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DA JARDINAGEM AO
PAISAGISMO: EVOLUÇÃO
HISTÓRICA
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DA JARDINAGEM AO PAISAGISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
1.1. INTRODUÇÃO
Plausível seria resgatar os meandros da história em seu período mais antigo e
trazer à luz os primórdios dos jardins. No entanto, nem tudo ainda se conhece
sobre os jardins da antigüidade. Ao arqueólogo é pouco factível reconstruir esses
espaços, tendo em vista o caráter perecível da vegetação. Os estudos e a
reconstituição dos jardins de então baseiam -se, sobretudo, em pinturas e escritos
literários encontrados em escavações arqueológicas. Os registros históricos
apontam que a arte da jardinagem surgiu pela primeira vez, de forma
independente, em dois lugares distintos: Egito e China. Os jardins egípcios
estiveram baseados nas pequenas áreas agrícolas irrigadas do deserto, e os
chineses nos parques de caça imperial.
Apesar de muito da história dos jardins ter se perdido no tempo, ainda assim é
possível traçar o caminho de sua evolução. Partindo de seu caráter mítico-
religioso - o “paraíso” prometido no livro Gênesis da Bíblia -, ou de seus mitos e
lendas, ou ainda dos registros que comprovam a existência dos Jardins
Suspensos da Babilônia, até os jardins modernos, passando pelo Egito, Grécia e
Roma antiga, verificamos a importância de cada momento histórico-cultural na
concepção de outros espaços que não somente o jardim privado. A história
recente mantém vivos os jardins do Renascimento francês e italiano e a Inglaterra
com seu jardim paisagístico.
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DA JARDINAGEM AO PAISAGISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Até o século XVIII a tradição egípcia, transmitida através dos gregos, dos persas,
dos romanos, dos árabes, dos italianos e dos franceses, imperou no Ocidente
sem nenhuma influência chinesa. O estilo naturalista inglês, que “nasce” com o
advento da Revolução Industrial na Inglaterra, se estendeu rapidamente no século
seguinte, criando jardins que em todos os aspectos correspondiam aos jardins da
China. A partir do final século XIX, não houve mais aquela preocupação com a
influência ou o traçado do jardim, mas sim com a diversificação das espécies e
variedades que o representavam.
• formal • informal
• retilíneo ⇐ características ⇒ • sinuoso
• arquitetônico • naturalista
à Egito à Japão
à Grécia
à Pérsia
à Índia
à Roma antiga
à Mouros
à Renascimento
(França, Itália)
à Inglaterra
(Revolução Industrial)
Para Llardent (1982), as notícias mais remotas dos jardins pertencentes à idade
antiga têm, fundamentalmente, caráter literário, no caso, a base seria o livro
Gênesis da Bíblia. Em Gênesis se nos fala da existência de uma paisagem
natural maravilhosa, a qual se denomina Éden, e que se descreve como paraíso,
um parque plantado por Deus, onde se cultivam árvores de todas as espécies,
árvores agradáveis para ver e boas para comer. Para Laurie (1983), o conceito de
jardim aprazível tem sua provável origem na mitologia, embora sua disposição e
organização parece derivar dos métodos de cultivo e irrigação. A parte todo
simbolismo que se associa ao jardim, o fato é que, no mais profundo de nossas
origens, mitos, lendas e crenças estão fortemente arraigados nas primeiras
formas de pensamento, influenciando as primitivas civilizações. Isto é parte de
nosso legado cultural, imprimindo, desde o princípio, o gosto pelos jardins na
alma humana. De acordo com a literatura mítica-religiosa o homem “nasceu”
dentro de um jardim - o Éden.
Dos Jardins Suspensos da Babilônia, conhecidos como sendo uma das sete
maravilhas do mundo antigo, nunca se encontrou qualquer ruína: sua existência
está relatada nos escritos de Diodoro Siculo1, Estrabão2 e Xenofonte3, que
descrevem detalhadamente essa obra da engenharia humana (CHIUSOLI, 1985).
Datados do século VII e VIII a.C. segundo alguns autores, a 3.500 a.C. segundo
outros, e restaurado por Nabucodonosor4 no século VI a.C., os Jardins Suspensos
1
Diodoro Siculo ou Diodoro da Sicília. Grego de origem e natural da Sicília, nasceu em princípios do século I a.C. Escreveu
"Biblioteca Histórica", fruto de suas viagens pela Europa, Ásia e Egito.
2
Estrabão (60 a.C. - 21 d.C.).Geógrafo e historiador grego nascido em Amásia, no Ponto. Dedicou sua vida a viagens e
estudos, tendo visitado a Grécia e o Egito. Autor de "Geografia", este compêndio fornece extensas observações sobre a
região do Mediterrâneo, assim com copiosas referências a escritores que o ant ecederam.
3
Xenofonte (430 - 355 a.C.). Historiador, filósofo e general ateniense, participou da Guerra do Peloponeso e foi discípulo
de Sócrates. Entre outras obras, escreveu: "As Helênicas", "História da Guerra do Peloponeso" e a "Ciropédia".
4
Nabucodonosor (630 - 562 a.C.). Rei da Babilônia (605 - 562 a.C.), fundou o novo império babilônico. Sob sua égide a
civilização babilônica atingiu o apogeu, estendendo os seus domínios a rincões tão afastados quanto o Mar Mediterrâneo.
Ordenou a deportação dos jud eus para a Babilônia (586 a.C.).
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Heródoto (490/80-430/20 a.C.). Historiador grego, de Helicarnasso, chamado o "Pai da História". Em seus livros ficaram
documentados, sobretudo, os usos e costumes dos povos antigos que visitou.
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DA JARDINAGEM AO PAISAGISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A parte mais surpreendente do jardim era, sem dúvida, o aparato hidráulico que
levava água até a parte mais alta do mesmo (vide figura 4). No desenho está
esquematizado tem-se duas grandes roldanas, uma em cima da outra, ligadas
por uma corrente. Ao longo da corrente, são conectados baldes. Na parte de
baixo da roldana inferior encontra-se um piscina com a água da fonte. À medida
que as roldanas se moviam, os baldes mergulhavam na fonte e eram erguidos até
a piscina localizada no andar superior dos jardins, onde os baldes eram
derramados, descendo então vazios para a piscina inferior. A piscina na parte
superior dos jardins podia então ser liberada por comportas nos canais que
atuavam como rios artificiais para irrigar os jardins. A roldana inferior tinha uma
manivela e um eixo, movidos por escravos.
por 400 pés de largura (121,92 m) e mais de 80 pés de altura (24,38 m). Outros
relatos indicam que a altura era igual às muralhas exteriores da cidade. Segundo
se sabe, as muralhas chegavam a 320 pés de altura (97,53 m).
Os registros que se têm acerca dos jardins do antigo Egito, e que permitiu a
reconstrução fidedigna dos mesmos, foram extraídos de pinturas encontradas
junto às tumbas dos faraós e outras ruínas. Pode-se dizer que a antiga civilização
desenvolvida ao longo do Vale do Nilo, no arco de tempo compreendido entre
3.500 a.C. e 500 d.C., representou uma etapa muito importante na história dos
jardins. Os jardins em tela refletem a sensibilidade artística e o alto nível atingido
na técnica hidráulica, agrícola e construtiva da civilização egipciana.
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Amenophis III, rei egípci o, reinou de 1.500 a 1.466 a.C.
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Pausanias. Geógrafo e escritor grego do século II d.C., nasceu, provavelmente, em Cesarea da Capadócia. Sua obra
mais famosa - "O Itinerário de Pausanias" - descreve suas viagens pelo mundo antigo, relatando aspectos da mitologia,
escultura, religião, pintura e arquitetura das culturas visitadas.
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DA JARDINAGEM AO PAISAGISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Por volta de 500 a.C. os reis da Pérsia criaram jardins de grande exuberância
destinados à diversão, consagrados ao prazer, ao amor, à saúde e ao luxo.
Eminentemente formais - uma versão modificada do plano egípcio -, de linhas
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De acordo com o estudioso alexandrino Apolodoro, Perseu, o lendário fundador de Micenas, nunca teria nascido se seu
avô tivesse conseguido seu intento. Acrísio, rei de Argos, era pai de uma linda filha, Dânae, mas estava desapontado por
não ter um filho. Quando consultou o oráculo sobre a ausência de um herdeiro homem, recebeu a informação que não
geraria um filho, mas com o passar do tempo teria um neto, cujo destino era matar o avô. Acrísio tomou medidas extremas
para fugir deste destino. Trancou Dânae no topo de uma torre de bronze, e lá permaneceu numa total reclusão até o dia
em que foi visitada por Zeus na forma de uma chuva de ouro; assim deu à luz a Perseu. Acrísio ficou furioso, mas ainda
achava que seu destino poderia ser evitado. Fez seu carpinteiro construir uma grande arca, dentro da qual Dânae foi
forçada a entrar com seu bebê, sendo levados para o mar. Entretanto, conseguiram sobreviver às ondas, e após uma
cansativa jornada a arca foi jogada nas praias de Sérifo, uma das ilhas das Ciclades. Dânae e Perseu foram encontrados e
cuidados por um honesto pescador, Dictis, irmão do menos escrupuloso rei de Sérifo, Polidectes. Com o passar do tempo,
Polidectes apaixonou-se por Dânae, mas enquanto crescia Perseu protegeu ciumentamente sua mãe dos indesejados
avanços do rei. Um dia, durante um banquete, Polidectes perguntou a seus convidados que presente cada um estava
preparado a oferecer-lhe. Todos os outros prometeram cavalos, mas Perseu ofereceu-se a trazer a cabeça da górgone.
Quando Polidectes o fez cumprir sua palavra, Perseu foi forçado a honrar sua oferta. As górgones eram em número de
três, monstruosas criaturas aladas com cabelos de serpentes; duas eram imortais mas a terceira, Medusa, era mortal e
assim potencialmente vulnerável; a dificuldade era que qualquer um que a olhasse se transformaria em pedra. Felizmente,
Hermes veio em sua ajuda, e mostrou a Perseu o caminho das Gréias, três velhas irmãs que compartilhavam um olho e um
dente entre si. Instruído por Hermes, Perseu conseguiu se apoderar do olho e do dente, recusando-se a devolvê-los até
que as Gréias mostrassem o caminho até as Ninfas, que lhe forneceriam os equipamentos que necessitava para lidar com
Medusa. As Ninfas prestimosamente forneceram uma capa de escuridão que permitiria a Perseu pegar a Medusa de
surpresa, botas aladas para facilitar sua fuga e uma bolsa especial para colocar a cabeça imediatamente após a ter
decepado. Hermes sacou uma faca em forma de foice, e assim Perseu seguiu completamente equipado para encontrar
Medusa. Com a ajuda de Atena, que segurou um espelho de bronze no qual podia ver a imagem da górgone, ao invés de
olhar diretamente para sua terrível face, conseguiu finalmente despachá-la. Acomodando a cabeça de modo seguro na sua
bolsa, retornou rapidamente a Sérifo, auxiliado por suas botas aladas. Ao sobrevoar a costa da Etiópia, Perseu viu abaixo
uma linda princesa atada numa rocha. Esta era Andrômeda, cuja fútil mãe Cassiopéia tinha incorrido na ira de Possêidon
ao espalhar que era mais bonita do que as filhas do deus do mar Nereu. Para puni-la, Possêidon enviou um monstro
marinho para devastar o reino; apenas poderia ser parado se recebesse a oferenda da filha da rainha, Andrômeda, que foi
assim colocada na orla marítima para esperar o terrível destino. Perseu apaixonou-se imediatamente, matou o monstro
marinho e libertou a princesa. Os pais dela, em júbilo, ofereceram Andrômeda como esposa a Perseu, e os dois seguiram
na jornada para Sérifo. Polidectes não acreditava que Perseu pudesse retornar, e deve ter sido bastante gratificante para
Perseu observar o tirano ficar lentamente petrificado sob o olhar da cabeça da górgone. Perseu deu então a cabeça a
Atena, que a fixou como um emblema no centro de seu protetor peitoral. Perseu, Dânae e Andrômeda seguiram então
juntos para Argos, onde esperavam se reconciliar com o velho rei Acrísio. Mas quando Acrísio soube desta vinda, fugiu da
presença ameaçadora de seu neto, indo para a Tessália, onde, não conhecendo um ao outro, Acrísio e Perseu acabaram
se encontrando nos jogos fúnebres do rei de Larissa. Aqui a previsão do oráculo que Acrísio temia se realizou, pois Perseu
atirou um disco, o qual se desviou do curso e atingiu Acrísio enquanto estava entre os espectadores, matando-o
instantaneamente. Perseu com sensibilidade decidiu que não seria muito popular voltar a Argos e reivindicar o trono de
Acrísio logo após tê -lo morto; assim, ao invés, fez uma troca de reinos com seu primo Megapentes. Megapentes se dirigiu
a Argos enquanto Perseu governou Tirinto, onde é considerado como responsável pelas fortificações de Midéia e Micenas.
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DA JARDINAGEM AO PAISAGISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A extrema aridez da Pérsia faz com que seus jardins, com a sombra
proporcionada pelas árvores e o ar refrescado pelos canais de água e fontes,
representem o próprio “paraíso”. De acordo com Jonhson (1979), a promessa que
Maomé fez do paraíso é precisamente o de um jardim ornado com palmeiras e
romãzeiras, junto a riachos não só de água, como também de leite e mel.
Originalmente a palavra “paraíso” significava parque de caça, e continua sendo a
palavra empregada na Pérsia (hoje Irã) para designar um jardim. Dessa descrição
feita por Maomé com relação ao paraíso, associado à beleza impar desses
espaços, advém a alcunha de “paraísos fechados”, como também são
conhecidos. Os persas ocupam um lugar especial na história da jardinagem:
nenhum outro povo teve tamanha sensibilidade e inclinação para a arte dos
jardins. Nas palavras do historiador Pope (apud JONHSON, 1979, p. 206), “na
Pérsia a necessidade de se possuir um jardim está mais profundamente
arraigada, mais articulada e é mais universal que a paixão dos japoneses pelas
flores e a predileção dos ingleses pelos campos”.
9
Sila Lucio Cornelio (138 - 78 a.C.). General e político romano, estudioso da literatura e arte grega. Foi um dos homens
mais excepcionalmente dotado da antigüidade.
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Técnica de poda ou corte artístico introduzido pelos romanos, ao que parece, segundo Plínio, por Gaio Mazio no século I
a.C., através da qual algumas plantas sempre verde, de folhas pequenas, passam a assumir formas figurativas diversas,
escultórica ou arquitetônica, segundo o gosto e a moda do momento.
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DA JARDINAGEM AO PAISAGISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
povoadas, onde não havia lugar para os jardins; qualquer espaço útil tinha uso
funcional, como a obtenção de alimentos ou ervas medicinais. Elemento
importante na manutenção e, posteriormente, elos de ligação que propicia a
continuação da arte da jardinagem foram os mosteiros. Em amplas áreas se
plantavam árvores frutíferas, hortaliças, ervas medicinais e aromáticas e flores
para os altares (LLARDENT, 1982; LAURIE, 1983). Nesse período a jardinagem
deixa de ter caráter estético e de deleite, para centrar-se na necessidade do
utilitário; do espaço físico restrito, utilizado para fazer frente às necessidades
prementes de alimentação e medicamentos naturais. É assim, pois, que, segundo
Chiusoli (1985), a composição dos jardins medievais apresentam-se codificados
por normas comumente rígidas, porém simplistas, nos quais não se reconhecem
fundamentos estéticos, mas somente utilitarísticos, com resultados que, espelho
do tempo, não se afastam do anonimato geral, sem um expoente maior.
11
André Le Nôtre (1613-1700). Jardineiro, pintor, desenhista e arquiteto, nasceu e morreu em Paris. Os jardins de
Versalhes, sua obra prima e expoente maior do estilo francês renascentista, foi construído em um período de dez anos
(1662 a 1672), em uma região totalmente pantanosa. Deixou provas da perfeição de sua arte, em: Vaux-le-Vicomte,
Tullerias, Fointainebleau, Saint-Cloud, Saint-Germain, Chantilly, Sceaux, entre outros.
12
Principais Villa renascentistas: Villa Medice em Florença, por Michelozzo; Villa Lante em Begnaia, por Vignola; Villa
Farnese em Caprarola, por Vignola; Villa Aldobrandini em Frascati, por Giacomo della Porta; Villa Giulia em Roma, por
Vignola; Villa Doria Pamphili em Roma, por Algardi; Villa Medice em Roma, por Lippi.
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DA JARDINAGEM AO PAISAGISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Em que pese toda crítica a respeito dos jardins franceses dessa época, é preciso
registrar a influência exercida pelos mesmos e sua importância no surgimento das
áreas verdes (praças e parques) abertas a toda população. Llardent (1982), que
critica a ostentação e fausto desses jardins, reconhece, todavia, que o estilo
imperante dos mesmos têm seu correspondente reflexo, respeitada a escala, na
cidade. Surgem nestas, as praças grandiosas, as extensas esplanadas com
monumentos, as avenidas arborizadas com perspectivas profundas e os
bulevares. Contribuiu para isso o fato de os parques reais serem abertos, com
certas condições e em dias específicos, ao público. Assim, por exemplo, Luís XIV
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DA JARDINAGEM AO PAISAGISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Jardins de Versalhes
Com os seus três palácios, os seus jardins, o seu parque e as suas
dependências, Versalhes é um domínio imenso. Embora tenha sido Luís XIII
quem mandou edificar um pavilhão de caça embelezado com um jardim, o
verdadeiro criador foi Luís XIV. De 1682 a 1789, Versalhes foi a capital da
monarquia absoluta e tornou-se o símbolo porque o local, modelado pela vontade
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DA JARDINAGEM AO PAISAGISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Os números da obra dão uma boa idéia de suas dimensões. Em 1683 o total de
trabalhadores na construção chegava à 30 mil pessoas. Mas ainda não eram
suficientes. Foram então convocados os soldados do exército real para ajudar.
Durante praticamente todo seu reinado Luis 14 conviveu com a terra, poeira,
barulho e imensas despesas da construção de Versalhes. Um dos maiores
desafios foi a construção dos parques e jardins que deveriam cercar o palácio, e
para eles foi criado um sistema independente de abastecimento de água. No
centro do parque localiza-se o Grand Canal com 1,6 km de extensão, e Petit
Canal com 1 km. Seus 800 hectares de parques e jardins comportavam 20 km de
trilhas, 200 mil árvores, 200 mil flores plantadas a cada ano, 50 fontes e 2100
esculturas. O traçado geral é geométrico: o jardim está ordenado a partir de um
eixo central com eixos secundários, avenidas em forma de estrela, tanques
circulares e semicirculares. Um conjunto simétrico organizado em vários níveis.
Quando projetado, os jardins que acompanhavam o grande canal eram formados
por espécies arbóreas locais. Inicialmente Versalhes tinha quatorze bosques,
restando apenas nove hoje. As frutíferas que compunham os pomares eram,
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DA JARDINAGEM AO PAISAGISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
religiosa e mesmo cultural dado aos jardins, confere a cada elemento que o
compõe um significado simbólico próprio. Além disso, temos a quase que
obrigatoriedade presença de determinados elementos: pedras, água, pontes,
lamparinas, entre outros, compõem um quadro único que transcende a simples
arte de se projetar um jardim. O detalhismo é outra característica marcante em
um jardim japonês. As pedras, por exemplo, devem ser virgens, isto é, recolhidas
de um leito de rio e nunca antes utilizadas pelo homem. A água, seja formando
canais, riachos ou pequenas quedas, espelha a imagem e induz o Homem a
enxergar a si mesmo. A presença de pontes, geralmente de tamanho pequeno,
não tem, prioritariamente, a função de praticidade. Muito além disso, elas
permitem a transposição de dois mundo através da contemplação. Os caminhos
sinuosos permitem um alongamento da caminhada, propiciando mais tempo à
meditação. As lamparinas de pedra oferecem luz aos Homens, com o fito de guiá-
los nas trevas. Elemento vegetal significativo, o bambú é indispensável em um
jardim nipônico, pois simboliza a figura do Homem diante das adversidades:
dobra-se sobre a ação dos ventos, porém não se quebra.
13
Joseph Addison (1672-1719). Escritor, moralista, teólogo, latinista e crítico, foi uma das personalidades mais importante
que figurou no mundo literário da Inglaterra .
14
William Kent (1686-1748). Arquiteto, pintor, decorador e paisagista britânico, introduziu nos jardins ingleses o desenho
romântico, em contraste com as formas clássicas dos conjuntos arquitetônicos francês e italiano reinantes até então. Em
1727 projetou a residência-parque de Chiswick em Middlesex, considerado por muitos como o primeiro exemplo de jardim
paisagístico.
15
Lancelot Brown (1715-1783). Arquiteto e paisagista, demonstrou, segundo o entendimento de grande parte dos críticos,
a maior força criativa na projetação do jardim paisagístico. Por sua fama e habilidade foi nominado jardineiro real de
Hampton Court. A sua total reinvenção da paisagem, com novas ondulações do terreno, com amplos cursos de água, com
plantações de árvores agrupadas na part e mais alta das colinas, originou numerosas sistematizações em grande escala.
16
Humperey Repton (1725-1818). Arquiteto, é considerado a personalidade de maior relevo dentro do movimento
paisagístico inglês. A sua notável produção está contida nos famosos "Livros Vermelhos", nos quais ele habitualmente
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DA JARDINAGEM AO PAISAGISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Para Jonhson (1979), Calcagno (1983), Laurie (1983), entre outros, os jardins
ingleses passam a imitar a natureza em sua continuidade espacial, criando
sucessão de cenas que envolvem lagos, vales, colinas, se estendendo em todas
as direções, ao mesmo tempo em que se tornam paisagens sem limites - não
deveria haver qualquer interrupção entre jardim e paisagem. Os jardins ingleses
não se limitavam a um espaço definido e, embasados que estavam em um
movimento artístico-filosófico, não foram simplesmente um modismo ou uma
m aneira de organizar paisagisticamente o espaço. Tal filosofia, segundo Calcagno
(1983), buscava recriar o equilíbrio entre o intelecto humano e o ambiente, e que
se transformou, mais tarde, na busca de uma possível coexistência entre ciência
e natureza. Pensadores ilustres alavancaram as transformações ocorridas na
jardinagem inglesa, sustentada por uma busca de retorno à origem - a própria
natureza. Rousseau18 que, reconhecendo na natureza, “criação perfeita”, uma
força divina inerente, sustenta, através de seus escritos, a necessidade do
homem retornar a ela, visto estar no ambiente natural a imagem arquétipa da
liberdade humana. Milton19, em “O Paraíso Perdido”, exaltou a perfeição estética
da natureza, jardim ideal, cuja beleza não era devida ao “artíficie-homem”, mas à
“natureza-artista”.
registrava todos os seus projetos e realizações. Com Repton a arquitetura dos jardins torna-se quase uma ciência: ele
estudou as reações humanas no ambiente; a sucessiva percepção dos espaços ligados ao movimento; a possibilidade de
ampliar as imagens, de dilatar as perspectivas, de desfrutar o complexo jogo claro-escuro, das luzes, das sombras, das
diversas tonalidades da vegetação.
17
William Chambers (1727-1796). Arquiteto e escritor inglês, autor do livro "A Dissertation on Oriental Gardening". Nesse
livro, publicado em 1772, e fruto de suas viagens ao Oriente, expõe as mais difusas idéias românticas de seu tempo sobre
jardim. As suas realísticas descrições sobre os diversos tipos de jardins chineses suscitaram profundo interesse e
exerceram notável influência sobre os artistas ingleses.
18
Jean Jacques Rousseau (1712-1778). A poética sobre a natureza desse expoente do pensamento iluminista francês, que
conferiu vigor ao movimento naturalista inglês, está conti da em sua obra-prima literária "La Nouvelle Heloise", publicada em
1761.
19
John Milton (1608-1764). Poeta, pedagogo e erudito inglês, mais conhecido por seu poema épico "O Paraíso Perdido".
Esta obra, terminada em 1667, é uma epopéia em versos não rimados sobre a história bíblica do pecado original.
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DA JARDINAGEM AO PAISAGISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
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Naturalista (1790-1861), fundou em 1831 o primeiro herbário do Brasil, hoje conhecido como Herbário do Museu nacional
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Botânico francês e paisagista.
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DA JARDINAGEM AO PAISAGISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
CONCLUSÃO
Dos Jardins Suspensos da Babilônia, passando pelos jardins do Egito antigo, da
Pérsia, pelo Renascimento francês e italiano, até adquirir a “maturidade” e
transformar-se em ciência paisagística, a partir da Revolução Industrial, a história da
jardinagem sempre esteve intimamente ligada à do próprio homem. Inicialmente,
enquanto jardinagem, tinha um caráter de embelezamento, e restrito à unidade
familiar: ora compondo o espaço cênico de uma pequena casa, ora ornando palácios
e Villa. A partir do século XVIII, Inglaterra, o homem passa a preocupar-se com sua
condição de vida e do ambiente no qual vive. É então que a arquitetura paisagística
ganha status de Ciência, fazendo uso do conhecimento de outras áreas (botânica,
irrigação, edafologia, fisiologia vegetal, arquitetura, etc.), e avança, embasada por
critérios técnico-científicos, rumo ao estudo, à análise, compreensão e intervenção
sobre a paisagem. Essa paisagem, de dimensão variada, constitui o locus onde
habita, vive e goza a vida o ser humano. Harmonizando e buscando o equilíbrio com
a paisagem, o arquiteto paisagista tem-se preocupado, ao mesmo tempo, com a
qualidade dos espaços trabalhados, associado ao caráter estético de sua
intervenção.
REFERÊNCIAS
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Calderini, 1983.
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1983.
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_____. Quadro do paisagismo no Brasil. São Paulo: FAUUSP. 1999.
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VELASCO, A. Ciudad y spacios verdes. Madrid: Servicio Central de
Publicaciones, Ministerio de la Vivienda, 1971.
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DA JARDINAGEM AO PAISAGISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
ao Horto.
1821 – O Jardim Botânico do Rio de
Janeiro é transformado em jardim
público.
1823 – O Jardim Botânic o de São Paulo
é aberto ao público.
1840 – Início do II Império. § Surge o palacete, a residência da 1858 – Auguste François Marie Glaziou,
elite. As chácaras se urbanizam nos a convite de Dom Pedro II, ocupa o cargo
bairros periféricos das grandes de Diretor Geral de Matas e Jardins.
cidades como Rio de Janeiro, Recife e 1861 – Início do reflorestamento da
Salvador. Com o palacete, surge o Floresta da Tijuca – Rio de Janeiro.
jardim privado. 1861-1862 – Auguste Glaziou reforma o
§ Os jardins tornam-se usuais nas Passeio Público do Rio de Janeiro e
casas das elites do Império. introduzo jardim de influência francesa
§ Ajardinamento com cercamentos de romântica.
praças e largos por todo o país. 1870 – Abertura de grandes praças no
§ Criação dos primeiros parques Rio de Janeiro.
urbanos. 1874 – Embelezamento da Floresta da
§ Arborização de ruas, calçadas Tijuca por Glaziou e Escragnolle Taunay
elaboradas, iluminação pública. 1886 – Criação do Passeio Público de
§ Jardineiros dedicam-se a criar e Curitiba.
plantar jardins nas grandes cidades.
§ Consolidação do Ecletismo como
estilo arquitetônico. O jardim particular
emoldura a casa rica e possui fontes,
repuxos, pérgolas, esculturas, grutas
e estufas (ao fundo encontram-se
quintais e pomares).
1889 – Proclamação da República. 1892 – Inauguração da Praça Campo
Capital: Rio de Janeiro. Grande, Salvador.
1897 – Inauguração de Belo Horizonte,
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DA JARDINAGEM AO PAISAGISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Quadro 1 – QUADRO CRONOLÓGICO DOS FATOS E PROJETOS PAISAGÍSTICOS MAIS IMPORTANTES DO BRASIL