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UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL - CAMPUS ERECHIM

REFLEXOS DE SÍMBOLOS MEDIEVAIS EM MONA LISA

Matildes Regina Pizzio Tomasi1

“Advirto-te, sejas tu quem fores!


Tu, que desejas sondar os mistérios da natureza...
(...) Em ti está oculto o tesouro dos tesouros!
Conhece a ti mesmo e conhecerás o universo e os Deuses2”!

Resumo:

Pretende-se com este artigo identificar alguns símbolos gnósticos que Leonardo da Vinci
deixou transparecer na sua obra prima, Mona lisa. Observar alguns elementos da Europa
renascentista principalmente nas formas culturais e das mentalidades, que deram condições
para a execução da arte. Identificar as possíveis proximidades entre conhecimento gnóstico e
o retrato de Mona Lisa. Espera-se obter os resultados satisfatórios, através de um estudo do
texto e contexto da obra.
Palavras chaves: Símbolos – Leonardo da Vinci – Renascimento – Gnose.

Introdução:

Sempre que nos deparamos diante de um enigma, recorremos ao passado em busca de


uma resposta. Muitas vezes o passado já não está mais intacto, já foi mexido e remexido de tal
forma que ficou contaminado, principalmente quando se trata do passado de alguém ilustre e
envolto de segredos, como Leonardo da Vinci, com tantas interrogações sobre ele. No
entanto, existe algo que devemos nos ater: a arte transmite uma mensagem através das
imagens, um discurso, com os significados de linguagem conhecidos de seu tempo. Desta
forma a imagem iconográfica possui historicidade, tal como um discurso. Portanto, permite a
utilização do método de Quentin Skinner que entende que cada conceito é produzido para um
contexto social, político e histórico. É uma linguagem entre contemporâneos.
Consequentemente, não se pode ter certeza sobre as intenções dos personagens do passado e
não é possível afirmar quais as intenções que os levaram a produzir seus discursos, se não
tivermos clareza sobre o contexto em que cada conceito foi produzido, pois o conteúdo está
inscrito no interior de uma doutrina ou ação concreta, pertencente a um jogo de linguagem
social e histórico.

1
Acadêmica do 9º semestre do curso de História da UFFS/Erechim. Julho/2014.
2
Trecho da inscrição no pórtico do Templo de Delfos.
Neste viés, torna-se pertinente propor algumas questões em torno de uma mente sagaz
e enigmática como a de Leonardo da Vinci. Porque ele deixou implícito alguns códigos em
suas obras? O que estes símbolos representam? O que transformou Mona Lisa na obra mais
preciosa de todos os tempos? São perguntas frequentes e quase sem respostas, ou seja,
rodeadas mais de especulações do que de precisões. Talvez seja impossível saber com certeza
as reais intenções de Leonardo da Vinci, mas o que pode ser feito é colocar as mensagens e os
códigos dentro de um contexto, analisando-o e perceber as condições o levaram a tomar
determinadas decisões. Recuperar os saberes produzidos sobre o renascimento italiano e
avaliar as possibilidades e condicionamentos presentes na Europa Medieval.

Historiadores como Carlo Ginzburg, Jacques Le Goff e Peter Burke auxiliam nesta
tarefa com proeminentes estudos sobre as mentalidades renascentistas. Contribuem
largamente sobre a produção de saberes do homem medieval, do entrelaçamento entre cultura
popular e erudita, entre as crenças pagãs e cristã. No uso da simbologia como forma de
expressão e pertencimento. Sobre a presença de crenças profanas, seitas pagãs, acusações de
heresia durante a Idade Média, em um universo tão vasto que proliferava-se por toda a Europa
Medieval, com elementos sobrenaturais e forte presença da figura feminina, como bruxas e
feiticeiras. Tem-se poucos registros sobre estas seitas, porque elas atuavam na
clandestinidade, sorrateiramente, em fuga. Ora em contraste, ora absorvendo elementos da
predominante Igreja Católica. Faziam parte deste universo uma série de signos e códigos
linguísticos reconhecíveis apenas entre os membros da mesma sociedade secreta, deixando
suas marcas registradas nos textos e nas artes medievais.

Além destes fenômenos intrínsecos na cultura popular, a Europa renascentista, adere a


novos valores e concepções. A partir do século XI, com as cruzadas, a Europa vai em direção
a o Oriente e resgata uma série de objetos e manuscritos gregos, guardados em
Constantinopla. Seguida pela grande fluência do comércio ultramarino aprimorando o contato
com o mundo árabe. Essa relação aproxima o mundo ocidental com a cultura grega, que
permaneceu escondida por todo o período medieval de dominação da cristandade.
Destacaram-se neste período as cidades portuárias italianas, que prosperaram em função do
comércio, tornando-se riquíssimas a ponto de competir entre si, incentivando os artistas,
criando condições econômicas e intelectuais para o aperfeiçoamento em suas obras. Fazem
parte destas conquistas, as grandes navegações, a descoberta de outros mundos, a Reforma de
Lutero, a filosofia Cartesiana, portanto, nesta época havia uma busca desenfreada pelo
conhecimento.
2
Mentalidades Medievais

O retorno ao mundo clássico, tanto nas artes quanto na filosofia, contribuiu para que, o
homem medieval, retomassem velhas questões, esquecidas por centenas de anos. Traz o
homem para o primeiro plano, as questões deixam de ser resolvidas por providencia divina e
passam a ser obras e responsabilidades dos homens, é um período de humanização. Com isso,
ocorre uma dessacralização dos personagens bíblicos, que perdem a postura de angelical e
passam a ser representados como humanos. Nas artes plásticas e nas esculturas a natureza é
realística, incentivando as pesquisas sobre anatomia e física, possibilitando que a Europa
Renascentista se abra ao novo, principalmente na Italia, conforme Peter Burke:

Na Itália, séculos XV e XVI foram, certamente, um período de inovação nas artes,


uma época de novos gêneros, novos estilos, novas técnicas. O período é cheio de
“primeiros”. Foi a época da primeira pintura em óleo, da primeira gravura em
madeira, da primeira gravura em metal e o primeiro livro impresso (embora essas
inovações cheguem a Itália vindas da Alemanha e dos Países Baixos). As regras da
perspectiva linear são descobertas e postas em uso por artistas. (BURKE, 2010, p.
25)

Neste momento há um entrelaçamento entre o novo e o já existente, de certa forma, o


mundo clássico, se apresenta como novo, como um universo de perfeição e “bom gosto” em
relação as artes. O contato com um conhecimento do passado, esquecido, a busca por técnicas
capaz de melhorá-las, o patrocínio dos “Mecenas”, o enriquecimento da Burguesia, a busca
pela distinção, criaram as condições para o aperfeiçoamento no campo artístico. Ao mesmo
tempo, o modo de vida, os costumes da Itália renascentista, invocavam o tradicional, já fazia
parte da cultura italiana, tal como descrito por Peter Burke:

No entanto, os italianos renascentistas não perderam inteiramente sua reverência


pela tradição. O que eles fizeram foi repudiar tradições recentes em nome de uma
mais antiga. Sua admiração pela Antiguidade Clássica permitiu-lhes atacar a
tradição medieval como se fosse ela própria um rompimento com a tradição. (...) O
entusiasmo pela Antiguidade Clássica é uma das principais características do
movimento Renascentista, que historiadores culturais têm de tornar inteligível, quer
a discutam entre as duas culturas, como meio de legitimar a inovação em uma
sociedade tradicional, quer como uma extensão das artes do fascínio político da
Roma Antiga. (BURKE, 2010, p. 26).

O tradicional enraizado na cultura italiana amplia-se para todos os campos de


conhecimentos, resultando em um emaranhado entre cultura popular e erudita, entre o que é
belo e o que está presente nas relações cotidianas, principalmente com elementos mitológicos
e sobrenaturais. Com origem ainda mais enigmática, provavelmente oriundas de povos
dominados pelo Império Romano, sobrevivendo até mesmo a Inquisição. “Na Itália
setentrional, as crenças registradas esquematicamente por Regino de Prüm estavam após mais
de quatrocentos anos ainda bem vivas”. (GINZBURG, 2012, p. 113).
3
As presenças destes fenômenos estão registradas nos autos da Inquisição, do período
medieval, averiguadas por Carlo Ginzburg, na intenção de rastrear as proporções que
atingiram as crenças pagãs em torno do Sabá e os cultos à deusa Diana, algumas vezes
chamada pelo nome de Herodíade. Embora ele creia que as confissões ocorreram por meio da
coerção, os depoimentos em torno destas personagens “forneciam aos clérigos um fio para
orientar-se no labirinto das crenças locais. Desse modo, um eco fosco e alterado daquelas
vozes daquelas mulheres chegou até nós”. (GINZBURG, 2012, p. 113). Confirmando uma
série de suposições sobre o quanto a sociedade medieval se organizava em torno de suas
crenças, principalmente nos espaços além do poder instituído.

Na imagem do sabá, havíamos distinguido dois filões culturais de, de proveniência


heterogênea: de um lado, o tema, elaborado pelos inquisidores e juízes laicos, do
complô urdido por uma seita ou um grupo social hostil; de outro lado, elementos de
proveniência xamânica então radicados na cultura folclórica, como o voo mágico e
as metamorfoses animalescas. Mas essa contraposição é demasiado esquemática. É
chegado o momento de reconhecer que a fusão mostrou-se tão sólida e duradoura
porque entre os dois filões havia uma afinidade substancial, subterrânea.
(GINZBURG, 2012, p. 299-300).

Este é um ponto crucial e significativo para a historiografia, pois o que importa não é
saber se este ou aquele fenômeno foi real ou não, mas perceber que estas abstrações e
histórias fantásticas estiveram presentes no imaginário europeu medieval. Enredado entre os
traços culturais primitivos, e de certa forma, esmagados por uma cultura dominadora que
tentava apagar e contrariar as manifestações populares, porém sempre sobrando resquícios
que afloram em determinados momentos, com elementos primitivos absorvendo novas formas
de se conceber.

Le Goff, por sua vez, colabora com a História cultural e das mentalidades medievais,
os usos simbólicos e a proporção de suas influências, exemplificando a mentalidade da
Europa Medieval como uma metamorfose entre “cultura pagã e espírito cristão”. Percebe a
inserção simbólica em quase todos os segmentos sociais como algo impregnado na cultura.
Apesar de todo o esforço da Igreja de combater as crenças pagãs, elas sempre encontravam
meios de coexistir e de se expressar, tornando a simbologia um campo extenso e de
abrangência ilimitada, de acordo com Le Goff:

Basta pensar na etimologia da palavra “símbolo” para compreender o lugar ocupado


pelo pensamento simbólico não apenas na teologia, literatura e arte, mas na própria
utensilagem mental do ocidente medieval. (...) No pensamento medieval, “cada
objeto material era considerado como a figuração de alguma coisa que lhe
corresponderia em um plano mais elevado, e tornava-se, deste modo, um símbolo”.
O simbolismo era universal, e pensar era uma perpétua descoberta de significações
ocultas, uma constante “hierofania”. Porque o mundo oculto era um mundo sagrado,
e o pensamento simbólico não era mais que a forma elaborada, decantada, no plano
4
dos doutos, do pensamento mágico que impregnava a mentalidade comum. Sem
dúvida amuletos, filtros, fórmulas mágicas cujo uso e comércio eram muito
difundidos são apenas os aspectos mais grotescos destas crenças e práticas. (...)
Tratava-se sempre de encontrar as chaves que abrissem as portas do mundo sagrado,
o mundo verdadeiro e eterno, aquele onde se podia encontrar a salvação. (...) Esse
mesmo pensamento procurava também as chaves que abrissem as portas do mundo
das ideias. (LE GOFF, 2002, p.32).

Neste universo simbólico, Le Goff afirma que os números possuíam uma carga
simbólica muito forte e levada a sério até por setores oficiais, inclusive por alguns segmentos
da Igreja, como os tratados dos Vitorinos3 analisados por ele. “Tratados inéditos do século 12
mostram que o simbolismo dos números conheceu na época do romântico uma voga ainda
maior que se acreditava”. Em relação ao simbolismo numérico Le Goff alega:

Entre as formas mais essenciais do simbolismo medieval, o dos números


desempenhou um papel capital. Estruturando o pensamento, foi um dos principais
orientadores da arquitetura. A beleza vem da proporção, da harmonia, de onde a
preeminência da música como ciência do número. Thomas de York dizia que
“conhecer a música é conhecer a ordem de todas as coisas”. Segundo Guilherme de
Passavant, bispo de Mans de 1145 a 1187, o arquiteto é um “compositor”. Salomão
disse ao Senhor: Omnia in mesura et numero et pondere dispousuiste (Tu que tudo
dispôs segundo a medida, o número e o peso) (Sapientia, XI, 21). O número é a
medida das coisas. Como a palavra, o número prende-se a realidade. Thierry de
Chartres dizia que “criar os números é criar as coisas”. E a arte, que é a imitação da
natureza e da criação, deve tomar o número por regra. (LE GOFF, 2002, p. 335).

A influência simbólica exerceu forte poder nas mentalidades medievais, em


praticamente todos os aspectos. Não se limitaram apenas as crenças populares, impregnaram-
se em todas as manifestações culturais, transformaram-se em ricos campos para a
historiografia, permearam por espaços impenetráveis e difundiram suas crenças entre os
adeptos de diferentes religiosidades. Profanaram o sagrado e sacralizaram o profano.

Leonardo da Vinci

Em meio a toda esta diversidade cultural, muitos segmentos tiveram continuidade,


emergiram novos campos de conhecimento e aperfeiçoamento dos já existentes, contribuindo
para a “genialidade” humana, transformando a renascença em um período de possibilidades
infinitas. Neste contexto, nasceu e viveu Leonardo da Vinci e sua intervenção foi
extremamente significativa em vários aspectos, não apenas na pintura, mas em todos os

3
Membros de uma escola teológica, sediada na abadia de Saint-Victor, nos arredores de Paris, que
representavam um importante aspecto do florescimento monástico de século 12.

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segmentos que trouxeram o homem para o primeiro plano, favorecendo posteriormente, os
métodos científicos modernos.

Leonardo nasceu em 1452, numa aldeia de Toscana. Em sua juventude foi aprendiz na
oficina de artes de Andrea del Verrocchio, em Florença, que por sua vez foi aprendiz de
Donatello. Tanto Verrocchio como Donatello, já desenvolviam métodos de estudar a anatomia
de animais para aperfeiçoar as técnicas artísticas. Desta forma, Leonardo

(...) foi introduzido nos segredos técnicos do trabalho de fundição e outras formas
metalúrgicas, aprendeu a preparar quadros e estátuas cuidadosamente, fazendo
estudos de nus e modelos vestidos. Aprendeu a estudar plantas e animais curiosos
para incluir em seus quadros e recebeu fundamentos básicos sobre a óptica da
perspectiva e o uso das cores. (GOMBRICH, 2011, p. 293).

Porém, Leonardo, não limitou-se ao aprendizado da oficina de Verrocchio, ampliando


seus estudos por toda a sua existência, deixando como prova inúmeros cadernos cheios de
anotações, esboços de projetos, desenhos, rascunhos e citações de obras que leu. Os cadernos
mostram que ele estudou e compreendeu quase todas as áreas do conhecimento medieval
renascentista. Realizou pesquisas em diferentes campos, deixando importantes contribuições
em cada um deles. Gombrich atribui toda a “genialidade” de Leonardo ao fato dele ser um
artista florentino e não um erudito acadêmico.

Considerava ele que a função do artista era explorar o mundo visível, tal como seus
predecessores tinham feito, só que de maneira mais abrangente e com maior
intensidade de precisão. Não lhe interessavam os conhecimentos livrescos dos
homens de saber (...) Leonardo, o pintor, jamais aceitava o que lia sem verificar com
os próprios olhos. (GOMBRICH, 2011, p. 293).

Leonardo foi um homem que investiu em sua curiosidade, desenvolvendo uma série de
engenhocas baseadas em observações feitas na natureza. Criou o protótipo de uma máquina
voadora, a partir da observação de voos de aves e insetos; dissecou cadáveres para entender o
real funcionamento do corpo humanos; estudou placentas de animais para conhecer os
mistérios do crescimento no útero materno; seus conhecimentos abrangeram também as áreas
da física em torno das leis das ondas e correntes, “as formas das pedras e nuvens, o efeito da
atmosfera sobre as cores de objetos distantes, as leis que regem o crescimento das árvores e
plantas, a harmonia dos sons, tudo isso era objeto de incessante pesquisa, e seria a base da sua
própria arte”. (GOMBRICH, 2011, p. 294).

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Figura 1 Cadernos de Leonardo da Vinci

Gombrich reconhece que Leonardo era visto como um ser estanho e misterioso entre
os seus contemporâneos, sendo procurado, muitas vezes, por chefes militares, para contribuir
no desenvolvimento da engenharia bélica. Em vida, Leonardo foi reconhecido e admirado
como excelente artista e além de esplêndido músico, porém poucos tinham conhecimento
sobre as pesquisas em que trabalhava, pois mantinha seus cadernos em sigilo. Os cadernos
ainda revelam mais um aspecto do misterioso Leonardo, que além de ser canhoto, costumava
escrever da direita para a esquerda, de forma espelhada. “É possível que temesse divulgar as
descobertas, com medo de que suas opiniões fossem consideradas heréticas”. (GOMBRICH,
2011, p. 294). Uma das principais ambições de Leonardo era mostrar que a pintura era uma
arte liberal, e que o trabalho manual envolvido nela, tinha o mesmo valor do trabalho de
escrever uma poesia. Exigente, era ele quem determinava e avaliava quando suas obras
estavam prontas, muitas vezes se entediava e abandonava o trabalho, deixando muitas obras
inconclusas.

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Figura 2 Última Ceia (1495-1497)

Uma das suas grandes inquietações era com o realismo: nitidamente reconhecido no
afresco “A última ceia”, cobrindo toda a parede do refeitório dos monges do mosteiro de
Santa Maria dele Grazie, em Milão, posicionada no mesmo comprimento das mesas dos
monges, dando a impressão que Cristo participava das refeições com eles. “Nunca o episódio
sacro fora apresentado tão próximo do real. Era como se outra sala fosse acrescentada à deles,
na qual a última ceia assumia uma forma tangível”. (GOMBRICH, 2011, p. 296). Rica em
detalhes ampliando o realismo da cena, inclusive com movimentos e agitações pertinentes ao
assunto discutido na última ceia, reportando o expectador ao momento tratado no tema.

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Quanto a Mona Lisa, Gombrich, percebe que a grande “genialidade” de Da Vinci está
em dar vida à pintura. “O que de imediato nos impressiona é a medida surpreendente em que
a mulher parece viva. Ela realmente parece olhar para nós e possuir um espírito próprio”.
(GOMBRICH, 2011, p. 300). Deixa uma impressão que se move, que está diferente cada vez
que se desvia o olhar e torna a olhá-la. Foi nesta obra, que Leonardo, superou todos os artistas
anteriores a ele, inclusive grandes nomes como Borticelli que comprometeu a harmonia em
detrimento do movimento. Leonardo encontrou a fórmula certa, por acreditar que “o pintor
deve deixar ao espectador algo para adivinhar”. (GOMBRICH, 2011, p. 302). Utilizou nesta
tela a técnica do sfumato. Com contornos bem definidos, desaparecendo em uma sombra, as
cores fundem-se umas com as outras, deixando algo para alimentar a imaginação. Os cantos
da boca e dos olhos se esfumaçam num suave sombreado. “Ele conhecia a fórmula mágica
que infundia vida nas cores espalhadas por seu sortílego pincel”. (GOMBRICH, 2011, p.
302).

Mona Lisa

Com base nestas colocações prévias, a proposta é analisar algumas mensagens


simbólicas na arte medieval, precisamente na Mona Lisa Leonardo da Vinci. Neste caso, a
tentativa é demonstrar de forma simples, alguns códigos prescritos, que apontam que dentre
todos os saberes de Leonardo, incluíam os conhecimentos esotéricos, tão comuns e difundidos
no renascimento. Fazem parte do mundo esotérico algumas escolas iniciáticas, secretas, com
ensinamentos sigilosos que foram preservados e transferidos oralmente de mestre para
discípulo, sem registros escritos para proteger os iniciados contra perseguições e da
inquisição.

A Mona Lisa de Leonardo da Vinci está carregada de simbologia, reivindicada por


vários segmentos, estudada por diversas áreas, gerando uma gama enorme de teorias,
tornando-se a obra de arte mais rara do mundo. Possivelmente ela não contenha nenhum
segredo, tudo pode ter sido muito singular, o que chamamos de símbolos, provavelmente
eram códigos linguísticos facilmente reconhecíveis entre seus compatriotas, mas desperta
tanto interesse que é impossível permanecer inerte diante deste emaranhado de significações.
Principalmente quando percebemos os signos explícitos e implícitos, marcados por uma
mensagem abstrata, realística, imperceptível, dirigida para os seus parceiros, contemporâneos
e posteriores. Ela é um poema, com palavras ditas e subentendidas a partir do ponto em que
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estamos, das perguntas dos diferentes presentes em mais de 500 anos. Tal como acreditava Da
Vinci: “a pintura é a poesia que se vê e não se ouve, e a poesia é a pintura que se ouve e não
se vê”. (BOTTON, 2008, p. 1). É a expressão pura do sentimento.

Alguns destes códigos revelam a proximidade de Leonardo com as escolas esotéricas


medievais, renascentistas, italianas. São pequenas sutilezas, incapazes de compromete-lo, mas
muito clara a quem vê, ou de onde que se vê. É impossível afirmar quais as intenções que o
levaram a deixar gravados na obra da Mona Lisa os caminhos percorridos pelos discípulos da
alquimia medieval. Também não se pode afirmar que ele fazia parte de alguma seita secreta,
mas é muito claro que possuiu este conhecimento.

A obra Mona Lisa está exposta no museu do Louvre, em Paris. A modelo pode ser
identificada como Lisa Gherardini, esposa de Francesco Del Giocondo, pertencente a nobreza
florentina. A base da datação da pintura, foi estabelecida em Florença por volta do ano de
1503-4, com grande margem de imprecisão, podendo ter sido terminada em 1516.

Figura 3 Mona Lisa

A leitura, através da ótica gnóstica, é feita por Samael Aun Weor 4 no livro O Raio do
Super Homem. De acordo com seu ponto de vista a Mona Lisa tem uma representação
alquímica profunda. “A Gioconda representa a Divina Mãe Kundalini, a sagrada Mãe
Alquimia”, austera e ao mesmo tempo, agradável. As roupas vermelhas e verde, que veste,
são as cores fundamentais do sufismo e da Alquimia, representando o leão verde e o
4
Samael Aun Weor nasceu em Bogotá, Colômbia, em 1917. Durante toda a sua vida se dedicou a estudos
esotéricos, na década de 1950 realiza viagens missionais pela América Latina e Central, até chegar ao México
em 1956, onde cria diversas instituições voltadas à difusão da Gnosis.
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vermelho, em termos alquímicos: nosso ser, o verde; a Mãe Divina, o vermelho. A posição
das mãos, também carregam forte significação: postura de defesa, alegoria à ciência
hermética, esotérica. Aparecem, na gravura, nove dedos. O número nove tem um poder
esotérico muito grande, representa o arcano nove do Tarô; o eremita solitário; a nona esfera
da Magia Sexual; os noves céus e infernos de Dante Alighieri.

No fundo da imagem, há uma paisagem, com dois caminhos, é uma mensagem clara
aos gnósticos, que percorrem a senda do fio da navalha. Os caminhos, representam escolhas,
do iniciado, somente o iniciado pode escolher entre o nirvana e o absoluto. Segundo Samael:

O Caminho Úmido indica a Senda Nirvânica, que é uma senda maravilhosa, e o


Caminho Seco, que assinala o Caminho Direto para Deus, para o Absoluto, que é
um Caminho Superior. Porém, esses dois Caminhos só existem quando
compreendemos que eles têm um Guardião, que é essa bela e austera Senhora, nossa
Mãe Divina Interior Kundalini. Sem Ela, não há (e nunca poderá haver) um
autêntico trabalho de Alquimia. (Portal gnosisonline).

Pode-se acrescentar ainda mais uma última observação, a sequência das vocais,
quando substituímos Mona Lisa por Gioconda. IAO é um mantra secreto dos gnósticos, é o
mantra sagrado da Magia Sexual, da transmutação, da alquimia.

Todos estes símbolos fazem parte da doutrina secreta gnóstica e se perpetuou através
dos séculos, tornando-se uma linguagem comum entre os adeptos do gnosticismo. O conteúdo
permaneceu em sigilo, para evitar distorções e especulações, sendo transmitido apenas por
mestres que possuem autoridade no assunto.

O que é Gnose?
Para Arnold Krum-Heller5 o significado da palavra gnose vem do grego “gnosis”, que
significa conhecimento e, por sua vez, deriva do verbo conhecer, que no grego é “gignosco”.
Gnose, para os gnósticos, é um conhecimento que pressupõe união, comunhão, identificação
entre o conhecedor e o conhecimento. Conhecer é ser para o iniciado gnóstico. O fim último
da gnose é Deus, a divindade externa. A ocorrência da manifestação dessa divindade, na alma
gnóstica, transforma o conhecedor, em sua totalidade, pela ação do conhecimento gnóstico.
Segundo o autor:

5
Krumm-Heller nasceu na Alemanha em 1876, formou-se em medicina, estudou arqueologia pré-colombiana e
pertenceu a ordem maçônica. Em 1929, foi estimulado a fundar a Fraternitas Rosacruciana Antiqua (FRA). Dois
anos depois, o Grande Mestre Arnold Krumm-Heller alcançou iniciações incaicas, quando recebeu o cognome
de Huiracocha. Ele chegou ao mais alto grau da Igreja Gnóstica, o de Patriarca. Em seu patriarcado, foi criada a
Igreja Gnóstica do Brasil, em 1936.
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Podemos sintetizar dizendo que que a gnose é um conhecimento-sabedoria, fonte de
todo o saber esotérico, fundamentando-se na força da energia criadora (amor
consciente; amor puro) dirigido a iluminação interior de cada ser humano – daquele
que busca atingir suas metas iniciáticas. Essa é a gnose perene, que vem do divino
em nós: ela é atemporal; é dotada de poder libertador e redentor que se manifesta na
vida do verdadeiro gnóstico. (Grifo do autor) (KRUM-HELLER, 2007, p.08).

A gnose é uma experiência interior, íntima e individual, na qual a realidade espiritual


se mostra diretamente, sem intermediários. É a experiência direta, vivenciada pelo discípulo,
por meio da iniciação interna. Portanto, gnóstico, é aquele que foi iniciado em seu mundo
interno, por ser gnose, um conhecimento em si mesmo. Ela é o conhecimento pleno. Existem
duas maneiras de abordar o conhecimento gnóstico:

Gnose “lato Sensu”: é a gnose considerada em seu sentido mais amplo – neste caso,
podemos dizer que gnose designa todo o conhecimento esotérico das religiões,
derivado das experiências místicas (intuição, revelação, sabedoria iniciática, etc.),
que se fundamenta na sabedoria interior (conhecimento interior). Neste sentido (lato
sensu), podemos dizer que é a fonte de todas as verdadeiras buscas religiosas
esotéricas, manifestações por intermediário da iluminação pessoal do buscador da
verdade.
Gnose “stricto sensu”: é a gnose considerada em seu sentido mais particular,
designando um conhecimento esotérico que existiu desde antes de Jesus Cristo,
alcançou sua culminância nos séculos II e III da era atual, apresentando-se, então,
bem cristianizada. Neste sentido (stricto sensu), a gnose refere-se a um tipo de
conhecimento adquirido pelos modernamente denominados “gnósticos” – cujo
conhecimento esclarece a natureza divina de Deus, mediante experiências interiores
por eles vivenciadas. Os gnósticos dos primeiros séculos da nossa era viviam o
verdadeiro Cristianismo esotérico primitivo. (KRUMM-HELLER,2007, p.08-09).

O gnosticismo da nossa era trabalha a ideia de uma Chispa divina, existente em cada
pessoa, vinda a este mundo para cumprir um destino, carma humano. Essa Chispa, deve ser
despertada para que possa ser reintegrada em sua forma original, divina. Assim, a gnose,
como faculdade divina implícita, deve ser despertada e posta em prática. Embora o
gnosticismo tenha se difundido e identificado como tal nos primeiros séculos da nossa era, o
conhecimento gnóstico esteve presente em praticamente todas as civilizações da antiguidade.

A sabedoria gnóstica fundamenta-se em quatro pilares: Ciência por ser o


conhecimento de uma sabedoria transcendental e transformativa, que ensina a humanidade a
ver, ouvir e apalpar todas as coisas que até o momento se assinalavam como grandes mistérios
e enigmas; arte é a busca pela beleza, em todas as suas manifestações. Transforma, o iniciado,
em arquiteto de sua própria obra, por meio das distintas expressões, alimenta a consciência;
filosofia, a gnosis como filosofia está na capacidade de buscar a compreensão do sentido da
existência humana; religião (do latim religare) é a aptidão de integração com as forças divinas
que existem dentro de cada um, uma religação.

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Todo conhecimento gnóstico pode ser sintetizado nos três Fatores da Revolução da
Consciência: Morte Mística, Nascimento Interno e Sacrifício pela Humanidade. Morte mística
é morrer em si mesmo, é libertar a essência do ego, a metáfora de Aladim e a lâmpada
Mágica. Nascimento interno é a criação de Corpos solares, é a alquimia, o despertar da
Kundaline (a Mãe Divina). Kundaline é a serpente adormecida e ao ser despertada sobe pela
medula ativando os chacras e colocando o discípulo em contato com outras dimensões,
percebendo o mundo além do tridimensional mundo físico, portanto, dando-lhe um
conhecimento infinitamente superior. Sacrifício pela humanidade é o trabalho de transmitir
este conhecimento a outros (sacro ofício).

Considerações finais:

Uma narrativa histórica não constrói uma verdade, apenas propõe a inserção de novos
elementos e atribui uma ressignificação ao que já estava posto. Assim, nada pode ser
declarado como um fim em si mesmo, mas como novos olhares, novas lentes, novas janelas
que se abrem. Será o conhecimento científico, acadêmico, o único capaz de desvelar o oculto?
Existem mundos invisíveis ao nosso olhar viciado pelo ceticismo? Alguns saberes se
sobrepõem a outros? Ou são todos holofotes, cada um com suas especificidades, somando,
construindo um aprendizado? Independente de todas as alternativas possíveis, a única certeza,
é de que muitos conhecimentos permaneceram e sobreviveram à margem do saber que foi
legitimado, e isso sim possui uma historicidade, cria um contexto. O passado, torna-se
intransponível, guardado, pronto para ser explorado e paradoxalmente alheio as nossas
inserções, o que muda são as interpretações, a nossa postura em ralação ele. De acordo com o
professor Fábio:

O historiador poderia ser comparado a um compositor, ou ainda a um cineasta, pois


cria novas narrativas, novos enredos, a partir de traços e fragmentos dispersos pelo
mundo. Isso fica mais evidente com a enigmática frase de Derrida no livro Feu la
cendre, de 1987:73 Il y a la cendre (Há aí as cinzas). Essa cinza, o falecimento do
fogo, é a sobrevivência dos fantasmas que perambulam nas ruínas da história, pronto
a retornar como um sonho. Não há fogo, não há ser, não há ontologia do passado; há
tão somente o vestígio que resta. (FELTRIN, 2011, P. 37).

Ao remexer este passado tão remoto, nos deparamos com infinitas possibilidades de
atribuir novas significações a um discurso pronto, acabado, oficializado. Principalmente no
que se refere a simbologia, por estarem presentes em todas as culturas e religiões, como
formas de apreender a realidade, manifestações psicológicas e explicações metafísicas,
portanto como algo que transcende a compreensão humana. (...) o símbolo aparece como uma
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criação da psique. Isso se torna ainda mais evidente quando lembramos que a função de um
símbolo é justamente revelar uma realidade total, inacessível aos outros meios de
conhecimento. (ELIADE, 2012, p.177).

Portanto, a intenção não é criar outra verdade, mas remover as cinzas, perceber um
fogo morto, apagado. Mostrar novas evidencias, apresentar os sintomas de que na Europa
medieval, o conhecimento gnóstico esteve presente e fez parte de toda a gama de saber que
constituíram o renascimento. Desta forma, sendo, a gnose, o conhecimento puro e Leonardo
da Vinci, um homem multifacetado, há uma hipótese, embora vaga, de que ele fosse portador
destes saberes. Não é uma declaração, apenas um viés alternativo, possível.

Referências:

BOTTON, Flávio Felício: O Retrato Feminino Clássico na Literatura e nas Artes Plásticas ou Porque Sorri
Lisa. XI Congresso Internacional da ABRALIC: São Paulo, 2008.
BURKE, Peter. O renascimento italiano. Nova Alexandria: São Paulo, 2010.
DE SOUZA, Fábio Francisco Feltrin. Extremidades da nação: violência, biopolítica e anti-modernidade no
discurso fundacional da argentina. Florianópolis, 2011. Disponível em:
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/95860/296395.pdf?sequence= acessado em: 05/01/14.
ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos. Arcádia: Lisboa, Portugal, 1979.
GINZBURG, Carlo. História Noturna. Companhia das Letras: São Paulo, 2012.

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GOMBRICH, Ernest Hans. História da Arte. 16ª edição. LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora Ltda.:
Rio de Janeiro, 2011.
KRUMM-HELLER, Arnold. A Igreja Gnóstica – Tradição Huiracocha. Madras: São Paulo, 2007.
LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval. EDUSC: São Paulo, 2002.
PORTAL GNOSISONLINE. http://www.gnosisonline.org/arte-superior/leonardo-da-vinci-e-a-arte-gnostica/.
Acesso em 05/07/14.

SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. 6ª edição. Companhia das letras: São
Paulo, 2009.

Imagens:
Desenhos de Leonardo da Vinci.
Disponível em: http://davinciprojetoseobras.blogspot.com.br/2011_08_01_archive.html

A Última Ceia – Disponível em: http://criarpreciso.blogspot.com.br/


Mona Lisa: http://www.gnosisonline.org/arte-superior/leonardo-da-vinci-e-a-arte-gnostica/

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