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políticas e culturais para o homem ocidental. Os diversos abalos sofridos em suas crenças
religiosas e filosóficas alteram drasticamente o modo como o homem vê a si próprio e como
este se posiciona e pensa o mundo e, por conseguinte, a natureza em que está inserido. É
possível, pois, ver o reflexo destas relações homem/natureza em suas produções artísticas e,
sobretudo, em seus jardins – os quais serão discutidos a seguir.
Ainda que o período a ser discutido não abarque o medievo em seu auge, é impossível
conceber a relação homem/natureza característica da Idade Média tardia e como esta passou a
se dar para o homem moderno sem compreender a concepção medieval acerca desta questão.
Desse modo, debrucemo-nos brevemente sobre o contexto sócio-político-econômico da Idade
Média ocidental. O período caracterizou-se por um poder político descentralizado que se
encontrava nas mãos dos senhores feudais, bem como por uma população amplamente
subserviente e iletrada, uma economia agrária sustentada por um sistema de deveres impostos
pela nobreza sobre os servos, frequentes conflitos militares e, sobretudo, por uma cristandade
difusa que conferia um caráter soberano à Igreja.
Nesse sentido, a concepção ideológica da Idade Média era marcadamente cristã e, por
conseguinte, metafísica, preconizando a salvação da alma em detrimento da materialidade
terrena – considerada passageira e pecaminosa. Esta crença, somada ao medo suscitado pelo
desconhecido, levava a um entendimento do mundo circundante como algo profano, sombrio
e atemorizante. Demanda-se, então, uma visão simbólica da realidade e, portanto, da natureza.
Segundo Kenneth Clark:
Esse modo de ver a natureza traduziu-se na arte naquilo que Clarck denomina
“paisagem de símbolos”. Tais representações, das quais não se possui muitos registros
íntegros, aproximam-se da linguagem decorativa, herança da estética bizantina, possuindo,
evidentemente, um aspecto pouco naturalista – característico da arte medieval – que o autor
também atribui a não observação e contato com a natureza.
Tais aproximações com a natureza, seja através dos jardins monacais ou dos bosques,
foram, aos poucos, alterando a forma do homem medieval de pensá-la em seu cotidiano,
passando a voltar-lhe um olhar mais naturalista, de observação, desmistificando as
concepções medievais de uma natureza aterrorizante e cuja contemplação e experimentação é
pecaminosa. Estavam sendo postas, assim, condições para que a relação moderna
homem/natureza se desenvolvesse durante Renascimento.
Por volta dos séculos XIV e XV, então, teve início a instalação paulatina da crise
multifacetada que viria a ruir as estruturas de sustento da forma de organização feudal do
medievo. A ascensão de uma burguesia insubordinada ao sistema de classes imutável
baseados na hereditariedade, típico da sociedade medieval, e o resgate por parte de
intelectuais da época dos conhecimentos e das artes produzidos pelos Antigos, associados a
invasões e novas demandas econômicas, tornam o momento propício ao questionamento do
sistema de crenças no qual era pautado a vida do homem medieval. Insurgem, assim, novas
hipóteses científicas e filosóficas que subvertem importantes concepções medievais.
Nesse sentido, o homem moderno voltou-se para a natureza afim de observá-la e estuda-
la, sem a encarar, necessariamente, como uma ferramenta para as revelações divinas. Então,
através das artes e das ciências naturais, foram sendo desvelados mecanismos de
funcionamento da natureza, tais como o heliocentrismo de Copérnico ou os estudos das
correntes marinhas e da “metamorfose” das flores de Leonardo Da Vinci. Todavia, não apenas
com propósitos científicos a natureza observada: era tida também como a fonte primária de
beleza. Tal admiração da beleza natural é facilmente perceptível nos quadros de Botticelli, nos
quais, mediada por temas pagãos, a natureza é representada de forma meticulosa e naturalista
– apenas possível a partir da observação.
Sandro Botticelli, A Primavera, 1482, têmpera sobre madeira, 203x314cm, Galeria Uffizi,
Florença. ²
Um importante elemento, ainda não abordado, dos jardins medievais, mantido nos
novos jardins renascentistas é a fonte. Este elemento simbólico, que normalmente encontrava-
se posicionado no centro dos claustros monacais, remete à mitologia judaico-cristã, segundo a
qual haveria um Paraíso Terrestre, o Jardim de Éden, onde Adão e Eva viviam antes de serem
expulsos após o cometimento do pecado original. Segundo as narrativas bíblicas, neste
paraíso natural, um “lugar de delícias” (2013, p.145), como apontado por Umberto Eco,
haveria uma nascente da qual surgiam os rios Fision, Geon, Tigres e Eufrates. Assim, a fonte
dos jardins faz alusão à nascente do paraíso edênico.
É possível, também, traçar um paralelo entre o mito cristão deste Paraíso Terrestre e a
prática dos jardins monacais, bem como a dos jardins particulares, retomada durante o período
renascentista. A narrativa do paraíso edênico, no qual o homem seria capaz de conviver
harmoniosamente com a natureza, incute no homem cristão uma visão “mistificada” ou
romantizada da natureza, em especial desses “pedaços” de natureza controláveis e ordenados
para seu proprietário que são os jardins, nos quais este se sente plenamente seguro.
A característica talvez mais marcante dos jardins barrocos são sua riqueza exuberante,
um “exagero” opulente, que lhes confere grande imponência. Nas palavras de Wolfflin: “Já
não se conhece o prazer de uma existência bela e simples e em toda parte se torna necessário
um pesado aparato.” (1968, p.155). Este exagero exprime-se também através das composições
vegetais, havendo um predomínio da utilização de densas massas de vegetação escura, e das
dimensões dos jardins, que se expandem para ocupar áreas ainda maiores que os da
renascença, e de seus elementos.
FONTES (IMAGENS):
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p-k-no-nu
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