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PAISAGISMO E PANORAMA

HISTÓRICO
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PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

1.1. INTRODUÇÃO
Plausível seria resgatar os meandros da história em seu período mais antigo e
trazer à luz os primórdios dos jardins. No entanto, nem tudo ainda se conhece
sobre os jardins da antigüidade. Ao arqueólogo é pouco factível reconstruir esses
espaços, tendo em vista o caráter perecível da vegetação. Os estudos e a
reconstituição dos jardins de então se baseiam, sobretudo, em pinturas e escritos
literários encontrados em escavações arqueológicas. Os registros históricos
apontam que a arte da jardinagem surgiu pela primeira vez, de forma
independente, em dois lugares distintos: Egito e China. Os jardins egípcios
estiveram baseados nas pequenas áreas agrícolas irrigadas do deserto, e os
chineses nos parques de caça imperial.

Com a obtenção de um certo grau de desenvolvimento, o homem manifesta a


exigência de construir jardins. Inicialmente vinculado a funções de utilidade,
depois elementos de ligação entre edifício e espaço circundante, natural
complemento residencial ou das cidades, os jardins constituem-se em um dos
espelhos do modo de viver dos povos que o criaram nas diferentes épocas e
culturas. Os jardins, com o passar do tempo, assumiram sempre mais uma função
estética, verdadeira e própria forma de arte. Somente no século XIX eles
assumem precípua função utilitária, sobretudo nas zonas urbanas densamente
povoadas.

Para Calcagno (1983) e Chiusoli (1985), é possível identificar nas diferentes


épocas históricas duas tendências fundam entais com relação à evolução dos
jardins:
¬ arquitetônica, própria dos jardins regulares, nos quais o elemento vegetal é
concebido e empregado de maneira rigorosamente geométrica e moldado em
formas artificiais;
¬ pictórica, próprio dos jardins irregulares nos quais se busca reproduzir o mais
possível a natureza, para aproximá-la de modo completo e espontâneo ao
homem.

Ainda segundo Chiusoli (1985), verifica-se no século presente a manifestação de


uma terceira tendência, qual seja, aquela ligada à funcionalidade. Essa
funcionalidade, entretanto, está atrelada, também, ao caráter arquitetônico e
pictórico, onde o somatório dos três enseja um elemento que deva atender a fins
higiênico-sanitários, de melhoramento ambiental, ecológico, proteção e aspectos
psico-sociais.

Apesar de muito da história dos jardins ter se perdido no tempo, ainda assim é
possível traçar o caminho de sua evolução. Partindo de seu caráter mítico-
religioso - o “paraíso” prometido no livro Gênesis da Bíblia -, ou de seus mitos e
lendas, ou ainda dos registros que comprovam a existência dos Jardins
Suspensos da Babilônia, até os jardins modernos, passando pelo Egito, Grécia e
Roma antiga, verificamos a importância de cada momento histórico-cultural na
concepção de outros espaços que não somente o jardim privado. A história
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recente mantém vivos os jardins do Renascimento francês e italiano e a Inglaterra


com seu jardim paisagístico.

1.2. DA JARDINAGEM AO PAISAGISMO


As idéias atuais do que seja um jardim estão profundamente enraizadas na
história. Por aquilo que se sabe, a arte da jardinocultura surgiu pela primeira vez,
bastante independentemente, em dois lugares: Egito e China. Os jardins egípcios
estiveram baseados nos minifúndios irrigados ao longo do rio Nilo, e os chineses
nos parques de caça imperial que, por aquela época era o país mais rico em vida
vegetal que o mundo conheceu desde a era glacial. Estas duas origens deram
formas diferentes de jardins, como o formal e o informal; o retilíneo e o sinuoso; o
arquitetônico e o naturalista.

Até o século XVIII a tradição egípcia, transmitida através dos gregos, dos persas,
dos romanos, dos árabes, dos italianos e dos franceses, imperou no Ocidente
sem nenhuma influência chinesa. O estilo naturalista inglês, que “nasce” com o
advento da Revolução Industrial na Inglaterra, se estendeu rapidamente no século
seguinte, criando jardins que em todos os aspectos correspondiam aos jardins da
China. A partir do final século XIX, não houve mais aquela preocupação com a
influência ou o traçado do jardim, mas sim com a diversificação das espécies e
variedades que o representavam.

Tabela 1 - QUADRO SINÓTICO SOBRE A EVOLUÇÃO DA JARDINAGEM


EGITO ⇔ 3.000 a.C. ⇔ CHINA

• formal • informal
• retilíneo ⇐ Características ⇒ • sinuoso
• arquitetônico • naturalista

à Egito à Japão
à Grécia
à Pérsia
à Índia
à Roma antiga
à Mouros
à Renascimento
(França, Itália)
à Inglaterra
(Revolução Industrial)
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1.2.1. O caráter mítico-religioso dos jardins


(Jardim do Éden)
Todas as religiões com um delineamento moral do tipo dualista, à base do bem e
do mal, prometem que a prática do primeiro terá por recompensa o alcance do
“paraíso”, o “nirvana”, o estado perfeito, o qual geralmente se descreve como
maravilhoso jardim coalhado de flores, frutos, pássaros e fontes (SOULIER, s.d.).
Para Llardent (1982), as notícias mais remotas dos jardins pertencentes à idade
antiga têm, fundamentalmente, caráter literário, no caso, a base seria o livro
Gênesis da Bíblia. Em Gênesis se nos fala da existência de uma paisagem
natural maravilhosa, a qual se denomina Éden, e que se descreve como paraíso,
um parque plantado por Deus, onde se cultivam árvores de todas as espécies,
árvores agradáveis para ver e boas para comer. Para Laurie (1983), o conceito de
jardim aprazível tem sua provável origem na mitologia, embora sua disposição e
organização parecem derivar dos métodos de cultivo e irrigação. A parte todo
simbolismo que se associa ao jardim, o fato é que, no mais profundo de nossas
origens, mitos, lendas e crenças estão fortemente arraigados nas primeiras
formas de pensamento, influenciando as primitivas civilizações. Isto é parte de
nosso legado cultural, imprimindo, desde o princípio, o gosto pelos jardins na
alma humana. De acordo com a literatura mítica-religiosa o homem “nasceu”
dentro de um jardim - o Éden.

1.2.2. Jardins Suspensos da Babilônia

FIGURA 1 – ILUSTRAÇÃO DOS JARDINS SUSPENSOS DA BABILÔNIA


Fonte: Krystek (2004).

Dos Jardins Suspensos da Babilônia, conhecidos como sendo uma das sete
maravilhas do mundo antigo, nunca se encontrou qualquer ruína: sua existência
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está relatada nos escritos de Diodoro Siculo1, Estrabão2 e Xenofonte3, que


descrevem detalhadamente essa obra da engenharia humana (CHIUSOLI, 1985).
Datados do século VII e VIII a.C. segundo alguns autores, a 3.500 a.C. segundo
outros, e restaurado por Nabucodonosor4 no século VI a.C., os Jardins Suspensos
da Babilônia são o mais significativo representante de toda uma gama de outros
jardins que foram implantados pela cultura mesopotâmica ao longo do Rio
Eufrates. Para se entender melhor a arquitetura, a engenharia, a paisagem e a
própria existência dos Jardins Suspensos da Babilônia, mister se faz conhecer o
ambiente geográfico onde eles estavam inseridos. Entre o planalto desértico da
Arábia e a cadeia montanhosa do Irã, os Rios Tigre e Eufrates atravessam a
planície Mesopotâmica. Os dois rios nascem ao norte entre as montanhas da
Turquia, e correm paralelos, no grande vale aluvial, para se unirem ao sul antes
de desembocarem no Golfo Pérsico. O ambiente é similar àquele do Vale do Rio
Nilo, o clima é desértico e em ausência de água é totalmente impróprio para a
agricultura. Mas a grande planície, em parte desértica, há dimensões geográficas
completamente diferentes. Favorecida pela presença do Eufrates e Tigre, a
agricultura floresce graças a um sofisticado sistema de canais de irrigação,
existente há 4.000 a.C., e que permitiu o estabelecimento da civilização
mesopotâmica. Ao longo do Tigre e Eufrates as obras de canalização e irrigação
não somente levavam água para os campos cultivados, mas também para o
interior das cidades, o que permitiu a criação de jardins suspensos, segundo
detalhada descrição de Heródoto5 (ORLANDI, 1994).

Sabe-se que os Jardins foram construídos para alegrar a amada esposa de


Nabucodonosor, a Rainha Amyitis, que sentia saudades das montanhas
verdejantes de sua terra natal. A Rainha Amyitis, filha do Rei de Medes, casou-se
com Nabucodonosor a fim de estabelecer uma aliança entre as duas nações.
Medes era uma terra montanhosa e cheia de pastagens, de forma que a jovem
rainha achou extremamente deprimente o solo plano e arenoso da Babilônia. Seu
esposo, então, decidiu recriar a paisagem natal de Amyitis com a construção de
uma montanha artificial e um jardim na parte superior. Os Jardins Suspensos,
provavelmente, não eram suspensos propriamente ditos por cabos ou cordas. Tal
nome vem de uma tradução incorreta da palavra grega kremastos ou da palavra
latina pensilis, que significam não apenas suspensos, mas superpostos, como no
caso de um terraço ou balcão. O geógrafo grego Estrabão, que descreveu os
jardins no primeiro século antes da nossa era, escreveu:

Eles consistem de terraços superpostos, erguidos sobre pilares em forma de


cubo. Estes pilares são ocos e preenchidos com terra para que ali sejam
plantadas as árvores de maior porte. Os pilares e terraços são construídos de

1
Diodoro Siculo ou Diodoro da Sicília. Grego de origem e natural da Sicília, nasceu em princípios do século I a.C. Escreveu
"Biblioteca Histórica", fruto de suas viagens pela Europa, Ásia e Egito.
2
Estrabão (60 a.C. - 21 d.C.).Geógrafo e historiador grego nascido em Amásia, no Ponto. Dedicou sua vida a viagens e
estudos, tendo visitado a Grécia e o Egito. Autor de "Geografia", este compêndio fornece extensas observações sobre a
região do Mediterrâneo, assim com copiosas referências a escritores que o antecederam.
3
Xenofonte (430 - 355 a.C.). Historiador, filósofo e general ateniense, participou da Guerra do Peloponeso e foi discípulo
de Sócrates. Entre outras obras, escreveu: "As Helênicas", "História da Guerra do Peloponeso" e a "Ciropédia".
4
Nabucodonosor (630 - 562 a.C.). Rei da Babilônia (605 - 562 a.C.), fundou o novo império babilônico. Sob sua égide a
civilização babilônica atingiu o apogeu, estendendo os seus domínios a rincões tão afastados quanto o Mar Mediterrâneo.
Ordenou a deportação dos judeus para a Babilônia (586 a.C.).
5
Heródoto (490/80-430/20 a.C.). Historiador grego, de Helicarnasso, chamado o "Pai da História". Em seus livros ficaram
documentados, sobretudo, os usos e costumes dos povos antigos que visitou.
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tijolos cozidos e asfalto. A subida até o andar mais elevado era feita por escadas,
e na lateral, estavam os motores de água, que sem cessar levavam a água do rio
Eufrates até os Jardins.

Figura 2 – REPRESENTAÇÃO DOS JARDINS SUSPENSOS DA BABILÔNIA


Fonte: Soulier (s.d.).

Figura 3 – RECONSTITUIÇÃO AXONOMÉTRICA DOS JARDINS SUSPENSOS


DA BABILÔNIA
Fonte: Orlandi (1994).
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A parte mais surpreendente do jardim era, sem dúvida, o aparato hidráulico que
levava água até a parte mais alta do mesmo (vide figura 4). No desenho está
esquematizado tem -se duas grandes roldanas, uma em cima da outra, ligadas por
uma corrente. Ao longo da corrente, são conectadas baldes. Na parte de baixo da
roldana inferior encontra-se uma piscina com a água da fonte. À medida que as
roldanas se moviam, os baldes mergulhavam na fonte e eram erguidos até a
piscina localizada no andar superior dos jardins, onde os baldes eram
derramados, descendo então vazios para a piscina inferior. A piscina na parte
superior dos jardins podia então ser liberada por comportas nos canais que
atuavam como rios artificiais para irrigar os jardins. A roldana inferior tinha uma
manivela e um eixo, movidos por escravos.

FIGURA 4 – ESQUEMA DO APARATO HIDRÁULICO QUE LEVAVA ÁGUA AOS


JARDINS SUSPENSOS DA BABILÔNIA
Fonte: Krystek (2004).

À construção dos jardins e à irrigação destes, deve ser somado o problema da


necessidade de evitar que o líquido arruinasse as fundações do complexo. Uma
vez que pedra era material escasso nas planícies mesopotâmicas, a maioria das
construções usava tijolos de argila cozidos. Estes tijolos, que tinham uma espécie
de betume usado como liga, também podiam ser dissolvidos pela água. Mas,
como a região era seca e árida, não havia problemas em utilizá-los desta forma.
Entretanto, os jardins exigiam irrigação constante, com a necessidade de ter suas
fundações protegidas. Um historiador grego registrou que as plataformas sobre as
quais estavam os jardins eram grandes plataformas de pedra (algo anteriormente
desconhecido pelos babilônicos), cobertas por camadas de juncos, asfalto e
azulejos. Sobre elas, colocava-se uma cobertura com folhas de chumbo para que
a umidade vinda da terra não chegasse a atingir as fundações dos pilares. Só
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então era colocada a terra, numa profundidade suficiente para permitir que
fossem plantadas as árvores mais altas. Qual era o tamanho dos jardins? Diodoro
afirmou que eles tinham cerca de 400 pés de comprimento (121,92 m) por 400
pés de largura (121,92 m) e mais de 80 pés de altura (24,38 m). Outros relatos
indicam que a altura era igual às muralhas exteriores da cidade. Segundo se
sabe, as muralhas chegavam a 320 pés de altura (97,53 m).

JARDINS SUSPENSOS EXISTIRAM?


Robert Koldewey, em 1899, após localizar a cidade na região central do Iraque
moderno, escavou-a por 14 anos, tendo descoberto debaixo de toneladas de
areia suas muralhas exteriores e interiores, a fundação da torre sagrada ou
zigurate de Babel, os palácios de Nabucodonosor e a avenida principal que
passava pelo centro da cidade, com o famoso Portal de Inana/Ishtar, que dava
acesso ao complexo de templos e palácios da cidade. Ao escavar a cidadela do
Sul, Koldewey descobriu uma área de subsolo com quatorze salas de grande
tamanho com tetos em abóbada. Registros antigos indicavam que apenas duas
localizações na cidade faziam uso de pedras, as muralhas da Cidadela do Norte e
os Jardins Suspensos. A muralha norte da Cidadela do Norte já havia sido
descoberta, e continha, na realidade, pedra. Pelo visto, parecia que Koldewey
havia encontrado o subsolo dos Jardins. Ele continuou a explorar a área e
descobriu muito dos detalhes citado por Diodoro. Finalmente, Koldewey
desenterrou uma sala com três grandes e estranhos furos no solo. Ele concluiu
que esta era a localização das roldanas e correntes que levavam a água até a
superfície, onde se encontravam os jardins. As fundações que Koldewey
descobriu mediam 100 por 150 pés (30,48 m por 45,72 m). Menor do que as
dimensões citadas pelos historiadores, mas ainda de causar assombro.

É na Babilônia, no Jardim de Nabucodonosor, que se introduz a terceira dimensão


na geometria do jardim. Naquela floresta de vinte andares, a geometria não
vencia a natureza. Ambas mantinham um milagre de equilíbrio (BOADA, 1991).

1.2.3. Egito - O “berço” da jardinagem


ocidental
As origens da jardinagem mediterrânea e, conseqüentemente, de toda a
ocidental, remontam ao Egito há três ou quatro mil anos. Tendo em vista que o
Egito é um deserto natural cortado pelo Rio Nilo, e que sua agricultura é
totalmente dependente do mesmo, vamos ter que seus jardins foram erigidos ao
largo dos canais de irrigação e próximo aos depósitos de água. Esses jardins
apresentavam uma simetria retilínea, dando origem ao estilo que ainda hoje
conhecemos como formal (JONHSON, 1979; CHIUSOLI, 1985; ORLANDI, 1994).

Os registros que se têm acerca dos jardins do antigo Egito, e que permitiu a
reconstrução fidedigna dos mesmos, foram extraídos de pinturas encontradas
junto às tumbas dos faraós e outras ruínas. Pode-se dizer que a antiga civilização
desenvolvida ao longo do Vale do Nilo, no arco de tempo compreendido entre
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3.500 a.C. e 500 d.C., representou uma etapa muito importante na história dos
jardins. Os jardins em tela refletem a sensibilidade artística e o alto nível atingido
na técnica hidráulica, agrícola e construtiva da civilização egipciana.

Figura 5 – CASA E JARDIM DE UM OFICIAL DO GOVERNO EGÍPCIO EM


TEBAS
Fonte: Orlandi (1994).
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O estilo desses jardins caracterizava-se por linhas retas e formas geométricas em


perfeita simetria, e eram inspirados nos canais projetados a partir do Rio Nilo,
orientados de acordo com os quatro pontos cardeais. Não havia terraços
sobrepostos nem efeitos d'água (cachoeiras, cascatas, fontes), pois a topografia
local era plana. A vegetação que predominava eram as palmáceas, figueiras,
videiras, romãzeiras e plantas aquáticas: flor-de-lôtus e papirus. São conhecidos
também como ecossistemas fechados ou jardins ecológicos.

Calcagno (1983) e Orlandi (1994), descrevem um antigo jardim a partir de


pinturas encontradas na tumba de um alto funcionário do reino de Amenophis III6,
onde o complexo paisagístico, circundado por altos muros, é subdividido em
compartimentos regulares por pequenas muretas; a habitação está construída em
uma ampla área com videiras; o terreno é simetricamente subdividido em
canteiros, com tanques de água contendo flores e aves aquáticas, e circundado,
na parte interna do muro, por fileiras de palmeira, tamarindos, acácias e ciprestes.
As influências dos fatores ambientais e climáticas eram certamente,
determinantes no desenho do conjunto: o cinturão de árvores, envolvendo o
espaço retangular e perfeitamente geométrico do jardim, funcionava como
barreira à ação dos ventos do deserto; o amplo pergolado assegurava proteção
contra os escaldantes raios de sol; e os tanques de água propiciavam um
ambiente mais fresco e agradável.

1.2.4. O Estilo Grego


Embora sob forte influência egípcia, os jardins da Grécia apresentam características
próprias que se aproximam mais das formas naturais. Isto por causa das elevações
e declives do relevo, e também pelo clima peculiar. Os jardins apresentam -se de
forma simples, não simétricos, na maioria das vezes em recintos fechados.
Vegetação existente: pereiras, macieiras, romãzeiras, figueiras, videiras, oleráceas
(espinafre, almeirão, couve) e oliveira. Para Llardent (1982), pode-se assinalar a
Grécia como a região do mundo antigo onde, pela primeira vez, os espaços livres
assumem o papel de suporte de uma função pública, ao serem considerados como
lugares de passeio e reunião da população - a Ágora. As ruas sombreadas com
árvores de nossas cidades têm origem, segundo o autor, na evolução histórica do
passeio da arena grega, rodeado de árvores frutíferas que convida ao convívio
despretensioso e tranqüilo. Embora os elementos disponíveis para se reconstruir
com exatidão os jardins da antiga Grécia sejam insuficientes, pode-se afirmar que,
nessa civilização, os jardins não assumem uma verdadeira e completa forma de arte.
Antes, têm um caráter muito mais religioso, de culto e respeito à natureza. A reforçar
tal afirmativa, temos que, segundo Calcagno (1983), notável era na civilização grega
o respeito aos lugares e à paisagem: desde os tempos dos poemas homéricos e
pelo séculos sucessivos, grande parte da literatura grega é rica em referências aos
jardins, parques e locais sagrados. Enfatizando o caráter religioso dos jardins
gregos, temos o relato de Pausanias 7 sobre o templo ateniense de Apolo, o qual

6
Amenophis III, rei egípcio, reinou de 1.500 a 1.466 a.C.
7
Pausanias. Geógrafo e escritor grego do século II d.C., nasceu, provavelmente, em Cesarea da Capadócia. Sua obra
mais famosa - "O Itinerário de Pausanias" - descreve suas viagens pelo mundo antigo, relatando aspectos da mitologia,
escultura, religião, pintura e arquitetura das culturas visitadas.
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“acompanha um bosque sagrado plantado de árvores frutíferas e outros que são


destinados unicamente ao deleite da vista e do olfato” (VELASCO, 1971, p. 21). Ao
que tudo indica este jardim sagrado, além de ser usado de forma exclusiva pelos
sacerdotes que se encontravam a serviço do templo, poderia ser aberto ao público
somente nos dias de grande solenidade. Com relação aos jardins particulares,
caracterizavam-se por uma grande simplicidade: grupos de árvores dispostas de
forma a criarem zonas de sombra, canteiros floridos e algumas vezes tanques de
água e fontes (CHIUSOLI, 1985). De acordo com Laurie (1983), na antiga Grécia os
jardins não despertavam maior interesse; as residências, modestas em
contraposição aos lugares públicos como a Ágora, o ginásio, o teatro e os bosques
sagrados, apresentavam um pátio interno pavimentado e decorado com estátuas e
plantas envasadas.

1.2.5. Pérsia - “jardins perfumados” ou


“paraísos fechados”
Segundo Heródoto e outros historiadores gregos da antigüidade, o nome Pérsia
deriva de Perseu8, antepassado mitológico dos soberanos daquela região. Por
outro lado, Pérsia significa "País das Panteras". Pantera, na língua farsi diz-se
pars, donde a palavra turca parsa. Mas a Pérsia não é o país das panteras, porém

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De acordo com o estudioso alexandrino Apolodoro, Perseu, o lendário fundador de Micenas, nunca teria nascido se seu
avô tivesse conseguido seu intento. Acrísio, rei de Argos, era pai de uma linda filha, Dânae, mas estava desapontado por
não ter um filho. Quando consultou o oráculo sobre a ausência de um herdeiro homem, recebeu a informação que não
geraria um filho, mas com o passar do tempo teria um neto, cujo destino era matar o avô. Ac rísio tomou medidas extremas
para fugir deste destino. Trancou Dânae no topo de uma torre de bronze, e lá permaneceu numa total reclusão até o dia
em que foi visitada por Zeus na forma de uma chuva de ouro; assim deu à luz a Perseu. Acrísio ficou furioso, mas ainda
achava que seu destino poderia ser evitado. Fez seu carpinteiro construir uma grande arca, dentro da qual Dânae foi
forçada a entrar com seu bebê, sendo levados para o mar. Entretanto, conseguiram sobreviver às ondas, e após uma
cansativa jornada a arca foi jogada nas praias de Sérifo, uma das ilhas das Ciclades. Dânae e Perseu foram encontrados e
cuidados por um honesto pescador, Dictis, irmão do menos escrupuloso rei de Sérifo, Polidectes. Com o passar do tempo,
Polidectes apaixonou-se por Dânae, mas enquanto crescia Perseu protegeu ciumentamente sua mãe dos indesejados
avanços do rei. Um dia, durante um banquete, Polidectes perguntou a seus convidados que presente cada um estava
preparado a oferecer-lhe. Todos os outros prometeram cavalos, mas Perseu ofereceu-se a trazer a cabeça da górgone.
Quando Polidectes o fez cumprir sua palavra, Perseu foi forçado a honrar sua oferta. As górgones eram em número de
três, monstruosas criaturas aladas com cabelos de serpentes; duas eram imortais, mas a tercei ra, Medusa, era mortal e
assim potencialmente vulnerável; a dificuldade era que qualquer um que a olhasse se transformaria em pedra. Felizmente,
Hermes veio em sua ajuda, e mostrou a Perseu o caminho das Gréias, três velhas irmãs que compartilhavam um olho e um
dente entre si. Instruído por Hermes, Perseu conseguiu se apoderar do olho e do dente, recusando-se a devolvê-los até
que as Gréias mostrassem o caminho até as Ninfas, que lhe forneceriam os equipamentos que necessitava para lidar com
Medusa. As Ninfas prestimosamente forneceram uma capa de escuridão que permitiria a Perseu pegar a Medusa de
surpresa, botas aladas para facilitar sua fuga e uma bolsa especial para colocar a cabeça imediatamente após a ter
decepado. Hermes sacou uma faca em forma de foice, e assim Perseu seguiu completamente equipado para encontrar
Medusa. Com a ajuda de Atena, que segurou um espelho de bronze no qual podia ver a imagem da górgone, ao invés de
olhar diretamente para sua terrível face, conseguiu finalmente despachá-la. Acomodando a cabeça de modo seguro na sua
bolsa, retornou rapidamente a Sérifo, auxiliado por suas botas aladas. Ao sobrevoar a costa da Etiópia, Perseu viu abaixo
uma linda princesa atada numa rocha. Esta era Andrômeda, cuja fútil mãe Cassiopéia tinha incorrido na ira de Possêidon
ao espalhar que era mais bonita do que as filhas do deus do mar Nereu. Para puni-la, Possêidon enviou um monstro
marinho para devastar o reino; apenas poderia ser parado se recebesse a oferenda da filha da rainha, Andrômeda, que foi
assim colocada na orla marítima para esperar o terrível destino. Perseu apaixonou-se imediatamente, matou o monstro
marinho e libertou a princesa. Os pais dela, em júbilo, ofereceram Andrômeda como esposa a Perseu, e os dois seguiram
na jornada para Sérifo. Polidectes não acreditava que Perseu pudesse retornar, e deve ter sido bastante gratificante para
Perseu observar o tirano ficar lentamente petrificado sob o olhar da cabeça da górgone. Perseu deu então a cabeça a
Atena, que a fixou como um emblema no centro de seu protetor peitoral. Perseu, Dânae e Andrômeda seguiram então
juntos para Argos, onde esperavam se reconciliar com o velho rei Acrísio. Mas quando Acrísio soube desta vinda, fugiu da
presença ameaçadora de seu neto, indo para a Tessália, onde, não conhecendo um ao outro, Acrísio e Perseu acabaram
se encontrando nos jogos fúnebres do rei de Larissa. Aqui a previsão do oráculo que Acrísio temia se realizou, pois Perseu
atirou um disco, o qual se desviou do curso e atingiu Acrísio enquanto estava entre os espectadores, matando-o
instantaneamente. Perseu com sensibilidade decidiu que não seria muito popular voltar a Argos e reivindicar o trono de
Acrísio logo após tê -lo morto; assim, ao invés, fez uma troca de reinos com seu primo Megapentes. Megapentes se dirigiu
a Argos enquanto Perseu governou Tirinto, onde é considerado como responsável pelas fortificações de Midéia e Micenas.
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PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

dos plátanos. O plátano, ou tchenar, como é chamado por eles, é adorado na


Pérsia e está em todas as cidades. A Pérsia situava-se onde hoje encontra-se o
Irã, cuja capital é Teerã.

Por volta de 500 a.C. os reis da Pérsia criaram jardins de grande exuberância
destinados à diversão, consagrados ao prazer, ao amor, à saúde e ao luxo.
Eminentemente formais - uma versão modificada do plano egípcio -, de linhas
geométricas retilíneas, são considerados o expoente máximo da jardinagem
enquanto arte. Esses jardins têm por base dois canais que se interceptam
ortogonalmente em sua área central, delimitando quatro áreas distintas,
representando, segundo a cultura local, as quatro moradas do universo - água,
terra, ar, fogo. Em seu centro locali za-se um grande tanque de água revestido por
azulejos e decorado com fontes. Como a religião islâmica proíbe a representação
humana, estas não fazem parte do complexo, como seria plausível supor. No
entanto, a arte escultórica está presente através de quiosques finamente
trabalhados. As aves ornamentais - pavões, cisnes, faisões - foram introduzidas
pelos persas em seus jardins, para dar mais colorido e vida. Muros altos,
associados a árvores que dão frutos - tamareiras, romãzeiras, laranjeiras - e
sombra, é outro dos elementos presente. As flores - tulipas, lírios, prímulas,
narcisos, jacintos, jasmins, açucenas, rosas, violetas, agapantos - utilizadas em
profusão, balizaram o nome dado a esses jardins de “jardins perfumados”
(JONHSON, 1979; LLARDENT, 1982; LAURIE, 1983).

A extrema aridez da Pérsia faz com que seus jardins, com a sombra
proporcionada pelas árvores e o ar refrescado pelos canais de água e fontes,
representem o próprio “paraíso”.

De acordo com Jonhson (1979), a promessa que Maomé fez do paraíso é


precisamente o de um jardim ornado com palmeiras e romãzeiras, junto a riachos
não só de água, como também de leite e mel. Originalmente a palavra “paraíso”
significava parque de caça, e continua sendo a palavra empregada na Pérsia
(hoje Irã) para designar um jardim. Dessa descrição feita por Maomé com relação
ao paraíso, associado à beleza impar desses espaços, advém a alcunha de
“paraísos fechados”, como também são conhecidos.

Os persas ocupam um lugar especial na história da jardinagem: nenhum outro


povo teve tamanha sensibilidade e inclinação para a arte dos jardins. Nas
palavras do historiador Pope (apud JONHSON, 1979, p. 206), “na Pérsia a
necessidade de se possuir um jardim está mais profundamente arraigada, mais
articulada e é mais universal que a paixão dos japoneses pelas flores e a
predileção dos ingleses pelo campo”.

1.2.6. Roma antiga - jardins escultóricos ou


arquitetônicos
Dentro do continuísmo que se produziu entre as culturas gregas e romanas,
constata-se que nessa última teve início importantes inovações em relação à
composição e uso dos jardins. Mesmo assim o estilo romano ainda é
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PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

essencialmente geométrico e formal, embora apresente uma importante


característica de se adaptar ao terreno e à suave topografia das colinas de Roma.
De acordo com Mumford (1982), Chiusoli (1985) e Orlandi (1994), os primeiros
jardins romanos tiveram uma função essencialmente utilitária. Nasceram como
apêndice da casa, limitados por muros e destinados, unicamente, ao cultivo de
plantas comestíveis. Sucessivamente uma pequena parte do hortus é destinada
ao cultivo de flores.

É na seqüência às conquistas no Oriente, e sob o governo de Sila9, que se


observa a transformação da vida romana: do simples e austero tipo de casa
itálica, fechada em torno ao próprio átrio, se passou à casa do tipo helenístico,
mais cômoda e ampla, dotada de outros compartimentos e de jardins. Por volta do
fim do período republicano se teve a mais plena manifestação da arte paisagística
romana na realização das suntuosas Villa suburbanas. Implantados no interior
das Villa, a partir de terraços em desníveis, com rampas e escadas, fontes,
cascatas, balaustres e pórticos, colunas e pavilhões, esculturas e outras obras de
arte, os jardins da Roma antiga primam pelo escultórico e arquitetônico em
detrimento do “verde”, constituindo-se em exemplos únicos na história da
jardinagem. Até mesmo o elemento vegetal era modelado segundo uma nova
arte, denominado pelos romanos de topiaria - ou topiária10 (CALCAGNO, 1983;
LAURIE, 1983).

Figura 6 – VILLA DE PLINIO EM LAURENTINUM (100 d.C.)

Fonte: Laurie (1983).

9
Sila Lucio Cornelio (138 - 78 a.C.). General e político romano, estudioso da literatura e arte grega. Foi um dos homens
mais excepcionalmente dotado da antigüidade.
10
Técnica de poda ou corte artístico introduzido pelos romanos, ao que parece, segundo Plínio, por Gaio Mazio no século I
a.C., através da qual algumas plantas sempre verdes, de folhas pequenas, passam a assumir formas figurativas diversas,
escultórica ou arquitetônica, segundo o gosto e a moda do momento.
14
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

As suntuosas Villa assumiram o caráter de pequenas cidades, e seus jardins, por


concepção e dimensões, superaram os limites de um jardim caracterizado como
privado, para assumirem características de parques suburbanos, em função do
grande número de freqüentadores. No entendimento de Llardent (1982), a vida
pública romana tinha por cenário o circo e o Fórum, o que o faz supor que os
jardins públicos deviam ser escassos. Se de um lado pode-se situar na Grécia o
nascimento do conceito de espaços livres de uso público, por outro, podemos
atribuir a Roma o surgimento do jardim privado como parte integrante da
residência.

1.2.7. Jardins mouriscos (Árabes) - “jardins


da sensibilidade”
O jardim árabe é fechado ao exterior e interiormente carece de vistas
panorâmicas. Tem como finalidade o isolamento e a intimidade, ao mesmo tempo
em que cultiva o deleite dos sentidos. Isto se consegue mediante o emprego da
água, manejado com assombrosa fantasia em variada e contínua gama de formas
e percursos. Constituem, pois, os jardins islâmicos, espaços evocadores de
longínquos paraísos. São formados com grande regularidade, porém, sem serem,
necessariamente, simétricos (LLARDENT, 1982). Para Laurie (1983), a idéia
islâmica do jardim, com origem no Oriente Médio, foi passado de povos para
outros, até chegar ao norte da África junto aos Mouros onde, a partir daí, no ano
de 711 da nossa era, ocorre a invasão muçulmana na Europa com entrada pela
Península Ibérica.

Fruto de suas campanhas de conquistas, os árabes desenvolvem jardins que,


além de seguirem o conceito do “paraíso maometano”, incorporam o que há de
melhor das diversas culturas espoliadas. Resultado dessa mescla surgem os
chamados “jardins da sensibilidade”, caracterizados por três elementos
essenciais: água, cor e perfume, objetivando sedução e encantamento. A água,
elemento decorativo, é encontrada em movimento, seja em canais, fontes ou
repuxos, e tem a função precípua de refrescar o ambiente. A cor faz-se presente
seja na vegetação, mas também através do uso de elementos artificiais:
pavimentos cozidos (cerâmicas), pedras coloridas e pastilhas esmaltadas
ricamente decoradas (JONHSON, 1979). O perfume das flores é acentuado pelo
calor do sol, e estão dispostas em pequenos espaços em toda extensão do
jardim.

Segundo Chiusoli (1985), na Espanha a civilização mouresca se expressa com


um esplendor cultural muito superior à civilização cristã. Nos jardins espanhóis se
reflete de modo evidente a fusão dos espíritos muçulmanos e hispano medieval,
cujos expoentes máximos vamos encontrar nos jardins do palácio de Alhambra e
Generalife; Alhambra representa um marco na história dos jardins. Entre as
diversas considerações e comentários feitos a respeito, merece destaque a
definição devida ao arquiteto Lasso (1972, p. 10):
15
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

[...]os jardins de Alhambra constituem um lugar onde, com a elementar


tecnologia do século XIV, se alcançou uma das mais belas e sensíveis
associações arquitetura-natureza, criando-se um meio artificial que supera em
muito a paisagem natural circundante.

1.2.8. Os jardins na Idade Média


A desagregação do Império Romano, conseqüência das invasões bárbaras, e o
caos que se instalou após sua queda, produziu em toda Europa uma involução no
mundo da cultura, propiciando o desaparecimento, por um certo período, das
manifestações artísticas, inclusive da arte da jardinagem (LLARDENT, 1982;
LAURIE, 1983; CHIUSOLI, 1985). Surgem as cidades fortificadas, densamente
povoadas, onde não havia lugar para os jardins; qualquer espaço útil tinha uso
funcional, como a obtenção de alimentos ou ervas medicinais. Elemento
importante na manutenção e, posteriormente, elos de ligação que propicia a
continuação da arte da jardinagem foram os mosteiros. Em amplas áreas se
plantavam árvores frutíferas, hortaliças, ervas medicinais e aromáticas e flores
para os altares (LLARDENT, 1982; LAURIE, 1983). Nesse período a jardinagem
deixa de ter caráter estético e de deleite, para centrar-se na necessidade do
utilitário; do espaço físico restrito, utilizado para fazer frente às necessidades
prementes de alimentação e medicamentos naturais. É assim, pois, que, segundo
Chiusoli (1985), a composição dos jardins medievais apresentam-se codificados
por normas comumente rígidas, porém simplistas, nos quais não se reconhecem
fundamentos estéticos, mas somente utilitarísticos, com resultados que, espelho
do tempo, não se afastam do anonimato geral, sem um expoente maior.

Figura 7 – CASTELO MEDIEVAL EM AMBOISE (FRANÇA)


Fonte: Calcagno (1983).

1.2.9. O Renascimento e o jardim-arte


Historicamente o Renascimento situa-se em um período que atinge seu apogeu
entre os séculos XV e XVI, tendo se irradiando, gradualmente, da Itália para toda
16
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

Europa. O século XV é uma época de grande fervor cultural e artístico, de estudos


e descobertas; da afirmação do homem sobre a natureza, estendendo as
mudanças observadas também no âmbito da jardinagem. O jardim, no intento da
arquitetura renascentista, resulta em uma composição unitária, geométrica e
disciplinada por uma norma arquitetônica a qual devem sujeitar-se todos os
elementos, sejam lapidados ou vegetais (FARIELLO, 1967; CHIUSOLI, 1975).
Busca-se um jardim com refinamentos estéticos, onde os elementos artificiais de
ornamento, de formas as mais diversas e ricas, projetam um espaço de alto valor
artístico. Associado a essa nova visão que se tem dos jardins, outros motivos são
criados: labirintos, belvederes, jardins secretos. Nessa nova fase, segundo
Chiusoli (1985), a aplicação generalizada da topiaria, resgatada da Roma antiga,
exalta o conceito da supremacia do homem sobre a natureza. O Renascimento
sobre a arte dos jardins se faz sentir de forma mais candente na Itália e França.
Enquanto naquele país a estrutura básica dos jardins desenvolvia-se sob a ótica
escultórica junto às Villa, nesse prevalecia o estilo das grandes perspectivas de
Le Nôtre11.

1.2.9.1. O estilo italiano

Llardent (1982), Laurie (1983), Orlandi (1994), e tantos outros estudiosos da


evolução histórica dos jardins, são unânimes em afirmar que no estilo italiano os
jardins se adaptam à topografia do terreno, já que com freqüência residências
mais luxuosas - Villa12 - são construídas nas áreas de maior altitude, tal como
ocorria na antiga Roma. Esta adaptação origina o surgimento de desníveis e
terraços interligados por rampas e escadarias, que se integram facilmente com a
arquitetura, e constituem base ideal para a exposição da profícua escultura
romana. As composições buscam tirar o máximo partido dos distintos pontos de
vista, concebendo o conjunto como um grande e espetacular cenário. A utilização
da água como elemento de composição nesses jardins reforçará esta sensação
cênica, pois seu tratamento, através de espetaculares fontes, formando cascatas,
correntes, espelhos e complexos jogos hídricos, introduz novas nuances à arte da
jardinagem.

Sem dúvida, são as Villa que fornecem o cenário a marcar a essência da


jardinagem renascentista italiana. Esses jardins são projetados por grandes
arquitetos da época, que buscam a continuidade entre a casa e a paisagem no
entorno, formando um complexo único, e sem que o jardim perca a própria forma:
definida, simétrica, autônoma que o diferencia da paisagem natural que o
circunda. Nenhuma parte do jardim parece largada ao acaso, nada conserva a
forma natural. Terreno e árvores são considerados materiais a serem plasmados
nas formas desejadas. Vegetação e obras de arte fundem-se em um único e

11
André Le Nôtre (1613-1700). Jardineiro, pintor, desenhista e arquiteto, nasceu e morreu em Paris. Os jardins de
Versalhes, sua obra prima e expoente maior do estilo francês renascentista, foi construído em um período de dez anos
(1662 a 1672), em uma região totalmente pantanosa. Deixou provas da perfeição de sua arte, em: Vaux-le-Vicomte,
Tullerias, Fointainebleau, Saint-Cloud, Saint-Germain, Chantilly, Sceaux, entre outros.
12
Principais Villa renascentistas: Villa Medice em Florença, por Michelozzo; Villa Lante em Begnaia, por Vignola; Villa
Farnese em Caprarola, por Vignola; Villa Aldobrandini em Frascati, por Giacomo della Porta; Villa Giulia em Roma, por
Vignola; Villa Doria Pamphili em Roma, por Algardi; Villa Medice em Roma, por Lippi.
17
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

complexo elemento talhado pelo homem: é o retorno do clássico “jardim


escultórico” presente na Roma antiga. A grandiosidade dos jardins da Itália
renascentista tem como pano de fundo a necessidade do artista superar a própria
natureza em sua beleza e plástica cenográfica.

Figura 8 – VILLA LANTE - 1560 (BEGNAIA/ITÁLIA): PLANTA BAIXA E SEÇÃO


DO JARDIM
Fonte: Chiusoli (1985).

1.2.9.2. O estilo francês

Os jardins renascentistas franceses resultam da mescla do modelo italiano e do


próprio estilo desenvolvido na França. Comparativamente, ocupam, em linhas
gerais, maiores extensões, nas quais se acentua a busca de perspectivas e a
concepção cenográfica em grande escala. A rígida distribuição axial, a simetria,
as proporções matemáticas e a perspectiva sem fim são um reflexo da
prosperidade, do poder e da inflexibilidade social da França no século XVII
(JONHSON, 1979; LLARDENT, 1982; LAURIE, 1983). Obras mestras de André
Le Nôtre, Vaux-le-Vicomte e Versalhes constituem representantes máximos da
expressão conceitual de uma paisagem ordenada geometricamente. Versalhes
simboliza o domínio do homem sobre a natureza e, evidentemente, de um homem
sobre os outros - Luís XIV, o “Rei Sol”.

Para Velasco (1971) e Llardent (1982), os monumentais jardins franceses do


século XVII tinham a função precípua de ostentação e reverência que a corte
francesa prestava a Luís XIV, em outras palavras, constituíam-se no marco das
relações ao ar livre de uma corte em decadência.
18
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

Figura 9 – PROJETOS DE LE NÔTRE: VERSALHES (1678-1685) E VAUX-LE-


VICOMTE (1655-1666)
Fonte: Calcagno (1983).

Em que pese toda crítica a respeito dos jardins franceses dessa época, é preciso
registrar a influência exercida pelos mesmos e sua importância no surgimento das
áreas verdes (praças e parques) abertas a toda população. Llardent (1982), que
critica a ostentação e fausto desses jardins, reconhece, todavia, que o estilo
imperante dos mesmos têm seu correspondente reflexo, respeitada a escala, na
cidade. Surgem nestas, as praças grandiosas, as extensas esplanadas com
monumentos, as avenidas arborizadas com perspectivas profundas e os
bulevares. Contribuiu para isso o fato de os parques reais serem abertos, com
certas condições e em dias específicos, ao público. Assim, por exemplo, Luís XIV
mandava abrir os portões de Versalhes aos domingos para desfrute dos
habitantes de Paris. Nesse contexto, Calcagno (1983), coloca que os grandes
jardins franceses lavaram a arquitetura da paisagem a sua máxima expressão,
19
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

influenciando também a urbanística: o renovamento se manifestou na


restruturação e criação de praças, e na fundação de cidades - reflexo daqueles
ideais do Renascimento.

JARDINS DE VERSALHES
Com os seus três palácios, os seus jardins, o seu parque e as suas
dependências, Versalhes é um domínio imenso. Embora tenha sido Luís XIII
quem mandou edificar um pavilhão de caça embelezado com um jardim, o
verdadeiro criador foi Luís XIV. De 1682 a 1789, Versalhes foi a capital da
monarquia absoluta e tornou-se o símbolo porque o local, modelado pela vontade
do Rei-Sol, reflete a sua concepção de poder.

Nem demasiado próximo de Paris sempre pronta a revoltar-se, nem demasiado


longe, o sítio oferecia a possibilidade de construir; respondia assim ao desejo do
rei de fixar para sempre toda a sua corte à volta dele, o que nenhuma outra
residência real das cercanias o permitia. À custa de obras consideráveis de
construção e de decoração, de terraplenagem, de abastecimento de água, tudo
foi criado para o serviço do rei, os seus prazeres e a sua magnificência. E tudo foi
ordenado segundo um eixo que atravessa o centro da moradia real, onde a partir
de 1701, foi instalado o quarto do rei.

Os números da obra dão uma boa idéia de suas dimensões. Em 1683 o total de
trabalhadores na construção chegava à 30 mil pessoas. Mas ainda não eram
suficientes. Foram então convocados os soldados do exército real para ajudar.
Durante praticamente todo seu reinado Luis 14 conviveu com a terra, poeira,
barulho e imensas despesas da construção de Versalhes. Um dos maiores
desafios foi a construção dos parques e jardins que deveriam cercar o palácio, e
para eles foi criado um sistema independente de abastecimento de água. No
centro do parque localiza-se o Grand Canal com 1,6 km de extensão, e Petit
Canal com 1 km. Seus 800 hectares de parques e jardins comportavam 20 km de
trilhas, 200 mil árvores, 200 mil flores plantadas a cada ano, 50 fontes e 2100
esculturas.

O traçado geral é geométrico: o jardim está ordenado a partir de um eixo central


com eixos secundários, avenidas em forma de estrela, tanques circulares e
semicirculares. Um conjunto simétrico organizado em vários níveis. Quando
projetado, os jardins que acompanhavam o grande canal eram formados por
espécies arbóreas locais. Inicialmente Versalhes tinha quatorze bosques,
restando apenas nove hoje. As frutíferas que compunham os pomares eram,
sobretudo as cítricas, tendo sido plantadas em caixas de madeiras, algumas com
mais de 200 anos. Essas árvores davam poucos frutos, uma vez que eram
podadas em forma de bola, para uso meramente decorativo. Havia em Versalhes
uma grande horta, a qual produzia frutas e hortaliças destinadas ao consumo do
rei e sua corte, além de um arboreto com mais de duas mil árvores provenientes
da Europa, do Cáucaso, China, Japão, Canadá, Estados Unidos, Chile,...
20
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

Figura 10 – ILUSTRAÇÃO DOS JARDINS DO PALÁCIO DE VERSALHES


Fonte: Kluckert (2000).

Da sua origem, Versalhes conservou a arquitetura de J. Hardouin-Mansart, o


traçado regular dos jardins de Le Nôtre e a fantasia dos bosques, a profusão de
estátuas que faz com que seja o maior museu de escultura ao ar livro do mundo,
o repuxo das suas fontes que funcionam ainda à maneira antiga.

1.2.10. Da China, a “pátria” dos jardins


naturalistas, ao Japão
Segundo Jonhson (1979), se a tradicional jardinagem ocidental tem sua origem a
partir do deserto egípcio, a chinesa origina no desfrute de uma paisagem de rara
beleza, fertilidade e variedade inimaginável - “Jardim do Éden oriental”. Os jardins
chineses remontam o tempo das religiões primitivas, fazendo com elas coro no
sentido de imersão na natureza. O taoísmo e o budismo são religiões “naturais”, e
o jardim oriental se origina, portanto, impregnado de um forte conteúdo religioso,
embasado na concepção panteísta da natureza. Desde a época em que se
iniciava a jardinagem na China, provavelmente por volta do ano 2.000 a.C., a
tarefa do jardineiro se limitava simplesmente a ordenar o que já existia: aos
jardins se submetem homens e construções. No entendimento de Llardent (1982),
o homem do Extremo Oriente em geral não foi partidário de jardins em que
dominava a arquitetura, já que ao longo do tempo se manteve fiel à idéia de
considerá-los como um cenário natural, respondendo suas criações a este critério.
21
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

Com o predomínio do natural sobre o artificial, temos que os jardins chineses, ao


contrário dos egipcianos, apresentam-se em linhas sinuosas e,
conseqüentemente, informais. Tais características vão influenciar o mundo
ocidental a partir do século XVIII, na Inglaterra, com o advento da Revolução
Industrial. No século VII a influência chinesa chega ao Japão, e os japoneses
adotam de imediato o estilo da corte chinesa, incluindo o gosto pelos jardins
naturais. Enquanto a China se caracteriza geograficamente por um contraste
entre montanhas e planícies e os extremos de um clima continental, o Japão é
uma completa desordem de montanhas vulcânicas cobertas de bosques quase
tão ricas em plantas como a China, e um clima insular. Nesse antagonismo de
ambientes prevalece a emoção estética produzida pelos jardins japoneses,
alicerçados na influência chinesa, porém com características próprias, sobretudo
por serem projetados, no geral, em áreas de pequenas dimensões.

De cunho paisagístico, o jardim para a cultura nipônica representa uma


necessidade de vida, seja por seu valor estético, seja, principalmente, por sua
função de elevação do espírito (CHIUSOLI, 1985). Essa significação espiritual,
religiosa e mesmo cultural dado aos jardins, confere a cada elemento que o
compõe um significado simbólico próprio. Além disso, temos a quase que
obrigatoriedade presença de determinados elementos: pedras, água, pontes,
lamparinas, entre outros, compõem um quadro único que transcende a simples
arte de se projetar um jardim. O detalhismo é outra característica marcante em
um jardim japonês. As pedras, por exemplo, devem ser virgens, isto é, recolhidas
de um leito de rio e nunca antes utilizadas pelo homem. A água, seja formando
canais, riachos ou pequenas quedas, espelha a imagem e induz o Homem a
enxergar a si mesmo. A presença de pontes, geralmente pequena, não tem,
prioritariamente, a função de praticidade. Muito, além disso, elas permitem a
transposição de dois mundos através da contemplação. Os caminhos sinuosos
permitem um alongamento da caminhada, propiciando mais tempo à meditação.
As lamparinas de pedra oferecem luz aos Homens, com o fito de guiá-los nas
trevas. Elemento vegetal significativo, o bambú é indispensável em um jardim
nipônico, pois simboliza a figura do Homem diante das adversidades: dobra-se
sobre a ação dos ventos, porém não se quebra.

Resumidamente, pode-se dizer que o jardim japonês é um verdadeiro


microcosmo, onde seus idealizadores, pautados por uma filosofia e cultura
milenares, buscam criar um quadro estável, conservando-o imutável ano após
ano, estação após estação.

1.2.11. Jardim paisagístico inglês


“Em junho de 1712 aparece sobre ‘The Spectator’ - jornal inglês de maior
circulação -, um artigo escrito por Addison 13, no qual se lia: ‘As nossas árvores
crescem sob forma de cones, globos e pirâmides. Vê-se o sinal das tesouras em

13
Joseph Addison (1672-1719). Escritor, moralista, teólogo, latinista e crítico, foi uma das personalidades mais importante
que figurou no mundo literário da Inglaterra.
22
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

cada planta e céspede (...) Eu gostaria de ver uma árvore em todo seu aspecto
luxuriante...’” (CALCAGNO, 1983, p. 167).

Se de um lado o Renascimento ocorrido na França e Itália trouxe à arte da


jardinagem o estilo formal, a monotonia geométrica, os excessos compositivos
arquitetônicos, escultóricos e artificial, por sua vez a Inglaterra, a partir do século
XVIII, promove uma revolução com novas tendências naturalistas: os jardins
passam a ser informais, sinuosos e secundados por cânones estéticos da
jardinagem chinesa - é o período conhecido, também, como Romanticismo. A arte
da jardinagem adquire maior envergadura, convertendo-se na arte da paisagem
natural. O jardim busca sua adaptação à topografia, tirando dela o máximo
proveito, e chegando ao ponto de, onde os acidentes naturais não existissem,
serem criados artificialmente (LLARDENT, 1982). Kent14, Brown15, Repton16 e
Chambers17 foram os expoentes maiores e autores de grandes conjuntos, com
um domínio indubitável do novo estilo.

Para Jonhson (1979), Calcagno (1983), Laurie (1983), entre outros, os jardins
ingleses passam a imitar a natureza em sua continuidade espacial, criando
sucessão de cenas que envolvem lagos, vales, colinas, se estendendo em todas
as direções, ao mesmo tempo em que se tornam paisagens sem limites - não
deveria haver qualquer interrupção entre jardim e paisagem. Os jardins ingleses
não se limitavam a um espaço definido e, embasados que estavam em um
movimento artístico-filosófico, não foram simplesmente um modismo ou uma
maneira de organizar paisagisticamente o espaço. Tal filosofia, segundo Calcagno
(1983), buscava recriar o equilíbrio entre o intelecto humano e o ambiente, e que
se transformou, mais tarde, na busca de uma possível coexistência entre ciência
e natureza.

Pensadores ilustres alavancaram as transformações ocorridas na jardinagem


inglesa, sustentada por uma busca de retorno à origem - a própria natureza.
Rousseau18 que, reconhecendo na natureza, “criação perfeita”, uma força divina
inerente, sustenta, através de seus escritos, a necessidade do homem retornar a
ela, visto estar no ambiente natural a imagem arquétipa da liberdade humana.

14
William Kent (1686-1748). Arquiteto, pintor, decorador e paisagista britânico, introduziu nos jardins ingleses o desenho
romântico, em contraste com as formas clássicas dos conjuntos arquitetônicos francês e italianos reinantes até então. Em
1727 projetou a residência-parque de Chiswick em Middlesex, considerado por muitos como o primeiro exemplo de jardim
paisagístico.
15
Lancelot Brown (1715-1783). Arquiteto e paisagista, demonstrou, segundo o entendimento de grande parte dos críticos,
a maior força criativa na projetação do jardim paisagístico. Por sua fama e habilidade foi nominado jardineiro real de
Hampton Court. A sua total reinvenção da paisagem, com novas ondulações do terreno, com amplos cursos de água, com
plantações de árvores agrupadas na parte mais alta das colinas, originaram numerosas sistematizações em grande escala.
16
Humperey Repton (1725-1818). Arquiteto, é considerado a personalidade de maior relevo dentro do movimento
paisagístico inglês. A sua notável produção está contida nos famosos "Livros Vermelhos", nos quais ele habitualmente
registrava todos os seus projetos e realizações. Com Repton a arquitetura dos jardins torna-se quase uma ciência: ele
estudou as reações humanas no ambiente; a sucessiva percepção dos espaços ligados ao movimento; a possibilidade de
ampliar as imagens, de dilatar as perspectivas, de desfrutar o complexo jogo claro-escuro, das luzes, das sombras, das
diversas tonalidades da vegetação.
17
William Chambers (1727-1796). Arquiteto e escritor inglês, autor do livro "A Dissertation on Oriental Gardening". Nesse
livro, publicado em 1772, e fruto de suas viagens ao Oriente, expõe as mais difusas idéias românticas de seu tempo sobre
jardim. As suas realísticas descrições sobre os diversos tipos de jardins chineses suscitaram profundo interesse e
exerceram notável influência sobre os artistas ingleses.
18
Jean Jacques Rousseau (1712-1778). A poética sobre a natureza desse expoente do pensamento iluminista francês, que
conferiu vigor ao movimento naturalista inglês, está contida em sua obra-prima literária "La Nouvelle Heloise", publicada em
1761.
23
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

Milton19, em “O Paraíso Perdido”, exaltou a perfeição estética da natureza, jardim


ideal, cuja beleza não era devida ao “artíficie-homem”, mas à “natureza-artista”.

O afã de observar a natureza e entendê-la como espaço aberto, ilimitado e a


quem o homem deveria se submeter fez dos ingleses criadores dos primeiros
parques públicos como hoje os conhecemos.

Segundo Rasmussen (1972), já no século XVII os parques naturais estavam


difundidos em toda Inglaterra. Inicialmente se desenvolveram contíguos aos
jardins regulares, criados em torno às residências de campo dos nobres ingleses.
Em um segundo momento, também o povo, na metade do século XVII, tinha os
seus parques naturais: Hyde Park, por exemplo, o mais importante dos parques
públicos londrinos, foi aberto à população em 1630.

Os diversos cenários e momentos históricos em que se desenvolveu a arte da


jardinagem e a função dos jardins, encontra em Cliford (1962) a sua síntese, ao
escrever: “Os jardins de Atenas eram centros sociais a céu aberto (...) Os jardins
do Renascimento italiano eram museus, nos quais se andava ao léu, se divagava,
se conspirava (...) Os jardins franceses eram espaços construídos para as
grandes paradas, para serem admirados (...) Os pátios espanhóis eram quartos
abertos para a sesta, para gozar a sombra e o gorgolejar da água que corre (...)
Na Inglaterra um jardim nunca foi considerado, primordialmente, um lugar para
discutir, descansar ou para apresentações teatral (...) para os ingleses o jardim
sempre foi, sobretudo, um lugar para se passear ou praticar um esporte...”
(CLIFORD, 1962, p. 124).

1.2.12. Jardinagem e paisagismo no Brasil


Mais antiga manifestação do paisagismo no Brasil ocorreu na primeira metade do
século XVII em Pernambuco, por obra do Príncipe Maurício de Nassau, durante a
invasão holandesa daquele estado nordestino. É certo que já antes da expulsão
dos holandeses, pouco ou nada sobrou desta iniciativa, exceto a dádiva notável
de uma fabulosa quantidade de laranjeiras, tangerinas e limoeiros espalhados em
todos os trajetos das campanhas de invasão.

De acordo com Macedo (1982, p 62-64), o primeiro trabalho de paisagismo


executado no país surge no Rio de Janeiro, o Passeio Público de Mestre Valentim
(Valentim da Fonseca e Silva, 1745-1812), em grande parte inspirado em um
espaço similar existente em Lisboa e que foi construído em 1769. Logo após
surgem o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e de São Paulo (início do séc. XIX) e
no meio deste século os grandes parques particulares das quintas e chácaras dos
bairros de Laranjeiras, Cosme Velho, São Cristóvão e Botafogo. As residências
rurais localizadas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro passam por um
profundo processo de revitalização e embelezamento, inspiradas na escola formal
francesa e no naturalismo inglês. A vegetação compreendia uma mistura de
espécies nativas e tantas outras européias. Essas trazidas, a pedido dos
19
John Milton (1608-1764). Poeta, pedagogo e erudito inglês, mais conhecido por seu poema épico "O Paraíso Perdido".
Esta obra, terminada em 1667, é uma epopéia em versos não rimados sobre a história bíblica do pecado original.
24
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

membros da corte, por cônsules e embaixadores. Assim, chegaram ao Brasil os


agapantos, copos-de-leite, dálias, dracenas, hibiscos, jasmins, lírios, margaridas,
craveiros, roseiras, entre outras.

Com a chegada ao Brasil do Príncipe Regente D. João VI e de sua corte ao Rio


de Janeiro em 1807, tem início o embelezamento da cidade e o surgimento de
outros espaços. O Jardim Botânico do Rio de Janeiro (Horto Real) é uma das
primeiras manifestações paisagísticas no Brasil, implantado por D. João VI com o
propósito inicial de uma plantação de árvores exóticas (Albizia lebeck, Melia
azedarach e Eucalipto gigantea) que com seu lenho transformado em carvão,
fornecessem a matéria prima mais importante para uma fábrica de pólvora ali
instalada. Em 1809, D. João VI invadiu a Guiana Francesa, revidando a ocupação
de Portugal pelos franceses. Como despojos dessa guerra, chegaram ao Brasil
espécies frutíferas como o abacateiro, o licheiro, a caramboleira, o jambeiro, a
jaqueira, o tamarindeiro, a noz-moscada e a fruta-pão. De 1836 a 1860
desenvolve-se no Rio de Janeiro um projeto de arborização urbana, capitaneado
por Ludwig Riedel20. Em 1858 D. Pedro II contrata Auguste Marie Francisque
Glaziou21 que, pela primeira vez, usou árvores floríferas no paisagismo.
Começara o uso da: sibipiruna, pau-ferro, diversas cássias, paineiras, jacarandá,
suinã, oiti, diversos ipês, quaresmeira, e outras.

Segundo Macedo (1999), o paisagismo brasileiro se define no século XIX a partir do


surgimento de uma rede consolidada de cidades grandes e médias que, situadas
principalmente no litoral e sob forte influência urbanística européia - francesa e
inglesa -, possuem condiç ões para a criação de obras significativas, tanto de
espaços públicos - parques, praças e boulevards - como privados - jardins de
palacetes e chácaras. O paisagismo no Brasil alcança no século XX uma identidade
projetual própria, especialmente após os anos 40 com o trabalho de Roberto Burle
Marx. Juntamente com a influência das obras dos paisagistas norte-americanos
Thomas Churchill, Garret Eckbo e Lawrence Halprin, Burle Marx muito influi na
definição dos paradigmas do paisagismo moderno brasileiro.

Ainda de acordo com Macedo (1999), o paisagismo no Brasil divide-se em três


períodos, cada um correspondendo a um ideário e a linhas de projetos
específicos. São eles:

Ecletismo - Definido pelo surgimento dos primeiros parques públicos, das


praças ajardinadas , dos jardins das mansões dos barões do café no Rio de
Janeiro e em São Paulo. Inicia-se com a construção do Passeio Público no Rio
de Janeiro e perde sua hegemonia no final da primeira metade do século XX,
com os grandes projetos públicos em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
Durante o ecletismo, é total a influência francesa e inglesa sobre todos os
projetos.
Moderno - Tem como marco inicial as obras de Roberto Burle Marx em Recife e
os jardins do Ministério da Educação e Cultura no Rio de Janeiro. Até hoje, a
maioria dos projetos segue seus paradigmas como o uso da vegetação nativa e
o total rompimento com as escolas clássicas.

20
Naturalista (1790-1861), fundou em 1831 o primeiro herbário do Brasil, hoje conhecido como Herbário do Museu nacional
21
Botânico francês e paisagista.
25
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

Contemporâneo - Reflete a inquietação dos anos 80 e 90 e ainda não está


consolidada. Recebe uma forte influência dos paisagistas japoneses, americanos
e franceses, em especial na seleção de estruturas construídas e de vegetação.

CONCLUSÃO
Dos Jardins Suspensos da Babilônia, passando pelos jardins do Egito antigo, da
Pérsia, pelo Renascimento francês e italiano, até adquirir a “maturidade” e
transformar-se em ciência paisagística, a partir da Revolução Industrial, a história da
jardinagem sempre esteve intimamente ligada à do próprio homem. Inicialmente,
enquanto jardinagem, tinha um caráter de embelezamento, e restrito à unidade
familiar: ora compondo o espaço cênico de uma pequena casa, ora ornando palácios
e Villa. A partir do século XVIII, Inglaterra, o homem passa a preocupar-se com sua
condição de vida e do ambiente no qual vive. É então que a arquitetura paisagística
ganha status de Ciência, fazendo uso do conhecimento de outras áreas (botânica,
irrigação, edafologia, fisiologia vegetal, arquitetura, etc.), e avança, embasada por
critérios técnico-científicos, rumo ao estudo, à análise, compreensão e intervenção
sobre a paisagem. Essa paisagem, de dimensão variada, constitui o locus onde
habita, vive e goza a vida o ser humano. Harmonizando e buscando o equilíbrio com
a paisagem, o arquiteto paisagista tem-se preocupado, ao mesmo tempo, com a
qualidade dos espaços trabalhados, associado ao caráter estético de sua
intervenção.

Séculos de conhecimentos propiciaram uma história única que encanta e desafia.


Que encanta pelos trabalhos de rara beleza, como os Jardins Suspensos da
Babilônia, aqueles da antiga Pérsia (denominados de paraísos fechados), os jardins
formais franceses, ou ainda o jardim naturalista inglês. Mas que também desafia!
Desafia justamente pelo fato de que o homem, há séculos, mesmo sem o
conhecimento e toda a tecnologia atual, foi capaz de produzir obras tão delicadas
que se perpetuam até hoje. Nisso reside o desafio: em sermos capazes de, com
todo o aparato, conhecimento e técnicas atuais, produzirmos algo que se perpetue
pelos séculos futuros.
26
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

REFERÊNCIAS
BOADA, L. O espaço recriado. São Paulo: Nobel, 1991.
CALCAGNO, A. M. Architettura del paesaggio: evoluzione storica. Bologna:
Calderini, 1983.
CHIUSOLI, A. Elementi di paesagistica. Bologna: CLUEB, 1985.
CLIFORD, D. A. A history of garden design. London: Mitchell Bearley, 1962.
FARIELLO, F. Architettura dei giardini. Roma: Editora dell’Ateneo, 1967.
JONHSON, H. The principles of gardening. London: Mitchell Bearley, 1979.
KLUCKERT, E. Giardini d’Europa: dall’antichità a oggi. Tradução de Silvia Bazoli
e Cristina Pradella. Koln: Konemann, 2000.
KRYSTEK, L. Os Jardins Suspensos da Babilônia. [on line]. Disponível na
Internet: <http://www.cleveleys.co.uk/wonders/gardensofbabylon.htm (20 mar. 04).
LASSO, J. C. Revista Arquitectura. Madrid: Colegio Oficial de Arquitectos de
Madrid, n.168, 1972.
LAURIE, M. Introducción a la arquitectura del paisaje. Barcelona: Gustavo Gili,
1983.
LLARDENT, L. R. A. Zonas verdes y espacios libres en la ciudad. Madrid:
Closas-Orcoyen, 1982.
MACEDO, S. S. A vegetação como elemento de projeto. In: Paisagem e
ambiente - ensaios 4. São Paulo: FAUUSP, 1982.
_____. Quadro do paisagismo no Brasil. São Paulo: FAUUSP. 1999.
MUMFORD, L. A cidade na história: suas origens, desenvolvimento e
perspectivas. 2. ed. Tradução de Neil R. da Silva. São Paulo: Martins Fontes,
1982.
ORLANDI, A. Il paesaggio deli città: spazi aperti, giardini, parchi e struttura
urbana. Roma: Gangemi, 1994.
RASMUSSEN, S. E. Londra città única. Roma: Gangemi, 1972.
SOULIER, L. Espaces verts et urbanisme. 2. ed. Paris: Centre de Recherche
d’Urbanisme, [s.d.].
VELASCO, A. Ciudad y spacios verdes. Madrid: Servicio Central de
Publicaciones, Ministerio de la Vivienda, 1971.
27
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

ANEXO
CONTEXTO NACIONAL CONTEXTO URBANO PROJETOS
SÉCULO XVIII
Brasil Vice-Reino. § Cidade colonial. 1783 – Inauguração do Passeio Público no Rio de
Janeiro – um antigo charco que, aterrado, recebe
desenhos geométricos, um mirante e caminhos
para o passeio ou promenade. Marco do projeto
paisagístico no Brasil. Autor: Mestre Valentim.
Ciclo do Ouro / Minas Gerais. § Ruas, largos e terreiros definidos por
construções geminadas.
Nova capital: Rio de Janeiro. § Vegetação confinada a quintais e pátios. 1798 – Ordem de criação do Jardim Botânico de
§ Chafarizes. São Paulo.
§ Intenso uso de ruas e largos – feira, mercado, 1798 – Criação do Horto Botânico de Belém –
procissões, vendedores ambulantes, Governo Conde dos Arcos.
mascates.
§ Chácaras residenciais em volta dos centros
urbanos.
§ Criação de jardins botânicos e hortos para
pesquisa de essências e vegetação nativa.
SÉCULO XIX
1808 – Vinda da família real portuguesa para o 1803-1806 – Criação do Passeio Público de
Brasil. Belém (desaparecido).
1808 – Criação do Jardim Botânico do Rio de
Janeiro, então Real Horto Botânico.
1810-1818 – Implantação do Passeio Público de
Salvador em área destinada ao Horto.
1821 – O Jardim Botânico do Rio de Janeiro é
transformado em jardim público.
1823 – O Jardim Botânico de São Paulo é aberto
ao público.
1840 – Início do II Império. § Surge o palacete, a residência da elite. As 1858 – Auguste François Marie Glaziou, a convite
chácaras se urbanizam nos bairros periféricos de Dom Pedro II, ocupa o cargo de Diretor Geral
das grandes cidades como Rio de Janeiro, de Matas e Jardins.
Recife e Salvador. Com o palacete, surge o 1861 – Início do reflorestamento da Floresta da
jardim privado. Tijuca – Rio de Janeiro.
§ Os jardins tornam-se usuais nas casas das 1861-1862 – Auguste Glaziou reforma o Passeio
elites do Império. Público do Rio de Janeiro e introduzo jardim de
2
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

§ Ajardinamento com cercamentos de praças e influência francesa romântica.


largos por todo o país. 1870 – Abertura de grandes praças no Rio de
§ Criação dos primeiros parques urbanos. Janeiro.
§ Arborização de ruas, calçadas elaboradas, 1874 – Embelezamento da Floresta da Tijuca por
iluminação pública. Glaziou e Escragnolle Taunay
§ Jardineiros dedicam-se a criar e plantar 1886 – Criação do Passeio Público de Curitiba.
jardins n as grandes cidades.
§ Consolidação do Ecletismo como estilo
arquitetônico. O jardim particular emoldura a
casa rica e possui fontes, repuxos, pérgolas,
esculturas, grutas e estufas (ao fundo
encontram-se quintais e pomares).
1889 – Proclamação da República. Capital: Rio 1892 – Inauguração da Praça Campo Grande,
de Janeiro. Salvador.
1897 – Inauguração de Belo Horizonte, cidade
planejado por Arão Reis, sob a influência de
Haussman. O Parque Municipal é de Paul Villon.
SÉCULO XX
Expansão urbana. § Abertura de grandes avenidas e programas 1901 – Primeiro tratamento do Campo da
de saneamento – Santos, Recife, Rio de Redenção, Porto Alegre.
Janeiro, etc. 1902 – Ajardinamento da Praça do Ferreira,
§ O Rio de Janeiro moderniza-se sob o Fortaleza.
Governo Pereira Passos: novos parques, 1903 – Jardins da praia de Botafogo, Rio de
avenidas e saneamento básico. Janeiro, com desenho de Paul Villon.
§ A avenida-boulevard e a alameda são vias 1905 – Inauguração da Avenida Central, Rio de
padrão. Ao longo das vias principais colocam- Janeiro.
se os principais palacetes.
Fortes correntes migratórias. § Introdução do lazer ativo nos parques 1913 – Início das obras do Jardim América, São
públicos. Paulo, o primeiro bairro-jardim da cidade.
§ Clubes são formados e esportes de origem 1913-1916 – Remodelação de praças em
inglesa, como o tênis e o futebol, são Curitiba, com instalação de coretos, chafarizes e
implantados. relógios.
§ Estações de água têm suas áreas públicas
ajardinadas e são dotadas de grandes
parques (Minas Gerais).
3
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

1914-1918 – I Guerra Mundial: desenvolvimento § A praça-jardim é uma referência para todas 1915 – Abertura ao público do Bosque dos
industrial e crescimento urbano. as cidades. Jequitibás, o primeiro parque de Campinas.
§ Os padrões arquitetônicos, urbanísticos e 1920 – Inauguração da Praça da Liberdade, Belo
paisagísticos praticamente se mantêm Horizonte.
inalterados nas duas primeiras décadas do
século, permanecendo a forte influência
européia.
1922 – Centenário da Independência e Semana § Os bairros-jardins consolidam -se em São 1922 – Exposição do Centenário, Rio de Janeiro e
de Arte Moderna: o nacionalismo começa a surgir Paulo. reconstrução dos jardins do Ipiranga, São Paulo,
no meios culturais. por Reynaldo Dierberger, o paisagista da elite do
café.
1930 – Final da República Velha. § O edifício de apartamentos, surgido na 1934 – Início das obras de Goiânia: no traçado,
década de 20, consolida-se em áreas centrais nítidas influências clássicas e da cidade-jardim,
do Rio de Janeiro e São Paulo. realizada em parte nas décadas seguintes.
§ Mudança na arquitetura: primeiros edifícios e 1934-1937 – Trabalho de Roberto Burle Marx,
jardins modernos com influência da como diretor de parques e Jardins do Recife. O
arquitetura modernista européia. paisagista desenvolve diversos projetos
modernos na cidade.
1935 – Inauguração do Parque da Redenção,
Porto Alegre.
1937 – Estado Novo: nova política sócio- 1938 – Jardins do MÊS, Rio de Janeiro, e Praça
econômica; influência econômica dos Estados Salgado Filho, ou do Aeroporto, Recife, projetos
Unidos da América. de Burle Marx.
1939-1945 – II Guerra Mundial: transformação da § Nos anos 40, constrói-se em Volta Redonda 1942 – Implantação do Complexo da Pampulha,
indústria e expansão habitacional; novos hábitos, uma área habitacional popular, na forma de Belo Horizonte, com os modernos jardins de Burle
declínio da influência européia. um subúrbio americano junto à Companhia Marx.
Siderúrgica Nacional.
Expandem -se as fronteiras urbanas nos Estados § A influência do urbanismo é mista (européia Durante toda a década de 40, Burle Marx produz
de São Paulo e Paraná. São implantadas novas modernista e americana), mas continuam os projetos modernista trabalhando junto com
cidades ferroviárias com praças centrais e traçado planos e avenidas haussmanianos, que arquitetos moderno. Torna-se o paisagista oficial
em xadrez. É fundada a cidade de Maringá/PR, reformulam velhos centros urbanos. do Estado.
projeto do arquiteto-urbanista Jorge de Macedo § A arquitetura moderna se consolida e os
Vieira. jardins deixam de ser moldura das
residências para também constituírem -se em
espaços de estar, como continuidade da
4
PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

casa.
1947 – Fim do Estado Novo. Forte nacionalismo. § Constroem-se parque infantis e playgrounds. 1954 – Abertura do Parque do Ibirapuera, São
Surgem as piscinas como sonho da classe Paulo, que abandona totalmente os princípios
média. São construídas em alguns centros projetuais do Ecletis mo.
esportivos municipais. 1957 – Concurso de Brasília.
§ O desenho do Ecletismo começa a ser
abandonado também nos espaços públicos, Durante a década de 50, Roberto Coelho
primeiramente devido à influência da obra de Cardozo, um paisagista português radicado em
Roberto Burle Marx. São Paulo, inicia uma forte colaboração com os
§ Entre as décadas de 40 e 60, em termos arquitetos paulistas. Cardozo tem grande
quantitativos são poucos os parques públicos influência de paisagistas da costa oeste
construídos nas cidades brasileiras. americana como Eckbo e outros. Os dois
§ O BNH (Banco Nacional de Habitação) cria Robertos (Cardozo e Burle Marx) possuem um
grandes conjuntos habitacionais dotados de denominador comum: a valorização da vegetação
generosas áreas livres. nativa.

1960 – Inauguração de Brasília, o ideal da cidade


no meio do verde. Criação da paisagem
modernista modelo.
1964 – Governo Militar: período de projetos § A verticalização ainda incipiente começa a se 1964 – Inauguração do Aterro do Flamengo, Rio
urbanos centralizados. espalhar por todas as cidades do país. de Janeiro.
§ Com a consolidação das grandes redes 1967 – Centro Cívico de Santo André, projeto de
nacionais de televisão, alteram-se Burle Marx.
gradativamente os usos dos espaços 1967 – É feito o primeiro e único estudo de áreas
públicos, que são por muitas vezes verdes da cidade de são Paulo por Rosa Kliass,
minimizados. Miranda Magnoli e equipe.
§ Muda o programa de parques e praças, agora 1969 – Plano da Barra, por Lúcio Costa, um
nitidamente voltado para o lazer ativo. projeto modernista com viés ecológico.
§ Expansão urbana. Metropolização.
§ Grandes obras urbanas; terminais, praças,
calçadões, viadutos, etc.
Expansão urbana acelerada. § Década de 70, instala-se a primeira linha do 1970-1980 – São inaugurados mais 10 parques
metrô de São Paulo. na cidade de São Paulo, entre eles o Parque do
§ Consolida-se em São Paulo e Porto Alegre Carmo (aproveitando a mata nativa) e centenas
uma linha de projeto fortemente influenciada de praças.
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PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

por paisagistas da Califórnia/EUA. 1972 – Implantação do Calçadão da Rua XV de


§ São concebidos os primeiros condomínios Novembro/Rua das Flores, Curitiba.
fechados Alphaville, São Paulo, e Barra da 1972 – Inauguração dos Parques Barigüi, São
Tijuca, Rio de Janeiro. Lourenço e Barreirinha, Curitiba.
§ O desenho das praças modernas é muito 1974 – Inauguração do Parque Guarapiranga,
elaborado, com programas complexos ao São Paulo, o primeiro parque à beira da represa
passo que o projeto de parques tende a uma da cidade é inaugurado.
grande simplificação em relação aos do 1975 – Projeto para o Parque Ecológico do Tietê,
período do Ecletismo. São Paulo, por Ruy Othake (construído
§ Surgem as praças-edifícios, muitas delas parcialmente anos depois).
derivadas da construção do metrô, em São 1976 – Parque Iguaçu, Curitiba.
Paulo. O maior exemplo é a Praça da Sé. 1980 – Bosque João Paulo II, primeiro parque
§ Proliferação dos calçadões de área central e temático de Curitiba.
de praia.
Anos 80 – crise do petróleo. § A casa e o prédio isolado: bairros são 1980-1990 – Em São Paulo e por todo o Brasil,
ü Restrições à circulação de veículos. construídos ou reconstruídos sob o novo centenas de projetos de paisagismo são feitos,
ü Criam -se as secretarias do verde e meio modelo. em nível público ou privado.
ambiente. § Com o impedimento momentâneo de 1981 – Construção do Largo da Carioca – a
circulação plena de veículos particulares é versão carioca da praça-edifício, projeto de Burle
incentivado pelo Poder público o uso dos Marx. A nova categorização do espaço urbano faz
espaços livres urbanos. uma ligação com o espaço desconstituído da
§ Valorização do verde, da mata nativa e do esplanada do Castelo e sua torres de escritório.
jardim. 1989 – Implantação do Parque das Pedreiras,
§ Surgem os padrões ecológicos, trazendo de Curitiba.
volta a idéia dos contatos com a vegetação e
os animais nativos.
Década de 90 – aumenta mais a já forte § Os calçadões de praia são renovados e a 1990 – Implantação dos portais étnicos em
influência cultural americana, com a possibilidade ciclovia começa a ser introduzida na orla Curitiba.
de viagens para os EUA de amplos setores da marítima em especial. 1991 – Jardim Botânico, Curitiba – a volta do
classe média. Ecletismo revisto em uma posição pós -moderna,
ü Segregação e violência urbana. privilegiando também a valorização das matas
ü Aumento do uso dos espaços públicos e nativas.
privados urbanos em função do crescente 1991 – Rua 24 horas, Curitiba.
aumento da população das cidades.
1992 – ECO 92, Rio de Janeiro: uma marco das § O modo moderno de projetar começa a sofrer 1992 – Ópera de Arama, Curitiba.
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PAISAGISMO E PANORAMA HISTÓRICO

posturas ecológicas no país. forte influência das novas correntes 1992-1996 – Centenas de novos projetos são
formalistas européias (Paris e Barcelona) e feitos para espaços livres nas cidades de Belo
americanas. Volta-se a um decorativismo e os Horizonte, Fortaleza, Campo Grande, Curitiba,
pórticos e canteiros floridos são elementos Recife. Renovação do Pelourinho em Salvador e
importantes nessas novas obras. do centro do Rio de Janeiro.
§ Começam a ser valorizadas novas formas de 1995 – Rua da Cidadania – Boqueirão, Curitiba.
espaços livres. São Projetados os primeiros 1996 – Parque Tangará, Curitiba.
parques temáticos do país.
§ Por todas as principais cidades, os
ajardinamentos de canteiros centrais de
avenidas são comuns, com forte influência
decorativa. Uso de elementos neo-ecléticos
como fontes, esculturas, arbustos e forrações
cuidadosamente elaboradas.
§ Forte viés romântico no desenho dos jardins
privados, convivendo com firmas tradicionais
modernistas.
§ O jardim florido: um padrão de qualidade.
§ Construção de parques públicos com alto teor
ecológico: Manaus, São Paulo, Teresina e
Salvador.
§ Valorização extrema do “verde” na cidade,
pela mídia, pelo mercado imobiliário e pelo
senso popular.
Quadro 1 – QUADRO CRONOLÓGICO DOS FATOS E PROJETOS PAISAGÍSTICOS MAIS IMPORTANTES DO BRASIL
Fonte: Macedo (1999).

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