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Disciplina: Planejamento Urbano e Regional

6º Período
Professor: Arq. Esp. Cristiano Coimbra

Texto 1

Introdução à teoria, à prática e à evolução


histórica do planejamento urbano e regional

Conceito de Planejamento Urbano

Planejamento:

O planejamento é a atividade pela qual o homem, desde o início da civilização,


tem procurado agir em conjunto, através da manipulação e do controle conscientes da
natureza, com o objetivo de atingir certos fins já previamente determinados por ele
mesmo.

Planejamento Urbano:

O planejamento urbano pode ser entendido como um processo de decisão


constituído por um conjunto de técnicas originárias de várias disciplinas que delineiam
os campos do conhecimento humano com o objetivo de prover a Administração Pública
de instrumentos para a solução dos problemas urbanos. O planejamento urbano seria,
enfim, um meio à disposição da Administração Pública para a busca de
governabilidade.

O planejamento urbano passou a ser sistematicamente considerado a partir do


século XIX quando ocorreu o crescimento acelerado e inédito das principais cidades
européias e dos EUA, em decorrência da Revolução Industrial. O planejamento urbano
tornou-se, então, um poderoso instrumento utilizado pelo Estado para superar o caos
reinante nas grandes cidades, principalmente no que se referia às condições de
saneamento básico.

I.A A Evolução do Urbanismo

I.A.1 Os modelos do Pré-Urbanismo

Desde o séc. XIX e início do séc. XX, houve grande desenvolvimento das teorias
que buscavam ordenar ou simplesmente interpretar as cidades.

Diante do descaso por parte do Estado e da burguesia européia frente às


condições de vida do proletariado, surgiram as primeiras propostas para novos
modelos de cidade como crítica à sociedade industrial. Essas críticas eram movidas
por sentimentos humanitários – de dirigentes municipais, da igreja, de médicos e de
higienistas – ou encabeçadas por pensadores políticos, que vinculavam a crítica da
cidade a uma crítica mais abrangente da sociedade.

Fig. 1 Moradias insalubres na pequena Rua Collingwood de Bethnel Green em 1900. (Fonte: Peter HALL
- Cities of Tomorow – An Intellectual History of Urban Planning and Design in the Twentieth Century
USA, 1988)

A maioria dessas propostas previa transformações sociais como decorrência do


ordenamento do território, a partir de modelos de cidades consideradas ideais, que em
muitos casos incorriam em uma dissociação entre seus princípios e a sua prática. Por
esse motivo, Françoise Choay (1964) classificou esses modelos como pertencentes ao
pré - urbanismo.

Para permitir a formulação de um quadro de referência sobre o assunto, e, sem


a pretensão de formular uma reconstituição da história do urbanismo, seguem-se os
modelos do “pré-urbanismo”.

I.A.1.1 O Modelo Progressista

Segundo descreve Françoise Choay, o espaço da cidade no modelo


progressista é amplamente aberto e ao mesmo tempo fragmentado pela presença de
grandes vazios e área verdes. Essa visão decorre da exigência dos higienistas da
época como forma de ordenar os crescentes problemas das cidades industriais.
O espaço urbano é traçado a partir de uma análise das funções humanas.
Assim, seus idealizadores postulam uma separação nítida entre os locais destinados à
habitação, ao trabalho, à cultura e ao lazer. Essa lógica funcional deve ser disposta de
maneira simples. O modelo progressista tem uma estética austera onde a beleza se
subordina à lógica e onde qualquer herança artística do passado é totalmente
renegada.

Entre as experiências progressistas é importante destacar a empreendida por


Robert Owen, socialista que vivenciou os problemas da nascente sociedade industrial.
Desde os dez anos de idade, Robert Owen trabalhava numa fábrica de beneficiamento
de algodão. Aos dezenove dirigia uma fábrica de tecelagem em Manchester, onde
contribuiu para o aprimoramento das técnicas de fiação.

Em 1798, Robert Owen tornou-se proprietário da fábrica de New Lanark, onde


encontrou oportunidade de implementar mudanças sociais relativas à jornada de
trabalho, condições habitacionais e educação. A partir daí, descreveu um modelo de
convivência ideal, formado por pequenas comunidades semi-rurais, federadas entre si.

O socialista utópico Charles Fourier (1772 – 1837) é considerado o idealizador


do primeiro modelo mais detalhado do urbanismo progressista: a falange.

O falanstério constitui o conjunto de órgãos necessários à falange e suas


principais fundamentações teóricas são:

 o desejo de felicidade orienta toda a atividade humana.


 a felicidade não pode ser encontrada fora do desenvolvimento integral e
harmônico das paixões, isto é, das tendências essenciais do ser humano.
 existe uma harmonia perfeita entre o homem e o universo, ou seja, a
bondade de Deus, sem a qual não será possível encontrar a satisfação
completa das paixões e assim atingir a felicidade.

Dessa forma, na visão de Fourier, o falanstério constitui o único modelo de


associação capaz de apresentar uma combinação harmônica das paixões humanas,
em perfeita correspondência com a combinação harmônica das coisas materiais.

A falange seria composta de uma associação livre de 1500 a 2000 pessoas.


Qualquer associação com número de indivíduos inferior a 1500 teria, segundo a teoria
fourierista, uma escala de características e de paixões incompletas. Por outro lado,
qualquer associação com número superior a 2000 indivíduos estaria exposta a
dicotomias que destruiriam a economia e produziriam a desordem. Segundo suas
paixões, os membros das falanges se repartiriam em séries, subdividas em grupos. O
motivo de suas escolhas estaria exclusivamente na atração por eles provada para com
as coisas, objeto de suas atividades, e para com os outros indivíduos, associados
através do trabalho.

O regime social da falange não admite a propriedade comunitária, conservando


a propriedade individual. Entretanto, através das vantagens da associação, a falange
estende o prazer a todos os seus membros possuidores de ações, que representam a
sua participação no bem maior da sociedade. Não é admitido o princípio da igualdade
de condições e de fortunas. A desigualdade é considerada necessária à harmonia,
permitindo o tratamento desigual das paixões a evitar ou satisfazer. É garantido aos
pobres um oitavo daquilo que possui a classe rica para garantir-lhes um mínimo de
subsistência. Entre todos os membros associados forma-se uma vasta rede de
afeições e de vontades comuns.

A administração do falanstério substitui o governo autoritário, reduzindo-se


quase que exclusivamente à administração das coisas e somente na medida em que
essa administração não fosse limitada aos grupos e às séries e desde que
representasse o interesse de toda a sociedade.

O trabalho no falanstério é produtivo, intensivo e atraente. É intensivo porque


emprega, desenvolve e satisfaz as paixões; é atraente porque somente está submetido
à lei da preferência pessoal. O indivíduo tem direito ao trabalho que escolheu, devendo,
no entanto, ser o seu próprio juiz sobre o quanto irá produzir de acordo com seus
desejos e necessidades, sem perder de vista o interesse coletivo. A divisão do trabalho
obedece à divisão serial da falange realizada em sessões curtas e freqüentes, visando
o aumento da produtividade. Os trabalhos domésticos são substituídos por trabalhos
coletivos, organizados segundo as regras do falanstério. A direção geral do trabalho é
atribuída a um órgão central de registro, de classificação e de comunicação.

A distribuição dos benefícios constitui o problema mais importante desse


sistema. Ela é realizada em três partes; ao trabalho, ao capital e ao talento, segundo
uma relação que faz variar, porém, atendendo mais ao trabalho do que ao talento. A
distribuição da parte atribuída ao talento depende do voto da maioria dos membros da
falange. As maiores somas seriam destinadas às séries onde os trabalhos seriam ao
mesmo tempo os mais necessários e os menos agradáveis, as somas médias, seriam
destinadas às séries onde os trabalhos são os mais úteis sem serem os mais
necessários ou muito desagradáveis e as somas menores seriam destinas às séries
onde os trabalhos são os mais agradáveis sem serem desnecessários ou úteis.

A solidariedade social completa essa obra de aritmética social. A existência de


ligações afetivas que unem os membros da falange introduzem compensações na
divisão do trabalho que torna mais justa a distribuição de benefícios.

O plano da cidade deve ser traçado em três anéis concêntricos: o primeiro


contém a cidade central; o segundo contém os arrabaldes e as grandes fábricas; e o
terceiro contém as avenidas e o subúrbio, separados por áreas verdes e plantações
sem que essas venham a cobrir a visão do conjunto. Deveria ser totalmente ignorado o
modelo das cidades existentes e um outro padrão de edifícios deveria ser construído.

O centro do falanstério, ou edifício da falange deve ser destinado às funções


tranqüilas, aos refeitórios, salas da bolsa, do conselho, biblioteca, salas de estudo, etc.
Uma das alas deve reunir todas as oficinas ruidosas, como: carpintaria, ferraria, e os
conjuntos industriais e de crianças. A outra ala deve abrigar a hospedaria, com suas
salas de banho e de reuniões dos visitantes.
Todo o conjunto é ligado por ruas galerias (corredores abrigados das
intempéries) que se desenvolve a partir do primeiro andar dos edifícios deixando livre o
térreo para o tráfego dos coches.

Não é possível descrever com exatidão a composição material do falanstério o


mais importante é saber que deve ser uma obra de harmonia e de beleza, na qual
todas as partes estejam perfeitamente conformes ao ideal da arte e ao mesmo tempo,
perfeitamente apropriadas ao seu destino.

Após a morte de Fourier, Victor Considérant (1808-1893) politécnico e


engenheiro passou a se dedicar à difusão das idéias fourieristas.

Fig. 2 Vista de um Falanstério, uma aldeia francesa projetada por Charles Daubigny, em 1848, de acordo
com as teorias sociais de Charles Fourier. (Fonte:Frank SVENSSON, Montigny e Vautier, dois arquitetos
revolucionários do século XIX no Brasil. Mimeo FAU/UNB, Brasília, 1988)

Considérant descreveu em sua obra Description du Phalanstère, a organização


do estabelecimento urbano proposto por Fourier de forma mais clara e sintética.

Fig. 3 Perspectiva de um Falanstério projeto de Victor Considérant, 1848 (Fonte:Frank SVENSSON,


Montigny e Vautier, dois arquitetos revolucionários do século XIX no Brasil. Mimeo FAU/UNB, Brasília,
1988)

Segundo Choay, ao contrário da cidade ocidental tradicional e do centro das


grandes cidades industriais, o modelo progressista não se constitui uma solução densa,
maciça, mais ou menos orgânica. Esse modelo propõe uma localização fragmentada,
em bairros atomizados, ou comunas, ou falanges, auto-suficientes, indefinidamente
justapostos, entrecortados de espaços verdes.
Choay ressalta que o modelo progressista apresenta-se como sistema
repressivo e limitador apesar de ter como objetivo a liberação da existência cotidiana
dos problemas das cidades industriais. A limitação deste modelo está, num primeiro
nível, na rigidez de um quadro espacial predeterminado. Fourier e Garnier, por
exemplo, chegam até a regulamentar os embelezamentos da cidade. Num segundo
nível, a ordem espacial prova que deve ser assegurada por uma limitação política.
Fourier apresenta um sistema de valores comunitários repressivos que se esconde por
trás de fórmulas amáveis, onde o autoritarismo político está presente em todas as
propostas, dissimulados em uma terminologia democrática cujo objetivo comum, mais
ou menos assumido, constitui o rendimento máximo.

I.A.1.2 O modelo Culturalista

O modelo culturalista tem como ponto de partida não apenas a situação do


indivíduo em si, mas a totalidade do agrupamento humano, a cidade. Ao contrário do
modelo progressista, cada indivíduo tem suas características próprias, sua
individualidade que o torna insubstituível dentro de sua comunidade. A principal
premissa ideológica deste modelo não é o conceito de progresso, mas o de cultura.
Nesse modelo a preeminência das necessidades materiais desaparece diante das
necessidades espirituais. Daí prever que o planejamento urbano será realizado de
acordo com modalidades menos rigorosamente determinadas sem, no entanto, deixar
de apresentar um certo número de determinações espaciais e de características
materiais a fim de poder alcançar a bela totalidade cultural, concebida como um
organismo onde cada um mantém o seu papel original.

Em oposição à aglomeração do modelo progressista, a cidade culturalista


encontra-se bem circunscrita no interior de limites precisos. Ela deve formar um claro
contraste com a natureza que se procura preservar no estado mais selvagem. As suas
dimensões são modestas, inspiradas em cidades como Oxford e Rouen. A população é
descentralizada e dispersa em uma multiplicidade de pontos. O seu plano não admite
nenhum traço de geometrismo e somente através da ordem orgânica é possível
integrar as heranças da história e as particularidades da paisagem.

No que diz respeito às construções, nenhum protótipo ou padrão é aceito. Cada


construção deve exprimir sua especificidade.

Segundo analisa Choay, no plano político, no modelo culturalista a idéia de


comunidade é substituída por fórmulas democráticas. No plano econômico, a ênfase é
dada ao antiindustrialismo: a produção deixa de ser encarada estritamente do ponto de
vista do rendimento máximo.

O importante a ser destacado é que todos os pensadores deste período


imaginam a cidade como modelo, a cidade ao invés de ser pensada como processo ou
problema é sempre colocada como objeto reprodutível. Na prática esses modelos
limitam-se a um número de realizações concretas. Na visão de Choay, o fracasso
desses modelos está ligado ao caráter restritivo e repressivo de sua organização, e
principalmente por seu rompimento com a realidade sócio-econômica contemporânea.
I.1.3 A crítica de Marx e Engels

Ao contrário de outros pensadores políticos do séc.XIX, Marx e Engels criticaram


as grandes cidades industriais sem propor um modelo de cidade futura.

Para estes pensadores a cidade constitui o lugar da história. O horizonte da


cidade é a tela de fundo sobre a qual se desenha o conjunto do pensamento histórico e
político desses pensadores. Foi na cidade que a burguesia inicialmente se
desenvolveu, cresceu e foi também dali que o proletariado industrial nasceu, para
depois lhe caber a tarefa de executar a revolução socialista e de realizar o homem
universal. O papel histórico da cidade do séc. XIX é a expressão de uma ordem que
precisa ser ultrapassada. A cidade é apenas o aspecto particular de um problema geral
e sua forma futura está ligada ao advento da sociedade sem classes. Portanto, torna-
se inútil prever um planejamento futuro sem qualquer tomada de poder revolucionário.

Referências Bibliográficas:

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S.A .Barcelona,1978

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.BENEVOLO, Leonardo. História da Arquitetura Moderna. Editora Perspectiva, São


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Editora DUNOD, Paris, 1980

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.FORESTER, John Planning in the Face of Power. Berkeley: University of California


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.HALL, Peter. Cities of Tomorrow – An Intellectual History of Urban Planning and


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.HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles – Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa. Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua
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OGLIARI, Tatiana Celliert. O Sistema de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito


Federal a partir dos anos 90: Uma Avaliação dos Planos Diretores Locais de
Sobradinho e Taguatinga. Dissertação de Mestrado FAU/UnB, 2002.

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