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Ostara/Beltane, 2012. Ano 2, Edição nº06.

gratuita

1
“I like your boy,” said Caroline to Jane
“You must know why, for it’s the first of May”
Let’s go dancing on the green
Fair girls one to seventeen

Dance round the maypole, dance round the maypole


Over the green field and down to the hay
Lift up your hearts and dance round the maypole
Run to your true love and dance all the day

Said my friend, who’s a handsome Cavalier


“You and I will escort her to the fair”
Bluebells round the cherry tree
This girl gave them all to me

Bridge
One minute seemed to to be right
When she expressed her delight
At finding sixpence in her shoe
How can you romance a heart
And gaze on out to the stars
When there’s a shadow chasing you

This young girl threw her cares into the well


Now I’ve learned Father Time has rang the bell
No more dancing on the green
Since I’ve found another scene

Dance Round The Maypole

Roy Wood

2
Equipe BTW

Mario Martinez

Lorenna Escobar

Simone Abraços

Giulia Jb

3
EDITORIAL

Mais uma revista BTW, e só tenho que


agradecer pelo envolvimento e pelo tempo
dedicado a produção desta.

Espero que possa a cada edição melhorar,


mais e mais, levando o conhecimento para
desmistificação da bruxaria de um modo geral,
e em específico da tradição Gardneriana.

A Wica é uma religião de mistérios, e não


cabe à revista explicá-la, mas tornar acessível o
conhecimento básico para aqueles que procuram
e que tem especial interesse em conhecer ou
se tornar um adepto da Wica Gardneriana.

Lorenna Escobar

4
Índice
Ostara
06

Considerações Sobre o Processo 10


Iniciatório na Bruxaria Gardneriana

A roda do ano 18

O Green Man 30

A arte pré Gardneriana e Gardneriana 43

Demonização da Bruxaria 53

A dança do Encontro 70

5
Ostara cores, a alegria e os aromas
de volta aos campos. A pri-
Por Lorenna Escobar
mavera que traz a confiança
“Tudo isto para brilhar um na vida e no florescimento, a
instante, apenas, para ser beleza e a promessa de dias
lançado ao vento, — por fide- quentes. O Equinócio de Pri-
lidade à obscura semente, ao mavera, momento em que as
que vem, na rotação da eter- noites têm a mesma duração
nidade. Saudemos a primave- que o dia, é o equilíbrio no
ra, dona da vida — e efême- grande Ovo do Universo. Os
ra”. Cecília Meireles, 1998 Wica se preparam para o pe-
Ostara traz a vida, as ríodo crescente da roda e um
momento ideal para o plantio
6
de novas sementes. uma atividade constante dos
Wica, pois assim aprende-se
A Arte não é restrita que existe beleza em todos
apenas às observações das os aspectos da vida e que ela
passagens das estações, pois se sustenta com sua carac-
o Wica participa de cada uma terística oposta, o que leva
delas, onde o Sacerdote e todo adepto a novos cami-
a Sacerdotisa se unem aos nhos para a renovação. Nes-
Deuses e se tornam parte do se período da Roda do Ano,
Todo. O drama metafórico do o Deus de Chifres é Jovem
Deus e da Deusa na religião e Vigoroso. Ele é aquele que
deve trazer reflexos interes- traz toda a fertilidade. Ele é o
santes na vida do Bruxo. Sa- Consolador, a Luz que pode
be-se que a semente plantada iluminar todas as almas e co-
crescerá, florescerá e produ-
zirá novas sementes. Essa é a
Lei Natural. Nada morre ou
é destruído e este fundamen-
to trata de um dos aspectos
presentes na Liturgia e nos
ritos da Bruxaria.

Porém cabe ressaltar


que observar a natureza é

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rações. No Egito a expressão
do Deus Hórus é como o Se-
Associação interessante: nhor dos dois horizontes - o
Solstício de verão e o Equi-
Algumas descrições de nócio de primavera. Hator,
ritos pagãs antigos, falam so- juntamente com a Deusa Nut,
bre um disco solar dourado era associada à Via Láctea du-
que era considerado como rante o terceiro milênio a.C.,
emblema apropriado de e durante os Equinócios de
Deus. Esse disco era usado outono e de primavera, ela se
em todos os templos e cap- alinhava com a Terra e a toca-
tava os primeiros raios do sol va no local onde o sol nascia
nascente durante o equinó- e se punha.
cio de primavera e o solstício
de verão. A primavera chega a to-
dos, mesmo que não seja per-
cebida e mesmo para aqueles
que não possuem um jardim
para recebê-la. Então as cria-
turas da noite preparam o
solo para receber a semen-
te. Novas cores e perfumes
vão nascer e se exibir em um
eterno jogo de sedução.

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Depois de um longo in-
verno, os raios de sol são pre-
ciosidades que trazem o flo-
rescimento, a insinuação da
natureza em busca do grande
poder dos céus, e a grande
inspiração dos poetas e dos
amantes se renova.

9
Considerações sobre o processo
iniciatório na bruxaria gardneriana
Por Mario Martinez

Wica é uma religião Mistérios, transformou-se e


Iniciatória e de transcendência surgiu renascido. As religiões
do ego. Além disso, é uma de Mistério (acredito que
religião de Mistério, o que Wica Tradicional seja uma das
significa que possui um últimas religiões de Mistério
conjunto de doutrinas e ainda existentes no mundo)
cerimônias praticadas pelos partem da premissa de que o
Iniciados e que compreendem ser humano está adormecido
tudo aquilo que a razão é e precisa ser despertado. É
incapaz de entender e explicar, a esse despertar que nós
e nesse caso um Iniciado é chamamos de processo de
alguém que passou pelos iniciação, porque tudo aquilo
10
que é real acontece no apenas aceitar as coisas como
coração e tudo o que é irreal elas são. Quando você aceita,
acontece na mente. Iniciação você transcende.
é um acontecimento fora da
mente. Essa é a verdadeira
transformação. E ela acontece
No mundo profano, as quando você encontra a
pessoas estão preocupadas e verdade. A verdade é. Não
empenhadas na manutenção existe nenhuma possibilidade
de vários jogos ou atividades. de argumentação sobre ela,
Muitos estão envolvidos no mas as pessoas continuam
jogo por dinheiro, outros no jogando seus jogos com a
jogo por poder, outros no jogo verdade. Os jogos do ego são
de obter reconhecimento, e bastante sutis, e o ego é a
na verdade todos esses jogos ideia de que “eu sou o centro
existem e foram inventados do mundo”. Nenhum “eu”
para que o Homem possa pode ser o centro do mundo,
evitar os problemas reais mas todos parecem acreditar
da vida. Como dizemos aos nessa ideia. Na verdade o ego
nossos estudantes, é inútil limita as pessoas e quando
tentar resolver algo na vida, você se sente preso, limitado,
porque a vida é um Mistério surge o desejo de tornar-se
e não um problema. A Vida é maior. E quanto maior você
um Mistério, a Morte é um se torna, mais egoísta você se
Mistério, e ninguém pode torna, e então menor você se
fazer nada a respeito. Vida e sente. Isso parece paradoxal,
Morte são Mistérios e não mas é um fato.
problemas; assim você não
poderá fazer nada a respeito, Então, Wica é uma
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religião de transcendência. religiões não está preocupada
Contudo, a maioria das em lhe dar a verdade, está
pessoas que procuram por lhe dando tranquilizantes,
uma iniciação estão em busca narcóticos para que você
de paz, silêncio e serenidade. durma bem, obrigado. Mesmo
Mas não existe crescimento dentro de uma Escola de
sem dor, não existe mudança Mistério Tradicional, as
sem dor. A maioria pensa pessoas têm esse problema.
em iniciação em termos de Já tivemos pessoas aqui em
tranquilizante. Mas qualquer nosso Coven que praticavam
religião ou qualquer mestre as técnicas ensinadas por dez
que prometer paz , silêncio minutos diariamente pela
e tranqüilidade estará manhã, e à tarde estavam se
enganando-o. É por isso que sentindo em paz. Mas esses
os falsos mestres e as falsas truques não funcionam.
tradições religiosas estão Nada é tão fácil. Passar pelos
repletas de adormecidos Mistérios e ser iniciado é um
e enganados: as pessoas caminho árduo de mudanças
caem com facilidade nessa internas e consequentemente
armadilha, porque o que estão externas. 
procurando é justamente
isso: paz, tranqüilidade e um A única maneira de se
bom sono. encontrar a verdade é buscar
por si mesmo, e se a verdade
Toda religião de é subjetiva, é impossível
transcendência e de Mistério encontrá-la através dos
irá sacudi-lo do seu sono e outros, de livros ou de Bíblias.
jogá-lo de volta na realidade. A viagem do conhecimento é
A esmagadora maioria das perigosa, porque a qualquer
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momento existe o risco de
você se perder. É por isso
que as Escolas de Mistério
existem. Nelas você poderá
encontrar pessoas que
acordaram do seu sono e
que poderão indicar a você
a trilha para que você não
se perca. Muitas vezes até
isso torna-se um transtorno;
muitos buscadores passam
a esperar que seus mestres
e professores os carreguem
no colo pela trilha. Isso
nunca irá acontecer, porque
o máximo que um mestre
pode fazer é ser o exemplo
e indicar a direção. Direção
que, obviamente, você jamais
encontraria sozinho. 

É imprescindível uma
transformação interior, uma
mudança ou reorientação na
sua forma de olhar as coisas.
E aqui é necessária a figura
do Alto Sacerdote ou Alta
Sacerdotisa que irão orientar
o buscador. Os orientais,
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por exemplo, dizem que um
mestre é como o fogo e o
discípulo é como a água. Essa
afirmação é bastante oportuna,
porque retrata exatamente
a condição entre mestre e
discípulo; o papel do mestre é
queimar como fogo e com o
fogo uma mudança acontece
imediatamente. Isso derreterá
as resistências do buscador,
fará com que ele se torne
fluídico e não “petrificado”
como normalmente está. O
movimento é importante,
porque se ele não existe, não
há nenhuma possibilidade de
uma iniciação acontecer.

Creio que a primeira


coisa que um Alto Sacerdote
e uma Alta Sacerdotisa
precisam saber a respeito
do discípulo é se ele ou ela
possui um fluxo sexual forte.

Se a pessoa tem
fortes orgasmos, então
ela tem possibilidade
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de se movimentar e em os Deuses.
seguida de se movimentar
ascendentemente. Vocês Muitas pessoas
ficariam pasmos com a procuram por uma iniciação
quantidade de pessoas que nos Mistérios, mas chegam
nos tem procurado nos cheias de argumentos. Essas
últimos dez anos com sérios pessoas querem argumentar
problemas e bloqueios com o mestre, querem
sexuais. Pessoas jovens, respostas prontas. Mas
maduras, de todas as idades. existem coisas que não podem
Talvez isso ainda seja fruto ser ditas, porque quando
da imensa repressão sexual falamos a respeito delas, elas
que existe no mundo. Mas se tornam-se superficiais.
uma pessoa não é “orgástica”,
se essa pessoa não vibra Os que já foram
profundamente e não se iniciados conhecem as coisas
torna um fluxo vivo da cabeça que não podem ser ditas.
aos pés, então ela não poderá Isso tem tudo a ver com
ser treinada e muito menos a maturidade do buscador,
iniciada. com sua receptividade,
porque só aquilo que não
O sexo é a energia pode ser questionado poderá
que faz com que você não ser confiado ao buscador.
fique “petrificado”. A energia Devido a isso, é necessário
sexual é como um rio, e se verificar se o discípulo é
qualquer pessoa está fria, capaz de confiar. Religião
“petrificada”, então não é basicamente confiança:
há nenhuma possibilidade sempre que o desconhecido
de um caminho para precisa ser enfrentado, só
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através da confiança haverá de Coven para Coven. 
um movimento nessa direção. 
É durante esse período
Como Wica não é que medos, raiva, apego, etc.,
uma religião de massa, todos devem ser colocados em
os novos “recrutas” devem cima da mesa pelo discípulo.
passar por um rigoroso Esse ato de se desfazer das
trabalho de observação para mazelas chama-se entrega.
que se verifique se realmente Obviamente que nem todas
são pessoas apropriadas ou as pessoas conseguem olhar
não para a Arte. Chamamos de frente para seus bloqueios.
a esse período de estudo e Alguns não conseguem
observação de Período de desvencilhar-se de toda a
Dedicação, que normalmente raiva que trazem dentro de si,
leva um ano e um dia, embora outros carregam medos que
esses critérios possam variar não abandonaram. Quando
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isso acontece, normalmente o
trabalho termina. A chamada Acredito que
entrega é essencial, porque minhas palavras não sejam
é necessário criar espaço. compreendidas por muita
O discípulo deve estar gente. Por um lado devido à
consciente de seu passado e dificuldade de explicar o que
entregá-lo. A consciência não está além das palavras e por
carrega nenhum passado. Ela outro lado porque somente
é eterna e está sempre aqui, estando presente no caminho
agora. é possível compreendê-lo e
às suas exigências. O papel
Esse deveria ser o do discípulo é caminhar, sem
estado espiritual e emocional nunca pensar no amanhã.
de alguém apto a receber Só existe o caminhar, aqui e
uma iniciação. Entretanto é agora. O caminho tem muitos
difícil definir esse estado, esse passos e o passo seguinte é
sentimento espiritual em sempre o mais difícil, porque
palavras; creio que sentimento é um passo no desconhecido.
espiritual é buscar conhecer A própria vida é assim. 
aquilo que é. E quando uma
pessoa está pronta para
conhecer o que é, isso quer
dizer que ela não está mais
nos sonhos, nas projeções. A
realidade está sempre agora,
nesse momento, aqui e agora.
O verdadeiro discípulo é
aquele que percebe isso e
entrega seu passado.
17
A Roda do Ano A estrutura da religião
é organizada e, de um modo
Por Lorenna Escobar geral, caracterizam os Sabás
como o calendário litúrgico
A Roda do Ano reflete
da Arte que é chamado de a
os caminhos e transforma-
Roda do Ano. Nela foram es-
ções, diretamente ligados ao
tabelecidos os rituais da Wica
Deus de Chifres, o Senhor
que, além de muito importan-
dos Portais da Morte. Re-
tes para os bruxos, caracte-
monta de uma forma peculiar
rizam os meios pelos quais
às crenças sobre os misté-
possibilitam a conexão com
rios da vida, morte e renasci-
as energias e poderes pes-
mento, através dos símbolos
soais e naturais.
naturais existentes e repre-

sentados nas estações como
Os Ritos são previamen-
Primavera, Verão, Outono e
te datados e estabelecidos e
Inverno.
os Bruxos buscam se alinhar
18
com as marés naturais, atra- Lammas ou Lughnasadh – 31
vés das passagens das esta- janeiro/ 01 de fevereiro;
ções e dos ciclos, reconhe- Mabon, equinócio de Outono
cendo forças que são, muitas – 21/22 março;
vezes, imperceptíveis pelo Samhain – 01 de maio.
homem comum. Esses ritos,
conhecidos como Sabás, são : São conhecidos como
Sabás Maiores, as festividades
Yule, solstício de Inverno – agrícolas ( Imbolc, Beltane,
21/22 junho; Lammas e Samhain ) ; e os Sa-
Imbolc – 02 de agosto; bás Menores são associados
Ostara, equinócio de Prima- a eventos dos Astronômicos,
vera – 21/22 de setembro; conhecidos como Solstícios e
Beltane – 31 de outubro/01 Equinócios.
de novembro;
Litha, solstício de Verão – Os rituais são métodos
21/22 de dezembro; de culto utilizados por uma
19
conexão com as deidades, an- para interação ao longo de
cestrais e Egrégora. São meios toda a eternidade, é o Amor
de ligação com o poder dos e a Confiança.
Bruxos e aos fluxos de ener-
gia que influenciam todos os “Tudo vai, tudo torna; a roda
mecanismos existentes no da existência gira eternamente.
plano físico. Nas festividades Tudo morre; tudo torna a flo-
dos Sabás, os Bruxos com- rescer; correm eternamente as
partilham seus momentos estações da existência”.
alegres. Não existe censura e (Nietzsche, Assim falou
nem necessidade de mostrar Zaratustra, “convalescente”).
que são apenas o gozo e o
êxtase dos Deuses. A roda é a representa-
ção do movimento do univer-
O símbolo natural so- so, do Ser, da Vida, do Homem,
bre o renascimento nos re- da Natureza, e sua amplitude
mete a um questionamento está fora do tempo e do es-
sobre a própria Vida, porque paço. Quando conseguimos
os bruxos sabem que não acompanhar esse ciclo, há um
pode existir Vida sem Morte. processo de harmonização
Os mistérios permitem a am- com tudo aquilo que nós cer-
plitude da consciência e do cam, e isso só será possível
eterno retorno. Todas as coi- através de uma conexão com
sas vão e retornam e a singela as marés de energia.
chave que abre esses portais,
20
A manutenção e todo samento, podendo se perder
o preparo do “bruxo inician- no labirinto da realidade sub-
te” consiste em uma “des- jetiva em um tempo subjeti-
configuração”, em que não vo, a vontade que é um dos
necessariamente busca pela atributos de um Bruxo, deve
“anulação” do inconsciente. então ser forte e inquebran-
O Iniciado tende a um estado tável. Por isso o período de
de contemplação, tornando- dedicação corresponde a um
-se perceptível ao que acon- ano e um dia, ou seja, uma
tece ao seu redor. roda completa.

O aprendiz ou Dedi- Por todas as disfunções
cado da Arte, conhece pri- que podem ocorrer durante
meiramente os atributos da o percurso de dedicação e
Roda-do-Ano - ou o ciclo iniciação, é possível afirmar
do Deus - e procuram algum que a presença de um Alto Sa-
tipo de aceitação, assimilação cerdote/Sacerdotisa é intrin-
e sensações de conflitos e de secamente necessária neste
incertezas de algum futuro percurso, como um ponto de
próximo, trabalhando o pen- apoio para ensinar a trans-
21
formar o espaço subjetivo no Os ritos da Wica são
espaço físico, evitando ser ví- secretos, e alguns são reser-
tima das próprias ilusões. vados e restritos aos inicia-
dos nos graus mais elevados.
A mitologia represen- Preservando certos ítens de
tada no simbolismo da Roda modo que conferem grandes
faz alusão a um ser único e poderes evocados no círculo
múltiplo ao mesmo tempo. A mágico, desta forma os ritu-
representação do Deus, pode ais nunca são superficiais, mas
ser conferida através da figu- profundos e sagrados.
ra da semente, que inicia seu
ciclo a partir do rompimento Entende-se que a su-
da sua casca, que cresce e se perficialidade vive no escan-
fortalece, desenvolve frutos caramento da privacidade,
que saciam a fome e que re- invadindo toda intimidade
produz novas sementes que necessária para a conformi-
garantem seu renascimento. dade de preceitos internos
necessários do Ser. A con-
fiança deve ser preservada e
mantida, o que torna impos-
sível caso seja exposto e pro-
fanado então.

A roda representa a es-


sência dos mistérios da Vida,
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que corre por estradas sinu-
ososas, onde podemos en-
contrar em determinados
pontos, enlaço, afastamento,
partida e retorno à origem,
reencontros e renovação.
atributos, através da liturgia
Os antigos ensinam a da religião, o momento iden-
lembrar das adversidades dos tificado comumente como
caminhos, e transmitem que “Banquete Místico”, mais
a direção da Vida não se trata conhecido entre os Bruxos
de algo linear, mas de um ci- como Bolos e Vinho. O con-
clo onde um ponto marca o ceito é também encontrado
início e o outro, o fim. A bus- em outras religiões, mas se
ca pelo eterno retorno, assim trata de um momento repre-
como caminha a natureza, e sentativo em que a consu-
se tiver possibilidade é só ob- mação de certos alimentos é
servar ao redor. Os bruxos tratada como uma forma de
conhecem como fazer essa união mística entre homens
roda girar, que permitem o e Deuses. Isso pode soar um
vislumbre aos mais diversos pouco estranho para os Bru-
pontos que a roda compõe. xos, visto que a união místi-
ca é necessariamente restrita
É muito interessante aos Sacerdotes da Arte. Para
observar nos Sabás e seus os Pagãos, de um modo geral,

23
seu poder para que os frutos
da terra germinem e cres-
çam, devam ser consideradas
e melhor observadas, pois é
a partir desse contexto que
o Deus retoma seu aspecto
o banquete é uma celebra- como mantenedor da Vida,
ção do povo, acompanhado permitindo a fertilidade dos
da distribuição das bênçãos, campos e abundantes colhei-
músicas e danças. tas. As colheitas eram “pre-
sentes” do Deuses e as co-
As bênçãos dos Deuses memorações desses Sabás só
se manifestam no trigo e no poderiam ser realizadas com
pão ; na uva e no vinho. Os os melhores frutos e grãos
Deuses e seus ciclos estão colhidos.
sempre presentes.
O Iniciado agradece a
A Wica é uma reli- sua colheita, não porque se
gião centrada na Natureza, trata de um merecimento,
e os Sabás da Roda do Ano, mas porque reconhece a es-
ilustram aspectos sazonais sência Divina e aprende que
e características agrícolas. a roda continua a girar. As
Entende-se que as ligações mudanças são as únicas cons-
dos Sabás quanto ao mito tantes e para os Wica “não há
do Deus Sacrificado, que doa nada que não seja dos Deu-
24
ses”. É preciso estar em sinto-
nia com a Natureza para man-
A concepção de tempo ter o equilíbrio. Homens e
dos antigos pagãos é diferen- mulheres precisam estar uni-
te da atual. A roda é consi- dos para que haja comunhão
derada um calendário, cuja entre os Deuses. A união dos
especificação é indicada no opostos, partindo do princí-
próprio termo. O tempo não pio de que o macrocosmo se
é linear, mas cíclico. corresponde no microcosmo,
a Natureza é a própria mani-
A relação entre o ciclo festação dos Deuses e, dessa
do Deus e do homem traz forma, os Bruxos celebram as
uma nova forma de percep- mudanças que ocorrem nela
ção dinâmica e de vitalidade, – os ciclos de vida, morte e
compreendida de uma ma- renascimento.
neira existencial, concreta e
efetiva de aproximação e in- Oito é o número de fes-
teração, dando ênfase à fe- tivais que compõem a Roda
cundidade, à vida e à identi- do Ano,os ciclos da Nature-
ficação entre o ser e a força za são observados e celebra-
vital. dos pelos Bruxos. O Sabá é o

25
sentado como o poder do
sol que começa a renascer.

Ostara: Um Sabá menor, o


equinócio da Primavera. As
noites e os dias têm a mesma
duração. Ostara, como um
Sabá de fertilidade, é a épo-
ca do plantio e a terra está
pronta para receber a semen-
te. Estamos em um período
nome dado ao ritual realiza-
crescente da roda e aprovei-
do pelos Wica em celebração
tamos essa maré para “plan-
às passagens dos ciclos.
tarmos” boas sementes.

Imbolc: Se trata de um Sabá


Beltaine: O calor do sol está
Maior, pois assinala o final do
cada vez mais forte e assim,
inverno. É o tempo de limpar
penetra cada vez mais na ter-
tudo que está velho, parado,
ra fertilizando-a e buscando a
morto, época de purificar, ex-
frutificação da semente. Um
pulsar as trevas. Na natureza
Sabá maior, onde a fertilidade
podemos observar um au-
está tanto dos homens quan-
mento do calor e o momento
to dos animais.
propício preparar o terreno
para novo plantio. Período de
Litha: O dia mais longo do
renovação. O Deus é repre-
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ano, o Solstício de Verão. Um Mabon: Representa o fim das
Sabá menor que indica o auge colheitas. É um momento de
de poder do Sol, da plenitude resguardo e de recolhimento,
e da abundância. Período de para garantir a sobrevivên-
concretizações e de amadu- cia para os tempos que ainda
recimento. virão. As noites e os dias se
igualam novamente e a natu-
Lammas: O Deus é represen- reza também começa a se re-
tado nesse Sabá como o do- colher. É o equinócio de Ou-
ador, o mantenedor e prote- tono.
tor da vida. É época de colher,
cortar o trigo e transformar Samhain: Época de incertezas
em pão. É Outono, as folhas e não é possível saber o que
das árvores começam a cair. virá após mais um inverno
Um Sabá maior também co- que já se inicia. A promessa
nhecido como Lughnasadh. de renascimento é indicada
As Bruxas vêem nesse Sabá em todos os momentos cí-
um período de realizações e clicos da natureza e da Roda
agradecem pelo sacrifício re- do Ano, mas é preciso ter fé
alizado. e reconhecer que a morte é

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apenas um momento de pas- língua dos Deuses. O poder
sagem. Esse Sabá também é da tradição é conectado com
conhecido como Halloween, essa duração cíclica e repeti-
a Festa dos Mortos, onde po- tiva, adicionado ao culto dos
demos nos lembrar daqueles antepassados, da mesma for-
que já se foram. ma que os ritos de iniciação.
“Interpretar” o simbolismo
Yule: A noite mais longa do existente permite participar
ano. Período onde é preciso ativamente em plena comu-
sair da inatividade, para não nhão aos poderes evocados.
ser congelado, e então reco-
nhecer novas possibilidades. Há um sentimento que
O Solstício de Inverno é o deve ser mais bem compre-
ponto mais alto da escuridão, endido na Arte, a fascinação,
e como se costuma dizer: o vislumbre, que permite um
“após a noite mais escura a retorno à época sagrada dos
luz pode ser vista ao longe”, antepassados, a fonte que co-
pois a vida sempre retorna. necta a alma imortal a um
mundo pós-morte. Não con-
Os Rituais são formas seguimos ser totalmente so-
que os Bruxos se relacionam lipsistas, somos constituídos
com o Divino, mas a lingua- de matéria vinda dos quatro
gem desses ritos é poética. É cantos do universo e, apre-
uma forma simbólica, como senta a partir disso, um pa-
se estivessem traduzindo a radoxo da alma que sempre
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quer mais e mais empenho,
mas sem dar de beber à fon-
te amorosa, e que nos força a
buscar a saciedade de nossa
sede. Cada Bruxo tem a ne-
cessidade de ver, ouvir, co-
nhecer, comparar e conservar
por espelhamento a constân-
cia refletida pela Roda do ano
transformando-a em nossa
linguagem.

“A vida de um homem é o ins-


tante onde o mundo, em vão,
se ilumina. A pedra, a lua e o
rosto do outro não seriam co-
memorados e celebrados se o
breve trânsito de nossa apari-
ção não contasse com a língua
e com a palavra.Também os
gestos ou a dança, e a pintura,
igualmente celebram, mas é na
palavra das línguas que o mun-
do deixa de ser mundo e pode
tocar a aparição. Se o homem
deixar de existir e apenas o
29
Ele é o Caçador que se
alimenta dos animais, que
conduz as bestas e que
dirige a Caçada Selvagem.
E finalmente, Ele é o
Deus da sepultura e do
que existe além, o Deus
Ctônico sob a Terra que

O Green Man
consome todos os seres
quando eles morrem”.
Lady Delia ( Delia Morgan –
Por Simone Abraços
& Giulia HPS Gardneriana de 3º Grau )

“A energia do sol que


desce é absorvida pelas O Deus de Chifres, o

plantas verdes, e assim, Ele Cornífero, de acordo com a

se torna o “Green Man”. época e com a região, já foi

Quando os grãos verdes representado com galhadas

se tornam dourados, de veado e de alce, com

as sementes caídas e chifres de touro e de bode.

colhidas, Ele se torna

“John Barleycorn”, o Deus Quando o homem

dos grãos. Ele é o espírito evoluiu com a domesticação

dos animais que comem de animais e com o início

as plantas - o bode, o das atividades agrícolas, o

cervo, o touro e o carneiro. Deus de Chifres também


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acompanhou essa evolução, os três tipos mais comuns de
surgindo assim, a figura do Green Man:
Green Man - o Senhor das Tipo 1: uma máscara
florestas, da vegetação e dos de folhas que ela pensa ser
animais. a representação mais antiga,
onde as características faciais
O Green Man é um (boca, olhos, bochechas, testa,
dos conceitos espirituais etc.) emergem das folhas;
mais antigos que se tem Tipo 2: considerado
conhecimento. Acreditava- o Green Man clássico, onde
se que ele era um Espírito as folhagens emergem até a
Protetor das florestas e de boca, nariz, ouvidos e olhos,
toda a vegetação. Um Espírito
misterioso que se escondia
entre as plantas e as árvores,
conhecido como “O Oculto”.
Por isso, Ele é representado
com um rosto coberto por
folhas e, muitas vezes, com
galhos e gavinhas no lugar de
chifres.

Em seu livro “The Green
Man” (1978), a Britânica
Flor de Burdock
Kathleen Basford descreveu
Fonte: hivemind
31
cercando toda a cabeça; Com a mudança de uma
Tipo 3: uma sociedade caçadora para uma
representação mais recente sociedade pastoril-agrícola,
que abrange vários estilos, o homem passou a acreditar
incluindo uma cabeça coroada que o Green Man vivia dentro
com flores ou frutas, ou o das sementes e, quando a
rosto cercado por folhagens semente começava a brotar,
e frutas. Uma das flores era o Espírito Divino que
mais utilizadas era a “Flor de estava se manifestando.
Burdock”
O Espírito do Green Man
Para complementar, sempre deveria voltar para
podemos dizer também que o solo para preparar todas
o Green Man é geralmente as sementes para a época
representado por uma figura da Primavera e assegurar
com um rosto humano a fertilidade das próximas
olhando através da vegetação; colheitas.
ou um rosto que parece
estar devorando, expelindo Também chamado por
ou transbordando vegetação Jack in the Green, Green
ou até mesmo, uma mistura George, “O Frondoso” ou
estranha de forma humana e “O Homem Selvagem” (The
vegetação onde uma se funde Wild Man), o Green Man
com a outra. representa a fertilidade, o
renascimento, o eterno
32
retorno, a renovação e Beltane.
a regeneração. Podemos
lembrar que em Beltane – Durante esses Festivais,
um Sabá de Fertilidade - o um jovem era escolhido para
Deus de Chifres se torna o representar o Rei de Maio
Consorte da Deusa, e na (o Rei de Beltane) e a jovem
União Sagrada, Ele a impregna mais bonita entre todas, para
com sua semente, garantindo representar a Rainha do
assim, o seu retorno (a Festival (a Rainha de Beltane).
Criança da Promessa no Sabá Entre os festejos, além das
de Yule). guirlandas e do mastro (o
Maypole), várias procissões
O Green Man sempre eram feitas para comemorar
foi associado aos Festivais da a Primavera e saudar o Verão
Primavera que acontecem no que se aproximava.
mês de Maio no Hemisfério
Norte – os Festivais de Na Ilha de Man (até

33
meados do século XVIII) estações de crescimento e
durante os Festivais da a personificação do Espírito
Primavera, havia uma batalha das Plantas, é muito associado
simbólica entre a Rainha de a Robin Hood que, não
Beltane (que marca o início do coincidentemente, usa uma
Verão) e a Rainha do Inverno. roupa verde. Essa associação
Interessante notar, que essa é muito interessante e alguns
batalha é muito semelhante Historiadores chegam a
àquela travada entre o Rei do afirmar que o lendário e
Carvalho (que reina durante popular herói é uma evolução
o Ano Crescente – marés do Jack in the Green.
de crescimento) e do Rei do
Azevinho (que reina durante Segundo a lenda,
o Ano Decrescente – marés os ingleses, cansados de
em declínio). tantos impostos, injustiças e
perseguições, depositaram
Jack in the Green, todas as suas esperanças
um representante das em Robin Hood  aguardando
34
pelo dia do seu triunfo. União assegurava a fertilidade
Claramente, é uma alusão ao da terra e a paisagem se
“Triunfo do Green Man” - modificava - o Green Man
o dia em que Ele retornaria estava de volta!
trazendo esperanças para a
terra. Era a volta do calor, do Nas procissões de
poder fertilizador e da luz do Beltane, Green George
Sol ; era a volta da fertilidade significa “Aquele que traz
aos campos e a esperança de o Verão” ou a própria
boas colheitas ; era a volta personificação do Verão –
da vida, do renascimento, vale lembrar que Beltane
do florescimento e da marca o início dessa estação,
abundância. o que para nós, aqui no
Hemisfério Sul, ocorre no
Em uma versão muito fim de Outubro e início de
antiga dessa lenda,Robin Hood Novembro. De acordo com
e Maid Marion caminhavam o folclore, Green George
por solos inférteis e estéreis é levado dentro de uma
- uma Natureza adormecida gaiola (uma armação cônica
– o que mostra que o Amor feita de vime ou de madeira
ainda não tinha se realizado e decorada com folhas) e
e sido consumado. Mas depois libertado para se
após uma Cerimônia Pagã juntar à multidão alegre que
de Casamento celebrada dançava, cantava e bebia.
pelo famoso Frei Tuck, essa
35
– um simbolismo claro de
renovação.

Uma tradicional canção
sobre Jack in the Green,
cantada durante os festejos
de Maio:
A Riddle
Jack in the Green
I am born on May Morning -
tinha uma conexão muito
by sticks, bells, and ribbons
interessante e curiosa com
I am the sap - in the dark
os limpadores de chaminés,
root
principalmente na Inglaterra.
I am the dancer - with his six
Essa conexão, pode até
fools
parecer estranha, mas é muito
I am the tump - behind the
simples de entender : os
old church
limpadores de chaminés eram
I am the lost soul - under
aqueles que zelavam pelo
the misericord
fogo sagrado que renovava
I am the oak - against the
o Espírito da Vegetação
stars
anualmente. Da mesma forma
I am the face - that peers
que a madeira era queimada na
through the leaves
lareira, era costume queimar
I am the fear - in a child’ s
efígies simbolizando o fim
mind
de uma etapa para dar lugar
I am the demon - on the
a uma nova que se iniciava
36
Folha de Acanto esculpida em
sobre Robin Goodfellow (o
Puck – um Espírito travesso

madeira
da Natureza que foi destaque
na peça teatral “Sonho de
uma Noite de Verão” de
William Shakespeare); sobre
Silvano ou Silvanus (uma

roof-boss

de Rosslyn: mais de 60
Green Man na Capela
I am killed in October - and

representações
laid on church altars
I am the guiser - on the
bright bonfire
I am the old grain - sown
with the seed

Green Man com folhas

paroquiana de Ludlow
I am the flame - in the

de Acanto Igreja
pumpkin ‘ s grin
I am the spirit - in the kern-
baby’s bosom

Além de Robin Hood,


quando falamos em “Homens
de Bamberg na Alemanha

Verdes”, podemos falar


Green Man com folhas
de Acanto Catedral

também sobre o Poema Épico


de Sir Gawain e o Cavaleiro
Verde (Lenda Arturiana) ;
37
Divindade das florestas); Wild Man) e de como
sobre Pã (Deus das Florestas, apareceu depois, montado
da fertilidade, dos pastos e em um veado selvagem e
dos rebanhos); sobre Peter acompanhado por um bando
Pan, o menino com roupas de animais com chifres.
verdes que nunca envelhece; Merlin, que era considerado
sobre Herne, o Caçador (que o filho do Diabo, foi depois
também aparece em uma peça associado ao Velho Deus.
de Shakespeare: “As Alegres
Comadres de Windsor”; Em muitas Igrejas,
sobre Baco ou Dionísio Basílicas, Capitéis e
(os Mistérios Agrícolas, a Catedrais, podemos encontrar
embriaguez, as uvas e os várias representações
grãos); sobre o Culto de Al- de “Homens Verdes”
Khidhir (o Profeta Verde dos esculpidas em pedra. São
Árabes pré-Islâmicos); entre magníficos rostos masculinos
outros. ornamentados com folhas,
gavinhas e galhos.
Não podemos nos
esquecer que em “Vita Interessante perceber
Merlini”, por Geoffrey of que as plantas que formam o
Monmouth, temos história rosto do Green Man,não foram
de como Merlin entrou escolhidas aleatoriamente.
na floresta para virar um São plantas específicas e
“Homem Selvagem” (The escolhidas por alguém que
38
sabia o que estava fazendo.
Geralmente as plantas que
ornamentam o rosto do
Green Man, são o Acanto, a
Hera, a Videira, a Samambaia e
a Palmeira - plantas de grande
longevidade, praticamente
imperecíveis e associadas
a várias Divindades. Todas
elas são símbolos do eterno
retorno.

O Acanto (Acanthus Intendência, e ainda hoje, é
mollis): como um símbolo do utilizada nas Forças Armadas
Renascimento, foi uma planta de muitos países.
muito utilizada na decoração
(principalmente em capitéis, A Hera (Hedera
frisos e modilhões ) de templos, helix): muito utilizada desde
de monumentos sacros, na a Antiguidade, é uma planta
arquitetura funerária, carros associada ao Deus Baco
fúnebres, túmulos comuns e (ou Dionísio – Divindades
vestimentas de homens de conhecidas pelo Poder de
alta posição. Desde a época cura da alma e do corpo,
das Legiões Romanas, a folha através da purificação) e que
de Acanto é um símbolo de ornamentava o tirso (uma
39
bastão de caráter fálico, em um novo corpo físico.
rodeado por galhos de Hera
e Videira e encimado por A Palmeira (Phoenix
um pinha). Uma planta que sp.): árvore de grande
simboliza a Imortalidade e a durabilidade que pode
Eternidade, sempre foi usada ultrapassar mais de 300 anos.
para ornamentar lápides e É uma símbolo de renovação
templos funerários. Muitos e continuidade. Folhas de
Homens Verdes também Palmeiras são muito utilizadas
são adornados com ramos nas Procissões de Primavera.
de Videiras (um arbusto
com cachos de uva) e uma Notáveis exemplos
representação muito comum, de Homens Verdes e
é o rosto de Pã rodeado com símbolos pagãos (sóis, luas,
essas folhas. pentagramas, entre outros)
são encontrados em várias
A Samambaia Catedrais, Monumento e
(reino: Plantae; divisão: Templos. Podemos vê-los
Pteridophyta): durante a principalmente nas Catedrais
Idade Média, foi largamente de Exeter, Norwich,
utilizada em túmulos. Canterbury e Burgos,
Considerada uma planta embora se destaque, sem
protetora da Alma – acredita- dúvida alguma, a Capela de
se que essa planta a protege Rosslyn - situada no Povoado
até que ela renasça novamente de Rosslyn e a poucos
40
quilômetros de Edimburgo. Só animais, são esculturas sem
nessa Capela, são mais de 60 definição de espécie – são
representações de Homens Criaturas Verdes, onde
Verdes. algumas possuem orelhas
pontudas, olhos esbugalhados,
Podemos encontrar sem o maxilar inferior e com
também, as “Bestas um focinho no lugar do nariz.
Verdes” – uma associação
clara ao Green Man como No Mosteiro de Santo
o Senhor das Feras e dos Domingos de Silos, localizado
Animais - onde os rostos na Espanha, temos os
dessas figuras estão muito Gatos Verdes – inúmeras
longe de ser rostos humanos. representações de gatos
Muitas vezes, pode ser um ocultos entre a vegetação
leão ou uma leoa, um gato, e com focinhos que brotam
uma lebre ou até mesmo gavinhas, folhas e galhos.
um morcego. Muitos não são Gatos são animais associados

41
à eternidade, à imortalidade e
ao renascimento

Assim o Green Man


tem existido desde tempos
imemoriais: oculto sob
as sombras, mas sempre
presente. O Deus em sua face
frondosa, que tudo gera e faz
crescer. Seu sopro traz a vida,
fazendo com que brote do
submundo. É aquele que exala
a essência primitiva e fértil
do ser profundo e selvagem.
Senhor da natureza indomada
e do campo acolhedor.

42 Thomas Frank Heaphy (British, 1813-


1873) Robin Hood and Maid Marian
"Alone with the Devil"
Vania Zouravliov
A arte pré
Gardneriana
e Gardneriana
Por Mario Martinez

Escrever sobre a Bru- pa antes do advento da Wica, 


xaria pré Gardneriana é uma como tem insinuado Ronald
tarefa bastante difícil,  uma Hutton.  Se pudermos obser-
vez que só recentemente var com atenção as afirma-
historiadores como Philip ções de algumas das pessoas
Heselton trouxeram à luz envolvidas com a antiga Arte
elementos e fatos ainda des- antes de Gardner,  podere-
conhecidos sobre a história mos esboçar uma linha de
da Wica.  Entretanto, algumas tempo, ou talvez encontrar o
informações públicas caíram fio da meada.
na mídia desde os anos 1960, 
  Um dos exemplos mais
e que podem esclarecer algo
marcantes foi legado por Sybil
a respeito.  Obviamente que
Leek.  Ela identificou-se como
ninguém ainda é tão infan-
membro de um dos Covens
til a ponto de acreditar que
de Old George Pickingill,  e
não existia Bruxaria na Euro-
43
não de um dos Covens de poderiam levar à prisão to-
Gardner.  Ela também assegu- dos os envolvidos;  e isso até
rava ter descendência here- muito recentemente, já que
ditária de uma famosa bruxa as leis inglesas anti-bruxaria
chamada  Molly Leigh.  E por só foram abolidas em 1951.
último,  ela também afirmava
Havia algumas semelhan-
que seu Coven,  conhecido
ças óbvias entre as práticas de
como  “the Horsa Coven”  ti-
Sybil Leek e a Wica Gardne-
vera sua origem na época da
riana, claro,  e também algu-
conquista normanda.
mas diferenças,  ao ponto de
Infelizmente ainda existe alguns seguidores afirmarem
muita gente cética a respei- que Gerald Gardner recebe-
to de afirmações desse tipo.  ra seu treinamento original e
Porém,  como algumas outras sua iniciação no Horsa Coven. 
afirmações a respeito da ori- Existem artigos e textos que
gem da Wica, não pode ser desmentem as afirmações
negada e nem provada.  Acre- de Sybil Leek e que demons-
dito que os pesquisadores tram que ela roubou as ideias
em geral procuram por algum de Gardner.  E se os autores
documento escrito,  onde se desses artigos estão convic-
possa ler,  com todas as le- tos de que não existiam Co-
tras,  a veracidade dessas afir- vens hereditários ou Bruxaria
mações.  Isso é ridículo,  uma Iniciatória na Inglaterra antes
vez que documentos assim de Gardner,  então torna-se
44
Fonte:La Cave
Bassai
óbvio  que quem está fazen- Hard Gards da LI-Line.  Exis-
do tais afirmações está men- tiam vários Covens nos Esta-
tindo. dos Unidos e no Canadá que
se denominavam Gardneria-
Em contrapartida,  se al-
nos e não foram reconheci-
guém acredita na existência
dos por Theos, tais como:  o
de Covens antes de Gardner, 
Mannings, o Coven Ártemis
esse fato de afirmar descen-
Orthia de Fred Folter, etc.  E
dência de grupos anteriores
também existiam Covens de
que partilharam ideias em
Tradições que tinham raízes
comum com ele, seria uma
pré Gardnerianas, como a
evidência de que Gardner
Tradição Mohsian, Georgian,
originalmente recebeu essas
etc.  Aqui, trata-se de um pro-
ideias de outros bruxos que
blema político dos descen-
já existiam antes dele.
dentes de Ray Buckland:  uma
Nos Estados Unidos vez que foi Buckland o pio-
a coisa é muito pior, devido neiro da Wica na América do
às confusões causadas pelos Norte, como poderiam exis-
45
tir Gardnerianos antes disso?   porque misturava elementos
O que os Hard Gards não de magia popular, comuns na-
querem aceitar, talvez devido quele tempo.  Também segun-
a uma enorme viagem de ego,  do ele, não existia uma ênfase
é que algumas pessoas já em teologia ou culto a divin-
tinham migrado para ������
a Amé- dades,  mas mesmo assim o
rica nos anos 1950 e início grupo era aberto a crenças
dos anos 1960, e haviam esta- politeístas. 
belecido Covens lá.
Em seu livro “Crafting
Sabemos que existiam the Art of Magick, Book I: A
pessoas na Inglaterra e na History of Witchcraft, 1939-
América antes de 1939 e que 1964”,  Aidan Kelly comenta
se chamavam Bruxos, prati- sobre a existência de diver-
cavam Bruxaria e considera- sos grupos pré Gardneria-
vam a Bruxaria como sendo
a sua religião.  Um exemplo
documentado é justamente
a Fairy Tradition de Victor
Anderson (1917-2001).  Ele
relatou que havia recebido
uma iniciação no  Harpy Co-
ven em Ashland, Oregon, em
1932 e que segundo ele o
Coven era bastante eclético
46
nos,  mas insinua que Gerald “Boucca Tradition”, que nos
Gardner tenha pego elemen- parece estar relacionada com
tos emprestados dos mes- a Bruxaria Basca. Eles afirmam
mos para compor seu Livro que  se trata de um antigo
das Sombras,  o que é impos- nome galês para o Deus de
sível.  Ele nos fala a respeito da  Chifres, e que a palavra deri-
“Order of the Magi”,  uma es- va da palavra Eslava significan-
pécie de “outer court”  para do  “Deus”.  As Bruxas bascas
um Coven de Bruxos.  O fun- conheciam “Boucca” como 
dador dessa Ordem, Olney H. “Basa-Jaun”,  o que quer di-
Richmond (1844-1920),  pas- zer  “Goat man”,  segundo
sou a Tradição para sua filha Margaret Murray em seu livro 
Arlene Richmond e em 1955 “God of the Witches”, 1931.
Thomas Giles foi iniciado
Desde 2001, muita luz
nela por uma HPS chamada
nova foi lançada sobre as dú-
Virginia e como ele mesmo
vidas a respeito da existência
relatou, a iniciação foi a tra-
de Covens anteriores a 1939. 
dicional iniciação sexual.  Se-
Sinto como se os historiado-
gundo Aidan Kelly,  a Tradição 
res realmente acreditassem
“Magi”  é a única tradição pré
que Gerald Gardner inven-
Gardneriana bem documen-
tou a existência da Bruxaria.
tada na América.
Em 2005,  uma Gardneriana 
Temos notícia tam- A. Wolf mandou um e-mail
bém a respeito da chamada para ������
Aidan �����������������
Kelly nos seguin-
47
tes termos: saiu,  ela chegou ao público
com as mesmas afirmações
 “---NEWWC@...  wrote:
que Kelly tinha feito anterior-
 Feliz encontro, Aidan: mente.  Não houve nenhu-
ma alteração nas conclusões
 Posso entender que você
apressadas de Kelly,  o que
esteja republicando a
foi realmente uma decepção
versão total do que foi 
para os que aguardavam o li-
“Crafting the Art Magi-
vro, inclusive eu.
cal”.  Desde que os livros
de Philip Heselton tem   Contudo, alguns anos
demonstrado convincen- antes, durante o período
temente que osWica exis- de 1974 a 1977,   John Sco-
tiam antes de GBG e seu re, o falecido editor de The
conceito da cronologia Wiccan, publicou uma série
está irremediavelmente de artigos de um membro
deficiente,  eu imagino o da Arte Hereditária chama-
que você deixou de publi- do E.W. Liddell,  que estava
car. vivendo na Nova Zelândia. 
Mais tarde, outros artigos de
Curiosa,
Liddell surgiram na revista
A.Wolf ” The Cauldron e foram publi-
cados até 1994.  Os artigos
O problema é que quan- descreviam as diferenças e as
do a republicação do livro semelhanças entre a Bruxaria
48
Hereditária e a Wica, inclusi-
ve mencionando sua ligação
com  a  Bruxaria francesa, as
influências das crenças sar-
racenas e do Oriente Médio
no culto das Bruxas medieval. 
Os artigos de Liddell ofere-
ciam uma visão completa- rios fundamentos da antiga
mente diferente daquela pu- Arte presentes na Wica, tais
blicada por historiadores não como a nudez ritual, o Açoi-
iniciados,  e por isso causa- te, as Cordas,  etc.  Creio que
ram muita controvérsia.  Infe- o primeiro a detonar os ar-
lizmente até hoje, até mesmo tigos de Liddell foi justamen-
vários Gardnerianos rejeitam te Aidan Kelly,  alegando
a visão de Liddell por falta de que ele seria parte de uma
provas materiais.  conspiração que atravessa-
va cinquenta anos e envol-
Os artigos afirmavam via praticamente todos que
que o Coven de New Forest conheciam Gardner.  Mais
no qual Gerald Gardner ha- tarde os artigos foram reuni-
via sido iniciado em 1939 ti- dos por Michael Howard em
nha ligações com os Nove um volume chamado  “The
Covens fundados por Geor- Pickingill Papers – The Origin
ge Pickingill no século XIX e of the Gardnerian Craft”.
determinava a origem de vá-
49
Parece que as dúvi- te antigos e tem sido cultu-
das ainda persistem até ados desde a Pré-História. 
hoje.  Em conversa com Se formos definir Wica de
Philip Heselton, perguntei sua modo amplo como o culto
opinião a respeito dos artigos aos Deuses antigos,  então
de Liddell.  Ele me disse que podemos afirmar que ela é
como pesquisador e investi- muito antiga também.  Mas se
gador ainda não encontrara formos definir Wica como a
evidências fortes para deter- religião centrada no formato
minar se as teses são verda- litúrgico usado por Gardner, 
deiras ou não.  Já como Inicia- então teremos que a religião
do a opinião é outra.  Creio retrocede a ele.  Obviamente
que se formos esperar des- que Gardner fez adições ao
cobrir documentos que com- culto,  mas isso não restrin-
provem essas teorias,  espe- ge a religião como sendo in-
raremos eternamente,  ainda ventada por ele.  Nos vemos
mais que Bruxaria na Ingla- num impasse acadêmico, que
terra era crime até meados na minha visão de Iniciado
do século XX. não terá solução por falta de
documentação.
Se formos analisar cui-
dadosamente os rituais da Talvez a definição de
Wica,  em primeiro lugar po- Wica como  “Antiga Religião” 
deremos verificar que nossos dependa de como a Wica seja
Deuses são tremendamen- definida em primeiro lugar. 
50
Se a religião for definida em uma linha divisória entre os
termos de crença e do culto Wica iniciados e o mundo
aos Deuses,  então a evidên- lá fora, para verificarmos se
cia de que o culto é antigo é estamos debatendo esse as-
subjetiva e não objetiva:  você sunto de um ponto de vista
não pode expor a evidência interno ou externo.  E nesse
em um out-door para que o caso, é válido dizer:  “Eu creio
mundo veja.  Nesse caso, te- que a religião é antiga, porque
ríamos a experiência religiosa tive uma revelação, um insight
ou a revelação religiosa como com os Deuses”.  Mas de um
evidência e prova histórica.  ponto de vista externo, não
Por isso, é necessário traçar será possível usar tal afirma-

51
ção como prova. antigas porque tais crenças
permaneceram escondidas
O mais engraçado em
durante séculos de persegui-
tudo isso, é que muitos inicia-
ção ou porque a estrutura da
dos adotam a perspectiva ex-
Wica foi estabelecida sobre
terna quando discutem a reli-
o alicerce dessas antigas re-
gião e os Deuses,  mas conti-
ligiões pagãs.  E de um ponto
nuam afirmando que dedicam
de vista interno, mantido por
suas vidas a Eles.  Essa atitude
nós que temos sentido o há-
serviria apenas para historia-
lito e as palavras dos Deuses, 
dores profissionais, e trata-
as evidências podem compor
-se de uma atitude conflitan-
um quadro bem diferente  do
te.  Deve ser por isso que a
externo, o retrato da Wica
maioria dos acadêmicos não
como a Antiga Religião.   
professam a religião que eles
estudam.

Existem muitas evidên-


cias de crenças religiosas
pagãs e práticas parecidas
com Wica em culturas anti-
gas desde a Pré-História.  As
crenças e práticas dos Wica
podem ser parecidas com
as crenças de religiões pagãs

52
O pesadelo, por Henry Fuseli (1781)

Demonização da Bruxaria
Por Simone Abraços
& Giulia
Antes de iniciarmos o Cruzadas e Guerras Santas;
assunto, precisamos fazer por um altíssimo índice de
um panorama geral do que analfabetismo e quase nenhum
aconteceu de mais importante acesso aos livros; pela Peste
na Idade Média para que Negra (ou Peste Bubônica)
possamos entender melhor que devastou a população
todo o contexto. Esse período européia; pela fome e escassez
da História ficou marcado geral; pelos impostos, taxas e
por várias invasões, guerras tributos que quase ninguém
e revoltas camponesas; podia pagar; e para completar
pelo enfraquecimento esse cenário caótico, foi
comercial e econômico; pelo marcado pelo expansionismo
fortalecimento do sistema do Cristianismo e a pela
de produção feudal; pelas supremacia da Igreja Católica.

53
Após a queda do Império ela dominava e influenciava
Romano, a Igreja Cristã foi desde o comportamento até
a única instituição que se a forma de pensar.
manteve firme, forte e intacta, Naquela época, não
consolidando-se como a existiam opções - ou você
detentora do Poder Espiritual estava com a Igreja ou você
e a responsável pela proteção estava contra ela – e, na
e o encaminhamento das tentativa frustrada de reprimir
Almas após a morte – seja o Paganismo, a Bruxaria se
para o céu ou seja para o tornou a sua pior inimiga e o
inferno. seu maior desafio.
A população atravessava Desde então, com as
um dos períodos mais difíceis loucuras do Tribunal da
da História – fome, doenças, Inquisição e com a perseguição
guerras e falta de trabalho – e obsessiva da Igreja Católica
um povo sofrido,desesperado, Romana, a Bruxaria tem sido
fragilizado e sem esperanças, vítima de acusações absurdas,
tornou-se uma presa fácil fantasiosas e exageradas.
nas mãos da Igreja Católica. A Igreja, que não poupou
Diante dessa situação, esforços e ultrapassou todos
ficou óbvio que a melhor os limites imagináveis e
forma de controlar a massa inimagináveis, instaurou uma
enfraquecida, era através da onda de pânico e histeria
fé e do medo. O poder da coletiva com o objetivo de
Igreja era tão grande, que difamar a Bruxaria, e assim, de
54
“Devemos falar da heresia das
feiticeiras, e não feiticeiros;
estes não contam”.
A Igreja nutria um desdém
profundo pelas mulheres e
elas foram consideradas a
própria personificação do mal.
Utilizando o velho e patético
exemplo de Eva – a pecadora
que levou Adão à perdição
e à expulsão do Paraíso –, a
Igreja conseguiu transformar
a figura da mulher em um
erradicar completamente os ser lascivo, invejoso, vingativo,
heréticos e de sufocar todos dissimulado e totalmente
os tipos de reminiscências desprovido de caráter.
de Cultos Pagãos. Com isso, A mulher, que antes era a
deu-se início ao horror da mãe, a nutriz, a companheira,
Caça às Bruxas ... a esposa e a protetora da
família, da noite para o dia,
A Mulher e a Bruxaria tornou-se a preferida do
Jakob Sprenger, um dos Diabo e uma tentação para o
Inquisidores responsáveis Homem.
pelo Malleus Maleficarum ( o A Igreja pregava
Martelo das Bruxas ), disse : fervorosamente que as Bruxas
55
eram servas do Mal e, com
o tempo, todas as mulheres
eram alvo de desconfiança.
Muitas delas foram acusadas
de envolvimento com a
Bruxaria, pelo simples fato de
serem mulheres. E ser mulher
naquela época já era um risco.
Como já diziam : “Para um
Bruxo, dez mil Bruxas”.

Malle Babbe, Frans Hals, 1630


A demonização do riso
Dentro dos padrões Então podemos

exigidos pela Sociedade e presumir que, se a ausência

Igreja Medievais, a boa moça do riso era algo bom e

– a “moça de família” – e a incentivado, podemos deduzir

mulher exemplar, deveriam que o seu oposto ( o riso ) era

ser sérias, recatadas, austeras algo mau e desaconselhável.

e contidas. Elas não riam, Tudo o que era mau ( o

elas não demonstravam contrário de bom ) levava

sentimentos e elas não ao pecado e o pecado só

expressavam alegria, e poderia ser cometido através

qualquer comportamento da influência do Diabo.

diferente, era passível de uma Um bom cristão deveria

punição severa. manter a seriedade a todo

56
custo, e ao menor sinal de um Homem, dá também prazer
passo em falso, ele deveria aos Deuses”.
demonstrar arrependimento É muito interessante
e uma profunda dor pela notarmos que nos mais
expiação de seus pecados. diversos Contos de Fadas,
A Igreja pregava que o a princesa ou a mocinha
riso, a alegria e o prazer da história eram sempre
afastavam o Homem de muito recatadas, tímidas e
Deus e consequentemente, sofredoras. Já a Bruxa má,
os aproximavam do Diabo. era impetuosa, espalhafatosa
Por essa estúpida razão, eles e gargalhava o tempo todo
foram proibidos e negados – eis a demonização do riso
ao Homem Medieval. que deu origem à famosa
Bem diferente disso, gargalhada de Bruxa.
podemos dizer que a Wica, Essa proibição do
a Bruxaria Gardneriana, é riso na Idade Média, foi
uma Religião de amor, de magnificamente descrita na
celebração da vida, de prazer, obra literária contemporânea
de alegria, de entusiasmo de Umberto Eco - “O Nome
e de êxtase. Então, como da Rosa” (Il Nome della Rosa).
podemos concordar que o A história ocorre no ano
riso, o prazer e a alegria nos de 1327 em um Mosteiro
afastam dos Deuses ? Beneditino na Itália – um
Como comentou Gerald Mosteiro que continha o
Gardner: “O que dá prazer ao maior acervo de relíquias,
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obras raras e livros sagrados propositalmente no formato
já reunidos nos últimos de um labirinto, o acesso
séculos. era restrito a pouquíssimas
A trama central gira em pessoas do Mosteiro.
torno da investigação das Quando os Monges
mortes de vários Monges que, manusearam as páginas dos
aparentemente, não tinham livros, eles levaram o dedo à
ligação alguma, mas com um boca e o molharam na língua
detalhe curioso em comum : para facilitar a folhagem das
todos eles foram encontrados páginas. O que ninguém sabia,
com as línguas e os dedos era que as bordas de todas as
roxos. No desenrolar da páginas estavam envenenadas,
história, descobrimos que eles e assim, eles morriam antes
morreram porque leram os de revelar o conteúdo dos
livros proibidos da Biblioteca, livros para outras pessoas. O
que além de ter sido construída livro proibido de destaque
é o Livro II da Poética de
Aristóteles, onde o assunto
principal era o riso e a
comédia – o simples prazer
de rir !
Um dos pontos mais
altos da obra, é o diálogo
entre William, o personagem
principal, e um dos Monges :
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“Mas o que há de tão prazer sexual foi o principal
alarmante no riso?”, indaga alvo a ser atacado e destruído.
William. Se qualquer forma
“O riso mata o temor”, de prazer era pecado, por
responde o Monge. “E sem conseqüência, qualquer forma
temor, não pode haver fé. de prazer era uma emanação
Porque se não se teme do Diabo. Sexo com prazer
ao Diabo, não há mais era um caminho sem volta
necessidade de Deus”. para a perdição e danação da
A única mulher da Alma.
história, é a única que ri Mesmo entre quatro paredes,
e que usufrui dos poucos o casal não estava a salvo dos
prazeres da vida miserável “olhos vigilantes de Deus”
que levava. Ela, que foi acusada e o sexo entre marido e
injustamente de Bruxaria, foi mulher, tornou-se uma prática
mandada para a fogueira. esporádica, sem graça e para
procriação.
A demonização do Sexo O absurdo não parava
e o Pecado por aí.
Uma das armas mais A Igreja consentia apenas uma
eficazes usadas pela Igreja, posição durante o ato sexual
foi o medo. Na incansável – aquela em que a mulher
tentativa de transformar deveria estar submissa ao
todas as alegrias da vida em homem, de acordo com os
algo sujo, pecaminoso e vil, o ensinamentos de São Paulo.
59
O recato era tanto, Igreja chamava de fornicação)
que muitos casais, que ligavam o Homem ao Diabo.
viveram juntos durante anos, Como não poderia
morreram ser ver uma única deixar de ser, as Bruxas foram
vez o corpo nu de seus chamadas de Adoradoras
companheiros. do Diabo e, como donas
O corpo e a nudez eram de um insaciável apetite
motivos de vergonha e existem sexual, promoviam orgias e
vários relatos de pessoas que banquetes que duravam a
tomavam banho com roupas noite toda.
devido a repressão da Igreja Incrivelmente, a Igreja
– e acreditem, um costume acusava as mulheres de
que se estendeu até o século serem mais licenciosas que
passado em muitos lugares ! os homens e, por essa razão,
Se o recato era um diziam que apenas o Diabo,
mandamento de Deus, se o com o seu membro enorme
sexo com prazer era pecado e e frio, era capaz de satisfazê-
se o corpo era uma vergonha, las.
imaginem a propaganda de
difamação que a Igreja fez com
relação à nudez das Bruxas
durante as celebrações nos
Sabás ! O recato e a privação
ligavam o Homem a Deus e
o sexo e a luxúria (o que a
60 Ary Scheffer 1795 - 1858 Les ombres de
Francesca da Rimini et de Paolo Malatesta
apparaissent à Dante et à Virgile 1855
A demonização do Alto
Sacerdote dos Cultos
Pagãos
O Diabo, como a figura
do chamado “Satanás”,
encarnação de todo o mal, é
uma invenção da Igreja.
O Alto Sacerdote da
Antiga Arte é o Representante
do Deus de Chifres, que
durante os Cultos, vestia-
Diabo como a personificação
se com peles de animais e
de todo o Mal existente.
portava chifres na cabeça.
Uma criatura interessante
O Deus de Chifres, como o
descrita com chifres, rabo
Senhor da caça, das florestas
com ponta bipartida, cascos
e dos animais, e como o
no lugar dos pés, um olhar
Caçador Noturno, era
horripilante e muitas vezes,
naturalmente representado
com um tridente nas mãos.
com chifres e com peles de
Uma invenção patética que
animais abatidos.
causou efeito e um grande
Mas afinal, o que há
impacto nas crenças cristãs.
de tão perverso nisso?
Uma fórmula sinistra que
Aproveitando-se dessa
funcionou na campanha
impressionante figura, a
contra o Paganismo.
Igreja criou o estereótipo do
61
Tudo o que havia de ruim das maiores carnificinas da
era obra do Diabo e, Humanidade.
inevitavelmente, de suas
servas também - as Bruxas. O Estereótipo da Bruxa
Se chovesse demais ou Tradicionalmente, a
se não chovesse nada; se a Bruxa é retratada como uma
plantação não vingasse; se mulher feia, velha assustadora
a colheita não fosse boa; e acima de tudo, uma mulher
se o gado morresse; se a má.
produção de leite não fosse Ela é aquela que cruza os
suficiente; se alguma grávida céus noturnos montada em
perdesse o bebê; se alguma sua vassoura. Ela é aquela que
doença assolasse a cidade ... a faz poções asquerosas em seu
culpa sempre recaía sobre as caldeirão borbulhante, e tem
Bruxas. Portanto, se elas eram sempre como companhia,seus
servas do Diabo e tinham fiéis animais de estimação –
um pacto com ele, elas eram sapos, cobras, corujas, corvos,
inimigas do Deus Cristão. gatos pretos, morcegos e
Os Cristãos, com aranhas. Ela é aquela que usa
todas essas ideias absurdas um enorme chapéu preto
incrustadas na cabeça, pontudo e que dá gargalhadas
começaram a eliminar todos horripilantes após um ato de
os inimigos de Deus e da Igreja maldade.
– a grande patrocinadora
da ignorância e de uma A origem do chapéu de
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Bruxa impressionar.
Os chapéus têm sido, E as Bruxas ... usam o
ao longo dos séculos, usados chapéu cônico.
por pessoas em posição de A forma cônica é
destaque - como símbolo de considerada como a pirâmide
poder, posição hierárquica ou perfeita de base circular. Esse
em uma alusão à ligação do formato que se assemelha a um
Homem com o Cosmos. funil invertido, logicamente
Os Reis usam coroa e não é por acaso. É uma forma
cetro como símbolos de sua capaz de potencializar as
soberania. Energias lançadas de baixo
Os Cavaleiros usam para cima, convergindo e
elmo para se proteger elevando essas Energias a um
durante uma batalha. só ponto : o Plano Astral -
Os Bispos usam a Mitra onde a Magia acontece.
como símbolo de Hierarquia. Na Wica, a Bruxaria
Os Mágicos e ilusionistas Gardneriana, o formato
usam a cartola para cônico do Chapéu da Bruxa é
encontrado na forma de uma
espiral ascendente, assumida
pela energia lançada no
Círculo durante os Rituais.
Isso é o que chamamos de
Cone de Poder.
O Cone de Poder é a Energia
63
cabeça.
As Bruxas não são as
únicas que usam chapéus
com esse formato. Podemos
citar vários exemplos,
especialmente aqueles com
members.westnet.com
David Thompson finalidades religiosas como
gerada e elevada durante um é o caso do “Judenhut”
Ritual. Tem esse nome devido (usado pelos Judeus na Idade
ao seu formato semelhante Média ), ou como símbolo de
a um Cone – uma base status social, como o “Pileus”
arredondada que se afunila (usados na Antiga Grécia e
ascendentemente como uma Roma, por escravos livres).
espiral. Outro exemplo interessante,
No corpo, o Centro seria a tiara papal com formato
de Poder ligado à conexão cônico e muito usada durante
espiritual é o chamado a Idade Média (às vezes mais
Centro Coronário, que está pontudas e outras em forma
localizado bem no topo da de bala).
cabeça. A energia que flui por O “Chapéu de Burro”
esse Centro também é em imposto como castigo aos
forma de espiral ascendente. alunos que se comportavam
Portanto, o Chapéu da Bruxa mal tem, na verdade, um
seria a representação dessa passado que remete à
Energia que sai do topo da inteligência. “Dunce cap”,
64
como é chamado em inglês, do Bronze, confeccionados
vem do nome de John Duns em ouro. Encontrados em
Scotus (1265/66-1308), um regiões da Europa central,
famoso Teólogo e Filósofo chapéus semelhantes
da Idade Média. John e seus também foram encontrados
seguidores usavam o chapéu na Espanha, Irlanda e País
para estimular o aprendizado de Gales. Estes têm a forma
e, inspirados pelos chapéus cônica, com desenhos em
dos magos, a forma cônica alto relevo apresentados em
seria usada para “afunilar” bandas espirais, ao longo das
o conhecimento ao usuário. quais, estão marcados círculos
Durante a Renascença ou perfurações. Estudos
Inglesa, uma rixa entre seus destes desenhos revelaram
seguidores e humanistas que as marcações serviam
resultou na conotação atual. como um Calendário lunar
Um exemplo notável são os e solar sistemático, capaz de
enormes chapéus (de até 88 cm determinar acontecimentos
de altura!), datados da Idade astrológicos específicos, Sandro Botticelli mapa do Inferno

65
JULGAMENTO DE BRUXAS, na Idade Média: como os cervídeos ou animais
condenação a qualquer custo
PEABODY ESSEX MUSEUM, SALEM corníferos.
Entre esses animais,
destacam-se gatos
(geralmente pretos), sapos,
cobras, ratos, coelhos, corvos,
morcegos e aranhas.
O conceito de
“Familiares”, seres que
ajudam e protegem as
como Solstícios de Verão
Bruxas, pode ser encontrado,
e de Inverno. Estudiosos
principalmente, na Europa
reconhecem que estes
Ocidental, Grã Bretanha e
chapéus teriam sido usados
França.
por Sacerdotes ou pessoas
Relatos de Bruxas
de importante relevância,
contam como o “Diabo” lhes
ligados a Cultos Solares.
presenteava com espíritos
Os animais demonizados
familiares em sua Iniciação.
e associados à Bruxaria
Isso pode ser visto como
Ao longo da história,
o despertar de aspectos
diversos animais já foram
animais da alma do Iniciado,
retratados ao lado da
que poderiam ser projetados
Bruxa. Alguns vistos como
para realizar certos atos
figuras míticas, espíritos
de magia. Curiosamente,
protetores (os Familiares ) ou
alguns destes seres poderiam
encarnações de Divindades -
66
existente entre famílias e,
inclusive, alguns destes eram
encarregados de proteger a
Bruxa até o desenvolvimento
pleno de seus poderes.
Na Grã Bretanha temos
o exemplo do “Cat Sidhe”,
aparecer espontaneamente
um gato mítico ligado às
diante da Bruxa, em situações
Fadas e descrito como sendo
cotidianas. Em algumas destas
enorme, preto e com um
aparições, as atividades
sinal branco no peito (uma
relatadas no momento são
descrição semelhante a gatos
sugestivamente condutivas
selvagens escoceses, os Kellas
ao transe, como ações
Cats). Alguns acreditavam que
repetitivas e relaxadas. Outra
esses gatos não seriam uma
forma seria a evocação
Fada e sim uma Bruxa, que
deliberada de tal espírito,
poderia se transformar em
onde um pacto de serviço
gato nove vezes, até que sua
(o Pacto com o Mal) poderia
forma permanecesse assim
ser firmado com um tempo
determinado. E, por último,
os Familiares poderiam ser
herdados ou presenteados
por membros da família. Esta
forma sugere a transmissão
de poderes hereditários
67
Na noite de Samhain,
vasilhas com leite eram
deixadas do lado de fora
como oferendas, para que
o Gato pudesse abençoar a
casa. Caso o leite não fosse
deixado, havia um grande
risco da casa ser amaldiçoada
e consequentemente, o leite
das vacas secar. O que lembra
outros costumes ligados ao
para sempre. Dizem que esta Povo das Fadas.
seria a origem do mito de Diferentes animais
que gatos teriam nove vidas. também foram retratados
Acreditava-se que o Gato como “meio de transporte”
Sidhe poderia roubar a alma para as Bruxas se
de um corpo antes que fosse locomoverem até o local dos
reivindicada pelos Deuses. Sabás, em substituição ao uso
Por isso era costume fazer de vassouras ou forquilhas.
vigílias com jogos e distrações Neste uso, a distinção entre
em funerais para afastar o a metamorfose da própria
gato. O que pode ter gerado Bruxa e seu uso como
a superstição de que cruzar montaria, muitas vezes se
com um gato preto causaria confundem, sugerindo uma
má sorte. conexão espiritual ligada às
68
viagens astrais e estados de
transe.
Pela sede de poder e o
medo, a ignorância torna-se a
mais aterrorizante forma de
tirania. Faz dos homens seus
escravos e, dos bobos seus
campeões da injustiça.
As Bruxas ousaram
desafiar os decretos impostos
pelos tementes servos da
Igreja, ousaram ser fiéis à
sua sabedoria, sua alegria e
sua natureza. Por isso, foram
perseguidas até a beira da
extinção junto a tantas outras
que, antes tivessem conhecido
os prazeres do Sabá, nem
Bruxas eram. Mas, felizmente,
Witchfinder General-Friends of Hell.
PreparationsfortheWitchesSabbath

as Bruxas jamais deixaram


de praticar sua Arte, pois há
algo que os perseguidores
Midnight approaches

jamais foram capazes de


compreender, escondido sob
o véu da noite...
69
A dança do Encontro
Por Lorenna Escobar

Beltane marca o início consciente vai para um nível

do verão. O Sol e a Lua se en- mais elevado do que a mera

contram e, o clima primaveril sobrevivência, e as energias

ainda ressoa a vida em abun- de Beltane produzem um po-

dância. deroso encanto.

“o macho para a fêmea, o “Ela o chama para brin-

Graal lança, aqui é o mistério car exatamente da mesma

que dá alegria eterna” maneira como antes”.

A ênfase do ritual de De flor em flor o néctar

Beltane está em todas as coi- pode ser apreciado, a tempo-

sas da felicidade efêmera dos rada está cheia, abundante de

homens e mulheres, como a amor e de possibilidades. O

paixão, a beleza e as artes. O frio foi embora e não existem


70
ameaças. A união sexual en-
tre aqueles que estão unidos
à força da vida e da natureza
próspera.

Para os Wica, Beltane é


“Abre os olhos, mostra o riso
a celebração do casamento
Quero, careço, preciso
sagrado da Deusa e do Deus.
De ver você se alegrar
Uma noite para que possam
Eu não estou indo embora
celebrar e incentivar a abun-
Tou só preparando a hora
dância e a fertilidade da terra,
De voltar”
bem como em suas próprias
(Um Dia, Caetano Veloso)
vidas.
Boucher Vulcan Presenting Venus
with Arms for Aeneas

71
A revista BTW é publi-
cada quatro vezes ao ano
e seu objetivo é infor-
mar, esclarecer e des-
mistificar origens, dog-
mas e práticas da Wica
Gardneriana e mostrar
que os ensinamentos de
Gerald Gardner ainda
estão vivos e florescen-
do no seio dos covens
tradicionais.

72
Perrault Leon Jean Basile Flechas Cupido
Esta revista é aberta a comunidade em ge-
ral, caso desejem publicar algum artigo enviar para
btw.revista@gmail.com com o assunto “artigo”. Reser-
vamo-nos o direito de resumir e editá-los para maior cla-
reza, estilo, gramática e/ou precisão.

Participe da seção Carta do Leitor e envie suas


opiniões, dúvidas e sugestões. É só enviar para o endereço
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devidos créditos.
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