante movimento com-
mercial, por causa do seu porto, e por serem como
o deposito de todos os generos, que a villa impor
ta, e exporta pelo Tejo.
Tinha outr'ora esta villa treze freguezias, que
hoje se acham reduzidas a quatro ; equatorze con
ventos, onze de frades, extinctos em 1834, etres
de freiras ainda existentes.
A' frente dos seus edificios religiosos está, pela
sua cathegoria, e tambem por muita antiguidade,
a real collegiada de Santa Maria da Alcaçova, fun
dada pelos templarios, que ajudaram a D. Affonso
Henriques na conquista de Santarem. Acba-se si
tuada na Alcaçova, ou cidadella, de que tomou o
appellido, e licava contigua ao paço, comeommu-
nicação interior, servindo de capella real, cujas
honras conserva. Foi instituida esta collegiada pou
co depois do anno de 1280, reinando D. Diniz, com
dezesete conegos, quatro meios conegos, e tres di
gnidades, chantre, mestre escola, e thesoureiro. A
egreja é de tres naves, e pequena. Exteriormente
nada mostra dearchitectura antiga. Por dentro, ape-
zar de ter tido diversas reedificações, a maior das
quaes principiou em 1715, e acabou em 1724, ain
da deixa adivinhar-lhe as feições antigas. Na capel-
la-mór, do lado do evangelho, está um sepulchro de
marmore embebido na parede, de Rodrigo Affonso,
Dlho natural d'el-rei D. Affonso ni, e prior d'esta
egreja. Além de outras sepulturas antigas, estão no
adro dois cippos, com inscíipfues romanas, que tra
duzidas em vulgar, dizem, uma : Memoria consagra
da aos deuses dos mortos. Aqui está sepultado Mar
co Antonio, natural de Lisboa, filho de Marco Lobo,
da tribu Galeria : a outra : Memoria consagrada aos
deuses dos finados : Quinto Antonio, mihtar, filho
de Cayo Perfeito^ natural de Lisboa.
A collegiada de Santa Maria das Maravilhas, no
me que o tempo corrompeu em Santa Maria de Mar-
villa , é fundação tambem do reinado d'el-rei D.
Affonso Henriques, e disputa as honras de matriz
-16-
á real collegiada de Santa Maria da Alcaçova. E'
esta egreja parochial um dos maiores emais bellos
templos da villa. Divide-se em tres naves, susten
tadas sobre altas columnas jonicas, de marmore.
Tem tido varias reconstrucções. A capella-mórfoi
reedificada inteiramente por el-rei D. Manuel, que
tambem augmentou e reformou o corpo da egreja.
A porta principal, de architectura gothica, osten
ta lindos e variados lavores.
A egreja de Santo Estevão, mais conhecida pelo
nome do Santo Milagre, foi sagrada em 1241, igno-
rando-se porém o anno da fundação. Outr'ora foi pa-
rochia. E' templo de mediana grandeza, de tres naves
sustentadas em columnas de cantaria da ordem tosca
na. Em quatro paineis, de pintura antiga, que ornam
a egreja, está representada a historia do Santo Mi
lagre. No primeiro vo-se a mulher, que fez o sacri
legio, recebendo n'este templo a communhão. No
segundo vae a dita mulher, de caminho para sua
casa, levando escondida a sagrada particula. No
terceiro mostra-se a arca em que a mulher guar
dou a particula, toda cercada de resplendores, e
anjos. O quarto representa a procissão, com que
foi levada solemnemente a hostia de casa da mu
lher para a egreja de Santo Estevão, que desde en
tão o povo começou a denominar do Santo Mila
gre. Refere a lenda, que esta mulher, em vez de
consumir a hostia, a trouxera para casa, como fim
de a entregar a uma judia, que lhe promettera, sob
esta condição, fazer com que d'ali em diante fos
se estimada do marido, que andava desencaminha
do. Recolhendo a sacrilega a hostia em uma arca,
para no dia seguinte a entregar á judia, acordan
do de noite o marido viu, que da caixa saiam mil
resplendores. Então a mulher confessou tudo, e
logo que amanheceu foram os dois conjuges dar para
te do caso ; vindo depois toda a clcresia, e pessoa-
iiotaveis da villa, condazir em procissão a hostis
para a referida egreja. Na particula vêem-seumas
nodoas escuras, que a lenda diz, que fora sangue,
que a mesma gotejara na occasião de ser levada pe
la mulher.
— 17 —

A egreja jiarochial de S. Nicolau é detres naves.


Não se sabe o anno da sua fundação, mas sim que
já existia no seculo xiv. O templo primitivo foi
destruido inteiramente por um incendio, e depois
reedificado no anno dei613. Em uma das suas ca-
pellas, dedicada a Jesus Christo, está um rico mau-1
soleo* em que jaz João Affonso de Santarem, o que
instituiu o hospital de Jesu9 Christo no anno de
1426.
A egreja parochial do Salvador, oceupa presente
mente o templo do extincto convento de Nossa Se
nhora da Piedade.
São estas as tres parochias, que actualmente
ha no bairro de Marvilla. Nos outros dois bairros
ficou só uma freguezia, cujo templo é dedicado a
Santa Iria. Está situada no bairro da Ribeira, e
attribue-se a sua primeira fundação a el-rei D.
Affonso Henriques; mas d'essa epoca não conser
va vestigios o templo actual, que é de tres naves.
A egreja da misericordia acabou-se de construir
pelos annos 1570.
O convento de Santo Agostinho, da ordem dos ere
mitas do mesmo santo, teve por fundador no anno
de 1380, ao conde d'Ourem, D. João Affonso Tel-
lo de Menezes, tio da rainha D. Leonor Telles de
Menezes. Tem uma boa egreja, de architectura go-
thica, de tres naves, com um bello portieo na fa
chada principal, e sobre elle um grande e lindo es
pelho, ornado de variadas esculpturas. No meio
da capella-mór está a sepultura do fundador ede
sua mulher, D. Guiomar de Villa Lobos, bisneta de
el-rei D. Sancho deCastella. Nas mais capellas da
egreja estãOj entre outras, as seguintes sepulturas :
de D. Leonor de Menezes, filha do conde de Ourem,
c mulher de D. Pedro de Castro, filho de D. Alvaro
Pires de Castro, conde de Arrayolos, e primeiro
condestavel de Portugal ; de D. Affonso de Vascon-
cellos de Menezes, conde de Penella, bisneto do in
fante D. João, que era filho de el-rei D. Pedro i :
de Pedro Alvares Cabral, o illustre descobridor do
Brazil, e de sua mulher, D. Isabel de Castro: de
D. Pedro de Menezes, conde de Vianna, alferes-mór
VOL. ttt. 2
— 18 —
de cl-rei D. Duarte, e primeiro governador da ci
dade de Ceuta, fallecido em 1437. Este é um dos
mais ricos mausoleos, que ha em onossopaiz. As
delicadas esculpturas, e variadissimos desenhos,
que o guarnecem por todos os quatro lados ; as es
tatuas do conde e da condessa, que sobre ellere-
poisam, ataviadas com as insignias c adornos pro
prios da sua elevada jerarchia ; os arrendados co-
ruckeos, que se elevam como doceis sobre as fron
tes dos dois conjuges ; todas estas circunstancias,
juntas ás proporções grandiosas do tumulo, eá me
moria das pessoas, que clle encerra, fazem d'estc
sepulchro um precioso monumento historíco e ar
tistico. Por fortuna' pouco commum cm a nossa ter
ra, acha-se no melhor estado possivel de conser
vação.
Este tumulo esteve primitivamente no meio de
uma das capellas do templo. Porém em 1725 foi
mudado para debaixo do coro, junto á porta da
egreja.
O convento de S. Domingos, ou de Nossa Senhora
da Oliveira, da ordem dos pregadores, foi fundado
no reinado de D. Affonso n, mas reedificou-se cm
1604, por se achar em grande ruina, excepto a ca-
pella-mór da egreja, que ficou a primitiva. E' es
te templo de tres naves, e encerra muitas sepul
turas de pessoas illustres, entre outras, as de D.Fer
nando Sanches, Olho bastardo d'cl-rei D. Diniz.dc
D . Miguel de Noronha, de D.Leonor, filha do segun
do marquez de Vil la Real ; de D. Margarida de Vi
lhena, (ilha do terceiro marquez do mesmo titulo;
de Ruy Telles de Menezes, mordomo-mórda rainha
D. Maria, segunda mulher deel-rei D. Manuel ; c
de Martim d'Ocem, chanceller-mor de el-rei D.
João i. Esta ultima é um grande monumento de
pedra com a estatua do chanceller deitada sobre
a tampa. Na capella de S. Frei Gil, no cruzeiro
da mesma egreja, está o sumptuoso mausoleo de
marmore d'este santo. Esta egreja foi profanada,
e não tardou, que mãos sacrilegas altentassem con
tra o sagrado dos tumulos. No edificio do conven
to, que pertence á camara, estão omaladoiro, c a
praça dos toiros.
-19-
0 Contento de S. Francisco, de franciscanos, te*
ve principio pelos annosde!212, sendo o seu fun
dador el-rei D. Sancho n. El-rei D. Fernando re-
construiu-o e augmentou-o. O edificio do conven
to serve de quartel ao regimento decavallaria n.°
4, a egreja, que estái infelizmente, profanada,
acha-se convertida em palheiro, e com grande es*
candalo publico, e vergonha nacional, despresa-
dos c em partes destruidos os tumulos, que encer
ra. Era um vasto templo dearchitectura gothica»
e de tres elevadas naves. Jazem no coro em um
grande mausoleo, todo coberto de muitos Iavores4
el-rei D. Fernando, e sua mãe, a infanta D. Cons
tança , primeira mulher de el-rei D. Pedro i. A
profanação tambem não poupou este real sepul-
chro. Tentando abril-o, mutilaram-o em um dos
seus quatro angulos. Porém actualmente achasse
reparado, e resguardado.
Junto á porta do templo vê-se um tumulo, or*
nado de esculpturas, tendo sobre a tampa a estatua
de uma dama. Os profanadores despedaçaram a
parte inferior da tampa, julgando, sem duvida, en
contrar dentro algum objecto de valor. Masacha-
ram-o vasio. Este tumulo encerrou, segundo se diz,
o corpo da infanta D. Constança até ao tempo da sua
trasladação para o mesmo sepulchro de seu filho, el-
rei D.Fernando. Em uma das capellas do templo,
hoje vedada, vé-se um grandioso mausoleo de archi-
tectura gothica, que mandou erigir D. Isabel de Cas
tro, condessa de Vianna, para n'elte recolher um
dente, como único despojo, que lhe ficou de seu
marido, o valente D. Duarte de Menezes, terceiro
conde de Vianna, morto em Africa pelos moiros^
em defensa de seu rei, D. Affonso v, que livrou
de cair prisioneiro. Este tumulo, em que avulta a
estatua do conde, é uma obra d'arte digna de ser
examinada. Na mesma capella jazem emmausoleos
de marmore, e ern sepulturas razas, muitas pes
soas desta illustre familia, sobresaindo a condes-"
sa, D. Isabel de Castro, seu filho, D. João de Me
nezes, conde de Tarouca, e seu terceiro neto, D,
Francisco de Menezes, bispo de Leiria e do Algar-
*
— 20 —
v«. Existem ao presente n'esta capella mais um
sepulchro o uma antigualha dignos de especial men
ção. O sepulchro tem um longo enitaphio, que diz
jazer ali D. AiTonso de Portugal, filho d'el-rei D.
Affonso Henriques, c grã-mestre- da ordem de S.
João de Jerusalem, cuja dignidade renunciou, re-
colhendo-se á patria. Achava-se este tumulo na
antiquissima ermida de S. João d'AIporão, d'onde
foi modernamente trasladado para aqui por occa-
sião de se construir um theatro dentro d'aquella
ermida.
A antigualha é uma estatua de pedra, toscamen
te lavrada, d'el-rei D. Affonso Henriques, que es
tava no frontispicio da arruinada ermida de S. Mi
guel, fundada por aquelle soberano dentro da Al
cáçova. Conforme a tradição, esta. estatua é con
temporanea do nosso primeiro rei. Além d'estas
sepulturas, ha n'outras capellas da egreja varios
tumulos de pessoas notaveis. ,
O convento daSuntissima Trindade, de religiosos
trinos, foi fundado em 1218, mas sendo a primei
ra fabrica pequena e mesquinha , reedificou-o e
iimpliou-o el-rei D. João iii em loiii, e a egreja
foi feita inteiramente de novo nos principios do
seculo passado. O edificio do convento, que é con
tiguo ao de S. Francisco, está occupadoegualmen-
te pelo regimento de cavallaria n.° 4 , ao qual a
egreja serve de capella.
O coltegio de Nossa Senhora da Conceição, dos je
suitas, tave a primeira fundação em 1621 por D.
Duarte da Costa, armeiro-mór, que anteriormen
te tomara o habito da ordem. Fazendo el-rei D.
João iv doação aos jesuitas do paço real, que esta
va contiguo á porta da villa,. chamada de Leiria,
mudaram-se para elle os padres, e pouco depois
se começou a tevantar o segundo edilicio do novo
collegio. tal qual ao presente vemos, servindo de
seminario patriarchal. Tem uma boa egreja, cuja
capella-mór é mui rica em obra de mosaico em
marmores de cores.
O convento de Nossa Senhora de Jesus, de ter
ceiros regulares de Jesus, foi fundado em 1617
— 21 —
n'um palacio arruinado da mitra archicpiscopal
de Lisboa, onde se tramou a conspiração do du
que de Vizeu contra D. João n, de que resultou
a morte d'aquelle principe dada pela mão d'este
soberano. Foi o arcebispo de Lisboa, D. Miguel
de Castro, que faz doação d'aquelle palacio aos re
ligiosos em 1592. A egreja é fabrica mais moder
na; pois se concluiu em 1722.
O convento de Santa Thercza, de carmelitas des
calços, foi construido em 1648 no local do pala
cio de D. Fernando Mascarenhas, conde da Torre,
sendo padroeiras do convento a condessa de Faro,
e sua filha a duqueza de Caminha. A egreja aca-
bou-se em 1707. No edificio do convento, renova
do e aformoseado ultimamente, acham-se as re
partições do governo civil, da administração do
concelho, da pagadoria do districto, de fazenda,
do conselho de districto, e de justiça. No pavimen
to terreo está a cadêa, em muito boa ordem, aceio,
e segurança.
O convento de Nossa Senhora da Piedade, de agos
tinhos descalços, foi fundado em 1604, lançando a
primeira pedra nos alicerces com grande solemm-
dade el-rei D. Aflbnso vr.
O convento de S. Dento dos Apostolos, de monges
benedictinos, edificou-se em 1571 sobre um monte
fora da villa, mas proximo d'ella. Vendido depois
da extincção das ordens religiosas, foi em grando
parte demolido para se empregar a pedra em ou
tras obras.
O convento de S. João Baptista, ou S. João do
Pereiro, de arrabidos, foi fundado em 1590 no si
tio, onde tinham os seus paços os duques de Bra
gança. Lançou a primeira pedra nos alicerces o
duque de Bragança, D. Theodosio n.
O convento de Santa Clara, que é ainda oceupa-
do por freiras franciscanas, teve a el-rei D. Aflbn
so m por fundador no anno de 1259. Asua egre
ja é vasta, e tem ricas capellas. Ascolumnas, que
lhe sustentam as naves são de pedra, e todas co
bertas do arabescos doirados. O coro 6 como uma
grande egreja, ornado de quadros de pintura anti
— 22 —
ga. No fundo d'estc coro está o mawsoleo de D. Leo
nor Affenso, filha natural d'el-rei D. Affonsoiu, e
religiosa n'e$te convento. Está debaixo de um ar
co, encostado á parede. No seu epitaphio erradamen
te se lhe dão os titulos do infanta, e fundadora. Na
casa, que dá entrada para asachristia, vé-se outro
tumulo muito antigo. Está sentado sobre leões ;
adornam-o muitos lavores com o escudo das quinas
reaes ; e tem sobre a tampa deitada a estatua de
um cavalleiro, na acção de arrancar da espada. O
epitaphio diz, tambem erradamente, jazer ali o infan
te D. Henrique, filho de D. Affonso iu. Não tendo
tido este soberano filho algum d'este nome, parece
que aquelle mausoleo é de um seu filho natural,
chamado MarUm Affonso Chichorro.
O convento de S. Domingos das Donas, ainda oc-
cupado por freiras domimícas, foi fundado em 1280.
Na capella-mór da egreja, que era jazigo dos con
des de Unhão, vêem-se alguns tumulos de pessoas
desta familia.
Além d'estes ha em Santarem muitos outros
edificios religiosos, como são os templos das sup-
primidas freguezias, de confrarias, e grande nu
mero de ermidas. Não permittindo os limites, que
nos impozemos, tratar de cada um d'estes templos,
mencionaremos um, apenas, como monumento de
antiguidade. E' a egreja de S. João d'Alporão. Já
existia, quando D. Affonso Henriques tomou a villa
aos moiros, que faziam d'ella a sua principal mes
quita , eque, parece, denominavam torre do
Alcorão, a que se ergue ao lado do templo, donde
se presume, que se derivou o appellido de Xlporão,
porque é geralmente conhecida esta egreja desde
tempos mui remotos, sendo o orago S. João Bap
tista. Se se der credito á tradição, serviu este edi
ficio, no tempo dos romanos, de assento ao convento
juridico. Até ao ultimo quartel do seculo passado
via-sc em um dos cunhaes d'oste templo uma es
pecie de cadeira de pedra , quasi da feição de um
pulpito, da qual dizem que se publicavam os edi
tos no tempo do dominio romano. Por occasião de
uma visita da rainha D. Maria í a Santarem, foi
— 23 —

destruida esta preciosa antigualha para que o co


che real podesse passar pela estreita rua contigua ao
edificio. O nosso habitual vandalismo tem deturpa
do este curioso monumento com remendos de mo
derna e prosaica architectura. Todavia ainda con
serva muitas partes, que attestam remotissima ori
gem. Na capella-mór estava o tumulo de que falía
mos, tratando da egreja de S. Francisco. Actualmente
acha-se construido dentro d'este templo um theatro.
Até ao principio do seculo xvi possuia Santarem
um grande numero de estabelecimentos de carida
de, os quaes el-rei D.João n fez encorporar no hos
pital de Jesus Christo, fundado c dotado em 1426
por João Affonso de Santarem, do conselho d'el-rei
D. João i. Na egreja d'este hospital acha-se umsc-
pulchro, com a seguinte inscripção :' Sepultura de
' Pedro Escuro, do conselho d'el-rei D. Affonso Hen-
' rique, a quem o dito senhor, para tomar esta vil-
' la aos moiros, encarregou a porta de Vailada, pe-
' la qual entrou, e por memoria se mandou enter-
°rar junto d'ella : e depois por haver instituido o
' hospital do Reclamador, e Palmeiro, mandou el-
' rei D. Manuel trasladar seus ossos a esta egreja,
' d'onde tem missa quotidiana.»
A tradição conta pelo seguinte modo o motivo
porque este guerreiro se mandou sepultar junto d'a-
quclla porta. Estando Pedro Escuro já senhor da
porta de Vallada, pretendeu um atentado moiro fu
gir por ella, o quo conseguiu depois de porfiosa luc-
ta com Pedro Escuro. Vendo-se o moiro já a salvo,
ameaçou o seu contrario, promettendo que havia
de tornar a medir suas forças com elle ; ao que o
portuguez respondeu: Hiredes, e viredes,eaquime
acharedes, morto ou vivo. Como o moiro não voltas
se, quiz Pedro Escuro, em cumprimento da sua pa
lavra, ser ali mesmo enterrado.
Tendo sido mudado o hospital de Jesus Christo
noamno de 1835 para o extincto convento de Nos
sa Senhora de Jesus, foram trasladados os restos do
Pedro Escuro para a capella-mór da egreja do novo
edificio do hospital, o foi que devido ás dihgencias do
illustrado prior de S. Nicolau, da mesma villa, o
senhor João Antonio Pereira.
— 24 —

Além dos monumentos de antiguidade referidos,


encerra outros Santarem, não menos curiosos ; taes
como a porta da Tamarma, por onde entrou D. Af-
fonso Henriques, na conquista d'esta villa; a porta
de Manços, especimen da antiga architectura mili
tar; e a turre do Relogio, vulgarmente chamada tor
re das Cabaças. Sobre aporia de Manços havia uma
torre quadrada, onde o tribunal da relação fazia as
suas sessões até ser mudado para Lisboa, depois do
que ficou servindo por muito tempo de casa do se
nado da villa. A torre do Relogio foi mandada edi
ficar por el-rei D. Manuel. Tem perto de cem pal
mos de altura, e remata em uma cupula, sobre a
qual está um grande sino, sustentado por quatro
varões de ferro, que se firmam nos angulos da tor
re. A voz d'este sino, que serve para indicar as ho
ras, é repercutida por sete bilhas quebradas, que
estão presas aos varões de ferro. O vulgo pretende
que estas bilhas sejam allusivas aos sete membros
da camara , e por causa d'ellas serem geralmente
chamadas cabaças, se dá este nome à torre.
A mão do tempo e a barbaridade dos homens teem
despojado Santarem de varias outras antigualhas.
Durante a guerra da restauração de 1640, tratan-
do-sc de tevantar algumas obras de fortificação, se
gundo o systema moderno, para melhor defensa da
villa, foi demolida a celebre torre do Rufo, que fi
cava na Alcaçova, para se utilisarem dos seus ma-
teriaes n'aquellas obras. Era antiquissima, e a mais
alia, que havia em Santarem. Tambem a Alcaçova
teve a sua torre Albarran, ou Alvarrã, cuja demo
lição foi anterior á d'aquella.
O bairro deMarvilIa, que é o principal, não só
por conter os melhores edificios, mas tambem pela
sua extensão, e situação em terreno plano, com-
munica-se com os outros dois bairros, c com os su
burbios por nove calçadas.
Como suecede geralmente em Iodas as povoa
ções antigas, as ruas de Santarem são estreitas,
tortuosas, e na maior parte mal calçadas e immun-
das. Todavia encerra varias praças e largos espa
çosos e alegres ; e alguns modernamente aliodados
— 25 —
com arvoredo. No sitio chamado Fora de villa, por
ficar outr'ora da parte de fora da cerca de muros,
ha um bonito passeio plantado d'arvores, com seus
assentos, e alegretes. Fazem-se a In os mercados 8
feiras.
A praça, onde está a casa da camara, e a egre-
ja de Santa Maria de Marvilla, servia antigamente
para as corridas de toiros. O terreiro da, Piedade,
para onde deita a fachada principal do seminario
patriarchal, chamava-se em outros tempos Terrei
ro do paço, por fazer frente a um dos tres palacios,
que os nossos reis tiveram n'esta villa, o qual, co
mo dissemos em outro logar, oceupava o terreno
em que se edificou o seminario.
A casa da camara é bom cdificio, dearchitectu-
ra regular.
Adorna-se Santarem com muitas casas nobres,
entre as quaes. avulta o palacio patriarchal, que
foi adquirido c reconstruido pelo cardeal patriar-
cha D. Guilherme i. Tinha pertencido este palacio
aos condes de Unhão, e pela extincçãod'esta fami
lia passara para os marquezes de Niza.
No tempo em que esta villa foi corte, a maior
parte das familias titulares tinham ahi palacios, al
guns dos quaes ainda existem, e outros converte-
ram-se em conventos, ou cairam em ruinas.
Santarem possue um theatro, um circo para cor
ridas de toiros, e uma casa de assemblea. Varias
fontes abastecem d'agua a povoação, porém nenhu
ma é notavel como obra d'arte.
Goza esta villa, principalmente a parte alta, ares
mui saudaveis, e pontos de vista encantadores, e
variados. Do alto de S. Bento, e da porta do sol,
na Alcaçova, descobre-se em dilatadissimo horison-
te as ferteis lezirias de riba-Tejo; os campos da Gol-
legã ; o Tejo correndo entre margens arborisadas,
em muita extensão doseu curso; as vilIasd'Almei-
rim, de Muge, deSalvaterra de Magos, de Benaven
te, e de Coruche, os logares deVallada, de Porto
de Muge, c outras ; além do Tejo vastos pinhaes e
longas cordilheiras de serras, elevando-se cm am-
phitheatro até se perderem íío espaço; c linalmen
— 26 —

te aos pés do espectador os bairros d'Alfange e da


Bibeira, c mais adiante os lindos suburbios das Om
itias e Assacaias, estendendo á beira do Tejo o ver
de manto de seus pomares, hortas, e vinhas. Da
torre do seminario desfrueta-se grande parte d'a-
quelle painel, o bairro deMarvilIa, e formosaspai-
sagens para o interior. Porém o monte dos Cravos
é o sitio d'onde os olhos relanceiam os maispitto-
rescos e aprasiveis panoramas.
Os arrabaldes, pois, de Santarem são formosos,
ovariam muito de aspecto. Conteem muitas quin
tas magnificas pela sua grandeza, c pela abundan
cia e variedade de producção.
Posto que muitos habitantes d'esta villa se em
preguem em differentes artes eufficios mechanicos,
os principaes ramos da industria de Santarem são
a agricola e commercial. E' mui variada a cultura
em todo o concelho; porém as producções, que fa
zem importante e valiosa a exportação d'esta villa,
são cereaes, especialmente trigo e cevada, azeite,
e vinho. Nos campos de Santarem cria-se bastante
gado cavaliar, vaccum, lanigero, e suino, e de to
das estas especies vêem-se ahi muitas e grandes
manadas.
Os arredores da villa abundam em caça, acudin
do muita de arribação ás tezirias durante a estação
invernosa. De pesca é mimosa esta terra. O Tejo
cria n'aquellas paragens algumas variedades de
peixes, sendo os saveis uma das mais abundantes.
Mais acima algumas poucas leguas pescam-sc boas
lamprèas.
No segundo domingo de cada mez ha na villa
um grande mercado, e feiras annuaes pela Paschoe-
la, e a 11 de Outubro.
Couta esta villa mil oitocentos vinte e tres fogos,
e mais de sete mil e oitocentos habitantes. Ao pre
sente está ligada com a capital pelo caminho de
forro de leste, que em poucos annos a deverá por
cm facil c rapida communicação com a cidade do
Porto, e pontos intermedios.
Por decreto de 17 de Dezembro de 1811 o prin
cipe regente creou visconde de Santarem a João
Diogo de Barros Leitão de Carvalho.
— 27 —

Santarem tem sido berço de muitos filhos illus-


tres, e benemeritos, d'entre os quaes nomearemos
os seguintes : S. Narciso, bispo de Braga, e martyr ;
o infante D. Afonso, filho primogenito d'el-rci D.
João i, e fallecido de pouca edade ; os infantes D.
João, cD. Fernando, o santo, tambem filhos do mes
mo soberano ; a infanta D. Filippa, tilha d 'el-rei D.
Duarte,; Pedro Eannes Lobato, armado cavallciro na
batalha d'Aljubarrota pelo mestre d'Aviz, que de
pois da sua elevarão aothrono o nomeou regedor da
casa da supplicação; João Affonso de Santarem, o
instituidor do hospital de Christo, illustre patriota,
que vendeu quasi todos os seus bens, entregando o
produeto ao mestre d'Aviz, para ser applicado á de
fensa da independencia de Portugal contra os cas
telhanos; D. Fr. Alvaro Paes, bispo de Silves; D.
Fr. Sebastião de Menezes, arcebispo de Carthago, c
patriarcha d'Africa ; D. Jeronymo de Menezes rei
tor da universidade de Coimbra, bispo de Miranda,
e depois do Porto ; D. Fr. Fernando de Tavora, bis
po do Funchal ; 1). Fr. Henrique de Tavora e Bri
to, bispo de Cochim, e depois arcebispo de Goa ;
D. Antonio de Mattos e Noronha, inquisidor geral,
e bispo d'Elvas ; D. Fr. Gaspar do Casal, bispo do
Funchal, de Leiria, c ultimamente de Coimbra ; o
padre Antonio de Quadros, jesuita e celebre missio
nario da lndia ; Fr. Luiz de Sousa, o elegante e eru
dito chronista da ordem dominicana ; Fernão Lo
pes de Castanheda, odistincto historiador da lndia ;
Antonio Prestes, poeta comico ; Alvaro Nunes, me
dico de muita fama, e physico-mór do archiduque
d'Austria, Alberto.
— 28 —

11 mLA DE SINTIIGO DE CACE1I.

Na provincia do Alemlejo, districto administra


tivo de Beja, está a villa de Santiago de Cacem, sen
tada nas faldas do norte de uai oiteiro, que é ra
mificação das serras de Grandola c de S. Theoto-
nio. Uista da villa de Ourique oito leguas, quatro
de Jrandola, e pouco mais de duas da costa do ocea
no.
A pouca distancia de Santiago de Cacem, no si
tio onde se ergue unvi ermida dedicada a S. Braz,
existiu a cidade de Mirobriga. Não ha noticia certa
de quem fossem os seus fun ladores ; parece, toda
via, fora de duvida , que era anterior ao dominio
dos romanos. D'esta epoca teem-se descoberto mui
tas e importantes memorias da antiga Mirobriga,
das quacs ao diante trataremos. Não se sabe como
esta cidade se arruinou ate ao pouto de licarein pou
cos vestígios seus sobre o solo. Provavelmente foi
destruida no sceulo v pelas invasões dos povos do
norte, ou na entrada dos arabes, no seculo viu.
Das ruinas de Mirobriga saíram, certamente, os
materiaes para a edificação da villa de Santiago de
Cacem. A'cerca da origem d'csta não são mais posi
tivas as noticias. Ignora-sc se a fundaram os godos,
se os moiros. O que c verdade, é que estes a pos
suiam no principio da nassa monarchia.
A historia da sua conquista pelas armas enris
tãs c egualí«entc confusa, e incerta, pois não ha
d'ella documento algum irrecusavel , e a tradição
popular apresenta duas versões. Segundo uma, D.
Bataça, neta do Theodoro Lascaris, imperador do
Oriente, achando-se em Portugal, preparou á sua
custa uma armada, c navegou para Sines, onde des
embarcou com a tropa, que levava ; c, pondo-se á
frente dos seus valentes soldados, accommetteu e
tomou uma povoação moira, com um forte castel-
lo, que ficava a pouca distancia d'aquelle porto.
Por ter sido ganha esta victoria em 25 -d■* Julho,
dia de Santiago, e em memoria de ler esta prin
— 35 —
resgatou no anno deHOfi. Asna visinhança do Al
garve e da Andaluzia, onde o islamismo ainda impe
rava arrogante e ousado, não lhe permittiu gozar
por muito tempo da sua emancipação. As hostes sar
racenas voltaram sobre Serpa, e logo hastearam so-»
bre os seus muros o estandarte de Mafoma.
D. Affonso Henriques não acudiu, não podia acu
dir á conquistai que assim lhe arrancavam do seu do
mínio. As duras lides em que os moiros o traziam
empenhado mesmo no coração do seu reino, obri-
gavam-o a concentrar ahi toda a sua attenção e es
forço. D'est'arte se conservou Serpa sob o poder
mauritano durante o resto do reinado do nosso pri
meiro monarcha.
Desaffrontado D. Sancho t dos ataques dos infieis,
prestes tomou a offensiva, e atravessando o Alem-
tejo, limpou-o de inimigos, e lá foi accommetter o
rei do Algarve na sua propria capital, onde entrou
triumphante. Serpa rendeu^-se pois á espada victo-
riosa de D. Sancho. Mas como o conquistador não
dispunha de forças bastantes para deixar bem guar
necidas as povoações, que ia tomando, e parapro-
seguir nas suas empresas, suecedeu que, regressan->
do ao seu reino, não tardaram os moiros a recupe
rar o perdido. Assim caiu novamente Serpa em seu
poder; e moira permaneceu durante o resto do rei
nado de D. Sancho i, e em todo o de D. Affonso ir.
Finalmente no anno de 1230 foi reconquistada por
D. Sancho ii, e desde então não deixou mais de ser
enristã.
Comtudo, apezir de se ver livre dos infieis, não
quiz o destino que esta infeliz terra gozasse por mui
to tempo socego e liberdade. Os castelhanos apode-
raram-se d'ella, e a tiveram subjeita até queel-rel
D. Diniz a restaurou para a coroa de Portugal no
anno de 1295.
Tantas guerras, e tamanhas oppressões reduzi
ram Serpa a um ermo, e a um montão de minas.
A tão desgraçado estado acudiu D. Diniz, mandan-
do-a reedificar e povoar, e para attrahir-lhe mora
dores, concedeu-lhe foral com todos os grandes pri
vilegios, que desfruetava a cidade d'Evora. Para a
*
.
Jk»jt pm mais .segurança confia qualquer aggrerssãov
eçixqu-a de muralhas amejadas, e {or.talcccu-a.coui
Huvjiom c.astel|p. .]•,,- : ,,;i(: , .,.,-.
Na guert^ da suecessão Ac llespanha foi sitiada
a vijja de Serpa pelas tropas hespanho-las, comman-
dadas pelo duqne dOisuna, No fim de porliosa re
sistencia, em que tanto a guarnição da praça, co-
mQ $s, habitantes, obraram prodígios de valor, ren-
deu.-se por capitulação a 20 de, Maio de 1707. No
anuo seguinte o inimigo foi constrangido a larga*
a sua presa, mas. pouco antes.de a abandonar, de
moliu o caste||or e as cinco porias da cerca de mu
ros, ' ,, •'.... •! .
No antigo regimen Serpa tinha voto. em coites
com assento no banco, setimo. Foi senhor d'csta vil
la o infante D. Fernando, chamado geralmente pe-
l,o povo — o infante, de Serpa, filho d'cl-rei D. Affon-
SO-,4i.; Por sua morte vqltou a v i lia para a coroa.
Mais, tarde foi dado este senhorio ao infante D.
Lujz, filho d'cl-rei D, Manuel. Tendo tornado para
a .coroa por morte d'este principe, veiu a ser nova
mente doado ao infante D. Pedro, depois rei, se
gundo do nome, quando seu pae, el-rei D. João ivr
instituiu a casa do infantado.
O brasão d'armas de Serpa c nm castello com
ameias e 'guaritas, em campo azul, e sobre terreno
uvontuoso.
Dividem-se. os moradores de Serpa por duas pa-
rochias, intituladas ->- Santa Marja, e o Salvador.
Tem esta villa casa de misericordia, um bom hos-
pitaI, as ermidas de S. Roque, no Rocio, de S. Pe
dro,. S. Sebastião, Nossa Senhora dos Remedios, e
Nossa Senhora da Saude, fora da villa; éumbel-
\o templo, servido e mantido por uma confraria.
Teve dois conventos de frades — o de Nossa Senho
ra da Consolação, de paulistas, que se principiou
em iliO, e o de Santo Antonio, de franciscanos,
fundado em.1502 por el-rei D. Manuel a pouca dis
tancia da villa. Na capella-mór daegrcja tinham o
seu jazigo os ascendentes do senhor marquezde Fi-
ealjio.
Este fldaljjo possue em Serpa importantes pro
— 37 —
pri«4adrs, c ah i tem um excclknle palacio, sitim-
4o junto- ao antigo cíistello, deqWefórtiniTtlfeaides-
múros os seus avós. Acompanha o psrlliCfo rtiria quin
ta, ornada de arvoredos e jardins, (5 abundantissima
d'agua, que Mie vem de fora por um àquedueto. '
Docnstello d'cl-rei D. Diniz ainda existem as rui
nas. As cinco portas da murallfa, que cercava a vil-
ío, que os hespahliocs demoliram, chttmavam-se de
Moura, da Sevilha, da Cerreifonra, de Beja, c Nova.
Os suburbios de Serpa sao miri feriais e aprazí
veis. CaríteCnv grande numero de hortas e poma
res, e são regados por muitas fontes e pela ribeira
de Chauclrou'. O lerreno'é accideniadò, corh vãlles
bem cuttivados, e de mníia amenidade. A'li)drf is
to dá realce a vizinhança do Guadiana.
0 concelho de Serpa é um dos mais produetivos
<la rica província do Alemtejo. Cereaes, azeite, c
vinho são os principaes géneros da sua cultura, mas
tambem recolhe legumes, cera, 'mel, ovariosontros
produetos, assim' como- muitas' frutas.' Ós^noiita-
*Jos sio ali muito importantes; cria-seVellesgrau-
(ic copia de gndo suilio. ' -"
No termo d'ésCa- villa, em um- valle proximo da
freguezia rural de Santo Antonio o Velho, ba uma
fonte chamada dos Banhos, porque outr' ora concor
ria a banhar-se n'ella muita gente de lodos aqucl-
Ics arredores, e da propria -vil Ia , cm a noite e dia
de S. João. Porem outra usança mais singular le
vava todos os anuos, na manhã d'aqucllc dia festi
vo, a camara de Serpa , acompanhada de grande
numero de moradores da villa, a fazer capdlas, e
a correr cavalhadas em uma horta contigua á fon
te, c tambem do mesmo nome d'esta (*). Este cos
tume acabou ha muito mais de um seculo, c, por
uma disposição não menos singular, ao (inalisar li-
cou pensionada a horta na terra parte do seu ren
dimento ammal para a camara de Serpa.
Honraram esta villa com o seu nascimento mui
tos homens distinclos em virtudes clettras. Foram

(-) Fazer capcllas c mandar celebrar es oflkios di-


uiius, c assiótir a cttcs.
— 38-
naturaes d'ella os santos martyres Proculo e Hila-
rião, que padeceram o martyrio no tempo do im
perador Trajano, no anno 110 da era de Christo.
Conforme a tradição nasceram em umas casas ter
reas a pouca distancia do castello, e foram marty-
risados junto á horta dos banhos, de que acima fal
íamos. Treze bispos tiveram esta terra por patria,
e, por uma notavel coincidencia, cinco d'estes exer
ceram o episcopado ao mesmo tempo, nos fins do se
culo xvn. Manuel Corte Real, reitor da universidade
de Coimbra ; o doutor frei Antonio de S. José, lente
e vice-reiíor da mesma universidade, e autor de va
rias obras; foram egualmente filhos d'esta villa.
A população de Serpa ascende a quatro mil e seis
centos habitantes, que se empregam na agricultura,
e nas industrias manufactora, e commercial. Para
auxilio dos lavradores menos abastados ha na villa
um monte de piedade, ou celleirocommum, de em
prestimos, que tem sido de muita utilidade publica.
A 24 d'AgQsto tem Serpa a sua feira annual, que
é mui concorrida de gente, não só d'aquellas imme-
diações, mas de terras distantes, e da Andaluzia.
A affluencia de generos e de gados tambem é grande.
-39-

A (IDADE DE SETÚBAL.

Depois de Lisboa é Setubal a maior povoação


da Estremadura, assim como é a de mais impor
tancia commercial depois das duas primeiras cida
des do reino.
A sua situação é tão delíciosa, quão vantajosa
para o commercio. Eslende-se por uma planicie na
margem direita do Sado, e proximo da sua foz. O
oceano, misturando as suas aguas com as d'cste
rio, forma em frente da cidade ura porto bastan-
temente amplo e seguro. Nas costas da povoaçã»
erguem-se as serras de S. Luiz e dePalmelIa, que
a abrigam das nortadas. Para o occidenteabre-se
a barra, e elevam-se os montes, onde campêa o
castello de S. Filippe. Para o lado do nascente alou-
ga-se um terreno esteril, e levemente accidentado,
ao <|ual se seguem as famosas salinas, que dão oc-
cupação a milhares de braços, c que attrahem a es
te porto numerosos navios nacionaes e estrangei
ros, que ahi vem deixar avultados capitaes.
Setubal dista de Lisboa pouco mais de seis das
antigas leguas, atravessando-se o Tejo, e prose-
guindo depois por terra ; pois que por mar a dis
tancia é pouco menos do dobro, por causa da vol
ta que se. dá na saída do Tejo. e no dobrar do ca
bo do Espichel, que fica a quatro leguas da foz do
Sado.
Alguns autores, em que entra o ebronista-mór
frei Bernardo de Brito , crendo que a etymologia
de Setubal se derivava de Sedes Tubal, assento ou
residencia de Tubal, avançaram que o seu funda
dor fora Tubal, neto de Noé.
Quando os antiquarios vão d'est'arte soccorrer-
se a opiniões tão absurdas, o que deixam provado,
quasi sempre, é que a antiguidade da terra é mui
ta, e que são confusas, ou nenhumas, as noticias
acêrca da sua origem. E com effeito no presente
caso assim acontece.
Na falta, pois, de dados positivos, piesume-se
— 40 —

com algum fundamento, que os phenicios, nas suas


excursões á Lasitania* epicoati;ando na serra d'Ar-
rabida riquezas mineralógicas, objecto da sua prin
cipal pesquiza, estabeleceram uma colonia no pon
tal, que hoje vemos coberta d'arêas na margem es
querda do Sado, c junto á sua foz.
Admittidaesta hypothese, é bemdesuppor, que
as immensas vantagens de uma tal posição, reuni
das' ao genio emprchendedor, e habitos commer-
ciaes d'aquclle povo singular, fizessem crescer o
prosperar a colonia.
O que é fora de toda a duvida, c que no tempo
da dominação romana existia n'aquelle logar uma
cidade importante com o nome de Cetobriga. E tam
bem não é menos certo, que, oceupando-se muito
osgeographos c historiadores romanos da descrip-
ção e suecessos da Lusitania, o fallando por vezes
tTaquella cidade, não a mencionam como fundação
dos seus patricios. • >
Pretendem aiada os etymologistas derivar o no
me de Cetobriga das duas palavras Cere, que quer
dizer grandes peixes, c briga que equivale a povoa -
cão, e isto em razão da rauila pescaria, e volumo
sos peixes em que abunda a visinha costa.
Conforme a opinião mais geral, destruido o im
perio romano, eavassallada pelos barbaros do nor
te a Peninsuta Iberica, gozou Cetobriga de muita
prosperidade sob o dominio dos godes. Mas na in
vasão dos moiros padeceu Ião grande ruina , que
ficou totalmente abandonada. Passados muitos an-
nos estabeleceram-se alguns pescadores na margem,
fronteira do Sado. Foram edificando casas, e d'çsT
te modo. deram principio a actual cidade de Setu»
bal.
Posto que esta opinião seja seguida por mui res
peitaveis autores antigos e modernos, não podemos
conformar-nos com ella. Milhares de medalhas
romanas; vasos c candeeiros de prata ; columnas,
estatuas de marmore e de bronze, perfeitamente
cinzeladas, mostrando em toda a evidencia a arte
romana; sepulturas, c muita variedade de utensi
lios ao uso de Roma j todos estos objectos achados
— 41 —

nas diversas excavações, que teem sido feitas em


differontes opocas nas ruinas da antiga Cetobrtgu,
sendo muitos dos objectos de valor encontrados den
tro das proprias casas, provam em nosso eatenuV-r
duas coisas: primeira, que a rui na dlaquella ci
dade foi resultado de algum cataclismo, c não da
invasão de inimigos, porque «ntão estes, au os
naturaes levariam icomsigo para onde. iquer que
fossem as .preciosidades do que falíamos ; segunda,
cíne a desgraça, que sobreveiu áquella povoação
teve lagar sob o domimo dos romanos, porquanto
arada não se deparou naquellas exeavações com
objecto algum, que recorde a existencia dos godos,
ou dos arabes.
Pondo de parte, porém, conjecturas para colher
o fio de historia mais conhecida, deijaifidias Cc-
tob:iga sepultada nas aruns, e voltaremos para a
mesquinha povoação, que os pescadores fundiriam
na outra margem do Sado. ■-, i.-iu
Em memoria d'aquella infeliz cidade derapi á
nova povoação o nome de Celvbra, corrupção do
da primeira. Corrompendo-sc ainda este com o
tempo, veiu a trocar-sc emSetobaia, e-mais tardo
em Setubal. . . :■• ■ .
Tambem se ignora quando tevelogar a fundação
dos pescadores ; mas deveria ser em tempo dos go
dos ou do9 moiros, porque a estes ultimos a con
quistou D. Fruela, rei de Leão, pelos annos de 760,
isto é, pouco mais de quarenta annos depois da in
vasão mauritana ; circunstancia, que faz mais pro
vavel-, que aqiíclle suecesso se passasse sob o go
verno dos godos. • '• ■•*
Voltaram os infieis a assenhorcar-se de Setubal,
c por largos aunos a possuiram, ale que a tomou
el-rei D. Affonso Henriques. Esta conquista fez des
povoar de lodo esta terra, naturalmente por serem
todos os habitantes sarracenos. Aquelle monarcha
mandou-a povoar de novo no anno de 1170 com
familias, que -saíram de Palmella. El-rei D. San
cho i deu-Ihe foral com muitos privilegios, os quaes
furam depois confirmados por l). Affonso ui. .
1). Affonso ív mandou-a cercar de muralhas
— 42 —

com ameias, e torres quadrangulares. Tinham cin


co portas, e nove postigos. As portas chamavam-se,
em tempos mais modernos, do Sol, àeS. Sebastião,
d Évora, Nova, e dos Padres da Companhia. D.
João i fundou para defensa do porto a torre do Ou-
tâo.
Por vezes os nossos reis tiveram a sua corte em
Setubal. Em 22 de Janeiro de 1471 celebrou-se ahi
o casamento d'ei-rci D. João n, sendo principe, com
a infanta D. Leonor, sua prima, filha do infante 1).
Fernando, duque de Vizeu, e da infanta D. Beatriz.
Não houve festas por ter fallecido pouco antes o in
fante D. Fernando, pac de D. Leonor, que cobriu
de lueto os reaes noivos, e a todo o reino. Passa
dos treze annos foi theatro esta mesma terra duma
horrivel tragedia.
Achando-se el-rei D. João n em Setubal, no mez
de Agosto de H8i, foi avisado de que se tramava
uma conjuração contra a sua vida. Pertenciam os
conjurados ás principaes familias do reino, eá sua
frente estava D. Diogo, duque de Vizeu, primo e
cunhado d'el-rei. Disfarçou o soberano, mas tratou
de vigiar os conspiradores. O conhecimento, que
tinha do trama, e a sua coragem por vezes des
concertaram os seus inimigos, prestes a descarre
gar o golpe. Finalmente bem convencido da culpa
bilidade dos criminosos, resolveu fazer justiça. En
trando no paço, na noite de 23 de Agosto, o duque
deVizeu, levou-o el-rei de conversa para o vão de
uma janella. Depois, voltando-se de improviso pa
ra elle, perguntou-lhe : Que farieis vós, primo, se
alguem vos quizesse matar? — Procuraria matal-o
primeiro; respondeu o duque muito perturbado. —
Pois bem, disse el-rei, destes a sentença contrapos.
E estas palavras foram pronunciadas ao mesmo tem
po, que lhe cravava o punhal no peito. O duque
caiu morto aos pés do monarcha ; e n'essa mesma
noite andaram as justiças por toda a vil la em pro
cura dos mais complices. Foram presos D.Garcia
de Menezes, bispo da Guarda, que foi morrer en
cerrado na cisterna secca do castellode Palmella ;
D. Fernando de Menezes, irmão do bispo, D. Pedro
— 13 —

de Ataide, sobrinho do conde de Atouguia, D. Pe


dro d'Albuquerque, irmão do conde de Penamacor,
que foram logo degolados; D. Guterres Coutinho,
que morreu n'uma prisão dentro de poucos dias.
Escaparam ao supplicio, fugindo, Fernão da Sit
veira, filho do barão d'Alvito, D. Alvaro de Ataide,
irmão do conde de Atouguia, e D. Lopo d'Albuquer-
que, conde de Penamacor.
Um terremoto succedido em 26 de Janeiro de
1531 causou grandes estragos em Setubal, deitan
do por terra muitas casas, e fazendo muitos desas
tres nas embarcações ancoradas no porto, com per
da de bastantes vidas. Outro flagello ainda mais tre
mendo pela sua duração veiu por duas vezes asso
lar esta terra no ultimo quartel d'esse seculo. Foi
a peste de 1579, e de 1598, que devastou tambem
todo o reino.
Libertado o paiz do jugo de Castella pela glo
riosa revolução de 1640, mas empenhado numa
porfiosa lueta com os seus oppressores, cuidou el-
rei D. João iv de por Setubal, que já então era ter
ra muito importante, em estado de resistir a qual
quer aggressão do inimigo. Para este fim mandou
fazer novas fortificações, incluindo dentro d'ellas
os dois arrabaldes do Troino, e Palhaes, que hoje
são dois bairros da cidade. Constavam estas forti
ficações de onze baluartes, edois meios baluartes,
além de outras obras exteriores , que não chega
ram a comptetar-se.
No dia 19 de Novembro de 1724 rebentou so
bre Setubal uma tão furiosa tempestade, que arrui
nou muitos edificios, arrancou arvores seculares,
e fez naufragar quasi todas as embarcações surtas
no porto.
O terremoto do 1.° de Novembro de 1755 des
truiu uma grande parte d'esta nobre povoação. Fo
ram então incalculaveis os prejuizos, na terra e no
rio, e immenso o numero das victimas. Outro re
cente cataclismo (1858) arrazou-lhe um bairro qua
si todo, damnificando os mais.
Finalmente, tendo atravessado, com mais ou me
nos vexames, a funesta quadra das invasões fran
~-44 —
ceias, e das nossas revoluções, foi elevada por ol-
rei. o sonhor D. Pedro v, ás honras de cidade.
A' sua sitnaçio geographica, á lndustria dos seus
habitantes, e aos valiosos productos do seu solo ,
dew Setubal' 'fe fortuna de ter resurgido tantas ve
zes d'entro as suas>'tuinas, e do meio de mortiferas
epidemias, resarcindo-se cnt breve das suas per
das, e crescendo e prosperando apèzar de tudo.
Em mais de um reinado se projectou abrir um
canal, que pozesse era com muni ca cã o o Tejo e ò
Sado. Já' que esta grande empresa nunca passou
de projecto, hoje, graças aos progressos da civili-
sacão, acha -se Setubal em contacto immediato com
a capital por meio do um caminho de ferro, aber
to á circulação em 1860.
Teve Setubal representação nas antigas cortes,
sentando-se os seus procuradores no banco quar
to. .0 seu brasão d'armas é uma fortaleza em cam
po azul, '.-sobre o mar. Sulca as ondas uma peque
na emborcação cercada de peises. Aos lados da
fortaleza estão duas cruzes da ordem de Santiago.
As cruzes de Santiago, significam que esta terra
pertenceu ái|uclla ordem de cavàllaria. fndica a
fortaleza ter sido, já em tempos amigos, fortifica,
da esta povoação. O mar e os peixes alludem ao
seu porto c á abundancia de pescaria.
Eram alcaides-móres de Setubal os duques do
Aveiro.
Divide-se a cidade em Ires bairros:, o que for
mava a antiga- vil fa de muros a 'dentro;; e os dois
arrabaldes que com o tempo se lhe reuniram, o
Troino , que se estende para oeste, e Palhaes da
parte de leste. >
São quatro as parochias: Santa Marja- da Gra
ça, c-S. Juliãi , que disputam entre si as honras
ile matrjz ; Nossa Senhora da Annunciadn, cS. Se-
bustião. No districto de cada uma d'estas fregne-
ziais existem varias ermidas; e no da parochia do
S. SebastiBo fica a.egreja da misericordia'.
Tem esla cidade dois hospitaes , um convento
de freiras, alfandega, um museu de antiguidades
um theatro, nmèirco para corridas de toiros, uui
— 4S —

club, uma sociedade philarmouica, c leve outrs


convento de freiras, è oilo de frades,»
O convento de S. João Baptista, de religiosas do-
minicas, modernamente exlincto, foi fundado em
1521) por D. Jorge d'Aleácastro, duque de Coim
bra, e mestre de Santiago, liltio legitimado d'el-
rei D. João n. O. convento de Jesus, de fieiras ca
puchas, comççflu-se a cdiiicar pelos aiuios de 1489;
e teve por fundadora Justa Rodrigues pereira, ama
d'el-rei 1). Manuel, que concorreu para a obra. £'
habitado por umas dezesete religiosas.
E' este o mais notável edificio religioso de Setu
bal. E' de architectura gothica, c toda a pedra de
que são construidos o frontispício e interior do
templo é gres vçrmeljio antigo, { hoje muil.o em vo
ga em Lisboa, ondeé conhecido pelo nome d(> mar
more da' serra dAriabida, porque d'ahi se extrahe.
O portal é ornado de columnas com muitos relevos.
A egreja é, como a de Belem, dividida em tresoa-
\es da mesma altura por esbeltas columnas bem
lavradas. E' o unico templo, que ha no paiz con
struido com esta bella pedraria. A era de 1598, que
se \ê sobre a entrada principal indica unicamente
a rcconstrucção das portas do templo.
O museu pertence á sociedade archeologica de
Setubal, instituida sob a presidencia do fallecido
duque de Palmeila para proceder ásexeavaçoes e
investigações no sitio da antiga cidade de Ceiobri-
ga. Foi organisado este museu pelo distincto anti
quario, o senhor doutor Xaro. Compõe-se de gran
de numero de medalhas, urnas lacrimaes, lampa
das, ampboras, e muitos outros .objectos achados
nas ditas exeavações.
Os conventos eram os seguintes: S. Francisco^,
de frades franciscanos, construido em 1410 ; S. Se
bastião, de dominicos, edificado em 1562 por el-rci
D. Sebastião ; o collegio de 5. Francisco Xavier, de
jesuitas, erigido em 1655; o convento da Santis
sima Trindade, de trinos, fundado em 1669; o do
Santa Thereza, de carmelitas descalços, fabricado
em 1661 ; o de Nossa Senhora de Carmo, dp í"■r-
melitas calçados, começado em 1652; o '
—46-
Senhora da Boa Hora, de agostinhos descalços ; e 6
hospicio de Nossa Senhora dos Anjos, demissiona
rios apostolicos, fundação do veneravel frei Anto
nio das Chagas em 1682, auxiliado por el-rei D.
Pedro ii.
Como este hospicio foi edificado em um terreno,
que de tempos antigos chamavam de Branca Annes,
veiu a ser conhecido o hospicio pela denominação
popular de Brancanes, e o mesmo nome passou aos
religiosos. Este edificio com a sua cerca arborisa-
da, está situado n'uma encosta junto á cidade, em
uma posição muito aprazivel e pittoresca. A sua pe
quena e modesta egreja encerrava outr'ora uma pre
ciosidade artistica de grande valor. Era um quadro
original do celebre Raphael d'Urbino, representan
do a Annunciação de Nossa Senhora. Dizem que es
te painel foi enviado de presente pelo papa ínno-
eencio xi á rainha D. Catharina, filha d'el-rei D.
João tv, e que, tendo enviuvado de Carlos ii, rei de
ínglaterra, voltou para Lisboa. Algum tempo de
pois da morte d'esta princeza foi o quadro doado
áquelle hospicio, cremos que por seu sobrinho, o
infante D. Francisco, filho de D. Pedro ii. Pela ex-
lincção das ordens religiosas, veiu aquelle primor
d'arte enriquecer a galeria de pinturas da acade
mia de bellas artes de Lisboa, onde se acha ao pre
sente.
Os arrabidos tambem tiveram em Setubal um pe
queno hospicio, fundado em 1593.
As ruas da cidade são pela maior parte estrei
tas, tortuosas, e immundas, ou pouco limpas; mas
algumas são largas, aceiadas, e bem calçadas. As
praças principaes são tres : a do Sapal, que é a
melhor, ornada de bons edificios, em que entra a
egreja parochial de S. Julião, junto da qual fica
vam os antigos paços dos duques d'Aveiro ; a pra
ça da Fonte Nova, e da Annunciada, todas com seus
chafarizes. O Rocio, mais conhecido pelo nome de
Campo do Bomfim, fora da cidade, mas contiguo aos
seus edificios, é um sitio delicioso pelo desafogo de
vistas variadas e pittorescas, pela bouita fonte, que
lhe adorna o centro, pelas formosas arvores que a
—17 —
cercam, e emfim pela frescura que as aguas da fon
te espalham cm torno de si. Sobranceiro a este cam
po, na crista de alto monte de negras rochas, cor
tadas quasi aprumo, avulta o velho eastello de Pal-
mella.
O eastello de S. Filippe, que domina a cidade e
protege o porto, foi começado por D. Filippe n de
llespanha, e concluido "por seu lilbo D. Filippe 111.
Teve por arehitecto a Filippe Terzo, ouTercio, o
mesmo que reconstruiu desde os alicerces, por or
dem de D. Filippe n, a egreja e mosteiro dcS. Vi
cente de Fora em Lisboa. Melhor architecto civil,
que militar, commetteu muitos erros na edificação
(Testa fortaleza ; a qual, todavia, encerra uma gran
de e excellente cisterna.
A torre do Outão está situada nas faldas da ser
ra d' Arrabida, sobre a barra do Sado, mas dentre
do rio. A fabrica primitiva foi obra, como disse
mos, d'el-rei D. João \, porém tem tido desde en
tão muitas reconstrucções c augmentos. Os mais
consideraveis foram ordenados por el-reí D. João
tv. Por esta occasião, abrindo-se os alicerces para
novos baluartes, achou-se, primeiramente, parte de
uma estatua de marmore, tendo na base alguns ver
sos em louvor de Neptuno. Depois, progredindo as
exeavações, encontraram-se as ruinas de um edi
ficio , que mostrava ter sido templo pelas muitas
architraves, pedaços de columnas de fino marmore,
e outras pedras bem lavradas ; apparecendo no meie>
de tudo isto uma estatua de bronze de Neptuno-; o
que poz em evidencia ter sido o templo consagrado
a esta divindade.
Nas mesmas ruinas se acharam algumas lapides
com inscripções latinas, que davam áquella serra
o nome de Promontorio de Neptuno. N'outras ex
eavações, tambem para alicerces, appareceram mui
tas medalhas dos imperadores Vespasiano, Tito, e
Adriano. Estas medalhas, os fragmentos da estatua
de marmore, as inscripções, e outras pedras mais
notaveis, foram dadas de presente pelo superin
tendente das obras, Manuel da Silva Mascarenhas,
a D. Pedro d'Alencastre, arcebispo eleito de Bra
ga.' Quanto á estatua de bronze de Neptuno, por
ser grande comraetteu-se a barbaridade de a fazer
fundir para artilharia d'aquella fortaleza.
Um nosso escriptor do seculo passado, narrando
este facto, exclama com justa indignação : iBarba-
ridade bastante para se dar a este promontorio, se
já o não tivesse, o nome de Barbario. Os romanos
tambem assim designavam a serrania d'Arrabida.
Contém a torre do Outão boas accommodações
para o governador e guarnição, cisterna, armazens,
etc. A cavalleiro d'esta fortaleza ergue-seo pharol,
que indica aos navegantes a foz do Sado. Para au
xiliar a torre do Outão construiram-se mais proxi
mos da praia os fortes à'Albarquel, e das Vieiras,
porém acham-se em mais ou menos mina.
A barra, sem ser muito perigosa, não é de facil
accesso. E* bastantemente estreita, masapezard'is-
so pode ser demandada por navios d'alto bordo.
E' mui consideravel o movimento d'este porto.
Os produetos de uma boa parte da provincia do
Alemtejo, principalmente do districto de Beja, que
vindo embarcar aos diversos portos do Sado, des
cem pelo rio a procurar saida pela sua barra; as
valiosas producções agricolas do concelho dAlca-
cer do Sal ; as laranjas afamadas, e outras frutas
dos arredores de Setubal, que se exportam em gran
de quantidade para a Inglaterra; e sobretudo o sal
das suas innumeraveis salinas, que sobreleva em
qualidade ao mais fino deHespanba, de França, c
de Sardenha; dão a este porto o movimento annual
de mil c quatrocentos navios e embarcações costei
ras, entradas e Saidas. N'esse numero figuram os
navios estrangeiros por mais de quatrocentos en
trados em cada anno.
As salinas das margens do Sado eram no fim do
seculo passado trezentas setenta e nove ; davam oc-
cupação nos mezes do trabalho a mil setecentos c
sessenta operarios ; e. produziam em cada anno de
colheita regular uns duzentos evinte e seismil moios
de sal. Oesde então este ramo de industria tem tido
difierentes alternativas, de decadencia e prosperi
dade. Posto que não temos presentes dados esta
— 40 —
tisticos do seu estado actual, cremos que terá pros->
perado por effeito de varias causas, mas principal
mente em virtude da reforma da legislação espe
cial sobre o commercio de sal de Setubal.
Antes da molestia das vinhas era tambem muito
importante a exportação de vinhos, principalmen
te brancos, d'entre os quaes se extrema o mosca
tel por sua superioridade e nomeada no paiz e no
estrangeiro. No primeiro quartel çTeste seculo hou
ve anno em que a exportação pela foz do Sado su
biu a mais de vinte mil pipas. Depois, tendo varia
do o gosto na Grã-Bretanha, ou tendo passado a mo
da dos vinhos brancos , decaiu consideravelmen
te esta cultura.
Setubal contém muitas casas de bom prospecto,
e algumas apalaçadas ; um excellente caes, onde
vcem atracar as embarcações até á lotação, inclu
sive, de hiates ; e varias fontos além das mencio
nadas acima. Os seus suburbios são celebrados no
paiz, principalmente nas provincias do sul, pela
sua belleza e amenidade. Nas encostas e nos vai-
les lindas quintas e casas de campo ; por toda a par
te verdejando os pomares de laranja ; os montes e
serras visinhas assoberbados com as fortalezas do
Outão e S. Filippe, e com o venerando castello de
Palmella, chronica de pedra de eras gloriosas, e de
uma ordem heroica c benemerita ; vastas campinas
estendendo-se ao longo do Sado; e este rio, esten
dendo em frente da cidade toda a magestade do sea.
amplissimo alveo, como para lhe offerecer digno es-
Eelho em que se mire e retrate; tal é em mal es-
oçado painel o pittoresco panorama dos arrabal-
,des de Setubal.
E ainda além dos encantos e paizagem, e da ame
nidade dos sitios, encerram aquelles arrabaldes
importantissimas antiguidades, e curiosidades na-
turaes dignas do exame das pessoas intelhgentes.
As ruinas da antiga cidade de Cetobriga são pre
sentemente as antiguidades romanas de mais vulto,
que possue o nosso paiz. Occupam uma grande ex
tensão de terreno, não inferior a meia legua. A ci
dade está inteiramente sepultada pelas arêas do
tol. ur. 4
-50 —
oceano; e a este sitio sé dá ha seculos o nome de
Troya. Tem-se tentado em differentes epocas fazer
resurgir os seus edificios; porém todas as tentati
vas naufragam, infelizmente, nas dificuldades, que
as arêas apresentam para a sua remoção, não sen
do conveniente lançaí-as ao oceano, nem ao Sado,
pelo risco de irem entulhar a barra ; e não se po
dendo accumular nas visinhanças das escavações
sem que se vejam estas em breve obstruídas de no
vo pela invasão d'essas mesmas arêas, que as ven
tanias facilmente levantam cariemeçam para longe.
Entretanto n'outro qualquer paiz ter-se-hia já acha
do meio de vencer similhante obstaculo, ainda que
fosse á custa de avultadas despezas.
No reinado de D. Maria i tízeram-seali grandes
excavaçõei, que afinal não progrediram pela causa
referida. Descobriram-se, comtudo, alguns edifi
cios, e extrahiram-se muitos objectos darte pre
ciosos, medalhas, utensilios, ete. Entre os primei
ros figura uma magnifica columna de marmore bran
co arraiado de negro e cinzento, com um capitel de
ordem corinthia, se bem nos lembramos, primoro
samente sinzelado; a qual a mesma soberana man
dou inaugurar n'uma praça de Setubal, onde ao pre
sente se admira como um dos melhores adornos da
cidade. A maior parte das medalhas, vasos, umas
pequenas estatuas de bronze, outras de marmore
mutiladas, e diversos utensilios de prata e bronze,
foram distribuidos por alguns fidalgos da corte,
que possuiam medalheiros ou museus, entre outros
o duque de Lafões, os marquezes d'Abrantes, d'An-
geja, e d'Ategrete, o visconde Manique, ete. Cre
mos que alguns d'esses objectos tambem foram en
riquecer o museu de antiguidades dos arcebispos
d'Evora.
Em 1814 emprehenderam-se novas excavaçSes,
das quaes se tiraram, entre outras coisas, um cas
tiçal, uma lampada, e uma taça, tudo de prata, e
«om figuras e brincados desenhos relevados cora
primor. Por esta occasião tambem se encontrou
uma sepultura com um esqueteto, que se desfez em.
pó apenas teve contacto com o ar.
~S1-
Em nossos tempos tentou-sc tambem um louva
vel esforço, a que já alludimos. Teve legar no an-
no de 1850. D'esta vez chegaram a desenterrar-se
completamente duas casas, cada uma de dois pavi
mentos. Tivemos o gosto de as ver logo que se aca
baram de desentulhar. Tinham junto á porta d'en-
trada, da parte de fora, um como tapete de mosai
co-, de pedrinhas quadradas, brancas, pretas e aver
melhadas. A pintura das paredes conservava-se tão
▼iva, e tão fresca, como se n'aquelle momento se
acabasse. Mas d'ahi a dias estavam as cores já bas
tante desvanecidas pelo effeito da luz edoar. Pos
to que o inconveniente das arêas, e a escacez dos
recursos pecuniarios fizessem suspender os traba
lhos, colheu-se, todavia, muito proveito d'esta ten
tativa pela grande quantidade de medalhas, e de
mui variados utensilios, que então se descobriram,
e extrahiram. D'entre os ultimos mencionaremos
um candeeiro de prata, que a sociedade explora-
dora offereceu ao seu presidente, ofallecidoduque
de Palmella.
A visinha serra d'Arrabida offeretíe ao viajante
intelligente curiosidades naturaes muito dignas de
se verem. Ante», porém, que ahi levemos os nos^
sos leitores, faremos menção de uma mui singular
curiosidade geologica, que está proximo da cidade.
E' um rochedo, que na sua base se banha no Sado,
e que se ergue a uma altura de oitenta palmos aci
ma da superficie do rio, tendo quarenta a cincoen-
ta de diametro. Por um dos lados encosta-se a uma
collina arenosa, e está enterrado nas arêas. Cha-
mam-lhe a Pedra furada porque é todo carcomido
e crivado de uma infinidade de buracos. Formado
de um mineral ferruginoso, a sua cor é escura.
Começa a serra d'Arrabida na freguezia de Nossa
Senhora d'Ajuda, suburbana de Setubal, e esten-
de-se de nordeste a sudoeste até formar o cabo do
Espichel. Tem cinco leguas de comprimento, e pou
co mais de uma na sua maior largura. Wumaspar-
tes é agreste, escabrosa, einhospita ; n'outrassom-
bream-na frondosos arvoredos silvestres. Em mui
tas ladeiras do seu vasto dorso offerece á agricul
tura bons terrenas. Nos valles é amena, fresca, e
bem cultivada. Na raiz, ou a meia encosta, cercarn-
na varias povoações agradavelmeute assentadas, e
muitas quintas e casas de campo, algumas lindas c
magnificas; como são as do Calhariz, dos senhores
duques de Palmella, e as dos senhores condes de
Murça, na Moita. Romantisam e santificam esta ser
rania os tão populares e venerandos santuarios de
Nossa Senhora d'Arrabida, e de Nossa Senhora do
Cabo. E fazem-na, finalmente, rica e curiosa a di
versidade e belleza dos seus marmores ; a varieda
de da sua Flora ; a infinidade d'aves diversas, que
n'ella vivem, ou que a procuram nas suas emigra
ções annuaes ; as lapas, e grutas, que nos sitios
mais amenos »e vestem de heras, ou se escondem
entre os arbustos; c as algares e cavernas em que
a montanha se rasga e abre desde a sua superficie
até ao mar, que per ellas lhe devassa e mina as en
tranhas.
As mais notaveis d'estas curiosidades- naturaes
são duas immensas grutas, ou cavernas. Uma tem
a entrada junto ao caminho, que vae para Nossa
Senhora do Carmo, onde chamam Val-Bom, e de
pois de atravessar por baixo da terra o espaço de
uma grande legua, tem saida nologar da Ag ua Bran
ca. A outra abre-se na aba da serra sobre o mar. Po
de dar abrigo a mais de quinhentas pessoas, c infi-
' tula-se de Santa Margarida, porque ahi collocaram.
em tempos antigos uma imagem d'esta santa vir
gem c martyr, que, segundo a lenda, ali mesmo foi
encontrada por uns pescadores do Seixal e Arren-
tella, que, acossados de uma tempestade, se foram
abrigar n'aquella gruta. Defronte d'estalevanta-se
sobranceiro ao mar o Penedo do duque, assim cha
mado desde o tempo em que D. Alvaro d'Alencas-
tro, duque d'Aveiro, costumava ir pescar de cima
d'elle.
Uma fabula popular de antiga origem, e que tres
escriptores do seculo passado ainda repetiram cheios
de infantil credulidade, conta que junto áquelle pe
nedo appareciam ás vezes Homens marinhos, que
viviam oomo os peixes no seio do oceano. Um d'es
— 53 —

tes esoriptores refere o caso, não só como tradição,


mas tambem pelo testemunho ocular de mu frade,
seu conhecido, que lhe assegurou ter visto ali um
d'esses monstros ' com meio corpo fora d'agua, da
feição de um homem muito branco, e bem figura
do, o qual, olhando para todas as partes, e saecu-
dindo a cabeça, que tinha povoada de grandes ca-
bellos de uma cor verde mar, se sumiu outra vez
nas ondas, mcrgulhando-se u'cllas como o costu
mam fazer os nadadores.»
Pondo fim a esta digressão, que tanto nos ia afas
tando do ponto principal , e voltando ao que pro
priamente são arrabaldes de Setubal, não devemos
deixar de mencionar us grandes depositos de tur
fa, importante combustivel, que se acham ne sitio
da Comporta, além do Sado.
Apezar de não ter um systema regular de defen
da, Setubal é considerada praça de guerra de se
gunda ordem, e como tal tem um governador mi
litar.
Contém esta cidade uma população de quinze mil
almas. A 25 de Julho faz-se ahi uma feira annual,
a que concorre muita gente das terras vizinhas, e
de Lisboa.
S. M. a rainha D. Maria n, por decreto de 2'i
de Setembro de 1835, creou barão de Setubal ao
general João Schwalback, e em 13 de Outubro de
1848 clevou-o ás honras de visconde do mesmo ti
tulo.
Foram naturaes d'esta cidade, entre muitos ou
tros homens illustres, Manuel de Cabedo, grande
jurisconsulto, c o poeta Vasco Mousinho de Que
vedo.
— l>4 —

A CIDADE DE SILVES.

' Esta antiga capital do reino do Algarve está sen


tada sobre uma collina pouco elevada na margem
esquerda de um rio, que mais abaixo, no seu cur
so para o mar, toma o nome de Portimão. Acida
do dista duas leguas e meia da foz do rio, quatro
leguas da cidade de Lagos, e dez do cabo de S.
Vicente.
A'cêrca da fundação de Silves nada se sabe ao
certo. Alguns geagraphos, que tratam d'este as
sumpto, discorrem por diverso modo, querendo una
que seja anterior ás primeiras excursões dos car-
thaginezes á Lusitania; outros, assignalando-Ibe o
pnno de 450 antes do nascimento de Jesus Chris-i
to, e dando-lbe por autores os curetes, antigos lu
sitanos.
Não padece duvida que a origem d'esta cidade é
anterior ao dominio dos arabes, pois que d'isso dão
prova umas inscripgões romanas, que ahi se acha--
ram, porém não guardou a historia em seusarchi-
vos o nome dos fundadores. Segundo o maior grau
de probabilidades poder-se-ha attribuir aos pheni-
cios a fundação de Silves. Depois do nascimento do
Christo, a memoria mais antiga, que d'esta terra
se encontra, é a que refere a sua tomada aos moi
ros por D. Fernando i, rei deCastclIa, noannode
1060.
Pouco tempo gozaram os christãos da sua con
quista , que logo tornou ao poder dos musulma-
nos. Cento e vinte e nove annos de paz, que se
seguiram a este acontecimento, fizeram crescer e
prosperar Silves, já então capital do florente rei
no moirisco do Algarve.
Correndo, pois, o anno de 1189, tendo aporta
do a Lisboa uma armada de cruzados, vinda do
norte em demanda da Palestina, convidou-os el-
rei D. Sancho i para o ajudarem n'uma empresa
contra os moiros. Os cruzados, que haviam deixar
— 55-
do patria e familia para ir em longes terras guer
rear os infieis, acceitaram de boa vontade o convi
te ; e eil-os ahi vão, caminho do Algarve, em com
panhia dos portuguezes, capitaneados pelo caval-
leiroso rei D. Sancho i.
Foi dirigido o golpe ao coração do poder agare
no. Silves, estreitamente sitiada c muitas vezes
accommettida pelos christãos em vigorosos o re
nhidos assaltos, leve de render-se ao cabo de dois
mezes de cerco, apezar das formidaveis muralhas
torreadas, que a defendiam.
O saque da cidade foi o premio da victoria para
os vencedores. Os moiros, que escaparam ao fio da
espada, ou fícaram captivos, ou fugiram.
Querendo D. Sancho conservar para a sua coroa,
e para a fechristã, tão importante preza, mandou-a
povoar de portuguezei ; fez purificar a sua princi
pal mesquita, que erigiu em calhedral, nomean-
do-lhe por primeiro bispo ao seu confessor, D. Ni
colau, conego regrante de Santo Agostinho ; eem-
fim deixou-lhe uma guarnição de tropa escolhida.
Tal era a fortaleza d'esta praça, que, não ob
stante achar-se no centro de um paiz todo habi
tado por inimigos , conservou triumphante sobro
seus muros o pavilhão das quinas durante tres
annos, no fim dos quaes foi preciso para vencel-a
vir d'Africa o miramolim de Marrocos com um po
deroso exercito em auxilio de seus irmãos do Al
garve.
Abalado assim o poder mauritano n'este pequeno
reino, veiu a succumbird'ahi a meio seculo no rei
nado de D. Affonso 111. D. Paio Peres Corrêa, mestre
da ordem de Santiago , foi o esforçado campeão
d'esta empresa. Assenhoreando-se da cidade de Sil
ves em 1242, caminhou de victoria em victoria até
fazer a conquista de todo o Algarve, que ficou para
sempre unido á coroa de Portugal.
Quando esta conquista se acabou de realisar,
nchava-se deserta a cidade de Silves , e os seus
edificios calam em ruinas. Acudiu-lhe então D. Af
fonso iii, manda ndo-a reedificar e povoar ; e no an-
no de 1266 concedeu-lhe foral com os mesmos pri
— 56 —
vitegios do de Lisboa, aos quaes ainda accrosccn-
tou outros. N'esse anno tambem restituiu á cida
de a sua antiga cadeira episcopal. El-rei D. Fer
nando tambem lhe deu novas regalias em 1380.
Com estes esforços e favores, continuados dou
tros reinados, Silves, se não renasceu opulenta e
populosa como outr'ora, ergueu-se, todavia, das
suas ruinas, e medrou á sombra das suas prero-
gativas de sede de um bispado, e de cabeça d'uin
reino. Porém a cidade de Faro, mais vantajosa
mente situada, com um porto sobre o oceano, cres
cendo e prosperando pelo poderoso impulso do com-
mcrcio , c adquirindo tambem importancia pelas
conquistas de D.João i na Africa, arrebatou a Sil
ves todas as suas preeminencias.
Reinando D. João i ti intentou-se mudar para Fa
ro a sede episcopal, e para esse fiin impetrou-so
um breve do pontifice; mas por tal modo se op-
poz, e se empenhou o povo de Silves, que o pro
jecto não teve effeito. Nos lins, porém, do seguinte
reinado, não valendo rogos nem opposições, elfei-
tuou el-rci D. Sebastião aquella mudança, sendo
bispo de Silves o sabio e virtuoso D. Jeronymo
Osorio. A esta transferencia seguiu-se de perto a
da capital, que passou cgualmente para Faro. A
decadencia de Silves progrediu desde então a pas
sos largos.
Poucas povoações em o nosso paiz terão passa
do por uma tão longa cadêa de infortunios como a
cidade de Silves. Ao tempo da conquista de D. San
cho i, conforme o testemunho de um individuo, que
vinha na armada dos cruzados, que auxiliaram es
te soberano n'aquelle feito d'armas (*) : t estava
muito mais fortificada que Lisboa, c era dez vezes
mais rica e grandiosa em edificios ; cercada de mu
ros e fossos de tal arte, que nem uma só-choupana

(«) Este individuo escreveu uma relação d'aquelte


suecesso a quat se imprimiu pela primeira vez em Tu
rim nu anno de 1 S í O O periodo da dita relação, que
deixamos copiado, pode ver-se tambem na Corographia
do Algarve, pelo sr. João Uaptista da Sitva Lopes.
— 57 —
so encontrava fora do recinto, dentro do qual ha
via quatro arrabaldes fortiticados.»
Caída pois d'esse apogeu da sua opulencia, viu-
se despojada successivamente das honras e titulos,
que mais favoreciam os seus interesses, e que mais
lisonjeavam a sua vaidade. A população tornou a
diminuir, e muitos, os melhores edificios, apre
sentaram novamente um aspecto ruinoso. Estas
desgraças foram ainda aggravadas, no decurso de
annogj por duas calamidades physicas. A primei
ra foi obstruir-so d'aréas o seu rio, que, sendo na
vegavel até aos muros da cidade por navios d'alto
mar, passou a não consentir mais que pequenas
embarcações. A segunda foi o terremoto do1.°de
Novembro de 1755, que destruiu a cidade quasi
inteiramente, pois apenas poupou vinte casas.
Todavia, a grande revolução que se operou em
1833, resgatando a terra, e dando a Portugal com
a liberdade novas condições de existencia , veiu
por um termo á decadencia de Silves. A animação,
que teve o commercio de exportação em todo o paiz,
tambem se fez sentir n'aquella cidade. Pouco a pou
co se foi tornando um dos principaes depositos da
cortiça doÀlemtejo, destinada para embarque. Pa
ra o mesmo fim ali concorrem ao presente muitos
outros produetos agricolas do interior. Comodes-
involvimento da industria tem, pois, melhorado a
cidade; e com a facilidade decommunicações com.
o oceano por meio do seu rio, e d'ahi com as ci
dades e villas do litoral do Algarve, e com Lisboa,
por meio de carreiras regutares de barcos movidos
a vapor, é de crer que hade prosperar.
Silves tinha voto em cortes em a nossa antiga
organisação politica, e os seus procuradores n'el-
las tomavam assento no segundo banco. O senho
rio d'esta cidade pertenceu ás rainhas de Portugal
desde o reinado de D. João n até á abolição d'este
apanagio em 1833.
O brasão d'armas de Silves é um escudo em
branco coroado, pois que até n'isto a sorte adver
sa, perseguiu esta infeliz povoação. Tendo sido cor
te de um rei, e theatro de muitos feitos gloriosos
— 58 —
para a religião de Jesus Christo, e para as armas
poTtuguezas, nenhum embtema veiu trazer ao seu
brasão uma memoria, sequer, de suas passadas
grandezas !
A egreja de Santa Maria é a unica parochia da
cidade. Foi mesquita dos moiros, e depois por mais
de tres seculos cathedral. Está edificada no centro
da povoação, em terreno alto. E' um templo vas
to, que o terremoto de 1755 destruiu em grande
parte, e que a reconstrucção posterior deturpou c
amesquinhou. Nas capellas voem-se os tumulos
dos seus bispos, e de outras pessoas illustres.
Os mais edificios religiosos limitam-se á egreja
da misericordia, e a duas ou tres ermidas. O hos
pital da misericordia foi instituido em 1775 em
virtude de legados particulares.
Das aniigas fortificações conservam-se as mura
lhas da cidadella e do castello, modernamente re
paradas. O castello oceupa o logar mais alto da ci
dade. Tem uma grande cisterna, de setenta pal
mos por lado, e cuja abobada é sustentada por no
ve arcos. Pode conter a agua sufliciente para o con
sumo de um anno dos habitantes da cidade. Entre
tanto , estes provêem-se d'agua da Fonte Nova ,
abundante nascente a um quarto de legua da ci
dade.
A qualidade da pedra de que sãp construidas as
casas, que éde uma cor vermelha escura, dá ao in
terior da cidade um aspecto sombrio e triste, que
ainda é augmentado pela estreiteza e tortuosidade
das ruas. Além da egreja de Santa Maria, e do cas-
tello, não tem Silves edificio algum notavel. Com-
tudo, em nossas tempos teem-se ali aberto algumas
novas ruas, onde se vêem já bons predios de habi
tação, e grandes armazens. No largo do castello ha
uma alameda de amoreiras, plantadas em 1836.
Dentro da povoação encontram-se algumas tu-
Ihas , ou celleiros subterraneos, onde os moiros
guardavam os ecreaes, azeite, e outros produetos.
Nos contornos da cidade acham-se alicerces de edi
ficios, e de muralhas, que provam que Sitves era
em outro tempo muito maior.
— 59 —
Junto á cidade ha uma ponte sobre o rio, pa
ra o lado do mar, a qual, pela accumulação de
areias, apenas dá passagem por baixo de um dos
seus arcos a pequenas embarcações. D'ahia duas
leguas para o sudoeste forma este rio, já mistura
do com as aguas do oceano, o melhor porto do Al
garve. Tem meia legua de extensão até ao mar,
eom fundo e capacidade para conter mais de du
zentos navios. A barra precisa de praticos por cau
sa de alguns bancos d'areia movediços. Está defen
dida pelas fortalezas de Santa Catharina , e de S.
João. Sobre este bello porto está edificada Villa
Nova de Portimão, terra populosa, e de muito com-
mercio.
Os suburbios de Silves são arborisados e bem
cultivados, e o mesmo se vê presentemente em to
do o concelho, onde a agricultura tem tido grande
desinvolvimento. São terrenos mui ferieis, e rega
dos por muitos mananciaes, que brotam das visi-
nhas serras. Conteem muitos pomares de laranja,
vinhas, olivaes, alfarrobaes, e figueiraes, de que
ha extensos bosques, não fallando em outras qua
lidades de arvores fructiferas, que por toda a par
te abundam. Produzem, pois, além dos fructos cor
respondentes ás plantações indicadas, cereaes, le
gumes, muita amêndoa, e sumagre. De todos os
seus productos agricolas exporta mais ou menos ;
porém os principaes artigos da sua exportação pa
ra os portos nacionaes e estrangeiros, são passas
d'uva e figo, alfarroba, amendoa, laranjas, azei
te, aguardente de figo, e obras de esparto, de pal
ma, e de fio de piteira, que constituem um ramo
importante da industria manufactora em todo o Al
garve.
A um quarto de legua da cidade fundou D. Fer
nando Coutinho, bispo de Silves, pelos annos de
1518 o convento de Nossa Senhora do Paraizo, ho
je extincto, o qual pertenceu primeiro aos frades
capuchos piedosos, e depois aos religiosos da or
dem terceira de S. Francisco.
Na serra d'Alferce, que não fica longe da cida
— 60 —
de, (liAm haver jazidos mineralogicos. N'umdos
seus cabeços, nas visinhanças da aldéa d'Allerce,
voem-se as ruinas de um grande castello, obra dos
moires.
O pego do Paio, em outro t?mpo chamado de-
Aben-Afan, é um sitio historico dos arrabaldes de
Silves. N'elle se afogou Aben-Afan, o ultimo rei
do Algarve, quando, perdida a sua capital, fugia
da espada victoriosa de D. Paio Peres Corrêa. O
pego do Pulo é no rio de Silves, perto de uma ilho
ta, que separa este em dois braços, ambos nave
gaveis. Junto ao mesmo rio, a uma legua da cida
de para a parte do mar, ha uma fonte de abundan
te e excellente agua , denominada do Gramacho.
Nasce de uma rocha pouco distante, ed'ahié tra
zida por um aqaeducto até á margem do rio, onde
concorrem a buscal-a muitas lanchas para aprovi
sionamento deVilla Nova de Portimão, do logar da
Mexilhoeira, e dos navios que demandam o visinho
porto.
Saindo da cidade para o lado de oeste, a pe
quena distancia, está a antiga ermida de Nossa Se
nhora dos Martyres. Dizem que fora fundada por
el-rei D. Sancho i, durante o çêreo de Silves, para
celebração dos officios divinos, e enterro dos que
morriam na expugnação da praça moirisca. Encon
tra m-se ainda n'este logar campas com brasões de
armas, que a tradição diz pertencerem a cavallci-
ros mortos n'aquella empresa.
Na serra d'Atalaia, que se levanta junto do rio,
no sitio chamado barra de Silves, houve uma gua
rita fabricada de tijolos phenicios, da qual (irou
a serra o nome. Dali vigiavam o porto os moiros,
e outros povos, qae antes d'clles habitavam no Al
garve.
Silves é terra farta de todos os generos necessa
rios á vida. As montanhas, que a cercam, abundam
em caça miuda, cn'algumas se encontravam outro
ra corças e javalis. O rioe o mardâo-lhe bom provi
mento de pescado.
A população d'esta cidade pouco excede a duas
— Gl —
mil almas. Com a dos suburbios monta a tres mil e
duzentas. Tem duas feiras annuaes; a primrira a 3
de Maio, e a segunda no 1.° de Novembro. Esta ul
tima é importante pelo muito gado e productos agri
colas, que ali concorrem.
— 62-*

A CIDADE DE TAVIRA.

Esta bella poveação está mui bem assentada junto


á costa dó sul do Algarve, e sobre as duas margens do
rio d'Asseca, que a divide em duas partes, uma an
tiga, outra moderna. Esta acha-se edificada em uma
planicie, e aquella em terreno ura pouco levanta
do no centro, onde campêa antiquissimo castello.
Em volta vêem-se terras montuosas, cobertas de
vinhas e arvoredo, e semeadas de pequenos casaes
a alvejar por entre a verdura. D'est'arte a cidade
de Tavira offerece uma formosa perspectiva ao via
jante que a demanda, entrando pelo rio. Dista doze
leguas da cidade de Silves, quatro da cidade de Fa
ro para o oriente, e outras quatro -da foz do Gua
diana para o poente. É praça de guerra, e cabeça
de comarca.
Ignora-se completamente qual fosse a origem de
Tavira, a não se querer dar credito a fabulas. Se
gundo a opinião do nosso erudito antiquario, An
dré de Rezende, foi aqui que existiu a cidade de
Balsa de que trata o itinerario de Antonio Pio, e
de que faliam varios escriptores romanos.
Depois da queda do imperio romano Balsa deve
ria seguir, sem duvida, a sorte das mais cidades da
Lusitania eBetica, que foram mais ou menos des
truidas nas suecessivas invasões dos povos do nor
te, e mais tarde na dos arabes. Quaes d'estes con
quistadores a reedificaram, é ponto tambem que se
ignora. O que se sabe ao certo, é que os moiros
possuiam n'esse sitio uma cidade florescente, po
pulosa, e bem fortificada, chamada Tavira, quan
do D. Paio Peres Corrêa, mestre de Santiago, ten
do acabado de conquistar Silves, lhe veiu por cêr
co no anno de 1242.
Depois de portiosa resistencia rendeu-se a pra
ça ao valor dos portuguezes; mas, como suecedia
em todas essas conquistas, padeceu bastante rui
na, e ficou despovoada.
El-rei D. ADonso iii, estando já senhor de todo
— 63 —

o Algarve, cuidou em reedifical-a, e povoal-a de


novo, para o que lhe concedeu forai de villa cm
1 266, com os privilegios proprios para lhe attra-
hir moradores. Protegida por esses privilegios, e
pelas vantagens commerciaes, que o seu porto lhe
prestava, foi readquirindo Tavira a sua peidida
prosperidade. As nossas empresas d'Africa no se
culo xv, fazendo convergir para as terras do lito
ral do Algarve as attenções do governo, grande par
te dos recursos do paiz, importante movimento de
navegação, e por conseguinte muito traio esmmer-
cial, engrandeceram a tal ponto a villa de Tavira,
que chegou a possuir setenta navios d'alto mar, pro
priedade dos seus habitantes, além de um cresci
do numero de embarcações costeiras, e de pesca.
El-rei D. Manuel elevou-a então ás honras de ci
dade em 16 de Maio de 1520.
Achava-se tão opulenta no seculo xvi, que, tra-
tando-se em 1516 de mandar uma expedição a Afri
ca em auxilio da nossa praça d'Arzilla. que um po
deroso exercito de moiros tinha em apertado cer
co, a maior parte d'esse soccorro foi á custa dos
moradores de Tavira. Egual patriotismo desinvol-
veram por occasião do cerco de Mazagão em 1576.
E quando em Julho de 1596 os inglezes, que hos-
tilisavam a Filippe u de Castella, então senhor de
Portugal, fizeram um desembarque em Faro, sa
queando e lançando fogo á cidade, foram os habi
tantes de Tavira, que com effusão do seu sangue,
e com despendio da sua fazenda, expulsaram o ini
migo da cidade de Faro, e da costa do Algarve.
Os males que opprimiram o paiz sob o domínio
castelhano, acabaram com as prosperidades de Ta
vira. A sua decadencia foi em progresso, não só
durante esta quadra, mas em toda a luta da res
tauração. Porém o seculo xvin, que trouxe a Por
tugal longos annos de paz, e immensas riquezas
do Brazil, viu renascer a actividade do commer-
cio e da marinha em todos os nossos portos, e por
conseguinte Tavira animeu-se, e melhorou nova
mente.
Nos fins d'esse mesmo seculo teve um grande
-6Í —
desinvolvimento o importante ramo das suas pes
carias, para o que muito concorreu a creação da
companhia de pescarias do Algarve, em que en
traram os principaes capitalistas de Lisboa. Esta
companhia, que, no fim de alguns annos de uma
situação pouco lisonjeira, veiu a lornar-se prospe
ra, c a auferir avultados interesses, foi muito pro
ficua a Tavira, c mais povoações d'aquelle lito
ral.
Quando liquidou, as suas acções valiam o do
bro, ou quasi o dobro do capital representativo.
Desde então este ramo d'industria tem passado por
diversas alternativas, sem que, todavia, tenha lo
grado attingir o grau de prosperidade a que chegou
n'aquella época, c noutras anteriores.
A. cidade de Tavira acha-se ao presente em com-
municação facil e regular com Lisboa, e portos do
Algarve e Alemtejo por via dos barcos movidos a
vapor da companhia União Mercantil. Esta cir
cunstancia, junta á tranquillidade e desinvolvimen
to material, que o nosso paiz tem tido n'estes ul
timos nove annos, vão dando novo impulso c vi
gor ás suas industrias.
Era representada esta cidade em as nossas anti
gas cortes, OBde os seus procuradores tomavam as
sento -no banco segundo. O senhorio d'esta terra
foi dado por el-rei D. Sancho n em 1244 á ordem
de Santiago, em reconhecimento dos serviços pres
tados pelos sens cavalleiros por occasião da con
quista da cidade dois annos antes. Apezar d'esta
doação ser confirmada em 1245 por bulia do papa
ínnocencio iv, contestou-a D. Affonso ih annos de
pois de ter suecedido no throno a seu irmão, D.
Sancho íi. Correu, pois, demanda, entre a coroa e
a ordem de Santiago, decidindo-se afinal, que fi
casse a esta o padroado das egrejas, e o poder tem
poral a el-rei. D. Affonso m foi o soberano de
Portugal, que arrostou por mais vezes o poder de
Roma, logrando sempre dobral-o á sua vontade,
apezar da gravidade, e muitas vezes injustiça das
suas pretenções.
Em allusão ao seu porto compõe-se o brasão de
— 65 —
Tavira de um escudo coroado, e nelle representa
da uma ponte com dois castellos, e um navio á ve
la sobre as ondas.
Divide-se a cidade em duas partes deseguaes, a
cidade velha, que é a parte principal, c a nova,
muito mais limitada, e que era outrora um arra
balde. Separa-as o rio, e une-as uma bella ponte
de cantaria de sete arcos.
No tempo dos moiros era cercada d'altas mura
lhas torreadas, com um forte castello no sitio mais
elevado da povoação. DVstas fortificações apenas
resta o castello, que foi reparado eaugmentado por
el-rei D. Diniz.
São duas as parochias da cidade, que se intitu
lam : Santa Maria, e S. Thiago. A primeira, que é
a matriz, foi mesquita de moiros. O terremoto de
4 755 causou-lhe consideraveis estragos; mas dei
xou il lesa a capella-mór, que dizem ser da cons-
trucção primitiva. Se o não é, mostra todavia
grande antiguidade. Foi reconstruido este templo,
depois d'aquelle cataclismo, pelo bispo do Algar
ve D. Francisco Gomes, que fez prevalecer na sua
obra o gosto da architectura moderna. É actual
mente uma cgreja espaçosa de tres naves, com uma
boa fachada, parte da qual tambem resistiu ao ter
remoto. Na capella-mór, do lado do evangelho, es
tão as cinzas do illustre conquistador de Tavira,
D. Paio, que, fallecendo uo convento de Velez, en
tão cabeça da ordem de Santiago, deixou determi
nado, que se trasladasse seu corpo para aquella
egreja. Do lado da epistola está uma lapide met-
tida na parede com sete cruzes vermelhas. Repoi-
sam ahi, por ordem do mesmo D. Paio, aquelles
sete cavalleiros, que, em tempo do cerco de Tavi
ra, tendo saido de Cacella para se divertirem na
caça, confiados em umas treguas, que se acabavam
de íratar com os moiros, foram por estes traiçoei
ramente assattados, e mortos depois de um renhi
do combate, em que a victoria custou aos vence
dores, não obstante o seu crescido numero, muito
sangue e vidas.
A parochia de S. Thiago é tambem muito antiga,
\OL. t1l. 5
— 66-
e tanto que já tem disputado á de Santa Maria as
honras de matriz. Não sabemos quando foi insti
tuida, porém já existia em 1272, pois que n'esse
armo el-rei D. AfTonso m fez merce do padroado
d'esta egreja, já então parochia, ao bispo D. frei
Bartholomeu, seu capellão e medico. A capella do
Sacramento d'este templo é digna de menção pe
las suas pinturas e ornatos.
A casa da misericordia foi erecta em 1541, e
tem de renda um conto de réis.
O hospital de S. José teve a sua primeira fun
dação em 1425 com o nome de albergaria, que el-
rei D. Affonso v mudou no de — hospital no anno
de 1471. Dispõe este estabelecimento de um ren
dimento de tres contos de réis.
Os outros edificios religiosos são : o egreja dos
terceiros de Nossa Senkora do Carmo, que é orna
da de boas pinturas; a dos terceiros de S. Fran
cisco, guarnecida de bellos marmores pretos, ex-
trahidos do serro do Cavaco, que fica proximo da
cidade; cinco ou seis ermidas; o mosteiro de frei
ras de S. Bernardo; e os templos dos extinctos
conventos de frades. O mosteiro das religiosas ber
nardas está situado extramuros n'um vasto rocio,
e com dilatada vista de campo e mar. É um boni
to passeio. Foi fundado este mosteiro nos come
ços do seculo xvi pelo bispo de Silves D. Fernan
do Coutinho.
Os conventos de frades eram quatro. O de S.
Francisco, de religiosos franciscanos, edificado por
el-rei D. Diniz em 1279 para os templarios, que
n'elle habitaram até á sua extincção em 1312, pas
sando depois aos franciscanos. Diz-se que este con
vento na sua primeira origem fora celleiro dos
moiros. O de Nossa Senhora d'Ajuda, de paulistas
da congregação da serra d'Ossa, teve principio no
sitio de Valle Fermoso, reinando D. Affonso v, e
pelos annos de 1606 se mudou para dentro da ci
dade, edificando-se-lhe uma rica egreja. O de Nos
sa Senhora da Graça, de eremitas de Santo-Agos-
tinho, foi fundado pelos annos de 1569. O de Nos
sa Senhora da Esperança, de capuchos piedosos,
é fundação do bispo O. Fernando Martins Masca
renhas no anno de 1612.
Tem esta cidade algumas ruas e praças bastan
te regulares. Na parte que está situada sobre a mar
gem direita do rio, ha uma grande praça, afornio-
seada pela casa da camara, que é um bom edifi
cio com uma elegante arcada de cantaria. Westa
praça faz-se o mercado diario. Em um dos angu
los da arcada avulta uma cabeça de homem, feita
de pedra, que, conforme a tradição, representa D.
Paio Peres Corrêa.
É abundantissima d'agua esta povoação, assim co
mo é farta de frutas, hortaliças, e de todos qs
generos essenciaes. O ria e o mar fazem-na mi
mosa de peixe.
O rio, cujo nome alguns autores querem que se
ja — Sequa — e não Asscca, nasce eip uma serra
a duas leguas de distancia da cidade para o inte
rior. Como no seu pequeno curso n^Q recebe ri
beiro algum, ê pouco caudaloso. Lança-se no ocea
no a uma legua de Tavira. N'esta primeira legua
admittiu outr'ora navios d'alto bordo, c hojeadmit-
te embarcações de menor lote; d'abi para cima só
é navegavel para pequenos barcos por putra egual
distancia, que é ate aonde chega a maré, Corre
entre pomares, campos cultivados, arvoredos sil
vestres, e marinhas de sal. Tambem se voem nas
suas margens alguns moinhos. A barra é de mui
tas voltas, e variavel pelo movimento das arêas.
Defendem-na duas fortalezas. Nas cinco leguas de
costa, que vão d'esta barra até Faro, ha uma fi
leira de pequenas ilhas, que deixam entre si e a
costa uma especie de ria, ou de esteiros.
As cercanias de Tavira são apraziveis e de va
riado aspecto. Ha n'ellas muitas quintas com casas
de habitação, muitas hortas, e pomares, muito ar
voredo fruetifero e silvestre ; emfim por toda a par
te verdura, e frutas copiosas.
Os produetos agricolas do concelho são alguns
poucos cereaes, que não chegam para o consumo,
vinho, azeite, alfarroba, amendoa, figo, cera, mel,
resinas, canna, e kerines, ou grã de carrasco. O

— 68 —
vinho é do melhor do Algarve, e ao presente tem
saida para diversos portos do reino, principalmen
te para Lisboa, nos ultimos mezes que precedem
a colheita. O azeite forma um dos ramos mais im
portantes da sua exportação. Ha vinte annos pro
duzia em occasião de boa colheita mais de seten
ta mil almudes. Desde então tem augmentado esta
cultura. De todos os mais generos, exceptuando
cereaes, que precisa importar, exporta maiores ou
menores quantidades para os principaes mercados
do nosso paiz, para a Catalunha, Inglaterra, Hol-
landa, e para Gibraltar, d'onde saem depois para
Marselha, Genova, Liorne, e outros portos do Me
diterraneo. A grã de carrasco, ou kermes, tão es
timada para tinturaria, é um producto valioso d'a-
quelle solo.
As pescarias constituem uma boa parte da rique
za publica em Tavira. Fornecem de atum, e outros
peixes salgados, muitas terras do reino ; e produ
zem bastante azeite de peixe, dando emprego a cen
tenares de braços.
A cidade de Tavira pertence ao districto admi
nistrativo de Faro. 3S'ella reside ordinariamente o
general commandante da oitava divisão militar. A
sua população excede a seis mil almas. Tem feiras
annuaes a 6 de Agosto, a 8 de Setembro, e a 4 de
Outubro.
— 69 -

A CIDADE DE THOMAIt.

No meio de uma planicie regada pelas aguas do


Nabão, e com as orlas levemente accidentadas, está
situada a cidade de Thomar, uma das mais lindas
povoações da Estremadura, e tambem uma das mais
historicas de Portugal. Banha-lhe os muros aquelle
rio pelo lado do oriente, e no extremo Occidentat
ergue-se um monte, sobre o qual campea o antigo
castello dos templarios, e junto d'este o magnifico
convento da ordem de Christo. O monte do castel
lo, estendendo-se do sul para o norte, com maio
res ou menores ondulações, descreve um semicir
culo em volta da cidade, terminando por ambos os
lados junto ao rio, onde deixa estreita passagem á
estrada, que de Santarem dá entrada para Thomar,
e d'esta cidade dá safda para Coimbra.
O Nabão, com as suas margens guarnecidas de
hortas e pomares-; as collinas, que cingem a cida
de, verdejando sempre, e mostrando aqui e ali al
gumas ermidas ; a povoação gentilmente sentada,
e alvejando no meio de todos esses verdores ; o cas
tello de D. Gualdim Paes, onde cada pedra recor
da um feito d'armas, uma acção gloriosa, e o con
vento de Christo, rico de memorias, riquissimo de
arte, ambos dominando com senhoril e venerando
aspecto as collinas, o rio, e a cidade, formam um
dos mais deliciosos panoramas em que os olhos se
podem recrear.
A cidade de Thomar é cabeça de comarca, e per
tence ao districto administrativo de Santarem. Dis
ta vinte e duas leguas de Lisboa para o nordeste ;
cinco de Abrantes para o noroeste; equasi tres do
Tejo, e da villa de Tancos para o norte.
Prende-se a origem de Thomar ás glorias da fun
dação da monarchia portugueza. Quando D. Affon-
so Henriques, cercado apenas de um punhado de
guerreiros esforçados vinha de Coimbra, caminho
de Santarem, com o pensamento arrojado de tomar
— 70 —
aos moiros esta forte praça, fez voto a Deus de dar
todos os direitos ecclesiasticos de Santarem, se fos
se feliz na empresa, á ordem do Templo, então afa
mada pelos seus prestantes serviços á christandade
na Europa e na Ásia.
A fortuna coroou a ousadia do nosso primeiro
rei, que cumpriu fielmente aquelle voto, doando o
senhorio ecclesiastico de Santarem a D. Gualrfim
Paes, ao diante mestre do Templo, e aos mais ca-
valleiros templarios, que o haviam acompanhado e
auxiliado n'esta ardua empresa. Tendo tido logar,
porém, n'esse mesmo anno de 1147 a conquista de
Lisboa aos moiros, e sendo nomeado seu primeiro
bispo D. Gilberto, não tardou este prelado a impu
gnar a doação feita aos templarios.
O bispo dizia que a doação fora feita em prejul
zo de terceiro, c que estava nulla por lhe faltar o
consentimento do prelado diocesano, ealémd'isso,
que, achando-se inculto e despovoado quasi todo o
territorio do seu bispado, era impossivel sustentar-
se a nova sé, alienando-se-lhe os rendimentos de
Santarem. Os templarios defendiam a doação, al-
legando ter sido feita em cumprimento de um voto,
e antes da instituição do bispado, por conseguinte
sem prejuizo de terceiro, nem lesão de direito al
gum.
Começou, pois, um renhido letigio, que, subin
do á curia de Roma, ahi correu durante tres pon
tificados, sem se concluir coisa alguma. Afinal che
garam ambas as partes a um accordo perante el-rei
D. Affonso Henriques, no anno de H58, desistindo
os templarios dos direitos ecclesiasticos de Santa
rem, ficando só com acgreja de Santiago d'estavil-
la, e recebendo em troca as terras de Nabancia, en
tão incultas e desertas.
Nabancic^ era uma oidade da antiga Lusitania,
prospera e populosa no tempo dos romanos ; ainda
florescente sob o dominio dos godos ; celebre nos
annaes do christianismo pelo nascimento e marty-
rio da virgem Santa Iria ; e por tal modo destrui
da na invasão dos arabes, que ficou para sempre
— 71 —
em completa ruina c abandono. Estava situada na
margem esquerda do rio Nabão.
No territorio de Nabancia havia um antigo cas-
tello, chamado de Ceras, porém não agradando aos
templarios por sua má situação, resolveram estes
edificar outro em posição a seu gosto, e mais ac-
commodada aos tíns do seu instituto. Vendo , por
tanto, na margem direita do rio, em frente das rui
nas de Nabancia, um monte pedregoso, e defendido
de um lado pelo Nabão, e dominando pelo outro
uma vasta planicie, escolheram este sitio para a
fundação do castello.
Começou-se a obra em o 1.° de Março de 1,160,
como consta da seguinte inscripção lapidar, que es
teve dentro do castello, e que hoje se vê ao lado da
porta principal da egreja do convento de Christo :
Era 1198 (anno de Christo 1160) Regnante Alfonso
illustrissimo Rege Portugalis, Magister Galdinus
Portugalensium militum Templi, cum fratribus suis,
primo die Murei cepit edificare hoc castellum nomi-
ne Thomar, quod prefatus Rex obtulit Deo et Mili-
tibus Templi.
Não longe do castello, que se edificava, mas do ou
tro lado do rio, existiam as ruinasd'um templo e mos
teiro, que no tempo dos godos fora habitado por mon
ges benedictinos, e no qual viveu o abbade Celio, tio
de Santa Iria. Cuidou logoD.Gualdim em reconstruir
este edificio, que foi a cabeça da ordem do Templo em
Portugal, sob a invocação de Santa Maria dos Oli-
váes.
O mesmo D. Gualdim, em quanto cresciam as pa
redes da fortaleza e da casa de oração, lançava os
fundamentos de uma povoação na planicie visinha.
A' povoação e ao castello deu o fundador o nome
de Thomar, que era o que os moiros deixaram ao
rio, e que ao diante se tornou a mudar no antigo
de Nabão.
A villa de Thomar facilmente se povoou, e ra
pidamente cresceu ao abrigo de tão forte castello,
e sob a protecção de uma ordem de cavallaria, que
pelos seus feitos gloriosos e pelo favor do rei em
breve se tornou poderosa. D. Affonso Henriques,
— 72 —
reconhecido ao valor com que os cavalleiros do
Templo o auxiliavam na expulsão dos moiros eno
alargamento das fronteiras da nascente monarchia,
não cessava de doar ã ordem castellose terras, ora
em recompensa de serviços, ora como um meio de
os ler em guarda e boa defensa.
No anno pois de 1190, apezar de serem passa
dos apenas trinta annos depois da fundação do cas-
tello e da villa , achava-se esta populosa e rica ,
quando lhe sobreveiu o seu primeiro eraaiorinfor-
tunio. O imperador de Marrocos Jacub, querendo
acudir ao islamismo, que succumbia em Portugal,
e ;»o mesmo tempo vingar-se do destroço das suas
armas ante os muros de Santarem no anno de 1184,
e da morte de seu pae, o imperador Abu-Jussof,
que fallecera das feridas, que recebeu n'es*a cam
panha, colloca-se á frente de um formidavel exer
cito, atravessa o mar, desembarca no Algarve, as
sola o Alemtejo e Estremadura, e vem por cerco ao
castello de Themar aos 25 de Julho de 1190.
A' aproximação do inimigo os moradores da vil
la recolberam-se á fortaleza com o mais precioso
do seu movei ; porém d'ahi presencearam conster
nados o saque da sua fazenda, e a destruição com
pleta das suas casas. Durante seis dias deram os
moiros contínuos e vigorosos assaltos ao castello, e
outras tantas vezes foram repellidos com tão gra
ve perda, que ao sexto dia viram-se forçados a le
vantar o sitio, e retirar-se. Segundo as memorias
christãs d'aquella epoca, e lambem conforme a his
toria arabe dos soberanos mahometanos, vingaram-se
os marroquinos da heroica resistencia dos templa
rios, arrazando quantas povoações encontraram na
sua retirada, c levando para Africa treze mil cap-
tivos de ambos os sexos. Dentro do castello de Tho-
mar está uma inscripção, que commemora aquelle
curto mais terrível cerco.
Desaffrontado o paiz da presença dos inimigos,
tratou D. Gualdim Paes de reparar o castello ede
reconstruir a villa, á qual longos annos de paz trou
xeram prosperidade e engrandecimento, pois que o
crescente musulmano nunca mais se atreveu a ir
— 73-
affrontar o valor dos denodados campeões de Tho
mar. Estes é que se viram obrigados pela sua mis
são religiosa a ir demandal-os dentro das suas pro
prias fronteiras.
Ein 1314 tevelogar em Paris aquelle celebre pro
cesso e supplicio de Jaques Molay , grã-mestre do
Templo, e de outros cavalleiros templarios, que
foi precedido da extincção da ordem em toda a chris-
tandade, e do sequestro de seus avultadissimos bens.
Esta catastrophe ameaçou seriamente os interes
ses da villa de Thomar, pois que n'essa epoca de
tão grande atraso, e de tantos embaraços para todos
os ramos da industria, a residencia principal d'uma
ordem de cavallaria, tão opulenta e poderosa como
a do Templo, era para qualquer terra um forte ele
mento de prosperidade, e civilisação. O sabio c pru
dente rei D. Diniz conjurou habilmente a tempes
tade, que rebentara na França. Justificando os tem
plarios de Portugal das accusações, que serviram de
fundamento á bulia da extincção da ordem do Tem
plo, e fazendo valer os direitos da sua coroa para
impedir que o papa dispozessc dos bens d'aquel-
les cavalteiros, como praticara n'outrospaizes, ob
teve do summo pontifice João xxn, por bulia de 14
de Março de 1319, a instituição da nova ordem de
cavallaria de Nosso Senhor Jesus Christo, e a en-
corporação n'ella de todos os castellos, senhorios
c mais bens, que até ali possuiam os templarios.
A nova milicia estabeteceu a cabeça da ordem
na villa de Castro Marim, no Algarve, por ficar
mais proxima da fronteira dos moiros; porém no
reinado de D. Pedro i, em 1356, transferiu-a para
Thomar, pela razão, sem duvida, de que a esse
tempo o dominio arabe na peninsula se achava li
mitado ao reino de Granada, e por conseguinte já
longe da raia portugueza
A milicia de Christo não herdou somente daex-
tincta ordem as riquezas e privilegios; foi tambem
sua herdeira no patrimonio, no esforço, e na glo
ria. Se os templarios estenderam com a sua espada
os limites da monarchia de Aflonso Henriques, os
cavalleiros de Christo, tendo por seu mestre oin
— 74 —
clito infante D. Henrique, transpondo mares igno
tos, foram plantar o sagrado emblema da redemp-
ção, e nobre divisa da sua ordem, de involta coin
as quinas portuguezas, na costa occidental da Afri
ca, no archipelago dos Açores, na ilha da Madeira,
e outras terras, que por ordem do mesmo infante
descobriram, povoaram, e civilisaram. Dilatando
d'est'arte o nome e o poder da patria, engrande
ceram ao mesmo tempo a sua ordem, que, obtendo
por doação regia as terras novamente descobertas,
e por bulia pontificia os direitos ecclesiasticos del
ias, viu elevarem-se successivamente os seus ren
dimentos, a ponto de ser considerada, senão amais
riea, uma das mais opulentas ordens decavallaria
da Europa.
De toda esta grandeza reflectia sobre a villa de
Thomar muito lustre e variadas vantagens econo
micas, com que a povoação se augmentou e enri
queceu. O infante D. Henrique' duque de Vizeu,
por muitos annos fez a sua principal residencia n'es-
ta villa. Desde então a ordem de Christo foi gover
nada por principes, e o seu convento de Thomar of-
fereceu hospedagem a muitos soberanos.
Ao infante D. Henrique suecedeu, no mestrado de
Christo, o infante D. Fernando, seu sobrinho, e ir
mão d'el-rei D. Affonso v. A D. Fernando suecedeu
seu filho primogenito, D. Diogo, duque de Vizeu,
e a este seu irmão, D. Manuel, duque de Beja, que
alguns annos depois empunhou o sceptro, merecen
do que a historia lhe desse o epitheto de rei afor
tunado , pelas venturas que choveram sobre Por
tugal em seu reinado.
El-rei D. Manuel, continuando com vigoroso im
pulso as empresas maritimas de seu illustre tio, o
infante D. Henrique, associou a ordem de Christo
a todas as glorias do seu venturoso reinado. As fro
tas, que, devassando todos os mares do globo, ras
garam o veo, que encobria á Europa a carreira da
lndia, e as regiões doBrazil, foram armadas e equi
padas, quasi exclusivamente, «om os avultadissi
mos rendimentos da ordem de Christo. Os seus ha
bitos e rendosas commendas serviram de premio ao
— 75 —
arrojo e dedicação dos descobridores, econstituiram
o incentivo moral ephysico, que produziu aquellas
extraordinarias façanhas, quepozeramavassalladas
aos pes do soberano de Portugal a Africa, a Asia,
e a America. E finalmente a insignia da mesma or
dem , esculpida em todas as grandes construcções
d'aquella epoca, fallando-nos d'essas nossas passa
das grandezas, ainda hoje attesta aos estranhos, e
recordará ás gerações futuras o quanto a ordem de
Christo concorreu, com o despendio das suas ren
das, e com o esforço dos seus cavalleiros, para lan
çar as bases sobre as quaes se elevou e assenta so
lidamente esta moderna civilisação, que nos ma
ravilha e ensoberbece.
No decurso de trinta e sete annos, em que D. Ma
nuel regeu o mestrado de Christo, por muitas ve
zes esteve em Thomar, e ahi celebrou varios capí
tulos geracs em que se reformaram e ampliaram os
estatutos e definições da ordem. O governo d'este
grande monarcha ficou commemorado em Thomar
por diversas construcções, que lhe fazem honra ;
no convento de Christo por algumas obras magni
fícas; e na villa pelos seus melhores edificios, co
mo adiante mostraremos.
D. João ih succcdeu a el-rei D. Manuel, seu pae,
no throno portuguez , e no governo da ordem de
Christo, e em seu tempo, e por sollicitações suas, se
encorporaram para sempre na coroa os mestrados
das tres ordens militares, por bulia do papa Julio m,
em 1551. Em 1523 foi este soberano a Thomar, e
ahi fez muitas reformas na constituição dos freires,
que passando a ser religiosos de cogula, ficaram,
talvez, venerando melhor a Deus , mas servindo
menos a patria. D. João m fez sumptuosas obras
no convento de Christo. Seu neto e successor, el-
rei D. Sebastião tambem honrou com a sua visita
a villa de Thomar ; mas dois annos depois da la
mentavel catastrophe, que sepultou estejovene te
merario soberano com a independencia do seu rei
no nas planicies de Alcacerquibir, adquiriu aquel-
la villa uma triste celebridade. Quiz o capricho da
sorte, que a usurpação castelhana se consummasse
-76 —
na propria terra, d'onde tinham saido no largo pe
riodo de quatro seculos muitos dos mais estrema
dos campeões da independencia de Portugal, do
seu poder, e da sua gloria. Foi, emtim, na villa de
Thomar que se reuniram as cortes, que reconhece
ram, em 1581, os pretendidos direitos de D. Fi-
lippe n de Castella ao throno portuguez.
Filippe 11 veiu assistir a esta reunião, cercado
de lodo o esplendor da sua corte, e ahi se demo
rou por algum tempo, depois da sua acclamação,
para tratar dos negocios da ordem de Christo, co
mo seugrã-mestre. Passados quasi quarenta annos,
em 1619, seu filho D. Filippe ni de Hespanha, de
pois de ter feito a sua entrada em Lisboa com ex
traordinario fausto e apparato, partiu para Thomar,
onde presidiu a um capitulo geral da ordem de Chris
to, que durou tres dias, e em que se concluiu a re
forma dos seus estatutos encetada pelo seu anteces
sor. Este soberano perpetuou a memoria do seu go
verno em Portugal, e da sua visita a Thomar com
dois monumentos grandiosos: o claustro, ainda ho
je chamado dos Filippes, no convento de Christo,
e o aquedueto, que traz agua para o mesmo edifi
cio.
As reformas de D. João m despojaram o conven
to de Christo da sua antiga importancia e esplen
dor. Assim pois, atravez das pompas d'estas visi
tas reaes, e da magnificencia d'aquellas construc-
ções, transparecia a decadencia da ordem, e pelas
mesmas causas, e por outras resultantes do infor
tunio d'Africa, e do jugo hespanhol, tivera origem,
e tomava vulto a decadencia da villa.
Na porfiosa luta de vinte e oito annos, que con
solidou a independencia do paiz e a dynastia de Bra
gança, proclamadas emol.0 de Dezembro de 1640,
esteve a villa de Thomar não lembrada do inimigo,
e quasi esquecida do governo.
No começo do seculo seguinte, em que a morte
de Carlos ii de Hespanha fez dooccidenteda Euro
pa o theatro d'essa famosa guerra, chamada da suc-
cessão, na qual o duque d'Anjou, neto de Luiz xiv
de França, e o archiduque Carlos d'Austria, dispn
— // —
tavam o throno de S. Fernando, hospedou a villa
de Thomar a este principe . que pouco depois foi
imperador d'Alemanha, com o nome de Carlos vi,
e a el-rei D. Pedro n, quando voltavam da cam
panha da Beira em 1704. D'ahi a dez annos rece
beu esta nobre povoação com singulares festejos e
alegrias a el-rei D. João v, e seus irmãos, os in
fantes D. Antonio, e D.Manuel, acompanhados de
uma brilhante e numerosa corte.
As prosperidades e sollicitude da primeira me
tade d este reinado fizeram-se sentir na villa de
Thomar. A estrada, que a ligava a Lisboa, a Coim
bra , e ao norte do reino, foi feita de novo, e as
suas pontes foram reparadas, on reconstruidas. O
oiro que affluia continuamente do Brazil a Lisboa,
refluindo da capital, como coração do reino, para
todos os membros d'este corpo, animou as indus
trias em todo o paiz, e Thomar floreceu a seu tur
no. Porém a nova estrada por Leiria, mandada abrir
pela rainha D. Maria i, dando outra direcção aos
viandantes e ao commercio interior, foi causa de
recomeçar a decadencia de Thomar, que progrediu
d'ahi em diante já pela ruina da sua estrada, já
pelas terriveis consequencias da guerra do princi
pio d'este seculo.
A terceira invasão franceza deixou n'esta villa
tristes vestigios da sua passagem. O inimigo entrou
ahi em Outubro de 1810, e tanto n'esta sua marcha
sobre as linhas de Torres Vedras, como na sua re
tirada em Março do anno seguinte, commetteu van-
dalicas devastações nos edificios da villa, e princi
palmente no convento deChristo, onde destruiu mui
tas preciosidades artisticas, e importantissimos do
cumentos historicos.
Os curtos annos de paz e tranquillidade, que o
nosso paiz desfructou depois da guerra geral, mal
deixaram resarcir-se a villa de Thomar das suas
graves perdas. No longo periodo de trinta annos,
que se suecedeu, todo cheio de discordias civis, de
instabilidade, de descuido, e embaraços para to
do o genero de melhoramentos materiaes, felizes fo
ram as povoações do interior, que se poderam con
— 78 —
servar estacionarias. Thomar teve essa fortuna, de
vida primeiramente á libertação da terra, que des-
involveu bastante a sua industria agricola, e depois
ao systema protector das pautas de 1836, que deu
notavel impulso á sua industria fabril. Apezar de
que o commercio, fonte de vida para aquellas duas
industrias, se acha ali ainda peado pelas difficulda
des da viação, cremos, comtudo, que Thomar já vae
prosperando, e é fora de duvida que tem diante de
si um proximo futuro de engrandecimento, que se
realisará logo que o caminho de ferro do norte ,
unindo-a em estreitas e faceis relações com os dois
maiores centros de povoação, de industria, e de
capitaes de Portugal, Lisboa e Porto, a deixe ex
plorar desassombradamente as riquezas do seu solo,
o amor do trabalho dos seus habitantes, as singu
lares bellezas da sua situação, e os monumentos de
historia e primores d'arte, que encerra.
A villa de Thomar foi elevada á cathegoria de
cidade pela rainha, a senhora D. Maria n, que tam
bem creou conde de Thomar ao senhor Antonio Ber
nardo da Costa Cabral. Tinha esta cidade represen
tação em as nossas antigas cortes, onde os seus pro
curadores tomavam assento no quarto banco. Tan
to o senhorio como a jurisdicção espiritual d'esta
terra pertenciam á ordem de Christo, cujo mestre
nomeava um prelado com jurisdicção quasi epis
copal sobre todas as terras e egrejas da ordem, o
qual não reconhecia autoridade ecclesiastica supe
rior senão o papa.
O brasão d'armas da cidade de Thomar é um es
cudo coroado, e n'elle em campo de prata uma cruz
de purpura da ordem de Christo. Antes da institui
ção d'esta ordem tinha outro brazão, que era allu-
sivo ao martyrio de Santa Iria, e se compunha do
modo seguinte : escudo esquartelado por uma cruz,
no primeiro quartel da direita uma figura de ho
mem , representando Britaldo com um bastão ou
sceptro na mão; no segundo o soldado, que dego
lou a santa, chamado Banão, levantando o braço
armado de um punhal, e junto uma arvore; no ter
— 79 —
ceiro um castello ; no quarto a santa virgem de
golada, caindo no rio Nabão.
A cidade deThomar cstende-se por uma planicie ao
longo do rio, terminando em cada extremidade num
vasto campo ou rocio, chamado a Varzea grande, e
a Varzea pequena. N'aquella desemboca a estrada,
que vae de Lisboa ; e d'esta sae a estrada, que con
duz para Coimbra. A varzea grande uão terá muito
menos de dois kilometros de circumferencia. Cul
tivada na sua maior parte, ou cearas ou simples rel
va offerecem perennemente á vista um extenso ta
pete de matizada verdura. Sombreia-a uma sober
ba alameda de arvores frondosas. Adorna-a um ele
gante padrão, ou cruzeiro, de brincada esculptura,
obra d'el-rei D. Manuel. Guarnece-a por um lado o
Nabão com a faxa prateada de suas limpidas aguas.
Por outro lado fazem-lhe cêrco viçosas collinas e o
monte alcantilado, do cimo do qual a dominam o
velho castello dos templarios, e o antigo convento
da ordem de Christo. È' um sitio summamente ale
gre e delicioso.
A varzea pequena, ainda, que menos variada em
beltezas e contrastes, é comtudo muito amena e
aprazivel. Tambem tem muito viço e frescura. Tam
bem a rega o Nabão, e serve-lhe de ornato uma
fonte. ,
São duas as ruas principaes da cidade, ambas
mui compridas, e cortadas de varias travessas. A
melhor chama-se Corredoura. E' bella pela sua ex
tensão, alinhamento, e largura ; pelos bons pre
dios, que a guarnecem, e sobretudo pela sua situa
ção, pois que num extremo tem por horisonte o
monte do castello, e no outro tem por limite o rio
e a grandiosa ponte de cantaria, que lhe dá segui
mento para uma linda alameda da margem opposta.
Tem a cidade uma bonita praça, onde se levan
tam dois dos seus melhores edificios : a egrejapa-
rochial de S. João Baptista, e a casa da camara,
ambos monumentos do animo magnificente d'el-rei
D. Manuel. Na fachada da casa da camara vo-se o
escudo das armas reaes entre a cruz de Christo e
a esphera armilar , nobres divisas do rei afortu
— 80 —
nado. A egreja de S. João Baptista ostenta nos va
riados lavores da sua frontaria aquelletypo engra
çado e loução da architectura gothico-florida, que
symbolisa a cdade d'oiro de Portugal.
Além d'esta freguezia, tem a cidade outra paro-
chia, de mais antiguidade e de mais interesse his
torico. Tem, como a primeira, a prerogativa de
collegiada ; mas além d'isso goza das regalias de
matriz, e da mais subida honra de ter servido de
cabeça ás poderosas e dislinctissimas ordens do
Templo, e de Christo. O seu orago é Nossa Senho
ra d' Assumpção ; mas, porque a cercam olivaes, é
mais conhecida pelo nome popular de Santa Ma
ria dos Olivaes, ou do Olival. Está situada fora da
cidade, e do outro lado do rio, em logar deserto.
Da sua fundação já falíamos, tratando da origem
de Tbomar c seu castello. E' uma egreja de tres
naves, que apenas conserva da fundação dos tem
plarios a frente principal, de singela architectura
gothica. Todos os mestres da ordem do Templo, e
alguns da de Christo foram sepultados n'esta egre
ja, uns em tumulos levantados sobre leões, outros
em sepulturas humildes, mas com os seus epita-
phios. Porém nos reinados de D. Manuel e de D.
João ia, em que se fizeram muitas obras dereedi-
ficação e augmento, foram trasladados quasi todos
estes despojos mortaes para uma capella do corpo
da egreja, allegando-se a necessidade de desemba
raçar esta de tantos mausoleos, que a obstruiam.
E commetteu-se a barbaridade de desfazer e inu-
tilisar todos aquelles tumulos, perdendo-se assim
as inscripções sepulchraes de tantos mestres bene
meritos, exceptuando as deGualdim PaeseLouren-
ço Martins, mestres do Templo. Na capella-mór
ainda se conserva o epitaphio de D. uil Martins,
primeiro mestre da ordem de Christo.
O convento de Christo está contiguo ao castello. A
sua egreja, consagrada a Nosso Senhor Jesus Christo,
mostra em mui differentes typos de architectura as
diversas reconstrucções por que tem passado. A. ca-
pella-mor é a parte mais antiga, e tambem a mais
rica. Exteriormente é de forma octogona, acastcl
— 81 —
lada, com sua coroa de ameias. ínteriormente tem
em volta do altar-mór uma charola, com capelli-
nhas, obra de gosto oriental, e de muito primor
artistico, ornada de excellentes esculpturas rele
vadas e vasadas, de pinturas e doirados.
Se se der credito ás tradições da ordem , e da
povoação, esta capella-mór é ainda a mesma que
fundou D. Gualdim Paes. A estas tradições op-
põem-se, porém, a perfeição das esculpturas, e a
profusão dos ornatos, que não parecem proprias de
uma epoca de tanto atraso nas artes, e de tanta
singeleza nas construcções. Estas contradicções po
derão todavia conciliar se, acceitando-s« a hypothe-
se de ter trazido D. Gualdim, no seu regresso da
Palestina , ou mandado vir depois alguns artistas
d'esse paiz, pois que as artes achavam-se então mui
to mais adiantadas na Asia que na Europa.
As mais partes da egreja foram completamente
reedificadas por el-rei D. Manuel. No corpo do tem
plo nada ha presentemente que admirar ; pois que
as primorosas cadeiras do coro, mandadas fazer por
el-rei D.Manuel de madeira da lndia com mil deli
cadas esculpturas, executadas segundo os desenhos
de Miguel Angelo Buonarotti, foram queimadas pe
los francezes em 1 810 ; e os livros de cantochãc;, de
corados de ricas illuminuras, devidas ao habil pin
cel de Francisco de Hollanda, já lá não existem. Na
fachada do templo prodigalisou o architecto a poe
sia da arte em mil engraçados relevos de variadis
sima invenção.
O convento e nnf edificio immenso, construido
egualmente em differentes epocas. Encerra oito
claustros, alguns dos quaes são de maravilhosa fa
brica. Um d'elles, contiguo á egreja pelo lado do
norte, tem todas as apparencias de ter sido obra da
primeira fundação dos templarios. D'esse tempo
tambem ainda se conservam, segundo todas as pro
babilidades, algumas partes do convento para o lado
da horta e jardim. Do infante D. Henrique existem
dois claustros, e um d'el-rei D. Manuel- D. João iu
construiu, além dos dormitorios, refeitorios, casa
de capitulo, noviciado, hospedarias, e mais offici-
VOL. tlt. 6
-82 —
na», um grande claustro. De D. Filippe íí e D. Fi-
lippe in de Hespanha são duas obras sumptuosas :
o aqueducto, que traz agua ao convento, e o claus
tro , de notavel gosto e magmficencia , aiuda hoje
chamado dos Filippes. Ambas estas construcções
foram principiadas pelo primeiro d'aquelles sobe
ranos e acabadas pelo segundo. O aqueducto come
ça em Santo Antonio dos Pegões, a uma legua de
distancia, d'onde conduz duas copiosas nascentes
sobre arcos decantaria, em alguns sitios duplica
dos. Ao chegar ao convento encosta-se á frontaria
d'elle, formando-lhe vistoso e singular adorno com
as pyramides e cruzes de Christo, que n'este ponto
o guarnecem e coroam.
Junto ao convento ergue-se o castello. O vene
rando alcaçar de Gualdim Paes, que soffreou e fez
empallidecer as meias luas do poderoso e arrogan
te imperador de Marrocos, ainda lá está de pé com
os seus torreões e baluartes, e com as suas duas cer
cas de muralhas. Para o lado do nordeste e meia
dia está sentada a fortaleza em alto throno de ro
chas escarpadas. Para o lado de noroeste e sul le-
vanta-se sobre terreno, que desce com declive de
facil accesso. Dentro do castello vêem-se as ruinas
de uma ermida, que foi dedicada primitivamente a
Santa lVJaria do Castello, e depois a Santa Cathari-
na. No largo espaço comprehendido entre a primei
ra e segunda cerca de muralhas verdejam actual
mente vinhas, hortas e pomares, que os mananciaes
do aqueducto do convento veem regar abundante
mente. Dos baluartes do castello, como dasjanellas
do convento, desfructa-se uma vista admiravel.
Pela extincção das ordens religiosas o convento
de Christo ficou sendo, e é, propriedade do estado,
mas a sua cerca , e a do castello , com o edificio
das hospedarias foram comprados pelo senhor con
de de Thomar.
Havia na cidade mais tres conventos: o de S.
Francisco, de franciscanos, fundado em 1625, ho
je pertencente acamara ; o de Nossa Senhora da An-
nunciada, de capuchos piedosos, construido n'uma
eminencia sobranceira á Varzea pequena no anno
— 83-
de 1645 ; e o de Santa Iria, de freiras francisca
nas, hoje extincto, edificado em 1476 no mesmo
sitio em que esteve o mosteiro de religiosas de S.
Beato, onde viveu e padeceu martyrio aquella san
ta virgem. Está situado junto ao Nabão, e ahi se
mostra ainda o pego, onde a tradição refere, que
foi lançado o corpo da martyr, depois de degolada
(*). Este editicio foi vendido e demolido para no
vas construcçòes.
Os outros edificios religiosos são, a egreja e hos
pital da misericordia, fundados por el-rei D, Ma
nuel em 1501 ,e mais quatorae ou quinze egrejas e
ermidas dentro da cidade, e nas suas immedia-
ções.
Possue esta cidade um bonito theatro, uma so
ciedade philarmonica, duas fabricas de papel, e
uma de fiação de algodão. Esta ultima, sobretudo,
c um importante estabelecimento fabril, que em
prega grande numero de braços, c cuja força mo
triz é a agua do rio.
E' Thomar mui farta não só dos generos de pri
meira necessidade , mas de outros que se podem
considerar regalos da vida. Abastecem-a deexcel-
lente agua varias fontes; de mimosas e variadas
frutas e hortaliças os pomares e hortas, que a cir-
cumdam ; de peixe fresco o Nabão eacostadaNa-
zareth, que, apezar de ficar a 14 leguas de distan
cia, lhe envia a miudo muito pescado ; e, finalmen
te, de caça rasteira e do ar os montes visinhos, e
as margens do rio. Tem feiras annuaes a 3 de Ju
nho, a 17 do mesmo mez, e a 20 de Outubro.
Pelo que dissemos, fallando da situação da cida
de, poder-se-ha julgar da belleza e amenidade dos
seus suburbios. Os da margem opposta do rio, on
de está o arrabalde ou bairro de Santa Iria, são de
liciosos.
O Nabão nasce na fonte do Agroal junto da foz
da ribeira das Pias; recebe no seu curso algumas
pequenas ribeiras, rega muitos campos epomares,

(•) Faltamos d' esta lenda no artigo da villa de San


tarem.
— 84 —
faz trabalhar muitos moinhos, e lança-se no Zeze
re, que a seu turno desagua no Tejo.
Da cidade de Nabancia poucos vestigios se con
servam. Vo-se porém no termo de Thomar o local,
que outr'ora serviu de assento a uma cidade, que flo-
receu sob o dominio dos romanos com o nome de Be
zelga, e da qual teem apparecido em diversas occa-
siões restos de edificios, columnas. porticos, obras
de mosaico, e canos de agua. O sitio que esta cida
de occupava é conhecido agora pelo nome popular
de Monte da Cividude ; mas o seu nome conserva-se
em uma pequena aldêa, proxima d'ati. Junto ao adro
da egreja de Bezelga descobriu-se no seculo xvn
uma vasta obra de mosaico. Um nosso escriptor do
seculo passado, fallando d'esta descoberta, diz ser
t uma calçada subterranea sobre argamaça feita de
pedrinhas quadradas do tamanho de dados, de va
rias cores, á maneira de embrechado, de curioso ar
tificio. > Tambem diz que ahi se achou < um cano
de telhões por onde algum dia corria agua.» Outro
escriptor nosso, o autor do Agiologio Lusitano, tra
tando da mesma materia, escreveu o seguinte : «Dez
annos ha, que tremendo a terra, subiram os mora
dores de Bezelga ao alto d'este monte (da Cividade)
para ver se nas cavernas, que abriu achavam algum
oiro ou prata, com que muitos se enriqueceram de
repente.»
Na freguezia das Ollalhas ou Olaias, que fica a
duas leguas deThomar, descokriram-se ha pouco me
nos de dois seculos sete minas de oiro, que se ex
ploraram não sabemos por quanto tempo, mas cons
ta que se extrahiu d'ellas bastante oiro. No logar
do Soveral, tambem do termo de Thomar, existem
minas de ferro.
O termo d'esta cidade é muito fertil, sobretudo
nos valles, que pela sua frescura se prestam a todo
o genero de cultura. As principaes producções são:
cereaes, azeite, vinho, e frutas, em que entram cas
tanhas, de que exporta bastante quantidade.
Thomar tem uma população de perto de quatro
mil almas. D'entre os seus filhos, que mais a illus-
traram, apontaremos os seguintes : —Antonio de
—8S —
Castilho, filho do cetebre architecto João de Casti
lho, que fez o risco e dirigiu as obras do convento
de Christo em tempos d'el-rei D. Manuel ; Antonio
de Castilho foi lente da universidade de Coimbra,
desembargador da casa da supplicação, embaixador
a Inglaterra, guarda-mór da Torre doTombo, echro-
nista-mór do reino : — D. frei Duarte d'Araujo, D.
prior geral da ordem de Christo : — D. frei Louren
ço Garro, D. prior geral da mesma ordem, e depois
bispo de Cabo Verde : — Gaspar Leitão da Fonseca,
socio da academia real dejiistoria, e escriptor dis-
tincto : — Pedro Vaz Quintanilha, poeta comico,
autor de muitas poesias e autos mui estimados em
seu tempo: — Mendo de Foios Pereira, embaixa
dor a Madrid, e secretario d'estado d'el-rei D. Pe
dro n.
— &6-

a mLft DA T0KKE DO MONCORVO.

Esta villa da provincia de Traz-os-Montes, dis-


tricto administrativo de Bragança , está edificada
nas faldas do monte Roboredo , em situação pouco
elevada, mas que domina um dilatado valle, que os
rios Douro e Sabor limitam pelo sul e noroeste. O
Douro corre a uma legua da villa, e o Sabor a pou
co mais de meia ; e pela sua juneção dão ao territo
rio em que está Moncorvo a forma triangular. O pri
meiro d'aqueltes rios serve aqui de divisão às pro
vincias da Beira Alta e Traz-os-Montes. Moncorvo é
cabera de comarca, e dista quatorze leguas da ci
dade de Miranda , e umas cinco da villa de Freixo
d'Espada á Cinta.
A fundação d'esta villa data do século xu ouxm,
e teve principio em uma torre, que ahi edificou um
tal Mendo ou Mem Corvo, para sua morada e segu
rança. Segundo o costume, e necessidade d'aquel-
les tempos, os aldeãos pobres, que viviam isolados
n'aquellas circumvisinhanças, demandando o abrigo
de uma casa forte e a protecção de um rico proprie
tario, foram mudando pouco a pouco as suas chou
panas para junto da torre. Assim se formou, ao que
parece , o primeiro nucleo da povoação. Passado
pouco tempo augmentou rapidamente à custa da
villa de Santa Cruz, que ficava d'ali uma legua, em
sitio tão doentio, e falto d'agua, que os seus mo
radores foram-se transferindo para a nova povoa
ção , que lhes offerecia a triplicada vantagem de
ares salubres, abundancia d'agua, e excellentes
terrenos para cultura.
A villa de Santa Cruz, abaudonada completamen
te, caiu em ruinas, e hoje raros vestigios mostra da
sua existencia. A nova povoação, tomando o nome
porque era conhecida a torre, começou a chamar -
se Torre de Mendo Corvo ou de Mem Corvo.
Pretendem alguns antiquarios, que a etymologia
de Moncorvo se deriva de Mons Curvus, dizendo
que assim designavam o monte Roboredo por ser
TORRES NOVAS.

o^^ãJ^^^W^F^
— 93 —
bre Santarem, onde os nossos lhe fizeram pagar ca
ra a barbaridade com que se houve em Torres No
vas. Estando reedificada de pouco tempo, em 1190
tornou a ser sitiada pelos moiros, que a entra
ram por capitulação, destruiudo-a novamente. Ou
tra vez conquistada pelos portuguezes capitanea
dos peto infante D. Affonso, filho primogenito de
D. Sancho t, e seu successor, foi levantada das suas
minas pelo rei D. Sancho, que repoz as fortifica
ções no estado anterior, mandando povoar a villa.
Este mesmo soberano lhe concedeu foral com eguaes
privilegios aos de Thomar, que eram mui grandes.
El-rei D. Diniz doou o senhorio d'esta villa á
rainha Santa Isabel, sua esposa, per occasião do
seu consorcio. Possuiram-na depois alguns infan
tes até ao reinado de D. João n. Este monarcha
deu-a a seu filho bastardo, D. Jorge de Lencastre,
duque de Coimbra; e desde então conservou-se nos
seus descendentes, os duques d'Aveiro, até á ex-
tincção d'esta casa em 1759, cujos bens e senho
rios foram encorporados na coroa.
Em 1438, tendo fallecido el-rei D. Duarte, e
succedido no throno seu filho, el-rei D. Affonso v,
contando apenas cinco annos de edade, foram con
vocados a cortes os tres estados do reino na Villa
de Torres Novas. Entre outras providencias go
vernativas, que ahi se determinaram, foi uma, que
andassem na corte dois prelados, cinco fidalgos, e
oito cidadãos annualmente nomeados. Era uma es
pecie de commissão permanente das cortes para
servir de conselho junto do governo nos negocios
importantes do estado.
No reinado de D. João n serviu esta villa de as
sento á casa da supplicação, primeiro tribunal do
reino, creado por D. João i. D esta villa foram cha
mados a Evora os juizes d'aquelle tribunal , que
sentencearam o duque de Bragança, D. Fernando n,
no anno de 1483.
Torres Novas gozava do privilegio deenviar pro
curadores ás antigas cortes, os quaes se sentavam
no banco sexto. El-rei D. Manuet fez marquez de
Torres Novas a D. João de Lencastre, que depois
— 94 —
foi primeiro duque d'Aveiro, c era filho de D. Jor
ge, duque de Coimbra. D. Filippe n de Castella
elevou esta vil la a cabeça de ducado em favor dos
primogenitos dos duques d'Aveiro. Extincta esta
casa, foi renovado o titulo de marquez de Torres
Novas na pessoa de D. Alvaro Antonio de Noro
nha Abranches Castello Branco, setimo conde de
Valladares, pelo principe regente D. João, depois
rei, sexto do nome. Este titulo acabou pela morte
do primeiro marquez. O senhor D. Pedro v creou
visconde do mesmo titulo ao senhor Antonio Cesar
de Vasconcellos Corrêa, ao presente governador ge
ral da índia.
O brasão d'armas d'esta villa é, em campo ver
melho, uma torre de prata sobre terreno verde,
tendo por cima das ameias um braço de guerreiro
armado de uma clava de ferro.
Divide-se a villa em quatro parochias, quesão :
o Salvador, que é a matriz ; Santa Maria, S. Pe
dro , e Santiago. Tem casa de misericordia, hos
pital, e varias ermidas. Teve dois conventos de fra
des, -e um de freiras, actualmente extinctos. Este
ultimo, intitulado do Espirito Santo, era de reli
giosas terceiras franciscanas, e foi fundado em 1536
por D. Branca, tia do arcebispo de Braga, D. frei
Aleixo de Menezes, a qual se recolheu e professou
no dito convento. Os de religiosos eram : o de S.
Gregorio, de carmelitas calçados, edificado em 1558
por D. Jaime de Lencastre, bispo de Ceuta, filho de
D.Jorge, duque de Coimbra. Este edificio está n'um
sitio ameno, sobranceiro ao rocio da villa : e o de
Santo Antonio, de arrabidos, foi fundado em 1562
por D. João de Lencastre, primeiro duque d'Avei-
ro, em Liteiros, a meia legua da povoação, e depois,
por ser o logar doentio , transferiu-o o duque de
Aveiro, D. Alvaro, em 1501 para o sitio em que
está, chamado Berlé, proximo da villa, paraolado
do sul. N'esta transferencia foi-lhe mudada a anti
ga invocação de Nossa Senhora do Egypto na de
Santo Antonio.
Torres Novas sempre foi uma povoação muito in
dustriosa, do que dão testemunho as suas antigas
— 9o —
fabricas de papel, e de tecidos de algodão, eaque
modernamente se orgauisou de tecidos de linho, por
meio de acções. Esta fabrica emprega grande nu
mero de braços; tem aperfeiçoado os seusproduc-
tos, e acha-se em estado prospero.
As cercanias de Torres Novas são bem cultiva
das , e conteem alguns sitios de muita belleza e
amenidade, sobretudo junto ás margens do Almon-
da. Nasce este rio nas faldas da serra d'Ayre, ou
de Minde, entre os logares de Pedrogão Pequeno e
da Zibreira, uma legua ao noroeste de Torres No
vas. Rebentando por um só olho d'agua, e despe-
nhando-se logo por cima de rochedos, e por entre
escabrosa penedia, com grande fragor, forma uma
formosa cascata mui digna de ser vista. D'ali se
encaminha por um valle assombrado de muito e an-
noso arvoredo até entrar pelo meio da villa de Tor
res Novas. D'aqui continua o seu curso por mais
outra legua, até desaguar no Tejo defronte dolo-
gar da Azinhaga. Cortam o rio algumas pontes, sen
do tres junto da villa : a ponte do Ral, que é a mais
antiga, e dizem que a sua primeira fabrica foi obra
dos romanos ; a ponte da Levada, que dásaida pa
ra o rocio, e para o convento do Carmo, de S. Gre
gorio Magno ; e a ponte Nova, que communica para
os olivaesj e para a estrada da Gollegã.
E' orlado o Almonda de muito arvoredo silves
tre ; passa por entre grande numero de hortas e
pomares, que rega, e faz trabalhar as machinasda
fabrica de tecidos de linho, e muitos moinhos na
villa e nos arrabaldes, para o que lhe represam as
aguas muitos açudes. Por ser a sua agua melhor
que a das fontes da villa, a maior parte da povoa
ção bebe d'ella.
Os romanos, achando este rio muito similhante
ao Mondego na pureza e excellente qualidade das
aguas, lhe deram o nome de Alius Munda, outro
Mondego, pois que a este chamavam Munda. D'a-
quelle nome se derivou o de Almonda. Posto que
haja quem lhe assigne outra etymologia, esta é a
que nos parece melhor.
Ha nos arrabaldes de Torres Novas umas grutas,
— 90 —
que são das mais notaveis curiosidades geologicas
de Portugal. Distam da v i 1 1 a meia legua, e dão o
nome a uma pequena povoação, que está edificada
sobre ellas chamada o logar das Lapas. A aldêa
oceupa a coroa de um oiteiro, que se acha todo mi
nado e aberto em grutas tão altas, e tão compri
das, que parecem ruas subterraneas. Em algumas
partes vêem-se aberturas na sua abobada natural,
por onde lhe entra luz. Mas n'outras partes são tão
escuras, que não se pode andar n'ellas sem o au
xilio de um archote. Em occasiões de tempestades
abrigam-se ali muitas vezes os pastores com os seus
rebanhos, assim como os jornaleiros ; o que deu ori
gem ao adagio mui vulgar n'aquelles sitios, que diz
que — no logar das Lapas andam os vivos por bai
xo dos mortos, pois que a egreja parochial, cujo
orago é Nossa Senhora da Conceição, está exacta
mente por cima da grutas.
E' tradição entre aquelle povo, que os moiros,
durante o seu longo dominio em o nosso paiz, abri
ram aquellas grutas para extrahir d'ali a pedra com
que fabricaram as fortificações de Torres Novas. Se
porventura são o resultado do artificio humano, tam
bem é possivel, que datem de tempos mais remotos,
e que tivessem por autores os romanos, ou os phe-
nicios. N'esta hypothese devem ser as galerias de
alguma mina por elles explorada. Entretanto algu
mas pessoas intelligentes, que teem visitado estas
grutas, inclinam-se mais a que seíam naturaes.
Nos primeiros tempos da monarchiaachou-se em
uma d'estas grutas, msttida em uma cavidade a uns
vinte e cinco palmos de altura do pavimento, uma
pequena imagem de Nossa Senhora, que altrahindo
grande devoção dos povos d'aquellas visinhanças,
estes lhe edificaram em logar proximo uma boa egre
ja, onde a collocaram, com a invocação de Nossa Se
nhora da Graça. Como a villa de Torres. Novas foi
por vezes tomada e possuida alternadamente pelos
christãos c pelos moiros, é provavel que em algum
d'estes conflictos os christãos procurassem salvar a
sagrada imagem das profanações musulmanas, es-
condendo-a n'aquelle logar tão occullo; o que de
— 97 —
pois ou perdessem a idea do sitio, ou que fossem
victimas da ferocidade dos seus inimigos.
O termo de Torres Novas tem bons terrenos, mui
tas quintas importantes, e variada producção. K'
abundante de cereaes, legumes, frnctas, vinho, e
azeite. Estes dois ultimos productos, juntamente
com algumas fructas seccas, e aguardente, são os
principaes generos agricolas que exporta. Tem al
guma criação de gado. Caça não falta, e de peixe
d'agua doce vem muito á villa tanto doAlmonda,
como do Tejo.
Torres Novas encerra uns quatro mil e trezentos
habitantes. Faz-se ahi uma feira annual a 12 de
Março, mui concorrida, e de bastante commercio.
Foram naturaes d'esta villa o doutor António Pi
menta, um dos nossos melhores inalhemalicos do
seculo xvu, lente da universidade de Coimbra, e au
tor de numerosas obras ; e frei Arsenio da Ascenção,
doutor em direito, e theologia. frade dominico, e
provincial da ordem em Roma, pregador de Fer
nando ii, grã-duque de Florença, e seu conselhei
ro, medianeiro da composição entre este principe
e o papa Urbano viu, e fundador do convento de
Santo Agostinho, de dominicos, em Florença no aa-
no de 1636.

VOL. tlt.
-98-

A VILLA OE TORRES VEDItAS.

Esta muito antiga villa da provincia da Estrema


dura, districto administrativo de Lisboa, dista da
capital sete leguas para o norte, e duas da costa do
oceano. A sua situação é mui aprazivel e formosa.
Figurae uma vasta bacia, cujo fundo, perfeitamen
te plano, não tenha menos de meia legua de cir-
cumferencia. Formae-lhe as bordas de altos mon
tes, tão unidos, que apenas deixem entre si estrei
ta passagem ao rio Sisandro, e, entre outras, j|s es
tradas d# Runa e de Lisboa. Quasi no meio d'es(e
valle circular levantae um monte deforma conica,
muito menos elevado do que os outros, que orlam
o valle, e por ta! mpdp isolado, que nem por leves
ondulações de terreno se mostre ligado áquelles.
Coroae este montc com um velho castelto em rui
nas, cingindo-o a meia altura com uma cerca de
muros arruinados ; e nas faldas d'elle collocae a
villa de Torres Vedras , parte subindo um pouco
pela encosta, que olha para o sul, e parte, a mais
principal, sentada em planicie, e torneando- lhe a
raiz por todos os lados, menos pelo norte. Orlan
do de arvores as margens do Sisandro, e algumas
das estradas, que saem da villa, afora dois passeios,
que a ennobrecem ; povoando todo o valle de vi
nhas, hortas, pomares, e prados, ecortando-ocom
um aqueducto, que traz agua á villa sobre uma du
pla arcada ; ornando as quebradas dos montes de
além com humildes casaes, e alguns arvoredos ; e
finalmente rematando a mais alta das suas eminen
cias com o grande forte de S. Vicente ; ficará com
pleto o quadro d'aquelta linda e pittoresca bacia.
Debalde teem pretendido os antiquarios desco
brir a origem de Torres Vedras. Essa memoria gas-
tou-a o tempo, e de tal sorte, que nenhum vesti
gio nos deixou d'ella. Não resta porém duvida so
bre a sua muita antiguidade; pois que quatro la
pidas cem inscripções latinas, achadas nas suas ri-
— 99 —
sinhanças , provam que no tempo do dominio ro
mano já ali existia uma povoação (*).
Ignora-se qual fosse o seu nome n'esta epoca.
Destruido, porém, o imperio romano pelos povos
do norte, e avassallada por estes a Lusitania, co
meçaram os suevos, ou os godos, a denominar aquel-
la povoaçSo, no seu barbaro latim, Turres Veteres,
Torres Velhas, para differença da villa já existen
te de Torres Novas. D'aquelle latim corrupto se
derivou o nome de Torres Vedras.
A sua historia sob o governo dos godos, c dos
arabes ficou tambem em completo mysterio. Ape-
Bas podemos suppor, que n'esse tempo já era uma
terra importante, pela circunstancia de ser fortifi
cada , o que bem se deprehende do seu proprio
nome, e por alguns vestigios, que os moiros ahi
deixaram.
Pelos annos de 1148, rendidas Santarem e Lis
boa á espada victoriosa de D. Affonso Henriques,
cuidou este soberano de expulsar os moiros de to
da esta parte da Estremadura, comprehendida en
tre o Tejo e o oceano. Torres Vedras caiu, pois,
em poder do conquistador ; mas como lhe dispu
tou a entrada com tenaz resistencia, ficou um mon
tão de ruinas, e os seus moradores ou succumbiram
ao ferro dos christãos, ou buscaram a salvação na
fuga.
Tratou logo depois D. Affonso Henriques deman
dar reparar os edificios, c povoar a villa, conceden-
do-lhe para este fim muitos privilegios. Todavia o
seu primeiro foral em forma, de que ha noticia,
foi-lhe dado por el-rei D. Affonso in em Évora aos
IS d'Agosto de 1228. El-rei D. Manuel, queseap-
plicou á reforma dos foraes do reino , reformou
aquelle estando em Santarem em o i.° de Junho
de 1510.

(-) D'estas tapidas conservam-sí tres : duas na quin


ta chamada da Rainha, na freguezia da Carvoeira : a ou
tra na parede exterior daegreja parochial deMataeães,
ao lado da porta travessa.
— 100 —
D. Affonso ih e a rainha D. Beatriz, sua mulher,
residiram por vezes em Torres Vedras n'uns paços,
que então havia proximo docastello, e de que não
existem signaes. N'esses paços fundou a mesma rai
nha uma capeila real , que ainda ali permanecia
no reinado d el-rei D. Manuel, que a mandou re
mover para o convento da Graça.
El-rei D. Diniz, D. Affonso iv, e D. Fernando r,
tambem por vezes tiveram a sua corte n'esta villa.
D. João i ahi convocou os seus conselhos em 1413
para decidir-se sobre o projecto da conquista de
Ceuta. E o infante D. Pedro, duque de Coimbra,
regente do reino na menoridade de seu sobrinho,
el-rei D. Affonso v, reuniu cortes na mesma villa
em 1441 para se resolver a questão do casamento
d'el-rei com sua prima, a infanta D. Isabel, filha
do regente.
No anno de 1493 presenceou Torres Vedras uma
grande solemnidade. Tendo ido passar tresmezes
n'esta villa el-rei D. João n, n'ella recebeu com
muita pompa uma embaixada portadora de um ri
co presente, que lhe enviou el-rei de Napoles.
Tambem por este tempo ahi deu audiencia a mr.
de Leon, que vinha offerecer-se para o servir com
trezentas lanças nas guerras d'Africa.
Passados tres annos, tendo succedido no throno
el-rei D. Manuel, e achando-se em Torres Vedras,
no mez de Setembro, ahi celebrou duas funcções
magnificas de bem diverso genero : umas appara-
tosas exequias pelo seu successor, e a recepção so-
lemne de um embaixador da poderosa republica de
Veneza, ao qual o mesmo monarcha fez a honra de
armar cavalleiro, assistido de toda a sua corte.
Voltou el-rei D. Manuel a Torres Vedras em 1497
e 1518, e D. João m, seu filho, ahi foi passar alguns
dias em 1525, elevando por esta occasião a villa a
cabeça de comarca.
Quando se effeituou a revolução do 1.° de De
zembro de 1640, foiaquella villa uma das primei
ras povoações da Estremadura, que secundaram os
patrioticos esforços da capital. Em Agosto de 1652
— 101 —
recebeu com extraordinarias Festas e demonstrações
de alegria a el-rei D. João iv, no seu regresso de
Peniche. Este soberano demorou-se tres dias em
Torres Vedras, e estando já de todo arruinados os
paços velhos e os novos, hospedou-se nas casas do
prior deS. Pedro, contiguas á mesma egreja.
Honraram tambem esta villa com a sua visita
os reis D. João v, D. José i, D. Maria i e D. Pe
dro ui com toda a real familia ; o principe regen
te D. João, por duas vezes, em 1797 e em 1806;
a rainha, senhora D.Maria n, e seu esposo, el-rei
D. Fernando, o senhor D. Pedro v e a rainha se
nhora D Estephania ; e o principe Jorge de Ingla
terra, duque de Cambridge.
As invasões francezas do começo d'este seculo
deram celebridade em toda a Europa ás linhas de
defesa de Torres Vedras. Na terceira c ultima ten
tativa de Napoleão i para se apoderar de Portugal,
vieram murchar-se junto áquellas linhas os loiros
do marechal Massena e do seu formidavel exerci
to. O inimigo apresentou-se ali aos 7 de Outubro
de 1810, c sem ousar correr a sorte das armas,
começou a sua retirada sobre Santarem no dia 14
do seguinte mez de Novembro, onde se conservou
inactivo até Março de 1811, em que se viu forcado
a abandonar esta posição estrategica.
Na historia moderna das nossas revoluções tam
bem esta villa adquiriu uma triste celebridade. Em
Novembro de 1846 foi theatro de uma batalha san
guinolenta entre as tropas commandadas pelo ma
rechal do exercito, duque de Saldanha, que alcan
çou a victoria, e as forças revoltosas do commando
do tenente general, conde doBomfim. Entre as vi-
ctimas d'este deploravel conflicto perdeu Portugal
uma das suas maiores illustrações, o sabio ex-mi-
nistro Luiz da Silva Mousinho d'Albuquerque.
Pertenceu o senhorio de Torres Vedras a algumas
das nossas rainhas e infantas. A primeira que o pos
suiu foi a rainha D. Beatriz, mulher de D. Affonsq
in; e depois d'elia as rainhas Santa Isabel, esposa
d'el-rei D. Diniz ; D. Leonor Telles de Menezes,
— 102 —
mulher d'el-rei D. Fernando; D. Filippa de Len
castre, mulher de D. João i ; D. Leonor, esposa de
el-rei D.Duarte; D. Leonor, mulher de D. João ii;
D. Isabel e D. Maria, primeira e segunda mulher
d'el-rei D. Manuel. Foram tambem senhoras d'a-
quella villa as infantas D. Isabel, lilha de D. João i,
duqueza de Borgonha ; D. Isabel e D. Maria, filhas
d'el-rei D. Manuel ; e uma filha bastarda, mas le
gitimada, de D. João iv, chamada D. Maria, que
viveu recolhida no convento das freiras de Car-
nide.
El-rei D.Fernando, antes de fazer doação deste
senhorio a D. Leonor Telles , deu-o a um fidalgo
hespanhol, por nome João Affonso da Moxica. El-
rei D. Affonso v doou-o ao arcebispo de Braga D.
Fernando, que foi regedor dacasadasupplicação.
A alcaidaria-mór de Torres Vedras, depois de
ter pertencido a diversas pessoas, foi dada por D.
Affonso v a D. João d' Alarcão, e seus successores,
por este ter casado com a filha herdeira de Gomes
Soares de Mello, reposteiro-mór, cujos serviços
aquelle monarcha recompensou d'este modo. Por
occasião da restauração de 1640, tendo o repre
sentante d'esta familia, D. João Soares d'Alarcão
e Mello, seguido o partido de Hespanha, foi des
pojado de todos os seus bens e honras, e a alcai
daria-mór de Torres Vedras passou para a familia
dos Camaras Coutinhos, da qual é chefe ao presen
te o senhor D. Gastão da Camara Coutinho Pereira
de Sande, primeiro conde da Taipa.
D. Antonio, prior do Crato, quando se fez ac-
clamar rei de Portugal pela morte de seu tio, o
cardeal rei D. Henrique, nomeou conde de Torres
Vedras a Manuel da Silva, seu parcial. D.Filippe
iv de Hespanha tambem recompensou a adhesão
que lhe tinha o acima referido D. João Soares de
Alarcão e Mello, creando-o conde do mesmo titu
lo , e depois marquez do Trocifal. Finalmente o
principe regente, D. João, galardoou os serviços
de ArthurWellesley, mais tarde duque de Wellin
gton, e então commandante em chefe dos exerci
— 103 —
tés alliados anglo-Iusos, na defensa das linhas d*
Torres Vedras, elevando-o de conde do Vimeiro,
com que o tinha agraciado alguns mezes antes, a
marquez de Torres Vedras por decreto de 17 de
Dezembro de 1811, e no seguinte a duque deVi-
ctoria. Seu filho primogenito é actualmente segun
do marquez do mesmo titulo.
Tinha esta villa representação em ag nossas an
tigas cortes, com assento no banco setimo. O seu
brasão d'armas é um castello de oiro còm tres tor
res em campo verde.
Foi cercada outr'ora esta villa de muralhas com
suas torres e tres portas, denominadas, de Santa
Anna, da Varzea, e da Corredoira. A primeira foi
dsímolida em 1641 para desaffrontar e augmentar
o largo da Graça. A segunda demohu-se em 1734
por occasião de se fazer a estrada nova d'esta villa
para Mafra, em cujas obras se empregou a pedra.
A terceira desapparcceu mais anteriormente. Des
tas portas ficaram os seus nomes aos bairros em
que estavam situadas; BWmttraWhds', qir*si' intei
ramente subterradas ou derrocadas, apenas se?'dii
visam alguns vestigios, servindo de alicerces a ou
tros edificios:
São tres as egrejas parochiaes: a' matriz, que'
tendo por orago a Nossa Senhora da Assumpção, é
conhecida pelo nome popular de Santa Maria do
Castello, por estar edificada dentro da sua primei
ra cerca de muros : S. Pedro, e Santiago, situadas
no coração da villa. Tinha outra, intitulada S. Mi
guel, que se acha no arrabalde, entre o monte do
castello, e o rio Sisandro, a qual acaba de ser sup-
primida.
A fundação da egreja e hospital da misericordia
data de 1520. Aquella é um templo de regular gran
deza, e cuja sachristia é digna de menção especial;
O hospital é bem dotado e servido. Substituiu o an
tigo hospital do Santo Espirito, em cujas casas se
estabeleceu, e cujos rendimentos foram encorpora-
dos na misericordia. Depois; fazendo a mesma con
fraria acquisição de uma casa nobre, que estava con
— 104 -:
tigua á sua egreja, para ahi transferiu o hospital.
A rainha D. Leonor, mulher d'el-rei D. Duarte,
instituiu n'esta viila sete mercearias para donzellas
ou viuvas pobres e honestas.
Além (Testes estabelecimentos pios, teve Torres
Vedras em outros tempos mais dois hospitaes, o dos
Gafes, intitulado de Santo André, cujo edilicio se
demoliu em 1544 para ahi se construir o conven
to da Graça, ao qual se annexaram os seus bens ;
e o de S. Gião, que foi extincto, passando as suas
rendas para a misericordia, bem como as da con
fraria chamada das Ovelhas.
Contam-sc muitas ermidas dentro e fora da vii
la ; e teve o convento de Nossa Senhora da Graça,
de eremitas calçados de Santo Agostinho, fundado
primitivamente em 1266 em frente daparochiade
Santiago, e transferido em 1544 para um larog á
saida da villa, sobre a estrada de Lisboa. Foram
n'elle prelados, S. Gonçalo de Lagos, que a cama
ra tumou para patrono da villa, e D. frei Aleixo
de Meneies, ao diante arcebispo de Goa, e depois
de Braga. O edificio do convento é hoje proprie
dade particular. A egreja foi entregue á irmanda
de do Senhor dos Passos , que n'ella conserva o
culto divino com decencia.
Torres Vedras é mais bella vista de longe, que
de perto. As suas ruas são, em geral, muito estrei
tas, tortuosas, pouco limpas, e guarnecidas de ca
sas de tres e mais andares, que as fazem humidas
e taciturnas. Só tem uma que seja direita e bem
larga. Chama-se rua das Olarias, e começa junto ao
largo da Graça, que é a melhor praça da villa. Os
outros largos são pequenos. Quanto a casas nenhu
ma possue, que mereça mencionar-se ; todavia al
gumas tem grandes e de prospecto regular. A da
camara na praça do Pelourinho nada tem de nota
vel.
Os seus principaes monumentos são : ocastello,
o aquedueto, e o chafariz dos Cannos.
O castello apenas offerece o interesse da anti
guidade. Coroa, como acima dissemos, o alto do
— 105 —
monte, ficando a meia altura óVelle a cerca exte
rior de muros, com uma unica porta, que ainda
existe de pe. Ignora-se a epoca da sua fundação.
Consta porém que o reparou el-rei D. Fernando, e
mais tarde el-rei D. Manuel, pois que sobre aquel-
la porta se vê a sua divisa apar do escudo das ar
mas reaes.
No recinto do castello avultam as paredes de um
amplo edificio, que mostram a divisão das salas, que
encerrava. Segundo a tradição, e conforme refere a
Monarchia Lusitana, residiu ali alguma das nossas
primeiras rainhas. Serviu largos annos de habita
ção aos alcaides-móres do castello, um dos quaes
o reedificou no seculo xvn. Foi este o seu nono al-
caide-mór, D. João Soares d'Alarcão, de quem já
nos occupámos n'outro logar.
A mina d'este edificio, e do castello foi causada
pelo terremoto de 1755.
Tinha o castello dentro de seus muros tres cis
ternas , e um caminho subterraneo, por onde se
descia á margem do Sisandro.
O aquedueto foi principiado em 1657. Tem de
extensão um quarto de legua, e corre em metade
d'esta distancia por baixo da terra , e pela outra
sobre arcos dobrados, ou singelos. Os dois maio
res, que são contiguos e bastante altos, atravessam
o rio, e a estrada real que conduz de Torres Vedras
a Alhandra.
O chafariz dus Cannos reune o interesse artistico
ao da antiguidade. E' dearchitectura gothica, e tem
a forma de um pavilhão semicircular com cinco fa
ces, divididas por columnas, que vão sustentar o
entablamento, que é guarnecido de ameias com
suas esculpturas, e pyrainides mais elevadas, que
correspondem ás columnas. Em cada uma das faces
se abre um arco ou portico ogival, ornado de seis
columnas, tres de cada lado. Debaixo do pavilhão,
que é coberto de abobada, está a fonte, lançando
agua por duas bicas n'um pequeno ianque, d'onde
passa para outro tanque collocado inferiormente, e
que toma toda a frente do pavilhão. Este u Itimo
— lOtf—

é grande, e de constructção moderna. Serve para
uso dos ariimaes.
E' construido todo este chafariz de cantaria bem
lavrada. Tem uma inscripção, que diz o mandara
fazer uma infanta portugueza no anno de 1561.
Posto que não declara o nome "da fundadora, não
pode ser outra senão a infanta D. Maria, filha de
el-rei D. Manuel e da rainha D. Leonor, sua ter
ceira mulher. Aquella infanta foi senhora da villa
de Torres Vedras, como dissemos n'outro logar; e
além d'isso n'aquella data era a unica infanta, que
havia em Portugal.
Entretanto temos alguma duvida em acreditar,
que esta obra fosse feita no anno referido na ins
cripção. Reinava n'esse tempo D. Sebastião, e é
sabido que no reinado antecedente, de D. João m,
acabou o emprego da architectura gothica cm o
nosso paiz, introduzindo-se o gosto da architectu
ra classica', tambem chamada do renascimento das
artes. Foi tSo applairdida' a innovação, e desde lo
go caiu a architectura gothica em tanto desagrado,
que não só cessou a construcção de novos edificios
gothicos, mas até nos que estavam em obras, como
o mosteiro de Belem, abandonou-se o risco ate ali
seguido, para se concluir a edificação segundo as
regras da nova architectura. Julgamos pois que a
fundação dti chafariz' é muito anterior ao anno,
que lhe assignala a inscripção, que certamente foi
ali collocada muito posteriormente.
A' saida da villa pela estrada de Lisboa está ou
tro chafariz também antigo, porém mesquinho. Tem
a data de 1529, e véem-se n'elle as armas reaese
as da villa, esculpidas em pedra.
Dos antigos paços reaes chamados velhos não \\&
vestigios. Apenas se sabe que ficavam perto do cas-
tello, no bairro denominado de Carcavellos para a
parte dosul. Dos outros, por opposição áquelles,
designados pelo nome de novos, existem pequenos
restos no logar, onde hoje está o açougue.
Possue Torres Vedras um theatro, e dois passeios
publicos, agradavelmente situados. O passeio do Jar
— 107,—
dim, qjiè tomou este nome de uma fonte, que n'elte
ha, estende-se numa planicie, fora da villa, entre
os montes do castello e de S. Vicente. Tem bom
arvoredo, plantado em 1821. Em 1810, por occa-
sião da segunda invasão franceza, cortaram o anr
tigo bosque, que ali havia. Proximo d'este passeio
corre o Sisandro. O passeio da Varzea lican'outra
extremidade da villa. Foi plantado modernamente
Até 1810 todas as estradas, que safam da villa,
eram outros tantos passeios, assombrados por fron
doso arvoredo, que teve a mesma sorte que o do
passeio do Jardim. Passados annos fez-se nova plan
tação, do qual poucas arvores existem.
Tres pontes cortam em torno da vilia o rio Si
sandro : a de liei, por onde vae a bella estrada
maedamisada, que passa por baixo do aqueducto,
e conduz, aos logares de Runa, Dois Portos, e Ri-
baldeira, e ás. valias do Sobral de; Monte Agraiço,
Arruda, e Alhandra : a da Mentira, que serve de
transito. para os logares situados ao norte, e para
a villa d'Obidos : e a de S. Miguet, por onde se
vae para os logares do occidente, costa do oceano
e seus portos. Os suburbios d'esta villa teem mui
tos sitios e monumentos dignos de menção.
As famosas linhas de Torres Vedras começavam
junto ao Tejo, e sobranceiras- á villa d'Alhandra,
d'onde seguiam por uma cordilheira de montes até
á. villa d'Arruda, d'ali até ao Sobral, d'esta villa
até Torres Vedras, e d' aqui iam finalisar. proximo
da costa do oceano. Contavam estas linhas em to
da a sua extensão setenta e tres reduetos , cujos
fogos se cruzavam. Os principaes fortes eram o de
S. Vicente, junto á villa de Torres Vedras, e o do
Sobral. O forte de S. Vicente compõe-se de tres re
duetos, com sessenta e cinco canhoneiras, e capa
cidade para accommodar quatro mil homens. Foi
mui bem construido, e com os reparos, que ha pou
co se lhe fizeram, acha-se em soffrivet estado de
conservação. Goza-se d'elle um ponto de vista ad
miravel.
A um quarto de legua da villa está situado o ce
— 108 —
lebre convento de Santo Antonio do Varatojo , da
extincta congregação de missionarios apostolicos.
Acha-se edificado em terreno elevado, mas apezar
d'isso escondido entre montes. E' uma pobre e aca
nhada construcção, tal como a pediam a pobreza c
austeridade de vida dos seus moradores. Tem jun
to a si o logar do Varatojo, pequena e miseravel po
voação.
Fundou este convento el-rei D. Affonso v, em
uma quinta que ahi possuia , no anno de 1470 ,
qaando, desvanecidos todos os sonhos da sua am
bição, desilludido da idéa de reinar era Castella,
constrangido a separar-se de sua segunda mulher,
D. Joanna de Castella, a excellente senhora, sua so
brinha, pensou em renunciar a todas as grandezas
do mundo, e ir esconder as suas tristezas e desen
ganos entre as solidões e penitencias do Varatojo.
D. Affonso v não teve bastante força d'alma pa
ra trocar a purpura real pelo burel, mas fez eri
gir o convento no meio das asperezas dos montes,
entregou-o aos religiosos observantes de S. Fran
cisco, e aprazia-se em visital-o a miudo.
Passados vinte e um annos, el-rei D. João n e
sua esposa, a rainha D. Leonor, feridos nas suas
mais caras affeições pela tragica morte de seu uni
co filho, o principe D. Affonso, foram encerrar-se
por alguns dias sob as santas abobadas do Varato
jo, para dar livre desafogo ás suas lagrimas, e bus
car conforto entre os exercicios de piedade.
Em 1680, um peccador, que se acolhera contri-
cto à religião serafica, e que ahi se transformara
n'um varão eminente em virtudes, erudição, e elo
quencia, instituiu, no convento do Varatojo, a con
gregação dos missionarios apostolicos, precedendo
bulia pontificia, beneplacito regio, e consentimen
to da ordem de S. Francisco. O instituidor chama
va -se frei Antonio das Chagas.
Em 1715, D. Gaspar deMoscoso, irmão do mar-
quez de Gouvêa, e valido d'el-rei D. João v, des-
prendendo-se de tantos laços doirados com que o
mundo o ligava eseduzia, foi mudar n'aquella aus
— 109 —
terá mansão o illustre appellido da sua familia no
humilde nome de frei Gaspar da Encarnação. O seu
real amigo duas vezes foi de proposito ao Varatojo
para o visitar durante o seu noviciado, e em Ju
nho do seguinte anno foi honrar-lhe o acto da pro
fissão com a sua presença, e com o esplendor da
sua corte.
A. egreja é pequena, de modesta architectura, e
acha-se despojada dos poucos objectos d'arte nota
veis, que outr'ora continha. No angulo externo do
coro ainda se conserva uma janella, d'onde D. Af-
fonso v, segundo refere a tradição, costumava fal-
lar e dar audiencia ao povo, quando ali se achava.
A cerca do convento tem uma formosa matta, e n'el-
la um sobreiro, que era uma das mais annosas e
corpulentas arvores da Estremadura antes de ser
fendido por uma tempestade, não ha muitos an-
nos. N'este sobreiro foi achada em tempos antigos
uma imagem da Virgem, que se venera com a in
vocação de Nossa Senhora do Sobreiro em uma ca-
pella mandada construir por um devoto em frente
da porta da egreja. Em uma grande cavidade do
tronco principal do sobreiro está um altar de pedra
e cal, onde em tempo dos missionarios se celebrava
festa solemne noanniversariodoapparecimento da
Senhora. No alto da cerca ha uma capella, d'onde
se goza um vasto panorama de terras e mar. O con
vento e cerca pertencem hoje a um egresso da mes
ma congregação.
Distante de Torres Vedras quasi meia legua pa
ra o sul está o convento do Barro, junto ao logar
d'este nome. Fundou-o a infanta D. Maria, filha de
el-rei D. Manuel pelos annos de 1570. Pertenceu
aos frades arrabidos, e a sua egreja é dedicada a
Nossa Senhora dos Anjos. Na cerca do convento ha
uma frondosa matta. Actualmente é tudo proprie
dade particular.
A legua e meia da villa, sobre a costa do oceano,
está o antiquissimo convento de Pena Firme, da in
vocação de Nossa Senhora da Assumpção, fundado
em 1226, e que foi habitado por frades agostinhos
J
— 11O —
calçados. Pretendem oschronistas «Testa ordem,
que a primeira fundação d'este convento se deve ao
eremita alemão Santo Ancuado no anno de 850, e
que o habitara e reedificara S. Guilherme, duque
d Aquitania, quando viera em peregrinação a San-,
tiago de Galliza.
Proximo da villa, e contiguo á estrada que vae
para Runa, ha uns banhos de caldas, chamados dos
Cucos, de grande proveito para certas enfermida
des. A nascente está tão perto do teito do Sisandro,
que é coberta pelas aguas d'este rio, apenas a sua
corrente engrossa um pouco. Ha annos foram me
lhoradas as casas dos banhos, o que lhes attrahiu
concurrencia.
Continuando por aquella estrada, encontra-se jun
to ao logar de Runa, e a uma legua de distancia- de
Torres Vedras, o magnifíco Asylo dos invalidos mili
tares, fundado e dotado pela virtuosa princeza do
Brazil, viuva, D. Maria Francisca Benedicta, irmã
da rainha D. Maria i. Começou-se esta obra gran
diosa em 1792, e cm consequencia da partrdada fa
milia real para o Brazil , e das invasões francezas
nos principios do seculo seguinte , só veiu a con-
cluir-se em 1827. A inauguração effeituou-se no dia
25 de Julho, em que a augusta fundadora, que pre
sidiu a todos os actos d'esta solemnidade, compte
tava oitenta e um annos. Forma este edificio um
grande quadrado com tres andares, e dois amplos
pateos, tendo no centro a egrcja. Metade é destina
do para o asylo, e a outra metade é palacio real.
A egrpja é toda ornada de bellos marmores, extra-
hidos de uma pedreira visinha do edificio ; e pos-
sue ricas alfaias, e vasos sagrados. A custodia, so
bretudo, de oiro, e ornada de pedras preciosas, é
uma peça riquissima, de muito primor artistico,
e de singular feitio. O desenho d'ella foi obra da
propria princeza. Despendeu a fundadora só na cons-
trucção do edificio mais de seiscentos contos de réis.
Para este estabelecimentopk) concorre presentemen
te sua majestade a imperatriz viuva do Brazil, da
— ll\ —
queza de Bragança com o donativo annual de dois
contos de réis.
Entre Runa e Torres, ao lado da estrada que coin-
munica estas duas povoações, ha uma curiosidade
natural, que merece ver-se. E' uma gruta aberta
u'uma rocha coroada de arvoredo, e por toda a par
le verdejante. Pela amenidade do sitio em que se
acha , visitava-a frequentes vezes a priuceza D.
Maria Francisca Benedicta, quando residia em Ru
na, e gostava de ir ali tomar alguma refeição. Por
este motivo (icou-lhe o nome de gruta da princeza.
N'essa epoca fecharam-lhe a entrada com uma por
ta de grades.
Conteem os arrabaldes e termo de Torres Vedras
muitas quintas importantes- com bellas habitações.
Mencionaremos só uma, que pela sua magnificencia
podia aspirar ás honras de residencia real. E' a
lormosa quinta das Lapas, dos senhores marquezes
de Penalva, a tres quartos de legua da villa.
O rio Sisandro tem o seu nascimento n'uma fon
te, que lhe dá o nome, e que rebenta junto do lo-
gar da Sapataria. A sua foz ê na costa do oceano,
a pouca distancia do logar da Assenta. Tãojaobre
no verão, que chega a perder a corrente, é pode
roso e arrebatado no inverno pelas muitas aguas,
que recebe dos montes visinhos, e de varias ri
beiras.
As cercanias de Torres Vedras são fertilissimas,
bem como todo o concelho. Produzem muito vinho,
queéo ramo principal da sua cultura, cereaes, le
gumes, azeite, muitas e excellentes frutas, e abun
dam em pinhaes e outras mattas silvestres, onde se
encontra bastante caça. Tambem tem creação de
gado, principalmente ovelhum e cabrum.
A população da villa excede a tres mil habitan
tes, que se empregam na agricultura, uocommer-
cio, e nas pequenas industrias manufactoras.
Foram naturaes d'esta villa, entre outras pessoas
notaveis, D. Garcia Froyas, mãe do conde de Bar-
cellos, D: Pedro, filho natural d'el-rei D. Diniz,
e autor do celebre Nobiliario ; a infanta D. Lco
— HS —
nor, imperatriz d'Alemanha, mulher de Frederico
m, e filha d'el-rei D. Duarte, e da rainha D. Leo
nor ; D. João Soares d'Alarcão, conde de Torres Ve
dras, e marquez do Trocifal ; D. Manuel da Silva
Francez, bispo de Tagaste, provisore coadjutor do
arcebispo de Lisboa D. João de Sonsa ; D. frei Eu
genio Trigueiros, bispo de Macau, e arcebispo elei
to de Goa ; e o padre Manuel Agostinho Madeira
Torres, prior da egreja de Santa Maria do Castel-
lo, presidente das cortes em 1821, socio da acade
mia real das sciencias de Lisboa, e autor de uma
memoria historica c economica sobre a villa de Tor
res Vedras c seu termo, que a mesma academia pu
blicou nas suas obras, a qual nos serviu de guia
em muitas das noticias, que damos n'eete artigo.
r
— ns-

A MIM DE TRANCOSO.

No districto administrativo da Guarda, cinco le


guas ao norte da cidade d'este nome, e sobre a es
trada que conduz para Lamego, está a villa de Tran
coso, edificada n'uma planicie desaffrontada, e la
vada dos ventos por todos os lados. O terreno ape
nas se levanta suavemente para um dos extremos
da povoação, formando um pequeno oiteiro, que
serve de base ao castello.
O padre Carvalho diz na sua Corographia, que
foi esta villa fundada por Tarracon, rei da Ethio-
pia e doEgypto, quando aportou em Hespanha pe
los anuos de 730 antes da vinda de Ghristo, cha-
mando-lhe Taracon, corrupto hoje em Trancoso.
Accrescenta, que floreceu opulenta no seculo deci
mo ; que no anno de Í038 a conquistou aos moi
ros el-rci D. Fernando, o Magno, deCastelIa ; que
pelos annos de 1131 veiu sobre seus muros com
potente exercito Albucaran, rei moiro de Badajoz,
pondo-lhe apertado cerco, do qual se defenderam
os moradores da villa com esforçado valor ate che
gar a soccorrel-os D. Affonso Henriques.
Mas apezar de todas estas noticias, devemos con
fessar, que nada se sabe ao certo sobre a fundação
de Trancoso, nem ácêrea da sua historia ató ser to
mada por D. Affonso Henriques. A propria data d'es-
te suecesso é duvidosa. Segundo alguns autores é a
de 1182, conforme outros a de 1131. AMonarchia
Lusitana segue esta ultima, referindo que o regulo
Albucaran se assenhoreara de Trancoso, e ahi exer
cera muitas crueldades, antes que chegasse do Mi
nho em soccorro dos sitiados o infante D. Affonso
Henriques, ao qual coube, todavia, a gloria de dar
batalha e vencer os moiros, resgatando a villa para
a fé catholica.
O seu primeiro foral, que se acha sem data no
livro dos foraes velhos da Torre do Tombo, foi-lhe
dado pelo fundador da monarchia. Depois confir
vOL. ttt. 8
_114 —
mou-o el-rei D. Affonso u no anno de 1217, estan
do em Trancoso.
A 24 de Junho de 1282 celebrou-se n'esta villa
com muito luzimento o consorcio d'el-rei D. Diniz
com a princeza D. Isabel d'Aragão, que hoje vene
ramos como santa. No dia 22, em que se viram pe
la primeira vez, aquelle soberano fez doação á sua
futura esposa, como prenda de noivado, do senho
rio d'esta villa.
Durante a guerra da independencia de Portugal,
nos fins do seculo xiv, ganharam as armas portu-
guezas uma assignalada victoria contra os caste
lhanos proximo dos muros deTrancoso. O inimigo,
ufano com a tomada deVizeu, e carregado de im-
mensos e valiosos despojos, que tirara d'esta cida
de, apresentou-se diante da villa de Trancoso no
dia 25 d' Abril de 1385. Gonçalo Vasques Coutinho,
que então governava o castello de Trancoso, não
obstante as poucas tropas de que podia dispor, e
a superioridade numerica dos castelhanos, sae ao
encontro do inimigo, e ao cabo de quasi todo um
dia de renhido combate, vence e desbarata com
pletamente os invasores, fazendo-lhes grande nu
mero de prisioneiros , e apoderando-se de toda a
sua bagagem.
El-rei D. João m deu o titulo de duque de Tran
coso ao infante D.Fernando, seu irmão. El-rei D.
João vi, sendo principe regente, fez conde da mes
ma villa ao marechal sir G. C. Beresford, a quem
havia confiado o cominando em chefe do exercito
portuguez, e ao qual elevou posteriormente ao ti
tulo de marquez de Campo Maior.
Gozava esta villa no antigo regimen de voto dm
cortes, com assento no banco oitavo.
O seu brasão d'armas, tal como se acha desenha
do na Torre do Tombo, é um castello de prata sobre
um oiteiro, e em campo verde, tendo por cima uma
aguia de oiro, levantando o vòo.
Vemos, porém, em varias obras descripto este
brasão por diferentes modos. N'umasaccrescenta-
se ao que dissemos uma estrella. N'outras augmen
—1ÍÍ5-
iam-lhe ainda ó esctido dais árnias reaes, collocado
sobre o castello, ficando-lhe de um lado a aguia,
e do outro a estrelía. Os éscriptores que o descre
vem à'èè\í maneira, dizem que el-rei D. Diniz é
qiiè lhe àccréscéntara ò escudo das armas reaes
em memoria dá celebração do seu casamento.
Térri esta vi|la a configuração circular, com uma
pràçá nó cetítro1. Não sabemos q^uem lhe mandou
fazer as muralhas e õ castello, nem qual seja o seu
estado de conservação actualmente. No seculo país-
sado existia tudo de pe. Ás muralhas tinham de
circtfmferéhciá mil é duzentos passos, é eram guar
necidas com quinze <iòrresa entre as quaés se abriam
as ójuátrò portas chamadas à'Btrei, do Prado, deS.
João, é do Carvalho, é mais tres postigos. O cas
tello , que' dizem ter dé circuito tre2eritos passos,
cómrtôe-se de éi'riéo íorres, ligadas por fortes mu
ros coríi stméías; é dé uma grande torre de mena
gem: rio centro, muito máls elevada que a's' outras.
São Quatro as1 p'ároén'ias deníró da ViUà : Santa
Maria déGi(irHdrõe'è, d'é que eram' padroeiros os
còndds dé Povólitfe' : Santiago, S. Pédro', é S. João.
íérti ôgreía: dfá1 rniáericOrcfíá1, e hospital ; e ria pra
ça o convento de Santa' Clara, ainda rVabitádò por
freiras1 franciscanas', e funtfado porChristovãoMen-
âéè de Carvalho no á'nno àtíífày comaitfvVeaçâío'
déNos^a' Séonota dó' âepuíchVó'.
Dá' parte' de fòrá' dos mulos1, em irm grande cam
po povoado' d:é arvoredo', está 6 edifício do éxtiritíto
cótíYehio de âtíntó Mfonfò; que foi dé' rO^vbsos
fr'á'Tldsiiáridã,, fiirid'ád5' etíi ISt|ff. NWsítoagora óc-
óWàdO òelo' éònvéhtó éxHsífi^m' dé paçtff, órldU ie'
eTfeilWif a" cerémotrm db' òakametitb d'eV-reí D. DU
tftó-còkii a1 rditífVa Saritk Isablál, ok' qWes-foWni coti-
áiWitfò^^pVé^arfl^títé pàVà' esta' sòlémiittia^é'. Érti
ctfmmemóVação d^Stò1 áudcesSso' fotâdúW-se- aWá er
mida de S. Bartholomeu. Os paços reaes transfor-
maram-se depois n'aquelle convento.
No meio da villa ergue-se uma elevada torre, on
de está o relogio. Abastecem a povoação de excei-
lente agua, que se recommenda no verão pela sua
— 116 —
muita frialdade, cinco fontes. Uma d'estas, que fi
ca fora dos muros, e visinha do convento de Santo
Antonio, dá origem ao rio Tavora, que, engrossado
com outras fontes e regatos, atravessa toda aquella
parte da Beira, correndo para o norte, até se lan
çar no Douro, perto da villa de Tavora.
.Fresca no verão, mas frigidissima no inverno, a
villa de Trancoso é terra muito sadia, e abundante
dos generos mais necessarios á vida. Conterá uns
mil e trezentos habitantes. A 24 d'Agosto tem a sua
feira annual, de tres dias.
Os suburbios da villa são amenos e bem culti
vados. Pelas margens do Tavora estendem-se bel-
las campinas. O termo é muito fertil, poiso regam
muitas fontes e ribeiras. Cria-se n'elle bastante ga
do, e produz alguns cereaes, com especialidade mi
lho e centeio, legumes, algum vinho e azeite, e
variedade de frutas, em que entram as castanhas.
Proximo do logar da Aldéa Nova, pertencente ao
termo, ha uma fonte d'aguas sulphureas, chamada
Fonte do Peião. Sae d'ella tanta copia d'agua, e
esta tão quente, que, se fora n'outro paiz, já ha
muito que ahi haveria um bom estabeleci mento de
excellentes banhos de caldas.
Nas serras d'este termo encontra-se bastante ca
ça. O rio Tavora apenas fornece a villa de Tran
coso de alguns barbos, e outros peixes miudos. Po
rém, apezar da sua distancia da costa do oceano,
ainda recebe esta villa algum pescado do mar.
Foram naturaes d'esta villa Gonçalo Annes Ban
darra, sapateiro, autor das celebres prophecias se
bastianistas ; e Affonso de Lucena, secretario da du-
queza de Bragança, O. Catharina, que escreveu va
rias obras, sendo a mais notavel uma justificação
dos direitos d'esta senhora á successão da corda de
Portugal, apresentada ao cardeal rei D. Henrique.
H7 —

A VILLA li PRAÇA DEMKNÇA.

Ergue-se esta villa e praça de guerra sobre ter


reno bastante elevado junto da margem esquerda
do rio Minho, e quatro leguas distante da sua foz.
Tem defronte, na distancia de um tiro de canhão,
a cidade episcopal de Tuy , tambem edificada em
sitio alto, na margem direita do rio, que serve de
limite e divisão á nossa provincia do Minho, eao
reino de Galliza.
E' a villa de Valença cabeça de comarca. Dista
dez leguas para o norte da cidade de Braga, a cu
jo arcebispado pertence; e sete leguas ao nor-nor-
deste da cidade de Vianna doCastello, que é a ca
pital do seu districto administrativo.
Como succede a respeito de quasi todas as nos
sas povoações, que teem uma origem remota, igno-
ra-se a epoca da fundação d'esta villa, e tambem
quem foram os fundadores. Não falta quem desi
gne como taes uns soídados veteranos, que mili
taram sob as ordens de Viriato, o grande capitão
da antiga Lusitania, dizendo que DecioJunio Bru
to, consul romano na Hespanha ulterior, reconci-
liando-se com elles , lhes derá aquelle sitio para
edificarem uma povoação pelos annos 136 antes do
nascimento de Christo. Esta opinião parece, toda
via, destituida de fundamento, seseattcndera que
no itinerario , que descreve a via militar romana,
que communicava as cidades de Braga e d'Astor-
ga, vem nomeadas Ponte de Lima e Tuy, e não se
faz menção de nenhuma outra povoação no inter
medio d'aquellas, quando se sabe que a referida via
militar passava proximo do logar, onde está Valen
ça. Portanto não é provavel, que se esta villa exis
tisse n'aquelle tempo, deixasse o itinerario de a
mencionar.
Não havendo tambem memoria d'esta villa do
tempo dos godos, nem dos arabes, mas sendo cer
to que el-rei D. Sancho i lhe deu foral, e a fez po
voar, pode-se razoavelmente presumir, que foi fun
dada no reinado antecedente. E' bem natural que
nas guerras, que houve entre Portugal e Leão, se
lembrasse D. Affonso Henriques de occupar com al
guma povoação fortificada um ponto importante,
como é Valença, para defensa d'aquella fronteira
do reino , por onde os leonezes faziam continuas
invasões.
Acceitando-se esta hypothese, conjecturaremos
ainda mais, que durante as mesmas guerras se ar
ruinaria e despovoaria aquella terra, pois que D.
Sancho i a mandou povoar no anno de 1200.
Passados dezesete annos reformou-lhe o foral el-
rei D. Affonso u, accrescentando-lhe novos privile
gios e regalias com o fim de attrahir maior numero
de moradores.
Nas discordias, que se suscitaram entre este so
berano e as infantas, suas irmãs, chamaram estas
em seu soccorro os leonezes, que logo na sua en
trada tomaram e queimaram a villa de Valença.
Reedificou-a, e mandou-a novamente povoar el-rei
D. Affonso iii, no anno de 1262; ç por essa occa-
sião lhe mudou o antigo nome de Contrasta no de
Valença. Do primeiro não sabemos a etymologia.
Talvez proviesse dos dois vocabujos latinos contrá-
cqstra, por ter sido fundada defronte, e emoppo-
siçao a Tuy. O segundo dizem que se deriva de va
tentia, e que por esse nome quiz D. Affonso iu de
signar a importancia da posição, ou a das obras de
fortificação com que a defendeu.
Em 1451 deu el-rei D. Affonso v o, senhorio d' es
ta villa, com o titulo.de marquez, a D. Affonso, con
de Ourem, e filho primogenito de D. Affonso, pri
meiro duque de Bragança. Foi o primeiro marquTç^,
que houve em Portugal. Morrendo este prinpipe no
estado de solteiro, em vida de seu pae, o mesmo
rei D. Affonso v fez conde de Valença a D. Henri
que de Menezes, conde de Loulé, e álferes-mórdo
reino, por occasião do seu casamento com D. Guio
mar, filha de D. Fernando i, segundo duque de Bra
gança. D. Henrique de Menezes era filho do illus-
— 119 —
treD. Duarte de Menezes, terceiro conde de Vianna.
El-rei D. João v restabeleces o marquezado de
Valença por carta regia de 10 de Março de 1716 em
favor de D. Francisco de Portugal, setimo coude de
Vimioso, e descendente de D. Affonso de Portugal,
bispo d'Evora, que era filho bastardo do primeiro
marquez de Valença, acima referido.
Apezar da sua situação sobre a raia, e de ser pra
ça forte, Valença tem sjdo pouco incommodada nas
guerras, tanto d'este seculo, como dos dois ante
riores. Mesmo na segunda invasão franceza, em que
foi ameaçada pelo exercito commandado pelo mare
chal Soult, que entrara em Tuy no dia 10 de Fe
vereiro de 1809;, na sua marcha sobre Portugal,
teve Valença a fortuna de se ver desafrontada da
presença do inimigo, que julgou mais prudente ir
atravessar o rio Minho n'outro sitio, d'onde se di
rigiu em direitura á cidade de Braga.
Na lucta da liberdade e restauração do throno
da senhora D.. Maria n, foi tomada a praça de Va
lença em Março de 1834 pelas tropas constitucio-
naes, commandadas pelo almirante Carlos Napier.
À villa de Valença gozava da preragativa de en
viar procuradores ás nossas antigas cortes , onde
tomavam assento no banco decimo. O senhorio d'es-
ta villa, tendo vagado para a coroa no reinado de
et-rei D, Manuel, deu-o este monarcha em 1499 a
D. Fernando de Menezes, segundo marquez de Vil-
la Real. Conservou-se n'esta casa atéá suaextinc-
ção em Agosto de 1641, em que foram sentenceados
á morte e executados, como complices na conjura
ção contra el-rei D. João iv, o ultimo marquez do
Vil la Real, e seu filho, o duque de Caminha. De
pois, creando-se a casa do infantado, foram eneor-
porados n'ella o senhorio de Valença, e todos os
mais bens sequestrados áquella familia.
O brasão d'armas desta villa compõe-se do es
cudo das quinas em campo azul, e aos lados, na
parte inferior duas estrellas de prata, e na supe
rior duas meias luas, tambem deprata, Gom as pon
tas voltadas para baixo.
— 120 —
Apezar de es lar edifícada em logar elevado, lem
esta villa o assento plano. As suas primeiras for
tificações consistiam apenas n'uma simples cerca de
muros com tres portas. Construiram-lhe mais tar
de um segundo cinto de muralhas. Porém as obras
regulares de defensa, .que a elevaram a praça de
guerra de primeira ordem , tiveram principio no
reinado de D. João iv, por occasião da guerra da
restauração do reino. Como em toda essa campa
nha era sempre o Alemtejo o principal theatro da
guerra, para aqui se voltavam todas as attenções,
e assim aquellas obras progrediram vagarosamen
te, tanto n'aquelle reinado, como nos dois seguin
tes. E em tempos posteriores ainda se lhe aceres-
cen taram novos melhoramentos.
Consta esta praça de sete baluartes, que atam
com a muralha antiga, a que se fizeram algumas
cortinas de novo. Em razão de ser mui altáaquel-
la muralha, e de se lhe ter profundado os fossos,
acerescentaram-se-lhe mais tres baluartes a caval-
leiro, uns dentro dos outros. Em volta tem tres re-
velius, dois que cobrem as portas, eflanqueam os
arredores, que são fundos ; e o terceiro, que de
fende a fonte, que lhe fica de fora, e varre uma
planicie, que se estende até ao rio. Além d' estas
tem ainda outras obras de fortificação no corpo
propriamente da praça; e fora d'elle, emumoitei-
ro visinho, chamado do Bom Jesus, tem um forte
com tres baluartes, dois meios baluartes, e dois
revelins.
Tres portas communicam a praça com os arra
baldes : a de Santiago, que é a principal, e está
voltada para o sul ; a do Poço, que da saida para
a fonte ; eido Postigo do poço de S. Vicente, que
olha para o norte, e deita para o lado do rio, e
da cidade de Tuy.
Dentro da villa ha uma só egreja parochial, de
dicada a Santo Estevão, que é collegiada com qua
tro dignidades e conegos. Teve principio esta colle
giada no reinado de D.João 1, por causa d'uinscis-
ma, que então affligiu a egreja. Tendo-se introdu
— 121 —
zido graves desintelligencias no collegio dos car-
deaes, na segunda metade do secu Io xiv, quinze car-
deaes , que cinco mezes antes haviam concorrido
com o seu voto para a eteição de Urbano vi, elege
ram papa em 21 de Setembro de 1378, sendo aquel-
le vivo, a Roberto de Genebra, que tomou o nome
de Clemente vu, A França, a Hespanha, Portugal,
onde então reinava D. Fernando, a Escocia, e a Si
cilia acceitaram esta segunda eleição, reconhecen
do por soberano pontifice a Ctemente vu. O resto da
christandade conservou-se na obediencia de Urba
no vi, declarando por anti-papa o seu competidor.
Porém em 1381 reconheceu o nosso rei D. Fernan-
do-a Urbano vi.
N'estas circunstancias, alguns conegos da cathe-
dral de Tuy, que seguiam o partido de Urbano vi,
vendo-se perseguidos pelo seu bispo, retiraram-se
para Valença no anno de 1392 , e ahi favorecidos
por el-rei D. João i, que já governava n'este paiz,
formaram um novo capitulo. O bispo de Tuy seques-
trou-lhes immediatamente as prebendas; mas elles
ficaram desfructando as rendas, que possuia aquel-
la mitra em Portugal, e se tiravam de duzentas e
trinta egrejas, queTheodomiro, rei dos suevos, de
ra á sé de Tuy, entre os rios Minho e Lima.
Continuaram as coisas n'este estado durante os
reinados de D. João i, e D. Duarte. Na menoridade
de e-rei D. Affonso v, obteve o infante D. Pedro,
regente do reino, do summo pontifice Eugenio iv, a
desannexação d'aquellas egrejas do bispado de Tuy,
e a instituição, ou confirmação da coltegiada de San
to Estevão. A sua egreja foi fundada por D. João i.
Fora dos muros tem Valença outra parochia, da
invocação de Santa Maria dos Anjos.
Ha n'esta villa casa da misericordia, hospital pa
ra os pobres, e outro militar, varias ermidas, um
pequeno theatro, quarteis para tropa, e as mais ac-
commodações que se requerem n'uma praça. Teve
um convento de freiras franciscanas, hoje extincto.
Fornece-se d'agua de um poço, que tem de muros a
dentro, e de uma fonte proxima de uma das portas.
— 122 —
Não encerra edificio algum notavel. Tem um jornat
politico e noticioso, intitulado a Razão. Como pra
ça de guerra é governada por um coronet, ou offi-
cial general, e guarnecida pelo terceiro regimento
de artilharia , que tem ahi o seu aquartelamento
permanente. Como cabeça de comarca é residen
cia de um juiz de direito. A sua população não che
ga a mil e oitocentas atmas, não comprehendeodo
n'este numero a guarnição.
As cercanias de Valença são muito lindas. Basta
para as fazer summamente apraziveis a visinhan-
ça do Minho, que na opinião de muita gente é o
mais formoso rio de Portugal. Portanto, das mu
ralhas da praça gozam-se para qualquer lado vis
tas deliciosas de prados e collinas, que verdejam
continuamente ; do rio, que vae correndo em largo
atveo por entre frondosos arvoredos; e da visinha
cidade deTuy, que se levanta airosamente sobran
ceira ao rio, e toda cercada de verdores.
Logo á salda da villa está a ermida do Bom Je
sus, em sitio alegre e arborisado. A. meia legua en-
contra-se o edificio do velho mosteiro deS. Satva
dor de Ganfey, outrora habitado por monges bene-
dictinos. Ignora-se a era da sua fundação, massa-
be-se que existia no anno de 691. Foi destruido
em 997 por Almansor, que entrando por estas ter
ras á frente de um poderoso exercito de moiros,
levou tudo a ferro e a fogo. Reedificou-o em 101&
D.. Ganfrido, ou Ganfey, cavalteiro francez, de quem
tomou o nome. No seculo xiv foi reconstruido pelo
conde de Barcellos, D. Pedro, filho bastardo d'el-
J"ei D. Diniz, o qual assistiu u'elle quatro annos,
sendo fronteiro-mór contra Galliza. Na sua egreja,
de tres naves, esteve primeiramente enterrado em
sepultura raza, depois em tumulo de pedra, o cor
po de Ganfrido, que foi abbade d'este mosteiro, e
que morreu com opinião de santo. Em 46G3 foi
trasladado para outro tumulo doirado junto da sa-
christia. O claustro com a sua bella fonte foi obra
d'esse tempo.
Perto do mosteiro, no logar de Tardinhade, ha
— m—
uma ermida dedicada a S. Theotomo, primeiro prior
de Santa Cruz de Coimbra, a qual foi edificada na
casa, onde nasceu estesanto, que teve um logardis-
tincto entre os homens illustres do reinado de D.
Affonso Henriques.
As principaes producções do termo de Valença
são : milho, centeio, e trigo, legumes, vinho, li
nho, hortaliças, e frutas. Cria algum gado, e não
lhe falta caça. Da villa de Caminha vae bastante
peixe do mar para o mercado de Valença, que tam
bem é abastecido pelo rio Minho de peixes mimo
sos, como sãq, entre outros, salmões e Iamprêas.
O rio Minho tem a sua origem na Galliza, em
uma lagoa chamada Fuente Mina. Desde que prin
cipia a dividir a provincia do Minho no reino de
Galliza, passa na fronteira de Portugal pelas villas
de Melgaço, Monção, Valença, Villa Nova da Cer
veira, e Caminha, onde entra no oceano. Na fron
teira hespanhola banha as villas de Crecentes , e
Salvaterra, a cidade de Tuy, e os fortes d'Amorin
e Goyan. Tem um curso de sessenta leguas. A sua
foz é muito larga, e tem no meio uma pequena ilha,
que divide o rio em dois braços.
Nasceu n'esía villa Francisco da Bocha, mais co
nhecido pelo nome de Francisco de Setubal , por
ter vivido ahi alguns annos. Foi um pintor muito
estimado em Lisboa , onde existem alguns bons
quadros do seu pincel. Viveu_ na segunda metade
do século passado.
— 124 —

A NUA DE VEIROS.

Está edificada esta villa em sitio alto, oa pro


vincia do Alemtejo, districto administrativo de Por
talegre, a umas ties leguas ao norte de Estremoz.
Conforme a tradição popular, queseautorisa com
uma inscripção romana, que ahi se achou, e se con
serva, já existia esta povoação no tempo dos roma
nos. Porém, n'este caso, deveria ser terra pobre e
pequena, pois que não fícaram memorias d'ella.O
que não se pode duvidar , é que a dominaram os
moiros, e isto já é bastante para prova da sua mui
ta antiguidade.
Bestaurou-a para a fé christã el-reiD. Affonson
pelos annos de 1217 ; e pouco depois mandou-a po
voar, reparando-lhe os estragos, que padecera por
occasião da conquista. Deu-lhe foral com muitos
privilegios el-rei D. Manuel, a 2 de Novembro de
1510.
Tinha representação esta villa nas reuniões dos
tres estados do reino, nas quaes os seus procura
dores se sentavam no banco decimo-segundo. Eram
seus alcaides-móres os condes de Villa Nova de Por
timão, titulo hoje extincto. Em 1822 el-rei D. João
vi fez visconde de Veiros o tenente general Fran
cisco de Paula Leite. Ao presente é segunda vis
condessa sua filha, a senhora D. Maria Rita Leite
de Sousa Freire Salema de Saldanha e Noronha.
Um escudo de praia, sem mais divisa, é o bra
são da villa de Veiros.
Tem uma só parochia, da invocação do Salvador,
outr'ora da ordem d'Aviz, casa da misericordia, e
as ermidas de Nossa Senhora do Mileu, de S. Se
bastião, S. Bento, Santa Catharina, c Santiago. A
primeira d'estas é muito antiga. Junto aporta prin
cipal voem-se um cippo com inscripção romana, e
outra sepultura de bastante antiguidade.
Possue a villa de Veiros um castello, cuja ori
gem se ignora, mas que é tão antigo, que, achan-
— 425 —
do-se em ruinas no reinado de D. Diniz, foi man
dado reedificar pelo mestre da ordem d Aviz, D.
Lourenço Affonso. Não sabemos o estado em que ao
presente se acha, porém no seculo passado ainda se
conservava de pe com as suas sete torres ligadas
por fortes muralhas ameiadas, quatro portas, e no
centro uma alta torre de menagem.
N'este castello nasceu pelos annos de 1370 D.
Affonso, primeiro duque de Bragança, filho bastar
do d'el-rei D. João i, e de D. Ignez Pires, que ao
diante foi commendadeira de Santos, e que era na
tural da villa de Veiros ; D. João i era n'aquella epo
ca simplesmente mestreda ordem de S. Bento d' Aviz.
Os suburbios d'esta villa são cortados pela ribei
ra de Anna Loura, que os faz amenos e produeti-
vos. Nasce esta ribeira de uma fonte, que lhe dá o
nome, e que rebenta de uma rocha nas proximida
des da villa de Estremoz. Leva agua em todo o an-
no, com a qual faz trabalhar muitas azenhas, evae
encorporar-se norioSorraya, junto á villa de Fron
teira. Na sua passagem pelos arrabaldes de Veiros
rega muitas hortas, e pomares, eguarnecem-lhe as
margens muitas arvores. Cria pouco peixe, e esse
muito miudo.
O termo de Veiros é regado por mais outras ri
beiras chamadas Almuro, e Souzel. As suas prin-
cipaes producções consistem em trigo, centeio, ce
vada, legumes, e azeite. Tem algumas frutas, eex-
cellentes montados, em que se cria muito gado suino.
A VILLA DEVIANMDOALEMTEJO.

Na provincia do Alemlejo, districto administrati


vo d'Evora, e cinco leguas ao sudoeste d'está cida
de, está a villa de Vianna sentada no doráti da ser
ra do seu nome, que a abriga do lado do sul, e a ex-
p5e ao norte.
Pretendem1 varios escriptores, que foram osgallos
celtas que a fundaram alguns seculos antes do nas
cimento de Christo. E accrescentam, que em memo
ria da cidade de Vienna stia patria, lhe deram o mes
mo nonSé.
A memoria mais antiga, que sé encontra d'ésta
terra, é que, adiando-sé em ruinas e abandonada, a
mandou reconstruir e povoar D. Gil Martins, que
lhe déil o séu primeiro foral. Este D. Gil Martins Vi
veu nos pririéipios do seculo1 xnt, remando 0. Af-
fonso u, é foi avó de D. Mártrnr Gil, conde dé Bar-
cellos, e alferes-mór d'el-rei D. Diniz.
Peloá anrtos (fé 1 Jf3 el-rci D. Diniz á fez viffá,
cflnéedendo-lhe novo foral ctfrn muitos ^rivilegitrs,
um dos quaes determinava, que não podéríâni resi
dir n'e'Ha fidalgos sert UceiiçBl da Camara.
N'esta época efá séúírror dé Vránria ó'corrde'D. Wax-
tlftGrr, ácrrta mencionado. Por sua tíkirte fez D. Di
niz doação d'e*íe,áénhtirfo*s1êtàfiH)oeh1ertfè"ro., 6
infante D. AffoWsfò', com1 í ébriflíçSÒ <H á riãó poder
doar senão á infanta sua mulher, ou a algum filho
seu. Por isto se vê que a villa de Vianna era tida por
este soberano em muita consideração, ou pelas suas
rendas, ou pela importancia do seu castello.
Tendo-se manifestado a peste em Évora, na oc-
casião em que ahi se celebravam as magnificas fes
tas pelo consorcio do príncipe D. Affonso, filho pri
mogenito d'el-rei D. João u, com a princeza D. Isa
bel, filha dos reis catholicos, Fernando e Isabel, sal
ram d'aquella cidade toda a familia real e a corte.
Primeiramente dividiram-se pelos arrabaldes, e de
pois foram para a villa de Vianna, onde entraram
— 127 —

no dia 10 de Janeiro de 1491. Assistiram n'esta


viHa todo o resto de Janeiro j e recolheram-se a
Évora alguns dias antes do entrudo, tendo cessado
o llagello.
Segundo dizem o padre Carvalho na Corographia
Portugueza, e D. Antonio Caetano de Sousa no quar
to tomo do Agiologio Lusitano, reuniu cories era
Vianna el*rei D.João u no ànno de 1482. Todavia
nem Rui de Pina, nem Garcia de Rezende fazem
memoria d'estas cortes nas chronicas d'el-rei D.
João ii.
Em Fevereiro de 1692 fez mercê el-rei D. Pedro
ir do titulo de conde de Vianna a D. José de Mene
zes, seu esiribeiro-mór, e alcaide-mór da ditavil-
la, do qual não ficou successão.
A villa de Vianna tinha voto nas antigas cortes
cora assento no banco decimo-setimo. O seu brasão
d'armas é, em campo azul, um leão rompente de
oiro, collocado no centro do escudo entre doises-
cu dates de prata esquartelados por uma cruz ver
melha, um de cada lado, e entre dois signos de Sa
lomão, tambem vermelhos, um na parte superior
do escudo, e o outro na parte inferior.
Tem esta villa uma sóparochia, fundada por el-
rei D. Diniz ; casa de misericordia; hospital ; uma
ermida ; e um mosteiro de freiras de S. Jeronymo,
unico que ha em Portugal d'esta ordem. Asuatin-
vocacào é Jrsta, e foi edificado em 1B&0, sendo ar*
cebispo d'Evora o cardeal infante D. Henrique, que
auxiliou a fundação. E' um bom edificio com excel-
lente egreja, ainda habitado por umas dezeseis ou
dezesete religiosas. Occupa um dos lados do rocio
da villa.
Teve um convento de religiosos terceiros regu
lares de Jesus, intitulado de 5. Francisco, construi
do primitivamente para freiras da mesma ordem,
e oecupado em 1580 pelos frades terceiros. Não
sabemos que destino se deu ao seu edifício depois
da extineção das ordens religiosas.
O castello parece ser obra d'el-rei D. Diniz. As
ruas da villa são em geral direitas e bem alinha
— 128 —
das. E' terra alegre e saudavel pela sua posição abri
gada do sul, c desaffrontada do lado do norte, para
onde desfructa dilatadas vistas.
Os suburbios são muito apraziveis pelas hortas,
pomares, vinhas, arvoredos silvestres, e fontes de
boa agua, que n'elles se encontram. Proximo da
villa vêem-se as ermidas de S. Pedro, S. Sebastião,
e S. Vicente ; e mais distantes as de Santo André
e Nossa Senhora d' Ayres. Esta ultima é um bello
templo, ao qual concorrem muitas romarias.
O termo é fertil, e produz muitos ceréaes, vinho,
azeite, e frutas. Não é falto de caça, e encerra em
diflerentes montanhas pedreiras de finissimos mar
mores de mui diversas qualidades, d'onde teem vin
do alguns para as officinas de Lisboa, apezar das
difJGculdades do transporte. Uma parte d'aquella
preciosa collecção de marmores de Portugal, que
figurou nas exposições de Londres e de Paris, at-
trahindo pela sua belteza a attenção dos visitantes,
foi extrahida por mr. Dejeant dos arredores de Vian-
na.
Conta esta villa uns mil e quatrocentos habitan
tes.
Foram naturaes deVianna do Alemtejo o celebre
missionario da lndia, o padre Antonio Francisco Car-
dim, jesuita, que falteceu de sessenta e tres annos
em 1659 ; escreveu e imprimiu varias obras, todas
relativas ás suas viagens e peregrinações ; e o pa
dre João da Fonseca, tambem jesuita, e escriptor
distincto.
— Í29 —

a CIDADE DE VlUm DO CASTELLO.

Tem logar distincto esta cidade entre as mais lin


das e bem situadas povoações não só da provincia do
Minho, á qual pertence, mas de Portugal. Está sen
tada em uma planicie na margem direita do rio Li
ma, e junto da sua foz. Nas costas da cidade erguem-
se uns montes, que a abrigam do norte. Para o lado
do sul, na margem esquerda do Lima, limita-lhe o
liorisonte uma cadéa de collinas, povoadas de den
sos pinhaes, e separadas do rio por extensos e bem
cultivados campos, orlados de arvoredo. Dista do
Porto dez leguas , quatro de Caminha , e cinco de
Braga.
Crê-se geralmente, que o primeiro assento d'es-
ta povoação foi no alto do visinho monte, onde está
a ermida de Santa Luzia. Dizem que a fundaram ali
os gallos celtas pelos annos de 296 antes do nasci
mento de Christo, e que, em memoria de Viensa,
cidade das Gallias, sua patria, lhe pozeram o nome
de Vianna, como fizeram antes ou depois á villa de
Vianna do Atemtejo.
Pretendem outros escriptores, que fora fundada
primeiramente com o nome de Calpe junto do rio no
logar onde está a actual cidade, e que depois, por
se ver de continuo exposta ás incursões dos seus ini
migos, buscando sitio mais defensavel por natureza,
transferiu-se para o alto do monte, onde mudou o
nome de Calpe no de Vianna.
Querem ainda outros, que Vianna surgisse das
ruinas da cidade romana de Britenia.
De tudo isto o que se pode deduzir com maior pro
babilidade, é que no tempo dos godos Vianna esta
va situada sobre o monte proximo.
Parece que foi cidade episcopal até ao anno de
610 da era christã, em que este bispado se suppri-
miu, unindo-se ao de Tuy, e passado tempo ao ar
cebispado de Braga. Ali padeceram martyrioS.Theo-
philo, S. Saturnino, e Santa Revocata pelos annos
VOL. III. 9
— i30—
de 260; e nos principios do seculo v foram bispos
de Vianna, S. Maximo, e S. Valentino. Destruiram- a
os moiros, quando invadiram a Peninsula no come
ço do seculo vm ; e parece que não tornou mais a
levantar-se.
El-rei D. Affonso m, que acabou de expulsar os
moiros de Portugal , e que tanto se occupou da re-
edificação das povoações arruinadas , passando por
aquelles sitios, resolveu-se a restaurar Vianna, mas
teve o bom juizo de preferir ao cume da íngreme
montanha a planicie, que se estende das suas fal
das até ao rio; logar não só mais bello emaiscom-
modo, mas tambem mais apropriado ao desinvol-
vimento da nova villa. Esta fundação etTeituou-se
no anno de 1260, e para ella se serviram de uma
grande parte dos materiaes da antiga Vianna, que
jaziam abandonados no alto do monte. Apezar dis
to, ainda ali se viam muitos vestigios de edificios
no seculo passado.
Deu-lhe foral com grandes privilegios o mesmo
re> D. Affonso m. Seu filho, el-rei D. Diniz, para
ammar o commercio, 'que então começava a desin-
volver-se n'esta villa, creou nella uma feira fran
ca, ou mercado, de quinze em quinze dias.
N'esta epoca, e nos seguintes reinados até ao de
el-rei D. Manuel, as pescarias eram o principal, e
quasi exclusivo ramo da industria dos viannenses.
íncitados porém a maiores empresas pelos desco
brimentos de Vasco da Gama, de Pedro Alvares Ca
bral, e de outros que os precederam, entregarain-
se com ardor ao commercio externo e á navegação
do alto mar. O seu porto encheu-se de navios, que
demandavam as nossas ilhas, varios paizesda Eu
ropa, o Brazil, e os bancos da Terra Nova para a
pesca do bacalhau. A villa constituiu-se um peque
no emporio dos generos coloniaes, não só para o
consumo da provincia , mas para exportação em
grande escala para os paizes estrangeiros.
Frei Luiz de Sousa, na vida do arcebispo D. frei
Bartholomeu dos Martyres , descreve o estado de
Vianna no anno de 4560 pelo seguinte modo : '. . .
— 181 —
Vianna, villa das mais insignes (Teste reino, íterra
cheia de gente rica e muito nobre, de grande trato
e commercio, por uma parte com as conquistas de
Portugal, ilhas, e terras novas do Brazil ; por ou
tra conf França, e Flandres, Inglaterra, eAllema-
nha, donde e pera onde recebia de ordinario mui
tos generos de mercadorias, e despedia outras; pe
ra os quaes tratos traziam os moradores no mar
grande numero de naus e caravetlas, com grossas
despezas, a que respondiam eguaes retornos e pro
veitos, que tinham a villa florentissima, e em es
tado de uma nova Lisboa. > Noutro logar ainda ac-
crescenta : 'Mas nenhum commercio lhe tem mon
tado tanto como o das terras novas do Brazil, que
vae em tamanho crescimento, que no tempo em que
isto escreviamos (16M9) , traziam no mar setenta
navios de toda a sorie, com que a terra esiámas-
siça de riqueza, porque se estendem os proveitos a
todos, succedendo nos mais dos navios gerem arma
dos e marinhagem tudo da mesma terra.»
N'um manuscripto intitulado Livro das carrega
ções de Gaspar Caminha Barreto, refere ,este, em
relação aos annos de}62i, 1622 e 1623, as expor
tações de assucar, e de .outros generos coloniaes,
que sefizeram d'esta villa para Dunquerque, Ruão,
Callais, Amsterdão, Hamburgo, e Veneza ; e de co
bre, .(erro, panno de linho, cordas, ferragens, e mui
tos outros objectos, para o Rio de Janeiro, Bahia, c
Pernambuco.
P'.esta prosperidade dão testemunho muitas ca-
sas particulares, e :a matriz da cidade, que osten
tam nas suas fachadas, mais ou meãos, galas da ar-
chitectura gothica.
Aittento ,o engrandecimento de Vianna, .concedeu-
Ihe el-rei D.iSebastiãOiO titulo de noíaw/jem 26 de
Março de ,1563.
No anno ide 1574, depois, de algumas prevenções
de que em França se aprestava uma armada, des
tinada a infestar as costas do Minho, appareceu a
esquadra ifranceza , composta de eito ;naMÍos , .nas
aguas de Vianna, no dia 8 de Setembro. O inimigo
— 132 —
pretendeu forçar a barra, mas foi repellido com tan
ta energia e acerto pela guarnição do castello , e
pelos habitantes que acudiram promptamente em
auxilio da fortaleza, que se viu obrigado a levan
tar mão da empresa.
O jugo estrangeiro não conseguiu, apezar de to
do o peso dos seus vexames, quebrar o animo dos
viannenses. Assim que lhes chegou a noticia da re
volução de Lisboa do 1.° de Dezembro de 1640, não
sómente secundaram com acclamações este brado
patriotico, mas dispozeram-se a accommetter o cas
tello, cuja guarnição castelhana se apercebeu a seu
turno para uma resistencia a todo o transe.
Quasi toda a gente da v il la, e das visinhanças,
capaz de manejar uma arma, correu aunir-seem
um corpo para o ataque da fortaleza. Começaram
por lhe formarem cerco, e n'uma noite construi
ram sobre a barra um reducto para obstar a que o
inimigo recebesse soccorros por mar. Depois edifi
caram mais dois fortes em sitios convenientes para
combater o castello. A' vista de taes disposições,
o governador, Bernardino Golanco Santiihana, pe
diu capitulação, e, sendo acceita, entregou o cas
tello no dia 20 de Dezembro de 1640.
Passados seis annos deram os viannenses outra
prova do seu valor e amor de patria. Tendo par
tido da cidade do Porto para a villade Vianna, em
Outubro de 1646, uma caravela carregada de ar
tilharia, destinada a guarnecer as praças da fron
teira do Minho , sairam-lhe ao encontro defronte
de Esposende uns corsarios francezes de Dunquer
que, que a tomaram depois de algum combate. Ape
nas isto constou em Vianna, alvoroçou-se a villa,
e todos á porfia se offereciam para ir vingar a af-
fronta. Aprestaram, pois, uma caravela, e um na
vio hamburguez, que se achava n'aquelle porto ;
guarnecem-no de gente armada, e saem ao mar em
demanda dos corsarios, que encontraram, accom-
metteram, e pozeram em fuga, resgatando a cara
vela com a artilharia. Guardam-se no archivo da
— 4 33 —

camara duas cartas d'eNrei D. João iv, de elogio e


agradecimento por estes gloriosos feitos dos vian-
nenses.
Começou a decair Vianna da sua antiga opu
lencia , primeiro por causa dos pesados impostos
lançados pelo intruso governo dos Filippes sobre
a navegação, e depois pelas invasões e conquistas
dos hollandezes noBrazil, que paralysaram e cau
saram graves prejuizos ao commercio de Vianna
As guerras da restauração de 1640, e da successão
de Hespanha, e por este mesmo motivo a emigra
ção para o Brazil, fizeram progredir aquel la deca
dencia durante os reinados de D. João iv, D. Afton-
so vi, D. Pedro n, e parte do de el-rei D. João v.
Porém as descobertas das minas de oiro e diaman
tes do Brazil, e o grande desinvolvimento, que as
sumiu n'este ultimo reinado o commercio de Por
tugal com aquella riquissima colonia, resuscitaram
a amortecida industria dos viannenses. E no seguin
te reinado de D. José i ainda recebeu nova vida pe
lo impulso, que o marquez de Pombal soube dar a
todos os interesses economicos dopaiz. N'esta epo
ca a sua navegação e commercio estenderam-se,
além dos paizes já mencionados, aos portos da Sue
cia, e da Russia.
As sabidas desgraças, que opprimiram o nosso
paiz nos principios d'este seculo ; a abertura dos
portos do Brazil ao commercio das nações estran
geiras ; e depois a sua emancipação, fizeram nova
mente decadente a villa de Vianna. A estes males
ainda aceresceu outro , que foi o entupimento do
seu porto pelas areias, de sorte que não permitte
a entrada aos navios de maior lotação, que outr'ora
o demandavam. Todavia este estado precario tem
melhorado progressivamente pelos beneficios do
systema, que nos rege, e pelas diversas reformas,
que teem creado industrias novas, regenerando e
protegendo as antigas. Presentemente o movimen
to annual d'este porto regula por quatroceutos a
quatrocentos e cincoenta navios entrados esaidos,
— 134 —
com uma lotação aproximada de trinta mil tone
ladas.
Julgamos dever commemorar aqui um aconteci
mento, que excitou a curiosidade de toda a povoa
ção. No dia 7 de Agosto de 1840 um pescador con
duziu pela barra dentro um peixe monstruoso, que,
a tres leguas da costa, se lhe tinha involvido nas
redes, morrendo em consequencia de ter engolido
parte das mesmas redes com grande numero de pes
cadas. Foi preciso o auxilio de muitas juntasde bois
para o arrastarem para terra. Tinha quarenta pal
mos de comprido, e doze de circumferencia. Guar-
neciam-lhe a bocca, que era desmesurada, oito or
dens de dentes collocados symetricamente. Os in
testinos, de que se extrahiu meia pipa d'azeite, pe
saram quarenta e uma arrobas , a pelle perto de
cincoenta, e o todo computou-se em duzentas e ses
senta. Classificou-se no genero squalus, presumin-
do-se ser uma especie do squalus maximus.
Na guerra civil, que assolou Portugal nosannos
de 1846 e 1847, tendo-se conservado fiel ao gover
no de Lisboa o castello deVianna, foi este cercado
e accommettido pelas tropas da junta do Porto, que,
não conseguindo vencer a sua resistencia, tiveram
de levantar o cerco, eretirar-se. Em galardão d'es-
ta defensa, a rainha, a senhora D. Maria ii, elevou
a villa á cathegoria de cidade com o nome de Vian-
na do Castello.
El-rei D. Pedro i fez conde de Vianna a D. Al
varo Peres de Castro. Por morte d'este fez el-rei
D. Fernando merce d'este titulo a D. João Affon-
so Tello de Menezes, pae do valente D. Pedro de
Menezes, que tambem foi conde de Vianna, e pri
meiro capitão de Ceuta. El-rei D. Affonso v, que
rendo remunerar os grandes serviços de D. Duar
te de Menezes, lilho bastardo do dito D. Pedro de
Menezes, não só lhe concedeu o mesmo titulo, mas
egualmente o senhorio deVianna da Foz do Lima,
como então lhe chamavam.
^ Representou logo a camara contra uma tal mcT-
ce, allegando que pelos seus privilegios não podia
— 138-
Vianna ser alienada da coroa, senão em favor de
alguma pessoa da familia real. Existe no archivo
municipal a carta de D. Affonso v em resposta á
camara, na qual se lê o seguinte periodo : « Como
»o dito D. Duarte por os serviços, que anos tem
«feitos, e seus grandes merecimentos o fizemos con-
»de da dita villa, e tirar-lho agora não he cousa con-
«veniente a nós de o fazer por alguns respeitos, a
»nós prove, e praz, que o dito D. Duarte haja a
adita vilia em sua vida, e mais não de.»
Por causa d'esta questão é que se collocou na
fachada da casa da camara a pedra em que se lo
o referido privilegio, esculpido em caracteres doi
rados.
D. João vi, sendo principe regente, creou conde
de Vianna em 13 de Maio de 1810 a D. João Manuel
de Menezes, irmão do quarto marquez de Tancos; e
sendo rei, elevou-o a marquez do mesmo titulo em
3 de Julho de 1823. Ao presente é. segundo mar
quez, e segundo conde de Vianna, seu filho o se
nhor D. João Manuel de Menezes.
Esta cidade é cabeça de districlo e de comarca,
e como tal é sede de um governador civil e mais au
toridades e corporações administrativas, de um juiz
de direito, e de um lyceu. Tem casa de alfandega,
e o regimento de infanteria n.° 3 tem ahi o seu
quartel permanente.
No antigo regimen tinha Vianna voto em cortes,
com assento no banco quinto. O seu brasão d'armas
é um escudo coroado, e n'elle, em campo de prata,
uma nau de oiro a vela, em mar azul, tendo na ve
la do mastro grande as armas reaes, ena proa uma
ancora.
Divide-se a cidade em varios bairros denomina
dos a Villa, comprehendidosoutr'ora dentro da cer
ca de muros ; o da Bandeira ; o da Carreira; o de
Mmserrate ; o da Ribeira ; o de S. Bom Homem ;
o do Postigo ; o de S. Bento ; e o Campo do Forno.
Todos estes bairros estendem-se pelo espaço de meia
legua, contando desde a rua do Loureiro até S. Vi
cente de Fora.
— 136-
São duas as parochias da cidade : NossaSenhora
d'Assumpção , e Nossa Sonhora do Monserrate. A
primeira, que é a matriz, foi fundada por el-rei D.
João i, e instituida em collegiada com um arcipres
te, thesoureiro, e seis conegos, no reinado de D.
João ii, no anno de 1483. No seu principio esteve
na egreja de S. Salvador, junto ao mosteiro das be-
nedictinas; mas pouco depois fundou-se-Ihe egreja
propria. E' um templo grande, bem construido, e
decorado com os brincados ornatos da architectura
gothica. Em uma das capellas do corpo da egreja,
do lado do evangelho, vê-se uma imagem de S. Chris-
tovão, de proporções gigantescas, obra muito antiga,
esculpida em madeira.
A egreja e hospital da misericordia foram edifi
cados nos começos do seculo xvi por el-rei D. Ma
nuel. A egreja "foi reedificada em 1714. A sua fron-
taria é de um gosto de architectura original, de
que não conhecemos outro modelo em o nosso paiz.
Compõe-se de um vestibulo, que é sustentado por
seis grossas columnas, duas meias embebidas nos
cunhaes, e que dão entrada por cinco arcos espa
çosos. Sobre o vestibulo erguem-se duas ordens de
galerias, em cada uma das quaes lhe sustentam a
architrave seis cariatides, sendo as duas das extre
midades tambem meio embebidas nos cunhaes. Re
mata a fachada um frontão com as armas reaes, co
roado por uma imagem de Christo crucificado, e
decorado nos acroterios com duas estatuas.
Contam-se na cidade dezoito ermidas, e quatro
conventos de freiras ainda habitados. O de Santa
Anna, de religiosas de S. Bento, foi fundado em
1512. Tem dois pateos na entrada, onde antiga
mente se corriam toiros. O mosteiro de S. Bento,
egualmente de freiras benedictinas, teve principio
no anno de 1549. O convento de Nossa Senhora do
Carmo, de freiras carmelitas, construido em 1647,
foi primeiramente de frades da mesma ordem. O
quarto é o convento das Chagas, de ursulinas.
De frades teve os seguintes conventos, cujos edi
ficios se acham presentemente oceupados pelo go
— 137 —
veino civil, tribunal de primeira instancia, e ou
tras repartições publicas. Santa Cruz, que foi de
religiosos dominicos, teve por fundador no anno
de 1563 o arcebispo de Braga, D. frei Bartolomeu
dos Martyres, que renunciando o arcebispado, n'el-
le veiu morrer, e jaz na capella-mórda egreja em
tumulo de marmore branco e vermelho. 5. TKeoto-
nio, que pertenceu aos conegos regrantes de Santo
Agostinho, foi edificado pela ordem em 1631. San
to Antonio, que foi de frades capuchos da provin
cia da Conceição, fundou-o a ordem com esmolas
no anno de 1612.
Além d'estes edificios religiosos e pios ha em
Vianna duas confrarias das ordens terceiras de S.
Francisco, e S. Domingos ; e casa d'asylo da in
fancia desvalida.
Possue a cidade varias praças, campos c largos;
ruas extensas e limpas, e algumas bem alinhadas; um
caes magnifico; um passeio publico; theatro; çlub,
denominado assemblea viannense; e dois jornaes po
liticos, noticiosos, e litterarios, intitulados Aurora
do Lima e Viannense. A praça principal pela nobreza
dos edificios èo Campo do Forno. N'um dos seus qua
tro lados ergue-se a egreja da misericordia, e neu
tro a casa da camara. Foi esta fundada por el-rei D.
Manuel, que a mudou do bairro da Ribeira, onde
anteriormente se achava. Na fachada, sobre as ja-
nellas, vêem-se de uma parte as armas da cidade,
da outra a esphera armilar, divisa d'el-rei D. Ma
nuel, e no centro as armas reaes, e a cruz da or
dem de Christo, com uma inscripção, tirada do fo
ral dado a Vianna por D. Affonso iii, que faz me
moria, entre outros privilegios, do que determi
na, que em tempo algum o senhorio de Vianna se
alienará da coroa, uxcepto se for em favor de rai
nha, principe ou infante. Este edificio, que é co
roado d'ameias, foi reconstruido no seculo passado.
No meio da praça levanta-se um esbelto chafariz
com duas taças, d'onde a agua cae para um tanque
circular. N'esta praça correram-se toiros antigamen
te por occasiào de algumas festas.
— 138 —
O campo de Nossa Senhora da Agonia, no extremo
occidental da cidade, é muito vasto, e bello pela sua
situação. Limita-o pelo lado de este o oceano, e pe
lo de leste o monte, em cuja falda está edificada a
ermida de Nossa Senhora da Agonia. Guarnece-lhe
o lado do sul uma comprida alameda de copadas ar
vores, e o palacio que foi da viscondessa do Geraz
do Lima, e hoje propriedade de seu neto, o senhor
Luiz do Bego da Fonseca Magalhães, par do reino.
Por occasião da festa da Senhora da Agonia, nos
dias 23 d'Agosto e seguintes, faz-se n'este campo
uma feira e arrayal, que attrahem extraordinaria
concorrencia de gente de muitas leguas em redor,
e até de Hespanha. Assistindo nós a um fogo de ar
tificio em uma d'essas festividades, calculámos em
mais de cincoenta mil os espectadores reunidos n'a-
quclle campo.
Tem Vianna um grande caes de cantaria, que se
estende até á barra, com varias linguetas para des
embarque.
Contiguo a este caes fica o passeio publico n'uma
deliciosa situação entre a cidade e ocastello, e so
branceiro ao rio.
O theatro é muito parecido em tamanho econs-
trucção com o nosso da rua dos Condes.
Encerra esta cidade grande numero de familias
nobres e ricas, de que lhe resulta possuir muitas
casas apalaçadas de agradavel aspecto, e não pou
cas de architectura gothica, habitadas, e no melhor
estado de conservação. D'entrc as primeiras sobre-
sae o palacio do senhor Luiz do Rego da Fonseca
Magalhães, de que acima falíamos. Entre as segun
das tem o primeiro logar o palacio do senhor vis
conde da Carreira, Alvaro. E' um lindo edificio,
que mostra nas variadas esculpturas da sua nobre
frontaria aquelle typo engraçado do gothico-flori-
do, que entre nós tambem se pode designar pelo
nome de Manoelino.
O castello de Vianna, intitulado de Santiago,
deve a sua fabrica primitiva aos viannenses, que
o levantaram á sua custa ainda no reinado de D.
— 139 —
Aflouso iii , por cujo serviço foram concedidos
á sua camara os titulos e jurisdicção de alcaide-
niór d'este castello, e de capitão-mór da villa.
Achando-se o castello em bastante ruina em tem
po del-rei D. Manuel , mandou-o reconstruir es
te soberano , adaptando-o ao uso da artilharia ,
e guarnecendo-o de canhões. Depois fizeram-
lhe muitas obras de reedificação e de augmen-
to em 1567, reinando D. Sebastião; e em 1652, sob
o governo del-rei D. João iv, e sendo governador
das armas da provincia D. Diogo de Lima, visconde
de Villa Nova da Cerveira.
Compõe-se o castello de cinco baluartes e dois
revelins, com um largo fosso em torno, e uma gran
de e dilatada esplanada. Encerra a casa do gover
nador, capella, casa d'armas, armazens, e outras
officinas. Perto do castello ha um fortim, situado
no fim do caes, mesmo na barra, e que serve de
registro.
Das antigas muralhas de Vianna , construidas
lambem pelos seus moradores em tempo de D. Af-
fonso ih, poucos vestigios restam. Abriam-se del
ias cinco portas, chamadas : de Santiago, de S. Pe
dro, de S. Filippe, de Nossa Senhora da Victoria,
e de S. João. Excepto a primeira, todas as outras
tinham junto a si capellas dedicadas, a da porta de
S. Filippe a S. Crispim e S. CriRpiniano, eas tres
restantes aos santos da sua propria invocação.
Communica-se a cidade com a margem opposta
do rio por uma bella ponte de madeira, de boa cons-
trucção, bem cuidada na sua conservação, e de um
grande comprimento, pela muita largura que o rio
ahi tem. E' um lindo passeio, d'onde se desfructam
variadissimos e mur formosos panoramas.
Chafarizes de optima agua tem Vianna mui
tos nos logares publicos, nos conventos, e nas suas
respectivas cercas, e alguns d'elles são de engrada
da traça. Os da Ribeira fornecem aguada para
embarcações. 0 chamado de Gontim ésingu
la muita frialdade da sua agua.
O mercado é mui abundante doin
— 140 —
duetos de agricultura e horticultura, proprios d'a-
quella provincia, e bem assim de pescado do alto
mar, e do Lima, que é afamado pelas saborosissi
mas lamproas e salmões, que n'elle se pescam em
tanta quantidade, que, além dos que se consomem
na cidade, e mais povoações visinhas ao rio, se ex
poriam frescos c de conserva para o Porto, Lisboa,
e outras terras do reino.
Os arrabaldes de Vianna são de uma belleza ver
dadeiramente encantadora. Para o nosso gosto éo
Lima, d'entre todos os rios de Portugal, o de mar
gens mais lindas, mais amenas, e pittorescas. Nos
arvoredos, que o orlam, rouba ao rio Minho uma
das feições que maior primazia lhe dão. Nas quin
tas de regalo, que banha, assimilha-se ao Douro.
Nas antigas e pittorescas povoações, que se espe
lham na sua corrente; nos ferteis e yiçosos cam
pos, que rega e corta ; e nas montanhas, assombra
das de vasto arvoredo, que fazem caixilho a estes
campos ; possue os encanios, que mais distinguem
por formoso o Mondego. E sobretudo isto, ainda tem
o Lima uma feição propriamente sua, que lhe dá in
finita graça e magestade. Consiste ella nos palace
tes gothicos, e nas torres quadrangulares, coroadas
de ameias, nobres solares de remotas eras, que lhe
povoam as margens; e nas ermidas com suas torres
de cupula bysantina, que servem de coroa aos mais
altos cumes d'aquellas montanhas.
O rio Lima, que os romanos denominaram Limia,
e que alguns escriptores nossos crêem, na sua boa
fé, ser o celebrado Lethes da antiguidade, nasce de
uma lagoa chamada Beon, na parte do norte da pro
vincia de Orense, reino de Galliza. Atravessa Por
tugal do nascente ao poente, cn'elle banha os mu
ros das villas da Ponte da Barca, e Ponte de Lima,
e os da cidade deVianna do Castello, junto da qual se
lança no oceano. Criam lamprêas, salmões, trutas,
solhos, barbos, e ainda outros peixes. A sua foz é
apertada por um cabedelo, que se estende para o
sul; guarnecem-na, porém, de ambos os lados bem
construidas muralhas decantaria. Esta obra do en
—141 —
casamento do rio foi começada no principio do se
culo passado. Depois de estar parada muitos annos,
encetou-se de novo em 1805. Foi interrompida em
1807 pela invasão dos francezes, e continuada pas
sados annos , sem chegar á conclusão segundo os
planos approvados. Ultimamente teem sidoempre-
hendidas algumas obras para melhoramento da bar
ra, que é dividida por diversos rochedos e bancos
de areia em tres canaes chamados a barragrande,
portas de Castellão, e portas simplesmente. Um pa
redão, que ahi se construe ao presente, 0 que liga
a terra firme com uns rochedos, que se levantam
no oceano, deve melhorar muito a barra.
D'entre as mais apraziveis vivendas das margens
do Lima, citaremos duas por mais bellas, posto que
fiquem afastadas da cidade : as quintas e palacios
dos senhores condes d'Almada, e de Britiandos. So-
bresaem ambas pelo risonho da situação, e pelas
pompas da natureza ; porém a segunda reune a es
tas vantagens o concurso da arte (*).
A meia legua deVianna, para o norte, em sitio
alto, mas cercado de montes, que por todosos la
dos lhe limitam o horisonte, está o edificio doex-
tincto convento de S. Francisco, que foi de frades
capuchos da provincia da Conceição. A sua primei
ra fundação effeituou-se noannode 1398; e no de
1584 passou por uma reedificação geral. Tem con
tigua uma linda matta, com muitas capellas e fon
tes.
Todo o concelho deVianna é muito bem cultiva
do, e regado por numerosos mananciaes. As suas
producções mais communs, são : cereaes, com es
pecialidade milho, que exporta para diflerentes por
tos do reino ; legumes, vinho, linho, e frutas. Tem
varias marinhas, das quaes recolhe algum sal.
Vianna contém perto de sete mil habitantes, não
entrando n'este numero o regimento que n'ella tem
o seu quartel.
(«) Veja-se o que delia dissemos no artigo de Ponte
de Lima.
— 442 —
Acha-se ligada por meio de excellentes estradas
macdamisadas, e carreiras regulares de diligencias
com as cidades do Porto, de Braga, e de Guimarães,
e com as villas de Caminha, Barcellos, e Villa Nova
de Famalicão.
Illustraram esta cidade muitos lilhos benemeri
tos, dos quaes nomearemos alguns. O insigne juris
consulto Pedro Barbosa, foi lente da universidade
de Coimbra, desembargador do paço, chancelter-
mór do reino , e autor de diversas obras juridicas
muito estimadas, e da recopilação e reformação das
ordenações do reino, que fez por ordem de D. Filip-
pe ii de Hespanha, depois d'este se assenhorear de
Portugal. D. Miguel Pereira, foi prelado de Tho-
mar, e bispo da Bahia, falteceu em 1630. O doutor
Marçat Cazado Jacome, bispo eleito de Portalegre.
Domingos Ribeiro Cime, arcebispo eleito de Goa,
e depois bispo .d'Elvas.
— 148 —

A MLA DA VIDIGUEIRA

Está fundada em uma ategre planicie na provin


cia do Alemtejo , districto administrativo de Beja.
Dista da cidade d' Evora sete leguas para o sul, e
quatro para o nordeste da cidade de Beja.
Posto que se ignore a origem d'esta villa.cousta
todavia que já existia em tempos anteriores á mo-
narchia , tendo então assento em outro sitio , que
uns querem que fosse, onde agora chamam Atfaia
tes e Ferrarias, na varzea do Zambujal ; e outros
dizem que era junto á ermida de Santa Clara. Es
tes ultimos fundam a sua opinião em ter sido esta
ermida a primeira parochia da villa.
Não se sabem as razões, tjue houve para esta mu
dança de local, nem a epoca em que se effeituou.
Provavelmente arruinou-se nas guerras contra os
moiros, e dispersando-se os seus moradores, parie
d'eltes veiu a reedffical-a com os seus,proprios ma-
teriaes em logar melhor, ou mais a seu gosto. Do
que ha noticia é que era uma pequena e pobre al
dêa no meiado do seculo xui ; e que, tratando el-
rei D. Affonso iii de fazer povoar a provincia do
Alemtejo, que pela sua recente conquista aos moi
ros estava quasi deserta , doou o senhorio da Vi
digueira ao mestre Thomé, thesoureiro-mór da sé
de Braga, com a condição de a mandar povoar com
gente da sua diocese, onde superabundava a popu
lação.
Cumpriu mestre Thomé aquelia clausula, e a po
voação da Vidigueira cresceu rapidamente. Por mor
te d'este primeiro donatario passou aquelle senho
rio para os seus sobrinhos , que o transferiram ao
arcebispo de Braga D. Martinho de Oliveira. Pou
co depois trocou-o este prelado com el-rei D. Diniz
pela herdade de Chão da Veteira, na qual instituiu
o morgado d'01iveira, de que éactualmente possui
dor o senhor conde de Bio Maior.
Em 1315 fez doação da Vidigueira el-rei D. Di
-144-
niz a sua sobrinha, D. Isabel, filha do infante D.
Affonso, seu irmão. Fallccendo esta senhora, en
trou na posse d'este dominio sua filha, D. Maria, e
depois sua neta, D. Joanna.
Por merco d'el-rei D. Fernando passou a Vidi
gueira em 1367 para Vasco Martins de Mello ; e
por morte d'este para D. Isabel, filha bastarda do
mesmo soberano.
Subindo ao throno D. João i, e querendo recom
pensar os grandes serviços do condestavel D. Nuno
Alvares Pereira, deu-lhe em 1385 muitos bens e se
nhorios, entre os quaes se incluia o da Vidigueira.
Em 1422 o mesmo condestavel fez doação d'esta terra
a seu neto, D. Fernando, conde de Arrayolos e mar-
quez deVilla Viçosa, c mais tarde segundo duque
de Bragança. Conservou-se n'esta augusta casa até
que D. Jaime, quarto duque de Bragança, a vendeu
a D.Vasco da Gama, o illustre descobridor da ln
dia, por escriptura feita em Évora a 17 de Novem
bro de 1519. Foi o preço da venda quatrocentos mil
réis de juro, e quatro mil cruzados em dinheiro,
quantia muito grande n'aquelte tempo, ém que o al
queire de trigo regulava de quinze a vinte réis.
No seguinte anno de 1820, a 20 deJaneiro, ele
vou el-rei D. Manuel ás honras de conde da Vidi
gueira a D.Vasco da Gama, cujo titulo se tem con
servado sem interrupção nos seus descendentes. Pre
sentemente é decimo-quarto conde da Vidigueira o
senhor D. Thomaz Xavier Telles de Castro da Gama
Ataide Noronha Silveira e Sousa , filho primogenito
do senhor marquez de Niza.
Deu foral a esta villa el-rei D. Manuel no 1.° de
Junho de 1512. O seu brasão d'armas é um castel-
lo enlaçado com uma vide. Allude este brasão ao
castello da villa, e ás muitas vinhas, que o seu ter
ritorio outr'ora continha. Dizem que d'esta circun
stancia tirou a villa o seu primeiro nome de Videira,
que depois se trocou no de Vidigueira.
E' cercada esta villa de espaçosos campos ou ro
cios, em um dos quaes se acha a unica parochia, de
dicada a S. Pedro. E' um bom templo de tres na
— 145 —
ves, edificado á custa de Pedro Lopes Pinto, prior
d'esta freguezia. Concluiu-se no anno de 1590.
A primeira parochia da villa foi a ermida de San
ta Clara. D'esta transferiu-separaa ermida de San
ta Margarida, onde depois se erigiu a casa da mise
ricordia. A terceira trasladação foi para a actual
egreja de S. Pedro.
A casa da misericordia foi fundada no anno de
1620, e occupa um dos lados da praça da villa. Os
outros edificios retigiosos são : o recolhimento do Es
pirito Santo, de terceiras carmelitas, que teve prin
cipio em 1668, na ermida da mesma invocação, o
qual ainda se conserva habitado: as ermidas de S.
Braz, S. Sebastião e S. Pedro, dentro da villa, e fo
ra as Ae. Santa Clara, e de S.Rafael, e a egreja do
extincto convento de Nossa Senhora d'Assumpção,
que pertenceu aos frades capuchos da provincia da
Piedade. Fundou este convento em 1545 D. Fran
cisco da Gama, segundo conde da Vidigueira.
Sobre uma eminencia, que se ergue no campo
ou rocio, onde está a egreja parochial de S. Pedro,
avulta o castello da Vidigueira. Attribue-se a sua
fundação a D. Fernando i do nome, e segundo du
que de Bragança, então senhor d'aquella villa. Pe
lo tempo adiante fizeram-lhe muitas obras deaug-
mento e reedificação os condes da Vidigueira, e
marquezes de Niza , alguns dos quaes por muitas
vezes residiram em um palacio dentro do mesmo
castello.
A um quarto de legua da villa, nas faldas de uma
serra, e sobranceiro a uma dilatada varzea, está o
edificio do extincto convento de Nossa Senhora das
Rellquias, que foi de frades carmelitas. Fundou-o
a mesma ordem em 1493, concedendo-lheel-rei D.
Manuel uma ermida, que ahi existia, onde se ve
nerava com muita devoção e concorrencia dos po
vos d'aqueltes arredores uma imagem de Nossa Se
nhora das Reliquias. Esta imagem, segundo conta
a sua lenda , foi salva por uns monges das profa
nações dos moiros na occasião da sua entrada na
Lusitania , permanecendo largos anuos escondida
vol. ui. 10
— «4G—
n'uuias brenhas. Depois foi descoberta n'um zam
bujeiro no proprio local onde se lhe edificou a er
mida. Tomaram-a os carmelitas para orago do seu
convento, collocando-a na capella-mór daegreja.
N'esta capella-mór teem seu jazigo osmarquezes
de Niza, condes da Vidigueira. Em um arco, ou ni
cho, que se abre na parede do presbyterio, do ta
do do evangelho, esteve até ha poucos anãos o cai
xão, que encerra as cinzas do illustre descobridor
da lndia. Em uma pedra embutida na mesma pa
rede lo-se a seguinte inscripção :
«Aqui jaz o grande argonauta D. Vasco da Gama,
<c primeiro conde da Vidigueira, c almirante das In
ce dias Orientaes, e seu famoso descobridor. »
O portuguez, que mais conhecido fez em todo o
globo o nome de Portugal, não tem uma pedra, que
lhe guarde os despojos mortaes das injurias dos pro-
fanadores. Púr vergonha d'esta patria ingrata aquel-
le caixão (que ao presente se acha na matriz da Vi
digueira), tem sido frequentes vezes aberto e patente
aos olhos dos viajantes curiosos ; e não poucos ossos
do illustre finado figuram hoje entre as relfquias
de homens notaveis em varios gabinetes de anti
guidades 1
Na parede fronteira, do mesmo presbyterio, está
n' outro caixão, collocado como aquelle, D. Francis
co da Gama, quarto conde da Vidigueira. No pavi
mento da capella-mór jazem em sepulturas razas,
entre outros membros d'esta familia. D. Vasco Luiz
da Gama, quinto conde da Vidigueira, e primeiro
marquez de Niza, e seu filho, D. Francisco Luiz
Balthazar Antonio da Gama, sexto conde da Vidi
gueira e segundo marquez de Niza.
Para uma das paredes tateraes d'esta capella-mór
deu o primeiro marquez de Niza um grande painel
da Ascenção de Christo, de vinte e dois palmos de
altura, e dezeseis de largura, que era reputado co
mo obra de muito primor e de elevado preço. Não
achamos memoria do nome do autor, nem sabemos
se ainda ali existe.
Possuia este templo muitas alfaias e vasos de su-
_ 147—
bido valor, e varias reliquias em custosos relicarios
de oiro e prata. A cêrca do convento é grande e mui
to arborisada.Cortam-na duas ribeiras, que levam
agua todo o anno.
Não devemos deixar de fallar da ermida de S. Ra
fael, tambem situada nos arrabaldes da villa da Vi
digueira, por quanto a imagem do archanjo, seu pa
droeiro^ acompanhou Vasco da Gama na sua pri
meira viagem a lndia. Pela muita devoção que lhe
tinha este ousado navegador, levou-a na camara da
sua nau, á qual deu o nome de S. Rafael.
[Ventre as pessoas notaveis naturaes da villa da
Vidigueira , citaremos o erudito escriptor Achites
Estaca ; o veneravel frei Antonio das Chagas, elo
quente orador sagrado ; e D. Christovão da Gama,
que padeceu martyrio pela fé christã em terras de
Africa.
O termo da Vidigueira contém bellas varzeas, re
gadas por diversas ribeiras, e bem cultivadas. Con
sistem as suas principaes producções em cereaes,
vinho, e azeite. Não faltam para o consumo da villa
frutas e outros generos agricolas. Tem creação de
gados, c n'algumas serras abunda a caça.
A população da Vidigueira não é inferior a duas
mil e quatrocentas almas. Tem feira annual de tres
dias a 20 de janeiro.
— 14S_r

VILLA DO CONDE.

Tem assento esta villa em terreno plano sobre a.


margem direita do rio Ave, e a meio quarto de le
gua da sua foz. Dista cinco leguas para o sudoeste
da cidade de Braga, e quatro para noroeste da ci
dade do Porto, a cujodistricto administrativo per
tence.
Attribue-se a el-rei D. Sancho r a fundação d'es-
ta villa, no anno de 1200. Ha, porém, quem juN
gue que este monarcha foi simplesmente o restau
rador de uma antiga povoação, que ahi existia em
ruinas, e que florecera no tempo dos romanos. O»
que sustentam esta opinião, autorisam-a com a exis
tencia de um velho e derrocado castello, que era co--
nhecido pelo nome de Castro, e que se demoliu no
seculo xiv para se edificar no seu logar o mosteiro
das freiras de Santa Clara. Aquelle nome, e a tra
dição, dão motivo para se presumir, que fora obra
romana. N'este caso, é possivel, e mesmo provavel,
que os romanos tivessem fundado alguma povoação*
junto da fortaleza, principalmente por ser o sitio,
como porto de mar, e foz de um rio, tão azado pa
ra o estabelecimento de uma colonia. Entretanto,
isto não passa de uma conjectura com mais ou me
nos fundamento.
O primeiro senhor d'esta villa foi o conde D. Men
do Paes Rofinho, do qual lhe veiu a denominação
de villa do Conde.
El-rei D. Diniz doou este senhorio a D. Maria Paes
Ribeira, nobre e formosa dama de quem teve varios
filhos bastardos. Depois entrou na posse de Villa do
Conde D. Affonso Sanches, filho natural do mesmo
rei, e de D. Aldonça Rodrigues Telha. Nasceu este
principe antes do anno de 1289 , e casou com D.
Thereza Martins, filha de D. João Affonso de Me
nezes , conde de Barcellos, e senhor d'Albuquer-
— 149 —
que, e de Villa do Conde, e neta de D. Sancho iv,
rei de Castella.
Estando resolvido D. Affonso Sanches a recons
truir o antigo castello, de que acima falíamos, pa
ra defensa da povoação e do porto, sonhou em cer
ta noite, que a obra já estava começada, e se anda
va fazendo com a escada dirigida para o ceo. Jul
gando ver n'este sonho, que era vontade de Deus,
que em vez de um castello edificasse ali uma casa
de oração, decidiu fundar um convento. Lançou-
lhe a primeira, pedra no anno de 1318, e assim que
se acabou, entregou-o ás religiosas franciscanas,
da regra de Santa Clara.
O fundador fez doação, em sua vida, ao mostei
ro de muitos bens, e por sua morte, e de sua mu
lher, deixou-lhe o senhorio de Villa do Conde e de
outras terras, com avultadas rendas. Lograram as
freiras por muitos annos este senhorio. A abbades-
sa com o seu ouvidor sentenceava asappellações das
sentenças do juiz ; e possuia todos os direitos reaes.
El-rei D. Duarte começou a contestar ás freiras
estes grandes privilegios; eD.João m acabou a ques
tão desapossando-as d'elles, em 1B37, e dispondo
(Teste senhorio em favor do infante D. Duarte, seu
irmão. Pelo casamento de D. Catharina, filha d'es-
te infante, com D. João i, sexto duque de Bragan
ça , passou o mesmo senhorio para a real casa de
Bragança.
Villa do Conde tinha representação nas antigas
cortes do reino, e os seus procuradores n'ellas to
mavam assento no banco oitavo. Tem por brasão de
armas em mar azul uma nau á vela.
Os seus alcaides-móres eram nomeados pelos du
ques de Bragança. Depois da sua exaltação ao thro-
no, tem andado esta alcaidaria-mór na familia dos
Baenas Sanches.
Ha na villa uma só parochia, dedicada a S. Jofto
Baptista, fundada por el-rei D. Manuel, e erigida
em collegiada pelo arcebispo de Braga-, D. Diogo
de Sousa, no anno de 1518. Além d'este os princi-
paes edificios publicos e religiosos, são : a egrejada
— 450 —
misericordia, o hospital, seis ermidas, a casa da
camara, a alfandega, o convento de Santa Clara, c
o convento de Nossa Senhora da Encarnação, da ex-
tincta ordem de S. Francisco.
Tem um pequeno theatro ; uma assembiea, inti
tulada assembtea recreativa ; e um bello caes de pe
dra, que segue pela margem direita do Ave até á
sua foz , proximo da capella de Nossa Senhora da
Guia.
O convento de Santa Clara, e o seu famoso aque-
ducto são dois monumentos grandiosos, que, avul
tando gigantescamente sobre todas as construcções
da povoação, dão a Villa do Conde um aspecto no
bre e particular.
Ergue-se senhorilmente em sitio um pouco ele
vado, e sobranceiro à villa. A primeira fabrica de
D. Affonso Sanches conservou-se, com algumas obras
de reparo, até ao seculo passado. Achando-se então
o convento muito deteriorado, e ameaçando ruina,
foi mister proceder-se a uma reedificação desde os
alicerces. E tão avuttadas eram as suas rendas ain
da n'esta epoca, apezar do muito que tinham di
minuido, quando foram tirados às freiras os direi
tos senhoriaes da villa, que a nova fabrica, verda
deiramente sumptuosa, foi levantada à custa da or
dem. Não chegou a concluir-se, mas ainda assim
ê um dos mais vastos mosteiros, que ha no reino,
e quanto á regularidade, belleza, e magestade da
sua architectura, é muito superior aos melhores de
Lisboa, e a todos os que conhecemos no paiz. A
frontaria principal, que está voltada para o occi-
dente, era digna de um palácio real. Compõe-se de
tres andares, com dezesete grandes janellas em ca
da um ; e divide-se em cinco corpos por duplica
das pilastras. O do centro é coroado por um fron
tão, ornado no tympano com um baixo relevo, no
vertice com uma estatua colossal, e nos acroterios
com quatro vasos. Cada um dos corpos das extre
midades tem quatro vasos ou pyras, por decoração
superior.
A egreja é boa, e contém alfaias de muita ri
— 1ÍH —
queza c primor. Em uma das suas capellas jazem
os fundadores em magnifico mausoleu , com o se
guinte epitaphio : «Aqui jaz o muito esclarecido
«principe D. Aflbnso Sanches, filho d'el-rei D. Di-
«niz, de gloriosa memoria, rei de Portugal, coma
«muito excellente senhora, sua mulher, D. The-
«reza Martins, neta d'el-rei D.Sancho deCastcl-
«la, primeiros fundadores d'este convento. »
Esto sepulchro esteve por muitos annos da parte
de fora da egreja, onde foi levantado segundo o uso
do tempo, que não permittia enterramentos no in
terior dos templos. No anno de 1526, aabbadessa
D. Isabel de Castro mandou edificar ahi uma ca-
pella com communicação por um arco para a egre
ja, de sorte que, sem remover o mausoteo, lhe deu
abrigo sob as abobadas do templo.
Conduz agua para este convento um grande aque-
dueto, que corre por longa extensão de terreno so
bre uma elegante arcaria, composta de novecentos
noventa e nove arcos. No seculo passado ainda era
habitado o convento por cento e vinte freiras. Pre
sentemente residem n'elle umas trinta religiosas.
O convento de Nossa Senhora da Encarnação, da
extincta ordem de S. Francisco , foi fundado em
1522,
A barra é estreita, e só permitte a entrada a na
vios de pequena lotação. Defende-a um forte de
cinco baluartes, principiado no seculo xvi por or
dem de D. Duarte, duque de Guimarães, filho do
infante D. Duarte, e neto d'el-rei D.Manuel. Fez
o risco e dirigiu a obra Filippe Tercio, architecto
italiano , que esteve ao serviço de Filippe n de
Hespanha, pelo que alguns escriptores attribuem
a este soberano a edificação d'aquelle forte. Pelos
annos do 1624, pertencendo já então o senhorio
de Villa do Conde á casa de Bragança, mandou o
duque D. Theodosio n continuar com a fortaleza,
que veiu a concluir-se durante as guerras da res
tauração do reino.
Uni operario, que trabalhava n'estas obras, achou
ahi uo anno de 1036 uma bella saphira, que ven
deu ao conego Manuel Maio. Eslcvendeu-a na ci
dade do Porto, por vinte e cinco mil réis, a um es
trangeiro, que a levou a Paris, onde dizem que ob
tivera por ella setenta mil cruzados. Na mesma
occasião se descobriram ainda mais algumas sa-
phiras, porém de muito menos valor.
Antes da fundação do forte havia, para defensa
da barra, uma plataforma com quatro peçes de ar
tilharia, que estava situada junto da ermida, que
ali se vé , consagrada a Nossa Senhora da Guia.
Esta ermida é muito antiga, e de muita devoção
dos maritimos. Foi oratorio dos principes funda
dores do convento de Santa Clara.
Villa do Conde é terra farta e saudavel. Tem
tres mil e duzentos habitantes, que pela maior par
te se empregam no commercio e nas pescarias. O
movimento do seu porto regula aunualmente por
umas duzentas e quarenta embarcações entradas e
saidas. N'estes ultimos annos teem-se construido
neste porto alguns navios.
O rio Ave não é navegavel para cima da villa
por causa de uns açudes, que o obstruem. Cria
"muitas lamprêas, saveis, barbos, trutas, relhos, es-
callos, e bogas. A costa visinha do oceano abastece
de variado pescado não só Villa do Conde, mas par
te do interior da provincia.
As cercanias d'esta povoação são lindas, para o
que lhe bastam as formosas margens do Ave. Con
siste a principal cultura em trigo, centeio, milho,
e algum vinho. Para o consumo da povoação tem
excellentes hortaliças, e frutas. No concelho cria-
se algum gado.
Fazem-se na villa tres feiras mensaes, nos dias
3, 12 c 20, muito concorridas de gente de fora.
Fronteira a Villa do Conde, na margem esquer
da do Ave, está Azurara, povoação antiga, com
uma bella egreja parochial, edificada por el-rei D.
Manuel.
A pouco mais de um quarto de legua de Villa do
Conde, para o norte, fica a Povoa de Varzim, vil
la de seis mil habitantes, que em grande parte se
— 153 —
occupam da pesca. Está situada sobre o oceano,
com extensas praias, limpas de pedras, o que lhe
dá a vantagem de servir de estação de banhos do
mar, á qual concorrem muitas familias do interior
da provincia.
— 184 —

VILLfl FLOR

Na provincia de Traz-os-Montes, districlo admi


nistrativo de Bragança, está Villa Flor edificada nas
abas de uma serra, que a abriga do norte. Dista tres
leguas e meia, para o noroeste, da villa da Torre de
Moncorvo, e quatro, para o sudoeste, da villa de
Mirandela.
Não temos encontrado memoria da origem d'esta
villa ; é certo porém, que tem bastante antiguida
de, pois consta que el-rei D. Diniz lhe reformou o
foral velho, e, segundo a tradição dos habitantes,
lhe mudou o antigo nome de Povoa d'além do Sabor
no de Villa Flor.
Até ao fira do seculo xv foi terra importante, e ri
ca. Era habitada então por grande numero de ju
deus, que a faziam florecente pelo trato commer-
cial. Pela sua expulsão de Portugal, em virtude das
condições do contracto matrimonial d'el-rei D. Ma
nuel com a princeza D. Isabel de Castella, sua pri
meira mulher, começou a decadencia de Villa Flor.
E caminhou rapidamente n'esta senda, porque não
lhe faltou somente aquella actividade c genio mer
cantil, que caracterisavam, e ainda hoje caracteri-
sam a raça israelita, mas tambem os capitaes, que
n'esses tempos eram como um apanagio quasi ex
clusivamente seu.
Assim veiu a diminuir consideravelmente a po
pulação da villa, e muitos dos seus edificios cairam
em ruinas.
O senhorio d'esta villa andou na familia dos Agui-
lares até ao fim do reinado d'el-rei D. Fernando. De
pois, como estes seguissem o partido de D. João i
deCastelIa, na guerra da successão, foram privados
de todas as honras e bens por D. João i de Portugal,
que logo fez doação de Villa Flor a Vasco Peres de
Sampaio. Possuiram-na os descendentes d'este fi
dalgo, cujo representante actual é o senhor conde
de Sampaio.
r
— i»o~
O brasão d armas d'esta villa é uma flor de Uz
e o escudo das armas reaes; aquella emallusãoao
seu nome, e este em memoria de lhe ter sido dado
o brasão pelo soberano, Ceremos que foi D. João i)
em troca do antigo , que se compunha de cinco
aguias. Parece que a razão desta mudança foi por
ser este brasão o mesmo dos antigos donatarios, os
Aguilares.
Não è esta villa a que dá o titulo aos condes de
"Villa Flor, mas sim a do mesmo nome na provin
cia do Alemtejo.
A única parochia da villa é da invocação deS.
Bartholomeu. Limitam-se os outros edificios reli
giosos á casa da misericordia e varias ermidas.
Dez fontes, uma das quaes é de boa fabrica,
abastecem a povoação, que apenas consta de mil
almas, pouco mais ou menos.
A sua cerca de muros, com quatro portas, foi
obra d'el-rei D. Diniz. Não sabemos se ainda os
conserva.
Tanto os suburbios, como todo o concelho, são
egualmente abundantes d' agua, e por consequen
cia mui produetivos e arborisados. Consiste em ge
ral a sua cultura em cereaes, legumes, vinho, azei
te, frutas, especialmente castanhas, e linho. Cria-
se n*elles algum gado, e caça miuda.
Foi natural d'esta villa o poeta Paulo Montes de
Madureira Roubão, autor do poema heroico Pro
gressos Lusitanos, em louvor das acções do exerci
to portuguez na guerra da suecessãode Hespanha.

-'
— 156 —

VILLA NOM D.ICERVBIRA,

Esta vilfa é uma das praças d'armas da provln


cia do Minho, no districto administrativo de Vian-
na. Está situada sobre a margem esquerda do rio
Minho, quatro leguas abaixo da praça de Monção,
e duas da praça de Valença ; e duas leguas acima
da villa de Caminha.
Fundou-a el-rei D. Diniz pelos annos de 1320
em um sitio chamado Cervaria, dizem que por ser
frequentado de cervos, como logar que era deser
to, assombrado de arvoredos, e junto de um rio.
D'esta circunstancia parece que tirou a nora po
voação o seu nome e brasão d'armas.
A primeira fundação d'esta villa foi um pouco
mais acima, aonde chamavam as Valinhas, junto
de Nossa Senhora de Lobelhe. Depois mudou-se
para o logar em que se acha, por ser mais apro
priado a obras de defensa.
Posto que seja praça d'armas, pouco ou nada
tem figurado na historia das nossas guerras. Esta
parte da fronteira de Portugal tem sido mais pou
pada, que as outras nas diversas lutas com os nos
sos visinhos. E quando estes a teem invadido,
proeuram sempre transpol-a onde a passagem do
rio lhes offerece menos difficuldades, e por conse
guinte muito acima de Villa Nova da Cerveira.
Tinha representação esta villa em as nossas an
tigas cortes, com assento no banco decimo-setimo.
O seu brasão d'armas é, em campo verde, um vea
do ou cervo, sustentando nas pontas o escudo das
quinas portuguezas, sem os castellos.
El-rei D. Affonso v fez visconde de Villa Nova da
Cerveira a D. Leonel de Lima, em 1476. Era um fi
dalgo de antiga e illustre linhagem, senhor de va
rias terras, e alcaide-mór da villa de Ponte de Li
ma. Foi o primeiro visconde, que houve em Portu
gal. Actualmente é o decimo-setimo visconde do
mesmo titulo, terceiro marquez de Ponte de Lima,
— 157—
e alcaide-mór de Villa Nova da Cerveira, o senhor
D. José Maria Xavier de Lima Vasconcellos Brito
Nogueira Telles da Silva, descendente de D. Leonel
de Lima.
A parte mais antiga da povoação, a que chamam
dentro da villa, é cingida de altos muros com oito
torres, tres plataformas, barbacan, e uma porta,
sobre a qual está uma capella de Nossa Senhora
d'Ajuda. N'esta parte da villa acham-se situadas
a egreja da misericordia, a casa da camara, e ea-
dêa, os armazens e mais officinas proprias de uma
praça de guerra.
Sae-se d'aquella porta para um largo guarneci
do por diversos predios particulares , pela egreja
rmtriz, dedicada a S. Cypriano, e por dois alpen
dres, e um chafaiiz, que deita grande quantidade
d'agua. D'este largo partem duas ruas; aàa Egre
ja, que tem no meio a praça do peixe, e no fim a
ermida de S. Sebastião, e a do Arrabalde, que ter
mina na ermida de S. Miguel, junto da qual está
uma fonte.
Toda esta parte da villa, que é mais moderna,
tambem é cercada de muralha, com seus baluar
tes e fosso ; obra feita no tempo da guerra da res
tauração de 1640. Fora d'esta muralha ainda ha
uma rua, chamada das Cortes, onde se vêem a er
mida de S. Roque, que outr'ora foi parochia da vil
la, e a feitoria, ou fornos onde antigamente se co
zia pão para a tropa.
Abrem-se quatro portas n'esta segunda mura
lha : a da Campanha, que olha para o norte, e tem
á entrada uma capella da invocação de Santo An
tonio de Lourido ; a porta Nova, voltada para o sul,
e que dá saída para a estrada, que conduz a Ca
minha e Vianna , tambem com uma capella con
sagrada a S. Gonçalo, toda cercada de arvoredo ;
a porta de traz da Egreja, que deita para leste, e
dá communicação para a rua das Cortes; e a por
ta do Rio, que fica do lado d'este, e conduz ao caes
da villa sobre o rio Minho.
Defronte da porta da Campanha está o forte de
— 158 —
S. Francisco, sobranceiro ao rio, e junto da aldêa
d'Azevedo, com seus baluartes e plataformas. Fez-
se no seculo décimo-setimo. Em frente d'esta obra,
em logar alto, está uma atalaia, que alcança com
fogo de fuzilaria todo o terreno até á praça e ao
forte de S. Francisco.
Os suburbios de Villa Nova da Cerveira são de
muita belleza e amenidade , sobretudo os que se
avisinham ás margens encantadoras do Minho.
Vêem-sc n'elles diversas ermidas, e no alto d'um
monte, a um quarto de legua da villa, o convento
de S. Paio dos Milagres, da extincta ordem de S.
Francisco , fundado por frei Goncalo Marinho no
anno de 1392.
O mercado da villa é abundante de peixe, tanto
do rio, como do mar, que dista d'ali pouco mais
de duas leguas. O termo produz cereaes, legumes,
hortaliças, e frutas, sendo muitas as castanhas, vi
nho, excellente mel, e linho, que passa por ser o
melhor da provincia. Tem muita creação de gado,
de diferentes especies; e abunda em caça.
A população d'esta villa é alguma coisa inferior
a mil almas.
Defronte da villa, na margem direita do Minho,
fica o logar da Barca de Goyão, presidio da Gal-
liza.
VILLA DAS PIAS.

Esta pequena villa da provincia da Estremadu


ra , districto administrativo de Santarem, está edi
ficada nas faldas de um oiteiro , que divide dois
valles. Posto que esteja cercada de montes, que
lhe limitam o horisonte, goza de uma situação mui
to aprazivel pela amenidade elfescura d'aquelles
valles, povoados de frondoso arvoredo; e pela boa
visinhança, que lhe faz a ribeira das Pias.
Deram começo a esta povoação oscavalleirosdo
Templo no seculo xn, em que el-rei D. Affonso Hen
riques lhes fez doação do visiono castello de Ceras
e do territorio de Nabancia, para que os povoas
sem e defendessem contra os sarracenos.
Em quanto durou a luta com os moiros n'esta
parte do paiz, o logar das Pias teve uma existen
cia precaria, principalmente desde que os templá
rios, abandonando o castello de Ceras, que servia
de refugio aos moradores das aldêa3 proximas, nas
invasões do inimigo , fundaram o castello e villa
de Thomar, e para ahi se mudaram.
Com a expulsão dos moiros principiou a desin-
volver-se a agricultura , e os habitantes d'aquelle
logar taes vantagens auferiram da fertilidade do>
seus terrenos, que no seGulo xvt se achava a povoa
ção tão crescida e abastada, que D. João ni a ele
vou á cathegoria de villa. Coota-se, qtíe passando
este soberano por este logar, e pernoitando ahi, em
umas casas, que então eram de Jeronymo de Sou
sa, fóra recebido com tantas festas e apparato, que
logo resolveu fazel-a villa, não só como signal do
seu reconhecimento, mas tambem pela idéa, qtre
ficou fazendo da riqueza da terra. Assim que che
gou a Evora realisou esta graça por alvará de 25 de
Fevereiro de 1534 ; e a Jeronymô de Sousa creoa
eapitão-mór da dita villa.
Não se sabe com certeza qual seja a etymologia
do nome de Pias.Presume-se, comtudo, que provem
> —160 —

de um antigo chafariz, que está á entrada da villa,


o qual deita agua para dois pequenos tanques ou
pias, cavadas em uma pedra inteiriça.
O senhorio, alcaidaria-mór e jurisdicção eccle-
siastica andavam annexos ao convento e prelazia de
Thomar.
Tem esta villa por brasão d'armas um escudo com
a imagem de Nossa Senhora da Piedade.
Dentro da villa ha uma só parochia intitulada S.
Luiz, e nos suburbios duas, S. Silvestre aos Chãos,
e Nossa Senhora da Graça das Areas, chamada an
tigamente Santa Maria das Arenas das Pias. D'es-
ta ultima foram freguezes todos os moradores do
logar das Pias até que, erigido este em villa, se ins
tituiu a parochia de S. Luiz na ermida da mesma
invocação pelos annos de 1550. A egreja actual foi
edificada em 1588. Está situada no centro da po
voação, em terreno elevado, com um espaçoso adro,
para o qual se sobe por escadas de cantaria. E' um
bello templo de ires naves.
A unica ermida, que ha na villa, é a de Santo An
tonio, que foi parochia, quando tinha a invocação
de S. Luiz.
Tem esta povoação algumas casas nobres, e di
versos chafarizes, que a abastecem de muita e boa
agua. Na villa, e dentro dos limites da freguezia,
que são mui circunscriptos, contam-se mais de trin
ta fontes. Ainda que sadia, farta de todos os gene
ros necessarios á vida, e cercada de terrenos ferti-
lissimos, não chega a ter setecentos habitantes.
Aqui, como em outras terras do interior, as vanta
josas condições do solo são quasi annulladas pela
difficuldade das communicações.
Os arredores d'esta villa são accidentados e pit-
torescos. Ergue-se ahi a serra de Santa Catharina,
d'onde brotam copiosos mananciaes, que regam os
dois valles acima referidos. Do mais alto cume da
serra, onde está uma ermida de Santa Catharina,
desfructa-se um lindo panorama, ein que figuram
o Tejo e os dilatados campos de Santarem. Os val
les, que se estendem entre esta serra e a de S Sa
— 161 —
turnino, estão cobertos de vinhas, hortas, pomares,
e outros arvoredos.
A ribeira das Pias, que passa proximo da villa,
tem origem junto da ermida de S. Marcos, dentro
da quinta da Figueira. Nasce em uma gruta de bas
tante altura para poder entrar n'ella um homem,
onde rebentam dois olhos d'agua, que ahi formam
um pequeno lago. Sae a ribeira d'este lago, e en
grossada com as vertentes da serra de Santa Ca-
tharina , faz trabalhar muitos moinhos e lagares
d'azeite, até se lançar no rio Nabão.
No termo d'esta villa ha uma curiosidade natu
ral digna de menção. E' a gruta d'Avecasta, situa
da n'um monte junto ao logar d'este nome, e pouco
acima da ermida de S. João. Entra-se para ella,
descendo para uma cova circular, que lhe serve
como de pateo, e na qual se levanta um arco aber
to na rocha, e tão proporcionado, que parece obra
d'arte. Este arco, que dá entrada para a gruta, tem
mais de quinze pes d' altura, e quarenta de largu
ra. A lapa é muito espaçosa, e com a mesma ele
vação do arco. A sua abobada, toda de rocha, está
sempre gotejando agua por entre os musgos e aven
ca, que a cobrem. Vista de fora parece escura, e
medonha : mas dentro é bastantemente clara, ex
cepto n'uma caverna, que n'ella se abre para o lado
esquerdo, onde não é possivel penetrar sem auxi
lio de archote. Dizem que esta caverna tem saida
para a parte opposta do monte.
Perto do logar d'Avecasta forma-se todos os an-
nos uma grande lagoa com as chuvas do inverno, a
qual se conserva até ao verão. Na estação propria
ê frequentada de muitos patos e outras variedades
de caça d'arribação ; o que attrahe a estes sitio* nu
merosos caçadores.
Em um oiteiro proximo da lagoa existe uma an-
tigualha de muita celebridade entre os povos d'a-
quelles contornos. Chamam-lhe torre do ladrão
Gayão. E' uma torre quadrangular, arruinada, e
bastante alta, que mostra ter tido tres andares,
com janellas, e uma unica porta na altura do pri
meiro andar, para a qual se entrava, sem duvida,
VOL. ttt. 11
— 162 —
por alguma ponte íeva"diça. Contiguo á torre vêem-
se restos de outros edificios, que deixam presumir,
que ali houve habitação de uma poderosa familia.
Brandão, na terceira parte da Monarchia Lusi
tana, pretende que esta torre fora de D. Gayão, al-
caide-mór de Santarem, homem facinoroso, a quem
chamaram o Ladrão. E a phantasia do povo creou
uma historia cheia de horrores, que ainda hoje faz
estremecer de medo a muitos moços, e donzellas
d'aquelles sitios, quando passam por junto d' essas
ruinas mysteriosas.
Diz, pois, a lenda popular, que em eras remo
tas vivia na dita torre um gigante chamado Gayão,
tão desmesurado na grandeza do corpo, como na
perversidade da alma. Por todas aquellas visinhan-
ças não havia quem se julgasse seguro, por mais
Corte que fosse, e bem guardado, contra as malfei
torias do gigante. E aos viandantes de longes ter
ras, que passavam descuidosos e achegados á sua
habitação, accommettia-os de improviso, rouban-
do-os e dando-lhes morte cruel. As scenas horri
veis, de que a lenda está repleta, é um nunca aca
bar de lagrimas e sangue.
Apiedou-se, emfim, a Providencia d'aquelles mi
seros povos, e determinando castigar o seu algoz,
serviu-se de um fraco instrumento para executara
sua justiça. Certo dia, estando Gayão á espreita
dos que passavam, viu que se encaminhava para
ali um anão. Mal este infeliz se aproximou da tor
re fatal, viu-se repentinamente assaltado pelo gi
gante. O pobre anão, tomado de medo, ou fingin
do terror, tirou logo a bolsa, e deixou-a cair no
chão. Porém apenas o gigante se abaixou para a
apanhar, sentiu um ferro agudo traspassar-lhe as
entranhas. A viveza da dor fêl-o erguer de um pu
lo, mas foi a ancia da morte ; caindo sem vida so
bre o anão, esmagou, e fez cadaver o seu vence
dor.
Acaba a lenda, dizendo que os dois adversarios
foram ali mesmo enterrados, e que lá permanecem
as suas sepulturas, assignaladas com grandes pe
dras.
— 163 —
1.

Passando por este sitio o infante D. Luiz, filho


d'el-rei D. Manuel, para se desenganar, ou para
desilludir os habitantes, mandou abrir a sepultu
ra do gigante. Escusado será dizer, que não achou
vestigio algum do que procurava.
A torre de Gayão dista meia legua da Yilla das
Pias. Fica perto da ribeira da Murta, e dá o nomeá
quinta da Torre da Murta. Esta propriedade, que
comprehende uma formosa mata de sobreiros e car
valhos, fechada com muro, pertenceu â extincta ca
sa dos condes da Castanheira, cujos bens passaram,
na maior parte, para os senhores marquezes de Cas-
tello Melhor.
As producções agricolas do termo da Villa das
Pias consistem em cereaes, legumes, batatas, azei
te, vinho, linho, e frutas, principalmente castanhas
e ameixas.
Outr'ora exportava grande quantidade d'amei-
xas passadas para diversas terras do paiz, porém a
maior parte para Lisboa. Em 1699, diz um nosso
escriptor do seculo passado, só um individuo ex
portou trinta mil alqueires.
— 164 —
*
»

VILLA REAL.
Esta villa é a mais bonita e melhor terra da
provincia de Traz os Montes. Sobreleva em impor
tancia ás cidades de Bragança e de Miranda. É ca
beça de comarca, e capital do districto do seu
nome.
Está situada na parte occidental da provincia,
em uma risonha planicie, que se estende entre
dois rios, o principal dos quaes se chama Corgo.
Dista da cidade de Lamego quatro leguas para o
nordeste, outras tantas da villa d' Amarante para
o sueste, e obra de duas do ponto mais proximo
da provincia do Minho.
Foi fundada esta villa por el-rei D. Diniz no
anno de 1288, levando assim a effeito este plano
já intentado por seu pae, el-rei D. Affonso iir, em
1272. Aquelle soberano deu á nova povoação o
seu primeiro foral em 1289. Passados três annos,
aos 24 de Fevereiro de 1292, concedeu-lhe segun
do foral, ampliando algumas regalias, e accrescen-
tando novos privilegios, afim de attrahir á povoa
ção nascente maior numero de moradores. Um des
ses privilegios impedia ao alcaide mór ter parte
alguma no governo da villa, favor muito aprecia
do pelos povos, por quanto os alcaides móres, ge
ralmente faltando, exerciam nas suas terras não
pequenos vexames.
O mesmo rei D. Diniz fez doação do senhorio
de Villa Real a sua esposa, a rainha Santa Isabel,
e ao diante, de accordo com esta senhora, dispoz
d'elle em favor de sua nora, a infanta D. Beatriz,
que o logrou depois de rainha. Mais tarde deu-o
el-rei D. Fernando á rainha D. Leonor Telles de
Menezes, sua mulher.
No reinado seguinte fez merce d'este senhorio
el-rei D. João i a um fidalgo do appellido de Por
to Carreiro. Depois passou para a familia dos Me
nezes, pelo casamento de D. Maior Villalobos Por
to Carreiro, herdeira da grande casa de seus paes,
— 165 —
corn João Affonso Telles de Menezes, primeiro con
de de Vianna. Foi fructo d'este consorcio D. Pe
dro de Menezes, segundo conde de Vianna, e pri
meiro capitão de Ceuta, a quem el-rei D. Affon
so v creou primeiro conde de Villa Real. Sua fi
lha, e herdeira, D. Brites de Menezes, casou com
D.Fernando de Noronha, filho de D. Affonso, con
de de Gijon, e de Noronha, e de D. Isabel, filhos
bastardos, aquelle de D. Henrique h, rei de Cas-
tello, e esta de D. Fernando i, rei de Portugal.
Do enlace de D. Brites de Menezes com D. Fer
nando de Noronha nasceu primogenito D. Pedro
de Menezes, que foi feito primeiro marquez de
Villa Real por el-rei D. João n. El-rei D. Filip-
pe ih de Castella, e segundo dos intrusos no go
verno de Portugal, erigiu esta villa em ducado a
favor de D. Manuel de Menezes, quinto marquez
de Villa Real. O sexto marquez gozou tambem do
titulo de duque de Villa Real; e o oitavo, D. Mi
guel de Menezes, foi duque de Caminha. Tendo
entrado este infeliz mancebo, juntamente com seu
pae, D. Luiz de Menezes, setimo marquez de Vil
la Real, na conspiração contra el-rei D. João iv,
foram justiçados no dia 29 de Maio de 1641. Os
seus immensos bens foram sequestrados para a co
roa, e passado algum tempo, este mesmo sobera
no fez d'elles o nucleo, ou fundamento da casa do
infantado, creada para seu filho segundo o infan
te D. Pedro, depois rei.
No reinado de D. Maria i foi feito conde de Vil
la Real, pelo principe regente, D. José Luiz de Sou
sa Botelho Mourão eVasconcellos, mergado deMa-
theus. Actualmente é terceiro conde seu neto, D.
José Luiz.
Pela sua posição geographica, afastada da fron
teira do reino, e das estradas' que ligam os prin-
cipaes centros da povoação do paiz, esta villa tem
sido das mais poupadas tanto nas guerras estran
geiras, como nas lactas civis. A esta circunstan
cia, e bem assim ao desinvolvimento da industria
vinicola do alto Douro, deve o seu engrandeci
mento e riqueza, em quanto que todas, ou quasi
— 166 —
todas as outras terras da provincia de Traz os
Montes, á falta de faceis communicações, e de im
pulso industrial, ou vão em decadencia, ou se con
servam estacionarias. Em breve Villa Real se acha
rá ligada ao Porto por uma excellente estrada mac-
damisada, já transitada por diligencias desde esta
ultima cidade até á Regoa, villa sobre o Douro,
que apenas dista umas tres leguas da villa de que
tratamos.
Villa Real tinha voto nas antigas cortes, com
assento no banco quinto. A alcaidaria mor anda na
casa dos marquezes de Othão, hoje representada
pelo senhor D. José de Mello da Cunha Mendon-
çae Menezes, filho, e herdeiro do ultimo marquez.
Quanto ao nome da villa, parece que lb/o deu
el-rei D. Diniz, em memoria de ser fundação sua.
Ha porém quem explique por outro modo a eti
mologia d'elle, dizendo que se deriva da situação
topographica da terra entre dois rios; pelo que
pretendem que o seu nome era Villa Riai, ao dian
te corrupto em Villa Real.
Consiste o brasão d'armas d'esta nobre povoa
ção em uma coroa de loiro, tendo no meio escri-
pta a palavra alteo, e ao lado uma espada. Estes
emblemas dizem respeito a D. Pedro de Menezes,
senhor, e primeiro conde d'esta villa. Conta-se do
seguinte modo o caso, que lhe deu origem.
Conquistada aos moiros a praça de Ceuta, cui
dou logo el-rei D. João i de dispor todos os meios
para a sua defensa e conservação. Quando tratou,
porém, de lhe nomear governador, todos se escu
savam deacceitar tão pesado e perigoso cargo. Nin
guem deixava de prever, que o imperador de Mar
rocos viria cair em breve sobre a praça com todo
o seu poder. Questão era esta para os moiros mais
que de capricho e de honra, de uma transcenden
cia verdadeiramente grande para a segurança e in
dependencia do seu paiz. Por tanto a difficuldade,
ou antes impossibilidade de conservar Ceuta, com
os recursos de que se podia dispor, fracos para
tão ardua empresa, era obvia ainda aos mais limi
tados entendimentos.
— 167 —
Foi n'estas circunstancias, que D. Pedro de
Menezes se ofiereceu para ficar com o governo da
praça.
Mandou-o el-rei vir á sua presença para lhe
perguntar, se com effeito se atrevia a defender a
todo o transe aquelle posto de honra das armas
portuguezas. D. Pedro, que se achava jogando a
chaca (*), quando recebeu o recado d'el-rei, apre-
sentando-se ao monarcha com o alleo, que era o
pau com que jogava, respondeu com singular re
solução: 'Com este alleo, que me vedes na mão,
o defenderei contra toda a moirisma.»
Ficou pois D. Pedro de Menezes por primeiro
capitão de Ceuta; e cumpriu á risca a sua promes
sa. Durante vinte e dois annos, que teve este go
verno, foi a praça por muitas vezes sitiada e ac-
commettida por formidaveis exercitos de moiros,
que, apezar de esforços desesperados, nunca lo
graram rendel-a.
O illustre defensor de Ceuta foi um dos poucos
portuguezes, que viram dignamente premiados o
seu valor e patriotismo. Além dos titulos de con
de de Vianna, e deVilla Real, teve dois galardões
de subido apreço. O alleo, ou cajado com que pro-
metteu a D João i defender a praça, foi por de
terminação regia cuidadosamente guardado, para
com elle se dar posse, em logar de bastão, aos
governadores d'aquella praça. E "Villa Real tomou
por brasão d'armas uma espada e uma coroa de
loiro com a lettra alleo, em memoria das suas vi-
ctorias.
Na Torre do Tombo acha-se desenhado de di
versa maneira o brasão d'esta villa. Como ahi se
vê é, em campo vermelho, um braço de homem,
vestido de azul, e empunhando na mão uma espa
da. Cremos que este, foi o primeiro brasão que a
villa teve.
Divide-se Villa Real em duas partes, a da fun
dação d'el-rei D. Diniz, que este soberano cingiu
com muralhas e tres torres, á qual hoje chamam
(») Jogo de cajados então muito em uso.
— 1B8-
et lia velha; e a povoação mais moderna, que se
foi estendendo e crescendo por fora dos muros, e
que é a principal.
São duas as parochias: S. Diniz, e S. Pedro.
Aquella é a matriz, e acha-se estabelecida naegre-
ja do extincto convento de S. Domingos, para on
de se mudou em consequencia do seu templo pri
mitivo ameaçar ruina.
Os outros edificios religiosos e pios são: a casa
da misericordia; o hospital; onze ermidas; o con
venio das freiras de Santa Clara; a egreja do ex
tincto convento de S. Francisco; e a egreja velha
de S. Diniz. Esta ultima é um templo de archi-
tectura gothica, obra d'el-rei D. Diniz. Está si
tuada na villa velha, onde agora é o cemiterio, ao
qual serve de capella.
O convento de religiosas claristas, da invocação
de Nossa Senhora do Amparo, teve principio em
1602. Ainda é habitado por algumas poucas frei
ras.
O convento de S. Domingos, que pertenceu á
ordem dos pregadores, foi edificado com esmolas
do povo em 1524, e depois acerescentado e me
lhorado pelos marquezes de Villa Real. Em tem
pos modernos, estando a servir de quartel, redu-
ziu-o a cinzas um violento incendio.
O convento de S. Francisco, que era de frades
capuchos da provincia da Conceição, teve por fun
dadores os referidos marquezes pelos annos de
1573. É hoje propriedade particular.
Tem esta villa algumas ruas guarnecidas de
boas casas, e uma grande praça, ornada de um
chafariz, e de uma esbelta e alta pyramide, de
uma pedra inteiriça, que remata em uma cruz.
Abastecem-na d'agua nove fontes publicas. Possue
um theatro, casa d'assembléa, um lyceu, e uma
livraria publica, estabelecida modernamente no
convento de S. Francisco.
Dos antigos muros e castello apenas restam al
guns vestigios.
Para todos os lados são as saidas da villa des
afogadas e risonhas. Hortas, pomares, devezas de
— 169 —
carvalhos e castanheiros, e muitas quintas, fazem
todas aquellas cercanias alegres e formosas.
Entre essas quintas tem o primeiro logar a dos
senhores condes de Villa Real. É uma bella pro
priedade, cabeça do morgado deMatheus, comum
grande palacio, e uma linda matta. Na sua capei-
la, consagrada a Nossa Senhora dos Prazeres, faz-
se annualmente uma festa com arrayal, a que con
correm as gentes da villa e dos suburbios.
O concelho de Villa Real produz pouco ttigo,
e muito centeio e milho, vinho, frutas, com es
pecialidade castanhas, e sumagre. Criam-se n'el-
le diversas especies de gado, e é abundante de ca
ça, e de peixe dos rios Douro e Corgo. Porém o
principal ramo da sua agricultura consiste nos pre
ciosos vinhos do alto Douro, conhecidos e acredi
tados em todo o mundo pelo nome de vinhos do
Porto; os quaes formam o mais valioso artigo das
exportações de Portugal.
O rio Corgo passa proximo da villa, onde o atra
vessa uma grande ponte, nasce perto de Villa Pou
ca, e entra no Douro abaixo de Canellas e Poya-
res, a duas leguas de Villa Real. Os romanos cha
mavam a este rio Corrugo.
Villa Real conta perto de cinco mil habitantes,
que se empregam pela maior parte no commer-
cio, na agricultura, e nas pequenas industrias ma
nufactureiras. Tem muitas familias nobres, e ser
ve de residencia a um governador civil, juiz de
direito, e mais autoridades que competem ás ca
pitaes de districto e cabeças de comarca.
Tem uma feira annual, que principia a 13 de
Junho.
Foi natural d'esta villa o padre Alvaro Lobo,
jesuita, que viveu na segunda metade do seculo xvi,
escriptor distincto.
— 170 —

VIUA VIÇOSA.

Esta nobre e antiga povoação da provincia do


Alemtejo, districto administrativo d'Evora, está sen
tada n'um valle tão fertil e verdejante, que de seus
viços perennes tomou o nome de Villa Viçosa. Dis
ta da cidade d'Evora sete leguas para esnoroeste,
e quatro da cidade e praça d'Elvas para sudoeste.
Patria e corte dos duques de Bragança atéá sua
exaltação ao throno; theatro de uma das mais la
mentaveis scenas tragicas da nossa historia, e tam
bem das mais esplendidas festas, que neste paiz
se teem celebrado; sitio memoravel nos fastos lu
sitanos por uma das mais brilhantes victorias, que
as armas portuguezas ganharam na restauração da
sua independencia e liberdade; terra notavel por
monumentos e bellezas naturaes, Villa Viçosa tem
por muitos titulos merecida celebridade.
Alguns autores attribuem a sua fundação aoscar-
thaginezes, 3oOannos antes do nascimento deChris-
to. Porém, como allegam por unica prova a circun
stancia de terem ali existido dois templos, um dos
quaes dedicado ao deus Endovelico, e erigido por
Maharbal, julgamos inteiramente infundada simi-
lhante opinião por duas razões: a primeira porque
a existencia de um templo carthaginez, ou roma
no, não dá fundamento bastante, só de per si, para
se asseverar que taes povos ahi tivessem edificado
uma povoação; a segunda porque consta de inscri-
pções lapidares, tiradas das ruinas do dito tem
plo, e transportadas para Villa Viçosa, onde se con
servam, que o monumento de Maharbal existiu
n'um logar a tres leguas d'esta villa, chamado
actualmente Terena a velha.
Entretanto, apezar de se lhe desconhecer a ori
gem, não se pode duvidar da sua muita antiguida
de, pois que ha memoria de que os arabes a asse
nhorearam na sua invasão na península.
Deveria ser n'essa epoca terra de pouca impor
tancia, a julgar pela falia de noticias que ha d'e'l-
— 171 —
la durante o longo dominio dos sarracenos, desde
o anno de 715 até ao de 1217 em que o nosso rei
D. Affonso ii a conquistou aos infieis. Arruinou-
se e despovoou-se por essa occasião, e assim ficou
até que D. Affonso m a mandou reconstruir e po
voar, concedendo-lhe foral com muitas exempções
aos 25 de Junho de 1270.
Tres annos antes fundaram ahi os eremitas de
Santo Agostinho o seu convento de Nossa Senhora
da Graça. Segundo refere a chronica d'esta ordem
Villa Viçosa era então uma pobre aldêa, compre-
hendida no termo de Estremoz.
El-rei D. Diniz edificou-lhe um bom castello, e
cercou-a de muros com suas torres, e cinco por
tas, chamadas: dos Nós, de Santa Luzia, de S. Se
bastião, da Esperança, e de S. Francisco.
Assim defendida contra as invasões inimigas,
não de moiros, que, já expulsos do paiz," não o in-
commodavam; mas dos castelhanos, que sempre
foram maus visinhos, começou a villa a medrar.
Porém o seu maior desinvolvimento data dos fins
do seculo xiv, em que o condestavel D. Nuno Al
vares Pereira, tendo entrado no senhorio d'esta
villa, aennobreceu com edificios, e animou com a
sua presença, assistindo temporadas nos paços, que
edificou dentro do castello.
Pelo casamento de D. Brites, filha e herdeira
do condestavel, com D. Affonso, conde de Barcel-
los, e depois primeiro duque de Bragança, filho
bastardo d'el-rei D. João i, vieram os immensos
bens e senhorios de D. Nuno Alvares Pereira á ca
sa de Bragança.
O duque D. Affonso não teve residencia fixa.
Passou a sua dilatada vida ora n'uma, ora noutra
terra dos seus estados. Porém seu filho D. Fernan
do, primeiro do nome, e segundo duque de Bra
gança, fez a sua principal assistencia em Villa Vi
çosa, e seus successores ahi estabeleceram a sua
corte ducal, com quanto tivessem grandes palacios
em Lisboa, Barcellos, e Guimarães, onde iam pas
sar algum tempo.
O successivo engrandecimento d'esta familia em
— ya—
riquezas e poderio reflectia em Vilia Viçosa todo
o seu lustre e esplendor. Dizendo-se que a augus
ta casa de Bragança se achava então montada co
mo a de nossos reis; servida por grande numero de
fidalgos, com as mesmas qualificações de offic/aes
móres e menores; observando em tudo o mesmo
ceremonial; e que chegou a contar oitocentos cria
dos, de todas as graduações e classes, poder-se-ha
formar uma idéa aproximada da ostentação da sua
corte, e das grandezas da villa.
N'esse periodo brilhante dos seus fastos presen-
ceou muitos acontecimentos, que ficaram memora
veis na historia da villa e do reino. Mencionare
mos os mais importantes.
Será o primeiro uma tragedia, que é a pagina
negra dachronica dos duques de Bragança. D.Jai
me, unico do nome, e quarto na serie d'estes du
ques, era casado com D. Leonor de Mendonça, G-
lha dos duques de Medina Sidonia. Ao cabo de dez
annos de matrimonio, um dia foi o duque avisado
de que alta noite costumava entrar um homem mo
ço nos quartos da duqueza, subindo a uma das ja-
nellas do lado do jardim. Na noite d'esse dia foi
o infeliz surprehendido depois de transpor a ja-
nella, e immediatamente caiu morto aos pés do du
que.
D. Jaime, cego pelo ciume, entra furioso no quar
to de sua esposa; manda ao seu capellão que a con
fesse, no fim do que, surdo ás vozes da desditosa,
que protestava pela sua innocencia, com cinco fe
ridas lhe arrancou a vida.
Soube-se depois, que as visitas nocturnas de An
tonio Alcaforado, que assim se chamava aquelle
mancebo, eram para uma das damas da duqueza.
Passou-se esta scena de horrores na noite de 2 de
Novembro de 1512. D. Leonor de Mendonça ficou
commemorada na villa pelo epitheto popular de
duqueza santa.
N'este mesmo seculo, em 1571, entrou em Vil
la Viçosa com numeroso e luzido sequito, na sua
passagem para Lisboa, o cardeal Alexandrino, so
brinho do papa Pio v, e enviado por este pontifi
— 173 —
ce como legado aos reis de França, de Hespanha,
e de Portugal. A pompa e obsequios com que atai
foi recebido e tratado pelo duque de Bragança D.
João i, e as festividades que por esse motivo se ce
lebraram por ordem do dito duque, fizeram ecco
por sumptuosas em toda a peninsula.
Dez annos depois, quando os exercitos de Filip-
pe ii atravessaram a fronteira do Alemtejo para se
apoderarem da herança do cardeal rei, entrou em
Villa Viçosa, como inimigos um troço de tropas
castelhanas. Além de muitos vexames e extorsões,
que fez aos habitantes, deu saque ao castello, on
de se guardava um rico thesouro dos duques de
Bragança.
Consummada a usurpação de Castella pelas ar
mas do duque d'Alba; reconhecido Filippe n nas
cortes deThomar como rei de Portugal; passou es
te monarcha a Lisboa, e no seu regresso a Hespa
nha foi a Villa Viçosa visitar a duqueza de Bragan
ça, D. Catharina, legitima herdeira do throuo por-
tuguez, como filha do infante D. Duarte, fifho doi
rei D. Manuel.
Três dias se demorou n'esta villa D. Filippe u
com toda a sua corte, onde foi hospedado pela du
queza, não com festas e alegrias que lh'o não per-
mittiam o seu recente estado de viuvez, e a espo
liação de que era victima, mas com magnificencia
verdadeiramente real.
O astuto filho de Carlos v fez todos os partidos
possiveis á duqueza para que ella renunciasse os
seus direitos á corda; e vendo a recusa inabalavel
d'esta princeza, procurou alentar-lhe com brilhan
tes promessas a esperança de futuros engrandeci
mentos para a sua casa, afim de conjurar quaesquer
estorvos á consolidação da sua odiosa soberania.
É sabido como, depois de conseguido o intento,
apolitica de Castella se empenhou em abater a ca
sa de Bragança. Sendo um dos seus maiores cui
dados estorvar as allianças d'esta familia com as
casas soberanas da Europa, depois de fingidas mui
tas diligencias, que secretamente contrariava, a res
peito do casamento do duque de Bragança, D. Theo
— 174 —
dosion, fi 1 tio da duqueza U. Catharina, com uma
princeza estrangeira, fez com que esta senhora se
visse, por assim dizer, obrigada a acceitar para es
posa de seu filho a uma vassalla da coroa deCas-
tella, D. Anna de Velasco, filha de D. João de Ve-
lasco, duque de Frias, e condestavel de Castella.
No 1.° de Julho de 1602 assignou-se em Val-
ladolid o contracto nupcial. D. Catharina ao rece
ber esta noticia, exclamou: «Pois bem, não quize-
ram que meu filho casasse com uma princeza. Fa-
zia-lhes isso muita sombra. Mas não hãode poder
embaraçar, que o seu casamento seja solemnisado
comoo de um soberano. Hãode fazer-se festas, que
attrahirão a Villa Viçosa gente de todas as partes
do reino; e mostrar-se-ha a quem vier todo o ap-
parato de uma corte real, e a hospitalidade e amor
de uma carinhosa mãe.»
Foram adiadas as nupcias para d'ahi a um an-
no, e este tempo foi todo empregado em prepara
tivos paja as funcções.
Effectuou-se o consorcio em Junho de 1603. As
festas, como fica dito, tinham um fim politico de mui
to alcance. Não se pouparam esforços para que fos
sem o mais grandiosas, que os recursos da casa de
Bragança comportassem. E esses recursos eram im-
mensamente grandes. Por conseguinte as festas fo
ram maravilhosas; prolongaram-se por muitos dias;
c attrahiram á villa muitos milhares de pessoas de
todas as partes do reino, e até deHespanha. E to
da essa multidão de hospedes, que representavam
todas as classes da sociedade, foi recolhida e sus
tentada á custa do duque de Bragança, e segundo
a cathegoria dos individuos.
D'este feliz enlace nasceu o duque de Bragança,
D. João ii, que os portuguezes exaltaram ao thro-
no dos seus reis naturaes com o nome de D. João
iv, sacudindo o jugo hespanhol, no 1.° de Dezem
bro de 1640. Este successo, porém, tão venturoso
para o paiz, operou a decadencia de Villa Viçosa.
A ausencia dos duques, e da sua numerosissima
familia, bem como a de muitas outras pessoas prin-
cipaes da terra, a quem se deram empregos em
— 175 —
Lisboa, deixou a villa quasi deserta. A louga s
encarniçada lucta, que se seguiu com a Hespanba,
ainda veia afugentar d'ali muitas familias, que se
não julgavam seguras n'uma terra tão proxima da
raia. D'est'arte a desanimação e a miseria das in
dustrias substituiram em Villa Viçosa o seu buli
cio, esplendor, e riquezas d'outr'ora.
Ao cabo de vinte e cinco annos de guerra com
a Hespanha foi sitiada Villa Viçosa pelos castelha
nos, commandados pelo marquez deCarracena. Fi-
lippeiv, tendo posto todas as suas esperanças nes
te general, a quem os seus compatriotas chamavam
o Marte de Hespanha, mandou-o vir de Flandres,
onde estava por governador em nome d'aquellemo-
narcha, e encarregou-o do commando de um exer
cito de tropas escolhidas entre as que mais se ti
nham distinguido nas campanhas d'Italia e d'Ale-
manha. Compunha-se este exercito de quinze mil
infantes, sete mil e seiscentos cavallos, quatorze pe
ças d'artilharia, e dois morteiros.
O marquez deCarracena, querendo abrir a cam
panha por uma victoria, que julgava facil, partiu
de Badajoz direito a Villa Viçosa, a^que poz cerco
nos principios de Junho de 1665. Consistia toda a
defsnsa da praça em uma debil muralha; no seu
velho castello, cercado de algumas obras modernas
de fortificação, de pouca importancia; e n'uma guar
nição de mil e quatrocentos homens. Além d'isto
tinha contra si ser dominada por varios montes,
que estavam em poder do inimigo.
Defenderam-se os sitiados com incrivel valor, re-
pellindo successivos e violentos assaltos durante oi
to dias, no fim dos quaes veiu em auxilio da pra
ça o marquez de Marialva, commandando o exer
cito portuguez, composto de quinze mit soldados
d'infanteria, cinco mil e quinhentos de cavallo, e
vinte peças d'artilharia.
O marquez de Carracena levantou o campo, c foi
sair ao encontro dos portuguezes, com o designio
de os atacar em marcha, julgando que assim os po
ria em desordem, e mais facilmente venceria.
Encontraram-se os dois exercitos não longe de
— 176 —
Villa Viçosa, no sitio chamado Montes Claros, em
o dia 17 de Junho do referido anno de 1665. Rei
nava então D. Affonso vi, filho, e successor de D.
João iv.
Começou a batalha ás oito horas da manhã. De
pois de sete horas de renhidissima peleja, foram
rotos e desbaratados completamente os castelhanos,
deixando no campo mais de quatro mil mortos, e
em nosso poder seis mil prisioneiros, tres mil e qui
nhentos cavallos, quatorze canhões e deis mortei
ros, que era toda a sua artilharia, oitenta eseis ban
deiras de infanteria, dezoito estandartes de caval-
laria, e um grande material de guerra.
Nos reinados de D. Pedro n, de D. João v, de D.
José i, e de D. Maria i, assumiu Villa Viçosa mais
alguma animação com a presença d'estes soberanos,
que lhe faziam frequentes, e, ás vezes, demoradas
visitas. Porém, depois da partida da familia real
para o Brazil em 1807, voltou á sua habitual so
lidão e tristeza. Em Outubro de 18i3 foi visitada
por suas magestades e altezas, a rainha D. Maria n,
el-rei D. Fernando, e seus filhos, o principe real,
e o infante duque do Porto; e em 1860 por el-rei
o senhor D. Pedro v, e por suas altezas o infante,
duque de Beja, e o principe Leopoldo de Hohen-
zollern.
Felizmente está travada a roda da decadencia de
Villa Viçosa pelo poder dos progressos materiaes.
Acha-se esta villa em faceis communicações com
Lisboa, por meio do caminho de ferro do Barreiro
ás Vendas Novas, e das diligencias que transitam
na estrada macdamisada, que d'este ultimo ponto
conduz a Elvas, passando por Estremoz, a duas le
guas e meia de Villa Viçosa. O caminho de ferro,
que deve ligar Lisboa com Madrid e outras capi
taes da Europa, cujos trabalhos estão bastantemen-
te adiantados, tambem passará não longe dos seus
muros. E a via ferrea, em construcção, das Vendas
Novas a Évora e Beja, ficar-lhe-ha a uma distan
cia de sete leguas. Todos estes grandes melhora
mentos hãode preparar um melhor futuro para Vil
la Vjçosa.
— 177 —
Foi esta villa cabeça de marquezado, cujo titulo
deu el-rei D. Affonso v, em 2") de Março de 1153,
a D. Fernando, conde de Arrayollos, tilho segun
do do primeiro duque de Bragança, e seu succes-
aor nos estados d'esta grande casa pela morte do
primogenito.
A alcaidaria mor de Villa Viçosa andava na fa
mitia dos Sousas, senhores de Gouvea de Itiba Ta
mega. Nas reuniões dos tres estados sentavam-se os
seus procuradores no banco decimo sexto.
O seu brasão d'armas é, em campo verde, um
castcllo de prata entre duas torres lambem de pra
ta. Sobre o castello tem a imagem de Nossa Senho
ra da Conceição, e por cima da porta da fortaleza
as ciuco quinas de Portugal. Allude o brasão á pa
droeira da villa, ao seu castello de fundação real,
e ao viçoso da sua situação.
As ruas deVUla Viçosa são direitas, largas, lim
pas, e guarnecidas decasasdeboaapparencia. No
centro tem uma praça soffrivetmente regular. Na
extremidade do norte está a sua mais nobre praça,
chamada Terreiro do Paço, cercada pelo grandioso
paço dos duques de Bragança, pela eapella real,
pelo palacio do deão da mesma eapella, pela egre-
ja.e convento de Nossa Senhora da Graça, e pelo
mosteiro das Chagas de freiras franciscanas.
Para o lado do sul tem outra praça, ou campo,
.onde se vê o edificio do extincto convento dos ca
puchos. Para o lado de oeste está outro campo, ou
rocio.
Divide-se a villa em duas parochias, consagra
das a Nossa SetUiora da Conceição, e a S. Bartho-
lomeu. A primeira está dentro do castello. Fundou-a
o condestavel D. Nuno Alvares Pereira; e el-rei D.
Joao vi, achando-se no Rio de Janeiro, erigiu-a em
cabeça da ordem de cavallaria, intitulada de Nos
sa Senhora da Conceição de Villa Viçosa, aos 6 de
Fevereiro de 1818. É um templo de tres naves de
boa architectura. Os mais edificios religiosos são
os que seguem.
A casa da misericordia teve principio no secu
lo xvi.
VOL. III. 12
— 178 —
O convento de Nossa Senhora da Graça, que foi
de eremitas de Santo Agostinho, teve a sua primei
ra fundação em 1267. Em 1366 reedificou-o o con
testavel D. Nuno Alvares Pereira; e mais tarde fi-
zeram-lhe importantes obras os duques de Bragan
ça O. Jaime, e D. Theodosio i. Tem uma grande
egreja, construida de exceltentes marmores. E* o
pantheão dos duques de Bragança, que ahi repoi-
sam em mausoleos de marmore branco e negro, col-
locados numa capella fundada para esse fim pelo
duque D. Jaime. No frontispicio do templo vêem-
se embebidas na parede as inscripçoes, que per
tenceram ao templo do deus Eadovelico , de qac
acima faliámos.
O convento de Nossa Senhora do Amparo, que per
tenceu aos religiosos paulistas, foi edificado primi
tivamente no sitio de Yal Bom, no anno de 1435, e
no de 1590 transferiu-se para dentro da villa, co-
mecando-se então o actual , que se concluiu em
1612.
Os jesuitas tiveram aqui dois coltegios : o de 5.
João Evangelista, casa professa, fundado em 1601
pelo duque de Bragança D. Theodosio u ; e o dos
Santos Reis, fundado em 1735.
O convento das Chagas, ainda habitado por frei
ras franciscanas, é fabrica do duque D. Jaime, que
lhe deu principio em 1527. N'elte teem o seu jazigo
as duquezas e mais princezas da casa de Bragança
até à exaltação de D. João iv ao throno de Portu
gal.
O convento de Santa Cruz, de religiosas agosti
nhas, tambem ainda habitado, foi construldo em
1529.
O convento de Nossa Senhora da Esperança, de
franciscanas, egualmente existente, foi fundado em
1516.
Fora da villa, mas a pouca distancia, está o con
vénio de Nossa Senhora da Piedade, outr'ora de fra
des capuchos. Teve tres fundações. A primeira, de
vida ao duque D. Jaime, no anno de 1500, em um
sitio a meia legua da villa. A segunda em 1547,
pelo duque D. Theodosio i, mais perto da povoa
_179 —
r.ao. sendo a causa da mudança a falta de salubri
dade do logar. A terceira, por egual motivo, em
1606, escolhendo-se então local conveniente, so
branceiro á vi lia.
De dezeseis ermidas, que n'ella ha, as princi-
paes pela nobreza da fabrica, são : a capella do pa
ço, que é collegiada com deão, c conegos, e a er
mida de Santo Antonio, de que eram padroeiros
os duques de Bragança. O hospital real, que ain
da hoje se acha menos mal montado, era susten
tado á custa dos duques.
O palacio real é a construcção da villa mais sump
tuosa, e de maiores proporções. Foi começado em
1501 pelo duque D. Jaime, pois que os seus an
tecessores habitavam, como já referimos, nos paços
do castello. Augmentou-o bastante o duque D.
Theodosio i, e seu filho, D. João i fez-lhe muitos
adornos por occasião do seu consorcio. As obras,
porém, de mais sumptuosidade foram emprehen-
tlidas pelo duque D. Theodosio n noannode 1603,
em que lhe fez inteiramente de novo toda a facha
da principal.
Está situado entre duas ruas e a grande praça
do Terreiro do Paço, da qual, conjuntamente com
a capella real, que lhe fica contigua, oceupa dois
lados. E' construido de marmore branco. A fron-
taria principal, que olha para a praça, compõe-se
de tres pavimentos , cujas janellas são divididas
por setenta e duas pilastras, doricas no pavimen
to terreo, jonicas no andar npbre, ecorinthias no
segundo.
Pouco ha interiormente n'este vasto edilicio di
gno de menção. Outr'ora encerrava decorações de
muita riqueza e primor. Vestiam-lhe as paredes
das suas numerosas salas e quartos preciosas telas
de brocados, velludos, e guadamecins, bordados a
oiro e prata, e cobriam-lhe os pavimentos custo
sas alcatifas. Nada d'isto hoje la existe, e as salas
acham-se quasi todas nuas de ornatos. Todavia
numa, de grandes dimensões, vêem-se os retratos
de todos os duques de Bragança, e de outros prin
cipes d' esta familia' pintados a oleo, c em corpo
— 180 —
inteiro, por Pedro Antonio Quillard, pintor fran-
cez ao serviço del-rei D. João v, que lhe incum
biu esta obra. D'este artista fazia o nosso pintor
Cyrillo Wolkmar Machado o seguinte juizo : ' Ti
nha talentos superiores; retratava bem ; pintava
com lindo estylo as festas galantes no gosto de Wa-
teau, de quem parecia ser discipulo. »
A casa chamada da armaria era antigamente uui
dos objectos, que mais excitavam a curiosidade aos
que visitavam este paço. Era um deposito d'armas
de guerra c de caça, de differente genero e quali
dade, contendo as precisas para armar alguns mi
lhares de soldados. Perdeu-se uma grande parte
em Africa, na batalha d'Alcacer-Quivir, onde o
duque D. João í enviou um corpo de tropas, pago
á sua custa. O resto d'aquelles armamentos em-
pregou-se na luta da restauração de 1640.
Os jardins do paço não se recommendam por coi
sa alguma, nem mesmo mostram vestigios, atra-
vez do abandono em que se acham, de terem cor
respondido á magnificencia da antiga habitação du
cal, nem ao encarecimento, que d'elles fizeram va
rios autores. Esta falta ó compensada pela gran
deza da tapada, de que ao diante faltaremos, di
gna por certo de uma residencia real.
O castello é o monumento de mais antiguidade,
que ha na villa. Está edificado na extremidade da
povoação, do lado d'éste, onde o terreno se le
vanta um pouco. Foi dentro da sua cerca de mu
ralhas, que Villa Viçosa teve o berço. Existem ain
da ahij além da egreja matriz, os restos do pala
cio do condestavel D. Nuno Alvares Pereira.
As mais fortificações da villa, emprehendidas
durante a guerra da restauração, consistem em tres
baluartes, ligados com os muros do castello ; um
forte para a parte do sul, em forma de estrella,
com uma. obra quadrada antiga no centro a caval-
leiro, tres revelins, e tres meias luas. O grosso da
povoação era defendido n'aquella epoca por boas
trincheiras.
Tem esta villa uma casa d'assembléa. Quauto a
— 181 —
theatro apenas existe um em mau estado, e sem
uso, no paço real.
E' Villa Viçosa farta de boa agua, de excellen-
tes frutas e hortaliças, e de todos os mais generos
necessarios á vida. Os suburbios são agradaveis, e
muito arborisados. Cobrem-se todos de vinhas,
pomares, hortas, e olivaes. Fertilisa-os a ribei
ra d'Asseca, que nasce perto da villa, e morre
no Guadiana, no porto do Arieiro. Corre em todo
o seu curso por entre margens debruadas d'arvo-
res silvestres; faz trabalhar varios moinhos de tri
go, e outros iTazeite; e cria muito peixe miudo, co
mo bordallos, bogas, e pardelhas. Atravessam-na
duas pontes, uma de cantaria, de cinco arcos; e
outra de pedra tosca, que a tradição diz ser obra
dos moiros.
A poucas milhas de Villa Viçosa encontra-se a
grande tapada real, celebrada por Lopo da Vega,
e admirada outr'ora pelos estrangeiros, que a visi
tavam. Deu-lhe principio o duque de Bragança D.
Jaime, e acabou-a seu neto, o duque D. João i.
Tem dez milhas de circumferencia, e tres na sua
maior largura. Antigamente era toda dedicada aos
prazeres da caça. Encerrava extensos bosques, mui
tas fontes, lagos, e jardins, casas de campo, e er
midas, excessiva abundancia de veados, corças, e
javalis; c alguns viveiros d'aves, e de peixes; tu
do alindado c tratado com magnificencia verdadei
ramente real.
Ao presente está menos bella, porém mais lu
crativa para o patrimonio regio, c mais util para
o paiz.
A caça, de que ainda possue muita copia, acha-
se restricta a um terço da tapada, tendo-se cons*
truido para esse fim um muro de separação em to-
da a largura da propriedade. Os dois terços restan
tes estão consagrados á agricultura e criação de
gado. t
N'esta parte ha mui importantes montados, sen
do os outros terrenos divididos em pequenos lotes,
e arrendados aos lavradores pobres. As fontes, la
^*82 —
gos, o casas de campo, ainda ali se conservam. Dos
jardins apenas restam vestigios.
O termo de Villa Viçosa é fertil, e produz os gé
neros, que geralmente se cultivara na provincia, e
que mencionámos, tratando d'outras povoações do
Alemtejo.
Contam-se na villa uns tres mil e quatrocentos
habitantes. Tem tres feiras annuaes bastante con
corridas: a primeira a 29 de Janeiro, a segunda a
29 de Maio, e a terceira a 29 d'Agosto.
Foram naturaes de Villa Viçosa el-rei D.João iv,
e quasi todos os principes da casa de Bragança até
á exaltação d'este soberano ao throno.
D'entrc as outras pessoas notaveis, que tiveram
esta villa por berço, especificaremos as seguintes:
Martim Affonso de Sousa, governador da lndia,
para onde foi om companhia de S. Francisco Xa
vier: D. João de Mello, presidente do desembargo
do paço d'el-rei D. João m, bispo de Silves, rege
dor das justiças, arcebispo d'Evora, e que assistiu
ao concilio Tridentino: Padre Henrique Henriques,
jesuita, celebre missionario da lndia, a quem cha
maram apostolo de Çamorim: Publia Hortênsia de
Castro, que disfarçada em trajos de homem, ma-
triculou-se na universidade de Coimbra juntamen
te com seu irmão, formou-se em philosophia, defen
deu conclusões na cidade d'Elvas, em presença de
Filippe n de Castella e da corte, e compoz varias
obras em latim e portuguez; Belchior do Rego á"An
drade, desembargador do paço, secretario das rai
nhas D. Luiza Francisca de Gusmão, D. Maria Fran
cisca Izabel de Saboya, e D. Maria Sofia Izabel de
Neubourg, e autor das Antiguidades de Villa Vi
çosa, das Antiguidades da villa de Barcellos, e da
Antiguidade da vilta d' Ourem, e suas grandezas.
— 483 —

A CIDADE DE VIZEII.

Acha-se esta cidade no coração da provincia da


Beira Alta, da qual é capital. Tem por assento um
terreno elevado, mas plano, a oeste da serra da
Estreita. Forma um triangulo com as cidades da
Guarda e de Lamego, distando da primeira onze
leguas para oeste, o nove da segunda para o sul.
Treze leguas para este fica a cidade de Coimbra.
Corre o rio Vouga a meia legua dos seus muros
para a parte do norte; e a quasi egual distancia
para o lado do sul passa o Mondego.
A muita antiguidade de Vizeu tem dado occasião
a míisturarem-sc com a sua historia tantas fabulas
e incertezas, que não ha atinar com a verdade.
ProxiTio de Vizeu, em logar baixo, existiu uma
cidade da antiga Lusitania, na qual dizem, que
fazia a sua principal residencia o grande capitão
Viriato, terror das legiões romanas. A opinião mais
geralmente seguida dá a esta cidade o nome de
Vacca, c refere, que assassinado Viriato por trai
ção dos seus, e por industria dos romanos, estes
assenhorearam-se com facilidade de toda a Lusita
nia, e mudaram a cidade de Vacca, que se acha
va em ruinas, para o sitio em que vemos Vizeu,
onde começaram por edificar uma fortaleza, da qual
permanecem duas torres. É objecto de muitas duvi
das o nome que lhe pozeram na trasladação. Querem
uns que continuasse a chamar-se Vacca; outros Ve-
rurium, e outros ainda Vico Aquario, ou Viso.
Deixando os antiquarios discorrendo e enredan-
do-se n'este escuro labyrintho, começaremos a his
toria de Vizeu em tempos menos remotos, e de que
ha noticias mais positivas.
Esses tempos, a que alludimos, são os seculos
v e vi da era christã, em que a cidade de Vizeu,
sob o dominio dos reis suevos, já desfruetava as
prerogativas de sede episcopal, suffraganea do ar
cebispado de Braga. Parece que então se chama
va Viso. No seculo x era este o seu nome, o que
— 184 —
consta de escriptoras authenticas do anno de 923,
nas quaes figuram como senhores da cidade Huf-
fo Huffes c D. Tareja. D'aquelle nome, pois, se
derivou o actual.
Na invasão dos arabes teve esta cidade a sorte
de quasi toda a penínsuta, recebendo a lei dos aga
renos.
Todavia não gozaram os invasores por muitos
annos a posse pacifica d'esta sua conquista. Os
reis das Asturias e de Leão não tardaram a dis-
putar-lh'a. N'essa prolongada luta cinco vezes foi
presa dos infieis. No primeiro quartel do seculo x
teve abi a sua corte D. Grdonho n, rei de Leão.
Depois, em 982, tornou ao poder dos moiros, ca
pitaneados pelo terrivel Atmansor.
No anno de 1027 pretendeu recuperal-a er-rei
de Leão D. Affonso v, e veiu pôr-lhe cerco á fren
te de um poderoso exercito. Morrendo, porém, es
te soberano de um tiro de seta, disparado das mu
ralhas, mallogrou-se a empresa. Passados poueos
annos, seu genro, el-rei D. Fernando o Magno,
resgatou e firmou para sempre na fc christã a ci
dade de Vizeu em 28 de Junho de 1038, e expul
sou os serracenos de todo o paiz comprehendido
entre o Douro e o Mondego.
N'esta guerra ficou a cidade tão arruinada- e
despovoada, quejresolveu el-rei D. Fernando trans-
feril-a para outro sitio. Dizem que se dera princi
pio á nova povoação na cava de Viriato, assento
da antiga Vacca, cujo nome aquelle soberano pre
tendia tambem fazer reviver. Mas isto não passou
de uma tentativa. Vizeu foi reedificada e povoada
de novo, permanecendo no mesmo local.
Entrou esta cidade no dominio do conde D. Hen
rique e da rainha D. Thereza nos fins do seculo
xi. Esta soberana, sendo já viuva, habitou por ve
zes n'clla, e lhe deu foral em 1125, cujo auto-
grapho se conserva ainda no archivo da camara.
El-rei D. Allbnso Henriques concedeu-lhe novo
foral, que foi confirmado por seu filho, D. San
cho i, no anno de 1187.
Durante o tempo em que reinaram os nossos
— 185 —
reis da dynastia Affonsina, não se passou em Vizeu
acontecimento algum digno de memoria. A sua si
tuação, afastada da fronteira, deveu ver-se livre
das devastações da guerra em toda essa porfiosa
luta, que a monarchia novel sustentou contra os
moiros.
Esta circunstancia foi causa, sem duvida, de que
se descurasse a conservação das antigas muralhas,
que, damnificadas por occasião da tomada da ci
dade por el-rei D. Fernando, o Magno, por tat
forma se foram arruinando, que nos lins do secu
lo xiv estavam inteiramente derrocadas. D'isto re
sultou uma grande desgraça para Vizeu.
Derrotadas as tropas castelhanas na batalha d'Al-
jubarrola, no dia 14 d'Agosto de 1385, as reli
quias d'este exercito, na sua fuga para Castella,
. dirigiram-se pela Beira, e foram cair sobre Vizeu,
sequiosas de rapina e de vingança. A cidade, aber
ta por todos os lados, facilmente foi tomada, cem
seguida saqueada, e incendiada, sendo passados á
espada os seus miseros habitantes.
O inimigo foi expiar as atrocidades ali commet-
tidas diante dos muros de Trancoso, onde Gonça
lo Vasques Coutinho, governador do castello d'es-
ta villa, com a gente que pode reunir, e D. João
Fernandes Pacheco, senhor de Ferreira, o com
bateram e desbarataram, fazendo grande numero
de prisioneiros, c apoderando-se de toda a baga
gem, que levava.
A cidade de Vizeu ficou, porém, n'um estado
lastimoso. Foram immensas as perdas occasionadas
pelo incendio, e pela carnificina.
Segundo o nosso antigo rifão: casa roubada,
trancas na porta; pensou-se desde logo em fortifi
car a cidade. Esia questão foi tratada em cortes;
el-rei D. João i deu-lhe impulso; os habitantes da
cidade, e dos suburbios concorreram para a obra;
e traçou-se uma cêrca de muros, mais larga que a
primeira. Não chegaram todavia a crescer acima
dos alicerces. Feita a paz com a Hespanha, esque
cido o passado, e descuidado o futuro, parou a
obra.
— 186 —
Nas cortes celebradas em Lisboa no anno de 1 439
requereram aquelles povos o proseguimento das
obras da cerca, o que só conseguiram no reinado
de D. Affonso v, concluindo-se as muralhas em
1472.
Reuniram-se cortes emVizeu, reinando D. João
i, no anno de 1391, eno de 1419. De ambas exis
tem documentos authenticos, embora não fizessem
menção d'ellas alguns autores , que escreveram
acerca d'aquelle reinado.
O mesmo rei D. João i elevou Vizeu á cathego-
ria de cabeça de ducado em favor de seu filho o
infante D. Henrique, esse principe magnanimo, que
abriu o caminho, e deu vigoroso impulso aos glo
riosos descobrimentos dos portuguezes.
Por morte do infante D. Henrique suecedeu no
ducado e senhorio de Vizeu seu sobrinho, o infan
te D. Fernando, filho d'el-rei D.Duarte, e irmão
d'el-rei D. Affonso v, que lhe feza merce. Foi ter
ceiro e ultimo duque de Vizeu, D. Diogo, filho
primogenito do ditj infante D. Fernando. Sendo
assassinado D. Diogo em Setubal pelas proprias
mãos d'el-rei D. João u, seu primo e cunhado,
pelo achar complice em uma conspiração contra a
sua vida, foi extincto o ducado de Vizeu, creando-
se o de Beja para D. Manuel, irmão e suecessor
de D. Diogo, e rei de Portugal depois do falleci-
mento de D. João ii.
Apezar de todos os contratempos foi crescendo
a cidade, graças á fecundidade do solo, que a cer
ca, de sorte que no reinado de D. João m tinha-
se estendido por fora das muralhas, contando ahi
mais população, que no recinto dos muros.
As desditas publicas desde a perda d'el-rei D.
Sebastião até ao fim da usurpação de Castella, e
depois a luta da restauração do reino, actuaram
sinistramente sobre a prosperidade de Vizeu, ainda
que, pela sua situação, foi das terras que menos
padeceu dos effeitos da guerra.
Melhorou a sua sorte nos reinados de D. João v,
de D. José i, e no começo do de D. Maria i, por
diversas causas geraes, mas sobretudo pela maior
— 187-^
facilidade das communicações, pois que n'aquella
epoca se restauraram, ou construiram de novo as
estradas principaes do paiz.
Com os tristes resultados das invasões france-
zas, da partida da familia real para o Brazil, e
das nossas revoluções politicas, ficaram as estra
das em abandono, e ao passo que se iam arruinan
do, cafam em decadencia as povoações do inte-
iior. Vizeu chegou a estar quasi incommunicavel
com os grandes centros de industria do reino. En
tretanto os males provenientes de similhante iso-
lação tem-lhe sido contrabalançados pelas vanta
gens, que lhe resultam de ser capital de districto,
e de uma divisão militar, e de ter uma feira an-
nual, que é a mais importante de todo o nosso
paiz, e que sempre tem sido mui concorrida, ape-
zar dos incommodos da viação. Felizmente esta ci
dade está quasi entrada em melhores condições
economicas. Em breve estará ligada por excellen-
tes estradas a Coimbra, Porto, Lisboa, e outras
grandes povoações.
Vizeu tinha voto em cortes no velho regimen,
com assento no segundo banco. E seu alcaide mór
o senhor marquez das Minas, como herdeiro e re
presentante dos antigos alcaides móres Silveiras,
ramo da familia dos condes de Sarzedas.
O brasão d'armas de Vizeu compõe-se de um
escudo coroado, e n'elle um castello de prata em
campo azul, e banhado por um rio. Tem de um lado
do castello a figura de um homem em trajos de
peregrino, tocando uma bozina, e do outro lado
um pinheiro. Achamol-o ainda descripto por ou
tro modo, consistindo a differença em se achar so
bre as ameias do castello o homem, que toca a
bozina.
A lenda, que deu origem a este brasão, can-
tou-a Garrett na sua lyra de oiro. Posto que se
fez popular essa linda poesia, que o nosso grande
poeta intitulou — Miragaia — como poderá ser des
conhecida para alguns dos nossos leitores, vamos
referir a lenda suecintamente, e com a ingenuida
de com que a narra a tradição.
— 188 —
«D. Ramiro ti, rei das Asturias c de Leão, que
reinou desde o anno de Christo de 931 até o de
950, n'uma excursão que fez de Vizeu, onde en
tão residia, por terras de moiros, viu e enamo-
rou-se da formosa Zahara, irmã de Alboazar, rei
moiro, ou alcaide do castello de Gaia sobre o rio
Douro.
Recolheu-se D. Ramiro a Vizeu com o coração
tão captivo, e a razão tão perdida, que sem res
peito aos laços, que o uniam a sua esposa D. Ur
raca, ou como outros lhe chamam D. Gaia, preme
ditou e executou o rapto de Zahara.
Em quanto o esposo infiel se esquecia de Deus
e do mundo nos braços da moira gentil, n'um pa
lacio á beira mar, o vingativo irmão de Zahara,
trocando affronta por affronta, vein de cilada, pro
tegido pela escuridão de uma noite, assaltare rou
bar nos seus proprios paços a rainha D. Gaia.
A injuria vibra n'alma de Ramiro o ciume e o
desejo de vingança.
O ultrajado monarcha voa á cidade de Vizeu,
escolhe os mais valentes d'entre os seus mais aguer
ridos soldados, e lá vac á sua frente caminho do
Douro.
Chegando á vista do castello d'Alboazar, deixa
a sua cohorte occulta n'um pinhal, e disfarçado
em trajos de peregrino, dirige-se ao castello, e por
meio de um anncl, que faz chegar ás mãos de D.
Gaia lhe annuncia a sua vinda.
O peregrino é introduzido immediatamente á
presença da rainha, que fica a sós com elle. Al
boazar tinha ido para a caça. D. Ramiro atira pa
ra longe de si as vestes e as barbas, que o desfigu
ravam, e corre a abraçar a esposa Esta porém re-
pelte-o indignada, e lança-lhe em rosto a sua trai
ção.
No meio de um vivo dialogo de desculpas de
uma parte, c de recriminações da outra, volta da
caçada Alboazar. D. Ramiro não pode fugir. Já se
sentem na proxima sala os passos do moiro. A rai
nha, parecendo serenar-se, oceulta o marido n'um
armario, que na camara havia. Mas apenas entrou
— 189 —
Alboazar, ou fosse vencida d'aiuor por elle, ou
cheia d'odio para com o esposo pela fé trahida,
abre de par em par as portas do armario, e pede
vingança ao moiro contra o christão traidor.
D'ahi a pouco era levado el-rei D. Ramiro a
justiçar sobre as ameias do castello. Chegado ao
logar da execução pediu o infeliz, que lhe fosse
permittido antes de morrer dospedir-sc dos sons
accordes da sua bozina. Sendo-lhe concedida esta
derradeira graça, D. Ramiro empunha o instru
mento, c toca por tres vezes com todas as suas
forças.
, Era este o signal ajustado com os seus soldados,
escondidos no proximo pinhal, para que, ouvin-
do-o, lhe acudissem apressadamente. Portanto n'um
volver d'olhas foi o castello cercado, combatido,
tomado, e depois iucendiadq. A desprevenida guar
nição foi passada ao fio da espada, e Alboazar te
ve a morte dos valentes: expirou combatendo. E
D. Gaia, como ao passar o Douro para a margem
opposta, se lastimasse c mostrasse dor, vendo abra-
sar-se o castello, foi victima tambem do ciume de
D. Ramiro, que cego d'ira a fez debruçar sobre a
borda do barco, cortando-lhe a cabeça de um gol
pe d'espada.
Á fortaleza em ruinas ficou o povo chamando o
castello de Gaia, eá margem do rio, onde aportou
o barco de D. Ramiro, deu-lhe o nome de Mira
gaia, em memoria d'aquelle fatal mirar da misera
rainha.i
Tal é a lenda, que deu origem ao brasão de Vi-
zeu, em honra da parte que os seus habitantes to
maram n'aquella empresa. O castello representa
o d'Alboazar, o rio que tem por baixo o Douro, o
peregrino D. Ramiro, c o pinheiro o bosque em que
se escondeu a sua gente.
Usou a cainara municipal d'cste brasão até 6
d' Agosto de 1796, em que arderam os seus paços
e a cadêa. Sendo necessario fazer um novo estan
darte, e novo sinete, resolveu deixaroantigo bra
são, adoptando o escudo das armas reaes. Não sa
bemos o motivo da mudança; mas suppomos que
— 190 —
seria por se julgar fabulosa a tenda. Todavia se
foi esta a razão, não a achamos boa, seja a lenda fa
bula ou historia. Em qualquer caso tinha o pri
meiro escudo em seu favor os respeitos da antigui
dade, ea vantagem de ter a cidade um brasão pro
priamente seu.
A lenda pode ser fabulosa, esel-o-ha talvez em
grande parte, mas não no todo. D. Ramiro u rou
bou a moira Zahara, irmã ou filha d'AIboazar, a
qual se fez christã, tomando no baptismo o nome
de Artida, ou Artiga. Repudiando a rainha D.Ur
raca, casou, segundo uns, ou viveu amancebado,
segundo outros, com Zahara, de quem teve um
filho, clnmado D. Alboazar Ramires, que foi o
primeiro fundador do mosteiro de Santo Thirso,
cinco leguas acima da cidade do Porto.
Modernamente mandou a confraria da misericór
dia collocar o brasão antigo da cidade em um dos
angulos da frontaria do seu novo hospital.
Divide-se a cidade em dois districtos, oriental
e occidental, cada um com uma parochia, ambas
da invocação de Nossa Senhora da Conceição. Es
ta divisão é moderna; antes d'ella havia na cida
de tres freguezias, que eram a sé, S. Martinho, e
S. Miguel.
A sé está edificada no centro da povoação, e na
parte mais alta d'ella. Attnbue-se a sua fundação
ao conde D. Henrique e a sua mulher, a rainha
D. Thereza. Pelos annos de 1341 o bispo D. João
fez-lhe varias obras, entre outras principiou um
claustro do lado de éste. O bispo D. Diogo Ortiz
de Vilhegas reedificou inteiramente o coro e a abo
bada do templo, que é magmfica. Segundo consta
de uma inscripção lapidar acabou-se esta obra em
1513. O mesmo prelado sagrou a egreja no anno
de 1516.
O claustro, de architectura dorica, foi construi
do em 1534 pelo bispo D. Miguel da Silva, que
falleceu em Roma, sendo cardeal. No logar onde
está este claustro existiram umascasas, que, con
forme refere a tradição, serviram de paços aos
reis de Leão e das Asturias, quando vinham pas
— 191 —
sar algum tempo a Vizeu, e uas quaes tambem re
sidiram o conde D. Henrique e a rainha D. The-
reza.
Asachristia encerra exceltentes quadros do nos
so grande pintor Grão Vasco, e são os seguintes:
o da descida do Espirito Santo, e o de S. Pedro,
ambos de grandes dimensões, vendo-se o principe
dos apostolos, por singular anachronismo, trajado
em vestes pontificaes; e dois quadros pequenos,
um de S. Jeronymo, em meio corpo, e outro de
Santo André e mais um dos apostolos. Além <Tes
tes adornam asachristia outros paineis, que os en
tendidos presumem ser obra dos discipulos d'aquel-
le eximio artista.
Do mesmo Grão Vasco ha um quadro de vastas
proporções no altar chamado da Porta do Sol, o
qual representa a paixão de Jesus Christo no Cal
vario. Na sala do capitulo existem quatorze pai
neis do dito mestre, de seis palmos d'altura, e tres
de largura, representando, sete d'eltes, a historia
de Nossa Senhora desde a Annunciação até á fu
gida para o Egypto; e outros sete os passos da vida
de Christo desde a Céa até ao Pentecostes.
A sala do capitulo foi edificada pelo cabido, sé
de vacante, no anno de 1721, no proprio local,
onde habitou S. Theotonio, no meiado do seculo
xn, durante o tempo que, com o titulo de prior,
governou a sé de Vizeu.
Não se sabe, como já dissemos, a epoca preci
sa em que foi erigido o bispado de Vizeu. Mas é
fora de duvida, que o e9tava no meado do seculo vi,
pois que no terceiro concilio brachareuse, celebra
do no anno de 571, se faz menção do bispo Re-
misol, com o titulo de prelado de Vizeu. Com a in
vasão e conquista dos arabes interrompeu-se por
vezes a serie dos bispos d'esta egreja. Pretendeu
restaural-a a rainha D. Thereza, e foi então no
meado bispo D. Odorio; porém não teve effeito es
ta nomeação por se oppor o bispo de Coimbra com
diversas razões, que allegou.
O que não logrou D. Thereza, conseguiu-o seu
filho, el-rei D. Affonso Henriques, no anno de 1144,
-192-
scndo elevado à cadeira episcopal de Vizeu o mes
mo D. Odorio. Desde então tem continuado até
hoje a serie d'estes prelados com algumas interru
pções de séde vacante, uma das quaes durou dez-
enove annos, no reinado de D. João v. O bispa
do de Vizeu foi suffraganeo, nos seus primeiros
tempos, da cadeira metropolitana de Braga; de
pois da de Merida, c desde o tempo de D. Affon-
so Henriques outra vez da de Braga. Na serie dos
seus bispos contam-se ires cardeaes, D. Jorge da
Costa, o infante D. Affonso, filho d'elrei D. Ma
nuel, e D. Miguel da Silva.
Os outros edificios principaes da cidade, reli
giosos e civis, são: a egreja da misericordia; o Aos-
pital, reedificado modernamente; o papo episcopal;
o antigo seminario, começado pelo bispo D Nuno
de Noronha nos fins do seculo xvi; o velho quar
tel militar, reconstruido á custa do povo nos prin
cipios d'este seculo; duas torres de origem roma
na, de que ao diante fallaremos; a casa da cama
ra, reedificada depois do incendio, que a destruiu
em 6 d'Agosto de 1796; a egreja de S. Miguet do
Fetal, extramuros, que ainda ha pouco era fregue-
zia; a capella de N. Senhora da Conceição, no Ro
cio de Santo Antonio, ou campo da Feira; a egre
ja de S. Martinho, outr'ora parochial; o mosteiro
do Bom Jesus, de freiras henediGtinas, ainda hoje
habitado, começado em 1560 pelo bispo D. Jorge
d'Ataide, e concluido em 1592 pelo bispo D. Nuno
de Noronha; 6 os edificios dos tres extinctos con
ventos, que vamos mencionar. O convento de san
to Antonio, que foi de frades capuchos, teve a sua
fundação em 1635; e hoje serve de quartel ao re
gimento de infanteria n.° 14. O convento de yossa
Senhora da Assumpção, que pertenceu aos con
gregados de S. Filippe Nery, foi construido em
1688. Acham-se ao presente u'elle o seminario
episcopal c o lyceu. E nos arrabaldes o convento
de S. Francisco d'Orgens, outr'ora de capuchos,
foi fundado em 1107, e feito inteiramente de no
vo em 1719. O convento e cêrca são actualmente
— 193 —
propriedade particular; e a egreja é freguezia su
burbana.
A egreja de S. Miguel do Fetal é muito antiga,
e parece que foi a primitiva sé de Vizeu. Tem ti
do diversas recdilicações, sendo a ultima no anno
de 1735, correndo com as despezas o cabido, se
de vacante.
Na capella mór existe um tumulo, que mostra
bastante antiguidade, e cujo epitaphio diz que ali
se acha D. Rodrigo, ultimo rei dos godos. Antes
da reconstrucção do temploem 1735o lettreiro era
assim concebido: Hic requiescit Rodericus rex got-
torum. Por occasião d'estas obras pozeram-lhe no
vo epitaphio, que ainda ali se vê, e é como segue:
Hic jacet aut ja'uit postremus i» ordiiui reijum
Gotíorum, uí nobis nuntia fama refert.
Aqui jaz ou jazeu o utíimo na serie dos reis
{godos, segundo nos refere a mensageira fama.

Não sabemos a razão porque se acha ali este mau-


soleo, nem a epoca em que foi construido. Mas o
que dão por certo historiadores conscienciosos e
investigadores é que D. Rodrigo morreu na bata
lha do Guadalete, que poz fim á monarchia dos
godos, e deu principio ao dominio arabe na penin
sula.
Sendo pois uma pura fabula a peregrinação d'es-
te soberano por terras de Portugal, aquelle tumu
lo é um monumento mentiroso.
Como uma antiquissima tradição popular conta
va que D. Rodrigo, tendo escapado da batalha,
vivera annos como ermitão de Nossa Senhora da
Nazareth, e depois fora morrer a Vizeu, talvez que
alguem, acreditando piamente na tradição, e ven
do na velha egreja de S. Miguel algum mausolco
sem inscripção, inscrevesse n'elle o primeiro dos
referidos epitaphios, julgando que não fazia mais
que esclarecer um ponto da historia. Mas tambem
é possivel* que em vez de erro, fosse fraude para
autorisar a tradição, e dar assim mais nobreza á
cidade.
Vizeu tem algumas boas praças, e dois bonitos
vOL. ttt. 13
-194 —
passeros. A principal cTaquellas pelos edificios, que
a cercam, é a que se estende em frente da sè e do
paço episcopal. A alameda do Rocio de Santo An
tonio é um lindo e extenso passeio.
Tem esta cidade um theatro, onde representam
curiosos, ou alguma companhia ambulante; um
club, intitulado associação viziense, em que se dão
alguns bailes; e dois jornaes poHtieos, o Viriato,
e o Viziense. Possue um bom cemiterio, constiuido
ha poucos annos junto ao hospital civil.
Das muralhas deVizeu restam poucos vestigios,
a não ser uma lapide com uma inscripção, que com-
memora a conclusão d'esta obra em 1472, e tres-
arcos das antigas portas, que teem o nome do san
to, que a piedade dos vizienses ali collocara.
A lapide ainda se conserva da parte de fora do
Suar.
As outras antiguidades de Vizeu são: a Caca de
Viriato, as forres romanas, e a casa chamada da
forre na rua da Cadoa.
A Cava de Viriato está proxima da povoação; e
era, como fica dito, o assento da antiga cidade de
Vacca.
A tradição refere do seguinte modo o seu prin
cipio. Informado o pretor romano, Caio Negidio,
de que o pretor, Claudio Unimano, tinha sido des
baratado no Alemtejo pelos lusitanos, commanda-
dos por Viriato, apressou-se a invadir a Beira, le
vando tudo a ferro e a fogo, para assim fazer uma
diversão ao inimigo. Viriato não tardou em acu
dir á provincia invadida, mas achando os romanos-
muito bem entrincheirados em uma planicie junto-
ao sitio, onde está Vizeu, cercou-os, resolvido a
rendel-os pela fome, ou a obrigal-os a combate
fora da circumvalação, que os defendia. Depois
de algum tempo de cêrco, o pretor Caio Negidio
saiu a offerecer batalha, mas foi vencido, caindo
o seu arraial em poder dos lusitanos.
Conservou Viriato o campo entrincheirado do
inimigo. Alteou-lhe mais os muros de terra, que o
cercavam; profundou-lhc os fossos; e ahi se fez
tão forte, que, mais tarde, vindo sobre elle os ro
frianos com poder muito superior ao seu, não con
seguiram vencel-o, nem desalojal-o d'aquella posi
ção.
É pois a este Campo que se deu o nome de Ca
va de Viriato, e no qual o grande capitão dos lu
sitanos fundou a cidade de Vacca, ou depois da
stia morte a começaram os romanos/
No reinado de D. João i ainda a cava estava
vedada e fechada com uma porta, tendo dentro
uma ermida dedicada a S. Jorge, onde por deixa
« disposição testamentaria do infante D. Henrique,
se cantava missa em lodos os sabbados, e ne dia
•do santo se fazia uma procissão com assistencia
do cabido, e muita concorrencia de povo. A capei-
la arruinou-se, e esta pratica acabou. No anno de
1461 tomou posse da cava o cabido da sé.
Mandando el-rei D.João v medira cava em 1728,
achou-se que tinha de circumferencia tres mil c
cinco passos, e os muros setenta e cinco palmos
d'altura, e quarenta de largura na parte superior.
Posto que a cerca estivesse em muitos sitios des
truida, a ponto de custar a distinguir-lhe os ves
tigios, mostrava ter tido a forma oitavada, com
quatro portas, ou aberturas, duas ao norte, e duas
ao sul.
Ordenou aquelle soberano que se conservasse
com o maior cuidado o que restava de tão precio
so monumento. Porém nos seguintes reinados esse
cuidado foi affrouxando até acabar de todo. Então
começaram os lavradores e habitantes das visinhan-
ças a arrancar o que o tempo e os homens tinham
poupado, uus nivelando com o arado fossos e mu
ros, e outros levando d'ali os restos da pedraria
dos edificios da antiga Vacca.
Em 1818 mandou a camara de Vizeu por mar
cos em torno da cava, tanto exterior como inte
riormente. Porém os devastadores ainda continua
ram a assolar o monumento de Viriato. Dos mu
ros ainda existe alguma coisa; mas dos fossos, que
eram cheios d'agua, só resta um pedaço do lado
occidental, actualmente chamado opopo da cava.
As torres romanas foram mandadas construir,
— 196 —
segundo se diz, pelo consul Junio Decio Bruto,
sendo architectos d'ellas dois irmãos chamados
FrontonioeFlacco. Pretendem alguns escriptorcs,
que outr'ora se via numa das torres uma lapide
com estes dois nomes, e na outra torre as aguias
romanas.
Arruinaram-se estes monumentos, reduzindo-se
a muito menor altura, que a primitiva. Uma d*el-
las está no fundo da rua do Relogio. A outra, ten
do sido acerescentada, e reparada, é a casa da cadêa.
D'e9ta fez prisão do Aljube o bispo D. João Go
mes d'Abreu, fallecido em 1482.
A casa da torre, na rua da Cadêa, pertenceu ao
infante D. Henrique, duque de Vizeu, que n'ella
habitou por vezes. Ainda ali se vêem por cima de
uma janella gothica as armas da dynastia d'Aviz.
Em 1818 descobriu-se junto á cidade um curio
so objecto archeologico, do qual não se conserva
mais que a memoria. Era um sepulchro romano
encontrado n'uma quinta por uns trabalhadores,
na occasião de cavar. Tinha sete palmos de com
primento, e quatro d'altura. Cobriam o sarcopha-
go tres pedras de granito. Na do meio lia-seains-
cripção que segue :
Macio Bo
Vti. F.Tap.
Anno. LX. H.
S. E. S. T. T. Levis.
Fili. T. C.
Não apparecendo ali quem apreciasse e salvasse
esta antigualha, os mesmos trabalhadores vieram
por fim a fazel-a pedaços.
Vizeu é terra muito sadia, farta d'aguas d'excel-
lente qualidade, e de todas as principaes produc-
ções do nosso paiz.
Os suburbios são ferteis, amenos, c pittorescos.
Ein torno da cidade tudo são hortas e pomares
abundantes d'agua. Mais longe estendem-se frescos
valles entre montes arborisados, entremeando-se
os campos, que se cobrem de cearas, com as col
— 197 —
liaas assombradas d'oliveiras, castanheiros, e dou
tros arvoredos. Fertilisam e aformoseam todos os
terrenos do concelho de Vizeu mil regatos, que se
desprendem das montanhas, e os rios Mondego,
Vouga, e Dão, que, a legua e meia da cidade, vão
correndo por mui apraziveis valles.
D'estes rios vem á cidade algum peixe, e dos
campos e montes bastante caça. As principaes pro-
ducções do concelho são cereaes, legumes, vinho,
azeite, frutas, e gados, do que tem muita criação.
Nas cercanias de Vizeu, em distancia de duas a
tres leguas, existem minas d'estanho, e d'outros
metaes; encontram-s'e varias fontes d'nguas ferreas
e thermaes. A uma legua para o nascente, em Al
cafache, tem a mais proxima fonte d'aguas sulphu-
reas. A duas leguas tem as de S, Gemil; ambas
na margem direita do rio Dão. A tres leguas para
o poente estao as da villa do Banho, egualmente
thermaes. A tres leguas para o norte, na raiz da
serra de S. Salvador, acha-se uma optima nascen
te de aguas ferreas.
Vizeu conta seis mil habitantes. A sua feira
annual é a mais consideravel de todo o reino.
Começa aos 21 de Setembro, e dura mais de dez
dias. Tem por assento o vasto rocio de Santo An
tonio, tambem chamado campo ou terreiro da Fei
ra, e que em tempos antigos teve o nome de rocio
de Mançorim. Este campo, com a sua extensa e
formosa alameda, fica n'uma das extremidades da
povoação, e contiguo á Cava de Viriato. Pois que
é esta a maior feira do paiz, daremos uma breve
noticia da sua origem.
Querendo el-rei D. João i fazer merce á cida
de de Vizeu, concedeu-lhe uma feira annual, livre
de metade da siza. Começava aos 23 d' Abril, dia
de S. Jorge, por ser este santo o orago da capei-
la, que então havia dentro da Cava, em honra do
qual se fazia ali uma festa, e a feira no campo
visinho.
Pelo tempo adiante levantaram-se taes duvidas
e contrariedades por parte do. governo, que dei
xou de fazer- se a feira.
— 498 —
El-rei D. Duarte, no principio do seu reinado,
deferindo a um requerimento dos moradores de Vi
zeu, restabeteceu a feira, como a concedera seu
pae. Tornando porém a apparecer as mesmas, ou
outras opposições, apresentou a cidade de Vizeu
novo requerimento nas cortes, que o dito monar-
cha celebrou em Evora no anno de 1436. Foi de
ferida a pretenção, menos na parte relativa á siza.
D'esta segunda provisão d'el-rei D. Duarte col-
lige-se que n'essa epoca ainda existia dentro da
Cava de Viriato uma povoação, e que esta se cha
mava Villa Nova. Fazia-se então a feira dentro da
Cava.
Havia annos que deixara de se fazer a feira,
no reinado de D. Affonso v, quando este soberano
a sollicitações de seu tio, o infante D. Henrique,
a mandou restaurar, concedendo-llie os mesmos
privilegios, que tinha a feira de Thomar, e orde
nando que começasse em dia de Santa Iria (a 20
de Outubro), e durasse quinze dias.
Data doesta epoca o desinvolvimento d'esta fei
ra, devido não só áquelles privilegios, mas tam
bem aos esforços do infante D. Henrique para que
ali concorresse o maior numero possivel dos pro-
âuctos das diversas industrias do paiz.
Em 1501 pediu a camara de Vizeu a el-rei D.
Manuel, que mandasse mudar a feira para dentro
da cidade. Os fundamentos d'este pedido consta
da provisão regia do dito soberano, onde diz ;
o. . .. e que quanto he do que toca na feira, que
nos aprouvesse se mudar pera dentro da dita ci
dade: porquanto por se fazer na cava, a par da
dita cidade, se faziao nella coisas de pouco serviço
de Deose nosso, e de muita deshonestidade, e mais
que por respeito do inverno, e lugar onde se a di
ta feira soia fazer, e era não conveniente pera el-
lo, nos pediao por merce, que nos prouvesse mandar
mudar a dita feira pera dentro, porque por estes
respeitos havia já quatro annos, que a dita feira
se não fazia.»
Para obviar aos transtornos, que a invernia cau
sava aos feirantes, entrando a feira pelo mez de
^-199 —
Novembro, determinou-se na citada provisão, que
se tornasse a fazer a feira em dia de S. Jorge, aos
23d"Abril.
Passados bastantes annos, lendo augmentado con
sideravelmente a feira, de modo que já mal se ac-
commodava no interior da cidade, foi transferida
para o sitio, onde ao presente se faz. A mudança
da epoca, de 23 d'Abril para 21 de Setembro, dia
em que actualmente principia, foi sem duvida re
sultado de varias consideraçães economicas, tanto
para facilitar a concorrencia dos lavradores, que
no outono estão mais desembaraçados dos traba
lhos ruraes, como para dar ensejo a que concor
ram áquelle grande mercado os generos das colhei
tas d'esse anuo.
A demarcação da feira, e os proventos das li
cenças, e renda dos terrenos, foram dados por D.
Affonso v ao infante D. Henrique, duque de Vi-
zeu. Por morte d'este principe usufruiram-n'osos
duques seus suecessores, até que pela extineção
d'este ducado, passaram para a coroa. Não temos
certeza de quando entrou n'essa administração a
camara de Vizeu, mas como a vemos entrada n'es-
sa posse no anno de 1501, suppomos que foi el-
rei D. Manuel, que lhe fez essa merce em alten-
ção á falta de rendimentos que a camara tinha.
Foi berço esta cidade de muitos homens illus-
tres, cujos nomes formariam um longo catalogo.
Apontaremos unicamente os que nos lembram ago
ra. El-rei D. Duarte, nascido em 1391 e fallecido
em 1438; João de Barros, o grande historiador da
índia, autor das Decadas; Gaspar Barreiros, so
brinho do antecedente, tambem escriptor distincto
do seculo xvi, o qual deixou entre outras obras
estimaveis, a Corografia de alguns lugares, que es-
tam em um caminho, que fez Gaspar Barreiros o
anno de 1546, começando na cidade de Badajoz té
a de Milam em Italia; Antonio Reynoso, medico
afamado do tempo d'el-rei D. João m, lente da
universidade de Coimbra, e muito versado nas lin
guas latina, grega, earabe. Gabriel da Fonseca que
foi um dos mais celebres medicos da Europa no secu
— 200 —
lo xvii. Foi lente de medicina na universidade de
Piza, na Italia, e depois na da Sapiência em Ro
ma, onde o tiveram por seu primeiro medico os
papas Innocencio x, e Alexandre vir. Morreu em
Roma no anno de 1668, deixando impressas algu-
gumas obras, que compoz sobre medicina.
provlncias portuguezas
DASÍA I «AFRICA
AS CIDADES DE GOA
E MU GOA.
Do grande imperio portuguez na Asia apenas
restam algumas reliquias. Aquelle colosso, funda
do por Vasco da Gama, e levantado a tamanha al
tura pelo genio de Affonso d'Albuquerque, des-
moronou-sc rapidamente, equasi de todo se aluiu.
Os pedaços que d'elle existem são para Portugal
mais um tropheo das suas glorias e um monu
mento das suas passadas grandezas, do que um
elemento do seu poder actual.
D. Vasco da Gama partiu de Lisboa para a des
coberta do caminho da lndia no dia 8 de Julho de
1497. Dobrou o Cabo da Boa Esperança em 20 de
Novembro d'esse anno. Aportou a Moçambique no
1." de Março do seguinte anno; a Mombaça no dia
8 d'Abril; a Melinde aos 15 do mesmo mez; a Ca
lecut no dia 20 de Maio.
Chegado o illustre nauta á nova terra da pro
missão, a essa lndia tão desejada, o seu primeiro
cuidado foi diligenciar unil-a a Portugal por laços
de relações intimas e amigaveis, e por mutuos in
teresses commerciaes.
Os seus esforços n'esje sentido foram ao princi*
— 202 —
pio bem succedidos, mas em breve vieram annul-
lal-os as traições dos índios, que sob apparencias
d'amizade machinavam o exterminio dos portugue-
zes.
D. Vasco da Gama regressou á patria em 1499
com a feliz nova da descoberta da índia, e em Fe
vereiro de 1502 para lá voltou com uma armada
de vinte navios.
Reconhecendo então que era impossivel tratar
amizade com gente falta de fé, castigou os traido
res, repelliu a força com a força, esubjeitou á vas-
sallagem do seu rei quantos inimigos ousaram fa-
zer-lhe rosto.
D'est'arte lançou Vasco da Gama os fundamen
tos do poderio de Portugal na lndia. Pedro Alva
res Cabral, Affonso d'AIbuquerque, Lopo Soares,
D. Francisco d' Almeida, e outros grandes capitães,
que lhe suecederam no commando das armadas,
enviadas áquellas regiões, continuando na mesma
obra com vigoroso impulso, estenderam por toda
a Asia o nome e a influencia dos portuguezes.
No fim do anno de 1509 tremulava o pavilhão
das quinas sobre muitas cidades e fortalezas da
Africa oriental e da costa do Malabar. E os mais
poderosos monarchas d'essas longínquas regiões,
ou por vontade se tinham declarado tributarios da
coroa de Portugal, ou constrangidos pela força das
armas recebiam a lei dos vencedores.
El-rei D. Manuel imperava finalmente na lndia
como o mais respeitado e temido dos seus sobera
nos. Mas ao seu novo imperio faltava uma con
dição essencial; faltava-lhe a séde, uma capital di
gna do seu lustre e grandeza. Affonso d'Albuquer-
que acudiu de prompto a tamanha falta. Não cu
rando de medir forças para os seus arrojados com-
mettimentos, resolve na mente, e apressa-sea rea-
lisar a conquista de Goa, a maior, mais populosa,
mais rica e florente cidade, que n'aquellas partes
havia.
Achava-se então este grande homem investido
no cargo de vice-rei da lndia; e corria em princi
pio o anno de 1510.
— 203-^
Disposta e appareihada a armada em Cochim,
embarcou-se n'clla o vice-rei com os seus valen
tes companheiros, e depois de alguma pouca de
mora na ilha deAngediva, fez-se no rumo de Goa,,
a cuja barra chegou no mez de Fevereiro.
Mandando sondar o rio a seu sobrinho, D. An
tonio de Noronha, capitão da nau Cirne, metteu-
se este num batel com alguns pilotos e homens
d'armas, e assim apercebido deu começo á sua
missão. Das outras naus tambem largaram alguns
bateis com gente armada, que foram em seguimen
to do primeiro.
Apenas entrado no rio, ao dobrar uma ponta,
que fazia a terra, encontrou-se D. Antonio de No
ronha com uma embarcação de Índios, que vinham
espionar os movimentos da armada portugueza. O
intrepido capitão deu pressa aos remadores para
ir sobre o inimigo; mas este, mais apressado ain
da, conseguiu escapar-se-lhe, indo por-se ao abri
go de uma fortaleza, que havia perto d'ahi para
defensa do rio, e guarda da cidade de Goa.
D. Antonio, que não era homem que facilmen
te recuasse diante d'inimigos, vendo-se a este tem
po auxiliado pelos outros bateis, que já o tinham
alcançado, mette proas a terra, e á frente de um
punhado de homens destemidos accommette d"im-
proviso a fortaleza. Foi tão rapida toda esta ac
ção, e tal o sobresalto, que ella produziu nos ín
dios, que não poderam servir-se da artilharia,
pois que o inimigo se achava já, como por encan
to, debaixo das canhoneiras. Houve um porfioso
combate, no fim do qual os índios abandonaram o
forte, procurando a salvação na fuga.
Tomaram posse os nossos da fortaleza de Pan-
gim, que era este o seu nome; e os fugitivos foram
levar o terror dentro dos muros de Goa, distante
d'ali, rio acima, umas cinco milhas. E tamanha
impressão causou nos habitantes o que os venci
dos contavam da furia e braveza dos portuguezes,
que no momento em que Affonso d'Albuquerquo
se dispunha para ir atacar a cidade, veiu uma em
— 204 —
baixada offerccer-Ihe a entrega de Goa a troco das
vidas e fazendas dos seus moradores.
A entrada d'Affonso d'Albuquerque na cidade de
Goa foi perfeitamente triumphal. Sairam-lhe ao en
contro o povo e os principaes da cidade, este? pa
ra lhe offerecerem as chaves, e prestarem obedien
cia; aquelle para o receber e acompanhar ate aos
paços, que lhe destinaram, com acclamações, e to
dos os signaes d'amizade, ou, pelo menos, de res
peito e de paz.
Foi o primeiro cuidado do vencedor mandar lan
çar pregão pela cidade >para que todos continuas
sem, como anteriormente, na sua vida, e no seu
trafico, em completa segurança, cominando seve
ras penas aos portuguezes, que maltratassem os
naturaes, ou lhes quizessem. levar alguma coisa
das lojas sem o previo pagamento.
Com esta politica esclarecida e generosa, que fa
zia executar com a maior pontualidade e rigor,
adquiriu o epitheto de justiceiro, que junto á fa
ma do seu valor, concorreu cfficazmente para es
tender e consolidar a influencia e poder de Portu
gal por toda a Asia.
É verdade que Affonso d'Albuquerque pouco se
logrou d'esta sua primeira conquista de Goa. Hi-
dal-khan, ou como nós lhe chamamos, Idalcão,
soberano do reino do Decan, a que pertencia a
ilha e cidade de Goa , desembaraçando-se das
guerras, que o traziam entretido no continente,
quando se realisou aquella conquista, vciu com
grandes forças por cerco á cidade. Ao cabo de
vinte dias de assedio, e de uma resistencia inu
til, porque aos inimigos de fora aceresciam agora
os de dentro da praça, abandonou o vice-rei a ci
dade, e acolheu-se com a sua gente ás naus. Mas
pouco se demorou em desaffrontar as armas por-
tuguezas.
Em Novembro d'esse anno de 1510 voltou Af
fonso d'Albuquerqueaemprehender de novo a con
quista de Goa. D'esta vez vinha melhor apercebi
do de navios c gente.
Deu-se o assalto com incrivel encarniçamento.
— 205 —
O inimigo defendeu-se com obstinada desespera
ção; mas taes prodigios de valor praticaram os nos
sos, que apezar de infinitamente inferiores-em nu
mero aos seus contrarios, entraram e tomaram a
cidade aos 25 de Novembro.
Os moiros e gentios pagaram caro as traições
com que tão mal corresponderam á generosidade
do vice-rei na sua primeira entrada em Goa. Foi
horrorosa a matança que os nossos fizeram n'elles.
AlTonso d'Aibuquerque, desinvolvendo toda a
energia e actividade do seu caracter, tomou quan
tas providencias julgou acertadas para assegurar
aquella preciosa conquista. Estabeleceu logo ahi a
sede do seu governo, e desde então Goa ficou sen
do a capital dos estados portuguezes na Ifidia.
No anno seguinte, aproveitando-se o inimigo da
anuencia do vice-rei, que andava mui longe d'ali,
empenhado na conquista de Malaca, apresentou-
s» em força diante dos muros de Goa. Porém, an
tes que o vice-rei voltasse, conseguiram os bravos
defensores da cidade derrotar o exercito shiador ,
e obrigal-o a levantar o cerco, e passar á terra
firme.
Quatro annos depois, no dia 16 de Dezembro
de 1515, falleccu em Goa o grande vice-rei. As
pompas funebres com que foi honrado o seu cor
po, e as publicas e geraes demonstrações de lucto
e drtr, com que foi chorada a sua morte, consti
tuiram sem duvida a maior e mais tocante solem-
nidade, que se tem visto n'aquella metropole.
Antes de proseguirmos na historia de Goa, con
vém dizermos alguma coisa sobre os tempos an
teriores á conquista por Affonso d'Albuquerque.
Não ha noticias positivas acercada sua primitiva
fundação. Sabe-se apenas que é de antiquissima da
ta; e que teve por primeiro assento um sitio pou
co distante, para o lado do sul, ao qual já nos
tempos da conquista chamavam Goa a velha.
Todavia, de duas laminas que se descobriram, e
que estavam enterradas, nas quaes se lia uma ins-
cripção em linguagem Sansorut, consta que a ci
dade de Goa lóra fundada por Goaldeo, filho de
— 206 —
Cheturbhum, c neto de Toloccken Cadambó. A. re
ferida inscripção era datada d'Abril de 1054 da era
vulgar.
Autorisando-se com esta descoberta pretendem
alguns escriptores, que o nome da cidade se deri
va do do rei seu fundador. Os naturaes do pais
chamam-lhe Govay.
No principio do seculo xiv foi tomada pelo rei
«u imperador do Decan, que se assenhoreou de
todo o reino de Canará, de que fazia parte a ilha
e cidade de Goa. Retirado o vencedor para os seus
estados, dividiu em capitanias as terras conquis
tadas, e repartiu-as pelos seus principaes cabos
de guerra, com obrigação de lhe pagarem uns
certos tributos annuaes.
Pelos annos de 1479, vindo estahelecer-se em
Goa um chefe musulraano, chamado Melique Oum,
com muitos seus correligionarios, expulsos e per
seguidos pelo radjá d'Onor, como encontrassem a
cidade de Goa arruinada, transferiranr-na para um
logar proximo, mais ao norte, fundando a cidade
que hoje é para nós Goa a velha.
No anno de 1491 apossou-se de Goa Issuf Hidal
Schah, rei de Visapour; e mandou para a gover
nar seu filho, o principe Xahagad; o qual ahi ti
nha a sua principal residencia, quando os portu
gueses chegaram á lndia.
Foi pois a este principe, a quem os nosios
chamavam Sabaio, que Affonso d'Albuquerque to
mou Goa. Por morte d'aquelle suecedeu em seus
estados do continente seu filho, Hidal-Kan, que
sustentou porliosas guerras com os portuguezes,
como atraz já referimos, c as continuou por largoí
annos. No de 1516, governando a lndia Lopo Soa
res d^lbergaria, poz a cidade de Goa em grande
aperto, mandando sobre cila um exercito de trin
ta mil homens. O inimigo teve de largar mão da
empresa; porém os moradores da cidade padece
ram muitas fomes c prejuizos.
No anno de 1527 foi a cidade de Goa theatro
de muitos tumultos c desordens por causa das dis
cordias, que tiveram entre si os dois governadores
— 207 —
da índia, Lopo Vaz de Sampaio, que tinha termi
nado o seu governo, e Pero Mascarenhas, que aca
bava de chegar de Lisboa para lhe suecederí
No dia 25 de Março de 1538 chegou a Goa o
seu primeiro bispo, D. fr. João d'Albuquerque.
Até então os nossos estados da lndia estavam sub-
feitos no espiritual aos bispos do Funchal. El-rei
D. João iii sollicilou e obteve do papa Clemente
vii a erecção do bispado de Goa, a que se deu por
limites toda a Asia, e a Africa oriental desde o
Cabo da Boa Esperança. O novo bispado ficou sen
do suffraganeo da mitra do Funchal, que foi por
essa occasião elevada á cathegoria de metropolita
na. O primeiro bispo nomeado para a sé de Goa
foi D. Francisco de Mello, porém morreu antes de
partir para a lndia.
Em 1541 desembarcou em Goa, vindo na arma
da do governador D. Estevão da Gama, S. Fran
cisco Xavier, chamado o apostolo das índias-, je
suita, e companheiro de santo Ignacio de Loyola.
Ao cabo de onze annos de missões e duros traba
lhos por quasi toda a índia, e Japão, morreu cm
uma ilha da costa da China, d'onde o seu corpo
foi transportado para Goa, onde jaz em rico mauso-
leo.
No dia 15 de Abril de 1547 celebrou Goa com
pomposas festas, á maneira das dos triumphado-
res romanos, a entrada do rice-rei D.João de Cas
tro, pela grande victorm de Diu, que alcançara em
11 de Novembro do anno anterior sobre ftume-
Kan, e com a qual assegurou a posse d'aquella
ilha e praça a Portugal.
Presenceou aquella cidade um grande desastre na
noite de 23 de Junho de 1555, por causa da fes
ta de S. João- Um foguete, lançado de uma casa
da cidade, foi cair na ribeira sobre o galeão S. Ma-
theus, que se incendiou immediatamente. O rijo
vento, que soprava, fez communicar a fogo a ou
tros navios, c apezar de todas as diligencias para
o atalhar, devorou seis grandes galeões, quatro
caravelas, e duas galés. Governava então a índia
Francisco Barreio, que por sua muita energia e
*
— 208 —
actividade em pouco tempo resarciu a armada
d'esta consideravel perda.
Na menoridade d'el-rei D. Sebastião, sendo re
gente sua avó, a rainha D. Catharina, foi erecta a
sé de Goa em metropolitana pelo papa Paulo iv no
anno de 1559. O seu primeiro arcebispo primaz,
D. Gaspar de Leão Pereira, chegou á lndia em
1560. N'este anno estabeleceu-se em Goa a inqui
sição por bulia do mesmo pontifice, sollicitada pe
lo cardeal infante D. Henrique.
Este terrivel tribunal foi a causa mais efficien-
te da decadencia e ruina da antiga capital da ln
dia portugueza.
A politica íliustrada e tolerante dos primeiros
vice-reis e governadores; as vantagens de metro
pole de um estado poderoso; e emfim os proven
tos de um grande commercio, que a faziamomais
consideravel emporio de toda a lndia, elevaram a
cidade de Goa, até áquella epoca, a subido grau
de opulencia e grandeza. Vastos palacios c con
ventos, grandiosas egrejas, crescido numero de
pagodes e mesquitas, ostentando em civilisadora
união a architectura europea, indiana, e arabe,
davam áquella cidade soberbo aspecto de esplen
dor, riqueza, e poder. Orçavam alguns escriptores
a sua população n'esse tempo em duzentos mil ha
bitantes. Este Calculo não é exaggerado; porém o
que é certo, é que era então uma das mais popu
losas cidades da lndia. Pois toda esta prosperida
de desappareceu ante os furores da inquisição. Os
naturaes do paiz, que se recusavam a mudar de
religião, ou pereceram nas fogueiras do santo of-
ficio, ou viram-se obrigados a ir buscar longe do
dominio portuguez segurança para suas vidas efa»
zenda.
Derrubaram-se uma um todos os templos da gen-
tilidade. A fé christã ficou só em campo dentro dos
muros de Goa; mas as riquezas, e os principaes fo
mentadores da industria, deixaram essa terra de
perseguição, e a cidade abandonada dos naturaes,
a menos frequentada dos portuguezes pela pro
— 209 —
gressiva decadencia do seu poder na lndia, pouco
a pouco foi caindo em ruinas.
Estas circunstaucias reanimaram as perdidas es
peranças de Hidal-Khan e dos mais principes in
dianos. Conjurando-se todos em estreita alliança
para expulsar da Tndia os portuguezes, vieram
com formidaveis forras sobre a ilha de Goa em
Janeiro de 1571. Segundo escreve Diogo do Couto
nas suas Decadas, os exercitos combinados monta
vam a cem mil homens de infanteria, trinta e cin
co mil de cavallo, dois mil e cem elephantes, e trinta
e cinco peças d'artilharia. D.Luiz d'Ataide, conde
d'Atouguia, que era o vicc-rei da lndia, apenas
dispunha de tres mil homens. Porém com tanta
intelligencia, dedicação, e coragem, soube prover
á defensa da ilha, e com tanto valor pelejaram os
seus soldados, quando o inimigo conseguiu passar
o vau e accommctter a cidade, que essa diminuta
força de tres mil homens resistiu a todo aquelte
grande poder, e obrigou os reis colligados a pedir
a paz.
No decurso dos dez annos seguintes realisaram-
se na Europa suecessos, que influiram sinistramen
te nos destinos da cidade de Goa, e de toda a ln
dia portugueza.
A perda de D. Sebastião em Africa; o accesso
ao throno do cardeal D. Henrique, e logo depois
a sua morte; e a usurpação de D. Filippc n de
Castella, foram os tres grandes acontecimentos
d'esta triste decada que apressaram a decadencia
de Portugal, e o desmoronamento dos seus estados
na lndia.
Sob o governo d'este ultimo monarcha foi crea-
do e estabelecido em 1T>86 o tribunal da relação
de Goa, com um chanceller da justiça.
Por estes tempos appareceram os hollandezes, e
depois os inglezes, a disputar-nos o passo nos ma
res da Asia. E aproveitando-se do enfraquecimen
to progressivo, em que nos ia lançando a oppres-
são de Castella,- foram-nos expulsando da maior
parte das nossas conquistas, ora pelo seu proprio
esforço, ora alliando-sc com os principes asiaticos.
vol. nr. 14
— 2(0 —
A restauração de 1640, travando da roda das
desditas de Portugal, amparou e segurou contra os
nossos inimigos o que lhe restava das suas pos
sessões ultramarinas. Todavia, precisado de soc-
correr-se á alliança d'Inglaterra na grande e pro
longada luta com a Hespanha, teve de ceder áquel-
la potencia a cidade de Bombaim, e outros territo
rios na índia, dados em dote á infanta D. Catha-
rina, filha d'el-rei D. João ív, e mulher de Carlos
ii d'Inglaterra.
Em 1752, sendo vice-rei da lndia D. Luiz de
Menezes, primeiro marquez de Louriçal, padeceu a
cidade de Goa os trabalhos de um novo cerco, do
qual se defendeu valorosamente, obrigando o ini
migo a desistir da empresa.
Por estes tempos começou a pensar-se na trans
ferencia da capital dos nossos estados da lndia pa
ra uma situação mais vantajosa ao commercio, c
mais salubre. E além d'isso achava-se Goa tão
despovoada pelas razões referidas, e por causa da
horrorosa epidemia, que em 1635 lhe dizimou a
população, que a maior parte dos seus edificios
caíam em ruinas, uns apoz outros.
Este pensamento veiu a realisar-se em 1759 sob
o governo do vice-rei conde da Ega.
A pequena povoação de Pangim, edificada jun
to da fortaleza d'cste nome, da qual falíamos mais
acima, foi o logar escolhido para assento da nova
capital. E com effeito para ahi se foram transfe
rindo algumas repartições publicas.
Porém no anno de 1774 ordenou el-rei D. José
a D. José Pedro da Camara, que foi governar a
Iudia com o titulo de capitão general, que tratas
se de reedificar a cidade de Goa, e de chamar pa
ra dentro dos seus muros as familias, que a tinham
abandonado.
Fizeram-se todos os esforços possiveis para rea-
lisar os desejos do monarcha. Lançou-se o tributo
de um por cento nas mercadorias despachadas na
alfandega; recorreu-se ao patriotismo da camara,
e com os recursos assim obtidos, procedeu-se á re-
cotfstrucrão de varios edificios, á abertura de no
— 211 —
vas ruas, e melhoramentos de outras, e á edifica
ção de algumas casas para arrendar. Mas todo este
trabalho e despeza foram perdidos. A insalubrida
de do logar, por causa dos muitos pantanos das
immediações, em breve tornou a afugentar a popu
lação.
Resolvida definitivamente a mudança, effeituou-
se todavia lentamente por não haver em Pangim
edificios capazes de accommodar as repartições pu
blicas.
Os governadores só deixaram a residencia de
Goa em 1812, anno em que tambem se transferiu a
alfandega. Ein 1818 o více-rei conde do Rio Par
do mudou para Pangim a relação, ca junta de fa
zenda. Pelo decurso do tempo foram seguiudo a
mesma direcção as mais repartições do estado.
Não obstante, em quanto existiram de pé os gran
des edificios publicos de Goa, e em quanto estive
ram habitados os seus conventos, conservou a ci
dade um simulacro da sua passada grandeza. Mas
isto tambem teve fim. O tempo, ou os homens der
rocaram os primeiros, k lei da extineção das or
dens religiosas em 1834 despovoou os segundos.
Assim acabou aquella soberba metropole, que
tanto avultou e brilhou em toda a Asia pela sua
importancia politica e commercial.
O brasão d'armas de Goa é, n'um escudo coroa
do, as armas reaes, com a coroa c timbre d'el-rei
D. Manuel, e por cima a roda do martyrio de San
ta Catharina, em commemoração da tomada da ci
dade no dia da sua festa.
Junto da costa do Malabar, na foz do rio Man-
dovi, está a ilha de Goa, chamada pelos gentios
Tissuar. Tem esta ilha quasi tres leguas de com
primento, em partes mais de uma de targura, e
pouco menos de meia legua onde é mais estreita.
Westa ilha, pois, para o lado do norte está si
tuada a derrocada cidade do mesmo nome, a an
tiga metropole da lndia portugueza. "Banha-a o rio
Mandovi, que lhe forma o seu porto, em distan
cia de seie milhas da foz.
A cidade de Goa é hoje um montão de ruinas,
— ali
cercadas e separadas por mattose palmares. D'en-
Irc ellas ergucm-se ainda de pé alguns grandes
edificios, que contrastam singularmente com as mi
seraveis choupanas em que vivem algumas pobres
familias.
A cathedral e a egreja do Bom Jesus são os mais
notaveis d'esses poucos edificios, que teem resis
tido impavidos a tantos elementos de destruição.
É dedicada a sé a Santa Catharina, por ter sido
tomada a cidade por AÍTonso d'Albuquerque no dia
da festa d'esta santa. É um grande templo de tres
naves, com quatro capellas de cada lado, além das
collateraes da capella mór. Contém muitos para
mentos e alfaias ricos e curiosos pela sua antigui
dade. Foi fundada esta cathedral por AÍTonso d'AI-
buquerque, porem no seculo xvii foi reconstruida
quasi inteiramente de novo. O arcebispo primaz só
ali vae officiar nas grandes solemnidades.
Deita a frontaria da sé para a praça do Sabaio,
onde existia o palacio da inquisição, hoje demoli
do, outr'ora morada do principe de quem a praça
tira o nome.
A egreja do Bom Jesus, que pertencia ao colle-
gio dos jesuitas. é grandiosa, como todas as que
fundou esta poderosa ordem. Acha-se em bom es
tado, e deve a sua conservação á circunstancia de
guardar sob as suas abobadas o corpo de S Fran
cisco Xavier, o apostolo da lndia. O sepulchro do
santo é magnifico pelos materiaes e obra d'arte. É
de marmore preto e de bronze doirado, com pri
morosas esculpturas. Nas quatro faces do mauso-
leo vêem-sc representadas em baixo retevo as prin-
cipaes acções do illustre missionario da lndia. No
altar mór do templo avulta a sua imagem em es
tatua de prata macissa.
Ha um anno, ou pouco mais celebrou-se n'cste
templo com pomposa sotemnidade a exposição do
corpo de S. Francisco Xavier, assistindo o gover
nador geral dos estados da lndia, e mais autori
dades ue Nova Goa. A concorrencia do povo foi
tão extraordinaria, que a cidade de Goa parecia
resurgir alegre e ruidosa como nos tempos da sua
— 213 —
maior gloria. O producto das esmolas offerecidas a
S. Francisco Xavier no anno economico de 1860-
1861 foi de 18:000 xerafins, que correspondem a
2:880#000 réis fortes.
Das cinco parochias da cidade, iutituladas: Nos
sa Senhora do Rosario, Nossa Senhora da Luz, S.
Thomé, Santa Luzia, Santissima Trindade, e Santo
Aleixo, as duas ultimas estão destruidas.
Conserva-se a egreja da misericordia com os re
colhimentos annexos.
Eram quatorze os conventos de frades: S. Fran
cisco, de religiosos franciscanos; Bom Jesus, de je
suitas; Santo Agostinho, de eremitas; S. João de
Deus, de hospitaleiros; Santa Cruz dos Milagres,
de congregados do oratorio; S. Domingos, da or
dem dos prégadores; S. Caetano, de clerigos da
Divina. Providencia; S. Boaventura, de francisca
nos; S. Thomaz, de dominicos; S. Paulo, dos je
suitas; S. Roque, collegio da mesma ordem; Nossa
Senhora do Carmo, primeiro de carmelitas, e de
pois de jesuitas: e mais dois pertencentes aos ere
mitas de Santo Agostinho.
Os cdificios dos primeiros oito extinctos conven
tos, e as suas respectivas egrojas, conservam-se
de pé, em melhor ou peior estado. Os outros es
tão em ruinas. De freiras tinha dois: Santa Mo
nica, de agostinhas, ainda existente; e Santa The-
reza, extincto.
O palacio dos více-reis foi demolido inteiramen
te pelos annos de 1830, licando como monumento
o arco e portal da antiga muralha da cidade con
tiguo ao mesmo palacio, por ser a porta por onde
Affonso d'Alhuquerque entrou vencedor cm Goa.
Sobre o arco vêem-se as estatuas de Santa Catha-
rina, posta ali pelo conquistador, e a de D. Vasco
da Gama, levantada pelo senado da camara nos
princípios do seculo xvu. Era debaixo d'este arco
que o senado fazia a ceremonia da entrega das cha
ves da cidade ao novo governador, ou vice-rei.
O palacio dos arcebispos, o da inquisição, o do
senado, o da relação, e o da junta de fazenda; a
alfandega, o basír, o aljube, varios hospitaes e
— 214 —
capellas, e outros edificios, que davam nomeada
a Goa, e a faziam appellidar a cidade doirada, ou
desappareceram, ou estão arruinados.
O arsenal ainda subsiste, e funcciona, mas os
poucos operarios, que ali trabalham, retiram-se á
noite para as aldêas visinhas.
Ha em Goa uma fonte, umas grutas, e banhos,
veneradas como santuarios pelos indios, que ali
vão em peregrinação nos fins de Novembro, para
fazerem as suas purificações religiosas.
Finalmente esta cidade tinha milha e meia dis
tensão, quasi outro tanto de largura, e sete mi
lhas de circumferencia. Era cercada de muros, e
continha varias praças principaes, e outras meno
res; muitas ruas largas; e uma boa ponte e um
bello caes de cantaria, que se conservam.
Ainda se fazem em Goa uma grande feira an-
nual, a procissão do Corpo de Deus, a festa de
Santa Catharina, padroeira da cidade, as acclama-
ções dos reis, os actos de posse dos governadores
geraes, e outras funcções publicas. Acabadas estas
festividades, fica a cidade quasi deserta Os cone
gos e dignidades da sé residem nas aldêas proxi
mas.
Junto á cidade, sobre a margem do Mandovi,
está o arrabalde de Panelim, com uma egreja pa-
rochial, da invocação de S. Pedro. D'aqui parte
uma estrada, feita ou melhorada n'estes ultimos
annos, que liga a antiga á nova metropole, pas
sando pela magestosa ponte de Ribandar.
215 —

NOVA GOA.

A moderna capital da lndia portugueza está sen


tada em uma planicie na margem esquerda doMan-
dovi, a duas milhas da sua foz, e a legua e meia
de distancia da antiga metropole. Dista de Lisboa
em linha recta mil leguas, e pelo Cabo da Boa Es
perança duas mil quinhentas e quarenta. A cida
de de Bombaim fica-lhe em distancia de sessen
ta e cinco leguas.
Pelo que dissemos tratando de Goa, se terá co
nhecido, que a importancia da nova capital teve
começo em 1812. Até 1759, em que se effeituou
a primeira mudança da sede governativa para aqui,
Pangim não era mais que uma pequena e immun-
da aldêa, composta de mesquinhas choupanas co
bertas de colmo, com duas ruas estreitas e tortuo
sas.
Por esta occasião algumas construcções se fize
ram por ordem do governo, e algumas casas se
edificaram por conta de particulares. Porém, não
se dando então vigoroso impulso ás obras indis
pensaveis, e variando depois de accordo o gover
no de Lisboa, só em 1812 se cuidou deveras na
transferencia da capital para Pangim, dando-se
principio á construcção de alguns edificios publi
cos, posto que abarracados, e diligenciando-se at-
trahir ali a população, e sobretudo as familias
abastadas, que, retiradas da cidade de Goa, vi
viam espalhadas pelas aldéas da ilha.
Entretanto a verdadeira epoca d'esta fundação
ê a de 1827 a 1835, que foram os oito annos do
governo do ultimo vice-rei da lndia, D. Manuel de
Portugal e Castro. A este probo e intelligente fuuc-
cionario é a quem melhor quadra o epitheto de
fundador de Nova Goa.
Por sua ordem nivelou-se o terreno; seccaram-
see aterraram -se pantanos; fizeram-se encanamen
tos para as aguas estagnadas, e para as immun-
dicies; delinearam-se e abriram-se espaçosas pra
— 21G--

ças, e ruas alinhadas de oitenta palmos de largu


ra; construi ram-se alguns bons edificios publicos,
seis pontes sobre varios esteiros, c um grande e
formoso caes em muita extensão da ribeira; plan-
tou-se um passeio publico junto ao rio, onde an
teriormente tudo era lodaçal; emlim traçou-se e
executou-se o plano de uma cidade regular e bo
nita, digna da preeminencia a que já se achava
elevada.
A historia de Pangim, ou Nova Goa não offere-
ce suecesso algum importante desde essa epoca até
ao presente, a não serem varios alvorotos popula
res, e algumas invasões do terrivel flagello chole-
ra-morbus.
O primeiro d'esses alvorotos rebentou em Janei
ro de 1835, por occasião de ser chamado a Lis
boa D. Manuel de Portugal e Castro, ultimo vice-
rei, e de se instalar no governo Bernardo Peres da
Silva, com o titulo de prefeito dos estados da ín
dia. Ao cabo de dezoito dias d'administração foi
deposto tumultuariamentc este funecionario, e suc-
cedendo-se uns apoz outros os governadores pro
visorios, Nova Goa foi theatro de tristes scenas de
anarchia por longo tempo.
Em 1837 chegou ali com o cargo de governa
dor geral da lndia o barão de Sabroso; porém a
morte, não lhe deixando completar um anno do seu
governo, tambem não consentiu, que restabeleces
se a ordem em bases solidas.
O barão doCandal, que lhe suecedeu no gover
no d'aquelle estado, falleceu egualmente no pri
meiro anno depois da sua chegada á lndia. Sendo
então nomeado governador interino, atè novas or
dens de Lisboa, o capitão de fragata José Joaquim
Lopes de Lima, rompeu o povo em taes desordens
e motins, que se viu forçado aquelle official a aban
donar o governo, e refugiar-sc na cidade ingleza
de Bombaim. Todavia durante a sua administração
realisaram-se alguns melhoramentos importantes.
As coisas vieram por fim a entrar na ordem,
para o que muito concorreu o tenente general con
-217 —
de das Antas, mandado á lndia por governador ge
ral.
Lutando com graves difficuluades, que lhe pro
vinham da decadencia do nosso commercio, c do
abandono em que Portugal, ahsorvido nas lutas
civis, deixava todas as suas provincias ultramari
nas, Nova Goa foi sempre obtendo, apezar de tu
do, alguns progressivos beneficios, ]á na reforma
dos diversos ramos da administração publica, já
em alguns aformoáeamentos locaes.
Nestes ultimos annos tem visto operaiem-se me
lhoramentos importantissimos, quepromettem, cre-
mol-o firmemente, um prospero futuro á capital da
lndia portugueza.
Entre outras obras d'utilidade, que tem empre-
hendido o actual governador geral, o senhor vis
conde de Torres Novas, citaremos como as mais
proticuas em resultados, as magnificas estradas, que
atravessando as nossas comarcas da terra firme,
vão entroncar nas que os inglezes construiram no
seu territorio de Bombaim, de accordo com o dito
governador, para dar saida facil e mais economica
ao algodão dos seus districtos do interior.
São tres estas estradas. A. de Verem a Sinquerva-
le, na fronteira ingleza, é uma bem construida es
trada, que atravessa a industriosa provincia deBar-
dez, e parte da de Bixolim. Tem muitas pontes so
lida e elegantemente edificadas, sendo as mais no
taveis a de D. Estephania, a de Namora, c de Sin-
quervale. A estrada real comera erii Nova Goa, cor
ta parte das ilhas de Goa, continua do outro lado do
rio por Cortalin, Verna, Margão, Chinchenin, Con-
cnlin, Canacona, e termina na fronteira ingleza. A
estrada central de Tinem liga com a que vem de Dar-
var, um dos mais importantes districtos do algodão
das possessões inglezas; proseguc pela provincia de
Embarbaccm, e finda em Usgão na provincia de Bi
xolim.
As duas primeiras estradas communicam o terri
torio de Goa com o britanico pelo norte e pelo sul;
ea ultima pelo centro. Já vem por ellas muito al
godão embarcar em Nova Goa. Este produeto já
— 248 —
representa uma valiosa exportação para a Euro
pa. E os inglezes tratam com a maior actividade
e efficacia de dar todo o desinvolvimento possivel
á sua cultura, sobretudo depois dos acontecimen
tos da America do Norte. Portanto este producto da
industria ingleza vira em breve fazer de Nova Goa
um grande emporio dos algodões da lndia.
Terminando este quadro historico, posto que re
sumido, demasiadamente longo em relação aos li
mites iTesta obra, diremos, em prova do progresso
d'esta nossa possessão, que no anno passado, de
1860, bouve em Nova Goa uma exposição geral
dos productos da industria dos estados portugue-
zes da lndia.
Compõem-se estes estados presentemente das Ve
lhas e Novas Conquistas. Chamam-se Velhas Con
quistas ás ilhas de Goa, que são dez, ás provincias
adjacentes de Salsete e Bardez, e ás cidades de
Diu e Damão com os seus respectivos territorios;
e á ilha de Angediva.
As ilhas de Goa, e provincias adjacentes cuja
superficie é de duzentas e vinte tres leguas qua
dradas, de sessenta ao grau, constituem tres co
marcas judiciaes, que teem por cabeça Nova Goa,
e as villas de Margão na provincia de Salsete, e
Mapuça na de Bardez.
Dá-se o nome de Novas Conquistas ao territorio
cedido á coroa portugueza no seculo xvn, e ao con
quistado depois doesta cedencia.
As Novas Conquistas compõem-se de dez peque
nissimas provincias em que ha duzentas e oitenta
e uma aldêas, tendo de superticie oitocentas e trin
ta e nove leguas quadradas. Outr'ora formavam
uma divisão judicial á parte, porém hoje acham-
se encorporadas nas comarcas de Salsete e Bardez.
As cidades c praças maritimas de Diu e Damão,
situadas no antigo reino de Guzerate, são cabeças
de outras duas comarcas do mesmo nome.
O territorio da lndia portugueza é limitado ao
occidente pelo mar, e pelus outros lados cercam-
no inteiramente as possessões britanicas. A sua
superficie totul é de mil e oitenta e seis leguas
— 219 —
quadradas, com uma população de quatrocentas e
oito mil e quinhentas almas. D'estes estados, pois,
é Nova Goa capital.
N'esta qualidade é sede do governador geral da
lndia, e mais autoridades militares, administrati
vas e judiciaes, de um arcebispo primaz do orien
te, de uma relação, de um supremo tribunal de
justiça militar, de uma junta de fazanda, e de ou
tras repartições c estabelecimentos publicos que
ao diante designaremos, bem como de varios cor
pos, que fazem a sua guarnição, e formam o nu
cleo e principal força do exercito da lndia.
Conta Nova Goa quatro grandes praças, e tres
mais pequenas. São sete as suas ruas principaes,
Iodas de setenta a oitenta palmos de largura, mui
direitas, aceiadas, e guarnecidas de casas de appa-
rencia agradavel.
O passeio publico está situado á beira do Man-
dovi, em frente da barra, e dos fortes que a de
fendem. É um vasto campo orlado de arvores e
descoberto no centro para exercicios e paradas da
guarnição.
Por portaria do governador geral, barão de Sa-
broso, foi denominado este passeio — Campo de D.
Manuel, em honra e memoria do seu fundador, D.
Manuel de Portugal e Castro.
Duas bellas pontes, lançadas sobre um braço do
rio, coinmunicam a povoação com o campo de D.
Manuel. A principal em grandeza é guarnecida de
gradaria, e tem no centro duas columnas, uma de
cada lado. Na da parte direita estão as armas da
antiga cidade de Goa, taes como as descrevemos
acima, tendo por baixo a seguinte inscripção:
O senado já soe erguer ovante
Da Lusitania o timbre tão famoso;
Ora as forças reune diligente,
Aos projectos de um genio glorioso.
Anno de 1832.
Na columna da parte esquerda vo-se a estatua
de Minerva, assentada na base da columna, com
— 220 —
a egide aos pés, e sustentando na mão esquerda o
brasão d'armas dos marquezes de Valença, que era
tambem o do vicc-rei D. Manuel de Portugal e Cas
tro, irmão do ultimo marquez d'aquello titulo.
Corresponde-lhe a lettra que segue:

Este escudo, que vós, ó caminhante,


A gloria sustentou d'alta Lisboa,
E anteposto se mostra á forte egide
No grão restaurador da Nova Goa.
Anno de 1829.

O palacio dos governadores geraes é na antiga


fortaleza de Pangiin, fundada por Itidal-Khan, e
reconstruida em 1615 pelo vice-rei D. Jeronymo
d'Azevedo. O palacio foi reedificado e augmeutado
em 1759 pelo vice-rei conde da Ega. A sua gran
de sala do docel, e outras immediatas, são ador
nadas com os retratos de todos os vice-reis e go
vernadores da lndia, pintados a oleo. em corpo in
teiro. Estes quadros, posto que lhes falte mereci
mento artistico, são muito apreciaveis peio inte
resse archeologico, pois que sendo contemporaneos
dos personagens que representam, mostram com fi
delidade os trajos usados em uma longa e brilhan
te epoca da nossa historia. Estes quadros foram
trazidos para aqui do palacio de Goa, onde estive
ram até á mudança dos vice-reis.
Defronte d'aquelte palacio, em uma pequena pra
ça irregular, está o edificio da junta da fuzenda,
obra de D. Manuel de Portugal. Acham-se n'elle,
além d'esta, as seguintes repartições: contadoria,
thesouro, deposito pubtico, casa do sello, correio,
e a aula de primeiras tettras.
A nova alfandega, com um exccllente caes, é um
bom edificio, tambem fundação do mesmo vice-rei.
Anteriormente estava n'um barracão tão pequeno,
que era necessario arrendar alguns armazens nas
visinhanças.
O novo quartel militar é o maior c melhor de
todos os edificios publicos de Goa. Tem quatro
frentes exteriores, . e outras tantas que guarnecem
— 221—=
um grande pateo ou praça que fica no centro.
Uma inscripção, collocada sobre a poria principal
do lado de leste, commemora o nome do referido
vrce-rei, como fundador, c o anno de 1832, em
que se realisou a fundação. Accommodam-se n'es-
te vasto edificio dois batalhões de infanteria, a
guarda do governo, a academia militar e de mari
nha; a bibliotheca publica; a junta e cofre do far
damento do exercito; os tribunaes da relação, e de
supremo conselho de justiça militar; e um thea-
tro.
Os outros edificios publicos são: a casa da moe
da; a cadêa, ambas erigidas por D. Manuel de Por
tugal e Castro; a casa da camara municipal; e a
casa da camara agraria das ilhas de Goa, edificada
em 183I.
A ponte de Pangim, que dá communicação de
Nova Goa para Ribandar, Panelim, e cidade de Goa,
é a mais grandiosa obra d'estc genero, que os por-
tuguezes construiram na lndia. Está lançada sobre
terreno inundado, por onde nas enchentes do rio
entra a agua para as salinas. Tem de extensão qua
tro mil quatrocentos e quarenta e oito covados, o
que faz perto de tres kilometros, e corre sobre
quarenta c quatro arcos, que variam na altura. Os
maiores teem de elevação uns dezenove palmos, e
de largura pouco mais de vinte e quatro.
Foi mandada fazer esta ponte pelo vice-rei D.
Miguel de Noronha, conde de Linhares. Começou-
se em 1633 e acabou-se no anno seguinte. Disto
faz memoria uma inscripção, que está gravada so
bre um dos arcos.
As despezas d'esta obra sairam do tributo de um
por cento, lançado sobre os generos despachados
na alfandega. Em 1699, em 1771, e 1832 teve
esta ponte consideraveis reparos.
Nova Goa apenas tem duas fontes de optima agua;
uma no bairro das Fontainhas, antiga, e outra de
vida ao zelo de D. Manuel de Portugal. Porém a
maior parto da povoação abastece-se da agua de
poços.
Òs estabelecimentos de instrucção publica são:
— 222 —
escola medico-cirurgica, com seis cadeiras; a escola
mathematica e militar de Goa, antiga academia mi
litar e de marinha, com sete cadeiras; escolas de
historia, e geographia, das linguas franceza, ingle
sa, e marata; varias escolas de instrucção prima
ria, em que entram algumas nos corpos militares,
e nas fortalezas; e a bibliotheca publica.
A guarnição de Nova Goa consta dos seguintes
corpos: um regimento aVartilharia, com seiscentas
e cincoenta e tres praças; dois batalhões d'infante-
ria, com mil duzentas e setenta e oito praças;
dois batalhões de caçadores, com novecentas e cin
coenta praças; guarda municipal com cento e cin
coenta e nove praças; a guarda do governo geral
com oitenta praças; doze soldados do corpo d en
genheiros; e quatro companhias de veteranos com
quatrocentas praças, fazendo uma somma total de
tres mil quinhentos e trinta e dois homens. Des-
ta força conservam-se licenceadas quatrocentas pra
ças, e saem destacamentos para guarnecer as for
talezas, e mesmo corpos inteiros para o conlinente.
Publica-se em Nova Goa um jornal official, in
titulado Boletim do Governo, para o que ha uma
imprensa nacional.
Além dos estabelecimentos já referidos ha mais
o archivo militar, e o monte-pio do exercito da ln
dia. A fabrica da polvora, e o hospital militar
acham-se em Panelim, arrabalde da cidade de Goa,
en'esta conserva-se, como fica dito, o hospital dos
pobres, administrado pela confraria da misericor
dia. Os gentios teem em Nova Goa um pagode. Os
musulmanos só nas provincias do continente teem
mesquitas.
O porto de Nova Goa ê formado por duas pon
tas de terra das províncias de Salsete c Bardez, e
pela união dos rios Mandovi eZuarim, que ahi se
lançam no mar, depois de terem cercado e separa
do do continente a ilha de Goa. A extremidade d'es-
ta ilha, do lado de oeste, chamada Morro do Ca
bo entrando no oceano índico, separa as barras da
Agoada e de Murmngão. A primeira fica para o
norte, entre a iiha de Goa c a provincia de Bar
— 223 —
dez, onde está a praça e fortaleza d'Agoada; e a
segunda para o sul, junto da provincia de Salse-
te, onde se acha a fortaleza de Murmugão. Estas
duas barras são defendidas por mais outros fortes
situados nas margens dos rios Mandovi e Zuarim.
A. barra e bahia da Agoada é o porto princi
pal. É amplo, e seguro durante o verão; porém no
inverno offerece não poucos perigos. Pode ser en
trado facilmente de dia ou de noite, indo lançar
ferro os navios em logar onde não leem menos de
cinco braças de fundo.
A fortaleza da Agoada ergue-se na foz do Man
dovi sobre elevado monte, em partes formado de
rochedos inaccessiveis, e cingido de muros, com
um grande fosso cheio d'agua, que o não cerca in
teiramente. Ha n'esta fortaleza um pharol de rota
ção, e uma magnifica cisterna, de que se não faz
uso, por ter na raiz do monte, que lhe serve de
base, uma nascente copiosa de boa agua. Foi fun
dada esta fortaleza em 1612, sendo vice-rei da ln
dia Rui Lourenço de Tavora.
Junto d'esta praça está a povoação de Sinque-
rim com perto de oitocentas almas, e uma egreja
parochial. N'esta aldéa está o quartel do regimen
to d'artilheria. Na praia contigua á povoação ha
uma abundante fonte, oude os navios costumam fa
zer aguada. Foi isto o que deu o nome á bahia e
á fortaleza.
A barra de Murmugão é pouco frequentada de
navios por causa dos bancos d'arêaedos escolhos,
que ha no rio Zuarim.
A fortaleza de Murmugão, que defende esta bar
ra , é uma praça de guerra importantissima. Cir-
cunda-a um largo fosso, que recebendo as aguas
do mar, a faz uma perfeita ilha na maré cheia.
Tem muitos e bem construidos balvartes; uma
vasta cisterna, com uma escada de cento e cin
coenta e dois degraus, e varies fontes de excellen
te agua.
Foi fundada em 1624, sendo vice-rei, pela
gunda vez, D. Francisco da Gama, qua"
da Vidigueira. Noanno de 168l ordenoi
— 224 —
Pedrou a Francisco de Tavora, primeiro conde d'AN
vor, e então vice-rei da lndia, que fuifdassc «ma
cidade junto d'esta fortaleza, mandando applicar
para isto 20:000 xerafins por anno. Era a inten
ção mudar para ali a capital. Tendo-se chegado
a construir o palacio para os governadores, alfan
dega, hospital, casa da relação, e outros edificios
publicos, mandou-sc suspendera obra. Como nun
ca mais progrediu, todas estas construcções cahi-
ram em minas, algumas das quaes ainda ali se
veem.
A insalubridade do sitio, devida aos fossos lo
dosos da fortaleza, c a um pantano visinho, foi a
causa não só de se levantar mão da obra, mas até
de se ir descurando a conservação da fortaleza,
que hoje se acha com grandes estragos do tempo.
Ao presente tem pouca artilheria, e pequenissima
guarnição.
Aquelle porto, pois, outr'ora tão frequentado de
navios mercantes, e defendido por uma boa esqua
dra, que conslituia a marinha de guerra dos esta
dos da lndia, a qual no seculo passado ainda cons
tava de sete fragatas, alem de outros vasos meno
res, chegou a estar quasi abandonado. Presente
mente tem mais animação, e o seu movimento que
em 1840 foi de setecentas e quarenta e duas em
barcações entradas, costeiras e dalto mar, augmen-
ta d'anno para anuo, como se poderá julgar á vis
ta do mappa comparativo dos rendimentos do esta
do da lndia. Vê-se d'esse mappa, que a receita ge
ral doestado, que até ha poucos nnnos regulava,
termo medio, por 240:000^000 réis fortes, subiu
no anno economico de 1800-1861 a 314:056/5(800
réis fortes.
Quanto á marinha de guerra, pode dizer-sc que
é hoje quasi nulla; pois que apenas se compõe de
algumas canhoneiras e pequenas embarcações, e de
uma velha corveta.
A industria manufactora acha-se em grande atra
so n'esta cidade, não porque os que a exercem ca
reçam de habilidade e paciencia, que certamente
as teem de sobra, mas sim pela falta essencialis
— 223 —
sima do instrumentos apropriados, Esta indus
tria está por conseguinte limitada a algumas pe
quenas artes e oflicios mechanicos, nos quaes os
operarios são maus inventores, mas excellentes imi
tadores. Fabricam-se alguns tecidos de algodão
apenas para o consumo da terra, excepto os zuar
tes, que se exportam para Moçambique. Ha varias
tinturarias, e manufacturas de rendas de algodão.
Tambem se fazem cabos c amarras de cairo.
A industria agricola tem tido algum desinvolvi-
mento. Os seus principaes artigos são, arroz, e os
variados produetos, que se tiram dos coqueiros e
das arequeiras.
O frueto do coqueiro serve para comer, no seu
estado natural, para fazer doce, e juntamente com
a agua que encerra, para differentes usos culina
rios. Da casca do coco tiram o cairo com que fa
bricam cordas, amarras, e cabos para os navios.
Extrahem bom azeite, não só para luzes, mas tam
bém para a comida, do coco secco, a que dão o
nome de cópra. Da parte interior do coco, partido
em duas metades, fazem cuias, de que usam os
pobres como de tigelas. Do entre casco do coqueiro
tiram uma lenha, chamada chareta, que reduzem
a carvão, usado pelos ourives e fundidores. Dos
cocos muito bem pizados tica um residuo excel-
lente para sustento de porcos, e de outros gados.
Das folhas do coqueiro fazem umas esteiras, a que
chamam olas, com que costumam formar tapumes,
e cobrir barracas, empregando tambem as mesmas
folhas separadas, como nós o colmo, para a cober
tura das choupanas. No talo da folha, junto ao
tronco da arvore, eria-se uma planta parasita, es
pecie de musgo, de que fazem isca. Empregam as
ditas folhas na fabricação de vassouras, pinceis, e
outros artefactos, e ainda tiram d'e!las uns fila
mentos de que fazem guita. Da raiz do coqueiro
fazem baldes, e o tronco, cuja madeira e quasi tão
rija como o ferro, serve para construcção de casas,
e para fazer os grandes pregos, que de ordinario
empregam nas mesmas.
Além de todos estes produetos ainda se obteem
VOL. iii. 15
— 226 —

da mesma arvore os seguintes : a sura, ajagra, o


vinho ou aguardente, $ o vinagre. A sura é uni li
quido, que se extrahe do cacho do coqueiro, e da
qual se faz assucar, denominado jagra, de que
usam principalmente para a fabricação de doces.
A sura produz aguardente por distillação, e lhe
chamam urraca, e quando é da mais fina e gra
duada dão-lhe o nome de fenim. Da sura fermen
tada tiram o vinagre.
Não ha vegetal de que a industria colha mais
interessantes e variados productos. Sendo pois uma
das culturas mais apreciadas na lndia, tanto nas
ilhas de Goa, como nas nossas provincias da terra
firme, abundam os palmares, ou bosques de coquei
ros. Estes, e os de arecas, outras bellas e produ-
ctivas palmeiras, constituem os principaes arvo
redos da ilha de Goa, e dão uma physionomia
graciosa aos arrabaldes da capital.
As outras producções agricolas d'aquellas ilhas,
e provincias do continente são : a pimenta, café,
algodão, canella, tabaco, anil, linho canhamo, can-
na de assucar, amphião, sumauma, batatas, inhame,
c muita variedade de legumes, hortaliças, e fru
tas. D'estas ultimas mencionaremos por sua ex-
cellencia os ananazes, bananas, mangas, cajus,
melancias e melões, morangos, laranjas, tangeri
nas, figos, fruta do conde, papaias, matombas,
fruta de Adão, cidras, e alguma uva. De tudo isto
se exporta para Bombaim.
A ilha de Goa tambem recolhe bastante sal.
Nos bosques e matos abundam os pavões, galli-
nhas, rolas, pombos verdes, codornizes, perdizes,
c outras aves. Nas lagoas c rios encontram-se mui
tos patos, garças, gatlinholas, galleirões, e mais va
riedades de caça.
A pesca não é ramo muito productivo, ainda
que o podia ser, attenta a grande quantidade das
ostras, que criam as perolas, que ha na foz dos
rios de Goa. Porém esta pesca é prohibida, ou
pelo menos cra-o ainda ha pouco tempo.
Nova Goa contém uns onze mil habitantes. O
seu clima é saudavel, c parecido com o de Lisboa.
— 227 —
Tem uma feira annual, que principia no dia 3 de
abril.
O seu brasão d'armas é como vae descripto a
paginas 211. O primeiro brasão d'armas da anti
ga metropole da lndia portugueza era em campo
vermelho uma torre de prata, com sua porta,
tendo sobre as ameias a roda do martyrio de
Santa Catharina, coroada pela mitra primacial do
oriente.
\ cidade de mm.
Nas costas da China, c no golpho onde se lança
o rio Tigre, surge do seio do mar oma ilha mon
tanhosa, chamada pelos chins Negao-Men. Tem
dez leguas de comprimento. Na extremidade orien
tal d'esta ilha está edificada a cidade de Macau.
A historia d'esta nossa possessão c tão honrosa
para Portugal, que a adquiriu, como para o impe
rio da China, que lhe cedeu esse territorio. Da
parte dos portuguezes significa um serviço impor
tante de leaes amigos prestado á China em occa-
sião de apuro. Da parte dos chins representa um
acto de gratidão nacional por esse serviço.
Na primeira metade do seculo xvi, estando re
centes as nossas primeiras relações com o celeste
imperio, foram as costas d'este paiz infestadas por
piratas, que commettendo roubos e horriveis car
nificinas, espalhavam o terror por todos os ma
res e portos do imperio. O numero c a audacia
dos piratas zombaram do poder do imperador
Khang-Hi, tornando-lhe inuteis todos os seus es
forços. O mal cresceu a ponto, que ameaçou aca
bar inteiramente com o commercio maritimo da
China.
Foi n'estas criticas circunstancias, que os por
tuguezes se resolveram a perseguir os piratas ; e
com tal denodo o fizeram, que em pouco tempo
os aniquilaram completamente.
Em recompensa d'este immenso serviço conce-
deu-lhes o imperador Khang-Hi uma porção de
territorio na ilha Negao-Men para ahi estabelece
rem uma feitoria. Era isto o que os portuguezes
muito desejavam, e em vão tinham solicitado, não
tendo obtido até então mais que a permissão de
negociarem c residirem nos portos chinezes de
Liampo, Chincheo, e Lampacão.
N'esta concessão, porém, não se esqueceram os
chiuá da sua proverbial nstucia e desconfiança, rc-
— 229 —
guiando as coisas de modo que osportuguczes não
podessem para o faturo estender o seu dominio
além dos terrenos concedidos.
Designando-lhes para a sua feitoria uma estreita
orla de terra na ilha de Negao-Men, deram-lhesum
ponto de importancia para um estabetecimento
commercial pela situação geographica da ilha, col-
locada na desembocadura de um dos maiores e
mais importantes rios do imperio, e no qual está
a cidade de Cantão, que era e foi por muito tempo
a unica porta da China para o commercio mari
timo com a Europa. Separando aquella orla de
terra do resto da ilha com uma alta muralha do
pedra, prohibindo aos portuguezes com graves pe
nas a passagem d'essa linha divisoria, e vigiando
com numerosas forças e olhos d'Argos o cumpri
mento d'essa prohibição, precaveram-se contra
quaesquer projectos de futuras invasões.
Se este presente nos fora dado hoje, ficaria,
talvez, para sempre o cjue primitivamente era,
uma estreita lingua de terra, meia eriçada de ro
chedos, meia coberta de areias. Porém n'aquella
epoca era tal o esforço dos portuguezes, tão firme,
tão energica e perseverante a sua vontade, que
apezar de todos os estorvos e difficuldades conse
guiram transformar os inhospitos rochedos e este
ril praia em uma cidade bella, populosa, e rica.
Em breves annos se estendeu pela praia longa
fiteira de casas e armazens de agradavel aspecto,
sobresaindo alguns formosos edificios publicos; e
fez-se rosto ao mar com um extenso caes de can
taria. Coroaram-se os montes sobranceiros com al
guns conventos c fortes. Arborisaram-se as encos
tas, e plantaram-se hortas e jardins em derredor
da povoação. D'est'arte ao aceno do genio portu-
guez se ergueu quasi de improviso d'entre rochas
e areias a cidade do Santo Nome de Deus de Ma
cau, que teve começo pelos annos de 4 557.
Como fosse um estabelecimento puramente com
mercial, no seu principio era governado á von
tade dos moradores, que escolhiam d'entre si um
chefe com o titulo de capitão mor.
— 230 —
Sendo elevada a nascente povoação á cathegoria
de cidade no anno de 1583 ou 85, foi então crea-
do o senado da camara, que ficou regendo a colo
nia, subjeito ao governo da lndia.
As frotas de Lisboa, de Goa, e de Malaca, e as
relações commerciaes com a China, fizeram rapi
damente populosa e florescente a cidade de Macau.
Cresceu e durou esta prosperidade em quanto
Portugal se conservou independente e respeitado
na Europa, e poderoso e influente na Asia. Mas
logo que immerecido infortunio lhe fez dobrar a
cerviz ao jugo deCastella, derrocou-se instantanea
mente o imperio portuguez asiatico.
Despojado do predominio dos mares, em breve
perdeu a sua supremacia na lndia. Os inglezes e
hollandezes, desaffrontados de tão terrivel compe
tidor, apresentaram-se potentes n'aquellas regiões,
onde o ciume dos portuguezes os havia já comba
tido, e d'onde tinha conseguido expulsal-os. A ci
dade de Cantão abriu emfim as suas portas aos no
vos hospedes. O commercio da China mudou de
rumo, e Macau foi caindo em progressivo abati
mento.
Varias tentativas feitas pelos hollandezes para
se apoderarem da cidade fizeram conhecer a neces
sidade de se estabelecer n'ella um governo militar.
Foi então enviado de Goa para a defender D. Fran
cisco Carrasco; ao qual sesuecedeu D. Francisco
Mascarenhas, o primeiro que para ali foi com o
cargo de governador e capitão general.
Em junho de 1622 surgiu em frente de Macau
uma esquadra hollandeza de quinze naus, disposta
a tentar um desembarque contra a cidade, e no dia
20 lançou em terra oitocentos homens bem ar
mados. A guarnição da cidade constava apenas de
duzentos soldados, mas houve-se com tal bravura,
que o ataque foi victoriosamente repellido, e o
inimigo mal pode recolher ás naus uns duzentos
homens, deixando o resto morto no campo, ou pri
sioneiro de guerra.
Esta grande victoria foi causa, sem duvida, de
que ficassem escarmentados os que nos cubicavam
— 231 —
aquclla colonia. O que é certo é que não tornou
a ser aíTrontada pelo inimigo.
D'este ataque veiu-nos comtudo um proveito.
O governo chim, vendo o perigo, que a cidade cor
reu, e considerando nos inconvenientes, que po
diam resultar para o imperio se os hollandezes
conseguissem apossar-se de Macau, consentiu em
que se fortifícasse a cidade. D'ahi datam pois
as primeiras obras de defensa. Porém a sua deca
dencia foi por diante,- c comella lhe sobreveiu um
novo opprobrio e vexação, o poder dos mandarins
estabelecido em Macau.
Os fundadores de Macau tinham sabido crear
pela sua actividade e energia uma situação pros
pera para a colonia. Mas os seus descendentes,
amollecidos pelo clima e pelos gozos da riqueza,
foram trocando os habitos activos da Europa pela
indolencia e apathia das raças asiaticas. Achando
nos chins bons operarios, habeis corretores, e
caixeiros intelligentes, foram pouco a pouco des-
cançando n'elles, encarregando-os de quasi tudo
quanto era trabalho. A remuneração liberal d'esses
serviços foi attrahindo á cidade, primeiramente a
classe laboriosa da parte chineza da ilha, e mes
mo do continente; depois innumeraveis vadios e
malfeitores.
D'este modo a população chineza de Macau em
pouco tempo excedeu muito a portugueza. Em
quanto o nosso pavilhão fluetuou triumphante no
oriente; em quanto Portugal se lez respeitar em
suas possessões ultramarinas por meio das tropas
regulares, que lhes enviava, e n'ellas mantinha,
houve socego em Macau. Os ricos mandavam á
sua vontade. Os operarios trabalhavam satisfeitos,
mas com subjeição. Os proletarios faziam o menor
mal possivel, porque temiam a espada da justiça.
Porém logo que a decadencia da mãe patria se
fez sentir nas colonias, desataram-se todos aquel-
les laços, e rebentaram na cidade graves desor
dens entre os chins c os portuguezes. O mais leve
pretexto servia de signal de revolta, que ao prin
cipio era reprimida a custo, e depois, pela conti
— 232 —
nuação de taes actos, dasconceituada e sem força
a autoridade, crescia e rompia em todo o genero
de excessos c violencias. N'estas crises as pessoas
abastadas e principaes da terra viam-se obrigadas
a refugiar- se nos fortes para salvarem a vida, dei
xando as suas casas e estabelecimentos entregues
á pilhagem.
Foi no meio dos progressos d'este flagello, que
as autoridades e população portuguezas de Macau
invocaram o auxilio das autoridades chinezas con
tra os chins rebellados. Assim se estabeleceram
n'aqueila cidade a intervenção, e mais tarde a in
fluencia e supremacia dos mandarins.
Tão longe foi o abuso d'esta intervenção, que a
cidade de Macau ficou portugueza apenas no nome,
e n'um simulacro de autoridades nacionaes. Não
se fazia ali coisa alguma sem a annuencia dos man
darins. A seu bel prazer lançavam e cobravam tri
butos ; concediam ou negavam licença para se edi
ficar ou reconstruir qualquer casa ; fechavam o
porto, quando lhes parecia; e obrigavam o gover
nador da cidade a expulsar d'ella os estrangeiros
com quem estavam em guerra, comosuecedeu com
os inglezes em agosto de 1839, logo que começou
a luta da ínglaterra com a China por causa da
questão do opio.
Este estado precario e humilhante melhorou con
sideravelmente depois d'aquella guerra. Os chins,
em parte pelo abatimento moral em que os dei
xaram os triumphos dos inglezes, e as arduas con
dições da paz, em parte por benevolencia com os
visinhos, que nunca os incommodaram, presta-
ram-se a fazer varias concessões exigidas pelos go
vernadores de Macau.
Para tratar d'este negocio veiu á cidade um
mandarim enviado pelo alio commissario de Can
tão, o celebre Lyn. Ajustou-se, pois, e levou-se a
effeito um tratado pelo qual augmentaram as im-
munidades de Macau, e se coarctaram as inter
venções chinezas.
O commercio d'esta nossa possessão, que tivera
um grande desinvolvimento durante a luta da ín
— 233 —
glaterra com a China, caiu na maior prostração
assim que pelas condições do tratado de paz fo
ram abertos cinco portos d'este imperio ao com-
mercio de todas as naçScs. Para obviar a este mal
foram tomadas varias providencias, sendo a mais
importante a que declarou porto franco a cidade
de Macau.
A nomeação e chegada a Macau do novo gover
nador Ferreira do Amaral, no anno de 1844, as-
signalaram o começo de uma nova epoca para esta
cidade. As importantes reformas, que concebeu, e
poz em pratica, c a posição resoluta e energica
que tomou em presença dos chins, acabaram de
emancipar a colonia da vergonhosa tutela das au
toridades chinezas.
Principiando por collocar o porto militar de
Macau em um pe respeitavel, acabou com os im
postos lançados cm proveito do governo chinez, o
despojou as suas autoridades da influencia e ju-
risdícção, que exerciam na cidade. Estas medidas
excitaram grande agitação, c longa resistencia da
parte dos chins. Porém a coragem e perseverança
do governador venceram todas as dificuldades,
consolidando as reformas, e tranquillisando a po
voação.
Por infelicidade, quando esta nossa possessão
assim se ia levantando do extraordinario abati
mento moral a que chegou ; quando começava a
restaurar-se economicamente por effeito da fran
quia do seu porto, e de outras providencias illus-
tradas ; sobrevieram dois attentados, um apoz ou
tro, que encheram a cidade de consternação, ex-
pondo-a a perder todos esses beneficios tão custo
samente adquiridos.
O primeiro d'aquelles attentados foi a violação
flagrante e escandalosa do seu territorio, e o me
noscabo da autoridade por parte da guarnição de
uma fragata ingleza, que se achava surta no porto,
e que desembarcando armada accommetteu a ca-
déa publica, e á viva força tirou d'ella, e levou
para bordo um seu patricio e companheiro, que
fora preso por se nSo querer descobrir, sendo
— 234 —
advertido, diante do Santissimo Sacramento na
occasião de passar a procissão do Corpo de Deus.
Succedeu este escandalo em 1849. No mesmo
anno aconteceu o segundo attentado, que se se
guiu de perto ao primeiro, e que foi, talvez, um
triste resultado d'este.
No dia 22 de Agosto, tendo saido a passeio,
a cavallo, o governador Amaral, foi barbara
mente assassinado por alguns chins junto á por
ta da muralha, que separa o territorio portu-
guez do da China, e na presença de um posto mi
litar <Testa ultima nação. Este fado augmentou de
gravidade pelos justos motivos que houve para se
suppor, que as proprias autoridades de Cantão não
eram estranhas á perpetração de similhante crime.
Viu-se então a cidade exposta a grandes peri
gos. A população chineza, que é a principal, as
sumiu um aspecto ameaçador; e a portugueza,
incomparavelmente menor, possuiu-se de um ter
ror panico desmedido. Todavia, graças ao estado
de defensa em que o fallecido governador deixara
a cidade, e á disciplina que introduzira na tropa ;
e graças tambem ao apoio prestado por alguns
navios de guerra britanicos ali estacionados, li-
vrou-se Macau da anarchia e da invasão chineza.
que lhes estiveram propinquas nos primeiros dias,
que se seguiram áquella catastrophe. Depois acu
diram ali embarcações de guerra e tropas regula
res enviadas de Goa, com que ficaram asseguradas
a paz c tranquitlidade da colonia.
O novo governador, tendo a cidade bem guar
necida de tropa, e defendida, além da artitharia
dos fortes, por uma fragata e duas corvetas de
guerra portuguezas, exigiu das autoridades chine-
zas de Cantão uma reparação do insulto por meio
da entrega dos criminosos. Ao cabo de muitas de
longas, e tergiversações do mandarim de Cantão,
foi-nos dada uma satisfação, senão compteta, com-
tudo acceitavel. Os criminosos, ou pelo menos uns
miseraveis indigitados pelo mandarim como auto
res do delicio, foram justiçados na cidade de
Cantão.
— 235 —
Posteriormente restabeleceu-se a boa harmonia
entre os governos chinez e portuguez, c do mesmo
modo entre os subditos das duas nações residen
tes em-Macau.
As guerras em que a Grã-Bretanha e a França,
entraram como alliadas contra a China nos annos
de 1854 e 1860, serviram de tornar mais firme
aquella harmonia, e de proporcionar a Portugal,
em virtude de um recente tratado, eguaes favores
aos que o celeste imperio concedeu obrigado pelas
armas aos francezes e inglezes.
O movimento commercial, que houve em Macau
durante aquellas duas guerras, posto que transito
rio, benefico e importante em resultados ; e além
d'isso aquelles favores concedidos, e uma melhor
administração economica na colonia, tcem melho
rado muito a sorte de Macau, e promettem-lhe
um futuro prospero.
A cidade de Macau tem por brasão as armas
reaes em escudo de prata, c em volta o seguinte
lettreiro : Cidade do nome de Deus, não ha outra
mais teal.
A ctymologia do nome de Macau vem de duas
palavras chinezas, Ama e Cau. A primeira desi
gna o idolo de um pagode, que ali havia desde
tempos remotos. A segunda quer dizer porto. Co
meçando os portuguezes a chamar ao sitio Amacau
logo que ahi se estabeleceram, deram depois á ci
dade com pouca differença o mesmo nome.
CompÕe-se a administração de Macau de um go
vernador nomeado de tres em três annos, e que
actualmente é o senhor conselheiro Francisco Izi-
doro Guimarães, capitão de fragata ; c de um con
selho de governo, presidido pelo governador, e do
qual são membros o juiz de direito, o official mi
litar de maior patente, o escrivão de fazenda, o
presidente da camara e o procurador da cidade.
O governo de Macau é subordinado ao governa
dor geral da lndia, mas tem por subalternos os
governos de Solor e Timor.
A repartição da justiça consta de uma junta de
justiça, que tem por presidente o governador, e
— 230-^
por vogaes o juiz de direito, o commandante do
batalhão de artilharia, o presidente da camara, os
dois juizes ordinarios, e o procurador da cidade.
O juizo de direito é formado pelo juiz de direito,
juiz substituto, e delegado do procurador da co
roa e da fazenda. A instancia superior é a relação
de Goa.
Ha mais na cidade uma junta de fazenda, a re
partição de saude publica com um cirurgião-mór,
e um capitão do porto. A camara municipal goza
seu antigo titulo de leal senado de Macau.
A guarnição da cidade consta de um batalhão
de artilharia, e de outro batalhão de infanteria.
Macau está situada a vinte e dois graus e treze
minutos de latitude norte, e a cento e treze graus e
trinta e dois minutos de longitude êste. Dista cin-
coenta milhas, pouco mais ou menos, da foz do
rio Tigre, umas oitenta da cidade de Cantão, e
quarenta da ilha de Hong-Kong, onde os inglezes
teem um importante estabelecimento. A sua dis
tancia de Lisboa em linha recta é de ilOO leguas,
c pelo Cabo da Boa Esperança 3200.
O aspecto da cidade, visto do porto, è mui for
moso e pittoresco. Está edificada em amphitheatro
sobre uma extensa bahia. Parte d'ella, sentada á
beira do mar, ostenta uma longa fileira de casas
construidas ao uso da Europa, resplandecentes de
alvura, e algumas com seus adornos architectoni-
cos. Outra parte eleva-se sobre uma collina pe
dregosa, mediando entre ambas os palmares e
mais arvores dos quintaes c jardins. Finalmente
coroam-se os montes sobranceiros á cidade com
fortalezas, conventos, e templos, que contrastam
com as negras rochas graniticas, que lhes servem
de base.
Os trajos variados, e na maior parte de cores
garridas, da população chineza, que percorre as
ruas e anima os caes ; a diversidade de embarca
ções, que estanceam no porto, muitas de formas
singulares c exquisitas, empavesadas de flamulas
e bandeiras multicores ; e emfim os resplendores
do sol, e a pureza da atmosphera em dias claros,
— li
dando brilho e realce a tudo isfo, completam um
quadro, que surprehende e encanta os viajantes.
A bahia, posto que não offereça ancoradoiro per
feitamente seguro, pelo menos em certas epocas
do anno, é ampla, e quasi que fechada pelos ca
bos escarpados das montanhosas ilhas Lantow e
Lintin.
O porto propriamente dito é muito abrigado;
porém é tão pequeno que pouco mais poderá accom-
modar de vinte embarcações, e apenas tem duas
braças e meia de profundidade á entrada. Porém
a ires milhas da cidade para o lado do sul ha um
bom ancoradoiro chamado da Taipa, ouTypa, que
fica entra duas pequenas ilhas, e no qual podem
surgir e estacionar com segurança quaesquer na
vios de gnnde porte.
É importante o commercio de cabotagem, que
se faz de um lado até Chan-gai, e do outro até ao
golpho de Sião e ás Molucas, em cuja navegação
se empregam alguns barcos movidos a vapor, juucos,
e lorchas. Estas ultimas occupam-se em Macau,
ás vezes^ quando andam piratas na costa, a com-
boyar os juncos, e n'esse caso são commandadas
por portugueses, esquipadas por chins, e arma-
das-com uma ou mais peças de artilharia. Segundo
um documento official, possuia o porto de Macau
em 1859 tres vapores, cinco navios de alto bordo
armados ao uso da Europa, e trinta e cinco lor
chas, ao todo quarenta e tres embarcações com
3360 toneladas.
Entre Macau, Cantão, e Hong-Kong, onde che
gam as malas da Europa, ha carreiras regulares
feita por barcos a vapor, que fazem a viagem em
cinco horas, ou- por lorchas, e outros barcos chi-
nezes chamados Fast-boats.
Defendem a bahia e o porto tres fortes, o prin
cipal é denominado S. Thiago da Barra. E' guar
necido com trinta canhões. Tem uma fonte com
boa nascente, eaccommoda trezentos soldados. Para
o lado de terra, mas dominando egualmcnte o mar,
defendem a cidade outras tres fortatezas. A mais
importante c a de S. Paulo do Monte. Tem asses-
— 238 —
tadas quarenta peças de artilharia, e encerra qua
tro fontes de agua nativa, uma cisterna, casa
matas e quarteis para mit soldados.
Divide-se a cidade em duas partes distinctas;
uma habitada pelos portuguezes e estrangeiros eu
ropeus; a outra em que reside a povoação chineza.
Esta é a continuação d'aquella para o lado de no
roeste.
São tres as parochias : a Se, que é a mais po
pulosa, S. Lourenço, e Santo Antonio. A cathedral
é um bom templo, porém de architectura pesada.
Foi fundada por D. Belchior Carneiro, jesuita, no
meado bispo do Japão pelo papa Pio v, e fallecido
em Macau no anno de 1583. O bispado de Macau
foi erecto a instancias d'el-rei D. Sebastião pelo
summo pontifice Gregorio xm, por bulia de 10
de fevereiro de 1575, e foi D. Belchior o seu pri
meiro prelado.
Os outros edificios religiosos são : a casa da mi
sericordia, com um recolhimento annexo de don-
zetlas pobres ; o convento de Santa Clara, de frei
ras franciscanas ; duas ermidas, sendo um* da in
vocação de Nossa Senhora da Penha, outr'ora for
taleza, e situada em logar alto entre dois fortes;
e os edificios dos extinctos conventos de S. Domin
gos, que pertenceu á ordem dos prégadores, de
Santo Agostinho, que foi de eremitas do dito san
to, e de S. Francisco, que era de frades francis
canos.
Os jesuitas tiveram tambem ali um sumptuoso
coltegio da invocação de S. Paulo, edificado no
anno de 1662 no mesmo sitio, onde tinham um
hospicio formado em 156b, e incendiado annos de
pois. Pela extincção da companhia de Jesus ficou
pertencendo o edificio do collegio de S. Paulo ao
senado de Macau. Em 26 de janeiro de 1834,
servindo então de quartel de tropa, foi destruido
por um violento incendio. No recinto da incen
diada egreja estabeleceu-se posteriormente o cemi
terio publico.
Além d'estes os principaes edificios são: o pata
cio do governador, na Praia Grande, em frente de

"
— 239 —
um bello caes ; a alfandega ; a casa do senado ; a
casa da companhia ingteza das índias Orientaes ;
o paço episcopal ; c dois pagodes chinezes.
A casa da companhia das lndias está edificada
sobre o caes. E um rico palacio coroado de balaus
trada, sendo o corpo centrat ornado de quatro co-
lumnas, e um frontão.
O paço episcopal oceupa o convento de Nossa
Senhora da Guia, situado dentro da fortaleza do
mesmo nome, que se ergue sobre uma montanha
alcantilada, dominando a cidade e a bahia. Go-
za-se d'ali um panorama admiravel, e a seu turno
o paço acastellado dá realce á perspectiva de Macau.
Ha em Macau quatro pagodes principaes, dois
nas aldêas de Moha e Patane, outro no caminho
que vae de Patane para a porta do Cêrco, e o
quarto proximo da fortaleza deS. Thiago da Barra.
Os dois ultimos são os melhores, e sobretodos o
da barra, que reune a uma construcçào mais sum
ptuosa, a belteza do sitio, e o effeito pittoresco
produzido pelas suas diversas capellas, dispostas
com muita arte c bom gosto em amphitheatro por
entre grandes penedos e frondosas arvores.
Tem Macau tres hospitaes, dois civis, e um mi
litar ; e os seguintes estabelecimentos de instruc-
ção publica: u seminario de S. José, antigo collegio
de catheèumenos chins, no qual se ensina theologia,
philosophia, latim, e chinez, e é frequentado por
uns trinta seminaristas; o asyto de Santa Rosa,
onde são educadas umas cem meninas ; uma escola
de mathematica, das linguas latina, franceza e in
gleza, de ter e escrever, instituida em 1847 pelo
senado, e cujo movimento regula por cento e cin-
coenta discipulos.
Possue um museu de historia natural, que en
cerra tambem varios objectos curiosos relativos ás
artes e sciencias d'aquelles paizes.
Tambem tem uma typographia, e um jornal offi-
cial, intitulado Botetim do governo de Macau.
O cemiterio catholico è, como dissemos, no re
cinto da incendiada egreja de S. Paulo. Servc-lhe
de frontaria e do entrada o frontispicio do templo,
— 240 —
que as chammas pouparam, e se acha cai bom es
tado de conservação. É uma fachada grandiosa pe
las suas proporções, adornos e materiaes. Porém a
sua archilectura é falia de gosto, c sobrecarregada
de decorações. Compõe-se de quatro corpos de dif-
ferentes ordens dearchitectura. O primeiro é ador
nado de dez grandes columnas jonicas, entre as
quaes se abrem tres portas, que dão entrada para
o cemiterio. O segundo é decorado com outras dez
cotumnas da ordem composita, e quatro estatuas
mettidas em nichos. O terceiro tem por ornatos
sers columnas corinthias, uma estatua de Nossa
Senhora em um nicho cercado de figuras de an
jos, quatro quadros com baixos relevos de figuras
symbolicas, e ainda outras decorações. O quarto
corpo é ornado de quatro columnas, tres estatuas,
e diversos embtemas da paixão de Jesus Christo,
tendo por coroa um frontão, em cujo tympano se
vê representado o Espirito Santo.
O templo de S. Paulo foi uma das mais ricas
e notaveis construcções, que os jesuitas levanta
ram no Oriente. Era o principal monumento do
Macau, e tinha celebridade u'uma grauda parle da
Asia.
Para a edificação do cemiterio demoliram-se as
paredes lateraes da egreja até meia altura, e cons-
iruiram-sc junto d'ella dois lanços de galerias abo
badadas, sustentados por pilares. A parte superior
é um terrado, e serve de passeio ; na parte infe
rior abriram-se catacumbas uas paredes, c sepul
turas no pavimento. No logar oceupado outr'ora
pela capella mor edilicou-se a cipella do cemiterio.
O que era recinto da antiga egreja está arruado e
plantado de cedros.
Este cemiterio é administrado, c foi feito pela
confraria da misericordia no anno de 1837, soba
direcção do padre Joaquim José Leite, superior do
coltegio de S. José. >
O cemiterio dos ctins é em sitio ermo. Os seus
tumulos alvejam por entre latadas de flores.
As ruas da cidade são pela maior parte tortuo
sas, estreitas c pouco aceiadai, principalmente as
— 241 —
que ficam mais proximas ao mar, lodavia em ou*
tro tempo foram muito mais immundas. As casas,
construidas de pedra, e caiadas exteriormente,
teem uma apparencia regular, e mostram acceio.
Algumas, edificadas no gosto singelo e elegante da
architectura ingleza, e pertencentes a subditos da
Gram-Bretanha, são de mui agradavel aspecto.
Onde se veem mais casas d'esta architectura é na
Praia Grande, á beira mar, sobre um cacs extenso
e magnifico, com desembarcadoiros commodos. É
o melhor c mais lindo sitio da cidade.
Macau é perfeitamente abastecida não só dos
mantimentos necessarios á vida, mas tambem de
muitos de regalo. Acha-se sempre provida de ex-
cellenles carnes, de muita variedade de aves, pei
xes, hortaliças, legumes, e fruetas Recebe todas,
ou quasi todas estas provisões do territorio chi*
nez, circumstancia que obrigará em todos os tem
pos o governo e os moradores de Macau a procu
rarem viver em boa harmonia com o celeste im
perio.
Tem esta cidade bons mercados cobertos, e des
tes o melhor em edificio, e mais notavel pela va
riedade e valor das mercadorias, que expõe á venda
é o baazar cMnez. Os chins teem singular geito
para fazerem exposição de produetos de industria.
Sabem dispol-os com verdadeiro gosto artistico, e
de maneira a fazer realçar cada um dos objectos.
Tanto no baazar como nas lojas observam á risca
esta pratica.
O commercio é a industria quasi exclusiva de
Macau, pois que não tem fabricas, nem terrenos
para lavoura. Todavia possue algumas pequenas
industrias manufactoras muito aperfeiçoadas, posto
que exercidas, em geral, pelos chins. Os trabalhos '
em que estes artistas maissobresaem são os da ou
rivesaria, e os da esculptura em marfim, tarta
ruga, e madeira, de que fazem artefactos de pas-
mosa delicadeza.
Os arrabaldes da cidade são limitadissimos, pois
que todo o territorio, que ahi possuimos, mal
chega a ter uma legua de cumprimento, e meia na
vol. ni< lfi
— 242 —
sua maior largura, accrescendo a isto a ingratidão
do solo. Entretanto contam se em volta da cidade
varias hortas c jardins, e tres aldêas habitadas
por chins.
Ha em Macau uma curiosidade natura!, e ao
mesmo tempo sitio historico de mui subido apreço.
É a gruta de Camões, onde o principe dos poetas
portuguezes, inspirado pelo amor da patria, com-
poz alguns cantos, ou deu os ultimos traços no
seu poema sublime, os Lusiadas, com que glori
ficou Portugal, e se immortalisou a si proprio.
E' formada esta gruta por grandes rochedos,
com duas entradas divididas por um penedo de
figura conica, no qual descança a parte superior
da rocha. Sobre a gruta está um esbelto pavilhão
ou mirante, donde se descobre em dilatado hori-
sonte a bahia e a cidade de Macau, e parte do
porto da Taipa, ou Typa, sempre animado por
uma immensidade de navios europeus e barcos
chinezes.
Acha-se esta gruta em um quintal particular.
O seu actual proprietario, o senhor Lourenço Mar
ques, mandou ha pouco fazer em Lisboa um busto
em bronze do grande poeta para 3er collocado na-
quella celebre lapa. Esta obra está concluida, e
brevemente partirá para o seu destino. Foi feito
o modelo pelo senhor Bordallo Pinheiro, e os tra
balhos de fundição foram executados nas ofJBcinaa
do arsenal do exercito pelo senhor Felisberto José
Pereira.
Está feito o busto com bastante perfeição. Tem
de peso 49 kilogrammns.
A população de Macau tem tido muitas e gran
des variações em resultado de alguns acontecimen
tos de Portugal, e ainda mais dos successos de
que tem sido theatro a China desde o anno de
1842, em que a expedição ingleza, ao cabo de
uma curta lueta, conseguiu fazer abrir aos euro-
peos os portos do celeste imperio. A emigração
dos chins do territorio do imperio para dentro da
cidade, ou d'esta para outra qualquer parte, é que
forma aquellas grandes variações.
— 243 —
Em certas épocas chegou Macau a não ter mais
de dez mil moradores. Quando a guerra assolou
Cantão em 1854, elevou-se aquelle numero a mais
de" sessenta mil. Presentemente poder-se-ha cal
cular em trinta e cinco mil almas a totalidade da
população, sendo cinco a seis mil portuguezes,
vinte e cinco a trinta mit chins, e quinhentos a
a seiscentos estrangeiros em grande parte inglezes,
francezes, americanos, e hollandezes.
A salubridade do clima, a bondade e variedade
dos viveres, c tambem a belleza do sitio, attrahem
a Macau em certa época do anno muitos negocian
tes inglezes de Hong-Kong, que a procuram como
logar de repoiso e de recreio. Assim tambem serve
muitas vezes de hospedaria ás legações europeas,
na China. D'este trato tem colhido a cidade mui
tos proveitos, d'entre os quaes mencionaremos a
edificação de lindas casas de campo, e a introduc-
ção de muitas commodidades e confortos da vida,
hoje usados na Europa.
Jí CIDADE DE S. PAULO DA ASSIMPÇÃO
de umm.
Os dois antigos reinos de Angola e Benguella
e suas dependencias loruaam actualmente a pro
vincia portugueza da Africa occidental, designada
pelo nome de governo geral de Angola.
O primeiro d'aquelles reinos estende-se entre
os dois grandes rios Ambriz e Cuanza. e confina
ao norte com o reino do Congo, ao sul com o de
Benguella, a leste com as terras dosMulluas, Jaga
Cassange, e Dala Quicua, e a oeste com o ocea
no. O segundo tem por limite, pelos lados de
leste e sul as terras de Humbe, e os territorios
pouco conhecidos, que ficam além das correntes
do Cutato, do Cunhinga, e do caudaloso rio Cu-
nene, pelo norte o reino de Angola, e por oeste
tambem o oceano. Os dois teem de extensão de
norte a sul, ou de costa, desde o Ambriz até Cabo
Negro, cento e setenta leguas maritimas, e de
oeste a leste, ou do mar para o interior, umas
cem pouco mais ou menos A sua area aproxima-se
a dezesete mil leguas quadradas com uma popu
lação, que se calcula em seiscentos e sessenta mil
habitantes, comprehendendo-sc n'este numero os
povos alliados e tributarios da coroa de Portugal.
Desta vasta provincia portugueza da Africa oc
cidental é capital a cidade de S. Paulo da Assum
pção de Loanda, situada em uma hahia na costa
do reino de Angola, ao sul da foz do rio Bengo,
em uma latitude 8o 48', e distante de Lisboa 808
leguas em linha recta, e 1OIiO por mar.
Correndo o anno de 1484 enviou el-rei D.
João n a Diogo Cam, a proseguir nos descobri
mentos da costa occidental da Africa, tão gloriosa
mente começados pelo illustre infante D. Henri
que. Diogo Cam descubriu na sua primeira via
gem o reino do Congo, e na segunda o de Angola
e Benguella até ao Cabo Negro; collocou em di-
— 245 —
versos sitios padrões de pedra, que levara de Lis
boa, com as armas reaes, eduas inscripções. uma
em portuguez, outra em latim; e travou relações
com os regulos indigenas.
Em 1491 chegou ao Congo a primeira mis
são portugueza, que ahi derramou a luz do Evan
gelho, e desde essa época até 1559 não passaram
além os esforços dos portuguezes, que então se
empregavam quasi exclusivamente nas conquistas
da, lndia. N'este anno fizeram-se as primeiras ten
tativas para a fundação do estabetecimento por
tuguez em Angola, porém d'esta vez ficaram sem
effeito, e só se renovaram em 1574, encarregando
el-rei D. Sebastião essa empreza a Paulo Dias de
Novaes, neto de Bartholomeu Dias, o descobridor
do Cabo da Boa Esperança.
Partiu Paulo Dias de Lisboa no referido anno
com tres navios, e no seguinte de 1575 surgiu e
lançou ferro em frente da barra doCuanza. De
sembarcou na ilha de Loanda, e passando em se
guida á terra firme, construiu logo o forte de S.
Miguel, fundou a villa de S. Paulo de Loanda
com a sua egreja (1576); organisou o governo,
e tomou o titulo de capitão e governador do novo
reino de Sebaste, na conquista da Ethiopia. Pouco
durou, porém, o nome de Sebaste dado áquella
terra em honra do rei de Portugal. Os navegantes
e os colonisadores principiaram a chamar-lhe An
gola, que era a nome do rei d'esse paiz, e assim
continuou a denominar-se.
Tratando Paulo Dias no começo do estabeleci
mento de se por em boas relações com os regulos
do interior, contrahiu paze alliança com An Gola,
rei do Dongo. Mas ao cabo de tres annos o rei
preto quebrou o tratado, e atacou traiçoeiramente
os portuguezes.
Paulo Dias, apenas com um punhado de solda
dos, destroça completamente o inimigo na batalha
de Anzelte, e proseguindo de victoria emvictoria,
conquista a liamba e parte da Quissama, as mi
nas de Cambambe, e o Colungo, e funda os presi
dios de Massangano, e do morro de Bengxiella.
— 546 —
Colheu-o a morte quando dispunha uma expedição
contra o Dongo (1589).
Durante a administração dos quatro governado
res, que se seguiram a Paulo Dias de Novaes, em
um periodo de cinco annos, experimentaram as
armas portuguezas sorte varia, mas apesar de alguns
grandes revezes conquistaram novos territorios.
No anno de 1594 chegou a Loanda o governa
dor João Furtado de Mendonça com 400 soldados
de infanteria, e 30 de cavaliaria. Tambem levou
comsigo doze mulheres brancas, escolhidas em
Lisboa no recolhimento das convertidas, para ca
sarem em Angola com os soldados ou colonos por-
tuguezes.
O anno de 159o ficou assignalado nos annaes
de S. Paulo de Loanda por dois terriveis flagelos,
a fome e uma grande epidemia.
Os dez annos seguintes foram empregados quasi
exclusivamente em render e castigar diversos so
vas, que se rebellaram contra o dominio portu-
guez, e na construcção dos presidios de Muxima
e Cambambe.
Em 1605 foi creada cidade a villa de S. Paulo
de Loanda, que n'esse mesmo anno teve impor
tantes melhoramentos, ordenados pelo governador
Manoel Cerveira Pereira.
Sob o governo de D. Manoel Pereira Forjaz,
correndo o anno de 1607, fez-sc a primeira ten
tativa para abrir communicação peto interior de
Africa entre Loanda e Moçambique.
A guerra dos pretos contra o nosso presidio de
Cambambe foi causa de mallograr-se a empreza.
Tcndo-se apossado os hollandezes do porto por-
tuguezes de Pinda, no rio Zaire, e tratando de se
fortificarem n'elte, foram expulsos d'alli por uma
esquadra, que mandou contra elles D. Manoel Pe
reira Forjaz (1609).
Os suecessores de D. Manoel sustentaram por-
liosas guerras contra os pretos, ora repellindo e
castigando as aggressões e rebeldias de alguns so
vas, ora procurando descobrir terras, e estender
o dominio de Portugal.
— 247-=
Com este ultimo proposito se collocou á freute
de uma expedicção Manoel Cerveira Pereira, aehan-
do-se pela segunda vez governador de Angola
(1617). Deu em resultado esta empreza, a des
coberta e conquista de uma parte do reino de Ben-
guella, e a fundação da fortalleza de S. Filippt
de Benguella.
No anno de 1621 teve principio na historia de
Angola aquelle celebre episodio da rainha Ginga,
que deu assumpto para um romance a um elegante,
escriptor francez. A embaixada de Ginga, rainha
de Matambá, pedindo paz e alliança ao governa
dor de Angota; o seu baptismo em Loanda com
grande solemnidade, recebendo então o nome de
1). Anna de Sousa (1622); o fratrecidio que com-
metteu, envenenando seu irmão, Gola Ginga Ban-
dy, rei de Matambá, em vingança por este lhe ter
assassinado um filho (1623); a sua apostasia e a
guerra que moveu aos portuguezes; a batalha,
que lhe deu o governador de Angola Fernão de
Sousa, e na qual Ginga perdeu a maior parte do
seu exercito, liicando prisioneiras suas irmãs Cambe
e Fungo (1627); o baptismo d'estas com os nomes
de D. Barbara e D. Engracia (1628); as pazes ce
lebradas entre os portuguezes e a rainha de Ma
tambá em 1636; a renovação da guerra em 1641
e 42, 46 c 49, ailiando-se a rainha com os hol-
landezes; a reconciliação de Anna Ginga com a
egreja catholica em 1657, são os principaes sueces-
sos d'aquelle episodio. Morreu Annei Ginga cm
1680 no gremio do christianismo.
• Em 1626 foi trasladada para a cidade de S.
Paulo de Loanda a sé do Congo, que fora insti
tuida por bulia de 13 de julho de 1597. Naquellc
mesmo anno se fortificou a cidade pelo lado do
mar para resistir aos hollandezes, que a amea
çavam com uma forte esquadra.
O commercio de,Loanda soffreu então, e nos
annos seguintes, enormes perdas, caquelias nossas
possessões correram o maior risco de se perderem
para a coroa de Portugal, pois que ao passo que
os hollandezes nos faziam crua guerra por mar e
— 248 —
por terra, excitando contra nós os regulos do in
terior, os portuguezes de Angola e Benguella,
quasi esquecidos pelo governo de Madrid, que pa
recia folgar com os revezes e humilhações do pa
vilhão das quinas, viam-se reduzidos, por assim
dizer, aos seus proprios recursos em uma lucta
tão obstinada e tão desigual.
Entretanto, apesar da sorte adversa que oppri-
mia a mãe patria, os portuguezes continuaram
ainda a sustentar por muito tempo na Africa, co
mo na Azia, a honra do seu nome, e o lustre das
armas lusitanas.
Em 1633 armaram-se em guerra no porto de
Loanda cinco navios mercantes, e sahindo ao en
contro de duas naus hollandezas, travam peleja,
e rendem-nas no dia 15 de Novembro. Quatro an-
nos depois entrava prisioneiro n'aquelle porto um
navio de guerra hollandez com vinte e quatro
peças.
Em agosto de 1641 apparece avista de Loanda
uma nova e poderosissima armada, enviada pela
Hollanda á conquista de Angola. Constava de vinte
e uma naus, com dois mil homens de tropa, fora
os da guarnição. Foi tal o terror, que se apode
rou dos habitantes, que abandonaram a cidade, e
obrigaram o governador, Pedro Cesar de Menezes,
a retirar-se para o Bembem. No dia immediato
(25 de Agosto) desembarcaram os hollandezes, e
apossaram-se de Loanda sem resistencia.
Pedro Cesar de Menezes recolhe-se logo depois
com as suas forças ao presidio de Massangano,
que se torna o centro das operações contra os ini
migos externos e internos, pois que os regulos dos
paizes visinhos, e muitos sovas vassallos do rei
de Portugal, se uniram com os hollandezes para
nos expulsar d'aquellas regiões.
Assoberbados os portuguezes com a immensa
superioridade dos exercitos contrarios, e victimas
de algumas infames traições, foram despojados
da maior parte d'esses seus dominios.
Os hollandezes, violando o tratado de treguas,
que acabavam de ajustar com o governador aci»
— 249 —
ma nomeado, attacam de improviso as nossas tro
pas, que, tomadas de sobresalto, se deixaram cor
tar e desbaratar, ficando mortos no campo os seus
melhores capitães, e ferido e prisioneiro o proprio
governador (26 de maio de 1648).
Em 1645, quebrando novamente a paz, cele
brada entre Portugal, já livre e independente, sob
o sceptro de D. João iv, e a Hollanda, tomaram-
nos Benguella os hollandezes, e por mais tres an-
nos nos affrontaram e molestaram, limitando-se as
nossas tropas á defensa de Massangano, e de al
gumas outras fortallezas.
A sorte porém cançara-se de nos perseguir. Por
tugal já encarava com a fronte erguida os seus
inimigos, e combatendo e vencendo os que ousa
vam disputar-lhe a liberdade, vellava pelas suas
possessões ultramarinas, e acudia solicito aos seus
filhos, que pelejavam na Africa, na Azia, e na
America.
Em 12 de maio de 1648 parte do Rio de Ja
neiro Salvador Correa de Sá Benevides com no
vecentos soldados, em uma armada de quinze na
vios, quatro dos quaes comprara e esquipara á sua
custa. Surge diante de Loanda aos 12 de agosto
e n'esse mesmo dia intima aos hollandezes para
que se rendam por capitulação no praso de 48
horas. Recebendo resposta negativa, desembarca
com a sua tropa no dia 14, e logo n'essa noite
ataca e «bre brecha na fortalleza de S. Miguel,
onde os inimigos se haviam acolhido. Na manhã
de 15 capitularam os hollandezes, e emharcaram
para a Europa.
Em memoria d'este triunnphOj obtido no dia em
que a Egreja celebra a Assumpção da Virgem,
tomou a cidade o nome de S. Paulo da Assumpção
de Loanda.
A esta victoria seguiram-se outras, com que
Salvador Corrêa expulsou os hollandezes dos ter
ritorios de Angola e Benguella; obrigou o rei do
Congo a implorar a paz, e a ceder a ilha de Loan
da, e sugeitou todos os sovas rebellados.
O restaurador de Angola reedifica immedia
— tjJO —

tamente a capital, que se achava em grande


ruina.
Em 1665 tornou o flagello da guerra a assolar
Angola. O rei do Congo invade esta nossa posses
são com numeroso exercito, mas sae-lhe ao en
contro Luiz Lopes de Sequeira á frente dos nos
sos, e travando batalha nas terras de Ambuilla,
desbarata os negros, que deixam no campo um
consideravel numero de mortos, e entre elles o
seu rei.
Em janeiro de 1667 foi theatro a cidade de
Loanda de um grave tumulto contra o governador
Tristão da Cunha, a quem o povo obrigou a em
barcar,, e seguir viagem paraoBrazil. O senado da
camara tomou então posse do governo até á chegada
do novo governador.
O resto do seculo 17." foi consummido em tuetas
mais ou menos importantes com os pretos dos pai-
zes circumvisinhos, cujos reis ou sovas approveita-
vam todas as opportunidades para se revoltarem
contra o domínio portuguez. Durante esse periodo
tiveram as nossas armas um grande desastre, ca-
hindo n'uma emboscada dos nrgros a 'expedição,
que marchava de Loanda contra elles commandada
por João Soares de Almeida. Este infortunio porem
foi compensado com assignaladas vietorias, que nos
deram a posse dos estados do Dongo, e outros ter
ritorios.
No mesmo periodo se fez a segunda tentativa
para abrir communicação por terra com a costa
oriental; mas tambem foi infructifera.
No anno de 1712 foi novamente fortificada a ci
dade de Loanda, receando-se hostilidades da parte
dos francezes, que se achavam em guerra com Por
tugal por causa da suecessão de Hespanha.
Varias guerras com os pretos, de que os nossos
sairam quasi sempre vencedores; as intrigas e de
savenças dos jesuitas com os governadores, que
acabaram pela expulsão dos primeiros em 1760;
uma conspiração dos degradados para matarem o
governador e officiaes, e saquearam a cidade, des
coberta, e punida com o supplicio dos culpados em
— 251 —
1763; a crcação do terreiro publico em 1763, e a
da aula de fortificação em 1768; e uma grande
fome em 1783, foram os mais notaveis successos
du historia de Loanda ate ao fim do século 18 *
Em 1807 conseguiu o tenente coronel de mili
cias de Loanda, Francisco Honorato da Costa, es
tabelecer relações directas com a nação dos tu n luas,
cujo rei mandou uma embaixada solemne ao go
vernador de Angola em 1808. N'este mesmo anno,
graças a taes relações, se levou a efTeito com bom
exito a terceira tentativa para se descobrir cami
nho atravez do sertão para Moçambique.
No anno de 1813 emprchendeu o governador
de Angola, José d'Oliveira Barboza, uma obra
colossal e de immensa utilidade se a podera con
cluir. Era a conducção das aguas do rio Cunnza
para abastecimento de Loanda. Trabalharam n'esta
empreza 500 pretos durante o referido anno, c os
dois seguintes; acabando porém aquelle governa
dor o tempo do seu governo em 1815, iargou-se
luão da obra, que ficou completamente inutil.
Os annos de 1816 e 1817 foram memoraveis
para Loanda por causa da fome, que aJUigiu os
seus moradores.
Toda\ia nos tres annos de 1816 a 1819, que
foram os do governo de Luiz da Moita Feo c Tor
res, a cidade recebeu deste funecionario conside
raveis melhoramentos, que se continuaram no
tempo do seu suecessor, Miguel Vieira Tovar de
Albuquerque.
Em fevereiro de 1822 amotinou-se o povo de
Loanda contra o governador Joaquim Ignacio de
Lima, e constrangendo-o a largar o governo, ele
geu e instalou uma junta provisoria de sete mem
bros presidida pelo bispo, D. Fr. João. Estas de
sordens provocaram outras da parte da tropa, que
a seu turno se rebellou contra a junta.
Para restabelecer a ordem foram enviados" de
Lisboa um batalhão expedicionario, e um official
encarregado do cominando da força armada. Po
rém em outubro de 1823, loco que chegou a
Loanda a noticia da queda da constituição em
— 252 —
Portugal, revoltou-se aquelle batalhão com o pre
texto de querer voltar para a Europa. Tendo-se
conservado fiel o resto da guarnição, acolheram-se
os revoltosos na fortalesa de S. Miguel, onde fo
ram sitiados, e obrigados a deporem as armas.
Depois foi dissolvido o batalhão e os soldados fo
ram destribuidos pelos presidios.
Seguindo os impulsos, que lhe dava a mãe pa
tria, Loanda sugeitou-se em 1828 ao governo da
usurpação, e em 25 de junho de 1834 acclamou
a senhora D. Maria n e a carta constitucional.
Em 1836 poz a cidade em susto e desasocego
uma nova insurreição da tropa, que assassinou o
tenente coronel, commandante da força armada,
Lourenço José de Andrade, e feriu outros officiaes.
Em dezembro do mesmo anno foi publicada a lei
da abolição do trafíco da escravatura. Depois es-
tabeleceu-se a estação naval de Angola para a re
pressão daquelle vergonhoso trafico.
As revoluções e guerras civis, que traziam Por
tugal em continua agitação desde 1820; asporfio-
sas luctas com os negros do interior, e as insur
reições militares, desordenaram inteiramente as
finanças de Angola, e estagnaram o seu commer-
cio. A prohibição do trafíco da escravatura, que
era tanto uma exigencia da civilisação, como uma
necessidade do desinvolvimento industrial de An
gola, augmentou comtudo os males publicos, em
quanto os capitaes, que até alli se empregavam
quasi exclusivamente na escravatura, não tomaram
mais honroso e proficuo rumo, animando o com-
mercio e a agricultura.
Em 1838, tendo o sova Quihwnge Quiassama
invadido as nossas terras de Ambaca, foi derro
tado e p~eso pelas tropas enviadas de Loanda sob
o commando do tenente coronel Joaquim Filippe
de Andrade. O territorio daquelle sova foi encor-
porado nos dominios portuguezes, e forma actual
mente o districto do Duqne de Bragança, que é
defendido por uma fortalleza com 12 peças dear-
tilheria.
No anno de 1839 começou a cidade de Loanda
— 253 —
a ser illuminada por ordim e dispendio da sua
camara municipal. Este anno tambem foi propicio
para aquella nossa provincia africana, pois se fi
zeram muitas explorações no interior e ao longo
da cosia. No seguinte de 1840, fundou-se o pre
sidio de Mossamedes na bahia do mesmo nome.
Em 1842 principiaram a fazer-se sentir os su-
latares effeitos da abolição do trafico da escrava
tura. As relações commerciaes entre as praças de
Lisboa e de Loanda, até então quasi nullas, en
traram em caminho de progressivo desenvolvi
mento. O decreto de 5 de junho de 1844, que
abriu os portos de Loanda e deBenguella ao com-
mercio estrangeiro, deu novas condições de pros
peridade á capital da Africa occidental portugueza.
Tornou a accender-se a guerra com os negros
em 1847, e em 1850, e ambas essas campanhas
tiveram um feliz resullado para as nossas armas,
que submetteram e castigaram os sovas, que ou
saram invadir o nosso territorio.
Nestes ultimos annos de 1860 para cá, tem sido
assolada Angola por dois flagelos, que lhe tâem
causado consideraveis perdas: a guerra do Congo,
e a febre amarella. A primeira, sustentada com
sorte varia pelas tropas da provincia, e pela ex
pedição enviada de Lisboa, tem paralisado o com-
mercio interno, occasionando-lhe grandes prejui
zos. A segunda, dizimando a população, e affu-
gentando os estranhos, está sendo um obstaculo
ao desinvolvimento da cidade de Loauda, e de
toda a provincia.
Todavia apesar da grandeza d'estes mates, esta
nossa possessão vae prosperando, embora lenta
mente, graças ás riquezas do seu solo, e ao im
pulso, que se tem dado á exploração dessas rique
zas. O augmento da agricultura em plantações va
liosissimas, como são o café, e o algodão; a lavra
em larga escala de mui importantes minas de co
bre, e de outros jazidos mineralogicos; o estabe
lecimento de carreiras mensaes de navios movidos
a vapor, pertencentes à companhia União Mercan
til, pondo em communicação regular e mais breve
— 2S4 —
todos os portos d'aquella provincia entre si e com
a metropote; e finalmente a attenção e esforços
que o governo vae empregando nos melhoramen
tos da mesma, todas estas circumstancias, auxi-
iiando-se mutuamente, promettem á Africa portu-
gueza, e por conseguinte tambem a Portugal, um
futuro de engrandecimento e prosperidade.
A cidade de S. Paulo da Assumpção deLoanda
divide-se em duas partes, alta e baixa, aquella está
edificada sobre um pouco elevado monte; e esta
estende-se ao longo da praia, de teste a oeste,
desde a ponta da Isabel, onde está o passeio pu
blico, até ao morro de S. Miguel, que serve de base
a fortalleza do mesmo nome.
A cidade baixa é a mais povoada, e o centro do
commercio. Acham-seahi a alfandega, construida
em 1770, com um bello caes de cantaria; o arse
nat ou trem, edificado em 1750; o terreiro publico,
levantado em 1754, grande edificio quadrangular
com uma praça no centro, c n'ella uma cisterna;
o quartet do esquadrão de cavallaria, feito em
1755; a egreja parochial de Nossa Senhora dos Re
medios, actualmente servindo de sè, a qual é de
dicada a Nossa Senhora da Conceição; as eqrejas
de Nossa Senhora da Nazareth, do Corpo Santo, de
Santa Jphigenia, e de Nossa Senhora do Carmo,
que pertencia ao convento dos carmelitas descalços
fundado em 1663; o passeio publico; a Praça do
Pelourinho; a praça e mercado, denominados Qui*
tanda pequena, a extensa praia, de meia milha de
comprimento, toda guarnecida de cazas nobres; e
a praça e mercado chamados Quitanda grande, ou
simplesmente Quitanda.
O passeio publico está situado na extremidade
da cidade, junto ao mar, na ponta da Isabel. Foi
plantado em 1771 por ordem do governador D.
Francisco Innocencio de Sousa Coutinho. O vice-
almirante, e governador de Angola, Luiz da Motta
Feo e Torres,_afformoseou-o muito em 1819, cons-
truindo-lhe um bom portal com pilares de pedra
e gradaria de ferro, formando um simi-circulo.
Junto ao passeio mandou edificar o mesmo vice
— 25S —
almirante uma casa do campo para os governado
res de Angola.
Esta parte da cidade é menos sadia pela sua
posição baixa, posto que actualmente não se en
contram pantanos nas suas visinhanças, como ou
trora. A calçada Nova é a principal communica-
ção da cidade baixa para a alta, que está assen
tada sobre uma colina não muito elevada.
Na cidade alta estão os seguintes edificios e
praças: O palacio do governador, foi reconstruido
em 1761, demolindo-se inteiramente o antigo.
Em 1817 foi augmentado, e afformoseado por Luiz
da Motta Feo e Torres, que melhorou a praça do
Palacio, erigindo no meio d'ella um obelisco des
tinado a commemorar a acclamação d'el-rei D.
João vi.
O paço do Bispo occupa o antigo collegio dos
jesuitas, fundado no seculo 17.°
A casa da junta da fazenda, ergue-se na praça
do Palacio.
O quartel de infanteria foi mandado edificar em
1755 pelo governador D. Antonio Alvares da Cunha.
A sé velha hoje em minas. A egreja da mise
ricordia, data dos principios do seculo 17.° Tem
annexo o hospital, com cinco enfermarias. Os ou
tros edificios religiosos d'esta parte da cidade são:
a egreja de S. João, pertencente aos militares ; o
hospicio de Santo Antonio, que foi dos frades
capuchinhos, edificado em 1651; a egreja do Ro
sario, a de S. Paulo e a de S. José, que pertenceu
ao convento da ordem 3." de S. Francisco.
A casa da camara e a cadéa, ficam proximas á
casa da junta da fazenda.
A praça do Palacio é guarnecida de arvoredo.
Pela frente que olha para o mar, corre uma alta
muralha, a que chamam muralha de recreio tanto
por causa da alameda, que sustenta, como pela
linda vista, que d'ahi se gosa, da cidade baixa e
do porto.
O principal mercado de Loanda chama-se Qui
tanda grande. Foi construido em 1818 por ordem
do vice-almirante Feo e Torres.
— 256 —
Não ha na cidade fonte alguma; apenas tem
dois poços publicos, denominados maiangas, e as
cisternas do terreiro, e da fortalleza de S Miguel,
de que se abastece a tropa. Quasi toda a agua,
que os habitantes consomrnem vem-lhes do rio
Bengo, e é transportada por barcos, que a trazem
em tanques. Os hollandezes, durante o seu domi
nio em Loanda, tentaram encanar o rio Cuanza
desde a confluencia do Lucala atè á proximidade
da cidade, com o duplicado fim de a abastecer de
agua, e de a dotar com um canal de communica-
ção com o alto Cuanza. Esta obra porém ficou em
começos, e o mesmo succedeu ás que foram em-
prehendidas pelos governadores D. Antonio Alva
res da Cunha, em 1758, para conduzir á cidade
a agua do Cuanza, e José d'Oliveira Barbosa, no
anno de 1813, para encanar com o mesmo fim
as aguas do rio Bengo.
A cidade de Loanda é cercada pelo lado de terra
com uma linha de guardas barreiras, mandada fi
zer em 1817 pelo governador Luiz da Mota Feo e
Torres. E' defendida por tres fortallezas e dois
fortes.
A fortateza de S. Miguel é a cidadella de Loanda.
Campêa sobre umoiteiro, donde domina o mar, ea
ilha de Loanda, bem como a cidade, e terra em re
dor- Deve a sua primeira fundação a Paulo Dias
de Novaes, e a segunda ao governador Francisco
de Vasconcellos da Cunha, que a fez construir de
taipa e adobes no anno de 1638. No de 1705 prin-
cipiou-se a sua reedificação a pedra c cal, que foi
concluida em 1740. Trinta annos depois fizeram-
se-lhe importantes obras de acerescentamento, c
melhoramento.
Occupa esta fortaleza toda a crista do monte,
chamado outr'ora de S. Paulo, e agora de S. Mi
guel. Para o lado de lerra tem dois baluartes, em
que se podem assestar dez canhões, cruzando o
fogo com o baluarte do cavalleiro, de dezeseis pe
ças. Para o lado do mar apresenta duas baterias,
uma inferior com seis peças, e outra superior com
capacidade para setenta e oito canhões. Todavia
— 257-:
nunca esta fortalleza teve montadas mais de ses-*
senta peças. Encerra boa casa para o governador*
quarteis para um regimento de infanteria, e uma
companhia de artilheria, ,tres armazens, paiol á
prova de bomba, capella, prisão, e uma cisterna,
que leva 1:320 pipas de agua. Tem uma grande
esplanada plantada de arvoredo. A entrada d'esta
fortalleza é defendida por um reveiim com fosso
aberto na rocha, e ponte levadiça.
A fortateza deS- Pedro, situada sobre o morro
da Cassandama, foi começada em 1703 pelo go
vernador Bernardo de Tavora de Sousa Tavares,
e acabada em 1756 pelo governador D. Antonio Al
vares da Cunha. Tem dois baluartes para a parte
de terra, tendo cada um nove peças, e para a
parte domar duas baterias, uma superior em que
podem trabalhar dez canhões, e outra, baixa, aca-
samatada, e aberta na rocha, com oito peças. Con
tém esta fortaleza casa para o governador, quar
teis, armazens, e uma pequena cisterna.
. A fortateza de S. Francisco do Penedo é a chave
do porto de Loanda. Foi fundada em 1687 sobre
um penedo proximo da praia, do qual lhe veiu o
nome. Era então trm pequeno forte de seis peças
de artilheria. O governador de Angola, D. Fran
cisco Innocencio de Sousa Coutinho, reedificou-a
e ampliou-a muito em 1765, ligando o penedo
com a terra firme, sobre a qual assentou a maior
parte da nova fortaleza, que do nome do funda^
dor se chamou de S. Francisco.
Tem a forma d'um pentagono irregular com
duas ordens de baterias, que a cercam, a superior-
com vinte e quatro peças, e a inferior ao lume
da agua, capaz de ser guarnecida com 37 canhões.
Contém casa para o governador, quarteis para a
tropa, e mais officinas, uma cisterna e um grande
paiol á prova de bomba que accommoda quatro
mil arrobas de polvora, e que servo, tambem de
deposito para a do commercio. Tom fosso, em que
entra a agua do mar, com ponte levadiça. Esta
fortaleza serve de registro do mar e da terra,
porque domina c varre simultaneamente com o seu
vol. xi r. 17
— 858 —
fogo a entrada do porto, e o ancoradoiro, e a es
trada desde a Nazareth até o Cacuaco, que 6 a
principal avenida da cidade para o interior. A li
nha de guardas barreiras, que principia na for
taleza de S. Miguel, termina na de S. Francisco
do Penedo. ~
O porto de Loanda é formado pela ilha d'este
nome, que fica fronteira á cidade, e pela terra
firme. Tem milha e meia de extensão, e é abri
gado e seguro, mas só recebe navios de pequena
lotação. O ancoradoiro para os navios grandes é
a milha distante da ilha de Loanda, onde olferecc
16 ou 17 braças de bom fundo de area.
A ilha de Loanda é quasi toda de area, e raza.
Habitam-na uns mil e trezentos moradores, que se
empregam pela maior parte na pesca do marisco,
de que abundam as suas praias. Tem duas ermi
das, dependentes das duas parochias da cidade.
Ha n'esta ilha alguns jardins, hortas, e pomares,
pertencentes ás pessoas abastadas da cidade. Quasi
contigua, pelo lado do sul, está a ilha de Casean-
ge, muito arborisada, com uma povoação de oito
centas almas, e uma egreja parochial.
A cidade de Loanda possue*dois theatros, uma
casa de assembléa, varios botequins e bilhares,
e uma imprensa nacional, onde se imprime o jor
nal official Boletim do Governo de Angola.
Os estabelecimentos de instrucção publica \\-
mitam-se ao" seminario episcopal, creado pela se
nhora D. Maria u em 1851; duas aulas de pri
meiras letras, para os dois sexos, outra de latim,
e um collegio particular, em que se ensina gram-
ttatica portugueza, noções de desenho e geome
tria, e escripturação mercantil.
Nos arredores de Loanda ha alguns lugares
aprasiveis, como o suburbio, que começa no pas
seio da Ponta da habel, e varios sidos das mar
gens dos rios Bengo, e Dande, onde se vêem bo
nitas casas de campo, pertencentes ás pessoas ri
cas da cidade. Todos esses lugares, porém, são in
satubres, pelo menos em uma parte do anno, o
mais que nenhuns outros os que seavisinham da
queiles rios, por causa das suas margens palu
dosas.
As hortas da ilha de Loanda, e das Maiangas,
e as varzeas que se estendem ao longo dos rios
Bengo, Dande, e Zenza, abastecem -os mercados
da cidade de algumas hortaliças c fructas da Eu
ropa, e de outras do paiz, de cereaes, legumes
ete. As fruetas, que se dão na Europa, e que ali
se cultivam mais commummente são: a laranja,
cidra, lima, limão, pecego, maga, uvas, figos, ro
mã, melão e melancia. As do paiz são; ananaz,
banana, caju, anona, coco, arossa, gego, zondo,
mamão, papava, muximbo, pitanga, cola, e outros*
Entre as aves domesticas indigenas criam-se
algumas especies europeas.
No porto, e na costa vesinha produz o mar
muita variedade de peixe, taes como a corvina, a
que dão o nome de pungo, cherne, dourada, en»
xova, lingoado, pescada, enxarroco, mero, ga-
roupa, chocos, morea, pargo, palumbeta, peixe-
espada, raya, peixe-gallo, pampano, salema, sal-
monete, peixe-pedra, sarda, sardinha, peixe-burro,
solho, bonita, bagre, c outros mais. Ha muita co-,
pia de lagostas, camarões, ostras, mexilhões, ca
ranguejos, e mais diversidade de mariscos, e tam
bem ha bastantes tartarugas. Frequentam aquelles
mares algumas baleas.
Em geral as proximidades da costa são aridas,
e pouco produetivas. Porém no sertão ha territo
rios de mui grande fertilidade, possuindo immen-
sas riquezas naturaes, e alguns offerecendo um cli
ma saudavel.
Os bosques do interior abundam em excellentes
madeiras para construcção e para marcenaria, e são
habitados por uma infinita variedade de animaes,
que fornecem ao commercio preciosos despojos. Os
elefantes e os bufalos andam em grandes manadas.
De tigres, leões, leopardos, rhinocerontes ou aba
das, hyenas, lynces, javalis, cavallos marinhos, gi
rafas, antilopes, veados, zebras, lontras, ede mui
tas outras especies, possue aquelle paiz prodigiosa
quantidade. De aves apreciaveis pela suavidade do
— 260 —

canto, c pela formosura e valor da plumagem, não


c menos rico e variado.
Em mineralogia favoreceu-o egualmente a natu
reza. Angola e Benguella encerram muitas minas
de ferro, cobre, estanho, chumbo, mercurio, enxo
fre, sal, salitre, petroleo, e carvão de pedra. Teem
pedra calcarea, mui fina pedra lioz, quartzo cris-
talisado, gesso, giz, e muitos outros productos mi
neralogicos.
Produz esta nossa possessão café, assucar, al
godão, trigo, milho, arroz, mandioca, anil, taba
co, oteo de ricino, azeite de palma, azeite de coco,
azeite de amendoim, ou mendobi, vinho de caju,
urzella, gomma copal, cera e mel.
A fora os cereaes, que se consomem no paiz, e
que não bastam para as suas necessidades, pois
que importa muita farinha de trigo de Lisboa, e
da America, os mais generos, juntamente com o
marfim, pontas de abada,' coiros de bufalo, e pel-
les de outros animaes, cobre e outros miaeraes,
alimentam o commercio de exportação da cidade
de Loanda, que vae tendo consideravel augmento
Loanda tem por brasão de armas um escudo bi
partido com a imagem de Nossa Senhora da Con
ceição da parte direita, em campo azul, ea de S.
Paulo á esquerda em campo vermelho. Este bra
são c anterior á restauração de Angola por Salva
dor Corrêa de Sá Benevides. Nossa Senhora da
Conceição é o orago da sé, e S. Paulo o patrono
da cidade.
A população da cidade, com as duas ilhas, que
lhe ficam defronte, orça por 12:600 habitantes,
dos quaes nove mil são pretos, e destes cinco mil
são escravos.
Sendo a administração de Angola e Benguella
egual á dos estados da lndia, a cidade de Loanda
é sede do governador geral, que actualmente é o
senhor Calheiros, do bispo da diocese de Angola
e Congo, do conselho do governo, da junta de fa
zenda, da junta de saude publica, da relação de
Loanda, creada pela senhora D. Maria u em 1851,
comprehendendo Angola, Benguella, e suas de
— 261 —
pendências, e as ilhas de S. Thomé e Principe,
da junta de Justiça, do juiz de direito, do conse
lho superior de justiça militar, da commissão mixta
para o julgamento das prezas de contrabando de
escravatura, do intendente da marinha, do capi
tão do porto, e mais auctoridades. A guarnição
compõe-se de um batalhão de infanteria com 688
praças; uma companhia de artilheria com 139
praças; uma companhia de sapadores com 100 pra
ças, e um esquadrão de cavallaria com 63 praças.
Esta força com a que está guarnecendo os presi
dios forma um effectivo de 2:101 soldados de 1.»
linha, que teem por auxiliares 3:365 homens de
milicias, pertencentes ás diversas povoações do
Angola e Benguella.
Pois que demos uma noticia geral, posto que
mui resumida, d'estes dois paizes, nomearemos
os districtos em que se acha dividida a nossa vasta
possessão da Afríca Occidental.
Angola comprehende os districtos de Loanda,
do Bengo, de Icolo e Bengo, do Lande ede Li-
bongo, proximos do mar; de Calumbo, ãeMuxima,
de Massangano, de Cambambe, e de Pungo An-
dongo, sobre o rio Cuanza; de Zenza, de Cazengo,
de Ambaca, de Cohmgo alto, de Dembos, de S.
José de Encoge, do Duque de Bragança, e de Tala
Mungongo, no interior ao norte do Cuanza.
Compõe-se Benguella dos districtos de S. Filip-
pe de Benguella e de Novo Bedondo.. entre os rios
Catombela e Cavo; e dos de Baiundo, de Quilen-
gues e Sambos, de Bihé, de Hambo, Galengue, e
Sambos, de Dombe grande, de Caconda ele. no in
terior.
Os districtos de Ambriz, e de Mossamedes, são
dependencias, o primeiro de Angola, eo segundo
de Benguella, mas cada um com o seu governador.
íl CIDADE DE S. SEBASTIÃO DE 110
MMBIQUE.

A mais rica das nossas possessões ultramarinas


é a vasta provincia de Moçambique. ínfelizmente
tambem é a mais despresada.
Occupa uma grande superficie de terreno na
parte oriental da Africa. Na costa estende-se pelo
espaço de ÍOO leguas, desde a bahia de Lourenço
Marques até Cabo Delgado.
É tambem mui grande a sua extensão para o
interior, e posto que não estejam bem assignalados
os seus limites, deve-se suppor, attendendo á dis
tancia que vae de Quilimano a Tete, que não ó
menor de 200 leguas.
A superficie total do territorio sugeito á coroa
de Portugal é calculada em vinte e quatro mil le
guas quadradas maritimas, com uma população de
trezentos mil babitantes, parte d'elles subditos por-
tuguezes, parte apenas tributarios. Conforme um
recenseamento official feito em 1849, os estabele
cimentos portuguezes situados na costa tinham
uma população de 68.000 almas, entrando n'este
numero >l2:000 escravos, e tão sómente 2000
brancos europeus, ou descendentes destes, e moi
ros, e banianos, que são oriundos da Asia.
Compõe-se a provincia de Moçambique, além
da capital, de seis districtos administrativos, que
são Ibo, Quelimane, Senna, Sofalla, Tete, e ín-
Jiambane, c de sete districtos militares, que são
os seis referidos e o presidio de Lourenço Marques.
A ilha de Moçambique, que dá nome a toda a
provincia, dista da costa uma legua, ou alguma
coisa menos, formando o canal tambem chamado
de Moçambique. E pois n*esta pequena ilha, cuja
circumferencia não excede a uma legHa, que está
edificada a cidade de Moçambique, capital dos do
minios portuguezes na Africa oriental.
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— 263 —
O primeiro portuguez que visitou acosta orien
tal da Africa e a ilha de Moçambique foi João
Peres da Covilhã, que em companhia de Affonso
de Paiva percorreu o Egypto, a Abyssinia, e a
índia, por terra, e por ordem d'el-rei D. João n
no anno de 1487.
Tendo dobrado D. Vasco da Gama o Cabo da
Boa Esperança, no dia 8 de Julho de 1497, na
sua derrota para a descoberta da lndia, aportou a
Moçambique no 1." de março do seguinte anno.
Era então governada esta região por um regulo
moiro. A terra firme era habitada quasi exclusi
vamente pelos negros, naturaes do paiz. A ilha
de Moçambique era povoada de moiros, que fa
ziam d'ella um logar de escala nas suas viagens
e relações commerciaes entre a cidade de Quiloa,
da Mina, e de Sofala.
Ao cabo de alguns dias, depois de tercommuni-
cado com os moiros, presenteando o seu regulo,
e recebendo provisões, continuou D. Vasco da
Gama a sua viagem para a lndia. Porém antes de
partir collocou n'uma ilhota proxima da ilha de
Moçambique um padrão consagrado a S. Jorge,
do qual a ilha veiu a tomar o nome.
A 20 de Julho de 1501 surgiu diante de Mo
çambique a segunda armada portugueza, que sul
cou aquelles mares. Era capitaneada por Pedro
Alvares Cabral, o famoso descobridor- do Brasil.
Todas as outras armadas portuguezas, que se lhe
seguiram, em demanda da índia, ali foram lançar
ferro para se repararem dos damnos causados pe
las iras^rdo mar, e para se proverem de manti
mentos.
Reconhecendo-se por conseguinte a importancia
d'aquella ilha como ponto de escala para a nave
gação da índia, e tendo dado os moiros, que n'ella
dominavam, sobejas provas do seu odio contra os
portuguezes, foi occupada pelos nossos em 1506.
Depois encarregou el-rei D. Manuel de levantar
ali uma fortaleza a Duarte de Mello, que partiu
de Lisboa no anno de 1507 já com o largo de ca
pitão de Moçambique.
Duarte de Mello chegou á ilha de Moçambique
em uma armada destinada para a lndia, "mas que
se demorou ahi o tempo necessario para ajudar e
proteger a edificação da fortaleza. Foi esta fun
dada na ponta da ilha á entrada da barra, com
quarteis para tropa, uma igreja dedicada a S. Ga
briel, e um hospital.
Impoz-se respeito por este modo aos moiros, que
viviam na ilha de Moçambique; porém os do visi-
nho continente cada vez mais zelosos e irritados
da preponderancia, que os portuguezes iam adque-
rindo n'aquellas regiões, faziam-lhes toda a sorte
de vexames e de hostilidades, que as circunstan
cias permittiam. Eram então os portuguezes muito
poderosos, senão pelo numero pela sua audacia e
valor, para suportarem por muito tempo um estado
de coisas, que os contrariava e humilhava. Come
çando pois por expulsar os moiros da ilha, não
tardaram em levar-lhes a guerra ao continente.
Apoderaram-se as nossas armas em breves an-
nos de tantas cidades, e de tão grande extensão
de territorio, que Portugal chegou a ter sob o seu
dominio quasi toda a costa oriental da Africa.
As mesmas causas, que produziram a sua deca
dencia na Asia, o fizeram decadente na Africa. Os
inglezes e os hollandezes, aproveitandosc do seu
enfraquecimento, disputaram-lhe as suas conquis
tas tanto n'uma como noutra parte. Arrebataram-
lhe muitas; fizeran^lhe perder não poucas em pro
veito dos soberanos indigenas, com quem scallia-
ram contra nós; c se não nos despojaram de todas
as nossas possessões foi porque nunca o valor e a
coragem abandonaram os portuguezes mesmo no
maior auge das desditas de Portugal.
Correndo 'pois o anno de 1607 foi Mocambique
acommettida pelos hollandezes, que a entraram e
saquearam, não podendo impedil-o as poucas for
ças, que então a defendiam, as quaes se acolhe
ram á fortateza, que sustentou um assedio com re
petidos e violentos ataques durante dois mezes.
I orém os nossos por tal modo se houveram, que
loi repellido c vencido o inimigo. A alliança que

>
— 265 —
os portuguezes fizeram por essa occasião com o*
imperador de Monomotapá contribuiu muito para
affugentar d'ali os hollandezes, e assegurar aquella
possessão á coroa de Portugal.
No mesmo anno de 4607 fez doação aquelle so
berano ao rei de Portugal de varias minas muito
importantes dos seus estados, o que deu occasião
a fundarem-se alguns estabelecimentos no interior
da provincia. Começou então a desinvolver-se o
commercio interno, e alguns desses estabelecimen
tos, á sombra de fortalezas, que se erigiram para
os defender, clfegaram a adquirir certa importan
cia. Com este movimento commercial prosperou
Sofala, primeira capital da provincia, e a pequena
povoação da ilha de Moçambique, graças á excel-
lencia do seu porto, sentiu ainda mais os seus be
neficos effeitos, crescendo a ponto de obter ao
diante as honras de villa, e mais tarde as de ci
dade e de cabeça da Africa oriental portugueza.
Sacudiu Portugal o jugo de Castella em dezem
bro de 16l0, e Moçambique apressou-se a secun
dar o patriotico esforço da metropole apenas lhe
chegou a noticia.
Acabada a luta da nossa independencia, e ex
pulsos os hollandezes das terras do Brazil, tra-
lou-se de dar grande impulso á colonisação deste
paiz. Como as necessidades da agricultura deman
davam não só muitos braços, de que Portugal não
tinha sobras, mas tambem homens que podessem
supportar o trabalho sob o sol dos tropicos, re-
correu-se á Africa e assim se deu principio ao
trafico da escravatura em larga escala.
No commercio de Moçambique operou-se em
pouco tempo uma completa transformação. Os im-
mensos lucros, que offerecia o trafico da escrava
tura, foram distrahindo as attenções e os capitaes
das industrias, que iam tornando florecente a pro
vincia.
Aquelle trafico trouxe, não ha duvida, grande
cópia de dinheiro á cidade de Moçambique, e du
rante bastantes annos lhe deu um aspecto de appa-
rente prosperidade; porem foi a origem da maior
— 266 —
'parte dos males, que tem alíligido aquella nossa
possessão, e a causa efficiente da miseria a que
ella chegou.
Não houve só a lamentar a quasi extineção do
commercio interno, a ruina de alguns estabetecimen
tos do interior, o definhamento da agricultura, o
abandono emfira de todos os ramos da industria,
que podem dar a um paiz a verdadeira e dura
doira prosperidade.
Peior ainda que tudo isto foram as outras con
sequencias daquelle barbaro trafico: a relaxação
inoculada nos costumes, a corrupção introduzida
nos empregados do governo, e a despovoação da
provincia pelas carregações de escravos enviados
para a America, e pela emigração de muitos pre
tos para longe das fronteiras portuguezas. A tal
ponto chegaram a cubiça e a immoralidade dos ne
greiros e de algumas auetoridades, que avultado
numero de pretos, subditos d'el-rei de Portugal,
foram vendidos como escravos, e transportados
para o Brazil.
Os rendimentos publicos, declinando de anno
para anno, não bastavam para as necessidades da
provincia, nem sequer chegavam para a sustenta
ção do governo e da força armada. A divida pu
blica sempre crescendo, e os meios de segurança
a diminuirem; os empregados procurando nas extor
sões e na veniaga o modo de preencherem os seus
ordenados, ou de locupletarem a sua cubica; aau-
ctoridade sem força nem prestigio; a pouca tropa,
que estava guarnecendo os presidios sem descipli-
na; o desleixo e a desordem lavrando em todos os
ramos da administração; e por toda a parte a des-
moralisação a campear, levaram a provincia de
Moçambique a uma situação da maior gravidade.
Aproveitando-se d'este estado de enfraquecimen
to, ou diremos melhor de dissolução, os cafres, e
outras hordas selvagens dos paizescircumvisinhos,
romperam em hostilidades contra a provincia; e
os proprios povos tributarios e adiados da coroa
de Portugal começaram a levantar o estandarte da
rebelião. A historia de Moçambique nestas ulti-
— ac7 —
mos trinta 3nnos tem sido uma guerra quasi con
tinua n'um ou n'outro ponto da provincia.
Em 1835 os negros landianos exerceram uma
horrivel carnificina nos habitantes de Inhambane.
Em 1842, houve uma revolução no presidio da
Bahia de Lourenço Marques. Os amotinados, com-
mettendo todo o genero de violencias contra os
portuguezes, e contra as suas propriedades, assas
sinaram o governador.
Mais tarde, correndo oanno de 1856, rebentou
outra insurreição nas margens do Zambeze. Os
revoltosos unidos com os cafres assolaram o paiz,
e cortando as communicações do interior com o
litoral, entre as povoações de Teté, Senna, e Qui-
limano, obrigaram alguns estabelecimentos portu
guezes a comprarem a segurança e a paz á custa
de oneroso resgate.
Em 1858 repetiram-se quasi as mesmas scenas
tambem nas immediações do Zambeze. Os insur-
gentes apoderaram-se de importantes carregações
de marfim, que iam caminho de Quilimane.
Ainda no anno passado, de 1801, o flagello da
guerra affiigiu a provincia de Moçambique. As ul
timas noticias vindas d'esta nossa possessão em
fevereiro do corrente anno de 1862 participam uma
importante victoria ganha pelas tropas portuguezas
contra os negros.
Não ha duvida qus em toda esta prolongada
lucta as armas portuguezas teem obtido afinal
triumpho contra os indigenas, com mais ou menos
sacrificio. Entretanto os mates, que d'ahi teem re
sultado para a provincia são tão grandes, que se
lhes não acudirem com prompto remedio, arrisca-
mo-nos a ver cair da coroa de Portugal aquella
joia, que n'outras mãos seria já de um valor ines
timavel, como fonte de immensos recursos. Cre
mos, porém, que se aproxima a época da regene
ração das nossas provincias ultramarinas por meio
de um impulso civilisador. Cremol-o assim, por
que já todos em Portugal reconhecem essa grande
necessidade, e a opinião publica ha de segura
mente obrigar o governo a applicar toda a sua
— 268 —
attenção, empenho, e esforços na resolução d'a-
quellaimportantissima questão. O que se tem feito
ultimamente em favor dessas provincias éna ver
dade mui pouco; porém mostra que se está en
trando no bom caminho. E será impossivel a qual
quer ministerio recuar ou parar n'elle.
Relativamente a Moçambique foi o porto da ci
dade franqueado ao commercio de todas as nações
no anno de 1853; estabeleceram-se varias alfan
degas provinciaes; reformou-se a pauta dos direi
tos; e nos dois ultimos annos enviou-lhe a metro
pole tres embarcações movidas a vapor, a Infanta
D. Maria Anna, e Barão de Lazarim, que actual
mente cruzam na costa, dando força ás auctori-
dades e impondo respeito aos negros, e o Zambeze
para navegar no rio d'este nome, e proteger os es
tabelecimentos do interior.
A povoação de Moçambique foi elevada á cathe-
goria de villa por el-rei D. José i, no anno de
1761, recebendo o nome de S. Sebastião de Mo
çambique, que era o da invocação da sua primeira
fortaleza. Êm 1818 foi creada cidade, obtendo as
honras de capital da Africa oriental portugueza
por decreto de 18 de Setembro do principe re
gente, D. João. Até então era Sofalaasede do go
verno de toda a provincia.
Ergue-se a cidade de Moçambique em uma ponta
da ilha do mesmo nome, em lo° 2* de lat. su
doeste, e 38° 27' 45" de long. este. Dista de Lis
boa 980 leguas em linha recta, e 1:980 em via
gem em volta do Cabo da Boa Esperança.
A cidade de S. Sebastião de Moçambique é séde
de um governador geral, nomeado de tres em tres
annos, de um juiz de direito, de um prelado, que
tem a jurisdicção ecclesiastica de toda a provin
cia, além de outras auctoridades subalternas.
O brasão d'armas de S. Sebastião de Moçambi
que compõe-se de cinco setas verdes, atadas com
uma fita vermelha, e por baixo duas palmas ver
des, tudo no meio de um escudo de prata. Desne
cessario seria dizer-se que este brasão é allusivo
ao martyrio do patrono da cidade.
— 269 —
A organisação do governo e administração pu
blica são eguaes ás que referimos das outras pro
vincias ultramarinas. A repartição de justiça é
subordinada á relação de Goa, e assim tambem
a prelazia de Moçambique está sugeita ao arce
bispo primaz do oriente. Foi creada esta prela
zia a instancias d'el-rei D. João m pelo papa
Paulo ih, concedendo-se ao prelado as honras epis-
copaes com o titulo de bispo de Pentacomea, ou
de Olba.
A guarnição da cidade e fortalezas é feita por
um batalhão de infaLteria, com 300 homens, e
duas companhias de artilharia com uns 150 sol
dados.
Não apresenta esta cidade uma bonita perspe
ctiva a quem a observa do porto, porque o seu
assento em terreno baixo não deixa ver do mar
os seus melhores edificios, nem mesmo ajuizar da
grandeza da povoação. Estende-se por um espaço
de terreno, que tem perto de duas milhas.
Divide-se a cidade em sete bairros, denomina
dos de S. Domingos, de S. Gabriel, da Sé, do Con
celho, da Misanga, da Marangonha, e da Ponta du
Ilha.
As parochias são duas: a matriz ou sé, dedi
cada a Nossa Senhora da Purificação e do Livra
mento, c a outra consagrada a S. Sebastião. A sé,
é um templo bem construido, de uma só nave,
mas que se acha muito damnifieado. Está situado
proximo do mar, e quasi no centro da cidade. E'
a principal freguezia, não só pela sua gerarchia,
mas porque abrange a todos os moradores da ci
dade, menos os que habitam na praça e fortaleza
de S. Sebastião, na qual está erecta a parochia da
mesma invocação.
O templo desta ultima acha-se em ruinas, e in
teiramente descuberto. O parodio administra os
Sacramentos na capella do palacio de S. Paulo,
residencia do governador da provincia. Nessa egreja
arruinada de S. Sebastião está sepultado João da
Silva Tello de Menezes, 1.° conde d'Aveiras, vice-
rei da lndia, fallecido em Moçambique no anno
— 270 —
»
de 1651 quando voltava pela segunda vez a Goa
com o mesmo cargo de vice-rei.
Os outros edificios religiosos e estabelecimentos
pios são os seguintes: A egreja da misericordia,
fundada nos principios do seculo 17.°, é o templo
da cidade que possue melhores paramentos e al
faias. O hospital militar e civil de S. João de Deus,
oceupa o convento da mesma invocação, que per
tenceu á ordem dos hospitaleiros. Foi edificado
em 1681, e reconstruido em 1703. A antiga egreja
do convento serve de capella do hospital. O asilo
da infancia desvalida foi instituido em 18;i6, e
oceupa o edificio do extincto convento de S. Domin
gos. A egreja de S. Francisco Xavier, que pertenceu
aos jesuitas, ò actualmente eapella do palacio do go
vernador. Na capella mór, do lado da epistola, está
uma lapide embebida na parede com este letreiro:
Aqui jaz D. Estevão de Athaide, castellão que foi
desta praça, que a defendeu de dois cercos dos hot-
landezes, generat das conquistas das minas de pra
ta: falleceu em 1033, e a companhia o recebeu neste
collegio. No pavimento da mesma capeIIa mór está
sepultado o marquez de Aracaty, governador de
Moçambique, cargo de que tomou posse em 1837. A
capella de Nossa Senhora da Saude, outr'ora egreja
do hospicio dos frades capuchos, e hoje adminis
trada pela camara municipal, e serve de capella
do cemiterio publico, que lhe fica contiguo. Aca-
pella de Nossa Senhora do Baluarte, está dentro da
fortaleza de S. Sebastião. Nella se celebra a cere-
monia da entrega' do bastão aos governadores de
Moçambique no acto de tomarem posse d'este car
go. Estão ahi seputtadas algumas pessoas notaveis.
A capella de Santo Antonio, está edilicada em uma
pequena ponta da ilha. Osdominicos tiveram nesta
cidade um convento, cuja egreja dedicada a Nossa
Senhora do Rosario se acha em completa ruina.
Os outros edificios principaes são o palacio de
S. Paulo, residencia do governador; a casa da
junta da fazenda; a alfandega; o arsenal da mari
nha, a imprença nacional, que oceupa a antiga
casa do Ouvidor; a casa chamada do Bispo, que
— 271 —
é a residencia do prelado; e a casa da camara
municipal. Esta ultima passa por ser o melhor pa
lacio municipal das nossas possessões ultramarinas
á excepção do de Macau. Encerra um theatro, e
tem contigua a cadêa publica. O caes e ponte da
alfandega, com 122 metros de comprimento, é
uma bella obra.
As ruas da cidade são ein geral estreitas, e mal
gradadas. As melhores praças e largos são os se
guintes: de S. Paulo, em frente do palacio do go
verno, e da alfandega, é arborisado, e guarnecido
de alegretes deflores; da Unido, também chamado
do Pelourinho, com sua fileira de acacias, o no
centro uma columna de oito metros de altura,, co
roada pela esphera armilar; da Saude, tambem
arborisado, e com um obelisco no meio de nove
metros de elevação, terminando em uma coroa
real, fundado em 1826 em commemoração de ha
ver el-rei D. João vi assumido o poder absoluto.
As casas pela maior parte são mal construidas,
mas encontram-se bastantes bem edificadas, caia
das, e com seus terrados.
Ha na cidade tres mercados, dois chamados ba
zares, onde se vendem hortaliças, frutas, e mais
generos de consummo diario, e o terceiro denomi
nado banca do peixe.
Não ha na cidade fonte alguma. A agua de que
se abastecem os moradores é de cisternas, que são
muitas, e de alguns poços. Vem-lhes tambem de
fora, de uma fonte situada na bahia deTitangone a
.umas tres leguas de distancia de Moçambique. Por
esta falta, c pela natureza do solo calcarco de que é
formada, a ilha de Moçambique é arida e esteril.
Todavia em torno da cidade apparecem algumas
palmeiras, e outras arvores. Todos os generos para
o consutnmo dos habitantes, incluindo hortaliças
e fructas, veem da terra firme.
Defendem a cidade e o porto tres fortalezas de-
nomiuadas de S. Sebastião, de S. Lourenço, e de
Santo Antonio' k primeira éa principal. Está bem
artilhada, e em bom estado de conservação. Tem
quatro baluartes, dois para o mar, c dois para o
— 272 —
lado de terra, que dominam toda a ilha. O vasto
campo de S Gabriel separa a fortaleza da cidade.
O forte de S. Lourenço está edificado sobre um
rochedo ao sul da ilha, e afastado d'ella uns cem
passos. É pequeno, e tem poucos canhões.
O forte de Santo Antonio acha-se situado qaasi
nomeio do litororal da ilha, e apenas o guarne
cem duas peças.
O porto é formado pelas tres ilhas de Moçambi
que, de S. Jorge, e de S. Thiago, e pela costa do
continente. Tem mais de duas leguas de circum-
ferencia, e offerece commodo e seguro ancoradoiro
aos navios de maior lotação, inclusive naus. A.
barra é de facil entrada.
Limitam-se os estabelecimentos de instrucçto
publica na cidade, a uma escola de latim ede pri^
meiras letras. Tem uma typographia, e um jornal
Boletim do Governo de Moçambique.
O clima da cidade de Moçambique é muito in
salubre, por ser a ilha terra baixa e alagadiça.
Se não fora a exceltencia do porto, as vantagens
d'esta situação geographica para o comnrercio, e
navegação da lndia, e ao mesmo tempo a segu
rança da capital, sem duvida teria sido mudada
ha muito a séde do governo, para algum ponto
do continente mais sadio C ameno.
A insalubridade da ilha foi causa de que se po
voasse na terra firme, no fundo da bahia, um sitio
chamado Mossuril, de clima benefico, e de terre
nos fertilissimos. Crescendo pelas muitas condições
favoraveis da sua posição, Mossuril tornou-se um,
suburbio delicioso da capital, e logar de refugio
durante a quadra das febres endemicas. A sua po-
polução é hoje maior que a da cidade, que ape
nas conta uns tres mil habitantes, na ma\ima
parte negros, ou banianos, oriundos da lndia.
Ha em Mossuril um palacio dos governadores
de Moçambique, e muitas casas de campo dos mo
radores mais abastados da cidade. No outono, or
dinariamente, faz-se em Mossuril uma feira an-
nual, denominada dos Mujáos, porque ali concor
rem os pretos d'este nome em grandes caravanas,
— 273 —
compostas de ires mil individuos, e mais, trazendo
do interior d'Africa marfim, gomma copal, pelles
de animaes, e outros productos, que trocamfpor
generos e mercadorias da Europa. Antigamente
tambem era feira de escravos.
Em torno da povoação de Mossuril yeem-se
moitas hortas e pomares de laranja, e de outras
frutas de que se abastece a cidade de Moçam
bique.
Apesar da sua decadencia ainda esta cidade é
a praça mais commercial da costa orientai da Afri-'
ca. Importa da lndia algumas variedades de teci
dos de algodão, principalmente os zuartes de Goa,
de cor azul; e da Europa tambem muitas fazendas
de algodão, e outras diversidades de mercadorias
e utensilios, que convem aocommercio de permu
tação de generos que se faz com os pretos do in
terior, e de todo o litoral africano.
Mercado central desta parte da Africa, exporta
marfim, pontas de abada, ou rhinoceronte, pelles
de animaes, e pennas de aves, cera, gomma co
pal, resina, ambar, balsamo, malachites, tapioca,
arrow-root, sagú, caffé, anil, oleo de ricino, ger-
selim, urzella, salsaparrilha, varias drogas medi-
ciaaes, cocos, cristal de rocha e outras produc-
-ções.
Entretanto este movimento commercial é feito
em pequena escala em consequencia do atraso em
que se acha a provincia, e pelas outras rasões
acima expostas.
Quando a civilisação e a industria fizerem sen
tir o seu poder n'esta rica provincia, não só ha de
augmentar extraordinariamente a exportação de
todos aquelles generos, mas hão de concorrer ao
mercado da cidade de Moçambique ainda muitos
outros productos do sólo africano tanto, ou mais
valiosos que os que deixamos mencionados.
Possue minas de ferro, de cobre, de carvão de
pedra, de oiro, e de prata. Alguns rios trazem
abundancia de oiro nas suas areas. O districto de
Sofala, principalmente, sempre teve nomeada a
este respeito desde » roais remota antiguidade.
vOL. ttt. 18
— 274 —
Em pedras preciosas não é menos rico aquellc
territorio. Encontram-se n'elle, em muitas partes,
bellas esmeraldas, e outras pedras; e na costa abun
dam as perolas. Os bosques do interior podem for
necer uma infinita variedade de madeiras excelien-
tes para construcção, e das mais apreciaveis para
marcenaria. O ebano, por exemplo, é ah vulgar.
As arvores da quina, e de todo o genero de espe
ciaria, crescem em densas florestas pelo sertão de
Moçambique.
Além d'isto prestam-se aquelles terrenos e aquelte
clima a todas as mais culturas em que actual
mente se occupa a industria agricola na provincia
de Angola. Dão-se ali perfeitamente a canna do
assuçar, o caffé, o cacau, o tabaco, e o algodão.
Os cereaes tambem offerecem boa producção, e
chegaram a dar emprego a grande numero de bra
ços, antes do trafico da escravatura despovoar aquel-
las regiões pelos milhares de escravos que enviava
annualmente para a America, e pelas tribus intei
ras que affugentava para longe das nossas pos
sessões.
Nas margens dos differentes rios que atravessam
a provincia até se lançarem no mar em territorio
portuguez, sobre tudo nas margens do Zambeze,
ha extensissimos prados sempre cobertos de opti
mas pastagens, em que se cria algum gado, mas
onde este ramo da industria podia ser etevado a
um subido ponto de importancia, e de apperfei-
çoamento.
A zoologia é um outro elemento de immensa ri
queza paraaquella provincia. São infinitas a diver
sidade e quantidade de animaes, que povoam os
mattos, e cujos despojos ocommercio paga a pezo
de oiro. Os etefantes e os hyppopotamos ou ca-
vallos marinhos, de dentes de marfim, especial
mente os primeiros, caem aos milhares em cada
anno sob o fuzil do caçador. Os tigres, onças,
pantheras, teopardos, girafas, zebras, e muitos
outros animaes de peltes formosissimas, não tecm
conta.
As aves de plumagem variegada, decores vivas
— 275 —
c brilhantes, o de canto harmonioso, tambem são
innumeraveis.
Abundam osmattos em muitas especies de caça
grossa e miuda, rasteira & do ar. Nos rios e ao
longo da costa ha bastante variedade de peixes.
A tantas e taes condições de prosperidade, que
tem a provinSia de Moçambique, ainda acerescem
as magniticas bahias, e os portos commodos e se
guros, que se abrem na sua extensa costa; e os
rios, que a cortam, navegaveis por grande dis
tancia.
A bahia de Lourenço Marques, é o melhor porto
de toda a costa. Podem n'elle fundear em perfeita
segurança as maiores naus. Tem esta bahia seis a
sete leguas de largura, e n'ella veem desaguar os
rios navegaveis de Maputo, Manina, c do Espirito
Santo.
No porto de Inhambane vem lançar-se o rio do
mesiao nome, e no de Sofala o rioSofala Grande.
No districto de Quelimane estão as differentes
bocas por onde o rio Zambeze mistura as suas
aguas com as do mar. O porto de Quelimane não
ê accessivel aos navios de grande lotação, porém
o rio ou braço de mar, em cujas margens está si
tuada a villa de Quelimane, que lhe dá o nome,
não tem menos de meia legua de largura na sua
foz. O porto de Mocambo, proximo do de Moçam
bique, é como este uma bella posição commercial.
Desembocam n'elle tres rios, um dos quaes, cha
mado Conducia, é de longo curso, e se lhe sup-
põe a origem nos grandes lagos do interior. O
porto de Ibo é tambem, como o antecedente, um
ponto que se pode tornar importante para o com-
mercio. Ibo é uma ilha, que juntamente com ouv
iras, formam o districto de Cabo Delgado, o ulti
mo das possessões portuguezas ao norte de Moçam
bique. É uma ilha de rica e variada producção,
onde se cultivam cereaes, e abundam o algodão,
o caffé, o tabaco, as madeiras de construcção, o
ambar, a gomma copal, e a urzella. A povoação
de S. João de Ibo, defendida por tres fortes, é a
capital da ilha, e do districto.
— *76—
O Zambeze será uma importantíssima arteria de
riqueza ede civilisação, quando for animada; pelo
commerera.
Este caudaloso rio' não é somente o principal da
provincia de Moçambique, é tambem um dos mais
consideraveis de toda a Africa. Tem a sua origem
nas serranias do centro de Africa, e recebe todos
os grandes manancmes, que brotam das faldas orien-
taes,d'aquel|as cordilheiras. Corre principalmente
de este para oeste; depois dirige-se do norte para
o sul, e a final toma outra vez á direcção de este.
Em todo o seu extenso curso veem muitos rios en-
grossar-lhe a corrente. Os principaes são o Liba
e o Chobé. O primeiro, oriundo d» paiz dos Ba-
londas, traz-lhe o seu tributo pelo lado do norte; e
o segundo, que se julga ter principio nas serras
de Bihé com o nome deCubango, lança-se-lhe pela
parte do sul.
A trinta leguas da costa divide-se o Zambeze
em dois braços, e depois ainda se reparte em mais
dois. Entra portanto no mar, no canal de Moçam
bique, por quatro bocas distantes umas das outras,
deixando entre si bons terrenos para a agricultura,
aos quaes leis especiaes deram a natureza de pra-
sos transmissiveis unicamente ás femeas, com o
fim de promoverem os cazamentos d'estas com os
portuguezes idos da Europa, e assim augmentarem
e milhorarem a colonisação.
. O mais consideravel d'aquelles quatro braços do
Zambeze toma o nome de rio de Quilimane, quo
tem de largura na sua foz, como acima< dissemos,
meia legna.
Durante a estação invernosa trasborda o Zam
beze tres ou quatro vezes por anno, causando
grandes inundações na sua margem direita, de que
resulta serem doentios muitos sitios d'ella. Toda
via passa por outros territorios, que por se acha
rem mais etevados, são sadios, e tambem ferteis,
e além disso mais povoados.
Ha varias povoações e estabelecimentos portu-
guezes nas margens d'este caudaloso rio. A pri
meira é a villa de Quilimane, a sete leguas da sua
— 277 —

barra, sentada em terreno baixa e humido, e por


essa rasão pouco saudavel. '
A segunda é a villa de Senna, cabeça do districto
de Rios de Senna, e distante de Quelimane ses
senta leguas. Foi outr'ora populosa e rica, mas
actualmente acha-se em grande decadencia, tanto
por causa da insalubridade do clima, como pelas
continuadas aggressões dos pretos landins.
A terceira é a villa de Tete, capital do distri
cto do mesmo nome. Está edificada em logar ele
vado e sadio na margeai direita do Zambeze, em
distancia de outras sessenta leguas da villa de
Senna,

FIM
índice do terceiro volume.

Villa de Sabugal *
» de Santarem .....> 4
» de Santiago de Cacem 28
» de Serpa 34
Cidade de Setubal 39
» de Silves • • 54
» de Tavira 62
»' de Thomar • 69
Villa da Torre de Moncorvo 86
» de Torres Novas 92
» de Torres Vedras 98
» de Trancoso 113
» e praça de Valença H7
» de Veiros 124
» de Vianna do Alemtejo . 126
Cidade de Vianna do Castello 129
Villa da Vidigueira 143
» de Villa do Conde 148
» de Villa Flor 184
» Nova da Cerveira 156
» de Villa das Pias 159
» de Villa Real 164
» de Villa Viçosa 170
Cidade de Vizeu , 183
» de Goa 201
» de Nova Goa 215
» de Macau 228
» de S. Paulo da Assumpção de Loanda. 244
» de S. Sebastião de Moçambique 262

RECTtFtCAÇÃO tMPORTANTE.

No segundo volume, a paginas H, tractando-se


de Lamego, diz-se que é capital de districto, e
sede[de um governador civil. Foi equivoco. Esta ci
dade é simplesmente cabeça de concelho e de co
marca, e pertence ao districto administrativo de
Vizeu.
c

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